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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA
Curso de Ciências Biológicas

BASES GENÉTICAS
DA EVOLUÇÃO
GBI 117

Evandro Novaes
José Airton Rodrigues Nunes
João Cândido de Souza
Vinícius Quintão Carneiro
Flávia Maria Avelar Gonçalves
Elaine Aparecida Souza

2020
Bases Genéticas da Evolução GBI 117

BIBLIOGRAFIA

DOBZHANSKY, T. Genética do processo evolutivo. Trad. Celso A.


Mourão. São Paulo: Polígono e Universidade de São Paulo, 1973. 453
p.
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FUNPEC-RP, 2002. 631 p. (*)
HARTL, D. L.; CLARK, A. G. Principles of population genetics. 4th ed.
Sunderland, Mass.: Sinauer Associates, 2007. 652 p.
HEDRICK, P.W. Genetics of Populations. Boston: J. & B. Publishers,
2005. 737 p. (*)
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Holos, 2001. 202 p. (*)
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Letras, 2009. 266 p. (*)
MAYR, E. Uma ampla discussão. Charles Darwin e a Gênese do
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Preto: FUNPEC. 2006. 196 p.
MAYR, E.. What evolution is. New York: Basic Books, 2001. 318 p. (*)
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Biasi. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 342 p.
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Paulo: Nacional e Universidade de São Paulo, 1977. 485 p.
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São Paulo: Polígono e Universidade de São Paulo, 1973. 262 p. (*)
RAMALHO, M. A. P.; SANTOS, J. B. dos; PINTO, C. A. B. P.; SOUZA,
E. A.; GONÇALVES, F. M. A; SOUZA, J. C. Genética na Agropecuária
5a ed. rev. Lavras, Editora UFLA, 2012, 566p. (*)

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RIDLEY, M. Evolution. 3rd ed. Malden: Blackwell Publishing, 2004. 751


p. (*)
RIDLEY, M. Evolução. 3ª edição. Trad. Henrique B. Ferreira, Luciane
Passaglia e Rivo Fischer. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 752 p.
STEARNS, S. C.; HOEKSTRA, R. F. Evolução: uma introdução. Trad.
Max Blum. São Paulo: Atheneu, 2003. 379 p.
STEBBINS, G. L. Processos de evolução orgânica. Trad. Sérgio de A.
Rodrigues e Paulo R. Rodrigues. São Paulo: Polígono e Universidade
de São Paulo, 1970. 252 p. (*)

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SUMÁRIO
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ II
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 1
2. A ORIGEM DA VIDA .................................................................................................................... 1
HOMO SAPIENS ............................................................................................................................. 2
3. GENÉTICA DE POPULAÇÕES ........................................................................................................ 7
3.1 CONCEITOS ....................................................................................................................................... 8
3.2 POPULAÇÕES PANMÍTICAS ............................................................................................................ 10
3.3 ESTIMATIVA DAS FREQUÊNCIAS ALÉLICAS COM DOMINÂNCIA COMPLETA .................................. 13
3.4 TESTE DE EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG ................................................................................. 14
3.5 FATORES QUE ALTERAM AS FREQUÊNCIAS ALÉLICAS .................................................................... 15
4. TEORIA SINTÉTICA DA EVOLUÇÃO ............................................................................................. 16
4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 16
4.2 PROCESSO QUE CRIA VARIABILIDADE - MUTAÇÃO ........................................................................ 17
4.2.1. A mutação e as propriedades genéticas das populações ..................................................... 22
4.3 PROCESSOS QUE AMPLIAM A VARIABILIDADE ............................................................................... 23
4.3.1 RECOMBINAÇÃO .................................................................................................................... 23
4.3.2 - HIBRIDAÇÃO ......................................................................................................................... 24
4.3.3 ALTERAÇÕES NA ESTRUTURA E NÚMERO DE CROMOSSOMOS ............................................ 25
4.3.4 - MIGRAÇÃO ........................................................................................................................... 28
4.3.4.1 Migração e as propriedades genéticas das populações ................................................................. 28
4.4 PROCESSOS QUE ORIENTAM AS POPULAÇÕES PARA MAIOR ADAPTAÇÃO ................................... 30
4.4.1 SELEÇÃO NATURAL ................................................................................................................. 30
4.4.1.1 CHARLES DARWIN, SUA VIDA E SUAS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES PARA A CIÊNCIA.................... 30
4.4.1.2 Efeito da Seleção nas propriedades genéticas das populações ...................................................... 33
4.4.1.3 MUTAÇÃO E SELEÇÃO E AS PROPRIEDADES GENÉTICAS DAS POPULAÇÕES .................................. 45
4.4.1.4 SELEÇÃO REALIZADA PELO HOMEM ............................................................................................... 46
4.4.1.5 OBJETIVOS DA SELEÇÃO NATURAL ................................................................................................. 49
4.4.1.6 TIPOS DE SELEÇÃO NATURAL .......................................................................................................... 51
SELEÇÃO ESTABILIZADORA .......................................................................................................................... 51
4.4.1.7 ALGUNS EXEMPLOS BEM DOCUMENTADOS DA AÇÃO DA SELEÇÃO NATURAL ............................. 56
4.4.2. DERIVA GENÉTICA ................................................................................................................. 65
4.4.2.1. Efeito da deriva genética nas propriedades genéticas das populações ........................................ 66
4.4.2.2. Deriva genética sob o ponto de vista da endogamia ..................................................................... 71
4.4.2.3. Exemplos de deriva genética.......................................................................................................... 76
4.4.2.4. Efeito do fundador e afunilamento genético ................................................................................. 77
4.4.3 MECANISMOS DE ISOLAMENTO REPRODUTIVO .................................................................... 79
4.4.3.1 MECANISMOS PRÉ-ZIGÓTICOS ........................................................................................................ 82
4.4.3.2 MECANISMOS PÓS-ZIGÓTICOS ....................................................................................................... 88

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1. INTRODUÇÃO

É famosa a expressão de DOBZHANKY, T. “Nothing in biology makes sense


exception in the light of evolution”, ou seja, nada faz sentido em biologia exceto a luz da
evolução. A constatação desta frase é experimentada por todos os biólogos várias vezes
ao longo da vida profissional.
Essa disciplina, Bases Genéticas da Evolução tem por objetivo fornecer os
conhecimentos para que a evolução possa ser entendida e aplicada no dia-dia dos
profissionais de biologia. Pretende-se fornecer o conhecimento de como os processos
demográficos (migração e deriva genética) e adaptativos (seleção natural) alteram a
composição genética das populações. Essas alterações genéticas são o princípio por trás
da evolução. Por meio desses conhecimentos, nós podemos entender como surgem às
espécies, a dinâmica das populações e, sobretudo ter os fundamentos para os estudos
ecológicos.
Certamente a evolução despertou a atenção do homem desde o momento que ele
desenvolveu a sua capacidade de raciocínio. Ao longo do tempo, várias teorias foram
colocadas. A maioria foi sendo refutada. Com os estudos, especialmente dos fósseis
(Paleobiologia), de embriologia comparada, Genética de Populações e mais recentemente
da Genética Molecular e Genômica, muito se avançou no entendimento da evolução.
Nessa disciplina não se pretende discutir com detalhes o que ocorreu desde a
origem do universo até os dias atuais. Aqueles que desejarem informações a esse respeito
sugere-se a leitura de Strickberger (2000). O que se pretende é fornecer as bases do que
se conhece atualmente como teoria sintética da evolução, teoria essa que começou com
os trabalhos de Charles Darwin em 1859 e se consolidou nos anos quarenta do século
passado. Nesse processo, vários evolucionistas famosos se destacam como DOBZHANKY,
FISHER, HALDANE, WHRIGHT, MAYR, e muitos outros.
Para o entendimento da teoria sintética da evolução é necessário ter os
conhecimentos de genética, já ministrada em outra disciplina e a genética de populações.
Essa última irá receber grande ênfase aqui. Acreditamos que a partir da teoria sintética da
evolução, os estudantes de biologia entenderão o verdadeiro significado do que o Doutor
Mayr mencionou em uma de suas publicações: “BIOLOGIA CIÊNCIA ÚNICA”.

2. A ORIGEM DA VIDA

A origem da vida é um dos mais intrigantes enigmas da ciência. Explicar como as


diferentes moléculas surgiram e como elas evoluíram para alcançar a diversidade de
funções que temos hoje é um enorme desafio. A justificar essa diversidade tem-se o tempo
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evolutivo, que compreende alguns bilhões de anos. É muito difícil para todos nós, cuja vida
fica nas dezenas de anos, imaginar o que são 3,6 bilhões de anos, a época provável do
surgimento dos primeiros seres vivos.
Para facilitar, vamos fazer uma analogia no tempo evolutivo, colocando-o dentro do
período de um ano. Como os dados disponíveis apontam que o universo tem 15 bilhões de
anos, esse número irá corresponder aos 365 dias. Assim, o universo teria surgido no
primeiro segundo do dia primeiro de janeiro e corresponderia a 365 dias até o presente
momento (Tabela 1). As evidências disponíveis mostram que o planeta terra surgiu a 4,6
bilhões de anos, ou seja, na nossa analogia, 112 dias para o final do ano.

Tabela 1. Comparação dos acontecimentos evolutivos, correspondendo o tempo real ao


período de um ano.
Fatos Tempo real Tempo analítico
(x1000 anos) Dias Horas Minutos Segundos
Origem do Universo 15.000.000 365
Origem da Terra 4.600.000 112
Primeiras formas de vida na Terra 3.600.000 88
Peixes 500.00 12 4
Anfíbios 408.00 9 22 16 19
Répteis 360.00 8 18 14 24
Mamíferos 248.000 6 49 55
Aves 213.00 5 4 23 31
Gimnospermas 248.00 6 49 55
Angiospermas 144.00 3 12 5 45
Australopithecus 3.800 2 13 9
Homo habilis 1.800 1 3 4
Homo erectus 1.500 52 33
Homo neanderthalensis 70 2 27
Homo sapiens 40 1 24
Agricultura 12 25
Nascimento de Cristo 2,020 4

A primeira forma de vida surgiu há 3,6 bilhões de ano, ou seja, 88 dias atrás no
tempo relativo a um ano. Por essa analogia a era cristã, ou seja, 2020 anos atrás ocorreria
no dia 31 de dezembro quando estivesse faltando apenas 4 segundos para terminar o ano.
A compreensão do tempo evolutivo é fundamental para entender, em escala, o
processo de surgimento e extinção das espécies. Além disso, esse entendimento aponta
para a dificuldade de se estudar os processos evolutivos, na medida em que a evolução

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completa de qualquer espécie não pode ser diretamente observada e documentada por
nenhum cientista. Ao invés disso, os cientistas precisam acumular evidências indiretas,
como registros fósseis e árvores filogenéticas, baseadas nas diferenças (polimorfismos)
nas moléculas de DNA das diferentes espécies.
A história da terra é subdividida em eras e períodos. A descrição das eras e períodos
está representada na tabela 2.

Tabela 2. Representação da subdivisão da história da Terra.


Era Período Época Início (em milhões de anos atrás)
Holoceno 0,01 = 10.000 anos
Quaternário
Pleistoceno 2
Plioceno 6
Cenozóica Mioceno 23
Terciário Oligoceno 36
Eoceno 54
Paleoceno 65
Cretáceo 135
Mesozóica Jurássico 197
Triássico 225
Permiano 280
Carbonífero 345
Devoniano 405
Paleozóica
Siluriano 425
Ordoviciano 500
Cambriano 570
Pré-Cambriana Mais de 570

A teoria mais aceita da origem do universo é conhecida como “big bang”. Como já
mencionado, essa grande explosão primordial é o marco zero de tudo e teria ocorrido há
15 bilhões anos. Antes dessa explosão toda a matéria estaria condensada em um pequeno
volume de energia/matéria extremamente densa. Suporte para essa teoria provém da
aparente expansão continuada no universo, a abundância de hidrogênio e hélio em corpos
celestes e a radiação remanescente do universo primitivo (Strikberger 2000). A terra, por
outro lado, teria surgido a 4,6 bilhões de anos, a partir de uma nuvem de poeira e gases
interestelares.
Já a origem da vida é um processo muito mais fascinante. É difícil imaginar como
podem ter surgido moléculas tão elaboradas como as proteínas e, principalmente os ácidos

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nucleicos, a partir da atmosfera primitiva. Há várias hipóteses: i) A hipótese adotada pela


maioria das religiões parte de um “ser criador”, a teoria do criacionismo. A vida, como nós
conhecemos hoje teria aparecido por ordem divina; ii) Por muito tempo acreditou-se na
geração espontânea, ou abiogênese, segundo a qual a vida poderia surgir a partir da
matéria bruta. O primeiro pesquisador a contestar essas ideias foi Francisco Redi (1626-
1698). Para isso, ele realizou um experimento em 1668, colocando carne em dois frascos
de vidro, um fechado e outro aberto. Redi demonstrou que as larvas que apareciam na
carne, em decomposição, no vidro aberto, não eram fruto da transformação da mesma. Ou
seja, as larvas não surgiam por geração espontânea, como se pensava na época, e sim
pela deposição de ovos pelas moscas, pois no vidro fechado não haviam larvas.
Posteriormente, alguns pesquisadores tentaram, sem sucesso, provar a teoria da geração
espontânea, a qual foi definitivamente refutada em 1862, de maneira brilhante pelo
pesquisador francês Louis Pasteur (1822-1895). (Figura 1);

B
A

Caldo
Nutritivo
C
Gargalo Quebrado
Água-Vapor

Ar contaminado
Poeira e
microrganismos
D E

Caldo Nutritivo Caldo Nutritivo


Estéril Contaminado
Figura 1: Experiência de Pasteur mostrando a não ocorrência de geração espontânea.

iii) A terceira hipótese fundamenta-se em transformações de substâncias químicas. Há


evidências de que a vida poderia ter surgido a 3,6 bilhões de anos. Essa informação foi
obtida por meio do estudo de fósseis e os paleobiologistas descobriram estruturas similares
a células com alguns micros de diâmetro em formações rochosas antigas (datadas de 3,5
bilhões de anos) na África do Sul e na Austrália. Nestas rochas encontraram vestígios de
seres vivos semelhantes a bactérias, sugerindo que as primeiras formas de vida devem ter
surgido cerca de um bilhão de anos após a formação da Terra.
De fato, essas formações rochosas são compostas por “estromatólitos”, estruturas
que se formam quando as células crescem na superfície do mar e os sedimentos são
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depositados entre ou sobre as células. As células, então, crescem em direção à luz,


deixando uma camada mineralizada abaixo delas. Com a repetição do processo, forma-se
os estromatólitos (Ridley, 2006). Essas estruturas podem ser observadas ainda hoje em
regiões da costa da Austrália. A análise de rochas antigas com essas estruturas especiais
revelou microfósseis com formas e tamanhos similares às bactérias atuais. Vários tipos de
microfósseis (filamentosos ou células individualizadas) foram encontrados juntos, como
esperado de um ambiente biológico em que diferentes espécies conviviam lado a lado.
O material preservado em microfósseis revela apenas a morfologia geral da parede
celular, com poucas informações da célula em nível molecular. A similaridade entre
estromatólitos antigos e atuais poderia indicar que há 3,5 bilhões de anos as células já
seriam capazes de realizar fotossíntese, como as cianobactérias atuais. Esses dados são
surpreendentes, visto que processos como divisão celular, formação de parede celular
definida e mesmo fotossíntese são complexos e talvez não fossem propriamente esperados
em formas de vida primitiva. Contudo, não existem evidências químicas de que estes
organismos fósseis eram realmente fotossintetizantes. As evidências mais conclusivas de
presença de fotossíntese são de 2,5 a 2,8 bilhões de anos atrás.
Como surgiram as primeiras moléculas orgânicas? Quem surgiu primeiro, os ácidos
nucleicos ou as proteínas? Dentre os ácidos nucleicos, qual foi o pioneiro, o DNA ou o
RNA? Tais perguntas são, evidentemente, de difícil resposta. A hipótese mais aceita da
origem das primeiras moléculas foi proposta pelo bioquímico soviético Oparin, em 1924.
Segundo Oparin, a atmosfera da Terra deveria ter sido, no passado, diferente da atmosfera
de hoje, ou seja, não deveria conter oxigênio, mas sim hidrogênio e outros compostos
redutores, como o metano e a amônia. A matéria, da qual depende a vida, havia se formado
espontaneamente numa atmosfera como essa, sob a influência da luz do sol, dos
relâmpagos e das altas temperaturas existentes nos vulcões. A confirmação experimental
da hipótese de Oparin ocorreu em 1953, quando Stanley Miller, trabalhando com Harold
Urey, submeteu uma mistura de metano, amônia, hidrogênio e água à ação de uma
descarga elétrica, em um ambiente fechado, com refluxo, que mimetizaram as condições
da atmosfera primitiva (Figura 2). A análise da água condensada (“oceanos”) após esses
experimentos revelou que cerca de 10% do carbono adicionado na forma de metano
produziu várias moléculas orgânicas, incluindo aminoácidos, como glicina, alanina,
aspartato, valina e leucina. Outros compostos, como formaldeídos, nitratos e cianeto
também foram encontrados, sendo que estes podem ter sido intermediários na formação
de outros aminoácidos e de componentes de ácidos nucleicos. Conseguindo, então,
demonstrar, como tinham previsto Oparin, que uma mistura de compostos orgânicos
incluindo aminoácidos, havia se formado.

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Figura 2: Experiência de Miller mostrando a geração de compostos orgânicos em uma


atmosfera primitiva.

Após os experimentos iniciais de Miller e Urey, vários outros foram feitos simulando
diferentes condições presentes na Terra primitiva. Em 1957, Sidney Fox aqueceu a seco
uma mistura de aminoácidos, conseguindo moléculas orgânicas complexas semelhantes à
proteína. Mais recentemente, outros pesquisadores conseguiram as mesmas moléculas na
superfície da argila. É possível que reações desse tipo tenham ocorrido nas areias quentes
das praias primitivas.
De interesse, a síntese de polipeptídios pode ser realizada a altas temperaturas
(120ºC), condições que poderiam ser encontradas, por exemplo, em lugares próximos a
vulcões. A síntese abiótica de purinas e, em menos quantidade, de pirimidinas, ambas
componentes dos ácidos nucleicos, também é possível a partir da condensação de cianeto.
A adenina, de fato, é a base nitrogenada encontrada em maiores concentrações nos
experimentos de simulação de síntese abiótica. Pequenas quantidades de ATP (trifosfato
de adenosina) também podem ser produzidas em condições abióticas, sobretudo na
presença de um mineral bastante comum, conhecido como apatita (fosfato de cálcio).
A síntese de vários açúcares a partir de formaldeído (H 2CO) também foi descrita em
condições simulando a Terra primitiva. Por exemplo, a polimerização de formaldeído resulta
em ribose, e não em desoxirribose. Sendo esta apenas uma das muitas observações que
sugerem que o RNA precedeu o DNA na evolução da vida. Apesar da possível formação
de nucleosídeos polifosfatados em determinadas condições (principalmente na ausência de
apatita), a polimerização de oligômeros de RNA não é evidente. Os polímeros sintetizados
nessas condições são diferentes daqueles existentes atualmente nos ácidos ribonucleicos.
É possível que condições especiais tenham existido para permitir a geração de
polinucleotídeos similares aos que formam a base dos organismos vivos conhecidos.
A formação de lipídios também seria fundamental para o processo de
compartimentalização de compostos eventualmente necessários para a criação do ser vivo,
através da composição de membranas de dupla camada lipídica. Embora a síntese pré-
biótica de seus componentes (ácidos graxos, glicerol e fosfato) seja plausível na sopa

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primitiva, não está claro como foram formados lipídios de cadeia longa, lineares,
indispensáveis para a formação de membranas.
Assim, compostos orgânicos correspondendo aos menores blocos fundamentais
para a vida (aminoácidos, nucleotídeos e açúcares) provavelmente puderam ser formados
por meio de síntese abiótica. A formação de compostos maiores, resultado da condensação
(eliminação da água) desses compostos deve ter gerado, de forma ainda desconhecida,
moléculas poliméricas através de ligações fosfodiéster entre nucleotídeos dos ácidos
nucleicos e de ligação amida entre aminoácidos de proteínas. A virtual inexistência de
oxigênio na atmosfera primitiva pode ter feito com que os compostos gerados fossem
relativamente estáveis, o que levaria ao seu acúmulo nos oceanos, até alcançar
concentrações suficientemente altas para reações mais complexas. Exatamente como
previsto por Oparin.
Ao que tudo indica, a atmosfera primitiva não era protegida pela camada de ozônio.
Numa situação como essa, os raios ultravioletas, oriundos da luz solar, atingiram a terra
numa grande intensidade provocando alterações no material genético – mutação – numa
frequência tal, que nenhum ser vivo sobreviveria e/ou poderia ter uma constância genética,
fundamental para a perpetuação da espécie.
Do exposto, pode-se inferir que a vida surgiu na água, que é um filtro para a radiação
ultravioleta, e mais ainda, após um resfriamento da terra, pois no início as altas
temperaturas do planeta, provavelmente impediriam a sobrevivência de qualquer ser vivo.

3. GENÉTICA DE POPULAÇÕES

A genética de populações objetiva estudar as consequências do Mendelismo em


grupos de indivíduos, isto é, ela estuda os fenômenos hereditários no nível populacional. Pode
ser entendida também como o estudo de processos que afetam a distribuição dos alelos e
genótipos dos indivíduos de uma população no tempo e no espaço.
Esse tópico da disciplina é parte central de muitas metodologias modernas que têm sido
utilizadas na biologia populacional, evolução, melhoramento de plantas e conservação de
recursos genéticos. Ela conecta a biologia molecular à biologia populacional e evolutiva,
fornecendo os princípios para o entendimento dos fatores e processos evolutivos, bem como
do melhoramento de plantas e de animais.
No conceito populacional, o indivíduo tem importância limitada. O que interessa são
seus alelos que podem ser transmitidos e perpetuarem ao longo das gerações. A população
permanece por um grande número de gerações. Ela é altamente dinâmica, pode ser grande ou
pequena, ocupar área ampla ou restrita. Pode ter alterações na sua composição ou estrutura

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genética ao longo do tempo. Essas alterações na composição genética das populações, em


longo prazo, é a base da evolução.

3.1 CONCEITOS

População: é um conjunto de indivíduos da mesma espécie, que ocupa o mesmo local,


apresenta uma continuidade no tempo e seus membros possuem a capacidade de se inter-
acasalar, isto é, de trocarem alelos entre si.
Toda população possui um reservatório gênico (“gene pool” ou “pool gênico”) que
lhe é peculiar. O pool gênico representa todos os genes e alelos presentes na população em
uma dada geração ou período. Para cada gene da população pode-se determinar as
frequências de seus alelos. A frequência alélica representa a proporção de um dado alelo em
relação ao total de alelos situados em um mesmo loco cromossômico. A frequência genotípica
representa a proporção de um determinado genótipo em relação ao número total de genótipos
para o loco em questão. A frequência genotípica depende da frequência alélica da geração
anterior, já que na reprodução o que são passados são os alelos, e não os genótipos. Além
disso, as frequências genotípicas dependem também do sistema reprodutivo, ou seja, do modo
como os indivíduos se intercruzam. Vejamos como são estimadas as frequências alélicas e
genotípicas de uma população. Vamos utilizar como exemplo, uma população de uma planta
muito conhecida encontrada em jardins ou terrenos baldios, a Maravilha (Mirabilis jalapa). Nesta
planta, a cor das flores pode ser vermelha, rosa ou branca (Figura 3).

