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1. INTRODUÇÃO
2012) e uma das maiores do mundo (HOBSBAWN; RUDÈ, 1983). Foi a primeira vez que
se usou o avião como arma de combate na América Latina (THOMÉ, 2005, p. 33) Deixou
um rastro de dez mil mortos, entre nove mil camponeses (denominados regionalmente
como caboclos) e mil militares. Um massacre, uma guerra genocida e maldita contra
segundo o qual pequenas pistas, que num primeiro olhar parecem insignificantes,
1 Quadro santo era um local em forma de quadrado, no centro dos redutos, onde se concentravam os caboclos rebeldes para realizar
as orações e receber ordens do comando rebelde.
compõem fontes privilegiadas de pesquisa, podendo revelar aspectos inéditos de um
referente ao tema.
Federal e dos Estados. Para agravar a situação, a partir de 1900, os Estados de Paraná e
território, que atualmente faz parte do Meio Oeste Catarinense. Na prática, o que eles
polícias militares dos dois Estados viviam em constantes conflitos e ameaças, tornando a
violência latente na região. Para piorar a questão, em 1910 uma empresa inglesa, a Brazil
Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, demitindo cerca de 8 mil trabalhadores, entre
os quais havia muitos sertanejos da região que haviam sido expulsos de suas terras. O
cada lado da ferrovia para a empresa americana. Mas nestas terras viviam milhares de
camponeses que acabaram expulsos de suas terras provocando mortes, fome e miséria
na região. A única saída para os “sem terra” da época era trabalhar como assalariado na
lançada numa situação de miséria sem precedentes na região. Para sobreviver, passaram
parentes e amigos. O primeiro destes lugares, chamados redutos ou cidades santas, foi
2. A metodologia da história oral se fundamenta na coleta de informações sobre o passado, através da realização de entrevistas
gravadas com indivíduos que guardam memórias de um determinado tema sobre o qual o pesquisador elaborou um projeto de
pesquisa. As entrevistas são depois transcritas e interpretadas para fundamentar a argumentação da pesquisa.
“remedieiro” que rápido fez fama na região ao curar doentes com ervas e rezas, dizendo-
se irmão do Monge João Maria que andara pela região no final do século XIX fazendo
contratada pelo Governo Brasileiro para construir a ferrovia ligando os Estados de Rio
Grande do Sul a São Paulo. Expulsos de suas terras por capangas da Companhia,
“caboclos”, passaram a se reunir em locais onde lhes era oferecido qualquer apoio diante
formou uma multidão de caboclos vivendo em pequenos casebres nas terras cedidas por
José Maria.
anda mais prestígio ao recusar terras e dinheiro oferecidos pelo Coronel Almeida, em
um quadrado, denominado “quadro santo” tendo em cada canto uma cruz de cedro. Ao
amanhecer, antes de iniciar suas atividades comunitárias, o Monge José Maria percorria
cada uma das cruzes do quadro santo recitando rezas, acompanhado por três moças
vestidas de branco: as Virgens. Após recitar rezas e evocar a proteção de São Sebastião,
sendo seguido pelos caboclos, o Monge dava as ordens do dia e organizava as atividades
virgindade eram respeitadas e veneradas. O quadro santo também era o local onde se
às autoridades militares como um perigo à ordem pública. Na realidade o maior perigo era
Taquaruçu.
Até o momento, não havia sido disparado um único tiro. Os caboclos não
representavam ameaça real nem ao Estado do Paraná, nem ao de Santa Catarina. Viviam
pelos dois Estados, portanto não poderia haver acusação de invasão de fronteiras. O
motivo do desagrado dos coroneis de terras de Curitibanos era motivado por outras
Segundo Marli Auras (1999), o que provocou a ira dos prepotentes coroneis
latifundiários da região, foi a perda do poder de dominação sobre a multidão dos pobres e
torno da liderança espiritual do Monge José Maria, deu aos caboclos um novo sentido de
existência social. O trabalho cooperativo, a justiça resgatada pela partilha igualitária dos
sobretudo das meninas-moças, tão cobiçadas pelos apetites sexuais dos coroneis da
Na cidade santa a comida era de todos, tudo era dividido entre todos.
