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DIVERSIDADE
LINGUÍSTICA DO RS:
inventariar |
reconhecer |
salvaguardar |
promover |

I. vantagens sociais e cognitivas do plurilinguismo


II. patrimônio cultural imaterial e herança histórica
III. fundamento de uma educação de qualidade, plural e inclusiva
IV. potencial econômico para o turismo e para a produção cultural
V. expressão da identidade e da afetividade

CONTRIBUIÇÕES PARA UM PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE


AÇÕES PARA A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RIO GRANDE DO SUL
Colegiado Setorial da Diversidade Linguística do RS

Porto Alegre, 26 de setembro de 2018


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DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RS:


inventariar | reconhecer | salvaguardar | promover
CONTRIBUIÇÕES PARA UM PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DE
AÇÕES PARA A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RIO GRANDE DO SUL
Colegiado Setorial da Diversidade Linguística do RS

“A perda de línguas empobrece a humanidade.” (Irina Bokova – Diretora Geral da UNESCO)

“Se você falar com um homem numa língua que ele compreende, a mensagem entra em sua
cabeça. Se você falar com ele em sua própria língua, a mensagem entra em seu coração.”
(Nelson Mandela)

1 PONTO DE PARTIDA E PROPÓSITO

O presente programa de planejamento estratégico tem por foco a diversidade


linguística do Rio Grande do Sul, entendida como

 um patrimônio cultural imaterial de enorme valor para a sociedade rio-


grandense e brasileira, haja vista constituir parte de nossa história e identidade
e representar
 um conhecimento imprescindível no mundo globalizado, caracterizado pela
crescente mobilidade e acesso a línguas e culturas diversas, para as quais a
competência plurilíngue – seja ela hegemônica ou minoritária – são
 um diferencial e um potencial inquestionável para o desenvolvimento econômico,
intelectual, cultural e científico.
Como representante legítimo da sociedade plural que compõe o Rio Grande do Sul,
em especial de suas diferentes línguas, este Colegiado Setorial da Diversidade Linguística
do RS, recém-criado no âmbito da política de fomento e salvaguarda dos bens culturais de
nosso Estado, vem, por meio deste planejamento estratégico, propor e reivindicar um
conjunto de ações e decisões que tem por objetivo quatro pilares de sustentação:
1º) inventariar, visibilizar e conhecer, por meio do fomento à pesquisa e de outros
levantamentos sistemáticos (por exemplo censos escolares, locais e regionais), a
diversidade linguística do RS;
2º) reconhecer, por meio de uma posição clara e responsável, o valor da
diversidade linguística do RS, como um bem e um capital cultural de direito e de valor,
que deve impreterivelmente ser considerado nas decisões de governo;
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3º) salvaguardar e reafirmar, por meio de ações concretas, seu compromisso em


zelar e manter as línguas faladas pelas diferentes comunidades, como um bem e um
capital cultural pelo qual o Estado se reconhece responsável;
4º) promover, por meio de ações de educação, revitalização e otimização do
plurilinguismo para o desenvolvimento social, econômico, cultural e científico, o uso e
conhecimento das línguas maternas de origem imigrante, indígena, afro-descendente, de
fronteira, de língua de sinais, ou mesmo da própria variedade regional do português.
Contribuem na construção deste planejamento estratégico, nos quatro campos de
ação mencionados: em primeiro lugar, as comunidades de falantes, às quais o Colegiado
busca dar ouvidos, assumindo-se como seu porta-voz, na interlocução com o Estado. Em
segundo lugar, está o conhecimento produzido em projetos de pesquisa, sobretudo no
âmbito acadêmico e cultural, e em estudos realizados por instâncias de gestão de línguas
ao nível local das municipalidades. Em terceiro lugar, é preciso acrescentar que este
planejamento se alinha à Política Nacional da Diversidade Linguística (PNDL), levada a
termo pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e que tem no
Inventário Nacional da Diversidade de Línguas (INDL) – instituído pelo Decreto nº 7.387,
de 09 de dezembro de 2010, a base principal que organiza o reconhecimento,
salvaguarda e promoção das cerca de 330 línguas faladas no território brasileiro. Esta
política está, por sua vez – quarto lugar –, alinhada com as preocupações a nível mundial,
expressas sobretudo no âmbito de organismos como a UNESCO, de manutenção e
acolhimento do patrimônio cultural representado por cerca de 6.912 línguas que,
segundo o compêndio Ethnologue, ainda são faladas pela humanidade, mas que quase a
metade delas se encontram em sério risco de extinção. Entre os motivos estão a
integração dos povos tradicionais a culturas dominantes e a globalização.
Vejamos o que se pode, no item 2, ler e ouvir dessas diferentes vozes, e o que, item 3,
o Colegiado vem trazer à consideração do Estado e da sociedade de modo geral, a partir
daí, como propostas e reivindicações para inventariar | reconhecer | salvaguardar |
promover a diversidade linguística do RS.