Figura 3. Flores de maravilha (Mirabilis jalapa) de cores vermelho, branca e rosa.


Foto: https://cursoenemgratuito.com.br/genetica-dominancia-incompleta/

A cor da flor é controlada por um gene V, com dois alelos com dominância incompleta,
ou seja, genótipo V1V1, flores vermelhas; V2V2, flores brancas; V1V2, flores de cor rosa. No
quadro abaixo, seguem as estimativas de frequência genotípica para as flores vermelhas,
rosa e branca.

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Genótipos Número Frequência


V1V1 n1 D = n1/N
V1V2 n2 H = n2/N
2 2
VV n3 R = n3/N
Total N 1

Seja p a frequência do alelo V1 e q a frequência do alelo V2, assim, as frequências


alélicas podem ser estimadas por:

2n1 + n 2 2n1 n 2 1
pˆ (V 1 ) = = + =D+ H
2N 2N 2N 2

2n3 + n 2 2n3 n 2 1
qˆ (V 2 ) = = + =R+ H
2N 2N 2N 2

Isto é, a frequência de um dado alelo em organismos diploides pode ser estimada


tomando-se o somatório das frequências observadas dos indivíduos homozigóticos para o alelo
em questão mais a metade da frequência observada dos indivíduos heterozigóticos para o
referido alelo.
Como exemplo, suponha que em um determinado jardim existam 2000 plantas e
que destas 100 são de flores vermelhas (V 1V1) n1 1000 flores rosas (V1V2) n2 e 900 flores
brancas (V2V2) n3. Desse modo, n1 + n2 + n3 = N = 2000. A frequência dos diferentes
genótipos pode ser obtida da seguinte forma:

n1 100
A frequência do genótipo V 1V 1 = = D= = 0,05
N 2000
n2 1000
A frequência do genótipo V 1V 2 = =H= = 0,50
N 2000
n3 900
A frequência do genótipo V 2V 2 = = R= = 0,45
N 2000

1
Já a frequência do alelo V1= p = D + H = 0,30 e do alelo V2 = q = R+ ½ H = 0,70.
2
Lembrando que p + q = 1,0.

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3.2 POPULAÇÕES PANMÍTICAS

O grupo de plantas do exemplo anterior é um exemplo de POPULAÇÃO


PANMÍTICA, isto é, a polinização ocorre ao acaso. O fato da polinização ser realizada por
insetos facilita os cruzamentos ao acaso nas flores de maravilha. É importante salientar que
os acasalamentos podem ocorrer ao acaso para um loco e não para outro loco ou caráter. Por
exemplo, plantas que florescem em uma mesma época cruzam-se entre si, mas não com outras
mais precoces ou tardias. Deste modo, está havendo acasalamentos preferenciais entre
plantas com florescimento coincidente, mas ao mesmo tempo os acasalamentos podem ser ao
acaso para a cor da semente ou qualquer outro caráter, supondo não haver ligação entre os
genes que controlam a época do florescimento e os demais caracteres.
Na espécie humana, acasalamentos ao acaso ocorrem com relação aos grupos
sanguíneos, pois ninguém utiliza o tipo sanguíneo para decidir sobre um possível parceiro(a).
Por outro lado, com relação a altura os cruzamentos não tendem a ser ao acaso, já que as
pessoas, geralmente, procuram parceiros com altura mais semelhantes à sua. Esse tipo de
escolha é chamado de “Acasalamento preferencial” (ou “Assortative mating”, em inglês) na
Genética de Populações.
Porém, trataremos aqui do acasalamento ao acaso. Vejamos o que ocorre na
população de plantas da Maravilha. Os acasalamentos possíveis são mostrados na tabela
3. Nos acasalamentos ao acaso, cada indivíduo ou genótipo, atua ora como macho, ora
como fêmea. Assim, pode se ter o acasalamento da fêmea V1V1, com frequência genotípica
D, com o macho V1V2, cuja frequência é de H. A descendência ocorrerá com a frequência
DH, ou seja com a probabilidade desse acasalamento ocorrer. Contudo, na mesma
população, indivíduos com genótipo V1V2, podem receber (atuar como fêmea) o pólen de
V1V1(macho). A descendência irá ocorrer também com a frequência DH. É por isso que o
cruzamento V1V1 x V1V2, por exemplo, irá ocorrer com a frequência 2DH. Essa mesma
observação é válida quando os indivíduos que estão sendo cruzados possuem genótipos
diferentes.

10
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 3. Acasalamentos possíveis em uma população contendo os genótipos V1V1, com


frequência D; V1V2, com frequência H e V2V2, com frequência R.
Frequência genotípica na descendência
Acasalamentos Frequências
V1V1 V1V2 V2V2
V1V1 x V1V1 D2 D2 - -
1 1 1 2
VV xV V 2DH DH DH -
V1V1 x V2V2 2DR - 2DR -
V1V2 x V1V2 H2 H2/4 H2/2 H2/4
V1V2 x V2V2 2HR - HR HR
2 2 2 2 2
VV xV V R - - R2

Na nova população obtida, as frequências genotípicas serão:


2
H2  1 
Frequência de V V = D + DH +
1 1 2
= D + H 
4  2 

H2  1  1 
Frequência de V 1V 2 = DH + 2DR + + HR = 2 D + H . R + H 
2  2  2 
2 2
H  1 
Frequência de V V = + HR + R 2 =  R + H 
2 2

4  2 
Como:
1 1
D + H = p(V 1 ) e R + H = q(V 2 ) tem-se:
2 2
V1V1 = p2 V1V2 = 2pq V2V2 = q2

Assim, o acasalamento ao acaso gera uma descendência em que as proporções


genotípicas dependem apenas das frequências alélicas da geração parental, e não das
frequências genotípicas iniciais (D, H e R). Estas frequências genotípicas (p2, 2pq, q2) poderiam
ser obtidas também unindo aleatoriamente os gametas contendo os alelos V1 (com frequência
p) e V2 (com frequência q), como mostrado no seguinte quadro:

Gametas p(V1) q(V2)


p2 pq
p(V1) 1 1
VV V1V2
pq q2
2
q(V )
V1V2 V2V2

11
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Portanto, "o acasalamento ao acaso dos indivíduos da população fornece frequências


genotípicas na próxima geração, idênticas àquelas fornecidas pela união aleatória de gametas".
Este postulado é conhecido como teorema dos acasalamentos ao acaso.
As novas frequências alélicas (p1 e q1) podem ser determinadas facilmente
empregando-se a generalização feita anteriormente, isto é, ela é igual à frequência dos
homozigotos mais a metade da frequência dos heterozigotos, ou seja:

( )
p1 = p 2 + 1  2pq = p 2 + pq = p(p + q ) = p
2
q1 = q 2 + (1 ) 2pq = q 2
+ pq = q (p + q ) = q
2

Desse modo, fica demonstrado que as novas frequências alélicas (p1 e q1) são iguais
às frequências alélicas da população parental (p e q). Usando-se o teorema dos acasalamentos
2 2
ao acaso pode-se verificar que as novas frequências genotípicas serão: p1 ; 2p1q1; q1 . Assim,
as novas frequências genotípicas são idênticas às frequências genotípicas da geração anterior.
Verifica-se que, respeitadas as condições de panmixia, as frequências alélicas e
genotípicas permanecem inalteradas geração após geração, e a população é dita estar em
equilíbrio. Essa condição de equilíbrio é conhecida como Equilíbrio (ou Lei) de Hardy-
Weinberg. Ela foi proposta independentemente por G.H. Hardy, um matemático britânico, e W.
Weinberg, um médico alemão, em 1908. Ou seja, em uma população grande, em que os
indivíduos se intercruzam ao acaso e na ausência de seleção, mutação e migração, as
frequências alélicas e genotípicas não se alteram. Observe que, considerando um gene, o
equilíbrio é atingido após uma única geração de acasalamentos ao acaso, indiferentemente
das frequências D, H e R.
Como o p ou q podem assumir qualquer valor entre 0 e 1 pode-se construir um gráfico
(Figura 4) mostrando o que ocorre com as frequências genotípicas, para qualquer população
em equilíbrio de Hardy-Weinberg, considerando a amplitude total das frequências alélicas. É
necessário salientar que o equilíbrio de Hardy-Weinberg independe do tipo de interação alélica
e será atingido de modo semelhante tanto para genes codominantes como dominantes. Veja
que quando p = 1,0 ou p = 0 só ocorre um genótipo na população, isto é, o homozigoto para o
único alelo existente nessa população. Nesse caso, ocorre o que se denomina fixação alélica.

12
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

A1A1 A1A2 A2A2


100

Freqüência genotípica de uma população em equilíbrio (%)


90

80

70

60

50

40

30

20

10

0
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1
q

Figura 4. Frequências genotípicas em populações em equilíbrio de Hardy Weinberg em


função das frequências alélicas em um loco com dois alelos.

O equilíbrio de Hardy-Weinberg é um modelo básico em estudos de genética de


populações e de biologia evolutiva. Ele descreve o comportamento estável das populações na
ausência de fatores evolutivos (mutação, deriva genética, migração e seleção natural). Na
ausência desses fatores, as frequências alélicas e genotípicas não se alteram e a população
permanece geneticamente estável. Assim, quando a população está em equilíbrio de Hardy-
Weinberg, ela não está evoluindo e encontra-se estável ao longo das gerações.
Dessa maneira, o equilíbrio de Hardy-Weinberg é a base para o estudo dos fatores
evolutivos. A partir desse modelo básico, estudaremos como as diferentes forças evolutivas
(mutação, deriva genética, migração e seleção natural) retiram as populações do equilíbrio,
causando alterações nas frequências alélicas e genotípicas.

3.3 ESTIMATIVA DAS FREQUÊNCIAS ALÉLICAS COM DOMINÂNCIA COMPLETA

Até aqui, estudamos um caráter controlado por um gene, cuja interação alélica envolve
dominância parcial ou codominância, de modo que o genótipo heterozigoto se distingue dos
dois homozigotos. Entretanto, quando ocorre dominância (alelo B > b) os genótipos BB e Bb
se confundem fenotipicamente e as frequências D e H se somam, impossibilitando a estimativa
das frequências alélicas com as expressões mencionadas anteriormente. Contudo, sabendo-
se que a população está em equilíbrio de Hardy-Weinberg, a frequência q do alelo b pode ser

13
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

estimada com base na frequência genotípica do homozigoto recessivo. Assim, como bb = q2,
temos que a frequência de b (q) será dado pela raiz da frequência de bb:

n3
ˆ (b) =
q e ˆ (B 1 ) = 1 − q
p ˆ
N

em que: n3 é a frequência de indivíduos com o fenótipo conferido pelo alelo recessivo e N é o


número total de indivíduos na amostra tomada da população.

Vamos utilizar como exemplo a maravilha. Contudo, o caráter cor da semente. Ela pode
ser preta devido ao alelo B ou branca devido ao alelo b. Sendo que o alelo B domina o b. Em
uma população com 200 plantas cruzando ao acaso, foram obtidas 32 plantas com sementes
brancas e 168 com sementes pretas. Nessa situação, a frequência de plantas com sementes

brancas, bb = q = 32 = 0,16 e BB + Bb = p 2 + 2pq = 168 = 0,84 . Desse modo,


2
200 200

a frequência estimada do alelo b = q = q = 0,16 = 0,4 . Então, a frequência do alelo


2

B = p = 1 − q = 0,6 .
Quando o gene possui mais de dois alelos, ou seja, quando se tem alelos múltiplos, o
equilíbrio também é atingido após uma geração de cruzamento ao acaso, independente do
número de alelos. Contudo, quando está envolvido mais de um gene, para se ter a população
em equilíbrio, é necessário, normalmente mais de uma geração de cruzamento ao acaso.
Maiores detalhes podem ser obtidos em Falconer & Mackay (1996).

3.4 TESTE DE EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG

Para testar se uma população está em equilíbrio de Hardy-Weinberg utiliza-se o teste


(FO − FE )2
k
do  (Qui quadrado),  = 
2 2
, em que FO e FE são as frequências observadas
i =1 FE
(número de indivíduos) e esperadas e k é o número de classes genotípicas.
O número de graus de liberdade é dado por: GL = (n-1) - número de frequências alélicas
estimadas, sendo n o número de classes fenotípicas. Se houver somente dois alelos na
população, basta estimar o primeiro, por exemplo o alelo q, que o segundo (p) pode ser obtido
por diferença (p = 1 – q). Assim, o número de frequências alélicas estimadas é igual a 1. No

exemplo, o número de GL será de (3-1) -1 = 1. Assim, o  tabelado com o nível de


2

14
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

probabilidade de 95% e 1 GL, é  = 3,84 (Tabela 7.8 Livro Ramalho et al., 2005). Quando
2

o valor tabelado é menor que o estimado rejeita-se a hipótese H0, que diz que a população
original estava em equilíbrio. Entretanto, após uma geração ao acaso ela atinge o equilíbrio.
No caso de caracteres controlados por genes com dominância completa ou de séries
dominantes (caso de alelos múltiplos) não há graus de liberdade disponíveis, de forma que não
é possível realizar o teste.
No nosso exemplo com a Maravilha teremos:

Fenótipos Genótipos Número observado Frequência esperada no equilíbrio


Branca V1V1 100 p2 = 0,09 x 2000 = 180
Rosa V1V2 1000 2pq = 0,42 x 2000 = 840
Vermelho V2V2 900 q2 = 0,49 x 2000 = 980

100 − 180 )2 (1000 − 840 )2 (900 − 980 )2


2 = + +
180 840 980
 2 = 35,56 + 30,48 + 6,53 = 72,57

Como o  calculado é maior que o tabelado com 1 G.L. (  = 3,84), temos que a
2 2

população de maravilha não está em Equilíbrio de Hardy-Weinberg.

3.5 FATORES QUE ALTERAM AS FREQUÊNCIAS ALÉLICAS

Populações grandes submetidas a acasalamentos ao acaso (populações panmíticas)


possuem frequências alélicas e genotípicas que não se alteram através das gerações
(Equilíbrio de Hardy-Weinberg). Contudo, sob determinadas condições as frequências alélicas
podem se alterar, alterando também as frequências genotípicas da população.
Os fatores que alteram as frequências alélicas são classificados em duas categorias:
os processos sistemáticos (mutação, migração e seleção), que mudam as frequências alélicas
de maneira previsível tanto em direção quanto em magnitude, e o processo dispersivo (deriva
genética), que acontece em populações pequenas, pelo efeito da amostragem e que altera as
frequências alélicas de forma previsível em quantidade, mas não em direção. Esses fatores
serão estudados junto com a teoria sintética da evolução, a seguir.

15
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

4. TEORIA SINTÉTICA DA EVOLUÇÃO

4.1 INTRODUÇÃO

A evolução dos organismos vivos é consenso entre biólogos, dado a grande


quantidade de incontestáveis evidências do processo evolutivo e da ancestralidade comum
das espécies. O interessante, contudo, como já enfatizado, é que nenhum biólogo jamais
viu realmente a origem por evolução de um grande grupo de organismos, como por
exemplo, os gêneros ou famílias. Em laboratório, entretanto, já evidenciaram alterações
que proporcionaram o aparecimento de raças ou até mesmo de novas espécies. A evolução
de um grande grupo é impossível de ser vivenciada porque isto necessitaria milhares ou
até milhões de anos. Esse consenso da evolução surgiu por meio de evidências. Essas
evidências são explicadas por meio do que se denomina Teoria Sintética da Evolução. Essa
teoria foi proposta a partir do conhecimento de vários ramos da genética, especialmente a
genética de populações, comentada anteriormente por vários evolucionistas no século XX,
começando pela obra de Charles Darwin.
Para o geneticista, evolução é qualquer alteração nas frequências alélicas da
população. Essa alteração pode se dar por processos sistemáticos, como a seleção que
leva a população a uma maior adaptação ao meio ambiente. Porém, também existem
processos aleatórios, como a deriva genética, que causa mudanças nas frequências
alélicas das populações e até espécies sem nenhum sentido pré-determinado. A partir
desse conceito de evolução, pode-se entender melhor a teoria sintética da evolução, que
se fundamenta em quatro processos. O primeiro que cria variabilidade – mutação. Em
segundo, os processos que ampliam a variabilidade gerada com a mutação. Aqui estão
incluídos os processos de recombinação genética, hibridação, alterações na estrutura e
número de cromossomos e a migração. Já o terceiro processo envolve a seleção natural,
que orienta as populações para maior adaptação. Em quarto, estão a oscilação ou deriva
genética e o isolamento reprodutivo. Esses processos serão discutidos mais intensamente
tendo como foco sempre a ocorrência da evolução dos seres vivos.
Uma analogia interessante da teoria sintética da evolução foi apresentada por
STEBBINS, que a comparou com um carro percorrendo uma estrada (1970). “A mutação,
então, corresponde à gasolina no tanque. Desde que é a única fonte possível de nova
variação genética, é essencial para a progressão contínua, mas não é a fonte imediata da
força motriz. Esta fonte é a recombinação genética, atuando através da mistura de genes e
de cromossomos que ocorre durante o ciclo sexual. Uma vez que este processo fornece a
fonte imediata de variabilidade sobre a qual a seleção exerce sua ação primária, ele pode
16
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

ser comparado ao motor do automóvel. A seleção natural, que dirige a variabilidade


genética para a adaptação ao ambiente, pode ser comparada ao motorista do veículo.
Várias linhas de evidência, que serão explicadas em um capítulo posterior, indicam
mudanças estruturais nos cromossomos, alterando a sequência ao longo deles, podem ter
profundos efeitos sobre a inter-relação entre recombinação genética e seleção natural, e
assim podem comparar-se ao câmbio e ao acelerador do automóvel. Finalmente, o
isolamento reprodutivo, que inclui todas as barreiras à troca de genes entre populações,
tem um efeito canalizador similar ao que a estrada, com seus limites e sinalizações, exerce
sobre o condutor do automóvel, permitindo assim, a movimentação de vários veículos na
mesma direção e ao mesmo tempo”. Apesar de na analogia não haver menção a deriva
genética, esta também é um processo importante. Esta pode ser entendida como uma força
que pode levar aleatoriamente o carro a diferentes estradas, alterando, consequentemente,
o caminho evolutivo de populações pequenas e isoladas.
Será comentado a seguir, sucintamente cada um desses processos. Desde já, deve
ficar bem explícito, que todos eles são igualmente importantes, uma vez que todos podem
levar as populações a alterarem sua composição genética e, em longo prazo, a gerarem
espécies diferentes. A importância relativa desses fatores evolutivos depende de
determinadas condições, como mudanças ambientais, tamanho populacional e isolamento
reprodutivo.

4.2 PROCESSO QUE CRIA VARIABILIDADE - MUTAÇÃO

Basta olharmos os seres vivos ao redor, para visualizarmos um fato comum a todos
eles. Isto é, a existência de diferença entre eles. As diferenças observadas são fenotípicas,
ou seja, dependem do genótipo e do ambiente. Como o ambiente afeta o fenótipo e a
seleção atua sobre o fenótipo, deve-se ter clareza que o efeito do ambiente tem importante
contribuição na evolução, como será enfatizado em várias situações.
O que nos interessa no momento é como ocorre a variabilidade genética, ou seja,
as diferenças genotípicas. Não iremos discutir como surgem os genes, mas sim como
ocorrem as diferentes formas alternativas (alelos) dos diferentes genes que permitem um
indivíduo realizar todas as suas atividades vitais. Já vimos que a variabilidade é devido a
existência de dois ou mais alelos, por gene. A soma total dos diferentes alelos constitui o
que denominamos de conjunto ou “pool gênico da população”.
A pergunta no momento então é: como surgem novos alelos? Eles surgem por
mutação. Como já comentado na disciplina de Genética, mutações ocorrem devido a
alterações na sequência de bases nitrogenadas que constituem um dado gene. Essas
mudanças podem ser por alteração de bases ou por adição ou deleção de bases. Os
17
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

detalhes de como elas ocorrem e suas consequências foram apresentadas por Ramalho et
al. (2012). No momento é necessário salientar que ela é a única fonte de variabilidade
existente na natureza. Na analogia do STEBBINS (1970), a mutação é o combustível da
evolução. Sem mutação, a evolução não teria condições de ocorrer ao longo do tempo.
A frequência de mutação é muito baixa e varia entre organismos e entre genes do
mesmo organismo (Tabela 4). Contudo considerando o número de genes presentes em um
organismo, por exemplo, mais de 21.000 genes em humanos e o número de gametas que
o indivíduo produz, fica fácil imaginar que qualquer indivíduo tem uma probabilidade grande
de produzir algum gameta mutante.

Tabela 4. Taxas de mutação espontânea, para genes específicos, em vários organismos .


(Adaptado de Strickberger, 1968).

Espécies e Caracteres Mutação por 100.000 células ou gametas


Escherichia coli
Resistência à estreptomicina 0,00004
Resistência ao Fago T1 0,003
Independência de leucina 0,00007
Independência de arginina 0,00004
Independência de triptofano 0,006
Independência de Arabinose 0,2
Salmonella typhimurium
Independência de triptofano 0,005
Resistência à treonina 0,41
Diplococcus pneumoniae
Resistência à Penicilina 0,01
Neurospora crassa
Independência de adenina 0,00008-0,029
Independência de inositol 0,001-0,010
Diplococcus pneumoniae
Corpo amarelo 12
Olhos castanhos 3
Corpo preto 2
Ausência de olhos 6
Zea mays
Sementes murchas 0,12
Incolor 0,23
Semente doce 0,24
Pr para pr 1,10
I para i 10,60
Homo sapiens
Castanho 0,85
Olho róseo 0,85
Malhado 1,70
Diluído 3,40
Epiloia 0,4-0,8

18
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Retinoblastoma 1,2-2,3
Anirídia 0,5
Acondroplasia 4,2-14,3
Anomalia de Pelger 1,7-2,7
Neurofibromatose 13,0-25,0
Microftalmia - anoftalmia 0,5
Doença de Huntington 0,5
Insetos D. melanogaster
y+ para amarelo 12,0
bw+ para marrom 3,0
+
e para ebone 2,0
+
Ey para ausência de olho 6,0

Um aspecto importante a ser comentado é que as mutações não são direcionadas,


ou seja, elas ocorrem ao acaso. Esse entendimento é importante, pois não há na natureza
nenhum agente mutagênico capaz de direcionar as mutações. Elas sempre incidem em
qualquer lugar do genoma. Portanto, a menor variabilidade em sequências codantes (éxons
de genes), comparada a sequências intergênicas, não advém de diferenças nas taxas de
mutação dessas duas regiões. O que ocorre é que as mutações em genes tendem a ser
mais deletérias e, por isso, tendem a ser eliminadas com maior frequência por seleção
natural.
Não é conhecido nenhum exemplo de algum fator ambiental a que uma população
esteja submetida, que possa contribuir para a mutação especificamente de um gene,
produzindo o alelo que se deseja, ou seja, que melhore a adaptação do indivíduo que a
possui. São conhecidos vários fatores químicos e físicos (radiações ionizantes que são
mutagênicos). Contudo, como já mencionado, nenhum desses agentes possibilita a
ocorrência de mutação em um gene específico no sentido desejado. Há inclusive uma frase
famosa de uma das pioneiras da indução de mutação, a Dra. Auebach que enfatiza bem
esse comentário. “Se o homem conseguisse direcionar as mutações deixaria de ser escravo
do passado para ser o senhor do futuro”.
Só mais recentemente, com a técnica biotecnológica CRISPR, é que o homem
passou a ter a habilidade de direcionar alterações no genoma de qualquer classe de
organismo. Porém, essas alterações direcionadas por técnicas biotecnológicas não serão
encaradas aqui, uma vez que não foram importantes para a evolução das espécies.
Pelo que já foi comentado, as mutações são fenômenos casuais e que ocorrem em
frequência baixa. Outro aspecto a ser considerado é que a maioria das mutações são
prejudiciais, algumas até letais – matam o gameta e/ou indivíduo que possui. Qual seria a
razão, pela qual a maioria das mutações é prejudicial? A resposta mais plausível é que os
alelos dos indivíduos de uma dada espécie foram selecionados por milhares de gerações.
Assim, é provável que as combinações alélicas estejam muito próximas do seu ótimo.

