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GUERRA DO CONTESTADO:

A Cidade Santa de Taquaruçu

1. INTRODUÇÃO

O Contestado foi a maior guerra civil camponesa do Brasil (FRAGA; LUDKA,

2012) e uma das maiores do mundo (HOBSBAWN; RUDÈ, 1983). Foi a primeira vez que

se usou o avião como arma de combate na América Latina (THOMÉ, 2005, p. 33) Deixou

um rastro de dez mil mortos, entre nove mil camponeses (denominados regionalmente

como caboclos) e mil militares. Um massacre, uma guerra genocida e maldita contra

pobres não-brancos: caboclos, negros, índios e seus descendentes.

    

Figura 1: Taquaruçu - local onde ocorreu um dos combates da


Guerra do Contestado. Foto do autor

O conflito teve origem em Taquaruçu, (nos dias atuais uma pequena

comunidade situada na área rural do Município de Fraiburgo, Região Meio Oeste do

Estado de Santa Catarina). Ali se formou o primeiro quadro santo1 do Contestado.

Utiliza-se neste estudo o método indiciário proposto por Ginzburg (1989a)

segundo o qual pequenas pistas, que num primeiro olhar parecem insignificantes,

1 Quadro santo era um local em forma de quadrado, no centro dos redutos, onde se concentravam os caboclos rebeldes para realizar
as orações e receber ordens do comando rebelde.
compõem fontes privilegiadas de pesquisa, podendo revelar aspectos inéditos de um

acontecimento histórico. Utilizaram-se as técnicas da história oral2 adotando como fontes

de informações as memórias de moradores da comunidade de Taquaruçu, análise técnica

do acervo arqueológico e histórico do Museu de Taquaruçu, filmografia e bibliografia

referente ao tema.

A Região do Contestado estava havia muito tempo abandonada pelos Governo

Federal e dos Estados. Para agravar a situação, a partir de 1900, os Estados de Paraná e

Santa Catarina passaram a disputar na justiça os direitos de propriedade sobre o

território, que atualmente faz parte do Meio Oeste Catarinense. Na prática, o que eles

disputavam era o direito de cobrar impostos sobre os produtores rurais da região. As

polícias militares dos dois Estados viviam em constantes conflitos e ameaças, tornando a

violência latente na região. Para piorar a questão, em 1910 uma empresa inglesa, a Brazil

Railway Company, terminou seus trabalhos de construção de uma ferrovia ligando os

Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, demitindo cerca de 8 mil trabalhadores, entre

os quais havia muitos sertanejos da região que haviam sido expulsos de suas terras. O

contrato assinado com o Governo Brasileiro previa a concessão de 15 Km de terras de

cada lado da ferrovia para a empresa americana. Mas nestas terras viviam milhares de

camponeses que acabaram expulsos de suas terras provocando mortes, fome e miséria

na região. A única saída para os “sem terra” da época era trabalhar como assalariado na

construção da ferrovia. Com a conclusão da ferrovia em 1910 a população sertaneja foi

lançada numa situação de miséria sem precedentes na região. Para sobreviver, passaram

a agrupar-se em comunidades próximas onde encontravam apoio e solidariedade de

parentes e amigos. O primeiro destes lugares, chamados redutos ou cidades santas, foi

Taquaruçu, hoje pertencente à área rural do Município de Fraiburgo - SC.

3.1  A CIDADE SANTA DE TAQUARUÇU

Em 1912 apareceu em Taquaruçu o Monge José Maria, um eremita

2. A metodologia da história oral se fundamenta na coleta de informações sobre o passado, através da realização de entrevistas
gravadas com indivíduos que guardam memórias de um determinado tema sobre o qual o pesquisador elaborou um projeto de
pesquisa. As entrevistas são depois transcritas e interpretadas para fundamentar a argumentação da pesquisa.
“remedieiro” que rápido fez fama na região ao curar doentes com ervas e rezas, dizendo-

se irmão do Monge João Maria que andara pela região no final do século XIX fazendo

curas espirituais e rezas populares. Apoiado por fazendeiros e comerciantes de

Taquaruçu, rapidamente juntou-se ao redor de José Maria uma multidão de caboclos

expulsos de suas terras pela Brazil Railway Company, a multinacional americana

contratada pelo Governo Brasileiro para construir a ferrovia ligando os Estados de Rio

Grande do Sul a São Paulo. Expulsos de suas terras por capangas da Companhia,

desempregados, enfermos e marginalizados pela brutal exclusão social advinda da rápida

introdução do capitalismo no campo, os camponeses, denominados localmente de

“caboclos”, passaram a se reunir em locais onde lhes era oferecido qualquer apoio diante

da situação dramática em que se encontravam. Nascia a Cidade Santa de Taquaruçu.

Taquaruçu era um rico povoado distante cerca de 50 km de Curitibanos, então

sede da Comarca da Região, com a qual rivalizava em crescimento econômico e social.

