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A Imigração Palestina para as cidades fronteiriças Chuí/Chuy em 1970

Mestrado em História
Discente: Alik Rosa Rodrigues
Docente: Dr. Hermenegildo Fernandes
Unidade Curricular: Culturas de Fronteira
Ano Letivo: 2022/2023
RESUMO

Os conflitos entre Estados é algo que por muitas vezes, acarreta a imigração 1 ou
mesmo fuga dos povos pelo mundo. Ainda, segundo Rogério Haesbaert: “A humanidade,
sabidamente, é fruto de movimentos migratórios” (HAESBAERT, 1998, p. 92,) que
objetivam, principalmente a busca de recursos, trabalho e melhores condições de vida. Tal
questão não foi diferente no que se refere à diáspora 2 Palestina, ocasionada principalmente
pela apoderação deste território pelos judeus em 1948 através da criação do Estado de Israel.
O Brasil foi um dos países escolhidos para imigrar, pois lhes permitia a entrada com o visto
temporário ou permanente e não como “refugiados”. Os primeiros palestinos chegaram ao
país no ano de 1950 e se dispersaram pelo território brasileiro (HAMID, 2012). Por volta de
1970 locomoveram-se para as cidades Chuí e Chuy, localizadas na fronteira entre Brasil e
Uruguai. (JARDIM, 2002). Atualmente é uma das maiores comunidades árabes palestinas do
Brasil, poranto faz-se imprescindível abordar a história de um povo que se tornou refugiado
em seu próprio território e encontrou na fronteira, uma oportunidade de recomeçar suas vidas.
Faz-se necessário pensar na importância da miscigenação cultural nessas cidades como um
vínculo entre os cidadãos que buscam os mesmos benefícios sociais. Ademais, modifica-se a
concepção de fronteiras como sendo uma região conflituosa e insegura para um local de
cooperação e coexistência cultural.

Palavras-chave: Chuí. Rio Grande do Sul. Migração Palestina.

INTRODUÇÃO
1
Entrada de indivíduo ou grupo de indivíduos estrangeiros em determinado país, para trabalhar e/ou para fixar
residência, permanentemente ou não.
2
Dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica.
Com o surgimento do Estado de Israel em 1948 ocasionou-se a diáspora3 Palestina
fazendo com que cerca de 725 mil palestinos se desloquem pelo mundo em busca de
melhores condições de vida (KANAANEH in HAMID, 2012, p. 47). Acredita-se que os
palestinos abrangem um terço da população refugiada do mundo (NABULSI, 2003). Entre
eles, encontram-se os que imigraram para o Brasil. O país foi um dos destinos escolhidos
para imigrar devido às condições que ele proporcionava aos cidadãos recém chegados.
Ademais, segundo Sônia Cristina Hamid (2012), acredita-se que as primeiras
migrações
palestinas após a criação do Estado de Israel para o Brasil ocorreram principalmente nos anos
50 e 60. Eles desembarcaram no Porto de Santos, no estado de São Paulo. Após chegarem ao
país, estes imigrantes, procuraram encontrar os patrícios 4 que estevam aqui a mais tempo5,
estes por sua vez, auxiliam aos recém chegados, fornecendo-lhes mercadorias para que
pudessem dar início à aquela que seria a profissão característica desses imigrantes: o ofício de
mascate
(PEREIRA, 2009).
É cabível inferir que a princípio não havia imigração de famílias inteiras, mas apenas
os homens. Uma vez estabelecidos no país, estes imigrantes enviavam dinheiro para trazer
seus
familiares, regressavam a Palestina para casarem-se ou casavam-se com brasileiras no país.
Desse modo foram seguindo suas vidas até que voltaram sua atenção a um novo destino: o
Sul do Brasil (PEREIRA, 2009).
No final do século XIX, o Uruguai havia completado sua organização e durante a
etapa