19
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Dificilmente, surgirá um alelo novo melhor que os preexistentes, nas condições ambientais
a que as populações estão submetidas ao longo do tempo. Inclusive, é comentado que as
mutações úteis, que produzem alelos mais favoráveis têm maior chance de ocorrer em
espécies novas e/ou em expansão, isto é, que ainda estão em fase de adaptação. Já em
espécies mais antigas, as contribuições boas já tiveram chance de ocorrer. Dessa forma, a
probabilidade de que surja um alelo novo que promova melhor adaptação que os
preexistentes certamente é baixa.
Outro aspecto que pode aumentar a chance de benefício de novas mutações são
as mudanças ambientais. Alterações climáticas, colonização de novos habitats e novas
interações ecológicas podem fazer com que a variação genética existente na população
não seja mais perfeitamente adaptada a essa nova realidade. Com isso, aumenta a pressão
para que a população se adapte novamente e, com isso, que novos alelos sejam
selecionados. Dessa forma, aumenta a probabilidade de que alguma nova mutação seja
benéfica, tornando a população mais adaptada a essas mudanças ambientais.
O efeito do novo alelo produzido pode variar em intensidade, ou seja, pode
apresentar um pequeno efeito até uma mudança drástica. Essa última possui menor chance
de permanecer na população. Vários exemplos são conhecidos de mutantes com efeito
pronunciado. Dobzhansky (1970) cita o que ocorre algumas vezes nos insetos da ordem
díptera, ou seja, que se caracterizam por ter um único par de asas, um par de halteres,
antenas e peças bucais bem característicos. Ocorrem alguns mutantes nessa ordem, em
que as antenas são substituídas por órgão semelhante, como as pernas. Já em outros, a
probóscida se torna semelhante a antenas no mutante. Já no mutante hexáptero ocorre no
protórax um par de apêndices semelhante a asas. É evidente que esses indivíduos com
alterações genotípicas tão radicais, dificilmente terão vantagem seletiva e serão eliminados.
Em síntese, é esperado que apenas mutante com alterações menos pronunciadas, terão
maior chance de permanecerem na população, isto é, de contribuírem para maior
adaptação dos indivíduos que a possuem.
A esse respeito STEBINS (1970), diz que: “Se um organismo é bem ajustado a seu
ambiente, alterações leves em sua constituição genética podem ajustá-lo melhor às
modificações desse ambiente, as alterações drásticas de uma ou de algumas
características provavelmente o farão funcionar deficientemente em qualquer ambiente. O
organismo pode ser comparado a um carro regulado para atingir a maior velocidade
possível sob um determinado conjunto de condições. Dada uma mudança de temperatura,
de umidade, ou da condição da estrada, pode ser assegurado um desempenho melhor
mediante ligeiros ajustamentos do carburador, da transmissão ou do combustível, mas
qualquer mudança radical desses elementos certamente reduziria a eficiência do motor e
poderia até impedi-lo de funcionar”.
20
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Embora seja comentado que a maioria das mutações sejam prejudiciais, há


estimativas que mostram que em cada 1000 mutações que geram novos alelos, um deve
ser útil para a evolução. Considerando ainda o número de mutações possíveis, há
evidências que 1 alelo novo em 1.000.000 de mutantes seria suficiente para explicar a
evolução de qualquer espécie. Deve ser enfatizado, contudo, que o novo alelo ocorre em
um indivíduo. É necessário algum mecanismo que dissemine a nova informação entre os
indivíduos da população e proporcione vantagem seletiva necessária a evolução. Para que
isto possa ocorrer é necessário o envolvimento do segundo processo da teoria sintética da
evolução, isto é, aqueles que promovem a ampliação da variabilidade.
Quantas mutações seriam necessárias para originar outra espécie? Informações a
esse respeito não são frequentes. No caso do milho (Zea mays L,) e o teosinte (Zea mays
mexicana spp.) duas espécies relacionadas, o número de características que elas diferem
não é grande (Dodlley 2004). Além do mais, uma mutação em apenas um gene foi
fundamental para permitir a evolução divergente do milho em relação ao teosinte, O gene
tb1 afeta a dominância apical. O milho tem o genótipo tb 1tb1 e não perfilha. Por outro lado,
o teosinte tem o alelo normal Tb 1 e perfilha muito (Figura 5). Em consequência, o teosinte
produz espigas de tamanho bem inferior aos do milho. Segundo STTEBINS (1970), não
mais que quinhentas mutações seriam necessárias para transformar uma espécie em outra.

Figura 5. Planta de teosinte (A) mostrando a grande capacidade de perfilhamento


devido ao alelo Tb 1. Planta de milho (B) que não perfilha, ou perfilha pouco,
genótipo tb1tb1. Planta de milho (C) com o mutante tb1-ref.

21
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

4.2.1. A mutação e as propriedades genéticas das populações

Os efeitos da mutação sobre as propriedades genéticas das populações dependem da


frequência de sua ocorrência. As mutações não recorrentes são de pouca importância pois
ocorrem uma única vez na população, sendo muito pequena a probabilidade de se manterem.
Isto porque o alelo mutante estará presente em heterozigose e a chance dele se perder na
próxima geração é ½, no caso de o indivíduo com a mutação deixar um único descendente. O
segundo tipo de mutação (mutação recorrente) envolve os casos de mutação que ocorre
regularmente durante as gerações. A probabilidade do alelo mutante se perder é baixa de
modo que haverá uma "pressão" para que ocorra alteração na frequência alélica. Suponha
que o alelo "selvagem" A1 mute para o alelo A2 com frequência u por geração. Da mesma
forma o alelo A2 pode mutar de volta para A1 com frequência v. A nova frequência alélica será
então:

q1 = q 0 + up0 − vq 0
q = q 1 − q 0
q = up0 − vq 0
Esta situação pode levar ao equilíbrio, isto é, mesmo com a mutação não há alteração
nas frequências alélicas, Δq = 0 . Desse modo, pode-se predizer a frequência alélica no

equilíbrio ( q e ), pela expressão:

up − vq = 0
u (1 − q ) − vq = 0
u − uq − vq = 0
u − q (u + v ) = 0
u
qe =
u+v

Observa-se então que a frequência alélica no ponto de equilíbrio (qe) independe das
frequências alélicas iniciais, mas apenas das taxas de mutação.
Normalmente as taxas de mutação são muito baixas (10-4 a 10-6 por loco, por geração),
portanto a mutação por si só produz mudanças muito lentas nas frequências alélicas. Se dados
experimentais sobre taxas de mutação são substituídos na expressão acima (por exemplo, u
~ 10-5 e v ~ 10-6) a frequência (q) do alelo mutante seria 0,90, indicando que este alelo deveria
ser o tipo "comum" enquanto que o alelo selvagem deveria ser o tipo "raro" na população.

22
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Esta não tem sido a situação encontrada em populações naturais. Portanto, a


frequência de alelos mutantes não depende apenas da frequência de mutação. No tópico
seguinte, verificar-se-á que a "raridade" de alelos mutantes é atribuída à seleção.
O número de gerações (t) para elevar a frequência de um alelo mutante (q0) até outra
frequência (qt), admitindo que no equilíbrio a frequência desse alelo seja qe é dado por:

 q − qe 
(u + v )t = ln 0 
 qt − qe 

Por exemplo, considere o número de gerações necessárias para passar o valor de q


de 0,01 para 0,10, considerando que u= 3,0 x 10-5 e v= 2 x 10-6. Então:
u
qe = = 0,9375 , e o número de gerações será obtido pela expressão:
u +v

 q − qe 
(u + v )t = ln o 
 t
q − q e 

 0,01 − 0,9375 
(0,00003 + 0,000002 )t = ln 
 0,10 − 0,9375 
(0,000032 )t = ln(1,107462687 )
0,10207153
t= = 3190 gerações
0,000032

4.3 PROCESSOS QUE AMPLIAM A VARIABILIDADE

4.3.1 RECOMBINAÇÃO

A recombinação, isto é, a troca de alelos entre indivíduos da mesma população é o


processo que possibilita que o alelo mutante que surgiu em um indivíduo possa passar para
outros indivíduos e, portanto, ampliar a variabilidade. Considerando os organismos
superiores, essa recombinação se processa devido a reprodução sexuada. Na meiose,
mais especificadamente na metáfase I, os diferentes genes podem se recombinar
produzindo uma infinidade de genótipos diferentes, dependendo do número de locos que
estão segregando.
O número de genótipos totais (NGD) produzidos, como pode ser visto na disciplina
n
 m(m + 1) 
de genética, é fornecido pela expressão: NGD =   em que o n é o número de locos
 2 

(ou genes) segregando, cada um com m alelos. Por essa expressão pode-se entender

23
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

perfeitamente o porquê da enorme diversidade dentro de uma mesma espécie. Tomando


como exemplo, uma população de uma dada espécie, em que ocorreu mutação em 10
locos-genes e sendo produzidos quatro mutantes por loco, ou seja, sem a recombinação
40 genótipos diferentes após a recombinação o número de genótipos diferentes seria
10
 4( 4 + 1) 
NGD =   , ou seja, 10 bilhões de genótipos diferentes. Não é à toa que STTEBINS
 2 

(1970) comparou a recombinação com o motor, ou seja, a força motriz da evolução. A


recombinação une os alelos novos produzidos pela mutação em uma infinidade de novas
combinações genotípicas.

4.3.2 - HIBRIDAÇÃO

A hibridação no contexto de evolução refere-se ao cruzamento de espécies


relacionadas, possibilitando a formação de híbridos interespecíficos. Não é um fenômeno
frequente, especialmente em algumas classes de organismos, como os mamíferos. As
chances de hibridações aumentam quando espécies distintas, porém relacionadas,
ocorrem em ambientes instáveis. Nessa condição, o cruzamento entre populações que
possuem diferentes combinações adaptativas de genes pode aumentar consideravelmente
a dimensão do conjunto gênico, quanto a genes dotados de valores adaptativos diferentes.
Contudo, quase sempre os híbridos interespecíficos são estéreis e, neste caso, sem valor
evolutivo, pois não passam as novas combinações genotípicas para as gerações futuras.
Há várias situações em que eles são parcialmente estéreis. Nesse caso, um ou mais
retrocruzamentos – introgressão – com uma das espécies, aumenta a fertilidade e
possibilita a ocorrência de novas combinações genotípicas que certamente poderão
contribuir com alguma vantagem adaptativa.
Exemplos são conhecidos da vantagem dos híbridos, especialmente em plantas.
Quase sempre essa vantagem esteve associada a alterações drásticas no ambiente, na
maioria das vezes provocada pelo homem. Certos tipos de espinheiros americanos eram
confinados às margens de riachos, clareiras e encostas rochosas. Eram bem comuns,
porém separados em função dos diferentes habitats. Com a chegada dos colonizadores
europeus as áreas de florestas foram derrubadas para a formação de pastagens. Esses
espinheiros então invadiram essas novas áreas. Com isso, muitos deles que estavam
isolados, puderam então se encontrar e hibridizarem, formando quantidade enorme de
híbridos. Esses novos tipos dificultaram a vida dos taxonomistas que não conseguiram
classificá-los. Alguns híbridos eram férteis e outros desenvolveram mecanismos eficientes
de propagação assexuada. Muitos outros exemplos são conhecidos de espécies
relacionadas ao trigo e milho.

24
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

No caso dos animais, os exemplos são menos conhecidos. Um caso citado na


literatura são os pássaros pequenos da espécie Pipilo erythrophthalmus e P. ocai. O P.
erythrophthalmus é comum no sul dos EUA, tem a cabeça e as costas brancas e pretas e
os flancos ruivos. P. ocai é encontrado nas montanhas do México é preponderantemente
verde e marrom oliváceo. Nas montanhas do Sudeste do México, as duas espécies são
encontradas normalmente e não há evidência da ocorrência de híbridos entre elas.
Contudo, em outras regiões do México, especialmente em certos picos montanhosos
isolados, encontram-se híbridos que podem ser distinguidos por meio do padrão de cores
(Figura 6). É oportuno enfatizar que nessas montanhas a floresta nativa de carvalhos foi
substituída por outra vegetação mais arbustiva. Essa alteração do habitat aparentemente
favoreceu o híbrido.
Além dos distúrbios antrópicos, inúmeras alterações ambientais ocorreram antes da
existência do homem. Mudanças essas que em várias situações foram muito drásticas. Elas
certamente propiciaram que muitos indivíduos, oriundos da hibridação interespecífica,
fossem mais adaptados e tivessem condições de permanecer na natureza.
Outros aspectos da hibridação serão discutidos associados a alterações no número
de cromossomos.

Figura 6. Duas espécies de pássaros mexicanos, Pipilo erythrophthalmus e P. ocai e seus


híbridos e mapa de sua distribuição no México Central. Fonte: Sttebbins (1970).

4.3.3 ALTERAÇÕES NA ESTRUTURA E NÚMERO DE CROMOSSOMOS

Vários aspectos das alterações na estrutura e número de cromossomos já foram


discutidos na disciplina de genética (RAMALHO, SANTOS e PINTO, 2006, capítulo 14). Só
serão comentados a seguir aspectos destas alterações relacionados à evolução.

25
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

As alterações estruturais têm grande importância evolutiva. Um dos evolucionistas


mais famosos Dobzhansky passou a maior parte da sua vida científica estudando aspectos
evolutivos das alterações na estrutura dos cromossomos em espécies animais, com ênfase
em Drosophila. Alguns dos seus resultados são apresentados por Dobzhansky (1970).
As alterações estruturais dos cromossomos explicam grande parte da variabilidade
potencial das populações, que está encoberta na forma de heterozigotos. A inversão e a
translocação são as alterações mais importantes para a evolução. O efeito principal da
inversão é quando ela ocorre em heterozigose no indivíduo, pois dentro do segmento
invertido a permuta genética não produz recombinantes em razão de os gametas que os
recebe serem inviáveis. Assim, todos os genes que ocorrem numa inversão são mantidos
sempre juntos, formando um supergene.
A translocação altera a relação de ligação entre genes e modifica a freqüência de
recombinação, pois os genes que eram ligados após a translocação passam a ter distribuição
independente e vice-versa. A duplicação, a inversão e a translocação, contribui para
aumentar a variabilidade. Já a deficiência é de importância relativamente menor, devido às
perdas de material genético que são geralmente letais.
Entre as alterações numéricas, a que apresenta maior contribuição para a evolução é
a euploidia. Isto porque ela contribui para o incremento no reservatório gênico.
Especialmente no caso das plantas, a euploidia teve um papel preponderante no surgimento
de várias espécies, entre elas o trigo, cana-de-açúcar, fumo, batata, café, etc. Essas espécies
normalmente têm na sua constituição cromossomos pertencentes a duas ou mais espécies
diferentes, ou então apresentam várias cópias do conjunto cromossômico básico
característico da espécie. E espécie nova oriunda desse incremento no reservatório gênico
pode possuir características que permitam a sua adaptação em condições ambientais antes
não exploradas pelas espécies genitoras. Além disso, devido à existência de vários
complementos cromossômicos, um indivíduo qualquer, dessas espécies, pode possuir vários
alelos para cada gene o que possibilita ampliar a variabilidade genética através da
recombinação.
É importante enfatizar que a associação entre a hibridação e poliploidia teve enorme
contribuição na evolução. Os casos melhor documentados evidentemente envolvem as
espécies domesticadas. Mas certamente inúmeras outras espécies existentes na natureza
tiveram sua evolução associada à hibridação e poliploidia. Como exemplo, iremos comentar
o processo evolutivo que culminou com a origem do trigo. A Tabela 5 apresenta algumas
espécies do gênero Triticum com a sua constituição genômica. A mais importante é o I.
aestivum. Frederizzi et al (2005), apresenta provável processo de origem dessa espécie.

26
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

? BB x AA (T. monococcum)

F1 – AB (estéril)

Duplicação do número de cromossomos

AA BB (T. turgidum)

AA BB x DD (T. taushii)

F1 ABD Duplicação do número de cromossomos

AA BB DD (T. aestivum)

Como se observa na formação do trigo está presente três genomas: o A, B e D.


Desses, o B não tem origem completamente conhecida. Porém, o A e D são espécies
existentes até hoje.
Ao contrário dos vegetais a poliploidia deve ter tido pequena participação na
evolução das espécies animais. São restritos os relatos de animais poliploides. Uma das
explicações é que a poliploidia complica a segregação dos cromossomos sexuais, afetando
a fertilidade das populações. É mencionado também que alguns órgãos como os rins e
centro nervosos têm funcionamento prejudicado em relação aos diploides. Desse modo, a
poliploidia nos animais diminui a adaptação dos indivíduos que a possuem.

Tabela 5. Espécies do gênero Triticum mostrando a importância da poliploidia na formação


das espécies vegetais.
Espécie Genoma Nº de cromossomos
1. Diploide
T. monococcum AA 14
T. speltoides SS 14
T. taushii DD 14
2. Tetraploide
T. durum AA BB 28
T. dicoccum AA BB 28
T. turgidum AA BB 28
T. temophevii AA GG 28
3. Hexaploide
T. aestivum AA BB DD 42
T. spelta AA BB DD 42
T. compactum AA BB DD 42
T. sphaerococum AA BB DD 42
Adaptado: Federizzi et al, 2005.

27
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

4.3.4 - MIGRAÇÃO

Como visto anteriormente, a migração corresponde a incorporação de indivíduos –


alelos – em outra população. Em consequência, a frequência alélica da “nova” população é
alterada e, consequentemente pode contribuir para ampliar a variabilidade das populações,
sendo um processo que pode ser muito eficaz na evolução.
A efetividade da migração depende da quantidade de indivíduos migrantes e da
divergência genética das populações migrantes. É evidente que a migração é maior em
populações situadas próximas do que naquelas distantes geograficamente. Em
consequência, como as populações situadas próximas devem ter adaptação semelhante,
possuem constituição genética também semelhante, o efeito da migração normalmente não
é muito pronunciado. Dizendo de outro modo, é esperado que o efeito mais efetivo da
migração ocorra em populações bem isoladas e há longo tempo, pois nessa condição a
divergência entre elas dever ser bem maior.

4.3.4.1 Migração e as propriedades genéticas das populações

A migração ocorre quando uma população (ou subpopulação) recebe membros


provenientes de outro grupo de indivíduos. Muitas vezes, no entanto, os novos indivíduos não
trocam alelos com a população local, não caracterizando assim a verdadeira migração. Isto
ocorre, por exemplo, em aves que voam para os trópicos, mas que não chegam a se acasalar
nesse novo ambiente. Dessa forma, a migração, em genética de populações, é tratada como
sinônimo de fluxo gênico.
Suponha que uma população consista de m novos imigrantes e o restante (1-m) sejam
os nativos. A frequência alélica entre os imigrantes é qm e entre os residentes q0. Assim, a
nova frequência, alélica na população mista será dada pela média das frequências alélicas na
população residente e na população de imigrantes, ponderada pela proporção de indivíduos
de cada população, isto é:
q1 = (1 − m )q 0 + mq m
q1 = q 0 + m(q m − q 0 )
O processo migratório trás, portanto, uma alteração nas frequências alélicas (q) que
é estimada por:
q = q1 − q 0
q = m(q m − q 0 )
Desse modo, nota-se que a mudança na frequência alélica ocorrerá toda vez que as
frequências alélicas forem diferentes nas duas populações, isto é qm  q0. A magnitude e

28
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

direção da mudança dependem da proporção dos migrantes (m) e quão diferentes são as
duas populações. Se qm < q0 a nova frequência alélica será reduzida; se qm > q0 a frequência
será aumentada.
Se a migração continua ocorrendo por t gerações com a mesma intensidade, a
freqüência alélica será dada por:


qt = (1− m) q0 + 1− (1− m) qm
t t

No caso de plantas, a migração se dá por contaminação com pólen estranho, por
sementes disseminadas pelo vento ou por animais, ou mesmo quando se considera o
cruzamento entre variedades de polinização livre ou de duas populações distintas.
Para exemplificar, vamos considerar uma população de capivaras. Nessa espécie a
cor pode ser branca ou marrom, a diferença devido a um gene w, sendo o alelo dominante
responsável pela cor marrom. Em um habitat 1 existem 800 animais com as diferentes cores
e a frequência de animais brancos é de 16%. Em outro habitat 2 a frequência de animais
brancos é de 64%. Se 200 indivíduos do habitat 2 migrarem para o habitat 1, qual a nova
frequência do alelo w no habitat 1?

Habitat 1 Habitat 2

Brancos 64%

Brancos 16%
64%

800 animais
200 animais

Brancos ?

A nova frequência alélica após a migração (q1) será:

q = q + m(qm q )
1 0 0

m é a proporção migrante, no exemplo:


200
m= = 0,2
800 + 200

Então: q1 = q0 + m(qm q ) = 0,4 + 0,2(0,8 0,4) = 0,48


0

29
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Desse modo, a frequência de animais brancos na população após a migração e uma


geração de cruzamento ao acaso, voltando a condição de equilíbrio será:
Freq. ww = (q1)2 = (0,48)2 = 0,230. Se a população for mantida com 800 indivíduos serão
esperados ( 800 x 0,2304) 184 animais brancos. A alteração na frequência alélica será:

q = q q = 0,48 0,40 = 0,08


1 0
Se a migração ocorrer por cinco gerações com a mesma intensidade, a frequência será:

q = (1 m )t q + [1 (1 m )t ]q m = (1 0,2)5 0,4 + [1 (1 0,2)5 ]0,8 = 0,6689 = 0,67


t 0

Nessa condição, o número de capivaras brancas esperado será de 358, mantendo a


população com 800 animais.