2 GESTORES E SETORES QUE ATUAM NESTE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO


2.1 O COLEGIADO SETORIAL DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO RS
Os Colegiados Setoriais estão previstos no Sistema Estadual de Cultura. O Colegiado
Setorial da Diversidade Linguística do RS foi criado em Assembleia Temática realizada no
dia 24 de março de 2018. No dia 07 de junho de 2018, realizou-se a primeira Plenária, na
Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul
(SEDACTEL). Nela foi aprovado o Regimento Interno e escolhida a coordenação, para os
próximos dois anos. Foi eleito como coordenador o Prof. Cléo Vilson Altenhofen,
pesquisador do Instituto de Letras, da UFRGS, Marley Terezinha Pertile, como
coordenadora adjunta, e João Wianey Tonus, para a secretaria executiva.
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A composição do Colegiado reflete o conjunto das línguas faladas no Rio Grande do


Sul, portanto da diversidade linguística enquanto habilidade plurilíngue e patrimônio
cultural imaterial. Sua constituição se renova a cada dois anos, sendo as plenárias
presenciais abertas à participação de demais interessados. São os seguintes os membros
do Colegiado – gestão 07/06/2018 a 07/06/2020 – que vêm propor e apresentar este
planejamento estratégico:

Nome Língua Referência Município


1. André Hamerski – Titular Polonês Nova Prata
Sidnei Ordakowski – Suplente Polonês Porto Alegre
2. Celia Weber Heylmann – Titular Profa. de Alemão Nova Petrópolis
Ingrid Kuchenbecker – Suplente Profa. Língua Estrangeira Porto Alegre
3. Myrna Gowert Madia Berwaldt Titular Língua Pomerana Rio Grande
Nilza Tessmam Castro - Suplente Língua Pomerana Camaquã
4. José Cirilo Pires Morinico – Titular Guarani Porto Alegre
Jorge Ramos Morinico – Suplente Guarani Porto Alegre
5. Juvenal Jorge Dal Castel – Titular Talian Porto Alegre
Júlio Posenato – Suplente Talian Porto Alegre
6. Marcos Vesolosquzki – Titular Kaingang C. Morro Santana POA
Angelica Domingos – Suplente Kaingang C. Morro do Osso POA
7. Abiodun Kazeem Fashola – Titular Iorubá (Nigéria) Porto Alegre
Idowu Akinruli – Suplente Iorubá (Nigéria) Porto Alegre
8. Ricardo Lawrenz – Titular Alemão Nova Petrópolis
Luciane Roseli Schommer – Suplente Alemão Nova Petrópolis
9. João Wianey Tonus – Titular Talian Caxias do Sul
Agenor Casaril – Suplente Talian Porto Alegre
10. Luciana Terezinha Novinski – Titular Polonês Dom Feliciano
Maria Vanda Krepinski Groch – Suplente Polonês Erechim
11. Carmo Thum – Titular Língua Pomerana Pelotas
Giales Raí Blödorn Rutz – Suplente Língua Pomerana Canguçu
12. Cléo Vilson Altenhofen – Titular Hunsrückisch Porto Alegre
Letícia Cao Ponso – Suplente Línguas Afro-brasileiras Porto Alegre
13. Marley Terezinha Pertile – Titular Talian Nova Petrópolis
Maria Inês Bernardi Chilanti – Suplente Talian Antonio Prado
14. Darcy Loss Luzzatto – Titular Talian Pinto Bandeira
Rosalina Zorzi – Suplente Talian Porto Alegre
15. Frinéia Zamin – Titular Patrimônio cultural Porto Alegre
Estela Machado Winter Galmarino – Suplente Div. e Culturas Indígenas Porto Alegre

Independente das línguas às quais se vincula cada um dos membros do Colegiado, é


importante ressaltar que sua representação vai além da língua particular, tendo em vista
seu comprometimento, conforme o que determina o regimento interno, com o conjunto
das línguas e comunidades que compõem a sociedade rio-grandense, bem como o
compromisso de colocar na pauta do desenvolvimento temas centrais do plurilinguismo,
de interesse aos diversos setores da vida social.
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2.2 CONVENÇÃO DA UNESCO E DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS LINGUÍSTICOS

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e


a Cultura, UNESCO, em sua 33ª reunião, celebrada em Paris, de 03 a 21 de outubro de
2005, publicou a CONVENÇÃO sobre a proteção e promoção da Diversidade das
Expressões Culturais, texto ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo
485/2006, e em um dos itens diz:

“Recordando que a diversidade linguística constitui elemento fundamental da


diversidade cultural, e reafirmando o papel fundamental que a educação
desempenha na proteção e promoção das expressões culturais...”

As instituições e organizações não governamentais signatárias da Declaração


Universal dos Direitos Linguísticos, reunidas em Barcelona de 6 a 9 de Junho de 1996,
definem como objetivos fundamentais:
— Em uma perspectiva política, conceber uma organização da diversidade linguística que
permita a participação efetiva das comunidades linguísticas neste novo modelo de
crescimento.
— Em uma perspectiva cultural, tornar o espaço de comunicação mundial plenamente
compatível com a participação equitativa de todos os povos, de todas as comunidades
linguísticas e de todas as pessoas no processo de desenvolvimento.
— Em uma perspectiva econômica, promover um desenvolvimento duradouro baseado
na participação de todos e no respeito pelo equilíbrio ecológico das sociedades e por
relações equitativas entre todas as línguas e culturas.
Por todas estas razões, esta Declaração toma como ponto de partida as
comunidades linguísticas, e não os Estados, e inscreve-se no quadro do reforço das
instituições internacionais capazes de garantir um desenvolvimento duradouro e
equitativo para toda a humanidade. Sua finalidade é favorecer um quadro de organização
política da diversidade linguística baseado no respeito, na convivência e no benefício
recíprocos.