As famílias de Taquaruçu, conhecidas na região pelo bom acolhimento aos tropeiros e

comerciantes que vinham do Oeste Catarinense em direção ao litoral, sensibilizaram-se

com a situação dos caboclos flagelados e passaram a oferecer-lhes apoio. Logo se

formou uma multidão de caboclos vivendo em pequenos casebres nas terras cedidas por

famílias mais influentes do lugar. Em agosto de 1912 estabeleceu-se no local o Monge

José Maria.

José Maria adquiriu grande prestígio popular ao curar de uma doença

incurável a mulher de um coronel-fazendeiro local, Henrique Paes de Almeida. Obteve

anda mais prestígio ao recusar terras e dinheiro oferecidos pelo Coronel Almeida, em

agradecimento pela cura de sua esposa.

O monge desenvolveu uma ritualística completamente diferenciada do

catolicismo oficial, designado pelos historiadores como “catolicismo popular”.(THOMÉ;

1999; 74). No centro do acampamento onde se concentravam os caboclos, foi demarcado

um quadrado, denominado “quadro santo” tendo em cada canto uma cruz de cedro. Ao

amanhecer, antes de iniciar suas atividades comunitárias, o Monge José Maria percorria

cada uma das cruzes do quadro santo recitando rezas, acompanhado por três moças
vestidas de branco: as Virgens. Após recitar rezas e evocar a proteção de São Sebastião,

sendo seguido pelos caboclos, o Monge dava as ordens do dia e organizava as atividades

do grupo. As pregações permeadas de ascetismo moral, condenavam a jogatina, a

bebedeira, o abuso sexual de adolescentes, a cobiça e o orgulho próprio. A inocência e a

virgindade eram respeitadas e veneradas. O quadro santo também era o local onde se

aplicavam castigos aos infratores das regras da comunidade.

A concentração camponesa em Taquaruçu desagradou aos coroneis e

comerciantes da rival Curitibanos, que denunciaram o ajuntamento caboclo daquele local

às autoridades militares como um perigo à ordem pública. Na realidade o maior perigo era

para os seus interesses comerciais, ameaçados pelo crescimento comercial de

Taquaruçu.

Até o momento, não havia sido disparado um único tiro. Os caboclos não

representavam ameaça real nem ao Estado do Paraná, nem ao de Santa Catarina. Viviam

em paz. Taquaruçu estava situada há quase 100 km de distância da fronteira disputada

pelos dois Estados, portanto não poderia haver acusação de invasão de fronteiras. O

motivo do desagrado dos coroneis de terras de Curitibanos era motivado por outras

questões, de ordem econômica e política.

Segundo Marli Auras (1999), o que provocou a ira dos prepotentes coroneis

latifundiários da região, foi a perda do poder de dominação sobre a multidão dos pobres e

miseráveis caboclos do sertão, tradicionalmente submissos aos interesses deste senhorio

local. A formação do que Auras chamou de “Irmandade Cabocla”, ou cidade santa, em

torno da liderança espiritual do Monge José Maria, deu aos caboclos um novo sentido de

existência social. O trabalho cooperativo, a justiça resgatada pela partilha igualitária dos

frutos do trabalho, o respeito aos valores humanos fundamentais da infância e juventude,

sobretudo das meninas-moças, tão cobiçadas pelos apetites sexuais dos coroneis da

região, fez ressurgir a esperança na construção de uma sociedade justa, fraterna e

democrática. Esta esperança, intangível na prática histórica de caboclos

semiescravizados por coroneis prepotentes, incendiou seu horizonte histórico com

possibilidades concretas de realização de uma felicidade outrora apenas imaginada, mas


que agora tornava-se palpável, na “cidade santa”. Sobre esta questão, relatou o

Guilherme Cirino, sobrevivente da Guerra:

Na cidade santa a comida era de todos, tudo era dividido entre todos.
Eusébio tinha um grupo de homens que eram responsáveis pela
alimentação. (...) saía com cargueiro e pegava tudo o que achava, mesmo
nas casas das pessoas da comunidade. Na chegada, descarregavam a
comida no terreno da igreja e as mulheres pulavam pra pegar.(CIRINO, G.,
Apud  FELISBINO; 2013; p.55)

Percebe-se nitidamente a reminiscência de comunismo tribal ou primitivo

(ENGELS; 1984), que, considerando-se a ascendência Xokleng da população cabocla do

Contestado, deduz-se ser esta a fonte ancestral deste costume imemorial, encravado

profundamente em seu imaginário social.