Eusébio tinha um grupo de homens que eram responsáveis pela
alimentação. (...) saía com cargueiro e pegava tudo o que achava, mesmo
nas casas das pessoas da comunidade. Na chegada, descarregavam a
comida no terreno da igreja e as mulheres pulavam pra pegar.(CIRINO, G.,
Apud FELISBINO; 2013; p.55)
Contestado, deduz-se ser esta a fonte ancestral deste costume imemorial, encravado
contra a opressão e a miséria tradicionais na região atingira seu ápice na luta contra a
expropriação das terras caboclas efetivada pela Brazil Railway Company do milionário
chegara ao fim, ninguém melhor que os próprios caboclos para reconhecer seus sinais,
por intermédio de uma sabedoria prática, não mediada pela racionalidade formal do
Meio Oeste Catarinense no início do século XX. O fim do mundo caboclo, anunciado
araucárias e de erva mate, tradicionais fontes de sustento das famílias caboclas. Não por
acaso, a arma cabocla mais mortal utilizada na guerra foi justamente o facão de guamirim,
manejado com a mesma maestria com que decepavam os ramos de erva mate no alto de
centenários ervais.
passar com sua tropa de mulas cargueiras por Curitibanos. A mando do Coronel
havia trazido desenvolvimento econômico e social para Taquaruçu e não apenas pobreza.
Este fato provocou a ira dos comerciantes rivais da vizinha Curitibanos, alimentando seu
memórias dos sobreviventes da Guerra por ele entrevistados ao longo de 50 anos vividos
anos, submergindo em suas memórias de maneira muito próxima, íntima, profunda. Seu
aconchego de seus escritórios. Ele conviveu quase a vida inteira com seus informantes,
que, muito além de lhe fornecerem informações, compartilharam com ele experiências
sensíveis, emoções, sentimentos. Tal qual um antropólogo, submergiu nas mentalidades e
com personagens que participaram diretamente nos campos de batalha, como Benedito
informantes.
Curitibanos, o Governo do Estado de Santa Catarina enviou forças militares para debelar
Taquaruçu, José Maria constituiu uma guarda pessoal composta de 24 homens armados,
Francês Carlos Magno do século IX, fugindo em direção à localidade de Irani, distante
território daquele Estado. Até 1916, as terras situadas a oeste do Rio do Peixe pertenciam
ao Estado do Paraná, que disputava com o vizinho Estado de Santa Catarina a posse do
ambos os lados, saindo mortos o líder dos caboclos, José Maria e o Capitão João
seguidores de José Maria. O Capitão João Gualberto tinha pretensões políticas no Paraná
e quis fazer da invasão do Irani palanque para suas aspirações. Prometia trazer o Monge
José Maria amarrado em cordas atrás de seu cavalo, como “troféu de guerra” para provar
ligeira vantagem, mas seu líder espiritual estava morto, causando ainda mais comoção e
revolta entre seus seguidores. Em Curitiba, o corpo de João Gualberto foi elevado
postumamente à patente de coronel, sendo recebido com honras militares por milhares de
militar em Irani foi o conflito por aquelas terras, consideradas devolutas e que estavam
José Maria. Esta ocupação desagradava aos coroneis do vizinho Município paranaense
caboclos, antes farta, agora sendo atraída para o novo acampamento em Irani. Portanto,
interesses fundiários dos coroneis e a perda de seu poder sobre a mão-de-obra barata
que estava motivando a adesão em massa dos caboclos ao movimento rebelde era a
nova forma de sociedade que estava nascendo nas Cidades Santas,como afirma Lorenzi:
Entretanto, não se pode falar em “socialismo” antes de 1917, ano que eclodiu
Guerra do Contestado não foi motivada por uma plataforma política, não teve inspiração
historiador Eric Hobsbawn (1983), que qualifica este tipo de movimento pela ausência de
programa e ideologia definidos. São movimentos que explodem com grande violência
motivados por questões de sobrevivência imediata, sem ter um objetivo muito claro do
que se pretende atingir. Não é que os caboclos não soubessem por que estavam lutando.