2.3 O PLURILINGUISMO E AS LÍNGUAS MATERNAS FALADAS NO BRASIL


Calcula-se em pouco menos de 3% o número de brasileiros que, na família,
fazem uso de uma segunda língua, ao lado do português (v. ALTENHOFEN, 2018, no
prelo). Em uma população estimada de 207.660.929 habitantes, em 2017 (ver
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama), este índice está ainda muito aquém do que
se espera de um país que busca uma posição de destaque no cenário internacional.
Não estamos mais sós; nos inserimos no mundo globalizado, de crescente
mobilidade geográfica e acesso a diferentes tecnologias da comunicação, em especial à
Internet, ao comércio internacional e à circulação do conhecimento científico e
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tecnológico. Neste contexto, tornam-se cada vez mais indispensáveis as competências


plurilíngues envolvendo línguas maternas diferentes – não apenas inglês e português. Ser
plurilíngue significa apoderar-se de outras visões de mundo (W. von Humboldt) e garantir
a intercompreensão necessária para a convivência pacífica e transmissão de
conhecimento. Basta abrir a janela de línguas da Wikipedia, para constatar que é o
plurilinguismo a língua do futuro.
Neste cenário, é preciso distinguir as competências plurilíngues (plurilinguismo) da
coexistência de línguas que compartilham um território (multilinguismo). Assim, se de um
lado temos pouco menos de 3% de plurilíngues, de outro convivem no território brasileiro
cerca de 330 línguas maternas, entre as quais 274 línguas indígenas (censo IBGE 2010), 56
línguas de imigração, línguas de sinais (especialmente LIBRAS), línguas afro-brasileiras e
línguas crioulas. A relação lembra um funil:

330 línguas

< 3% de falantes plurilíngues

Esta relação desproporcional entre línguas na sociedade e indivíduos plurilíngues


sugere não apenas a necessidade de salvaguarda da diversidade de línguas faladas, como
um patrimônio cultural imaterial constitutivo da história local e um potencial para a
cultura, educação e economia do país, como também a manutenção da competência de
seu uso como língua materna, como um conhecimento de valor e um benefício cognitivo
comprovado pelos estudos (BIALYSTOK, 2005). A aquisição precoce ou mesmo a simples
exposição a línguas distintas, na idade pré-escolar, amplia as capacidades cognitivas,
retarda em pelo menos 4 anos a manifestação de males de demência (como o mal de
Alzheimer), na velhice, fomenta a tolerância e o respeito à diversidade social, étnica,
cultural, de gênero, além de facilitar consideravelmente a aprendizagem de línguas
adicionais.
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2.4 O RIO GRANDE DO SUL NO CENÁRIO DAS LÍNGUAS FALADAS NO BRASIL

No cenário das línguas faladas no Brasil, o Rio Grande do Sul assume posição de
destaque por diversas razões:
1) Segundo o censo do IBGE de 1940/1950, último censo que ainda perguntava por
“outras línguas faladas no lar”, o Rio Grande do Sul concentrava 47,6% do total de
bilíngues no Brasil, portanto praticamente a metade.
2) Este índice é corroborado por um levantamento posterior (do BIRS – Bilinguismo no Rio
Grande do Sul), realizado por Walter Koch & Cléo V. Altenhofen, em 1989-1990, em
que foram enviados questionários às Juntas de Serviço Militar do Rio Grande do Sul.
Com isso, pretendeu-se obter dados comparáveis de jovens alistados (na idade de 18
anos) que cobrissem o máximo da área do Estado. O quadro comparativo a seguir, de
Altenhofen (2018, no prelo), entre o IBGE (1940) e o BIRS (1990), revela a dimensão do
plurilinguismo no Rio Grande do Sul, que concentra o maior número de falantes de
alemão e de italiano no Brasil.

Censo IBGE 1940 BIRS 1990


Brasil Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul
Total da 41.236.315 3.320.689 9.135.479
População (cf. Censo de 1991)
% = Pop. % = Pop. % = Pop.
Total de 3,94% 1.624.689 22,46% 747.859 30,85% 2.818.295
Bilíngues (= 47,6% do total (GII / pais) (GII / pais)
de bilíngues no 19,10% 1.744.876
Brasil) (GI / 18 anos) (GI / 18 anos)
11,75%
(perda de
falantes da GII
para a GI)
Alemão 1,56% 644.458 11,86% 393.934 10,72% 979.323
(= 61,13% do (GI / 18 anos)
total de falantes
no RS; em SC
27,43%)
Italiano 1,11% 458.054 8,91% 295.995 6,43% 587.411
(= 64,62% do total (GI / 18 anos)
de falantes no RS;
em SC 20,87%)
Japonês 0,47% 192.698 0,04% 270 0,08% 7.308
(92,38% em (178.007 em (GI / 18 anos)
SP) SP)
Polonês Outras línguas 167.362 Outras línguas 45.888 0,75% 68.516
europeias: europeias: (PR = 61.751 = (GI / 18 anos)
0,41% 1,38% 36,9%)

Quadro comparativo da estimativa de falantes de línguas de imigração nos dados do


Censo do IBGE 1940 e do BIRS 1990, segundo Altenhofen (2018, no prelo)
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Conforme mostra o censo de 1940, o Rio Grande do Sul concentrava o maior número
de falantes bilíngues (747.859 = 47,6% do total de bilíngues no Brasil,1 cujo número total é
estimado em 1.624.689). Se fizermos as comparações possíveis no quadro analisado, o
alemão representa aproximadamente a metade desse contingente (1,56% do total de
bilíngues no Brasil e 61,13% do total de falantes de alemão no Rio Grande do Sul), seguido
do italiano (64,62% no Rio Grande do Sul), japonês (92,38% em São Paulo) e demais línguas
de imigração, sobretudo línguas eslavas (36,9% no Paraná e 27,42% no Rio Grande do Sul).
Como mostra o mapa a seguir,2 baseado nos dados do Censo, ainda não temos
contabilizadas as populações de migrantes gaúchos, entre os quais sobretudo excedentes
das áreas de imigração alemã, italiana e polonesa, que, a partir de 1950, inicia a ocupação
de terras no centro-oeste e Amazônia. Antes, já haviam saído migrantes dessas áreas para
Misiones (Argentina), oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná, bem como da região
fronteiriça do Paraguai, mas ainda poucos no centro-oeste.

Mapa 1 - Distribuição dos falantes de línguas de imigração de acordo com os dados do


Censo do IBGE 1940 (CÔRTES, 1958: mapa 2).