4.4 PROCESSOS QUE ORIENTAM AS POPULAÇÕES PARA MAIOR ADAPTAÇÃO

4.4.1 SELEÇÃO NATURAL

Os indivíduos mais adaptados deixam mais descendentes. Assim, na população os


indivíduos diferem no sucesso reprodutivo, isto é, ou há diferença no número de
descendentes (m) ou na proporção deles que reproduzem (e), isto é, a seleção natural. Ela
ocorre por uma série de fatores. Porém, em princípio, com o aumento do número de
indivíduos de uma espécie ou população, os fatores ambientais (p.ex. alimentos) ficam cada
vez mais limitados. Assim, apenas uma parte das progênies sobrevive.
Antes de fornecer mais detalhes a respeito da seleção natural é preciso comentar a
respeito da vida de “Charles Darwin”, o naturalista inglês que desvendou essa força
evolutiva.

4.4.1.1 CHARLES DARWIN, SUA VIDA E SUAS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES PARA A


CIÊNCIA

Aqui será efetuado um relato sucinto da sua vida e o que representou o seu trabalho
para o entendimento da evolução. Aos que desejarem maiores informações a respeito da
vida e obra de Darwin, sugerimos ler Mayr (2006).
“Charles Darwin” nasceu em fevereiro de 1809, na Inglaterra. Filho de Robert
Darwin, um médico bem sucedido. Perdeu a mãe muito jovem, com 8 anos de idade. Uma

30
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

das pessoas que influenciou o seu trabalho foi o avô Erasmus Darwin, um poeta, filósofo
zoologista e naturalista que tentava explicar a evolução.
O pai desejava que ele fosse médico, porém ele detestava ver sangue e cirurgias, e
então foi estudar teologia. Também não era isto que ele desejava de sua vida. Porém,
durante seus estudos na Universidade de Cambridge fez a disciplina de Botânica com o
Prof. John Stevens Henslow. Darwin adorou a matéria e passou a ser orientado por
Henslow que, por outro lado, viu um talento no, então, estudante. Desde o princípio de sua
vida, Darwin, estimulado por seu avô, esteve preocupado com o que ocorria na natureza.
Era sem dúvida nenhuma um jovem naturalista talentoso.
No verão de 1831, o Prof. Henslow recebeu um convite do governo inglês para ser
o naturalista a bordo de um navio (o HMS Beagle), cuja missão principal era melhorar o
mapeamento geográfico do continente americano. Naquela época, a Inglaterra era uma das
maiores potências nas tecnologias de navegação. O Prof. Henslow acabou não aceitando
o convite por questões familiares, mas indicou seu pupilo Charles Darwin para integrar a
tripulação do navio. Assim, com 22 anos, Darwin recebeu o convite do governo inglês para
participar como naturalista da expedição a bordo do HMS Beagle. Esse navio saiu da
Inglaterra em 27/12/1831. Inicialmente, a expedição foi planejada para dois anos, mas
durou quase cinco anos, com o navio só retornando à Inglaterra em 02/10/1836.
Darwin tirou o máximo de proveito desses 5 anos de viagem ao redor do mundo,
incluindo os cinco meses em que passou no Brasil. Por aqui, ficou logo maravilhado com a
diversidade e beleza das florestas tropicais. Disse não conseguir “expressar os sentimentos
de um naturalista que, pela primeira vez, vagueia sozinho numa floresta brasileira. É uma
visão das mil e uma noites com a diferença de que é tudo verdade”. Por outro lado, ficou
estarrecido com a escravidão e com a burocracia para conseguir autorização para explorar
algumas reservas naturais (Darwin 1839).
Foi, contudo, nas Ilhas Galápagos, que as suas observações contribuíram para que
alguns anos mais tarde, ele revolucionasse os conceitos a respeito de evolução. A partir de
suas observações, bem precocemente, ao contrário do pensamento vigente, ele passou a
acreditar na origem gradual de novas espécies pela especiação geográfica e na teoria da
evolução pela origem comum.
A sua saúde não era boa. A partir dos 30 anos, não tinha condições de trabalhar por
muito tempo. Acredita-se que ele possa ter contraído doença de Chagas em sua expedição
pela América do Sul. Outra hipótese é que ele possuía algum problema no sistema nervoso
autônomo. Mesmo assim, publicou vários livros. O mais famoso foi o revolucionário livro “A
origem das espécies” publicado em novembro de 1859. Cabe ressaltar a sua cautela
científica ao escrever esse livro ao longo de vários anos. Mesmo com o livro finalizado, ele
demorou muito para publicar, pois sabia do conteúdo herético das suas revelações a
31
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

respeito da evolução das espécies. Porém, o também naturalista A. R. Wallace tinha ideias
semelhantes e, inclusive escreveu a Darwin a esse respeito. Com isso, Darwin se sentiu
pressionado a publicar seu livro para não perder o ineditismo das suas ideias. Essas
revelações sobre a evolução das espécies e o papel da seleção natural foram prontamente
aceitas pela maior parte dos cientistas/naturalistas da época. Porém, essas ideias
receberam uma enxurrada de críticas de uma parcela grande da sociedade, especialmente
dos círculos religiosos. O que ocorre até os dias atuais.
Além dos problemas de saúde, Darwin enfrentou uma série de dificuldades devido
ao excesso de trabalho. A morte de dois filhos crianças também lhe impuseram grande
tristeza. Estudioso dos efeitos da “consanguinidade” (ou endogamia), ele temia que os 10
filhos que teve com sua esposa Emma Wedgwood pudessem sofrer pelo fato dele ser primo
de Emma. Apesar do seu temor, alguns de seus filhos foram proeminentes cidadãos
ingleses. George, Francis e Horace Darwin se tornaram membros da Royal Society e
cavalheiros da rainha, sendo respectivamente astrônomo, botânico e engenheiro civil.
Todos se tornaram cavalheiros. Um outro filho, Leonard Darwin, foi soldado, político,
economista, eugenista e mentor do famoso estatístico e geneticista Ronald Fisher. Após
enfrentar diversos problemas de saúde, Charles Darwin faleceu em 1882, com 73 anos.
Segundo Mayr (2006), Darwin empregou o método científico com maestria. Mayr
(2006) assim expressou as qualidades do trabalho do grande naturalista: “Darwin achava
que antes de fazermos quaisquer observações sobre determinado fenômeno, deveríamos
propor hipóteses que fundamentassem tais observações. O método de Darwin era
verdadeiramente o método consagrado pelos maiores naturalistas. Ele observava
numerosos fenômenos, sempre tentando compreendê-los. Quando alguma coisa não se
encaixava de imediato, ele fazia uma conjectura e testava isso por observações
adicionais, o que levava a refutação ou ao fortalecimento da suposição original. Esse
procedimento não se adaptava muito bem às prescrições clássicas da filosofia da ciência,
porque consistia num vai-e-vem contínuo entre fazer observações, levantar questões,
estabelecer hipóteses e testá-las ao fazer observações adicionais. O método empregado
por Darwin era um processo bem disciplinado, usado por ele e por todo cientista moderno.
Este processo direcionava o planejamento dos experimentos e a coleta de observações
adicionais. Não conheço nenhum precursor de Darwin que tenha usado esse método
consistentemente e com tanto sucesso.
O fato de Darwin ter sido um gênio dificilmente pode ser questionado, não obstante
alguns de seus antigos detratores. Mas certamente havia outros biólogos de igual
inteligência que fracassaram na tentativa de se igualarem a Darwin. O que distinguia Darwin
dos outros cientistas? Para respondermos a essa questão, devemos investigar que tipo de
cientista era Charles Darwin. Como ele mesmo dizia, antes de tudo, ele era um naturalista.
32
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Darwin era um grande observador; e como outros naturalistas, estava interessado na


diversidade orgânica e na adaptação. Os naturalistas, geralmente, são descritivos e
detalhistas, mas Darwin era também um grande teórico. Ele se assemelhava muito a alguns
dos principais físicos da sua época, mas diferia dos naturalistas comuns sob outros
aspectos. Além de observador, Darwin era um experimentador talentoso e persistente,
principalmente quando lidava com problemas cuja solução poderia ser prevista por um
experimento.
Isso talvez nos leve a origem da grandeza de Darwin. A universalidade de seus
talentos e de seus interesses prepararam-no para construir as pontes entre os diversos
campos de pesquisa. Isso também o habilitou para usar toda a sua experiência de
naturalista para teorizar sobre alguns dos problemas mais desafiadores que instigavam a
sua curiosidade. Contrário a certas crenças disseminadas, Darwin era muito corajoso nas
suas teorizações. Uma mente brilhante, uma grande coragem intelectual, e uma habilidade
para combinar as melhores qualidades de um naturalista observador, de um filósofo teórico
e de um experimentalista. Está maravilhosa combinação, única até aquele momento, estava
presente no grande cientista que foi Charles Darwin”.
A teoria da evolução de Darwin em realidade é um conjunto de teorias, como aponta
Mayr (2006), entre elas:
(1) Evolução: Esta é a teoria que afirma que o mundo não é imutável, nem foi recentemente
criado, e, também, não é perpetuamente cíclico; mas um mundo que está sempre mudando,
onde os organismos se transformam com o tempo.
(2) Origem comum: Esta teoria afirma que todo grupo de organismos descende de um
ancestral comum e que todos os grupos de organismos, incluindo animais, vegetais e
microrganismos tiveram uma única origem na terra.
(3) Multiplicação das espécies. Enfatizava Darwin que as espécies possuem enorme
diversidade. Elas se multiplicam separando-se em espécies filhas, ou, então, florescem
pelo estabelecimento de populações fundadoras, isoladas geograficamente, e que a partir
daí evoluem em novas espécies.
(4) Gradualismo. As mudanças ocorrem gradualmente nas populações.
(5) Seleção natural: Os indivíduos de uma espécie e/ou população diferem em
adaptação, isto é, na sua capacidade de sobreviverem e deixarem descendentes
férteis e viáveis.

4.4.1.2 Efeito da Seleção nas propriedades genéticas das populações


Seleção é a reprodução diferencial de genótipos, ou seja, quando indivíduos com
genótipos específicos produzem maior (ou menor) número de descendentes que indivíduos
de outros genótipos, diz-se que a seleção está ocorrendo. Estas diferenças genotípicas no
33
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

sucesso reprodutivo se devem a diferenças na fertilidade e à capacidade de sobrevivência. No


caso da fertilidade, as diferenças podem surgir através da variabilidade para o início e duração
do período reprodutivo ou através de diferenças na capacidade de acasalamentos e no
número de gametas funcionais produzidos. Por outro lado, diferenças na capacidade de
sobrevivência podem ocorrer por meio de diferentes efeitos ambientais, incluindo diferenças
na capacidade de certos genótipos competirem por recursos essenciais, escaparem da
predação ou de suportarem os rigores de seu ambiente físico.
A seleção pode ser definida também como eliminação de determinados genótipos da
população. Devido a esta eliminação há alterações nas frequências alélicas e genotípicas e,
em consequência, a população se afasta do equilíbrio de Hardy-Weinberg.
O sucesso reprodutivo de um dado genótipo é chamado de adaptabilidade. Se a
diferença de adaptabilidade estiver associada à presença ou ausência de um determinado
alelo, então a seleção atua sobre esse alelo. Quando um alelo está sujeito à seleção, sua
freqüência nos descendentes não é a mesma da dos pais, uma vez que os pais contribuem
desigualmente com alelos para a próxima geração.
A taxa reprodutiva de cada genótipo é estimada tomando-se o número médio de
descendentes por indivíduo e multiplicando pela probabilidade de que cada indivíduo
sobreviva e reproduza. Suponha que cada indivíduo reproduza uma única vez durante sua
vida e morra antes que sua progênie atinja idade reprodutiva. A taxa reprodutiva de um
genótipo é então mij.lij. Em que:
lij - a probabilidade que o genótipo ij sobreviva até a idade reprodutiva;
mij - o número médio de descendentes do genótipo ij ou a taxa de fertilidade.

Por exemplo, assuma que os genótipos AA, Aa, aa tenham taxas de fertilidade
(mAA,mAa,maa) iguais a 3, 4, 10 e probabilidades de sobrevivência (lAA, lAa, laa) de 0,9; 0,6;
0,1. As taxas reprodutivas (mAA.lAA, mAa.lAa, maa.laa) serão então 2,7; 2,4 e 1,0. Observe que
o genótipo aa, neste exemplo, tem a taxa reprodutiva mais baixa, embora ele seja bastante
prolífico quando adulto. Este exemplo ilustra a importância de considerar a capacidade de
sobrevivência e a taxa de fertilidade antes de se fazer qualquer julgamento com relação à
contribuição genética de cada genótipo.
O conceito de taxa reprodutiva pode ser aplicado em genética de populações se
considerarmos que, deixando descendentes, um indivíduo está contribuindo com genes para
a próxima geração. Quanto mais descendentes um indivíduo produzir maior será sua
contribuição para o pool gênico da próxima geração. O produto mij.lij fornece uma medida de
adaptabilidade absoluta, expressa na forma de uma taxa reprodutiva. De modo geral,
estamos interessados em como a capacidade reprodutiva de um genótipo se compara de
um modo relativo à de outro genótipo. Assim, usa-se a adaptabilidade relativa (wij) que é
34
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

expressa como a taxa reprodutiva de um dado genótipo dividida pela taxa reprodutiva do
genótipo com maior adaptabilidade absoluta. Desse modo, as adaptabilidades relativas dos
três genótipos seriam:
2,7
w 11 = = 1,00
2,7
2,4
w 12 = = 0,89
2,7
1,0
w 22 = = 0,37
2,7
A adaptabilidade relativa (w) pode apresentar valores variando de 0 a 1. Adaptabilidade
zero significa que o genótipo em questão não se reproduz (ou não deixa descendentes).
Quando isto acontece diz-se que há seleção completa contra aquele genótipo particular.
Adaptabilidade relativa entre 0 e 1 significa uma forma menos extrema de seleção e que é
conhecida como seleção parcial. Neste caso o genótipo é capaz de reproduzir, mas numa taxa
menor do que o ótimo.
A adaptabilidade média ( w ) da população é dada pela soma dos produtos das
adaptabilidades relativas de cada genótipo e suas frequências genotípicas:

w = p 2w 11 + 2pqw 12 + q 2w 22
A seleção atua sobre um genótipo através de seu fenótipo. Assim, a eficiência da
seleção dependerá do grau de dominância exibido pelo gene sob ação da seleção. Para tanto,
deve-se considerar os tipos de interação alélica quanto à adaptabilidade, conforme Figura 7.
A seleção pode atuar contra um determinado alelo, tendendo a eliminação de
genótipos que possuem o referido alelo, ou pode atuar a seu favor, tendendo preservar os
indivíduos que o possuem. A força da seleção é expressa pelo coeficiente de seleção (s) que
representa a redução (ou aumento) proporcional de gametas contribuídos por determinado
genótipo, comparada a um genótipo padrão, que geralmente é o mais favorável (ou
desfavorável). A adaptabilidade é representada por 1-s. Assim, se o coeficiente de seleção s
= 0,1 a adaptabilidade é 0,9, o que significa que para cada 100 zigotos produzidos pelo
genótipo favorável, somente 90 serão produzidos pelo genótipo contra o qual a seleção está
atuando.
Embora a diferença de adaptabilidade entre indivíduos resulte da seleção sobre todos
os locos simultaneamente, será dada atenção apenas ao efeito da seleção sobre um único
loco. As conclusões a serem apresentadas aplicam-se à seleção natural ou à seleção artificial
imposta pelo melhorista. Vários modelos de seleção podem atuar, conforme mostrado na
Tabela 6 e Figura 7.

35
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 6. Valores de adaptabilidade relativa (w) para diferentes modelos de seleção


Genótipos
Tipos de interação alélica A1A1 A1A2 A2A2
w11 w12 w22
Recessivo letal 1 1 0
Dominância Completa (Seleção contra A A ) 2 2
1 1 1–s
Ausência de dominância (Aditivo) 1 1 – s/2 1–s
Dominância Parcial 1 1 – hs 1–s
Vantagem do heterozigoto (Sobredominância) 1 – s1 1 1 – s2

A1A1
A2A2 A1A2
Dominância
1-s 1

A2A2 A1A2 A1A1


Ausência de Dominância (Aditivo)
1-s 1-s/2 1

A2A2 A1A2 A1A1


Dominância parcial

1-s 1-hs 1

A2A2 A1A1 A1A2


Sobredominância (vantagem do heterozigoto)

1-s1 1-s2 1
Figura 7. Esquemas representativos dos diferentes modelos de seleção.

a) Recessivo letal
Alguns alelos causam a morte do indivíduo antes que o mesmo atinja a idade
reprodutiva, como é o caso de algumas doenças em várias espécies. Em plantas, mutantes
para clorofila (albinos) geralmente são letais e atuam quando em homozigose. Nesse caso,
tanto o indivíduo homozigoto normal (A1A1) quanto o heterozigoto (A1A2) apresentam a
mesma adaptabilidade (1) enquanto que o outro homozigoto, A2A2, é letal com
adaptabilidade relativa de zero. A nova frequência alélica (q1) será:

36
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

p0 q 0 (1) + q 02 (0) pq
q1 = = +0
w w
Como a adaptabilidade média ( w ) é dada por:

w = p02 (1) + 2 p0 q 0 (1) + q 02 (0)

w = p 02 + 2 p 0 q 0

w = p0 (1 + q 0 )
A nova frequência alélica será:
p0 q 0 q0
q1 = q1 =
p0 (1 + q 0 ) 1+ q0

Esta expressão demonstra que a frequência alélica da geração 1 é dada em função da


frequência alélica da geração 0. Na geração t a frequência alélica será:
q0
qt =
1 + tq 0
Resolvendo esta expressão para t gerações, tem-se:
1 1
t= −
qt q0
A mudança na frequência alélica será:
q = q1 − q 0

q0
q = − q0
1+ q0

q 02
q = −
1+ q0
Estas últimas expressões permitem responder duas questões importantes com relação
à dinâmica da mudança de frequências alélicas com alelos letais: a) quantas gerações seriam
necessárias para ocorrer mudança na frequência alélica para uma quantidade específica? b)
qual será a mudança na frequência alélica após um número t de gerações, dada uma
frequência alélica inicial? Na tabela 7 são apresentados alguns exemplos. Quando a
frequência do alelo letal é alta, ela é reduzida muito rapidamente, por exemplo, de 0,5 a 0,25,
isto é, à metade, em apenas duas gerações. Já quando a frequência do alelo letal é muito
baixa, por exemplo, (0,01), são necessárias 100 gerações para reduzi-la à metade (0,005).
Esse fato decorre de que, quando a frequência alélica é baixa, a grande maioria dos alelos
letais estará oculta nos heterozigotos e, portanto, não sujeitos à seleção.

37
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 7. Número de gerações (t) necessárias para reduzir a frequência alélica de um valor
inicial qo para qt para um recessivo letal.
Qo qt t
0,25 2
0,5 0,1 8
0,01 98
0,05 10
0,1 0,01 90
0,001 990
0,005 100
0,01 0,001 900
0,0001 9900

b) Seleção Contra o Alelo recessivo

Em muitas situações não há a seleção completa contra os indivíduos homozigotos,


porém, a sua adaptabilidade é reduzida (1 - s) em comparação com os outros genótipos.
Os valores de adaptabilidade são mostrados na tabela 8.
Adaptabilidade média é dada por: w = p0 + 2 p0 q 0 + q 0 (1 − s ) = 1 − sq 0
2 2 2

A nova frequência (q1) do alelo recessivo será:

q02 (1 − s ) + p0 q0
q1 =
1 − sq02

Fazendo p0 = 1 – q0

q02 − sq02 + q0 − q02 q0 − sq02


q1 = =
1 − sq02 1 − sq02
A mudança na frequência alélica devido à seleção será:
q = q1 − q0

q 0 − sq02 q 0 − sq02 − q0 + sq03


q = − q0 →
1 − sq02 1 − sq 2

sq02 (1− q0 )
q = −
1 − sq02
Considerando-se um coeficiente de seleção pequeno, pode-se simplificar a equação
e, neste caso, a mudança na frequência alélica seria dada por:
38
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

 q = sq02 (1− q0 )
Assim, o número de gerações (t) necessárias para reduzir a frequência alélica é dada por:

1  q0 − qt q (1 − q t )
t=  + ln 0 
s  q0qt q t (1 − q 0 )

Comparando os dois casos (s = 1,0 e s = 0,2) nota-se que em ambos a eficiência é


menor (se gasta maior número de gerações) quando as frequências alélicas iniciais são mais
baixas. Contudo, a eficiência é drasticamente reduzida quando o coeficiente de seleção (s) é
menor.

Tabela 8. Número de gerações (t) para reduzir a frequência alélica de um valor inicial (q0) a
outro valor (qt) para um alelo recessivo com s = 1 ou s = 0,2.
t
q0 qt
s=1 s = 0,2
0,25 3 15
0,5 0,1 10 51
0,01 103 513

0,05 11 54
0,1 0,01 92 462
0,001 995 4974

0,005 101 503


0,01 0,001 902 4512
0,0001 9905 49523

Para os demais tipos de interações alélicas, pode-se obter, de modo análogo, as


expressões para as novas frequências alélicas (q1) e para as alterações nas frequências
alélicas (q) (Tabela 9):

Tabela 9. Mudança nas frequências alélicas com uma geração de seleção, e diferentes tipos
de interação alélica para adaptabilidade. A frequência alélica inicial de A2 é q.
Tipo de interação Nova freq. alélica Mudança na freq. alélica
Ausência de dominância, seleção contra A2
sq (1 − q )
1 1 1
q− sq − sq 2
2 2 − 2
1 − sq 1 − sq
Dominância parcial de A1, seleção contra A2 q − hspq − sq 2 spq q + h(p − q )

1 − 2hspq − sq 2 1 − 2hspq − sq 2
Dominância completa de A1, seleção contra A2 q − sq 2 sq 2 (1 − q )

1 − sq 2 1 − sq 2

39
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Sobredominância, seleção contra A1A1 e A2A2 q − s2q 2 pq (s1 p − s 2 q )


+
1 − s1p 2 − s2 q 2 1 − s1 p 2 − s 2 q 2

Para todos os casos da tabela 8 a eficiência da seleção depende do coeficiente de


seleção (s) e da frequência alélica inicial (q). Deve-se notar, no entanto, que a eficiência varia
também em função do tipo de interação alélica presente. De maneira geral, a eficiência é maior
em frequências alélicas intermediárias. Outro ponto que se torna evidente é que quando a
frequência do alelo recessivo é baixa a seleção é muito ineficiente.

c) Ausência de dominância (Aditivo)


Quando o heterozigoto é intermediário em relação aos homozigotos a eficiência da
seleção é melhorada porque parte desses indivíduos pode ser eliminados.

Se s = 1,0 (seleção completa):


2
 1
qt =   q0
2 q0
q Em que: é a taxa de redução na frequência alélica.
ln 0 qt
qt
t=
ln 2

Por exemplo, se deseja reduzir a frequência alélica em duas vezes, então q0/qt = 2.
Assim, o número de gerações t depende não das frequências alélicas propriamente ditas, mas
sim de quanto se deseja reduzir a frequência alélica inicial. Para levar a frequência alélica q0
= 0,8 até qt = 0,05 se gasta quatro gerações. Ao mesmo tempo, para levar a frequência q0 =
0,01 até qt = 0,000625 se gasta também quatro gerações. Isso porque em ambos os casos
reduziu-se a frequência alélica inicial em 16 vezes.