Adentrada à realidade histórica como chegada de uma “boa nova”, religando o

sagrado e o profano, a instauração da Cidade Santa de Taquaruçu configurou-se como o

epicentro da construção terrena da utopia pós-apocalíptica de um milênio sagrado. A luta

contra a opressão e a miséria tradicionais na região atingira seu ápice na luta contra a

expropriação das terras caboclas efetivada pela Brazil Railway Company do milionário

americano Percyval Farqhuar, apoiado pelo Governo brasileiro. Se o mundo caboclo

chegara ao fim, ninguém melhor que os próprios caboclos para reconhecer seus sinais,

por intermédio de uma sabedoria prática, não mediada pela racionalidade formal do

pensamento moderno, ainda estranho ao ambiente intelectual e sensível dos caboclos do

Meio Oeste Catarinense no início do século XX. O fim do mundo caboclo, anunciado

simbolicamente nas profecias dos monges, configurava-se empiricamente na derrubada

de 50 milhões de árvores nativas pela Lumber Company, especialmente da floresta de

araucárias e de erva mate, tradicionais fontes de sustento das famílias caboclas. Não por

acaso, a arma cabocla mais mortal utilizada na guerra foi justamente o facão de guamirim,

manejado com a mesma maestria com que decepavam os ramos de erva mate no alto de

centenários ervais.

Pedro Aleixo Felisbino, agricultor/memorialista de Taquaruçu, formado

historiador já na maturidade, absorto nas memórias e sentimentos da guerra ainda


latentes em Taquaruçu, afirma em seu livro “Voz de Caboclo”, que foram as ações

militares contra a Cidade Santa de Taquaruçu, que acenderam o estopim da Guerra do

Contestado. Em sua interpretação, fundamentada nas memórias dos sobreviventes de

Taquaruçu, o verdadeiro motivo da Guerra foi a ira do coronel e comerciante de

Curitibanos, Francisco de Albuquerque, revoltado contra o povoamento acelerado de

Taquaruçu após a instauração da Cidade Santa.

Para dar conta do rápido crescimento da população da Cidade Santa de

Taquaruçu, o comerciante ali sediado, Praxedes Gomes Damasceno reforçou sua

atividade comercial, vindo a sofrer retaliação dos capangas do Coronel Albuquerque ao

passar com sua tropa de mulas cargueiras por Curitibanos. A mando do Coronel

Albuquerque, os suprimentos que se dirigiam à Taquaruçu foram roubados, sendo o

comerciante Praxedes Gomes Damasceno assassinado. Taquaruçu respondeu com uma

invasão à Curitibanos, incendiando a Delegacia do Município, casas dos capangas do

Coronel Albuquerque e a sede do Cartório onde estavam registradas as escrituras das

propriedades de terras, já que Curitibanos era a Comarca da Região

(FELISBINO;2013;42).Portanto, na visão de Felisbino, a instauração da Cidade Santa

havia trazido desenvolvimento econômico e social para Taquaruçu e não apenas pobreza.

Este fato provocou a ira dos comerciantes rivais da vizinha Curitibanos, alimentando seu

desejo de destruir o novo tipo de sociedade que começava a surgir em Taquaruçu.

A interpretação de Felisbino está cercada de motivações de caráter claramente

bairrista, demonstrando ainda certo ressentimento contra Curitibanos, herdado das

memórias dos sobreviventes da Guerra por ele entrevistados ao longo de 50 anos vividos

em Taquaruçu. Sua interpretação, entretanto, possui um valor inestimável para a

historiografia do Contestado: ele conviveu com seus informantes durante mais de 50

anos, submergindo em suas memórias de maneira muito próxima, íntima, profunda. Seu

trabalho difere em muito de um jornalista ou historiador que realizam uma entrevista

formal, técnica, às vezes tensa, captando informações e que em seguida se refugiam no

aconchego de seus escritórios. Ele conviveu quase a vida inteira com seus informantes,

que, muito além de lhe fornecerem informações, compartilharam com ele experiências
sensíveis, emoções, sentimentos. Tal qual um antropólogo, submergiu nas mentalidades e

nas sensibilidades de uma comunidade que esteve diretamente envolvida no epicentro do

Contestado: o surgimento da Cidade Santa de Taquaruçu. A convivência por longos anos

com personagens que participaram diretamente nos campos de batalha, como Benedito

Chato e Maria Cândida Palhano, possibilitou-lhe “compreender” (Verstehen) este evento

importante do Contestado a partir de uma perspectiva historiográfica completamente

inédita; adentrando à subjetividade das representações do evento, “compreendendo-o”

pela mediação do entendimento racional e da sensibilidade do mundo simbólico de seus

informantes.                                                                             

3.2 COMBATE DE IRANI

Por solicitação do coronel Francisco de Albuquerque, superintendente de

Curitibanos, o Governo do Estado de Santa Catarina enviou forças militares para debelar

a Cidade Santa de Taquaruçu. Porém, antes da chegada das tropas militares à

Taquaruçu, José Maria constituiu uma guarda pessoal composta de 24 homens armados,

denominados por ele de “Doze Pares de França”, inspirando-se na história do Rei

Francês Carlos Magno do século IX, fugindo em direção à localidade de Irani, distante

cerca 150 Km de Taquaruçu, e que na época fazia parte do Estado do Paraná.