Eles sabiam muito bem contra quem estavam lutando e por quê. Como expressou
Thompson (1998), a percepção deste “sentido” foi sendo construído na medida em que a
previamente estabelecido.
havia prometido ressuscitar quando completasse um ano de sua morte. Um mês antes de
anunciou por toda a região que sua neta, Teodora, havia tido uma visão do Monge, onde
Cidade Santa. A notícia espalhou-se como rastilho de pólvora pela região. Rapidamente
de Curitibanos.
da produção social, revivendo uma herança ancestral Xokleng. O Monge criticava a recém
implantada República Federativa do Brasil como responsável pela miséria e fome que se
José Maria, através de ordens transmitidas por virgens videntes, como Teodora e Maria
Rosa.
permaneciam no local apenas mulheres, crianças, idosos e enfermos. Sem poder algum
de reação, foram executados entre 800 a mil civis. Na tentativa de proteger crianças,
idosos e enfermos, Chica Pelega, heroína local, procurou abrigá-los numa igreja
Rosa e Teodora.
nenhum pôr defeito! O alvo foi uma população civil desarmada e indefesa. Pouco antes do
Federal com um pedido de habeas corpus para o povo de Taquaruçu, mas foi negado. O
trauma entre o sobreviventes provocou o silêncio total de suas memórias até a década de
1970, passados 50 anos do massacre, quando então Pedro Aleixo Felisbino e outros
fevereiro de 1914.
norte de Taquaruçu, contando com cerca de cinco mil guerreiros e guerrairas, vivendo em
de Frei Rogério Neuhaus, os caboclos respondiam: “Sim, mas antes devolvam a vida às
mulheres e crianças mortas em Taquaruçu” (FELISBINO, 2015).
Sebastião, Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande, Tamanduá, Timbozinho e Vacas
brigas.
Ferreira dos Santos, Atº Tavares Jr., Agostin Saraiva (o Castelhano, sobrino de
Benevenuto Luno (o Venuto Baiano), Sebastião dos Campos, Francisco Paes de Farias e
Sob o comando de uma moça de 15 anos, Maria Rosa, que se dizia vidente de José
técnicas de guerrilha para se defender dos ataques do Governo Federal e protegidos pela
pela vitória de março sobre as forças do Governo, atacaram Curitibanos, tendo como
principais alvos os cartórios, onde estavam os registros das terras que lhes haviam sido
Com a moral abalada pelo avanço dos caboclos, que a esta altura já contavam
central dos caboclos estava em Caraguatá, que logo em seguida foi abandonado pelos
rebeldes em função de uma epidemia de tifo, para se recompor em outro local: Santa
destacamento sob comando do General Matos Costa, que infiltrou-se entre os caboclos,
Itaiópolis, Três Barras, Curitibanos, Lages, Calmon, Santa Cecília e Rio das Antas foram
atacadas. Durante o ataque a Rio das Antas o líder caboclo Chico Alonso foi morto por
Adeodato Ramos, que a partir de então assumiu a liderança geral dos rebeldes,
destituindo Maria Rosa. As ações rebeldes, todavia, eram desordenadas, não tinham uma
necessidades imediatas dos redutos caboclos e seus líderes militares, sem um plano,
da Guerra de Canudos, para pôr fim ao conflito “a qualquer custo”. Dois terços da força
Setembrino organizou sua estratégia de guerra: o cerco. Dividiu suas forças em quatro
colunas: a norte em Canoinhas, a leste em Rio Negro, a oeste em Porto União da Vitória
e Rio Caçador e a sul em Curitibanos. Seu objetivo era promover um cerco aos rebeldes,
impedindo que recebessem comida, remédios e munição. Queria vencê-los pela fome,
cansaço e doenças.
dos caboclos refugiando quase 20 mil pessoas no centro do Vale de Santa Maria, local
Ele assumiu o comando no momento mais difícil da guerra, quando as tropas do exército
mata do Vale de Santa Maria, em função da dificuldade das forças militares penetrarem
cada dia, tornando agonizante a sobrevivência dos rebeldes. Adentrava o ano de 1915 e o
rigoroso inverno da região se aproximava. A fome fez com que cavalos, cachorros,
circundavam o Reduto de Santa Maria, onde estava situado o comando central dos
rebeldes. Em 5 de abril, Tertuliano ataca o reduto central de Santa Maria, numa carnificina
que deixou cerca de mil mortos, entre homens, mulheres e crianças. Neste combate Maria
conseguiu escapar.
varredura”, com a execução sumária de quem quer que fosse encontrado nas matas de
Verde. Adeodato Ramos conseguiu fugir, sobrevivendo em fugas até finalmente ser preso
celebração do acordo entre Paraná e Santa Catarina, pondo fim à questão dos limites. A
Região do Contestado ficaria sob o domínio catarinense.