1
Em relação ao total de bilíngues, no país.
2
O termo alienígena deve ser visto no contexto da época, como línguas fora do grupo de línguas indígenas.
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3) Encontram-se, no Rio Grande do Sul, os mais diferentes tipos de línguas e contatos


linguísticos, conforme as categorias de línguas previstas na política do Inventário
Nacional da Diversidade Linguística (INDL), junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), a saber:
a) Línguas indígenas: Segundo dados do Censo Demográfico do IBGE (2010), chega a
32.989 a população autodeclarada indígena que vive no Rio Grande do Sul. Este
número equivale a 4,0% do total da população autodeclarada indígena, no país, e
0,3% do total da população no Rio Grande do Sul. Embora esses números sejam
proporcionalmente baixos, tanto mais se justifica a necessidade de inventariar |
reconhecer | salvaguardar | promover as línguas ancestrais dessa população que
faz parte de nossa história e formação. Das 270 línguas indígenas levantadas pelo
Censo, ainda são faladas no Rio Grande do Sul especialmente o guarani e o
Kaingang (pt. caingangue). Vale lembrar que, a nível do Mercosul, o guarani
constitui uma das línguas oficiais, embora se distinga entre o guarani paraguaio e o
guarani étnico (ou guarani tribal).
b) Línguas afro-brasileiras: O Rio Grande do Sul é, segundo dados da Fundação Cultural
Palmares (MinC – FCP, v. http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2018/
01/QUADRO-GERAL-29-01-2018.pdf), o 6º Estado com maior número de
comunidades quilombolas certificadas, somando 125 comunidades, em 2018.
Também chama a atenção que, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2012, o Rio Grande do Sul é o Estado
do Brasil com o maior percentual de pessoas que se dizem adeptas de religiões afro-
brasileiras, ou seja, 1,47% da população (v. https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/
noticia/2012/06/dados-do-ibge-colocam-municipios-do-estado-como-campeoes-
em-credos-3806966.html).
c) Línguas de sinais: A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi oficialmente
reconhecida e aceita como segunda língua oficial brasileira, através da Lei 10.436,
de 24 de abril de 2002, que instituiu o direito à educação em LIBRAS para a
população surda. Sua regulamentação pelo Decreto 5.626, de 22 de dezembro de
2005, valorizou e ampliou os espaços de uso dessa língua. No âmbito do Rio Grande
do Sul, foi criado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2006, o
curso de Bacharelado em Letras/Libras, como um dos polos de formação de
tradutores, intérpretes e professores de Libras. Vale ressaltar que, de acordo com o
Censo de 2000, há no Brasil mais de 5,7 milhões de pessoas com deficiência
auditiva. Dados do Censo Escolar de 2005, realizado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), indicam que na educação básica
estão matriculados mais de 66 mil alunos com surdez, e a maioria deles se
comunica em Libras. Só no Rio Grande do Sul, a surdez atinge 450 mil pessoas.
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d) Línguas de fronteira: português e espanhol, bem como portunhol. Diversas ações


de aproximação com os países vizinhos do Prata, com os quais o Rio Grande do Sul
faz fronteira, dão conta da importância incontestável do contato português-
espanhol nesta região. Neste particular, cabe mencionar a organização de eventos
culturais conjuntos, a criação de cursos de Licenciatura em Espanhol para a
formação de professores, ações como o programa de escolas bilíngues de fronteira,
programas de integração universitária como a AUGM (Associação Universidades
Grupo Montevideo), bem como de diferentes estudos e projetos de fronteira, como
o reconhecimento do portunhol como patrimônio cultural imaterial, no Uruguai.
e) Variedade regional do português rio-grandense: A pesquisa da variação linguística
do português brasileiro tem, no Rio Grande do Sul, uma de suas raízes mais
profundas e melhor representadas nos estudos, com pelo menos dois grandes
projetos regionais, o ALERS (Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil),
para o português rural, e o VARSUL (Variação Linguística Urbana), que se ocupa com
as variedades urbanas. Segue-se daí uma produção acadêmica considerável das
marcas regionais deste português, caracterizado por uma matriz de base açoriana,
moldada por diferentes contatos linguísticos de fronteira e de imigração, além das
contribuições valiosas de línguas indígenas e afro-brasileiras. A esta variedade
regional rio-grandense falada pela população de modo geral, caracterizada como
um mosaico histórico de diversas contribuições, soma-se no plano cultural regional
a cultura gauchesca, com sua variedade particular do português que perpassa
diferentes áreas da cultura, como a música e a literatura regional.
f) Línguas de imigração: o Rio Grande do Sul abriga, pode-se dizer, a maior diversidade
de línguas de imigração, incluindo:
I - No grupo alemão: desde 1824. Variedades imigradas ao RS: Hunsrückisch (pt.
hunsriqueano), vestfaliano (também conhecido como sapato de pau), boêmio,
bávaro, suábio, Plautdietsch menonita, alemão-russo, alemão Hochdeutsch
(norma standard local). Os imigrantes alemães são o grupo pioneiro de
imigrantes. Vindos a partir de 1824, portanto 50 anos antes dos italianos e
poloneses (1875), ocuparam inicialmente as áreas próximas a Porto Alegre e São
Leopoldo, no Vale dos Sinos e Taquari. Dessas colônias velhas, no Rio Grande do
Sul, se difundiu para a região das Missões e Alto Uruguai, oeste de Santa
Catarina, sudoeste do Paraná e áreas da Amazônia (Mato Grosso, Pará etc.),
além de transpor a fronteira para Misiones, na Argentina, e Paraguai. Dentre as
cerca de 15 variedades trazidas como língua de família, além do conhecimento
ao menos parcial da norma escrita do alemão standard (Hochdeutsch), o
Hunsrückisch (pt. hunsriqueano) assumiu lugar de destaque como “língua
comum” (uma coiné, segundo a literatura) que ocupou a função de intermediar a
comunicação, muitas vezes tomando o lugar de outras variedades que hoje não
são mais faladas. Há também falantes da variedade Hunsrückisch no Espírito
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Santo e no leste de Santa Catarina, que no entanto se desenvolveram à margem