Taxa de redução da frequência alélica t


100 6,6
64 6,0
32 5,0
16 4,0
8 3,0
4 2,0
2 1,0

Se s é bem menor que 1,0 o número de gerações é dado por:

40
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

2  q0 (1 - qt )
t= ln 
s  qt (1 - q0 )

Considerando s = 0,2 e que se deseja reduzir a frequência alélica quatro vezes o


número de ciclos de seleção necessário é fornecido no quadro abaixo:

q0* qt t
0,80 0,20 27,73
0,60 0,15 21,40
0,40 0,10 17,92
0,20 0,05 15,58
0,10 0,025 14,66
0,05 0,0125 14,25
0,005 0,00125 13,90
* Valores arbitrariamente escolhidos.

A Figura 8 mostra um exemplo de um mutante denominado glued em Drosophila


melanogaster, cujo alelo é letal e que também, reduz o tamanho dos olhos e afeta a aparência
de indivíduos heterozigotos. A população utilizada no experimento iniciou-se com frequência
alélica de 0,5 e foi acompanhada por sete gerações. A tendência observada foi semelhante à
esperada apenas nas primeiras gerações, mas a redução foi mais drástica que a esperada
nas gerações finais. Investigações posteriores demonstraram que houve seleção também
contra o heterozigoto.

0,5
Frequência alélica

0,4
0,3
0,2
0,1
0
0 1 2 3 4 5 6 7

Gerações

Figura 8. Redução esperada () e observada () na frequência de um alelo letal recessivo em
d) Sobredominância ou vantagem após
Drosophila melanogaster, do heterozigoto
sete gerações.

Algumas condições, contudo permitem o equilíbrio com ambos os alelos na população


mesmo ocorrendo seleção. Isto ocorre quando há vantagem do heterozigoto, ou seja,

41
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

sobredominância. Então o heterozigoto tem o valor adaptativo de 1,0, enquanto os


homozigotos AA e aa assumem a adaptação de (1 – s1) e (1 – s2) respectivamente. As trocas
nas freqüências alélicas com a seleção é mostrada no quadro 3. A alteração na frequência
alélica com cada ciclo seletivo (Δq ) é fornecida pela expressão:

pq (s1p − s 2q )
q =
1 − s1p 2 − s 2q 2

Há três condições em que o Δq pode ser zero, ou seja, em que pq (s1 p – s2 q)= 0.
As duas primeiras condições ocorrem quando p = 0 ou q = 0, evidentemente estas duas
condições não têm muito significado em termos seletivos, pois não tendo variabilidade a
seleção não pode atuar. A terceira condição, porém ocorre quando ps1 = qs2, assim pq será
nulo. Quando isto ocorre teremos:

s1 p = s 2 q fazendo p = (1 − q )
s1 (1 − q ) = s 2 q
s1 = s1q + s 2 q
s1 = q (s1 + s 2 )
s1
qe =
s1 + s 2

Quando se atinge o valor qe não há mais alteração na frequência alélica e os dois


alelos são mantidos na população. Note que o equilíbrio é função apenas dos coeficientes de
seleção contra os dois homozigotos. Em outras palavras, o equilíbrio não depende da
superioridade dos heterozigotos, mas sim da desvantagem de um homozigoto em relação ao
outro. É fácil ver que se S1 e S2 são constantes, p e q irão atingir uma condição de equilíbrio
estável, ou seja, se q foge da condição de equilíbrio, a pressão de seleção força o seu retorno
à condição original. (Strickberger 1978) comenta o que ocorre. Seja, por exemplo, S1 = 0,20 e
S2 =0,3, assim o valor da frequência do alelo no equilíbrio (qe) será:

0,20
qe = = 0,4.
0,20 + 0,30

Quando q assume valores abaixo de 0,4, ∆q é positivo e atua no sentido de aumentar


o valor de q, voltando à condição de equilíbrio. Por outro lado, quando q é superior a 0,4, q

42
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

será negativo e atuará no sentido de reduzir a magnitude de q. Assim, ambos os alelos


permanecem na população com as frequências q̂ e p̂ , ocorrendo vantagem adaptativa do

heterozigoto.
Provar a ocorrência de sobredominância não tem sido fácil; de fato são pouquíssimos
os exemplos que se enquadram bem nesse tipo de modelo. Entretanto, existem algumas
maneiras que ocorre sobredominância em adaptabilidade ou valor seletivo. Por exemplo, os
alelos podem contribuir em direções opostas para os componentes da adaptabilidade e pode
ocorrer certo grau de dominância em cada componente. A adaptabilidade, como um todo,
depende da combinação dos componentes. Por exemplo, em uma planta leguminosa pode-
se ter a situação especificada a seguir: Veja que, no número de vagens por planta o mais
adaptado é o genótipo A1A1 e o número de sementes por vagens é o A2A2. Como o número de
sementes por planta é o produto dos dois anteriores, o indivíduo com maior adaptação é o de
genótipo A1A2. Veja que mesmo sem ocorrer sobredominância o heterozigoto é o mais
adaptado. A frequência de equilíbrio será:

s1 0,3143
qe = = = 0,8463
s1 + s 2 0,3143 + 0,0571

Caráter Genótipos
1 1
AA A1A2 A2A2
Número de vagens/planta 16 14 11
Número de sementes/vagem 3 5 6
Número de sementes por planta 48 70 66
Coeficiente de seleção (s) 0,3143 0 0,0571
Adaptabilidade 0,6857 1 0,9429

Outra situação seria a sobredominância ocorrer a nível molecular. Neste caso, dois
alelos de um mesmo loco poderiam ter propriedades diferentes, tais como atividade
enzimática, estabilidade ao calor e pontos ótimos de temperatura, pH, etc. Assim, a mistura
dos produtos dos dois alelos poderia tornar o heterozigoto mais vantajoso que os homozigotos.
Quando isto ocorre na população são mantidos os diferentes genótipos, sendo um
exemplo de “polimorfismo balanceado”, termo criado pelo evolucionista famoso FORD para
descrever situações em que a variabilidade genética é mantida por meio da seleção. Alguns
exemplos são conhecidos. Em Drosophila melanogaster um dos genes que afeta a cor do
corpo, o alelo dominante do gene E confere a cor normal e o e (ebony) a cor escura do corpo.

43
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

O mutante ebony permance por muito tempo em populações de laboratório. Foi sugerido que
isto ocorre porque o heterozigoto Ee tem vantagem seletiva.
Um caso muito estudado é do gene causador da anemia falciforme em humanos. O
alelo Hbs do gene é normalmente letal em homozigose (HbsHbs). É responsável por
aproximadamente 100.000 mortes/ano Ele altera a α hemoglobina dificultando o transporte
de oxigênio. O indivíduo normal HbAHbA tem as células sanguíneas redondas. O heterozigoto
tem a forma alterada, fica em forma de foice, oitenta por cento dos indivíduos homozigotos
(HbsHbs) morrem antes da reprodução (A = 0,8). Se a intensidade de seleção é tão alta como
o alelo permanece na população em frequência alta, cerca de 10%.
A explicação é obtida em associação com a ocorrência de malária (Plasmodium
falciparum). O indivíduo heterozigoto tem vantagem adaptativa. Quando o parasita da malária
entra em contato com células vermelhas, eles a destroem, provavelmente comem a
hemoglobina. As células infectadas em forma foice são destruídas junto com o parasita. Os
indivíduos sobrevivem porque a maioria das células vermelhas não é afetada e carregam o
oxigênio normalmente. Portanto, onde há o parasita da malária é comum o heterozigoto
sobreviver melhor que os homozigotos normais. Na Nigéria ocorre malária e já foi estimada a
adaptação dos genótipos HbAHbA como sendo de w = 0,88, ou seja coeficiente de seleção s1
= 0,12. Já o genótipo HbsHbA tem adaptação igual a 1. Nesta condição, o equilíbrio com a
seleção é atingido com a freqüência do alelo Hbs = q na população de:

s1 0,12
q= = = 0,1276 0,13
s1 + s 2 0,12 + 0,82

e) Adaptabilidade média e carga genética


Quando a frequência alélica é alterada pela seleção, alguns indivíduos são eliminados
devido sua incapacidade de sobreviverem ou de se reproduzirem, e a adaptabilidade média
da população é reduzida. A proporção da população que é eliminada devido a causas
genéticas é chamada carga genética e ela tem como consequência a presença de genes
deletérios na população.
Se L é a carga genética, então 1 - L é a adaptabilidade média da população. A
adaptabilidade média é a frequência genotípica total após a seleção e é o denominador de
todas as expressões. A adaptabilidade média é a adaptabilidade relativa, relativa a uma
população que não possui o alelo deletério. A carga genética, ao contrário do que se poderia
imaginar, não é totalmente prejudicial à população porque em muitas populações,
principalmente naturais, as espécies produzem um número de indivíduos maior do que poderia

44
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

sobreviver com os recursos ambientais disponíveis, e a morte causada por fatores genéticos
daria lugar à morte devido à falta de alimentos ou outros recursos.

4.4.1.3 MUTAÇÃO E SELEÇÃO E AS PROPRIEDADES GENÉTICAS DAS POPULAÇÕES

As expressões obtidas para as alterações nas frequências alélicas sob mutação e


seleção mostram que ambas dependem da frequência alélica inicial, mas de modos diferentes.
Por exemplo, a mutação para um determinado alelo é mais eficiente em aumentar sua
frequência quando o alelo é raro, por outro lado a seleção é menos eficiente quando o alelo é
raro. Dessa forma, mutação e seleção atuam em direções opostas:

SELEÇÃO MUTAÇÃO
- Alelo A2 +
(q)
Em um tempo relativamente longo deve-se atingir um equilíbrio, onde não mais haveria
mudança na frequência alélica. Nessa situação q devido a mutação seria igual e de sentido
oposto a q devido a seleção, assim:
Considerando dominância completa:

sq 2 (1 − q )
u(1 − q ) − vq =
1 − sq 2
O interesse aqui é para genes cuja freqüência alélica é baixa, de modo que vq é
desprezível, bem como sq2. Assim tem-se aproximadamente:

u(1 − q ) = sq 2 (1 − q )
u = sq 2
u
q=
s
Essa expressão para o equilíbrio da frequência alélica sob a ação conjunta da mutação
e seleção mostra que a frequência alélica pode ter qualquer valor no ponto de equilíbrio,
dependendo somente da magnitude relativa da taxa de mutação e do coeficiente de seleção.

10 −5
Por exemplo, se u = 10-5 e s = 0,1 então q = = 0,01e q 2 = 0,0001
0,1
Este exemplo mostra que mesmo com uma seleção branda (s = 0,1) a frequência do
alelo mutante é mantida a níveis muito baixos. Por isso é que em populações naturais a

45
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

frequência de mutantes é pequena. Lembre-se que considerando apenas a mutação, esta


frequência deveria ser alta, como mostrado anteriormente.

4.4.1.4 SELEÇÃO REALIZADA PELO HOMEM

Para se ter uma noção mais precisa do que a seleção é capaz de fazer serão
utilizados alguns exemplos de caracteres submetidos a seleção por um grande número
de gerações. O que precisa ficar bem claro é que, o efeito da seleção natural realizada
pelo homem é o mesmo. O que pode variar é o objetivo da seleção. Seja por exemplo,
o processo de domesticação do milho, uma gramínea nativa do México. É
impressionante o que o homem conseguiu em termo do aumento no tamanho da
espiga por exemplo. (Figura 9). Comparando o tamanho da espiga da planta primitiva
e da espiga de um híbrido atual fica fácil visualizar a resposta a seleção praticada pelo
homem por alguns milhares de gerações.

Figura 9. Comparação entre as espigas de milho primitiva e moderna. Fonte:


DOEBLEY (2004).

Há de ressaltar, contudo, que se a planta de milho não tivesse sido domesticada


pelo homem na natureza, ela também teria sido submetida à ação da seleção natural,
contudo certamente em direção nem sempre da almejada pelo homem. Tanto é assim,
que se a planta de milho atual, deixasse de ser cultivada, certamente em pouco tempo
ela se extinguiria. As suas espigas grandes, com centenas de sementes bem aderidas
ao sabugo e protegidas pela palha, na natureza teria pouca chance de sobrevivência.
Pois não ocorreria a dispersão das sementes. Além do mais, quando as espigas caem
no solo, as sementes germinam todas juntas, a competição entre elas seria enorme, e
quase nunca poderia se obter uma outra planta em condições de produzir novos
descendentes. Comparado com o milho primitivo, com pouca palha, pequeno número
de grãos e com menor aderência ao sabugo, a disseminação das sementes seria mais
fácil, as sementes germinavam com menor competição, possibilitando a obtenção de

46
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

uma planta adulta que produzia descendentes permitindo a continuidade da vida da


espécie.
Há vários outros exemplos de sucesso de seleção de longo prazo. Um muito
documentado é a seleção para o teor de óleo e proteína no milho. O processo seletivo
inicou em 1896 na Universidade de Illinois e em 1996 completou -se o centésimo ciclo
seletivo (DUDLEY & LAMBERT 2004). A seleção foi efetuada em uma variedade de
polinização livre – população panmitica denominada de Burr’s White’. Na primeira
geração analisaram o teor de óleo e proteína de 163 espigas selecionaram 24 espigas
com maior e 12 com menor teor de proteína, ou seja, efetuaram a seleção reversa. O
mesmo procedimento foi realizado para o teor de óleo. O resultado obti do nos 100
ciclos seletivos e mostrado nas Figuras 10 e 11. Veja que a seleção efetuada para o
teor de proteína foi efetiva, pois o incremento após 100 gerações foi 3 vezes o que
ocorria inicialmente. O teor de proteína inicial era 10,93% e passou para 29, 03% na
geração 100. Para o teor de óleo, o resultado foi ainda mais expressivo, passou 4,69%
na população original para 20,37% na geração 100. Incremento de mais de 4 vezes.
A seleção no sentido contrário, isto é, para reduzir o teor de óleo e proteína tam bém
foi efetiva, nesse caso, contudo, ao que tudo indica, ocorreu um limite fisiológico. Isto
é, tanto o teor de óleo como de proteína atingiu um limite mínimo. Limite este,
essencial para permitir a germinação das sementes. É ainda mais marcante o fato de
que, na população submetida a seleção para alto ou baixo teores, após a seleção no
sentido contrário e ambos os casos houve resposta a seleção. A resposta a seleção a
longo prazo é possível porque esses caracteres ao que tudo indica, são controlados
por um grande número de genes. Há estimativas que para óleo esse número deve ser
de 69 e o de proteína 173. (Bernardo, 2002). Fica evidente a força que a seleção
efetuada pelo homem tem em moldar a planta visando atender os seus objetivos.

Figura 10. Resultado da seleção para alto e baixo teor de proteína em milho realizado
em Illinois. Fonte: Dudley &47
Lambert (2004)
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Figura 11. Resultado da seleção para alto e baixo teor de óleo em milho realizado em
Illinois. Fonte: Dudley & Lambert (2004)

Um outro exemplo digno de destaque é a seleção realizada visando o aumento


do peso da pupa de um pequeno inseto Tribolium castaneum, a barata da farinha. O
trabalho iniciou em 1954 em Purdue, EUA. Pesaram 200 pupas de cada sexo,
selecionando os 50 machos ou fêmeas de maior ou menor peso. Em algum período
tiveram que “relaxar” a seleção, ou seja, paralizar o processo devido a redução na
adaptação. A Figura 12 mostra o que foi realizado no sentido do aumento do peso
após 360 gerações. A diferença entre o peso da pupa selecionada para alto ou baixo
peso foi 1600% ((MUIR et al, 2004).

Figura 12. Seleção para aumento ou diminuição do peso da pupa de Trbolium.


Fonte: Muir et al, 2004.

48
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Um outro expressivo exemplo, facilmente constatado por nós é o que ocorreu


com os cães (Canis lupus familiaris). Inclusive, no livro de Charles Darwin, publicado
em 1868 “The variation of animals and plants under domestication”, grande parte foi
direcionada a origem e história dos cães. Ao que tudo indica, todos os cães derivam
do lobo (Canis lupus). Qualquer uma das 400 raças de cães têm no máximo 0,2% de
diferença genética do lobo. Os cães e lobos podem cruzar produzindo descendentes
férteis e viáveis. Os cães foram os primeiros animais a serem domesticados pelo
homem. É fantástico o que a seleção realiza pelo homem. A Figura 13 mostra alguns
dos fenótipos encontrados nos cães atualmente. E não é apenas na aparência que
eles diferem. O homem selecionou para diferentes tipos de atividades, tais como:
transporte, guarda, caça e pastoreio de outros animais. Todos esses tipos
provenientes da seleção, normalmente realizada em populações pequenas.

Figura 13. Algumas raças de cães mostrando o que a seleção artificial é capaz de
fazer.

4.4.1.5 OBJETIVOS DA SELEÇÃO NATURAL

O efeito da seleção como foi comentado anteriormente, envolve apenas um gene


(loco) e dependia da interação alélica prevalente e da intensidade de seleção s = (1 –
w). Mas qual objeto de seleção, o nucleotídeo, o loco, a célul a, o tecido, o indivíduo
ou população como um todo? Ainda há controvérsias com relação a essa resposta.
A adaptação, por exemplo, é muitas vezes influenciada por caracteres
controlados por muitos genes quantitativos. Além do mais, pode envolver a interação

49
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

de vários caracteres. Em princípio, contudo é necessário salientar que o princípio de


genética que foram discutidos para um loco são válidos para as demais situações.
Ampla discussão a respeito do objeto de seleção é apresentado por RIDLEY
(2004) e MAYR (2006). Os casos dos leões servem como referência da dificuldade de
se avaliar qual o objeto da seleção. Os leões têm uma estratégia de caça. Quando
observam a presa eles tomam diferentes direções e assim podem cercar a presa na
sua tendência de fuga. Quando um deles atinge a caça, ela é partilhada com os
demais. Fica evidente que a participação do grupo foi fundamental no sucesso de
todos. Há vários caracteres que afetam o sucesso no caso, tais como: os seus
sentidos, seus dentes, suas pernas e outros. Eles passam cerca de 20 horas do dia
descansando e dormindo após ter digerido a caça e gastam somente uma hora por dia
na caçada propriamente dita.
Esse comportamento favorece o grupo, não apenas um leão em particular.
Poder-se-ia pensar que a seleção natural atuaria em nível do grupo, já que o benefício
é comunitário. Por outro lado, na procura da fêmea para a reprodução, dois machos
se digladiam normalmente até a morte de um deles. Com essa morte a espécies de
leão não é beneficiada, apenas o indivíduo vencedor. Aqui a unidade seletiva é
aparentemente o indivíduo.
É muito comentado o comportamento dos himenópteros sociais, como formigas
e abelhas. Eles possuem uma biologia reprodutiva bem particular. Esse assunto não
será tratado aqui, sendo um ramo da biologia conhecido como Sociobiologia. Nesse
caso, ocorre o que se conhece como seleção por parentesco (Kin selection) ocorrendo
inclusive castas estéreis. Segundo Mayr (2006), o grupo bem sucedido atua como uma
unidade e é, como um todo a entidade favorecida pela seleção. Aparentemente esse
caso indicaria como objeto da seleção o grupo. Entretanto, tais grupos com frequência
consistem em parentes próximos, e como tal a seleção é de fato feita por parentesco,
que é na realidade seleção individual.
Há casos em que, pelo menos aparentemente, o objeto seletivo não é nem o
indivíduo e sim o alelo, com resultante distorção na segregação mendeliana. Em

drosophila ocorre um gene denominado por Sd. No heterozigoto, Sd , nos machos


sd
os seus descendentes têm mais de 90% o alelo sd, pois o Sd não se desenvolve. Nas
fêmeas esse fato não ocorre. Nos homozigotos a segregação é normal. Em
consequência desta seleção, a fertilidade dos machos heterozigotos é reduzida a
praticamente a metade do normal. Assim, a pressão de seleção no alelo Sd no
heterozigoto afeta os demais genes que estão com ele no gameta. Um outro gene que
estiver no mesmo cromossomo que Sd terá uma desvantagem seletiva, ao passo que,

50
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

aquele que estiver com sd terá sua vantagem seletiva ampliada. Esse fato é conhecido
como “arraste por ligação”, do inglês “linkage drag”. Como a seleção diminui a
diversidade genética nos locos sob seleção, devido ao efeito da ligação genética os
locos adjacentes também terão sua diversidade genética reduzida. Essa redução de
diversidade ao redor de um gene com influência adaptativa é conhecida como
“varredura seletiva”, do inglês “selective sweep”. Sendo assim, a seleção não afeta
apenas um gene, mas possivelmente todos os outros genes que estão próximos, ou
geneticamente ligados, no cromossomo.
Esse assunto é bem controvertido como já enfatizado. Porém, Mayr (2006) é bem
enfático a esse respeito. O fenótipo do indivíduo é o objeto da seleção. Segundo ele,
o conceito de evolução como sendo qualquer alteração nas frequências alélicas das
populações, como nós temos utilizado nessa disciplina, não é correto. O mais
apropriado seria mudança de fenótipos, em particular, a manutenção (ou a melhoria)
da adaptação ou a origem da diversidade. Mayr salienta que as alterações nas
frequências alélicas são o resultado da evolução e não a causa. Assim, é possível
utilizar as frequências alélicas para se entender os efeitos da seleção nas
propriedades genéticas das populações.

4.4.1.6 TIPOS DE SELEÇÃO NATURAL


A seleção natural pode ser estabilizadora, direcional, disruptiva ou divergente e
cíclica.

SELEÇÃO ESTABILIZADORA
Uma população de indivíduos que permanece por um longo período de tempo
em uma determinada condição ambiental desenvolve fenótipos que são adaptados
àquela condição. Isto é, muitos dos fenótipos tendem a aglutinar-se ao redor de um
valor em que a adaptação é maior. Os indivíduos extremos que desviam deste ótimo
são menos adaptados e, provavelmente, serão eliminados. Esse tipo de seleção é
conhecido como seleção estabilizadora, e tende a diminuir a variância fenotípica da
população. Como se observa na figura 14, são selecionados os indivíduos que
apresentam desempenho em torno da média, reduzindo a variabilidade.
Alguns exemplos de seleção estabilizadora são bem conhecidos. Estudos com
pardais que sobreviveram a uma tempestade apresentaram em oito dos nove
caracteres avaliados, valores próximos da média; enquanto os que morreram
mostraram variabilidade muito maior. Segundo o pesquisador “É bem perigoso ser
notado acima de um padrão, bem como, estar abaixo deste padrão”.
51
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Um outro exemplo é documentado em humanos. Pesquisa realizada em um


hospital de Londres foram avaliados 6693 nascimentos, em um certo período. Desses,
6419 bebês sobreviveram até um mês após o nascimento. O peso dos sobreviventes
é mostrado na figura 15. Observe que a maior proporção de sobreviventes ocorre com
o peso de 7 libras (~ 3,2 Kg). Os valores acima ou abaixo desse peso ótimo têm
menores taxas de sobrevivência. No exemplo, a mortalidade total foi de 4,1%
(274/6693), ao passo que com o peso em torno de 7 libras a mortalidade cai para
1,2%. Dizendo de outro modo, 2,9% de mortalidade ocorrem entre os bebês que
fugiram desse peso ótimo.