3
Dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica.
4
Apelido dado aos árabes que moram no Brasil. (Patrício quer dizer conterrâneo, de mesma origem).
5
Segundo Sônia Cristina Hamid já haviam palestinos morando no Brasil nessa época. “A vinda de palestinos ao
Brasil não é, de fato, algo novo em nossa história imigratória. Os primeiros “palestinos” teriam chegado ao país
no final do século XIX e início do século XX, período em que ocorreu a massiva imigração de sírios e libaneses,
grupos que representam a maioria dos árabes do Brasil”. (HAMID, 2012, p. 202). “Houve uma imigração de
pessoas oriundas de Belém, principalmente para o Nordeste brasileiro. Primeiramente, eles teriam emigrado
para os Estados do Ceará e do Piauí e, em seguida, se estabelecido em Pernambuco e, em menor número, na
Paraíba e no Rio Grande do Norte. Nos primeiros Estados, a ocupação como “mascate” e como “tropeiro”
marcou a inserção profissional dos palestinos. A atividade de tropeiro era assumida pelos recém-chegados que
passavam a trabalhar para os parentes ou amigos já estabelecidos nos comércios. Assim, eles comandariam
tropas de 30 a 40 animais, carregados de mercadorias a serem negociadas nas vilas e fazendas, entre Fortaleza e
Juiz de Fora ou na rota de Fortaleza a cidades do interior do Maranhão. Na década de 1930, muitos já teriam se
fixado em Recife, mais precisamente” (HAMID, 2012, p. 205).
batllista6 consolidou sua democracia e alcançou altos níveis de bem-estar, comparados aos
europeus. Até a década de 1970, o Uruguai era chamado de "a Suíça sul-americana" por ter
um
perfil de país desenvolvido, com altos índices sociais e estabilidade política. Esse
desenvolvimento foi atribuído também às cidades fronteiriças Chuí e Chuy.
O Chuí é uma localidade situada na fronteira com o Uruguai no extremo sul do Brasil
a cerca de 500km de Porto Alegre e 20km de Santa Vitória do Palmar pela Br 471, e a 340
km de Montevidéu pela Ruta 9. O núcleo urbano das duas cidades Chuy e Chuí está entre as
aduanas internacionais, separadas apenas por duas avenidas de mão dupla (a avenida Brasil e
avenida Uruguai) e acompanham boa parte do trecho de terra da área limítrofe entre Uruguai
e Brasil, um estreito trecho de terra entre o mar e a lagoa Mirim, duas cidades contíguas em
seu espaço urbano:

FIGURA 1 - Localização do Chuí.

Fonte: Research Gate, 2017.

É considerada a cidade mais meridional do país e é uma fronteira conurbada, no


entanto a situação das fronteiras e sua definição permaneceu confusa por muito tempo. O
Uruguai tornou-se independente apenas em 1825 após a Guerra da Cisplatina. A solução

6
Batllismo é o nome dado a uma corrente do Partido Colorado do Uruguai que inspirou-se nas ideias e doutrina
política criada por José Batlle y Ordóñez , sustentando a idéia de que para o desenvolvimento de um país e de
uma sociedade, o Estado deve controlar aspectos básicos da economia através dos monopólios estatais, bem
como criar um amplo corpo de leis sociais.
definitiva veio somente com o tratado de limites entre Brasil e Uruguai, celebrado em 12 de
outubro de 1851, pelo qual a nação vizinha aceitou a incorporação dos Campos Neutrais
Chuí-Taim ao território brasileiro. Apenas em 1995 o município do Chuí foi emancipado.
Em se tratando dos palestinos e sua chegada ao Brasil, estes, após um longo percurso
por cidades do sul do Brasil como, por exemplo, Santana do Livramento, São Borja e
Uruguaiana, os imigrantes palestinos chegaram até o Chuí por volta da década de 70. Tal
chegada lhes fora possível devido à abertura da BR 471 iniciada em 1964 e inaugurada em
1970, a qual contribuiu para o desenvolvimento do fluxo de pessoas pela cidade, e segundo
Denise Jardim: “tornando a localidade um pólo de compras atrativo aos uruguaios” (JARDIM
in PEREIRA, 2009, p.12).
Primeiramente, fixaram-se como vendedores ambulantes no Chuí brasileiro e lá
permaneceram como lojistas no comércio local (JARDIM, 2001). À medida que os palestinos
se estabeleciam na cidade, traziam suas famílias que ficaram na Palestina, constituindo uma
comunidade árabe-palestina na fronteira entre Brasil e Uruguai. O Chuí é uma das cidades
brasileiras que possui um grande número de imigrantes palestinos. Estima-se que o número
de
árabes do Chuí seja de 200 a 500 pessoas em um total de 3,5 mil habitantes7.
A presença árabe esteve presente no desenvolvimento do comércio e, por conseguinte,
na emancipação do Município. Pode-se inferir que a migração dos povos palestinos ao Chuí
trazem não só experiências, mas também uma rica bagagem cultural, promovendo a culinária,
eventos culturais e religiosos como casamentos e assembleias, que ao se fundirem com
costumes e tradições uruguaias e brasileiras formam um ambiente multicultural que
possibilita o desenvolvimento social e cultural através da integração e cooperação.