do contato com o hunsriqueano rio-grandense. Na história dos contextos de
imigração alemã no Rio Grande do Sul, como de suas colônias-filhas em outras
regiões, desenvolveu-se uma ampla imprensa e um sistema escolar em língua
alemã que, infelizmente, foi interrompido pela política de nacionalização do
ensino, durante o período da Guerra Mundial, do qual ainda existem resquícios e
acervos. Na paisagem linguística e cultural moldou a face das regiões coloniais,
em diferentes áreas, incluindo a toponímia, as festas populares, a culinária e a
memória cultural de modo geral (por exemplo, inscrições de cemitérios, placas e
memoriais). Conforme a Lei Estadual nº 14.061, de 23 de julho de 2012, o
Hunsrückisch é integrante do patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do
Sul. Além disso, é língua cooficial, ou está em vias de cooficialização, o
hunsriqueano, em Santa Maria do Herval – RS (dezembro/2010). O alemão é, na
diversidade linguística brasileira, a língua (como conjunto de variedades) mais
falada no Brasil, depois do português. A maior parte desses falantes concentra-se
no Rio Grande do Sul, que, de acordo com os dados do Censo do IBGE 1940,
equivalia a 61,13% do total de falantes no Brasil. Nessa estimativa, o
Hunsrückisch ocupa o 1º lugar em número de falantes de uma língua minoritária
no Brasil. Calcula-se um total de 1.250.000 falantes, espalhados pelas diversas
regiões para onde se difundiu a partir do Rio Grande do Sul. A esse contingente,
somam-se ainda os falantes das outras variedades do alemão como língua de
imigração. Em termos internacionais, é a maior comunidade de falantes fora da
Alemanha. Vale destacar que, em 42 países, existem 7,5 milhões de pessoas que
fazem parte de uma minoria de língua alemã (cf. https://www.deutschland.de/
pt-br/topic/cultura/lingua-alema-dados-e-fatos-surpreendentes). Como língua
materna, contudo, o alemão é a língua mais falada na União Europeia e língua
oficial de sete países, totalizando cerca de 130 milhões de falantes de alemão
como língua materna ou segunda língua, no mundo. Sua manutenção corre no
entanto perigo, diante das recentes mudanças que priorizam o ensino de inglês.
Há oferta de curso de graduação em Letras Alemão nas universidades federais do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pelotas (UFPel) e no IFPLA (Instituto de Formação
de Professores de Alemão), além de ofertas parciais na Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM).
II - Língua Pomerana: a Língua Pomerana se caracteriza por se entender como
língua materna de Povos e Comunidades Tradicionais, além de ser Língua de
Imigração. Nesse grupo também estão as línguas ciganas (Romani; Calon, Sinti).
O fundamento dessa diferenciação se dá com base no Dec. 6040/2007 que
regulamenta e dá forma ao entendimento do Brasil quanto à OIT169 e à
Convenção da Sociobiodiversidade, em especial no que se refere à
autodeterminação dos Povos. São 28 segmentos que têm acento no Conselho
Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, instalado em 2018. Nesse espaço,
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'Povos' são aqueles que apresentam uma língua materna própria. O Povo Pomerano
é um povo camponês e utiliza sua língua em processos de trabalho, de rituais, na
vida doméstica e em algumas situações de religiosidade. Os estudos sobre a Língua
Pomerana no Brasil têm demonstrado que sua presença é de grande vitalidade.
Tressmann (2008) considera que o Pomerano descende de uma língua comum, o
Saxão Antigo, sendo o Pomerano caracterizado por ele como uma língua Baixo-
Saxônica, das terras baixas do Báltico. Em seu Dicionário Enciclopédico Pomerano-
Português, publicado em 2006, apresenta um quadro diferenciativo. No caso do RS,
nos municípios onde foram identificados falantes da língua pomerana, sua presença
e uso se mostram constantes, sendo o bilinguismo uma característica presente. A
manutenção da língua é também maior nas faixas etárias mais elevadas,
especialmente em sujeitos com mais de 20 anos.
O Decreto Presidencial 6.040/200711, que institui a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, dá amparo
e existência pública oficial aos diferentes Povos e Comunidades. Por
apresentarem formas próprias de organização social e ocupação de território
(físico e simbólico), conhecimentos transmitidos pela tradição como elementos
de condição de sua reprodução cultural, são considerados sujeitos de direitos,
conforme define o Inciso I do art. 3.º: I - Povos e Comunidades Tradicionais:
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição; (Inciso I, do art. 3.º, do Decreto n. 6.040, 7 de
fevereiro de 2007). Os pomeranos, enquanto um Povo Tradicional, têm
reivindicado através de Cartas Reivindicatórias a salvaguarda, a promoção e o
registro de sua cultura, língua, rituais e modos de fazer. Esses processos têm
base em documentos e declarações que tomam forma em um processo de
emancipação cultural em curso, materializado nos documentos produzidos nos
encontros nacionais (POMERBR), a que se faz referência no item 3.3. No seu
conjunto de reivindicações, busca-se o reconhecimento de direitos do Povo
Pomerano, em especial, do direito a manter viva sua língua e cultura, conforme
reza a Constituição Federal do Brasil (1988) e as decorrentes legislações do
Estado Brasileiro e da Unesco e demais Declarações e Convenções das quais o
Estado Brasileiro é partícipe e signatário. Essas demandas são produtos do
processo de organização política da sociedade civil. Na Assembleia Legislativa do
Rio Grande do Sul, tramita o projeto de lei visando declarar como bem
integrante do patrimônio histórico e cultural no âmbito do Estado do Rio Grande
do Sul a Cultura e a Língua Pomerana falada e escrita. Em São Lourenço do Sul, a
Língua Pomerana foi declarada Patrimônio em 2017 e, em Canguçu, desde 2010
é língua cooficial. No Brasil, a língua é cooficializada em 8 municípios.
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III - No grupo italiano: desde 1875. Variedades imigradas ao RS: Talian (de base
vêneto rio-grandense), Bergamasco, Calabrês, Cimbro (†), Cremonês, Friulano,
Milanês, Veronês, Vicentino, Trentino, Trevisano. O Rio Grande do Sul abrigou
uma grande diversidade de variedades do italiano, entre as quais se destaca o
Talian como língua comum de intercomunicação entre os imigrantes. Sua origem
de formação está na grande Região de Colonização Italiana do Rio Grande do Sul
(RCI/RS), a partir da vinda dos primeiros imigrantes em 1875. Estes se
localizaram em travessões compostos por imigrantes de diferentes locais do
norte da Itália, com diferentes variedades do italiano. A necessidade de
comunicação exigiu uma língua geral – a coiné – composta por uma variedade de
falares italianos em contato com o português. Deste modo, o Talian não é o
mesmo falado na Itália, assim como também não é o vêneto, embora tenha uma
base linguística que permite identificá-lo como tal devido à sua proveniência. O
Talian foi inventariado segundo o Decreto n° 7387 de 09 de dezembro de 2010
(que institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística) e recebeu em 2014
o Certificado de Referência Cultural Brasileira. Está muito presente no RS, como
pode ser visto no resultado do censo feito em 2017 por alguns municípios de
colonização italiana. No conjunto das pessoas recenseadas, o domínio do Talian
(pessoas que falam e/ou só entendem) mostrou o seguinte: Antônio Prado,
domínio de 82,90%; Fagundes Varela, 80,66%; Guaporé, 74,20%; Vista Alegre do
Prata, 72,13%; Protásio Alves, 68,48%; São Marcos, 33,37%; Marau, 31,53%;
Farroupilha, 24,57% de domínio. Esta amostra pode ser estendida para muitos
outros municípios. No Brasil, além do RS, o Talian é falado em muitos outros
estados. Mas é no Rio Grande do Sul que se concentra o maior número de
falantes de italiano, no Brasil – cerca de 64,62%, se tomarmos por base as
tendências apontadas no censo do IBGE 1940 (ver quadro acima). No RS, há
vários municípios que já possuem uma legislação definindo o Talian como língua
cooficial, entre eles: Serafina Corrêa (Lei Municipal nº 2615, de 13 de novembro
de 2009), Flores da Cunha (Lei Municipal 3.180, de 27 de abril de 2015), Paraí
(Lei nº 3122, de 25 de agosto de 2015), Nova Roma do Sul (Lei Municipal nº
1310, de 16 de outubro de 2015), Fagundes Varela (Lei Municipal nº 1.922, de 10
de junho de 2016), Antônio Prado (Lei Municipal 3017, de 28 de setembro de
2016), Ivorá (Lei municipal n° 1.307, de 23 de março de 2018) e Caxias do Sul
(segunda língua – Lei Municipal nº 8208, de 09 de outubro de 2017). É
importante citar que existe uma produção significativa de literatura, dicionários,
gramáticas e músicas em Talian, assim como uma forte difusão via programas de
rádio (50 programas inventariados entre RS, SC, PR, MG e ES, constantes no
Relatório Final do Projeto Piloto “Inventário do Talian“, p. 10 e 11, 2010).
Segundo a Associação dos Difusores do Talian (ASSODITA), hoje, 2018, cerca de
250 programas de rádio no RS e no Brasil.
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IV - No grupo polonês: desde 1875. Variedades imigradas ao RS: Polonês da região