Em Irani o grupo de José Maria foi atacado por um destacamento militar

paranaense, sob comando do Capitão João Gualberto a pretexto de estarem invadindo o

território daquele Estado. Até 1916, as terras situadas a oeste do Rio do Peixe pertenciam

ao Estado do Paraná, que disputava com o vizinho Estado de Santa Catarina a posse do

território. Houve um combate em Irani em 22 de outubro de 1912 com pesadas baixas de

ambos os lados, saindo mortos o líder dos caboclos, José Maria e o Capitão João

Gualberto. Os campos do Irani já eram então ocupados por foragidos da Revolução

Federalista (1893) do Rio Grande do Sul a quem agora se juntavam os rebeldes

seguidores de José Maria. O Capitão João Gualberto tinha pretensões políticas no Paraná

e quis fazer da invasão do Irani palanque para suas aspirações. Prometia trazer o Monge
José Maria amarrado em cordas atrás de seu cavalo, como “troféu de guerra” para provar

sua coragem. Os caboclos apoderaram-se de armas e munições dos militares, saindo em

ligeira vantagem, mas seu líder espiritual estava morto, causando ainda mais comoção e

revolta entre seus seguidores. Em Curitiba, o corpo de João Gualberto foi elevado

postumamente à patente de coronel, sendo recebido com honras militares por milhares de

cidadãos num comovente sepultamento. Estava deflagrado o conflito armado.

Na interpretação de Martins (2010), o que motivou verdadeiramente a ação

militar em Irani foi o conflito por aquelas terras, consideradas devolutas e que estavam

sendo ocupadas por ex-rebeldes federalistas e caboclos do Contestado liderados por

José Maria. Esta ocupação desagradava aos coroneis do vizinho Município paranaense

de Palmas, que viam seus interesses fundiários ameaçados e a mão-de-obra dos

caboclos, antes farta, agora sendo atraída para o novo acampamento em Irani. Portanto,

a interpretação de Martins confirma o ponto de vista de Felisbino, segundo o qual os

interesses fundiários dos coroneis e a perda de seu poder sobre a mão-de-obra barata

dos caboclos foram os motivos imediatos da deflagração da Guerra do Contestado. Mas o

que estava motivando a adesão em massa dos caboclos ao movimento rebelde era a

nova forma de sociedade que estava nascendo nas Cidades Santas,como afirma Lorenzi:

Alguns cultivavam produtos em suas roças e na Cidade Santa, havia


um grande estoque de mercadorias. Tudo era repartido entre todos,
um verdadeiro sistema socialista. Uma irmandade entre os
moradores.(LORENZI; 2003)

Entretanto, não se pode falar em “socialismo” antes de 1917, ano que eclodiu

a Revolução Russa, a partir da qual difundiram-se os ideais socialistas pelo mundo. A

Guerra do Contestado não foi motivada por uma plataforma política, não teve inspiração

em uma ideologia política. Foi um movimento “pré-político”, usando um conceito do

historiador Eric Hobsbawn (1983), que qualifica este tipo de movimento pela ausência de

programa e ideologia definidos. São movimentos que explodem com grande violência

motivados por questões de sobrevivência imediata, sem ter um objetivo muito claro do

que se pretende atingir. Não é que os caboclos não soubessem por que estavam lutando.
Eles sabiam muito bem contra quem estavam lutando e por quê. Como expressou

Thompson (1998), a percepção deste “sentido” foi sendo construído na medida em que a

luta foi se desenvolvendo, sem necessariamente estar formatado em um programa

previamente estabelecido.

3.3 O MASSACRE DA CIDADE SANTA DE TAQUARUÇU

Morto no Combate de Irani em 22 de outubro de 1912, o Monge José Maria

havia prometido ressuscitar quando completasse um ano de sua morte. Um mês antes de

completar um ano, em setembro de 1913, o fazendeiro Eusébio Ferreira dos Santos

anunciou por toda a região que sua neta, Teodora, havia tido uma visão do Monge, onde

recomendava ao povo que se reunisse novamente em Taquaruçu para recompor a

Cidade Santa. A notícia espalhou-se como rastilho de pólvora pela região. Rapidamente

grande multidão de caboclos expropriados de suas terras, doentes, idosos e órfãos se

formou em Taquaruçu, provocando o despovoamento das cidades de Canoinhas e

Curitibanos e, consequentemente, a ira do Coronel Francisco de Albuquerque, intendente

de Curitibanos.

A Cidade Santa de Taquaruçu distinguia-se da situação geral de miséria,

preconceitos e humilhação por que passavam os caboclos do Contestado. A vida era

comunitária, propriedade da terra era coletiva, havia distribuição igualitária do trabalho e

da produção social, revivendo uma herança ancestral Xokleng. O Monge criticava a recém

implantada República Federativa do Brasil como responsável pela miséria e fome que se

abatiam sobre os caboclos, provocando saudosismo da monarquia derrubada em 1889.

Era acentuada a crença na proteção espiritual de São Sebastião e a reverência ao Monge

José Maria, através de ordens transmitidas por virgens videntes, como Teodora e Maria

Rosa.

