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DIVERSIDADE
LINGUÍSTICA DO RS:
inventariar |
reconhecer |
salvaguardar |
promover |
“Se você falar com um homem numa língua que ele compreende, a mensagem entra em sua
cabeça. Se você falar com ele em sua própria língua, a mensagem entra em seu coração.”
(Nelson Mandela)
330 línguas
No cenário das línguas faladas no Brasil, o Rio Grande do Sul assume posição de
destaque por diversas razões:
1) Segundo o censo do IBGE de 1940/1950, último censo que ainda perguntava por
“outras línguas faladas no lar”, o Rio Grande do Sul concentrava 47,6% do total de
bilíngues no Brasil, portanto praticamente a metade.
2) Este índice é corroborado por um levantamento posterior (do BIRS – Bilinguismo no Rio
Grande do Sul), realizado por Walter Koch & Cléo V. Altenhofen, em 1989-1990, em
que foram enviados questionários às Juntas de Serviço Militar do Rio Grande do Sul.
Com isso, pretendeu-se obter dados comparáveis de jovens alistados (na idade de 18
anos) que cobrissem o máximo da área do Estado. O quadro comparativo a seguir, de
Altenhofen (2018, no prelo), entre o IBGE (1940) e o BIRS (1990), revela a dimensão do
plurilinguismo no Rio Grande do Sul, que concentra o maior número de falantes de
alemão e de italiano no Brasil.
Conforme mostra o censo de 1940, o Rio Grande do Sul concentrava o maior número
de falantes bilíngues (747.859 = 47,6% do total de bilíngues no Brasil,1 cujo número total é
estimado em 1.624.689). Se fizermos as comparações possíveis no quadro analisado, o
alemão representa aproximadamente a metade desse contingente (1,56% do total de
bilíngues no Brasil e 61,13% do total de falantes de alemão no Rio Grande do Sul), seguido
do italiano (64,62% no Rio Grande do Sul), japonês (92,38% em São Paulo) e demais línguas
de imigração, sobretudo línguas eslavas (36,9% no Paraná e 27,42% no Rio Grande do Sul).
Como mostra o mapa a seguir,2 baseado nos dados do Censo, ainda não temos
contabilizadas as populações de migrantes gaúchos, entre os quais sobretudo excedentes
das áreas de imigração alemã, italiana e polonesa, que, a partir de 1950, inicia a ocupação
de terras no centro-oeste e Amazônia. Antes, já haviam saído migrantes dessas áreas para
Misiones (Argentina), oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná, bem como da região
fronteiriça do Paraguai, mas ainda poucos no centro-oeste.
1
Em relação ao total de bilíngues, no país.
2
O termo alienígena deve ser visto no contexto da época, como línguas fora do grupo de línguas indígenas.
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'Povos' são aqueles que apresentam uma língua materna própria. O Povo Pomerano
é um povo camponês e utiliza sua língua em processos de trabalho, de rituais, na
vida doméstica e em algumas situações de religiosidade. Os estudos sobre a Língua
Pomerana no Brasil têm demonstrado que sua presença é de grande vitalidade.
Tressmann (2008) considera que o Pomerano descende de uma língua comum, o
Saxão Antigo, sendo o Pomerano caracterizado por ele como uma língua Baixo-
Saxônica, das terras baixas do Báltico. Em seu Dicionário Enciclopédico Pomerano-
Português, publicado em 2006, apresenta um quadro diferenciativo. No caso do RS,
nos municípios onde foram identificados falantes da língua pomerana, sua presença
e uso se mostram constantes, sendo o bilinguismo uma característica presente. A
manutenção da língua é também maior nas faixas etárias mais elevadas,
especialmente em sujeitos com mais de 20 anos.
O Decreto Presidencial 6.040/200711, que institui a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, dá amparo
e existência pública oficial aos diferentes Povos e Comunidades. Por
apresentarem formas próprias de organização social e ocupação de território
(físico e simbólico), conhecimentos transmitidos pela tradição como elementos
de condição de sua reprodução cultural, são considerados sujeitos de direitos,
conforme define o Inciso I do art. 3.º: I - Povos e Comunidades Tradicionais:
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição; (Inciso I, do art. 3.º, do Decreto n. 6.040, 7 de
fevereiro de 2007). Os pomeranos, enquanto um Povo Tradicional, têm
reivindicado através de Cartas Reivindicatórias a salvaguarda, a promoção e o
registro de sua cultura, língua, rituais e modos de fazer. Esses processos têm
base em documentos e declarações que tomam forma em um processo de
emancipação cultural em curso, materializado nos documentos produzidos nos
encontros nacionais (POMERBR), a que se faz referência no item 3.3. No seu
conjunto de reivindicações, busca-se o reconhecimento de direitos do Povo
Pomerano, em especial, do direito a manter viva sua língua e cultura, conforme
reza a Constituição Federal do Brasil (1988) e as decorrentes legislações do
Estado Brasileiro e da Unesco e demais Declarações e Convenções das quais o
Estado Brasileiro é partícipe e signatário. Essas demandas são produtos do
processo de organização política da sociedade civil. Na Assembleia Legislativa do
Rio Grande do Sul, tramita o projeto de lei visando declarar como bem
integrante do patrimônio histórico e cultural no âmbito do Estado do Rio Grande
do Sul a Cultura e a Língua Pomerana falada e escrita. Em São Lourenço do Sul, a
Língua Pomerana foi declarada Patrimônio em 2017 e, em Canguçu, desde 2010
é língua cooficial. No Brasil, a língua é cooficializada em 8 municípios.