Seleção estabilizadora (Favorece os fenótipos em torno da média).

Seleção direcional (Seleção para um dos extremos).

Seleção cíclica (Seleção favorecendo diferentes fenótipos alternativamente).

Seleção disruptiva (Seleção para os fenótipos extremos simultaneamente).

Figura 14. Diferentes tipos de seleção natural

2 3 4 5 6 7 8
9 10
Peso ao nascer (IB)

Figura 15. Taxa de sobrevivência em função do peso dos bebês de sexo feminino em
Londres (Exemplo de seleção estabilizadora).

52
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Stearns e Heekstra (2003) comentam o exemplo do lobo em relação aos cães,


seus descendentes diretos. Como já foi comentado, há uma enorme diversidade no
tamanho de cães devido a seleção realizada pelo homem. Encontramos raças de cães
extremamente pequenas, como Chihuahua e Pinscher, e outras raças muito grandes,
como Dogue Alemão, Sheepdog e São Bernardo. Ao passo que o lobo, ao longo de
milhões de anos, ao que parece mantém o peso médio do seu corpo. Este fato, implica
a eliminação dos animais de tamanhos extremos. Os mesmos autores fazem alguns
comentários do porquê isso acontece: uma taxa metabólica mais alta, favorece o
crescimento, mas uma taxa mais baixa requer menos alimento. Assim, deve haver um
balanço no tamanho do animal. Animais maiores podem ter maior capacidade de caça
e de reprodução. Porém, não podem ser muito grandes ao ponto de precisarem se
alimentar mais do que a capacidade de fornecimento pelo ambiente.
Um outro exemplo é o número de descendentes por ninhada de aves. Quanto
maior o número de ovos, maior o número de descendentes potenciais. Porém, menor
postura pode ser mais eficiente, na medida em que a mãe pode alimentar a prole mais
facilmente e também ter mais tempo para cuidar dos filhotes. Em estorninho, o
tamanho ótimo de ninhada é de cinco, acima desse valor ocorre alta taxa de
mortalidade após as aves deixarem os ninhos.
Há também um exemplo experimental com mariposas da espécie Panaxia
domínula. Foi realizada a seleção por várias gerações, artificialmente para asas claras,
com sucesso. Após a seleção, elas foram soltas em um ambiente onde não havia
mariposas desta espécie. Após 5 anos foi realizada a captura das mariposas.
Observou-se que elas possuíam asas de cor normal. Ou seja, a seleção natural
favoreceu a seleção de mutações ou de genótipos com a cor normal, primitiva.
De um modo geral, a seleção natural é quase sempre estabilizadora ,
especialmente em condições de estabilidade ambiental.
A seleção estabilizadora possui algumas causas:
- Tamponamento homeostático. É a canalização de diferentes caracteres para
produzir fenótipos similares em indivíduos geneticamente diferentes. Assim,
diferenças genotípicas são normalmente mantidas na população.
- Seleção de fenótipos adaptados a um ambiente estável.
- Em outras situações ocorre um limiar ambiental. Ou seja, vai acumulando alelos
favoráveis sem alterar a expressão fenotípica até uma determinada condição
ambiental. A partir de então, pode ocorrer uma mudança abrupta no fenótipo.

53
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

SELEÇÃO DIRECIONAL

É o tipo de seleção que favorece os fenótipos localizados em um dos extremos


da curva (Figura 13). Como consequência deve ocorrer mudança na média da
população no sentido da média do grupo selecionado. A seleção praticada pelos
melhoristas de plantas e animais é desse tipo. Em termos de evolução, a seleção
direcional é importante quando há alterações ambientais e os organismos precisam se
adaptar a essa nova realidade. Assim, fenótipos em um dos extremos pode ser os
mais adaptados para essa nova condição ambiental.
Há vários exemplos de seleção direcional, alguns, inclusive, utilizando
evidências paleontológicas. Tais exemplos indicam que a seleção direcional , ocorre
em longo prazo com alterações muito pequenas ao longo do tempo. Stearns e
Heekstra (2003) fornecem exemplo do cavalo. Segundo eles, os cavalos evoluíram ao
longo de 50 milhões de anos, de um animal da dimensão de um cão, ao que
conhecemos hoje. Isto ocorreu devido a uma seleção direcional muito lenta ou até
mesmo por ação da deriva genética, assunto que será comentado no próximo capítulo.
Um grande exemplo de seleção direcional ocorreu com os tentilhões das ilhas
Galápagos, mais de um século depois de Charles Darwin ter observado e estudado
extensivamente esses animais. Nos anos de 1976-78, as ilhas sofreram uma severa
seca que reduziu drasticamente a quantidade de sementes disponível para a
alimentação dos tentilhões (Figura 16). Além disso, as sementes remanescentes
ficaram mais duras. Consequentemente, a população de tentilhões foi reduzida
drasticamente. Porém, os animais sobreviventes eram, em média, maiores , o que
elevou o tamanho e o peso corporal dos animais nas próximas gerações. Esse
aumento do tamanho dos tentilhões foi o resultado de uma seleção natura l direcional,
pois só os animais maiores conseguiram quebrar e se alimentar do endosperma das
sementes mais duras, após a seca severa (Grant 1991 – Scientific American v. 265
(4): 82-87).
A seleção direcional representa a essência da evolução em busca de uma maior
adaptabilidade. Mais detalhes a respeito desse tipo de seleção serão vistas
posteriormente.

54
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Figura 15. Declínio na população de tentilhões (Geospiza fortis) devido a uma


prolongada seca em 1976-78 na ilha de Daphne Major no Arquipélago de
Galápagos (a). O declínio ocorreu devido a uma escassez no fornecimento
de sementes (b). Além disso, o tamanho e dureza das sementes disponíveis
aumentou com a seca (c). Como resultado, o tamanho médio dos tentilhões
aumentou, pois apenas pássaros maiores conseguiam se alimentar dessas
sementes de forma eficiente e sobreviver (d). Figura extraída de
https://www.mun.ca/biology/scarr, com permissão de Steven M. Carr.

SELEÇÃO CÍCLICA
Quando o ambiente varia muito em diferentes direções entre gerações ou entre
estações, o fenótipo ótimo, e consequentemente o genótipo ótimo, pode alterar em
sentidos opostos de acordo com o ambiente. O resultado disso é a seleção em uma
direção em uma ou mais gerações e em direção oposta em outras gerações (Figura
13). Esse tipo de seleção contribui para manter as diferenças genéticas na população,

55
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

uma vez que diferentes fenótipos podem ser vantajosos em diferentes momentos ao
longo da evolução da população.

SELEÇÃO DISRUPTIVA

Quando a população é submetida a diferentes ambientes dentro de uma mesma


geração ou estação, de modo que os genótipos mais divergentes são os mais
adaptados, ocorre a seleção disruptiva. Ou seja, nesse caso são selecionados os
indivíduos situados nos dois extremos. É o contrário da seleção estabilizadora. A
variação fenotípica na população é descontínua. Ela favorece um intenso polimorfismo
e em consequência a divergência que pode promover o isolamento reprodutivo (Figura
13).

4.4.1.7 ALGUNS EXEMPLOS BEM DOCUMENTADOS DA AÇÃO DA SELEÇÃO


NATURAL

Melanismo industrial na mariposa Biston betularia


Esse é um dos exemplos mais citados do efeito da seleção natural. Numa coleção
de mariposas realizadas no século 18 na Inglaterra, a cor das mariposas era quase sempre
clara. Cor escura (melânica) só foi detectada em 1848 perto de Manchester. Contudo, essa
forma melânica aumentou a frequência até próximo de 90% dos indivíduos da população
nas áreas mais poluídas que ocorreu na metade do século XX. Nessa condição, a mariposa
clara tornou-se rara. Contudo, com leis antipoluição, implantados nos últimos anos a
frequência das formas melânica decresce nas áreas que anteriormente eram poluídas.
A explicação para essa mudança na freqüência dos fenótipos das mariposas foi
atribuída a predação exercida pelos pássaros, embora existam algumas controvérsias a
esse respeito. A explicação fornecida normalmente que no ambiente não poluído, as
mariposas claras podem se camuflar melhor nos troncos das árvores enquanto as escuras
tornam-se presas fáceis aos predadores (Figura 17). No ambiente poluído, próximo das
fábricas existentes no início do século XX em Manchester, as formas claras seriam
facilmente identificadas, pois a fuligem existente no tronco das árvores formava um
contraste perfeito. Nessa situação, os fenótipos escuros eram mais protegidos. Inclusive,
pássaros foram fotografados pegando as mariposas nas duas condições.

56
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Figura 17. Mariposas Biston betularia de cor clara e escura pousadas sobre troncos de
árvores cobertas de liquens e coberto de fuligem .

Ao que tudo indica o fenótipo claro devido ao genótipo cc e o escuro C_. Há dúvida
a respeito do alelo C ser realmente dominante, pois em certas situações o heterozigoto tem
fenótipo intermediário dos homozigotos. Além do mais, já foi identificada a presença de
alelos múltiplos. Estimativas das frequências dos alelos C e c, considerando apenas
dominância foram apresentadas por RIDLEY (2004). As estimativas foram realizadas
considerando certa taxa de mutação e de intensidade de seleção (Tabela 9).

Tabela 9. Alteração teórica nas frequências alélicas do gene envolvido com a cor da
mariposa B. betularia. Foi considerada uma frequência inicial do alelo C de 0,00001
arredondado para zero na tabela, correspondente a frequência de mutação de 10-5. O ano
de início foi 1848 na simulação e a intensidade de seleção de s = 0,33 (Adaptado
RIDLEY, 2004).

Frequência alélica
Data (geração)
C c
1848 0,00 1,00
1858 0,00 1,00
1868 0,03 0,97
1878 0,45 0,55
1888 0,76 0,24
1898 0,86 0,14
1908 0,90 0,10
1918 0,92 0,08
1928 0,94 0,06
1938 0,96 0,04
1948 0,96 0,04

57
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Foram realizados alguns experimentos para comprovar a seleção que estava


ocorrendo considerando dois ambientes, um poluído e outro não poluído (Tabela 10).
Esses dados foram obtidos até 1950. Veja que houve discrepância na intensidade
de seleção (s) utilizada na tabela 9 e a estimada na tabela 10. Isso pode ocorrer segundo
RIDLEY (2004), por algumas razões. Uma delas é erro amostral do experimento de campo.
A segunda é a frequência de mutação não ser 10 -5 e a migração de mariposas de outras
regiões. É oportuno enfatizar que de 1970 a 2000 ocorreu decréscimo na frequência do
fenótipo melânico confirmando as observações anteriores.
Há críticas aos trabalhos que mostram a alteração na frequência dos tipos de
mariposas sendo dependente dos pássaros como comentado anteriormente. Eles criticam
os experimentos de soltura e captura, pois as mariposas eram colocadas nos troncos das
árvores em ambientes com e sem poluição. Isto, porque a partir de 1980 foi constatado que
essas mariposas normalmente não pousam nos troncos e sim nas partes mais altas das
árvores, mas brotações. Contudo, COOCK (2000) avaliou 30 experimentos que estimaram
a adaptação realizada por diferentes biologistas e encontraram valores semelhantes.
Salientou que os detalhes metodológicos não afetaram os resultados. Em conclusão, o que
se havia proposto anteriormente deve ser o correto, isto é, a poluição do ar associada a
predação dos pássaros deve ser o agente seletivo.

Tabela 10. Frequência de fenótipos claros e escuros das mariposas em ambientes com e
sem poluição. Os números observados são os números recapturados e o
número esperado é o que seria recapturado se a sobrevivência fosse igual.
(Mariposas que foram soltas e as recapturadas de 1 a 5 semanas após).
Mariposas
Claras Escuras
Ambiente Poluído
Número recapturado
Observado 18 140
Esperado 36 122
Sobrevivência relativa 0,5 1,15
Adaptação relativa (w) 0,5 1,15
= 0,43 =1
1,15 1,15

Ambiente não poluído


Número recapturado
Observado 67 32
Esperado 53 46
Sobrevivência relativa 1,26 0,69
Adaptação relativa (w) 1,26 0,69
=1 = 0,55
1,26 1,26

58
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

RESISTÊNCIA DAS PRAGAS AOS INSETICIDAS

A resistência dos insetos aos pesticidas é outro exemplo de seleção natural. A


resistência ao inseticida DDT é frequentemente propalada. Ele foi desenvolvido para
combater mosquitos transmissores da malária, doença provocada por um protozoário
parasita do sangue. Um dos usos do DDT foi na Índia, em 1940. Ele se mostrou efetivo por
mais de dez anos. Não só na Índia, mas no mundo como um todo. Ele salvou várias vidas.
Contudo, já em 1959 foram detectados na Índia os primeiros mosquitos resistentes a esse
inseticida. A partir de então, o crescimento da resistência foi muito rápido (Figura 18).
As consequências foram catastróficas. A incidência de malária quase explodiu,
cerca de 300 a 500 milhões de pessoas foram afetadas. A malária mata atualmente
aproximadamente um milhão de pessoas por ano, especialmente, crianças na idade de 1 a
4 anos. A resistência ao inseticida não foi a única razão do crescimento, mas foi importante.
A resistência ocorreu porque na população já existiam mosquitos resistentes em
uma baixa frequência. Quando uma população local é pulverizada o inseticida atua como
agente seletivo, incremento a frequência de mosquitos com o fenótipo resistente (Figura
19).

Figura 18. Aumento na frequência de mosquitos (Anopheles culicifacies) resistentes ao


DDT. Uma amostra de mosquitos era capturada a intervalos de tempo e
estimadas as que eram mortas por uma dose padrão de DDT (4% de DDT por
uma hora) Fonte: Ridley (2004).

59
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Produto do Grupo A
S
SSS S S Após a S
SS S S S
SSS S pulverização S R
SS R
S

Produto do Grupo A
S S
S S S Após a R
S R
S S S
R S
S S S R pulverização R
S
R S S S
S
Produto do Grupo A
R SR
R S S R
S S R R Após a R
S R
S R S S R R
SS pulverização
RS S R R R
S

Figura 19. Esquema de como funciona a seleção de insetos resistentes a inseticidas. O R


representa insetos contendo alelos de resistência e o S os insetos suscetíveis
ao inseticida.

Em um caso como esse, pode-se estimar a alteração na adaptação por meio da


aplicação do inseticida. Há dúvida com relação ao controle genético da resistência. Para
exemplificar, vamos considerar o alelo R para a resistência e r para a suscetibilidade. Assim,
os mosquitos que morrem devem ter o genótipo rr. Pode-se inferir então que:
Genótipo RR Rr rr
Adaptação 1 1 1-s

A partir da expressão da alteração da frequência alélica pela seleção contra o alelo


recessivo q = − sqo pode-se estimar a frequência alélica ao longo tempo. A tabela 11
2

1 − sqo
2

mostra o trabalho realizado por CURTIS et al. (1978). Foi considerado o tempo de cada
geração como sendo um mês. Os resultados obtidos mostram que os insetos resistentes
têm adaptação quase o dobro dos suscetíveis, o que é uma forte intensidade de seleção.

60
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 11. Estimativas do coeficiente de seleção em moscas (Anopheles culiciafacies) pela


aplicação do inseticida DDT. Foi considerada a suscetibilidade devido ao alelo
recessivo.
Frequência do tipo suscetível
Tempo (Meses) Coeficiente de seleção
Antes Após
0,96 0,56 8,25 0,42
0,56 0,24 4,5 0,57

Vários mecanismos de resistência a inseticida são conhecidos. Uma relação deles


é apresentada na tabela 12.

Tabela 12. Principais mecanismos de resistência aos inseticidas. Adaptado PRYOR (2004).
Mecanismo Inseticida
Comportamento
Aumenta a sensitividade ao inseticida DDT
Evitando microhabitats tratados Vários
Aumentando a destoxificação DDT, Piretróides, Carbonatos
Dehydrochiborinase Organosfosfatados, Organofosforado
Diminuindo a sensibilidade no local alvo Organofosforado
Acetylcholinesterase DDT, Piretróides
Diminuição na penetração cuticular Maioria dos inseticidas

A resistência ao mosquito Culex quinquifasciatus ao inseticida permetrin é devido


ao alelo R, o qual apresenta dominância parcial em relação ao alelo r de suscetibilidade.
Na mosca doméstica, a resistência ao DDT é devido ao alelo kds. As moscas que possuem
esse alelo têm menor número de locais de ligação do DDT nos neurônios. Há casos em
que a resistência é devido ao aumento no número de cópias dos genes que destoxificam o
efeito do inseticida. Isso ocorre com relação a resistência ao temephos em Culex pipons
que aumenta a produção da enzima esterase que destoxifica o inseto do princípio ativo do
inseticida.
O que chama mais atenção é que quando o inseto torna-se resistente, o que é
realizado é a substituição do inseticida por outro. Contudo, esse procedimento nem sempre
funciona. Há um exemplo de um besouro da batata (Peptinotarsa suptenmlineata). O
controle inicial foi realizado com DDT. A resistência foi observada sete anos após. Mudaram
o inseticida para o azinphosmethyl, a resistência foi constatada cinco anos após. Com
acarbofuram apenas dois anos e no caso dos piretróides com um ano. A redução no período
de eficiência do inseticida pode estar envolvida com o desenvolvimento do mecanismo de

61
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

destoxificação do inseto. Isso encarece o custo na geração de uma nova formulação e


consequentemente o custo do controle a pragas.
Essa mesma observação é válida quando se obtêm resistência genética aos
patógenos e/ou pragas. No caso dos patógenos uma cultivar resistente, normalmente
tem vida efêmera. Ela é obtida e pouco tempo depois aparecem novas raças do
patógeno que quebram a resistência. Quais seriam as estratégias para reduzir esse
problema?

SELEÇÃO NATURAL NO FEIJOEIRO

Um bom exemplo da ação da seleção natural foi obtido no programa de


melhoramento do feijão na UFLA. Foram obtidas seis populações , mas aqui serão
apresentados os resultados de apenas um deles. Maiores detalhes podem ser
encontrados em Gonçalves et al (2001). A população foi obtida do cruzamento de duas
linhagens de feijão, a Ouro, que tem hábito de crescimetno indeterminado, tipo II,
grãos pequenos e resistência a algumas raças ao fungo Colletotrichum
lindemuthianum, agente causador da antracnose. O outro genitor foi a linhagem
Manteigão fosco, tem grãos grandes hábito de crescimento determinado, ereta, a
gema apical termina com uma inflorescência, suscetível ao Colletotrichum. As
sementes F 1 foram obtidas, posteriormente a geração F 2 . A partir daí, as sementes
eram colhidas e misturadas sem nenhuma seleção artificial. O processo se repetiu até
a F13 . O número de plantas com crescimento determinado e indeterminado nas
populações segregantes F 2 a F13 é apresentado na tabela 13.

62
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 13. Frequências observadas e esperadas de plantas de hábito de crescimetno


determinado (D) e indeterminado (I) do cruzamento Manteigão Fosco x
Carioca MG nas 13 gerações avaliadas.
Frequências
Gerações Observadas Esperadas
D I D I χ c2 Probabilidade

F2 29 71 25,00 75,00 0,2933 0,8636


F3 20 80 37,50 62,50 13,0667 0,0015
F4 27 73 43,75 56,25 11,4006 0,0033
F5 13 87 46,88 53,12 46,0937 0,0000
F6 19 81 48,44 51,56 34,7023 0,0000
F7 9 91 49,22 50,78 64,7207 0.0000
F8 7 93 49,61 50,39 72,6279 0,0000
F9 6 94 49,80 50,19 76,7563 0,0000
F10 5 95 49,90 50,10 80,6459 0,0000
F11 4 96 49,95 50,05 84,4589 0.0000
F12 3 97 49,98 50,02 88,2848 0,0000
F13 1 99 49,99 50,01 96,0008 0.0000

Sabe-se que o caráter tipo de crescimento é controlado por um gene (Fin) com
dominância do alelo que condiciona o fenótipo indeterminado (Fin). Testando a
hipótese de ¾ (Fin_) e ¼ (finfin) na geração F 2 , verificou-se o teste de qui-quadrado
(2 ) foi não significativo, possibilitando aceitar a hipótese formulada e concordando
com os resultados anteriormente citados.
Na ausência de seleção natural os resultados esperados com o decor rer da
endogamia estão apresentadas na tabela 13. Na mesma tabela, estão os resultados
observados pela pesquisadora. Veja que as frequências observadas são diferentes
das esperadas já a partir da F 3 . Na F 13 , por exemplo, apenas uma das plantas
apresentou hábito determinado, enquanto o esperado era de 50. A seleção atuou
favorecendo os indivíduos de crescimento indeterminado, que por serem mais
agressivos deixaram mais descendentes.
Um outro caráter observado foi o peso de 100 grãos que teve uma nítida
tendência de redução com o avanço das gerações (Tabela 14). Veja que o coeficiente
de regressão linear estimado foi negativo (b = -0,60) indicando que a cada geração o
peso médio dos grãos reduziu de 0,60 g.

63
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 14 . Peso de 100 grãos (g) de feijão do cruzamento Manteigão Fosco x nas 13
gerações conduzidas em “Bulk”.
Gerações Peso de 100 grãos (g)
F2 28,97
F3 26,53
F4 25,49
F5 23,69
F6 23,86
F7 23,47
F8 23,39
F9 23,31
F10 21,77
F11 21,54
F12 21,27
F13 21,17
Média 23,71
B -0,60
R 2 (%) 86

Com relação à resistência ao fungo ela é devida a um gene C 0 com dominância


do alelo responsável pela resistência. São válidas as mesmas observações feitas com
relação ao hábito de crescimento, no que se refere às proporções fenotípicas
esperadas (Tabela 15). Veja que, ao contrário do ocorrido para o hábito de
crescimento, em todas as gerações o teste de (2 ) foi não significativo. Isso indica que,
na quase totalidade dos casos, as frequências observadas se ajustaram às
frequências esperadas baseada na segregação monogênica com sucessivas gerações
de autofecundação.
Qual a razão dessa diferença? Para o hábito de crescimento é fácil imaginar
que as plantas de hábito de crescimento indeterminado, que são mais agressivas
vegetativamente, a cada geração deixaram mais descendentes, assim o alelo de
hábito determinado (fin) diminui acentuadamente já nas primerias gerações.

64
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 16. Frequências observadas e esperadas de plantas resistentes (R) e


suscetíveis (S) ao patógeno Colletotrichum lindemuthianum para o
cruzamento Manteigão fosco x Ouro nas 13 gerações avaliad as.
Frequências
Observadas Esperadas

Gerações R S R S χ c2 Probabilidade

F2 70 24 70,50 23,50 0,0005 0,9973


F3 60 24 52,50 31,50 2,8571 0,2396
F4 49 21 39,38 30,62 5,3778 0,0679
F5 69 28 51,53 45,47 16,6330 0,0018
F6 43 30 37,64 35,36 1,5750 0,4549
F7 52 48 50,78 49,22 0,0594 0,9707
F8 47 52 49,89 49,11 0,3370 0,8449
F9 54 42 48,19 47,81 1,4080 0,4946
F10 47 47 47,09 46,91 0,0004 0,9998
F11 41 49 45,04 44,91 0,7355 0,6923
F12 44 51 47,52 47,49 0,5206 0,7708
F13 40 58 49,02 49,14 3,3110 0,1909

Com relação ao tamanho dos grãos, pode-se imaginar que as plantas possuem
um mesmo potencial de produção (g/plantas) assim aquelas com grãos menores terão
mais grãos, ou seja, maior número de descendentes. Assim, a frequência dos alelos
para grãos menores incrementam rapidamente. Por que o mesmo fato não foi
observado com relação ao fungo? A mais provável resposta é que quando do plantio
das gerações (F 2 a F13 ) no campo não ocorreu o patógeno, desse modo, a seleção
natural não atuou contra o alelo recessivo observando as frequências esperadas de
acordo com as proporções mendelianas.