da Cassúbia (Pomerânia), da região da Silésia e, com pouca probabilidade, da
região montanhosa dos Cárpatos. Na região das montanhas na Polônia, ainda
hoje, são ouvidos vocabulário e pronúncia regionais e são vistos costumes muito
próprios, que o sistema turístico explora diretamente. Um dos principais motivos
da aceitação de emigração para o Brasil, e não somente ao Brasil, foi justamente
a perseguição, quanto ao uso da língua polonesa e à vivência da cultura na
Polônia, pelos estados dominantes da Prússia e da Rússia. Diz-se que os
emigrantes, frente ao estado avançado da “prussificação”, queriam buscar um
lugar no planeta onde Deus “entendesse” o polonês. Tão logo o polonês ficou
assentado no Rio Grande do Sul, pioneiramente no atual município de Carlos
Barbosa, o imigrante procurou aos seus filhos ensinar a língua polonesa, bem
como, outros saberes. Em capelas, escolas toscas ou nas casas de agricultores, a
alfabetização na língua polonesa foi praticada, respeitando as declinações, tal
como a gramática mandava. Antes dos anos vinte do século XX, havia mais de
100 escolas, onde o ensino era conduzido em língua polonesa. Foi tão grande a
preocupação com a alfabetização e ensino que, por exemplo, na Linha 4ª, no
atual município de Vista Alegre do Prata, foi organizado um internato-escola para
formação de professores. Fato que se repetiu pelo Rio Grande do Sul afora. O
ensino era conduzido em polonês e não em “cassúbio” e nem em “silesiano”.
Portanto, praticamente, inexiste dialeto de polonês. Existe, atualmente, sotaque
oriundo desse polonês da Cassúbia ou da Silésia. Os fonemas eram transmitidos
aos filhos e netos em casa. Vale lembrar que Jan Kochanowski (1530–1584)
escreve poesias e peças teatrais na língua polonesa. Esta língua ganha melhorias,
como toda língua viva, e foi através dessa língua que o Rio Grande do Sul foi
enriquecido, também, a partir de imigrantes poloneses. Os lugares agraciados
pela presença da língua polonesa são muitos. É possível ouvir, ainda nos dias de
hoje, a língua polonesa, em público, nos municípios tais como: Dom Feliciano,
Vista Alegre do Prata, Casca, Santo Antônio do Palma, Erechim, Áurea, Carlos
Gomes, Barão, Gaurama, Viadutos, Três Arroios, Getúlio Vargas, Planalto,
Alpestre, Ijuí, Guarani das Missões, Santa Rosa, Cândido Godói ... e, com certeza,
em outros municípios também. Mas, o número de falantes está minguando.
Linguisticamente, o Rio Grande do Sul está empobrecendo. A avalanche do pós-
modernismo e a língua instrumental fácil, o inglês, produz no polônico –
descendente de poloneses – desencanto pela língua materna. Ele fica “feliz”,
dominando o inglês. Aprender a exigente língua polonesa, falada por menos do
que 60 milhões de pessoas no planeta, é mais difícil.
V - Outros grupos imigrantes: holandês, japonês, sueco, árabe, iídiche (judaico),
entre outras. Em municípios específicos, registra-se a presença de línguas
particulares que conferem identidade distinta a essas localidades, incluindo
festas, arquitetura, gastronomia, entre outros aspectos. O Colegiado pretende,
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com este planejamento estratégico, visibilizar essas marcas particulares que,