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III - No grupo italiano: desde 1875. Variedades imigradas ao RS: Talian (de base
vêneto rio-grandense), Bergamasco, Calabrês, Cimbro (†), Cremonês, Friulano,
Milanês, Veronês, Vicentino, Trentino, Trevisano. O Rio Grande do Sul abrigou
uma grande diversidade de variedades do italiano, entre as quais se destaca o
Talian como língua comum de intercomunicação entre os imigrantes. Sua origem
de formação está na grande Região de Colonização Italiana do Rio Grande do Sul
(RCI/RS), a partir da vinda dos primeiros imigrantes em 1875. Estes se
localizaram em travessões compostos por imigrantes de diferentes locais do
norte da Itália, com diferentes variedades do italiano. A necessidade de
comunicação exigiu uma língua geral – a coiné – composta por uma variedade de
falares italianos em contato com o português. Deste modo, o Talian não é o
mesmo falado na Itália, assim como também não é o vêneto, embora tenha uma
base linguística que permite identificá-lo como tal devido à sua proveniência. O
Talian foi inventariado segundo o Decreto n° 7387 de 09 de dezembro de 2010
(que institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística) e recebeu em 2014
o Certificado de Referência Cultural Brasileira. Está muito presente no RS, como
pode ser visto no resultado do censo feito em 2017 por alguns municípios de
colonização italiana. No conjunto das pessoas recenseadas, o domínio do Talian
(pessoas que falam e/ou só entendem) mostrou o seguinte: Antônio Prado,
domínio de 82,90%; Fagundes Varela, 80,66%; Guaporé, 74,20%; Vista Alegre do
Prata, 72,13%; Protásio Alves, 68,48%; São Marcos, 33,37%; Marau, 31,53%;
Farroupilha, 24,57% de domínio. Esta amostra pode ser estendida para muitos
outros municípios. No Brasil, além do RS, o Talian é falado em muitos outros
estados. Mas é no Rio Grande do Sul que se concentra o maior número de
falantes de italiano, no Brasil – cerca de 64,62%, se tomarmos por base as
tendências apontadas no censo do IBGE 1940 (ver quadro acima). No RS, há
vários municípios que já possuem uma legislação definindo o Talian como língua
cooficial, entre eles: Serafina Corrêa (Lei Municipal nº 2615, de 13 de novembro
de 2009), Flores da Cunha (Lei Municipal 3.180, de 27 de abril de 2015), Paraí
(Lei nº 3122, de 25 de agosto de 2015), Nova Roma do Sul (Lei Municipal nº
1310, de 16 de outubro de 2015), Fagundes Varela (Lei Municipal nº 1.922, de 10
de junho de 2016), Antônio Prado (Lei Municipal 3017, de 28 de setembro de
2016), Ivorá (Lei municipal n° 1.307, de 23 de março de 2018) e Caxias do Sul
(segunda língua – Lei Municipal nº 8208, de 09 de outubro de 2017). É
importante citar que existe uma produção significativa de literatura, dicionários,
gramáticas e músicas em Talian, assim como uma forte difusão via programas de
rádio (50 programas inventariados entre RS, SC, PR, MG e ES, constantes no
Relatório Final do Projeto Piloto “Inventário do Talian“, p. 10 e 11, 2010).
Segundo a Associação dos Difusores do Talian (ASSODITA), hoje, 2018, cerca de
250 programas de rádio no RS e no Brasil.
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3.2 O que fazer para revitalizar as línguas maternas e evitar a sua perda?
Tendo em vista, por fim, que são políticas de gestão compartilhada em todos os
níveis de governo, este Colegiado Setorial da Diversidade Linguística do RS
RECOMENDA:
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Referências bibliográficas
ALTENHOFEN, Cléo V. Stützung des Spracherhalts bei deutschsprachigen Minderheiten:
Brasilien. In: AMMON, Ulrich; SAMBE, Shinichi; SCHMIDT, Gabriele (Hrsg.). Förderung der
deutschen Sprache weltweit. Vorschläge, Ansätze und Konzepte [Arbeitstitel]. Berlin: de
Gruyter, 2018. [Manuscrito encaminhado; no prelo]
BIALYSTOK, Ellen. Consequences of bilingualism for cognitive development. In: KROLL, Judith
F. & GROOT, Annette M. B. de (eds.). Handbook of bilingualism. Oxford: Oxford University
Press, 2005. p. 417-432.
CÔRTES, Geraldo de Menezes. Migração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro: José
Olímpio, 1958.
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Estudos sôbre as línguas estrangeiras
e aborígenes faladas no Brasil. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1950.
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Os indígenas no censo demográfico
2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro, 2012.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf.
Nota: Este documento foi elaborado pela Coordenação do Colegiado Setorial da Diversidade Linguística
do RS, com a colaboração e validação de seus membros, que vão referenciados no corpo do texto.
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Cléo Vilson Altenhofen Marley Pertile
Coordenador (cvalten@ufrgs.br) Vice-Coordenadora (marleytp@gmail.com)
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João Wianey Tonus
Secretário Executivo (jtonus@hotmail.com)