1- Os Palestinos nas cidades fronteiriças

Como forma de conseguir trabalho e renda, os primeiros árabes que chegavam ao Chuí
trabalhavam como mascates, próximos a Casa de Comércio do Sr. Samuel Priliac. Aos
poucos montavam seu próprio negócio e iam prosperando. Ainda, segundo Denise Jardim
(2001, p.9): “As casas de comércio gerenciadas no Chuí por famílias árabes, tem uma

7
Conforme o censo do IBGE, o Chuí (Brasil) tinha 3.614 habitantes em 1996. Um levantamento de 1997 feito
pelo Departamento de Assistência Social da prefeitura do Chuí registrou 6.564 habitantes. Os dados que
estimam a presença de migrantes de origem árabe não são precisos. Segundo os dados mais recentes do IBGE,
em 2020 constase como população estimada 6.770 pessoas. Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/chui/panorama. Acesso em: 11/05/2021.
característica comum a muitas delas: [...] Os prédios foram construídos para adaptar-se à
atividade comercial e, em alguns casos, servem aos comerciantes como residência e
escritório, instalados no segundo piso.[...].” Tais características podem ser observadas na
imagem a seguir:

FIGURA 2 - Estabelecimento comercial, com residência no segundo piso.

Fonte: PEREIRA, 2009

Dentre as principais ruas cujos árabes comerciantes se instalaram pode-se citar:


Avenida Internacional (Avenida Uruguai), e construíram aí ao longo dos anos grandes lojas
como a Casa Nova, a Magazine Chuí, o Supermercado Cairo, e também com menores,
especializadas em artigos de vestuário, calçados, cama, mesa e banho. O Comercio intenso
também se dá na Rua Colômbia, rua que possui apenas duas quadras e que, segundo
JARDIM (2001), é conhecida como Rua Jenin 8entre os árabes. Segundo dados, observados
na pesquisa de Denise Jardim.
Desde que os primeiros imigrantes árabes chegaram ao Chuí, diversas iniciativas vem
sendo desenvolvidas pela comunidade árabe. Entre elas, pode-se citar a formação do clube
árabe, o clube de futebol, a organização de festividades, os cultos religiosos, as aulas de
língua árabe, as aulas de dança árabe, a culinária árabe, etc.
Tais iniciativas ocasionaram o aumento dos vínculos entre imigrantes árabes e a
comunidade local, ademais, é cabível ressaltar que os imigrantes palestinos contribuíram para
o município através de ações sociais, como em campanhas de agasalhos, patrocínio de rifas,
8
Jenin é o nome de um campo de refugiados palestinos. Hoje em dia é uma cidade da Palestina. Alguns se
referem a esta rua como Jenin, devido à grande concentração de palestinos emigrados que trabalham nesta rua.
ajuda humanitária à necessitados nas regiões uruguaias próximas ao Chuí. O acréscimo de
prédios comerciais no centro da cidade, o aumento da arrecadação através do pagamento de
impostos, gerando empregos, vem contribuindo para melhorias na infraestrutura e no
crescimento da população e no desenvolvimento econômico e social. O Clube Árabe foi
fundado em 1981. Sua diretoria era composta de grandes comerciantes árabes que já estavam
a mais de vinte anos no Chuí.

FIGURA 3: Prédio do Clube Árabe. Sede da Sociedade Árabe Palestina Brasileira


Beneficente.

Fonte: PEREIRA, 2009.

