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Não é claro quanto tempo os portugueses permaneceram em Anafé após o ataque, mas
não terá sido por muito. Apenas o tempo suficiente para consumar o saque e aprisionar
os que ficaram para trás. Sabe-se que em 1472 a cidade é doada a D. João, Duque de
Beja e Viseu. Doada para ser conquistada, presumimos.
Esta obsessão por Anafé explica-se em grande parte pela riqueza em trigo da sua região,
denominada Chaouia-Ouardigha, a Enxovia dos textos portugueses, num período de
grande crise na agricultura em Portugal, agravada pelos surtos de peste negra que
dizimavam a mão-de-obra nos campos.
Um “aduar” nos arredores de Casablanca
No ano de 1487 D. João II organiza uma incursão a Marrocos que ficou conhecida como a
“Expedição aos Aduares”.
Como escreve Fernando Marques “As crónicas referem que a armada era composta por
30 navios, com uma guarnição de 150 cavaleiros da Casa do Rei e mil homens de pé, os
mais besteiros, e espingardeiros. (…) Alguns nomes da alta nobreza da época iam na
expedição. A comandar a armada estava D. Diogo de Almeida e, como segundo capitão,
D. João de Ataíde”. Segundo consta, o objectivo da expedição era ajudar um rei mouro
aliado da coroa portuguesa chamado Muley Belijabe na sua guerra com outras tribos. No
entanto, quando a armada chegou a Marrocos, junto à cidade de Anafé, já o assunto
estava resolvido e os portugueses, para não darem a expedição como “em vão”, fizeram
uma incursão a várias aldeias nos campos ao seu redor. “Decidiu, então, o capitão com a
mais gente que pode atacar aqueles aduares da enxovia, que mais não eram que
acampamentos moveis de mouros, formados por grupos de tendas que constituíam
povoações temporárias. Desbaratados os mouros, conta-se o saque, com um saldo
deveras positivo: cativeiro de 400 homens e mulheres destinados à escravatura, muitos
cavalos e ainda outro muito despojo, onde se destacam os alambéis.”
A “Expedição dos Aduares” não terá realizado nenhum ataque a Anafé pelo facto de o
meios de que os portugueses dispunham, cavalaria e infantaria, serem mais propícios a
ataques em campo aberto e contra pequenos grupos de combate.
Bab El Marsa, ou Porta do Porto
Alguns autores defendem que os portugueses voltaram a atacar a cidade em 1515, altura
em que teriam construído uma fortaleza no local. Esta versão é desmentida por David
Lopes, que afirma categoricamente que após a tentativa falhada de construção da
Fortaleza de S. João da Mamora de 1515, os portugueses não construiriam mais
nenhuma fortificação em Marrocos:
“De facto, D. Manuel determinara que, feita aquela fortaleza, se fizesse a de Anafé _ hoje
Casa Branca. D. Nuno Mascarenhas devia ir fazê-la com uma parte da armada da
Mamora e 3.000 homens de desembarque e ficar por capitão dela, logo que feita. Aquele
desastre impediu a execução deste plano; seria a oitava fortaleza naquela costa”.
Esta afirmação de David Lopes, ao referir que D. Nuno de Mascarenhas construiria a
fortaleza de Anafé com apenas uma guarnição de 3.000 homens confirma que a cidade
não se encontrava habitada à data, ou seria necessária uma força militar muito maior
para a conquistar. Assim sendo, de facto Anafé teria ficado abandonada desde o ataque
de D. Fernando.
A Sqala, revelim construído no século XVIII . autor desconhecido
É precisamente sobre este aspecto da ocupação ou abandono da cidade no período entre
o ataque de 1468 e o terramoto de 1755 que as opiniões mais se dividem.
Existem referências que descrevem a cidade como tendo ficado abandonada durante três
séculos, sendo reedificada em 1770 pelo Sultão Sidi Mohammed Ben Abdellah, altura em
que é construída a famosa Sqala, revelim abaluartado que dominava o porto. Outros
autores defendem que os portugueses ocuparam Anafé em 1515 e apenas a
abandonaram após o terramoto de 1755, afirmação em relação à qual não encontrámos
qualquer confirmação e que não é de todo credível.
Mas existem fontes que relatam uma ocupação parcial e precária da Anafé dos séculos
XVI e XVII. Por um lado, por tribos nómadas que encontravam refúgio temporário nas
suas ruínas, mas principalmente por corsários que voltaram a fazer dela um centro de
pirataria e lugar de cativos. A cidade funcionaria na dependência de Salé, onde vigorava
a República Corsária do Bouregreg. Muitos desses cativos eram portugueses, situação que se
comprova pelo facto de a sua prisão se chamar “Prisão Portuguesa” e o nome do seu
porto ser “Doca dos Portugueses”, como ainda hoje é conhecida a doca-seca do porto de
Casablanca.