Em 29 de dezembro de 1913 os caboclos derrotaram um batalhão do exército

formado por 230 homens, tomando-lhes armas, munições e mantimentos. O

desconhecimento do território e das táticas de luta dos caboclos contribuíram para a


vexatória derrota do exército nacional contra caboclos armados com facões de pau! Mas a

repressão do exército nacional foi implacável em 8 de fevereiro de 1914, quando um

destacamento de 700 homens fortemente armados com dois canhões e metralhadoras

deu um banho de sangue em Taquaruçu. Ninguém foi poupado: mulheres grávidas,

crianças, doentes e idosos. O massacre foi geral. Os homens haviam-se retirado e

permaneciam no local apenas mulheres, crianças, idosos e enfermos. Sem poder algum

de reação, foram executados entre 800 a mil civis. Na tentativa de proteger crianças,

idosos e enfermos, Chica Pelega, heroína local, procurou abrigá-los numa igreja

construída em madeira no centro da comunidade. Sob pesado bombardeio de canhões,

morreram todos no interior da igreja em chamas. Chica Pelega é reivindicada pelos

sobreviventes de Taquaruçu como heroína do Contestado, ao lado das virgens Maria

Rosa e Teodora.

A ação militar em Taquaruçu foi um crime de guerra, um genocídio para nazista

nenhum pôr defeito! O alvo foi uma população civil desarmada e indefesa. Pouco antes do

ataque genocida, o advogado Diocleciano Martyr havia entrado no Supremo Tribunal

Federal com um pedido de habeas corpus para o povo de Taquaruçu, mas foi negado. O

trauma entre o sobreviventes provocou o silêncio total de suas memórias até a década de

1970, passados 50 anos do massacre, quando então Pedro Aleixo Felisbino e outros

moradores que haviam chegado à Taquaruçu vindos de cidades vizinhas conseguiram,

após muita insistência, ouvir os primeiros relatos dos sobreviventes do massacre de 08 de

fevereiro de 1914.

3.4 CARAGUATÁ: PRIMAVERA DO CONTESTADO

O massacre de Taquaruçu foi a faísca que ateou fogo à Guerra do Contestado.

Reuniam-se os caboclos agora em Caraguatá, na Serra do Espigão, cerca de 30 km ao

norte de Taquaruçu, contando com cerca de cinco mil guerreiros e guerrairas, vivendo em

“cidades santas” em meio à mata impenetrável. Vingança às mulheres e crianças

brutalmente mortas em Taquaruçu era a palavra de ordem. Às tentativas de pacificação

de Frei Rogério Neuhaus, os caboclos respondiam: “Sim, mas antes devolvam a vida às
mulheres e crianças mortas em Taquaruçu” (FELISBINO, 2015).

O Reduto de Caraguatá, atual município de Lebon Regis, chegou a somar

cerca de 20 mil pessoas, espalhadas em acampamentos menores: Bom Sossego, São

Sebastião, Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande, Tamanduá, Timbozinho e Vacas

Brancas. Formou-se o “Exército encantado com 3.00 homens e 2.000 mulheres e um

Conselho de Comandantes formado pelos chefes de redutos e líderes de piquetes de

brigas.

Os principais líderes foram: Elias de Moraes, José Aleixo Gonçalves, Eusébio

Ferreira dos Santos, Atº Tavares Jr., Agostin Saraiva (o Castelhano, sobrino de

Gumercindo Saraiva, líder da Revolução Fedealista de 1893), Olegário Ramos, Maria

Rosa, Joaquim Germano, Conrado Gröbber, Francisco Alonso, Henrique Wolland,

Benevenuto Luno (o Venuto Baiano), Sebastião dos Campos, Francisco Paes de Farias e

Adeodato Ramos ( o Deodato), que viria a ser o mais famoso jagunço.

Em março de 1914 fracassa uma tentativa do exército de debelar Caraguatá.

Sob o comando de uma moça de 15 anos, Maria Rosa, que se dizia vidente de José

Maria, os caboclos reinavam absolutos na Região Meio Oeste Catarinense. Usando

técnicas de guerrilha para se defender dos ataques do Governo Federal e protegidos pela

floresta impenetrável, passaram ao contra ataque. Em 2 de setembro de 1914 lançaram o

“Manifesto Monarquista”, deflagrando-se, a partir de então, o que chamavam de Guerra

Santa, caracterizada por saques e invasões de propriedades de coronéis e por um

discurso que exigia pobreza e cobrava exploração ao máximo da República. Embalados

pela vitória de março sobre as forças do Governo, atacaram Curitibanos, tendo como

principais alvos os cartórios, onde estavam os registros das terras que lhes haviam sido

roubadas. Num ataque à localidade de Calmon, destruíram uma serraria da Lumber

Company, empresa norte-americana que explorava as matas de araucária e Imbuia nas

terras que antes lhes pertenciam.