O prédio do Clube Árabe é o local de lazer de muitos membros da comunidade árabe


do Chuí, ele conta com um amplo espaço físico, com sala para eventos, quadra poliesportiva
(no momento em estado precário de conservação), campo de futebol, além de sala de reuniões
e de orações. È no clube que a comunidade árabe se reúne para suas preces semanais às
sextas-feiras. É nele que ocorre a celebração do anual do Ramadão por parte da comunidade
muçulmana local.
Este local esteve por alguns anos abandonado, e cabe lembrar o relato de Denise
Jardim, durante sua pesquisa de campo entre os anos de 1995 e 1998 quando diz que o prédio
bastante grande encontrava-se abandonado (JARDIM, 2001). Atualmente, o Clube Árabe
voltou a fazer parte da rotina de vários membros da comunidade árabe, que tem nele, um
lugar de encontro com os amigos, de realização de orações coletivas para resgatar a tradição
de sua religião.
Ainda, formação do Clube de futebol Central Palestino, teve grande importância para
que aumentassem as relações Sociais entre a Comunidade Árabe-Palestina e a comunidade
das cidades de Chuí-Brasil e Chuy-Uruguai, pois este clube tinha como jogadores de toda a
comunidade fronteiriça dos “chuíys” e contava com mais de 700 socios.
Outro empreendimento de relevância para a comunidade árabe do Chuí, é a instalação
do cemitério muçulmano, que possibilita o sepultamento dos imigrantes árabes e de seus
familiares na própria cidade, inclusive tornando-se uma referência regional para árabes e seus
descendentes, no extremo sul do Brasil:

FIGURA 4 - Entrada do cemitério muçulmano.

Fonte: PEREIRA, 2009.

CONCLUSÃO

O povo palestino carrega consigo a identidade palestina e o orgulho de ser palestino.


Eles possuem o sentimento de pertencimento à terra palestina. E é nas cidades gêmeas Chuí-
Chuy onde eles manifestam sua cultura, tradições, sua religião. Dessa forma, ao analisar o
texto pode-se concluir que a imigração acaba sendo, muitas vezes, não só uma opção, mas
também uma necessidade, pois os Palestinos, ao perderem parte de seu território não
encontraram outra solução.
As cidades fronteiriças Chuí-Chuy possuem a peculiaridade de estarem separadas
apenas por uma avenida principal, dividindo Brasil e Uruguai. A cidade que antes era um
município de Santa Vitória do Palmar teve sua emancipação apenas em 1995 e hoje é
considerado o ponto mais meridional do pais.
Os palestinos ao se estabelecerem na fronteira precisavam trabalhar muito, vender
mercadorias de porta em porta mas ao longo dos anos puderam prosperar e abrir seus
primeiros estabelecimentos no local, trazendo os familiares que haviam ficado na Palestina se
casaram, tiveram filhos e assim perpetuam suas tradições e cultura na fronteira Brasil-
Uruguai.
Desse modo, de uma maneira geral pode-se afirmar que a cultura árabe presente na
fronteira do Chuí decorrentes da imigração palestina contribui efetivamente para o
desenvolvimento local através do intenso comércio praticado pelas famílias árabes.
Modificando assim a ideia de fronteira como fator de separação para a de um ambiente de
integração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HAMID, S. C. (Des)Integrando Refugiados: Os Processos do Reassentamento de Palestinos


no Brasil. Universidade de Brasília, 2012.
HAESBAERT, R. A noção de rede regional: reflexões a partir da migração “gaúcha” no
Brasil. Revista Território. ano II, n. 4, 1998.
JARDIM, D. F. Identidade Étnica e Recriação das Tradições Entre os Migrantes de
Origem Palestina no Extremo Sul do Brasil. Curitiba: UFPR, 2002.
JARDIM, D. F. Palestinos no extremo sul do Brasil: identidade étnica e os mecanismos
sociais de produção de etnicidade. 2001, p. Tese (Doutorado em Antropologia Social),
Universidade Federal do Rio Grande do Sul(2000).
JARDIM, D. F. Diásporas, viagens e alteridades: as experiências familiares dos palestinos no
extremo sul do Brasil. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 6, n.14, 2000.
JARDIM, D. F. Famílias palestinas no extremo sul do Brasil e na diáspora: experiências
identitárias e aduaneiras. Cadernos Pagu (29), p. 193-225 julho-dezembro de 2007:
NABULSI, K. Los refugiados. In: La Vanguardia. Dossiê. Los Palestinos, n.8, p.49-54,
octubre/ diciembre, 2003.
PEREIRA, Flávio Gilberto Cruz. Presença Árabe no Chuí. Projeto de Conclusão do Curso de
Licenciatura em Geografia. Universidade Federal do Rio Grande, 2009.

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