4.4.2. DERIVA GENÉTICA

A deriva genética ocorre devido ao efeito do tamanho reduzido da população. Como


consequência, pode ocorrer alteração nas frequências alélicas das populações. Contudo,
de modo não previsível, daí o termo deriva genética. Pode-se incrementar o alelo que
proporciona maior adaptação, inclusive levar a sua fixação, como também, reduz a
frequência do alelo favorável, contribuindo para menor adaptação. Além disto, também em
populações pequenas, ocorre endogamia, cruzamento entre indivíduos aparentados. A

65
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

endogamia pode ter algumas consequências como a redução da média populacional e a


liberação da carga genética.
Há várias causas que podem reduzir o tamanho das populações na natureza, entre
eles: recursos essenciais à sobrevivência das espécies são limitados. Os indivíduos têm
pequena capacidade de dispersão entre ambientes apropriados para a sua sobrevivência;
ocorre normalmente em animais a demarcação de territórios entre indivíduos; as
populações podem ficar isoladas como em uma ilha ou lago; podem ocorrer catástrofes
ambientais tais como: terremoto, inverno ou seca muito rigorosa e inundações. Nesse último
caso pode ocorrer o fenômeno denominado de afunilamento genético (bottle neck), ou seja,
a população é grande e bem adaptada em um ambiente e sofre uma redução drástica no
seu tamanho, como consequência poucos indivíduos sobrevivem. Posteriormente, quando
as condições melhoram há expansão da população. As consequências desse afunilamento
são imprevisíveis.
Será comentado a seguir os efeitos da amostragem nas propriedades genéticas
de uma população. Será visto que a teoria do efeito da amostragem é bem conhecida,
porém a importância da oscilação genética para a evolução não é clara.

4.4.2.1. Efeito da deriva genética nas propriedades genéticas das populações

Foi comentado várias vezes, anteriormente, que em uma população grande,


cruzando-se ao acaso, na ausência de seleção, mutação e migração, as propriedades
genéticas permaneciam inalteradas nessa população em equilíbrio. O efeito dos processos
sistemáticos da seleção, mutação e migração na condição de equilíbrio já foi comentado.
Resta discutir é a questão do tamanho da população. No conceito é mencionado que a
população deve ser grande, ou seja, sempre problemas de amostragem. O que ocorre
quando a amostra é pequena, deficiente, é o enfoque deste tópico.
Em princípio deve ser comentado que o efeito da amostragem deficiente é
imprevisível, por isso, a denominação de deriva genética ou oscilação genética. É, portanto
um processo dispersivo nas propriedades genéticas de uma população. Ele apresenta
quatro consequências, ou seja:

a) Oscilação das frequências alélicas


As frequências alélicas mudam erraticamente de geração a geração sem tendência a
voltar ao seu valor original.

b) Diferenciação entre subpopulações

66
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

A deriva genética ocorrendo independentemente em diferentes subpopulações leva à


diferenciação genética entre as mesmas. Os habitantes de uma grande área raramente
constituem uma única população porque os acasalamentos são mais frequentes entre os
indivíduos de uma mesma região. Assim, populações naturais são mais ou menos
subdivididas em grupos locais ou subpopulações, e estas irão diferir em frequências alélicas
se o número de indivíduos no grupo for pequeno. Populações domesticadas ou de laboratório,
do mesmo modo, frequentemente são subdivididas em raças, rebanhos ou variedades e nelas
também as diferenciações genéticas são muito marcantes.

c) Uniformidade dentro das subpopulações – fixação dos alelos


A variação genética dentro de cada subpopulação reduz progressivamente e os
indivíduos se tornam genotipicamente mais semelhantes.

d) Aumento da homozigose
A frequência dos homozigotos aumenta à custa da frequência dos heterozigotos.
Como os alelos recessivos, em geral, tendem a ser deletérios, há uma perda de fertilidade e
viabilidade que quase sempre estão associados com a endogamia.

Para entender a deriva genética de uma forma mais simples, imagine uma população
ideal ou população base, infinitamente grande, conforme a Figura 20. Esta população é
subdividida em um grande número de subpopulações ou linhas, constituídas de N indivíduos
cada. Esta subdivisão pode ocorrer devido a causas geográficas ou ecológicas em populações
naturais ou por condições controladas em populações domesticadas ou de laboratório. Todas
as linhas juntas constituem a população como um todo e cada linha é uma população pequena,
na qual a deriva genética pode ocorrer. O que ocorre aos alelos de um loco em várias linhas
ocorre igualmente em vários locos numa mesma linha, admitindo que todos tivesse a mesma
frequência inicial. Para facilitar o entendimento desse processo considere, inicialmente, as
seguintes condições que simplificam o modelo:
i) Os acasalamentos estão restritos aos membros de uma mesma linha, isto é, não há
migração, entre as subpopulações.
ii) Não ocorre sobreposição de gerações, como é o caso de plantas anuais.
iii) O número (N) de indivíduos que se acasalam é o mesmo em todas as linhas e gerações.
iv) Os acasalamentos são inteiramente ao acaso, incluindo autofecundação em quantidade
aleatória.
v) Não há seleção em nenhuma linha ou geração.
vi) A mutação é desconsiderada

67
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Figura 20. Representação da subdivisão de uma população infinitamente grande -


população base - em diversas subpopulações ou linhas.

O que ocorre em termos das propriedades genéticas pode ser estimado a partir da

expressão da variância das frequências alélicas ( σ q2 ) que é obtido por uma espécie diploide;

considerando o gene B, com os alelos B e b tem-se:

q(1 q ) q(1 q )
 q2 = ou q =  q = 0,5 . 0,5 / 2 . 2 = 0,79
2N 2N

Por exemplo, se a população inicial tem 5000 indivíduos e p = q = 0,5, o desvio nas
0,5(0,5)
frequências alélicas será q = = 0,005 , ou seja, se for considerado um grande
2 * 5000

número de amostras de tamanho 5000 em 68% delas a frequência alélica irá flutuar de q = 0,5
± 0,005, ou seja, entre 0,495 e 0,505. Isto é, ocorre o que denominamos de fixação dos
alelos. Acaba com a variabilidade da população que passa a possuir apenas genótipos
homozigotos, BB quando q = 0 e bb para q =1,0. Se continuar com está amostra pequena,
após algum tempo todas as subpopulações poderão fixar seus alelos. De um modo
imprevisível, para maior adaptação BB ou ao contrário menor adaptação bb.
Pelo último comentário fica claro que as subpopulações não irão fixar o mesmo alelo.
Inlusive, porque a frequência alélica média das subpopulações é igual à frequência alélica da

68
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

população original. Para exemplificar, vamos considerar 64 subpopulações de tamanho dois


obtidas de uma população original obtidas do cruzamento de indivíduos (Bb x Bb), ou seja,
novamente p = q = 0,5. Os descendentes na primeira geração serão BB Bb e bb na frequência
1:2:1. Na próxima geração serão considerados novamente dois indivíduos para o
acasalamento. As possibilidades serão então:

Frequência dos alelos


Acasalamento Probabilidade
B b
BB x BB 1
4 . 1 4 = 116 1 0

2BB x Bb 2 ( 14 . 12 ) = 14 3
4
1
4

2BB x bb 2 ( 1 4 . 1 4 ) = 18 1
2
1
2

Bb x Bb 1
2 . 12 = 14 1
2
1
2

2Bb x bb 2 ( 12 . 14 ) = 14 1
4
3
4
bb x bb 1
4 . 1 4 = 116 0 1

Média 1
2
1
2

Assim, para as 64 subpopulações 2 16 ou oito subpopulações irão se fixar, quatro com

genótipo BB e quatro com genótipo bb. A frequência alélica média como já comentado será a
mesma da população original. Verifica-se que em 56 subpopulações (64-8) ainda não ocorreu
a fixação. Porém, na próxima geração, considerando novamente amostra de tamanho 2, mais
fixação deverá ocorrer. Na realidade, nesta terceira geração 18,75 das amostras-
subpopulações – já estarão fixadas, Ou seja, das 64 amostras, 12 não terão mais variabilidade.
O processo se repetindo ao final todas as subpopulações estarão fixadas. Quando isto ocorrer
32 das amostras serão BB e 32 bb.
Quando N é grande, a fixação ocorre lentamente. Mas mesmo para populações
grandes, em longo prazo, certa proporção de fixação pode ocorrer. Wright citado por
Strickberger (1976) mostra o que ocorre com populações de diferentes tamanhos (Figura 21).
Veja que para populações de tamanho superiores a 10.000 a 100.000 é que, no tempo
avaliado, a fixação não ocorreu.

69
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Figura 21: Fixação de alelos considerando populações com diferentes tamanhos. Veja que,
com uma população de 1.000 ou 5.000 a fixação ocorre já com 10.000 e 100.000 ela não
ocorreu durante o tempo em que foi avaliada. Fonte: Strickberger, 1976.

O número de pais é um aspecto importante para se atingir a fixação. Contudo, deve-


se fazer distinção entre o N no sentido ecológico, isto é, o número de indivíduos contados, por
exemplo, em uma dada região, o número genético (Ne), os que realmente participam do
processo reprodutivo, nem sempre eles são iguais. O Ne é conhecido como tamanho efetivo.
Se, por exemplo, em uma população de 10.000 indivíduos, há 300 pares de cruzamentos que
contribuem igualmente para a descendência na próxima geração, o tamanho efetivo é de
apenas 600. A proporção sexuada envolvida também afeta. Por exemplo, se cinco fêmeas
forem cruzadas com 500 machos o Ne será superior a cinco mais inferior a 500. Wright mostra
que nesta situação Ne é obtida pela expressão: Ne = (4NfNm)/(Nf + Nm), em que Nf número de
fêmeas genitoras e Nm número de machos genitores. No exemplo Ne = (4 . 5 . 500)/5 + 500)
= 19.8. O tamanho efetivo é difícil de medir na prática e existe um grande número de outras
situações em que ele pode variar.
É preciso salientar também que ao longo das gerações de amostragem, as frequências
alélicas das subpopulações oscilam muito.

70
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

O aumento da diferenciação entre as linhas é equivalente ao aumento da variância das


frequências alélicas entre estas linhas. A variância das frequências alélicas entre as linhas, em
qualquer geração t é:
  1 
t

 q2 = p0 q 0 1 − 1 −  
  2N  

Veja o exemplo apresentado na figura 22. Assim, três dos aspectos do processo
dispersivo já podem ser visualizados: a oscilação das frequências alélicas, diferenciação em
subpopulações e a fixação dos alelos.

Figura 22. Frequências alélicas ao longo de 15 gerações para dez populações de tamanho
20.

4.4.2.2. Deriva genética sob o ponto de vista da endogamia


A endogamia corre quando há acasalamento entre indivíduos aparentados. A
endogamia varia de acordo com o grau de parentesco entre os indivíduos envolvidos no
acasalamento. Ela é máxima quando ocorre autofecundação. É também expressiva no
acasalamento entre irmãos completos, tios, sobrinhos, etc.
Para exemplificar, vamos considerar o que ocorre quando há autofecundação de todos
os indivíduos da população. Esse exemplo é restrito às populações de plantas e somente sob
a interferência do homem. Posteriormente vamos comentar o seu efeito em populações
naturais.
Seja uma população de plantas em equilíbrio e que p = q = 0,5 . Nessa condição ao
as frequências dos genótipos serão:
1
A1 A1 = p 2 = ;
4
1
A1A 2 = 2pq = ;
2
71
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

1
A2 A2 = q 2 = .
4
Se ela for autofecundada, a frequência genotípica passa a ser:
3
A1 A1 = ;
8
2
A1 A 2 = ;
8
3
A2 A2 = .
8
Veja que a frequência alélica não foi alterada, pois:
 3 2
2  +
p1 = 
8 8 1
=
2 2
1
q1 = 1 − p1 =
2
Porém, a frequência genotípica foi modificada. Há incremento na frequência dos
genótipos homozigóticos e redução dos heterozigóticos. Se nós imaginarmos que o alelo A2
for prejudicial, deletério, a endogamia aumenta a frequência dos indivíduos A2A2, expressando
maior carga genética e facilitando a seleção. Vejamos agora o que ocorre com a média da
população. Sejam os genótipos mostrados a seguir com os respectivos valores genotípicos:

Endogamia Sem autofecundação Com autofecundação


Genótipos HW Valor genotípico p=q=½
A1A1 p2 100 1
4
3
8

A1A2 2pq 80 1
2
2
8

A2A2 q2 20 1
4
3
8

MÉDIA 70 65

A endogamia, em ocorrendo dominância, como ocorre no exemplo, diminui a média da


população, e aumenta a frequência de homozigotos, como já salientado.
Em populações naturais, mesmo nos vegetais, não ocorre autofecundação em 100%
dos indivíduos. Além do mais, a autofecundação não é a única forma de ocorrer endogamia.
Há várias alternativas de acasalamento entre indivíduos aparentados. O que queremos
mostrar em populações naturais, é que a endogamia é função do tamanho da população.
Quanto menor a população, maior a chance de ocorrer acasalamento entre indivíduos
aparentados.

72
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

No momento, é preciso definir dois índices importantíssimos no estudo das populações


naturais. O primeiro é o Índice Panmítico (P) que expressa a frequência de heterozigotos
nessa população, relativa à frequência esperada na população em equilíbrio de Hardy-
Weinberg. Se a população é grande e os acasalamentos ocorrem todos ao acaso, como já
mencionado, as frequências genotípicas não se alteram. Nessa condição, P assume valor
1,0. Porém ,quando há acasalamento entre indivíduos aparentados P assume valores
inferiores a 1,0, chegando a zero quando só ocorrem homozigotos. Desse modo, o P é obtido
pela expressão:

Frequência de Heterozigotos na geração t 2pq(1-F)


P= = = 1-F
Frequência de heterozigotos na população em equilíbrio 2pq

Em que o F é o coeficiente de endogamia.


Esse é outro índice muito importante. Ele mede o grau de relacionamento entre os
indivíduos da população. É fácil ver que em uma população de indivíduos bissexuados todos
eles têm dois pais, quatro avós, oito bisavós, etc. Ou seja, 2t ancestrais, considerando t
gerações passadas. Depreende-se que, quanto menor o tamanho da população, maior a
probabilidade de que dois indivíduos, tomados ao acaso na população, sejam aparentados.
Conforme Falconer & MacKay (1996) ressaltam, a consequência principal resultante
do fato de dois indivíduos terem um ancestral comum é que eles podem, os dois, carregarem
cópias dos alelos de um determinado gene, presente no ancestral, e se eles se acasalam
podem transmitir essas cópias às suas progênies. Assim, indivíduos endogâmicos podem
possuir dois alelos, em um determinado loco, idênticos por descendência. É preciso, então,
separar os indivíduos que são homozigotos em estado, e aqueles que são homozigotos com
alelos idênticos por ascendência.
O coeficiente de endogamia (F) mede a probabilidade de dois alelos em qualquer loco,
serem idênticos por ascendência. É importante o grau de parentesco entre os pais desse
indivíduo. Esse coeficiente é sempre tomado em referência a uma população em um passado
não muito remoto. Essa população de referência é considerada a população com endogamia
zero (F = 0).
Para exemplificar será considerada uma população de referência ideal constituída de
N indivíduos produzindo igual quantidade de gametas e cruzando ao acaso. Falconer e
MacKay (1996) para exemplificar, consideraram N indivíduos de um organismo marinho
hermafrodita , diploide, que expele ovos e esperma no mar em igual quantidade, e portanto os
acasalamentos serão ao acaso. Na população de referência, todos os alelos em um dado loco
são considerados não idênticos. Considerando apenas um loco, existem 2N tipos diferentes

73
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

de gametas na mesma frequência. A pergunta é: Qual é a probabilidade de dois gametas,


tomados ao acaso, carregar alelos idênticos?
No exemplo, qualquer gameta tem a probabilidade de 1 da união com outro do
2N

mesmo tipo. Então, 1 é a probabilidade de os gametas possuírem alelos idênticos por


2N

descendência.
Outro modo de visualizar esse fenômeno. Seja um loco A em um indivíduo diploide.
Então, nós teremos, para dois indivíduos, os seguintes genótipos:
A iA j
A k Al
Em que o índice indica apenas que o indivíduo inicial não é aparentado, isto é, não
possui alelos idênticos por descendência, pois os índices são diferentes.
Qual seria a probabilidade dos descendentes terem nos genótipos alelos idênticos por
descendência, por exemplo, A i A i ? A frequência do alelo A i é 1 4 , e a probabilidade de de unir

dois alelos A i é 116 . Pode ser também A j A j = 1 ,


16 A kA k = 1
16 e Al Al = 1 .
16 Ou seja, a
probabilidade total de ter alelos idênticos é de P(A i A i) + P(A j A j) + P(A k A k) + P(Al Al). Então,
P= 1
16 + 116 + 116 + 116 = 4
16 = 1
4 . Esse é o coeficiente de endogamia (F) de uma população

de tamanho 2. Ou seja, o mesmo valor que seria obtido com a expressão anterior:
F= 1 = 1 = 1 .
2N 2 2 4

Se for incluído mais um indivíduo não aparentado Am An, a probabilidade passa a ser:
A i Ai = 1
6  16 = 1
36

AjA j = 1
6  16 = 1
36

A kA k = 1
6  16 = 1
36

Al Al = 1
6  16 = 1
36

Am Am = 1
6  16 = 1
36

An An = 1
6  16 = 1
36

A probabilidade de se ter alelos idênticos é, portanto, 6  136 = 1


6. Usando a expressão

anterior, F = 1
2N , onde N = 3, F = 1
23 = 16 .
Esse é o coeficiente de endogamia da geração 1. Na geração 2 já existem dois modos
pelos quais os homozigotos idênticos podem aparecer: um devido à união de alelos idênticos
já acumulados na geração anterior, e o outro devido às novas uniões que são possíveis nessa
geração. Essa nova probabilidade é também 1 , pela mesma razão. Lembrando que nessa
2N

74
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

nova geração apenas 1− 1 2 N dos zigotos têm alelos que não são idênticos por descendência.

Assim, o coeficiente de endogamia da geração 2 passa a ser:


F2 = 1
2N + (1 − 1 2 N )F1 . Para uma geração t qualquer, tem-se: Ft = 1
2N + (1 − 1 2 N )Ft −1
Desse modo, a expressão do coeficiente de endogamia tem duas partes. A primeira,
1 atribuível à nova endogamia, e outra função da endogamia pré-existente. Veja, então, que
2N

o coeficiente de endogamia é função do tamanho (N) da população. Se N é grande, o


coeficiente de endogamia é pequeno, e a recíproca também é verdadeira. É por isso que o
tamanho da amostra da população afeta a sua endogamia.
Se uma população for mantida com amostras pequenas por algumas gerações a sua
endogamia será acentuada. Se houver um aumento expressivo no tamanho da amostra a
endogamia pré-existente persiste.
Pode-se estimar o incremento na endogamia de uma geração para outra (F), isto é:
F = 1
2N

Então, Ft = F + (1 - F)Ft-1. Reescrevendo de outro modo,


Ft − Ft −1
F =
1 − Ft −1
Essa equação estima o coeficiente de endogamia em uma geração, tomada em
relação à distância que falta para alcançar a endogamia completa.
Podemos agora expressar a variância nas frequências alélicas em função do
coeficiente de endogamia. A variância das alterações nas frequências alélicas em uma
geração 2q é obtida por:
p0 q0
2q = = p 0 q 0 F
2N
A variância nas frequências alélicas entre linhas (sub-populações) na geração t (2q) é
obtida por:

 
2q = p0 q0 1 − (1 − 12 N )t = p0 q0 F

A média do genótipo A2A2 média de todas as sub-populações, por exemplo, é fornecida


por:

(q ) = q
2
0
2
+  2 q = q0 + p0 q 0 F
2

Como 2p = 2q pode-se escrever:

75
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Genótipos Frequência na população


A1A1
p 2 +  q2

A1A2
2 pq − 2 q2

A2A2
q 2 +  q2

A principal consequência fenotípica da endogamia é a redução da média populacional


que é denominada de depressão por endogamia. Suponha, por exemplo, que indivíduos A1A1
e A1A2 produzam quatro descendentes e que o genótipo A2A2 produza apenas um
descendente. Assumindo frequências alélicas de p = q = ½ e coeficiente de endogamia F =
0,75 tem-se:

Genótipos Nº de População panmítica População endogâmica


descendentes (F = 0) (F = 0,75)
A1A1 4 p2 = 0,25 p2 + pqF = 0,4375
A1A2 4 2pq = 0,50 2pq - 2pqF = 0,1250
A2A2 1 q2 = 0,25 q2 + pqF = 0,4375
Média ( w ) 3,25 2,6875

A endogamia foi responsável pelo aumento das frequências genotípicas dos


homozigotos e na redução dos heterozigotos. Observa-se, ainda, que o número médio de
descendentes foi reduzido na população endogâmica. Este fenômeno é bastante comum em
muitas espécies e frequentemente resulta em efeitos deletérios, como aumento na taxa de
mortalidade, mal formações, perda de vigor, redução na fertilidade, tamanho dos indivíduos,
etc.

4.4.2.3. Exemplos de deriva genética


Formação de subpopulações: Os exemplos mais ilustrativos de como tamanhos finitos
de populações afetam a distribuição das frequências alélicas foi apresentado por Buri, 1956.
O trabalho foi conduzido com Drosophila melanogaster. Simulou 107 subpopulações, cada
uma contendo 16 indivíduos heterozigóticos para o gene que afeta a cor dos olhos. Alelo bw75
olhos avermelhados e bw olhos marrons. Portanto, p = q = 0,5 na população original. Em cada
uma das sub-amostras por geração oito machos e oito fêmeas eram aleatoriamente tomadas
para formar a próxima geração. Os histogramas na figura 23 ilustram a distribuição das
frequências alélicas ao longo das gerações. A desuniforme distribuição inicial se torna mais
achatada e adquire a forma de U à medida que as subpopulações vão sendo fixadas para os
76
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

alelos bw75 ou bw. O empilhamento ocorre porque uma vez que o alelo é fixado ou perdido,
não há mais possibilidade dele reverter a qualquer outra frequência. Na geração 18, cerca de
50% das subpopulações foram fixadas para um alelo ou outro e, as populações não fixadas
apresentaram frequências alélicas semelhantes.