Com a moral abalada pelo avanço dos caboclos, que a esta altura já contavam

até com o apoio de ex-combatentes da Revolução Federalista, o governo central designou

o general Carlos Frederico de Mesquita, veterano da Guerra de Canudos, para


comandar uma açã dade era apenas uma guarda avançada dos rebeldes. O comando

central dos caboclos estava em Caraguatá, que logo em seguida foi abandonado pelos

rebeldes em função de uma epidemia de tifo, para se recompor em outro local: Santa

Maria, atual Município de Timbó Grande. Reconhecendo equivocadamente a derrota dos

caboclos, Mesquita deu por encerrada a luta, deixando no local um pequeno

destacamento sob comando do General Matos Costa, que infiltrou-se entre os caboclos,

buscando persuadi-los a desistirem da guerra. Matos Costa morreu em combate durante

o ataque dos caboclos à Serraria da Lumber Company em Calmon em setembro de 1914.

Todas as estações ferroviárias da Lumber foram atacadas nesta ação.

3.5 SANTA  MARIA

As vitórias contra o Exército Brasileiro ao longo de 1914 deram aos rebeldes

grande liberdade para agirem em toda a região. As cidades de Papanduva, Canoinhas,

Itaiópolis, Três Barras, Curitibanos, Lages, Calmon, Santa Cecília e Rio das Antas foram

atacadas. Durante o ataque a Rio das Antas o líder caboclo Chico Alonso foi morto por

Adeodato Ramos, que a partir de então assumiu a liderança geral dos rebeldes,

destituindo Maria Rosa. As ações rebeldes, todavia, eram desordenadas, não tinham uma

estratégia visando atingir um objetivo comum a todos os redutos. Baseavam-se nas

necessidades imediatas dos redutos caboclos e seus líderes militares, sem um plano,

uma estratégia e um programa de reivindicações a ser negociado com o governo.

Diante das derrotas vergonhosas do Exérctio Nacional, em setembro de 1914

o Presidente Hermes da Fonseca nomeou o General Setembrino de Carvalho, veterano

da Guerra de Canudos, para pôr fim ao conflito “a qualquer custo”. Dois terços da força

militar brasileira foram mobilizados para o combate, envolvendo 8 mil homens.

Setembrino organizou sua estratégia de guerra: o cerco. Dividiu suas forças em quatro

colunas: a norte em Canoinhas, a leste em Rio Negro, a oeste em Porto União da Vitória

e Rio Caçador e a sul em Curitibanos. Seu objetivo era promover um cerco aos rebeldes,
impedindo que recebessem comida, remédios e munição. Queria vencê-los pela fome,

cansaço e doenças.

Por seu lado, o Comandante Adeodato Ramos organizou a tática de defesa

dos caboclos refugiando quase 20 mil pessoas no centro do Vale de Santa Maria, local

quase impenetrável, no coração da Serra do Espigão, atual Município de Timbó Grande.

Ele assumiu o comando no momento mais difícil da guerra, quando as tropas do exército

concentraram força total de ataque.

A fome e a epidemia de tifo foram os algozes dos caboclos rebeldes.

Impedidos de receber alimentos, remédios e munição, passaram a se alimentar apenas

de frutas nativas e mel de abelhas. No entanto, conseguiram resistir em meio à densa

mata do Vale de Santa Maria, em função da dificuldade das forças militares penetrarem

através dos difíceis desfiladeiros e encostas da Serra do Espigão. O cerco se fechava a

cada dia, tornando agonizante a sobrevivência dos rebeldes. Adentrava o ano de 1915 e o

rigoroso inverno da região se aproximava. A fome fez com que cavalos, cachorros,

chapeus de couro cru, cintos, cangalhas e arreios servissem de alimento (THOMÉ;

2005;33). Em abril de 1915, um destacamento da coluna norte, comandada pelo Capitão

Tertuliano Potyguara conseguiu romper o bloqueio das guardas e cidadelas que

circundavam o Reduto de Santa Maria, onde estava situado o comando central dos

rebeldes. Em 5 de abril, Tertuliano ataca o reduto central de Santa Maria, numa carnificina

que deixou cerca de mil mortos, entre homens, mulheres e crianças. Neste combate Maria

Rosa e os principais líderes rebeldes morreram. O lider Adeodato Ramos, entretanto,

conseguiu escapar.

Os sobreviventes do genocídio, formaram outro reduto o de São Pedro,

passando a viver fugindo da perseguição militar. Iniciou-se então a chamada “operação

varredura”, com a execução sumária de quem quer que fosse encontrado nas matas de

região. Ficaram famosos so fuzilamentos coletivos ocorridos em Perdizinhas e Butiá

Verde. Adeodato Ramos conseguiu fugir, sobrevivendo em fugas até finalmente ser preso

em 6 de agosto de 1916. O último ato da guerra ocorreu em 20 de outubro de 1916 com a

celebração do acordo entre Paraná e Santa Catarina, pondo fim à questão dos limites. A
Região do Contestado ficaria sob o domínio catarinense.