embora essencialmente locais e minoritárias, são um diferencial de grande valor
para a identidade plural do Rio Grande do Sul.

3 O FOMENTO DO PLURILINGUISMO: PERSPECTIVAS E DEMANDAS

O desconhecimento e os preconceitos da sociedade em relação a línguas


minoritárias, embora se constate uma evolução nos últimos anos, têm, infelizmente,
discriminado injustamente e excluído indivíduos que já possuem competência plurilíngue,
o que se entende como contrassenso ao objetivo do ensino de línguas no país. Essas
línguas representam, pelo contrário, um potencial, um patrimônio cultural e um benefício
para o desenvolvimento cognitivo e humano. Cabe, por isso, propor medidas para:
a) não apenas manter as línguas maternas, como também
b) promover uma educação plurilinguística que, de um lado, traga mais
informação e valorize o conhecimento dessas línguas e, de outro, auxilie na melhoria
das condições de ensino e aprendizagem de línguas adicionais, incluindo a formação
de professores para lidar com as mais diferentes situações de plurilinguismo. Isso
representa um grande desafio, já que o ensino formal não consegue transmitir
sentimentos, valores, costumes, enfim o mundo vivido através da transmissão
intergeracional na comunidade de origem de cada indivíduo. Ao acolher a língua
materna adquirida na família, como um capital cultural de valor e de direito, a escola
desempenha papel fundamental na formação de cada cidadão, na medida em que
promove o autoconhecimento e a autoestima, criando as bases para uma formação
sólida e consciente de seu papel e lugar na sociedade.

3.1 Quais as vantagens de manter as línguas maternas?


a) Para o indivíduo: representa saber mais, e com isso ter mais oportunidades.
Representa autoconhecer-se e, assim, desenvolver-se de forma sólida e
autoconsciente. Eleva a autoestima e, com isso, o bem-estar da sociedade.
b) Para a economia: representa riqueza (diferentes relações comerciais,
turismo fortalecido, possibilidades diferentes, marca de aproximação com
culturas diferentes). Línguas maternas agregam valor no mercado: são, ao
mesmo tempo, produto e capital cultural que carrega um preço diferenciado
e ajuda a promover o produto. Como tal, abrem novas possibilidades de
renda a seus falantes e mobilizam uma grande quantidade de profissionais
da língua.
c) Para a cidadania: o reconhecimento das línguas maternas eleva a participação
de seus falantes na construção de uma sociedade mais justa, que cultiva o
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convívio, o respeito, a paz entre os diferentes e a garantia de liberdade e


expressão, não se reduzindo ao monolinguismo ou ao unilinguismo pautado no
domínio exclusivo do inglês.

3.2 O que fazer para revitalizar as línguas maternas e evitar a sua perda?

a) UM CONJUNTO DE AÇÕES: Perceber os valores. Dar valor. Ter orgulho. Dar-se


força. Criar redes de conhecimento e intercâmbio cultural. Valorizar sua
identidade. Resistir à imposição globalizante (não ter vergonha de ser diferente).
Inserir-se no mundo plural e fomentar a intercompreensão e o diálogo.
b) ORGANIZAR-SE E TOMAR DECISÕES COLETIVAS: em diferentes instâncias
governamentais, nos municípios, nas comunidades, nas famílias.
c) ORGANIZAR-SE EM TORNO DO QUE É SEU E QUE PROMOVE BEM-ESTAR: Jogos,
campeonatos, músicas, cantos, corais, danças, comidas, filós, festas. PARA ISSO,
É FUNDAMENTAL DAR VOZ E OUVIDOS ÀS LÍNGUAS MATERNAS.