Taquruçu, relatou-nos em entrevista que seu avô, Tobias Gonçalves de Almeida, um dos
último reduto, o de Santa Maria, em 1915. De acordo com nosso entrevistado, cujo nome
reduto de Santa Maria, que se encontrava sob as ordens do último comandante militar
dos rebeldes: Adeodato Manoel Ramos. Nesta fase da Guerra, os rebeldes começavam a
Para manter o reduto, Adeodato adotou uma postura autoritária, eliminando os inimigos
internos e punindo os caboclos que tentavam fugir. Portanto a fuga de Tobias e seu bando
foi um feito de grande valentia e bravura, pois a punição para os fugitivos era a morte.
João Maria relatou ainda que seus familiares conseguiram fugir graças a uma
tática muito utilizada pelos índios Xokleng, exímios conhecedores das matas. Eles
seguiram o curso de um ribeirão, correnteza abaixo para não deixar rastros, pistas nem
sinais que indicassem a direção que estavam seguindo. Assim, seus rastros não poderiam
ser farejados por cães, nem identificados pelos “bombeiros”, uma espécie de milícia
Outra importante informação que João Maria nos concedeu na citada entrevista
foi a repulsa que seu avô tinha em relação à liderança autoritária e truculenta de
Adeodato, o último líder rebelde do Contestado. Nas memórias que herdou da família, é
José Maria, que em 1912 havia inspirado e liderado as primeiras rebeliões dos caboclos.
Sua explicação para a derrota dos caboclos do Contestado foi a crença no monge José
Maria, chamado por ele de “iludidor do povo”, pois diziam ser originários da ressurreição
João Maria de Agostini, o primeiro monge, ao seu ver, foi um verdadeiro santo.
Ele passou na região de Taquaruçu por volta de 1844 ensinando rezas, batizando,
curando enfermos e ensinando benzimentos. Por este motivo, seus padrinhos “de casa” o
haviam batizado “João Maria” em homenagem ao verdadeiro profeta: São João Maria.
“monge” italiano de nome João Maria de Agostini, realizando rezas e curas espirituais,
vindo a desaparecer misteriosamente no Rio Grande do Sul. Por volta de 1880, passou
por Taquaruçu outro lider espiritual e curandeiro de nome João Maria de Jesus. Profeta,
curandeiro, peregrino e santo para os caboclos, peregrinou pela região do Contestado até
1911, quando desapareceu misteriosamente (Thomé, 2005, 18) Ficou famoso ao deixar-
profeta, Miguel Lucena de Boaventura, que passou a ser chamado Monge José Maria.
remédios feitos com ervas mediciais. Morreu em uma emboscada por militares
sincretizam várias formas de rituais mágicos profanos com o catolicismo. O tema dos
realizam estas práticas mágico-rituais que perdem sua suas raízes na poeira dos séculos.
mimetismo, o praticante procura representar o que deseja por meio de uma figura ou
objeto simbólico.
está sendo tratada. Costurar o tecido é um ato mimético que pretende agir sobre a
popular da região.
O historiador italiano Carlo Ginzburg (1989b, XII) estudou as origens históricas
do mito de Sabá e do vôo das bruxas na Europa Medieval e encontrou suas raízes nos
sagrado.
batismo na igreja. Uma das fontes d’água mais procuradas encontra-se na localidade de
Campina do Serro, onde, segundo relatos de antigos memorialistas locais, João Maria de
práticas mágicas que resistiram à repressão militar e ainda são praticados nos dias atuais,
memorialista local, o sr. Pedro Aleixo Felisbino, levou-nos a formular uma hipótese de
também ser uma forma de protesto ao genocídio étnico, transmitido ao longo destes cem
5. HERANÇAS DO CONTESTADO
condições de vida ainda precárias dos netos daqueles “caboclos” que derramaram seu
sangue por melhores condições de vida, no momento em que o movimento completa cem
anos:
influência na deflagração dos conflitos entre 1912 e 1916 teve clara relação com a
motivo que levou o Monge José Maria à comunidade de Taquaruçu foi a necessidade de
curar doentes naquele local. Infelizmente ainda pode-se perceber a persistência deste
problema secular na Região meio Oeste Catarinense. Uma boa forma de “reparar” as
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