3.6 O QUE A MEMÓRIA GUARDOU

O sr. João Maria Gonçalves de Oliveira (70 anos), morador da comunidade de

Taquruçu, relatou-nos em entrevista que seu avô, Tobias Gonçalves de Almeida, um dos

rebeldes do Contestado, conseguiu fugir com a família num bando de 50 pessoas do

último reduto, o de Santa Maria, em 1915. De acordo com nosso entrevistado, cujo nome

é homenagem ao Monge João Maria de Agostinho, o bando de seu avô escapou do

reduto de Santa Maria, que se encontrava sob as ordens do último comandante militar

dos rebeldes: Adeodato Manoel Ramos. Nesta fase da Guerra, os rebeldes começavam a

sofrer o cerco do exército; haviam caído os redutos rebeldes de Itaiópolis e Canoinhas.

Para manter o reduto, Adeodato adotou uma postura autoritária, eliminando os inimigos

internos e punindo os caboclos que tentavam fugir. Portanto a fuga de Tobias e seu bando

foi um feito de grande valentia e bravura, pois a punição para os fugitivos era a morte.

João Maria relatou ainda que seus familiares conseguiram fugir graças a uma

tática muito utilizada pelos índios Xokleng, exímios conhecedores das matas. Eles

seguiram o curso de um ribeirão, correnteza abaixo para não deixar rastros, pistas nem

sinais que indicassem a direção que estavam seguindo. Assim, seus rastros não poderiam

ser farejados por cães, nem identificados pelos “bombeiros”, uma espécie de milícia

controlada pela liderança do reduto. Desta forma, se embrenharam na mata e escaparam

tanto da perseguição dos bombeiros do reduto comandado por  Adeodato, como do

massacre promovido pelas forças do exército em abril de 1915.

Outra importante informação que João Maria nos concedeu na citada entrevista

foi a repulsa que seu avô tinha em relação à liderança autoritária e truculenta de

Adeodato, o último líder rebelde do Contestado. Nas memórias que herdou da família, é

notória a reprovação às lideranças politica e militar de Adeodato e religiosa do Monge

José Maria, que em 1912 havia inspirado e liderado as primeiras rebeliões dos caboclos.

Sua explicação para a derrota dos caboclos do Contestado foi a crença no monge José
Maria, chamado por ele de “iludidor do povo”, pois diziam ser originários da ressurreição

de São João Maria.

João Maria de Agostini, o primeiro monge, ao seu ver, foi um verdadeiro santo.

Ele passou na região de Taquaruçu por volta de 1844 ensinando rezas, batizando,

curando enfermos e ensinando benzimentos. Por este motivo, seus padrinhos “de casa” o

haviam batizado “João Maria” em homenagem ao verdadeiro profeta: São João Maria.

Em meados do século XIX, por volta de 1850, passou por Taquaruçu um

“monge” italiano  de nome João Maria de Agostini, realizando rezas e curas espirituais,

vindo a desaparecer misteriosamente no Rio Grande do Sul. Por volta de 1880, passou

por Taquaruçu outro lider espiritual e curandeiro de nome João  Maria de Jesus. Profeta,

curandeiro, peregrino e santo para os caboclos, peregrinou pela região do Contestado até

1911, quando desapareceu misteriosamente (Thomé, 2005, 18) Ficou famoso ao deixar-

se fotografar de longas barbas brancas e sandálias de couro. Em 1912 surgiu outro

profeta, Miguel Lucena de Boaventura, que passou a ser chamado Monge José Maria.

Esteve em Taquaruçu em 1912 realizando rezas, batizados, curas espirituais e receitando

remédios feitos com ervas mediciais. Morreu em uma emboscada por militares

paranaenses em 1912, originando a revolta dos caboclos.(FELISBINO;2013, p.43)    

Figura 5: João Maria de Jesus, intitulado  São Jão


Maria, um dos léderes espírituais da região do
Contestado - Meio Oeste de Santa Catarina.
4. RITUAIS MÁGICO-DIVINATÓRIOS

Ainda nos dias atuais os descendentes da população cabocla e índigena do

Contestado praticam rituais mágico-divinatórios para encontrar objetos perdidos

(responsos), curas miméticas, curas com ervas mágico-medicinais e benzimentos que

sincretizam várias formas de rituais mágicos profanos com o catolicismo. O tema dos

saberes divinatórios e intervenções mágico-rituais com origem em extratos sociais menos

favorecidos da população brasileira enfrenta toda parte de preconceitos por parte de

pesquisadores das ciências humanas. O problema ainda é maior quando se trata de

comunidades remanescentes de grupos indígenas vivendo fora de terras indígenas e com

modo de vida já aculturado e incorporado à sociedade nacional, como é o caso dos

remanescentes Xokleng da comunidade de Taquaruçu.

4.1 CURAS MIMÉTICAS

são ainda muito praticadas pelas benzedeiras da região do Contestado.

Especialmente em Taquaruçu, as mulheres descendentes de caboclos e Xokleng, ainda

realizam estas práticas mágico-rituais que perdem sua suas raízes na poeira dos séculos.