3.3 Recomendações para uma política linguística de fomento do plurilinguismo

 Considerando o quadro do plurilinguismo e seu lugar de excelência na


identidade e história da sociedade rio-grandense;
 Considerando, além disso, as políticas da diversidade linguística no âmbito do
IPHAN e de outras instituições do âmbito cultural e social que reconhecem as
línguas brasileiras como Referência Cultural Brasileira e como língua cooficial
em vários municípios;
 Referendando, por isso, recomendações que já foram feitas pelos participantes
do I Encontro Regional do Inventário do Hunsrückisch e II Encontro de Falantes
do Hunsrückisch, reunidos em Florianópolis, em 24 e 25 de agosto de 2018, e
 Referendando, além disso, recomendações que já foram feitas pelos participantes do I,
II, III, IV e V POMERBR a partir das Cartas: - Carta de Santa Maria de Jetibá, I e II
Pomerbr. 16/06/2012 - Carta do Encontro Regional Sul dos Povos e Comunidades
Tradicionais. Curitiba, 25 a 28/08/2014; Carta do Fórum de Demandas do Povo
Pomerano do RS. III POMERsul – 20 a 23/10/2014 – Serra dos Tapes - RS e Carta dos
Pomeranos do Pampa - Canguçu – nov. 2016.

 Tendo em vista, por fim, que são políticas de gestão compartilhada em todos os
níveis de governo, este Colegiado Setorial da Diversidade Linguística do RS
RECOMENDA:
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1. Ao governo do Estado, que inclua na pauta de suas metas de governo o


inventário | reconhecimento | salvaguarda | promoção do plurilinguismo e das
línguas maternas faladas no território do Rio Grande do Sul como medida de
grande impacto e relevância sobre a cultura, educação e economia da região,
tendo em vista as razões elucidadas nesta Proposta de Planejamento Estratégico;
2. Às Secretarias de Educação e de Cultura do Estado e dos Municípios, que
coloquem em pauta ações de sensibilização, valorização e fortalecimento da
diversidade linguística como forma de quebrar preconceitos e promover a
inclusão de cidadãos que não são falantes do português como primeira língua;
3. Às diferentes instâncias de governo, que promovam uma política de divulgação
e informação sobre o plurilinguismo de nosso Estado, direcionada especialmente
aos gestores municipais e estaduais;
4. Aos municípios reconhecidamente plurilíngues, que instituam conselhos paritários
para gestão das línguas;
5. Aos municípios reconhecidamente plurilíngues, que implementem ações de
fortalecimento e de promoção da consciência histórica e cultural do seu
patrimônio linguístico;
6. Ao Estado e aos municípios, que destinem uma quota de sua receita para a
valorização da economia das línguas, sobretudo de profissionais de línguas, e o
incentivo a iniciativas para o fomento de línguas faladas em seu entorno;
7. Às instituições de ensino municipais, estaduais e federais, em todos os níveis,
que implementem medidas de mapeamento do repertório linguístico de seu
corpo discente, docente e funcionários (identificar as línguas de professores,
alunos e funcionários);
8. Ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), que implemente
em seu censo escolar o levantamento das línguas faladas pelos alunos,
professores e funcionários das escolas;
9. Ao Estado, que impreterivelmente inclua o plurilinguismo e as línguas maternas
no Referencial Curricular Gaúcho, como disciplina de direito, fundamental
sobretudo em municípios reconhecidamente plurilíngues;
10. Às instituições federais, estaduais e municipais de fomento de pesquisas que
promovam pesquisas multilíngues e criem linhas de apoio para ações voltadas à
diversidade linguística;
11. Ao IBGE, reforçando a consulta pública recente, que implemente a investigação
sobre as línguas faladas pela totalidade dos cidadãos brasileiros no censo
demográfico a partir de 2020;
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12. Ao governo do Estado, que apoie as recomendações deste Colegiado da


Diversidade Linguística do RS como foro propositivo e deliberativo, que atenda
às especificidades e demandas do plurilinguismo que compõe a realidade e que
são parte da identidade e historicidade de nosso Estado.

Estas recomendações, extraídas do conhecimento partilhado dos membros do


Colegiado da Diversidade Linguística do RS, e que dá ouvidos a anseios e reivindicações de
diferentes comunidades de falantes, bem como de instâncias de pesquisa e de
planejamento de ações de promoção da diversidade linguística, visam a contribuir para a
devida consideração e tratamento pelo Estado democrático e de direito do conjunto das
línguas e comunidades da sociedade rio-grandense e brasileira, como um patrimônio
cultural imaterial de grande relevância.

Referências bibliográficas
ALTENHOFEN, Cléo V. Stützung des Spracherhalts bei deutschsprachigen Minderheiten:
Brasilien. In: AMMON, Ulrich; SAMBE, Shinichi; SCHMIDT, Gabriele (Hrsg.). Förderung der
deutschen Sprache weltweit. Vorschläge, Ansätze und Konzepte [Arbeitstitel]. Berlin: de
Gruyter, 2018. [Manuscrito encaminhado; no prelo]
BIALYSTOK, Ellen. Consequences of bilingualism for cognitive development. In: KROLL, Judith
F. & GROOT, Annette M. B. de (eds.). Handbook of bilingualism. Oxford: Oxford University
Press, 2005. p. 417-432.
CÔRTES, Geraldo de Menezes. Migração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro: José
Olímpio, 1958.
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Estudos sôbre as línguas estrangeiras
e aborígenes faladas no Brasil. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1950.
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Os indígenas no censo demográfico
2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro, 2012.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf.

Nota: Este documento foi elaborado pela Coordenação do Colegiado Setorial da Diversidade Linguística
do RS, com a colaboração e validação de seus membros, que vão referenciados no corpo do texto.

Porto Alegre, 26 de setembro de 2018.

______________________________ ___________________________________
Cléo Vilson Altenhofen Marley Pertile
Coordenador (cvalten@ufrgs.br) Vice-Coordenadora (marleytp@gmail.com)

___________________________________
João Wianey Tonus
Secretário Executivo (jtonus@hotmail.com)

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