As primeiras manifestações de mimetismo foram registradas na pré história em pinturas

rupestres nas cavernas de  Niaux, Font-de-Gaume e Lascaux, na França. Através do

mimetismo, o praticante procura representar o que deseja por meio de uma figura ou

objeto simbólico.

As benzedeiras de Taquaruçu benzem com agulhas, costurando um pedaço de

tecido, como se estivessem costurando o ferimento de um órgão interno da pessoa que

está sendo tratada. Costurar o tecido é um ato mimético que pretende agir sobre a

doença de forma simbólica, promovendo a cura. Enquanto faz a “costura” da doença, a

benzedeira recita versos evocando santos e rezas de formas arcaicas do catolicismo

popular da região.
O historiador italiano Carlo Ginzburg (1989b, XII) estudou as origens históricas

do mito de Sabá e do vôo das bruxas na Europa Medieval e  encontrou suas raízes nos

rituais mágico-divinatórios de práticas milenares como o xamanismo e o mimetismo,

manifestações mais antigas e elementares da relação de homens e mulheres com o

sagrado.

4.2 BATISMOS PROFANOS

Entre os descendentes de Taquaruçu persiste outra prática ritual que remonta à

Guerra do Contestado: realizam batismos profanos de crianças  (fora da igreja e sem a

presença de padres católicos). Estes batismos profanos são praticados em fontes de

água naturais, especialmente naquelas onde há memórias da passagem dos Monges,

considerados pelos nativos como “santos”: São João Maria.

A estas fontes ocorrem os nativos, geralmente descendentes de caboclos e

Xoklengs, para realizarem o que eles denominam de “batismo de casa” em crianças

recém-nascidas. Um detalhe importante: o “batismo de casa” deve ocorrer antes do

batismo na igreja. Uma das fontes d’água mais procuradas encontra-se na localidade de

Campina do Serro, onde, segundo relatos de antigos memorialistas locais, João Maria de

Agostini teria passado a noite após realizar curas e rezas em Taquaruçu.

Nas memórias dos remanescentes é notória a presença de rituais divinatórios e

práticas mágicas que resistiram à repressão militar e ainda são praticados nos dias atuais,

passado o trauma da Guerra. Indícios encontrados em campo, através de visitas técnicas

ao Museu Comunitário de Taquaruçu e de entrevistas realizadas com o principal

memorialista local, o sr. Pedro Aleixo Felisbino, levou-nos a formular uma hipótese de

interpretação histórica: os rituais divinatórios e práticas mágicas ainda em uso no

cotidiano dos remanescentes da guerra são resistências  culturais praticadas a partir de

reapropriações de modos de sentir, pensar e agir herdadas de seus antepassados

Xokleng, sendo a principal característica da identidade cultural da região Meio Oeste

Catarinense. A transmissão destas práticas culturais milenares é facilitada pela


continuidade de algumas condições materiais da época da Guerra do Contestado nos

dias atuais, especialmente as péssimas condições de assistência à saúde nas áreas

rurais e o ensino público deficiente. A resistência das práticas mágico-rituais parece

também ser uma forma de protesto ao genocídio étnico, transmitido ao longo destes cem

anos pelos sobreviventes da guerra.  

5. HERANÇAS DO CONTESTADO

Referindo-se às populações remanescentes do Contestado, o historiador Paulo

Pinheiro Machado assim expressou sua preocupação em relação à persistência das

condições de vida ainda precárias dos netos daqueles “caboclos” que derramaram seu

sangue por melhores condições de vida, no momento em que o movimento completa cem

anos:

O centenário também provoca outras reflexões: O que foi feito daquele


povo que participou dos redutos, guardas e “cidades santas”? Como vivem
hoje seus descendentes? Se procurarmos os municípios com menor IDH
de Santa Catarina, neles acharemos as populações caboclas
remanescentes do Contestado, sobrevivendo com os piores índices de
saúde, saneamento, educação e os mais baixos salários. Pensando bem,
uma grande iniciativa neste momento do centenário, não seria a
inauguração de estátuas ou placas, mas o atendimento das necessidades
fundamentais – de terra, trabalho, saúde e educação - para a existência
digna da população pobre, algo pelo qual seus ancestrais deram suas
vidas.  (MACHADO; 2012; p.12)

Com certeza, há em toda a região do meio oeste catarinense a clara

continuidade de alguns aspectos históricos que fizeram parte do contexto da Guerra do

Contestado. A saúde pública é um deles. A  liderança do monge José Maria e sua

influência na deflagração dos conflitos entre 1912 e 1916 teve clara relação com a

ausência total de qualquer tipo de assistência pública na área da saúde. O principal

motivo que levou o Monge José Maria à comunidade de Taquaruçu foi a necessidade de

curar doentes naquele local.  Infelizmente ainda pode-se perceber a persistência deste
problema secular na Região meio Oeste Catarinense. Uma boa forma de “reparar” as

consequências do massacre cometido contra este povo seria a criação de um hospital

regional e de uma universidade pública.

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