Número de

Figura 23. Deriva genética em 107 populações de Drosophila melanogaster. Cada uma das
populações inicial consistia de 16 indivíduos heterozigotos bw75/bw (N = 16; bw75
olhos avermelhados e bw olhos marrons). Em cada uma das progênies em cada
geração, oito machos e oito fêmeas eram tomadas aleatoriamente para formar a
próxima geração. Com o passar do tempo, números crescentes de populações se
tornaram fixadas para um ou outro alelo. (Buri, 1956)

4.4.2.4. Efeito do fundador e afunilamento genético


As populações podem ser formadas por pequeno grupo de indivíduos, isto é, comum
em algumas situações. Nesse caso, ocorre o que se denomina de efeito do fundador. Mayer
(2006) definiu efeito do fundador como sendo “O estabelecimento de uma nova população
a partir de uma amostra de poucos indivíduos fundadores (no extremo caso apenas uma
fêmea) a qual carrega apenas uma pequena fração da variação genética total da população
original.” Há vários exemplos conhecidos. Estima-se, por exemplo, que a população
humana da Europa tenha se originado de poucos indivíduos, provavelmente apenas duas
fêmeas e quatro machos.
Um exemplo interessante é o relacionado a uma ilha na costa brasileira – Tristão da
Cunha. Em um censo realizado em 1961 foram encontrados 267 indivíduos na ilha. Um
pesquisador estudou a genealogia e mostrou que essa população derivou de número muito
pequeno de ancestrais. Os fundadores foram um casal que chegaram à ilha em 1816. Esse
77
Bases Genéticas da Evolução DBI 117

casal contribuiu com mais de 25% dos alelos da população em 1885. Posteriormente, mais
três genitores foram introduzidos na ilha. Foi possível mostrar em 1961 que 45% dos alelos
presentes na população humana da ilha eram devido a apenas cinco genitores. Durante
esses anos ocorreram flutuações no tamanho populacional. A redução é como se os alelos
tivessem que passar pelo gargalo de uma garrafa, redução drástica. E, posteriormente, a
população retorna à condição normal. A chance que a nova população acabe com toda a
variabilidade – fixação dos alelos é fornecida pela probabilidade de ocorrer homozigotos na
população, ou seja, (p2)N + (q2)N. É fácil visualizar que a probabilidade de eventos
fundadores produzirem só homozigotos é muito pequena. Ridley (2006) mostra que mesmo
com um tamanho tão pequeno como N = 10, a chance de só ocorrer homozigoto é muito
pequena, especialmente se p =q. O mesmo autor comenta como foi formada parte da
população da África do Sul, “Africânder”. Ao que tudo indica, eles descendem de imigrantes
que chegaram num navio de carga, em 1652. Atualmente, a população tem 2,5 milhões de
indivíduos e mais de um milhão possui nome dos 20 colonizadores iniciais. Esse fato tem
permitido acompanhar alguns alelos na população. Um dos imigrantes que chegou em 1652
tinha a doença de Huntington. A maioria dos indivíduos da população atual, que possui
essa anomalia, pode ser rastreada até o imigrante com a anomalia. Vários outros exemplos
são conhecidos.

Extinção das espécies


A expressão populações ameaçadas de extinção constantemente utilizada pela
mídia e alguns biólogos refere-se a casos em que ocorre a redução drástica no tamanho
da população, em muitos casos por ação do homem, devido à caça, avanço da área
agrícola, crescimento das cidades entre outros. A tabela 16 apresenta a relação de
algumas espécies submetidas ao afunilamento genético.
A extinção é o destino mais provável de uma população reduzida a tamanhos
críticos. Contudo, é exagero dizer que isto é inevitável. Algumas linhagens altamente
endogâmicas mostraram-se presistentes durante várias gerações.

Uma população pequena e isolada pode se tornar especificamente adaptada a um


habitat característico e manter-se com sucesso neste habitat por longo período, e até
mesmo se expandir. Problemas surgem se este habitat passa por alterações significativas.

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 16. Populações de diversas espécies submetidas ao afunilamento genético.


Espécie Tamanho Populacional
Nº de fundadores
Ovelha dos montanhas (Cwis canadensïs) 8/1947; 90/1954
Morcego (L.asïorhïnus-latifrons) 20-30/1981; 70/1994
Koalas (Phascolarctos cinereus) 18/1924;2-3/1880
Raposa vermelha (Vulpes vulpes) 5/1870
Lobos (Canis fupus) 3/1984
Urso marrom (Ursus erectus) 40/1932; 700/1995
Pardais (Passer montanus) 20/1870

Outros exemplos: elefantes marinhos (20 ind), gansos americanos (Trus


amerïcana- 20 ind.), condor da Califórnia (14 ind.).

4.4.3 MECANISMOS DE ISOLAMENTO REPRODUTIVO

O que são espécies? Por que elas existem? Como se mantêm isoladas? Esses são
alguns questionamentos que os biólogos constantemente formulam. O conceito de espécie
pode ter significado diferente em diferentes áreas da biologia. Alguns taxonomistas adotam
o conceito tipológico, por meio de caracteres fenéticos ou morfológicos. Segundo Ridley
(2004), caracteres fenéticos são aqueles que podem ser observados ou medidos no
organismo incluindo caracteres microscópicos e fisiológicos. Os morfológicos são
caracteres de forma observados no organismo como um todo ou em parte. Assim, por
exemplo, o comportamento de um animal e sua fisiologia faz parte de caracteres fenéticos,
mas não morfológicos. Contudo, na prática eles se misturam. As expressões fenética e
fenotípica também são frequentemente utilizadas como sinônimos. Os taxonomistas
observam um dado caráter comparando a expressão fenotípica de outra espécie para
definir se é uma nova espécie ou apenas indivíduos diferentes da mesma. O problema é
que há muita variação na expressão fenotípica dos diferentes caracteres que dificultam a
classificação em muitas situações.
Os evolucionistas por seu turno têm o conceito de espécie fundamentado na
capacidade dos indivíduos da mesma espécie trocam alelos entre si, ou seja, espécie é um
grupo de indivíduos que possuem a capacidade de trocar alelos livremente entre si, porém
não com indivíduos de outra espécie. Os indivíduos de uma espécie participam de um pool
gênico comum. A espécie é uma unidade de evolução. Esse é conhecido como conceito
biológico de espécie. Em vários casos, a classificação dos tipologistas e dos evolucionistas

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

coincide, porém há situações que isto não ocorre, o que gera confusão. No gênero
Eucalyptus, por exemplo, os taxonomistas colocam como espécie distinta Eucalyptus
grandis e Eucalyptus urophyla, fundamentado em diferenças morfológicas e em suas
regiões de ocorrência distaintas. O E. urophylla é uma das poucas espécies que não ocorre
no continente Australiano, como o E. grandis, mas sim nas ilhas ao norte como a de Timor.
Contudo, indivíduos dessas duas espécies ainda se intercruzam produzindo descendentes
férteis e viáveis, sendo inclusive o híbrido E. grandis x E. urophylla o mais utilizado nas
florestas plantadas do Brasil. Portanto, de acordo com o conceito biológico de espéces, E.
grandis e E. urophylla constituem uma espécie única.
Há também o conceito ecológico de espécie. Esse conceito é discutido por Ridley
(2004) e não será comentado aqui. Apenas será mencionado que por esse conceito, a
espécie é um grupo de indivíduos adaptados a um determinado nicho ecológico, incluindo
seus habitats.
Cabe ressaltar que a classificação dos indivíduos em categorias discretas é uma
necessidade do Homem. A natureza não está nem um pouco preocupada com essa nossa
necessidade de atribuir nomes às coisas. De fato, conforme visto ao longo desta apostila,
as forças evolutivas, como mutação, deriva genética e seleção natural, vão alterando as
frequências alélicas de forma muito lenta. Sendo assim, as espécies não derivam de um
ancestral comum a partir de um evento repentino que, da uma hora para outra, transforma
uma espécie ancestral em duas. Conforme veremos a seguir, a partir do isolamento
reprodutivo, duas populações vão acumulando diferenças genéticas, por deriva e seleção
natural. Em longo prazo, esses processos podem levá-las a acumularem diferenças
morfológicas e a não terem mais compatibilidade reprodutiva, já que os materiais genéticos
se tornaram muito divergentes. Nesse contexto, fica evidente que a evolução das espécies
ocorre paulatinamente e de forma contínua, ao invés de ser um evento abrupto e discreto.
Portanto, a classificação de espécies acaba sendo, muitas vezes, um processo arbitrário
ditado pelos especialistas na taxonomia de cada grupo de espécies.
Porém, dado a necessidade de categorizar os indivíduos em nomes de espécies,
facilitando nossa comunicação, é preciso adotar um critério para isso. O conceito a ser
adotado nessa disciplina, evidentemente, é o conceito biológico. Nesse contexto é
necessário comentar que há ainda alguns conceitos importantes relacionados à espécie.
Por exemplo, especiação alopátrica, que ocorre quando as populações são
geograficamente isoladas; especiação simpátrica, tipo de especiação em que uma
espécie origina duas espécies dentro de uma mesma região geográfica; espécies crípticas
ou irmãs, populações morfologicamente similares ou idênticas que são isoladas
reprodutivamente.

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

O segundo questionamento é; por que as espécies existem? A resposta nem sempre


é consensual. Mayr (2005) assim se expressou a esse respeito: “A espécie é com efeito,
um desafio fascinante. Apesar da maturidade do darwinismo, ainda estamos longe de
alcançar unanimidade sobre a origem de novas espécies, sobre seu significado biológico e
sobre a delimitação dos táxons de espécie”. Fica fácil, contudo imaginar que se todos os
seres vivos tivessem condições de partilharem de um mesmo conjunto gênico, não
existiriam espécies definidas. Certamente, o número de indivíduos com menor adaptação
a cada geração de acasalamento seria enorme. E o preço a ser pago também imenso.
O terceiro questionamento: Como as espécies se mantêm isoladas? É mais fácil de
ser respondida. Constitui o foco desse tópico da teoria sintética da evolução, ou seja, as
espécies se mantêm isoladas por meio de mecanismos de isolamento reprodutivo. São
barreiras que impossibilitam a troca de alelos entre indivíduos de espécie diferentes. Um
desses mecanismos é o isolamento geográfico, que origina as espécies alopátricas. Esse
mecanismo, embora possa funcionar por algum tempo, dificilmente promove o isolamento
para sempre. Além do mais, há enorme número de espécies simpátricas, isto é, que vivem
em uma mesma região. Nesse caso, não existe isolamento geográfico. Como então que
estas espécies mantêm-se isoladas? Isto ocorre por meio dos mecanismos de isolamento
reprodutivo, ou seja, todos os mecanismos que impedem ou dificultam o acasalamento
entre indivíduos de espécies diferentes.
A classificação desses mecanismos é apresentada na tabela 17. Veja que eles
podem ser pré-zigóticos, agem impedindo o contato entre indivíduos de espécies diferentes
ou restringem a união dos gametas, se porventura a fertilização ocorrer. Já os pós-zigóticos
atuam no embrião e/ou indivíduos híbrido impedindo o seu desenvolvimento ou reduzindo
ou impedindo a fertilidade do híbrido obtido.
Há vários mecanismos pré e pós-zigóticos. Alguns exemplos serão apresentados
nessa nota de aula, outros podem ser encontrados em Stebbins 1970; Dobzansky 1970;
Ridley 2004.

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 17. Mecanismos de isolamento reprodutivo. Fonte: Sttebins (1970).


A. Mecanismos Pré-zigóticos: Impedem a fecundação e a formação do zigoto.
1. Habitat: As populações vivem na mesma região mas ocupam habitats
diferentes.
2. Sazonal ou temporal: As populações existem na mesma região, mas
apresentam maturidade sexual em épocas diferentes.
3. Etológica (sòmente em animais): As populações são isoladas por
comportamentos diferentes e incompatíveis antes do acasalamento.
4. Mecânico: A fecundação cruzada é impedida ou atenuada por diferenças
estruturais dos orgãos reprodutores (genitais nos animais, flôres nas plantas).
5. Gamético: Os gametas de espécies diferentes não se fundem.

B. Mecanismos Pós-zigóticos: A fecundação ocorre e zigotos híbridos são formados,


mas êstes são inviáveis, ou dão origem a híbridos fracos ou estéreis.
1. Inviabilidade ou fraqueza do híbrido.
2. Esterilidade estrutural do híbrido: Os híbridos são estéreis porque as gônadas
se desenvolvem anormalmente, ou a meiose se degenera antes de se completar.
3. Esterilidade segregacional do híbrido: Os híbridos são estéreis devido à
segregação anormal, para os gametas, de cromossomos inteiros, segmentos de
cromossomos ou combinações de genes.
4. Deterioração de F 2: Os híbridos F1 são normais, vigorosos e férteis, porém a
geração F2, contém muitos indivíduos fracos ou estéreis.

4.4.3.1 MECANISMOS PRÉ-ZIGÓTICOS

ISOLAMENTO DE HABITAT

No caso das plantas, as populações exploram numa mesma região habitats


diferentes. Dobzhansky (1970) e Stebbins (1970) citam exemplo de uma árvore de clima
temperado, o carvalho. No E.U.A o carvalho escarlate (Quercus coccínea) e o carvalho
negro (Quercus velutina) são duas espécies simpátricas no leste do país e se distinguem
facilmente. O carvalho escarlate habita brejos ou áreas mal drenadas com solos ácidos. Já
o carvalho negro é encontrado em solos mais secos, bem drenados, terras altas. Em alguns
casos, em regiões de transição podem ser encontrados alguns híbridos entre eles.

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

É mencionado também as espécies de moscas no Japão. As espécies realizam


enxameamentos diários durante os quais ocorrem as cópulas; entretanto cada espécie tem
o seu local de enxameamento em um tipo diferente de habitat.

ISOLAMENTO TEMPORAL

A troca de alelos é impedida entre espécies que se reproduzem em épocas


diferentes. Em Dendrobium ocorre um exemplo marcante. As flores abrem ao amanhecer
e murcham ao entardecer. O florescimento é produzido por um estímulo meteorológico,
como uma tempestade súbita. As espécies se mantêm isoladas porque uma delas floresce
oito dias após a ocorrência do estímulo, a outra com nove e uma terceira com 10 a 11 dias
após a ocorrência do estímulo. No Brasil ocorrem exemplos interessantes de isolamento
temporal em espécie de orquídeas. A espécie Cattleya labiata e C. chocoensis podem
ocorrer numa mesma árvore, mas mantêm-se isoladas porque a primeira floresce nos
meses de janeiro a fevereiro, enquanto a C. chocoensis floresce de maio a junho.
Outro belo exemplo ocorre nas cigarras (Magicicada). O período larval dura vários
anos. E a eclosão dos adultos ocorre aos milhares em uma determinada época do ano. No
Brasil, normalmente nos meses de setembro /outubro. Elas se mantêm isoladas porque o
tempo de permanência no solo é variável. Existem espécies em que o tempo de
desenvolvimento é de 13 anos e em outras é de 17. Fica fácil ver que dificilmente elas terão
chance de eclodirem juntas. Segundo Dobzhansky (1970) elas vêm sendo estudadas há
mais de três séculos e essa periodicidade tem sido mantida. Há espécies, contudo, que
eclodem ao mesmo período. Estima-se 13 com ciclos de 17 anos e 5 com 13 anos. Quando
há coincidência no ciclo atuam outros mecanismos de isolamento, tais como o habitat e
também etológico, diferenças no canto como será comentado posteriormente. Com relação
a esse comportamento Dobzhansky (1970) faz o seguinte comentário: “A abundância
espetacular das espécies de Magicicada nos anos de emergência em massa indica que
esses insetos são muito bem sucedidos”. Por que têm então um tempo de
desenvolvimento tão longo (gêneros próximos se desenvolvem muito mais depressa) e
para que aparecem uma vez cada 17 ou 13 anos em uma determinada localidade?
Autores sugerem que esse comportamento possa ser uma adaptação singular para
escapar a parasitas e predadores. Não se conhece nenhum parasita com ciclo de vida
dessa extensão e os predadores (principalmente aves) ficam rapidamente saciados por
uma ou duas semanas nos anos de emergência em massa. O número relativamente
pequeno de animais desgarrados, isto é, cigarras que emergem um ano após a
emergência em massa, é rapidamente destruído pelos predadores. Isto explica por que
as três espécies simpátricas sempre emergem juntas; seria seletivamente desvantajoso
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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

sair do ritmo. Menos fácil é entender a origem da progênie de cada espécie emergindo
em anos diferentes e a existência de ciclos de 17 e de 13 anos.

ISOLAMENTO ETOLÓGICO
Etologia é o estudo do comportamento animal. Essa é uma das áreas mais
interessantes da biologia, sobretudo no que é relacionado à reprodução. Há uma infinidade
de exemplos descritos na literatura. Nas aves, por exemplo, a visão e o canto são os
principais fatores da atração sexual. A plumagem, os adornos e exibições no corte
desempenham papel fundamental no reconhecimento do sexo oposto, porém da mesma
espécie.
Um exemplo marcante é apresentado por Dobzhansky (1970) relacionado às aves
do gênero Ptilorhynchidae. Nesse gênero já foram descritas 19 espécies que vivem na
Austrália e Nova Guiné. O comportamento no momento da corte é extraordinário. Os
machos constroem "caramanchões", cada espécie a seu modo, que decoram em vários
estilos. Para a decoração dos caramanchões algumas espécies usam flores e frutos de
cores vivas ou constroem avenidas de acesso com ossos alvejados, pedras, peças de
metal que podem encontrar ou campos de musgo. Uma espécie chega a ponto de pintar
seu caramanchão com a polpa de frutos, usa para isto, como pincel um chumaço de
capim seco ou uma cortiça esponjosa. As fêmeas são seduzidas para entrar no
caramanchão, onde ocorre a cópula. Entretanto, os ninhos são construídos em outros
lugares, sem nenhuma decoração especial.
Em sapos e rãs os estímulos auditivos desempenham um papel impor tante na
reunião de fêmeas e machos da mesma espécie nos seus locais de reprodução. Durante
a estação de reprodução os chamados dos machos atraem as fêmeas e também
estimulam outros machos a se aproximarem e começarem a chamar, de modo que se
forma um "coro" de indivíduos coespecíficos. A resposta ao chamado é própria para
cada espécie. O papel de estímulos auditivos no isolamento reprodutivo das espécies
vem sendo estudado A Tabela 18 fornece exemplos das características dos chamados
(sons) de onze espécies de rãs hilas que ocorrem na Flórida. São mostradas a
freqüência dominante (em ciclos por segundo) e a duração média (em segundos), tal
como foram reveladas por meio de espectrogramas de som. Observe que não há duas
espécies com o mesmo padrão de sons emitidos. Na realidade as diferenças são bem
mais numerosas - por exemplo, a taxa de repetição para as espécies que produzem
trinados varia de 9,7 notas por segundo em Hyla phaeocrypta a 50,0 em H. ocularis.

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Tabela 18. Valores médios para a frequência dominante e duração dos sons de
chamamento de onze espécies de rãs hilas. Fonte: Dobzansky, (1970).
Frequência dominante,
Espécie ciclos por segundo Duração, segundos Trinado

Hyla gratiosa 435 0,16 -


H. crucifer 2 467 0,14 -
Pseudacris ornata 2562 0,06 -
Hyla cinerea 3 407 0,18 -
H. squirella 3 457 0,24 -
Acris grillus 3 914 0,04 -
Hyla versicolor 2 444 0,84 +
Pseudacris nigrita 3 325 0,39 +
Hyla phaeocrypta 4 500 1,99 +
H. femoralis 4 800 2,35 +
H. ocularis 7 125 0,16 +

Merece destaque também os ferormônios que são substâncias químicas que


servem como sinais que determinam reações de comportamento em indivíduos da mesma
espécie. Eles são importantes no reconhecimento das espécies e, portanto, no isolamento
etológico. A maior parte dos estudos relevantes são com insetos e mamíferos, mas os
ferormônios sexuais são bem disseminados no reino animal. A natureza química de alguns
ferormônios está se tornando conhecida. Em geral são pequenas moléculas, com peso
molecular entre 80 e 300.
Há um caso interessante também em alguns peixes da África. Ocorre isolamento
etológico por meio da cor dos peixes, No lago Vitória são encontradas duas espécies
Pundamilia nyererei e P. pundamilia. São espécies relacionadas que diferem na cor P.
Nyererei é azul e P. Pundamilia é vermelha. Foi realizado um trabalho em laboratório para
estudar a preferência sexual (Seehausen & Van Aphen 1998). Eles testaram o
comportamento das fêmeas das duas espécies com luz normal. A preferência das fêmeas
foi para o macho da mesma espécie. Repetiram o experimento com luz monocromática,
não permitindo distinção na cor das duas espécies. Nessa situação não houve diferença
na preferência das fêmeas para os machos. Esse experimento mostra que o isolamento
pré-zigótico é determinado pela cor dos machos das duas espécies de peixe. Inclusive,
tem sido constatado que a poluição no lago vitória tem contribuído para o aparecimento
de peixes híbridos, pois as fêmeas não conseguem distinguir as cores dos macho. Quando
as fêmeas são fertilizadas artificialmente no laboratório produzem descendentes férteis e

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

viáveis com ambos os machos, indicando que os mecanismos pós-zigóticos não


funcionam nesse caso.

ISOLAMENTO MECÂNICO:
Esse isolamento ocorre devido a diferenças estruturais nos órgãos
reprodutivos. Há vários exemplos. Na falsa erva-de-rato (Asclepias spp) plantas
tóxicas que ocorrem em pastagens, as flores de espécies distintas têm a estrutura
floral tão diferente que mesmo com visitas sucessivas de insetos polini zadores, não
há ocorrência de híbridos interespecíficos.
Em muitas espécies da família das Escrofulariáceas (Penstemon) ocorrem
plantas com flores azuis ou avermelhadas, mas o tamanho e a forma das flôres diferem
muito de uma espécie para outra. Algumas são adaptadas à polinização por abelhas
grandes, tais como as xilacopíneas, outras, por mamangavas, outras ainda, por abelhas
pequenas, solitárias, ou por vespas. Algumas espécies, além disso, possuem flores de
coloração vermelha viva e forma tubular que se adapta aos bicos dos beija-flores, seus
principais polinizadores (Figura 24).
As espécies de bocas-de-leão (Antirrhinum), muitas das quais são encontradas
em estado silvestre na Espanha, são todas polinizadas por abelhas altamente
desenvolvidas, com instintos especializados, um dos quais é o da constância de flor. As
abelhas de uma determinada colméia visitam flores de uma única espécie. Experiências
em um jardim plantado contendo duas espécies de boca-de-leão mostraram que uma
determinada abelha raramente voará da flor de uma espécie para a de outra, embora
abelhas diferentes da mesma colméia visitem ambas as espécies. É importante enfatizar
que são produzidas poucas sementes híbridas na natureza, embora tais híbridos
possam ser facilmente obtidos por polinização artificial.

Fig. 24. Quatro espécies do gênero Pentstemon encontradas na Califórnia e seus


polinizadores. Evidências baseadas na distribuição indicam que as duas espécies
mais antigas são os tipos extremos: o Pentstemon das montanhas (P. grinnellü) (A)
e o Pentstemon escarlate (P. centranthifolius) (B). Os outros tiois tipos são derivados
da hibridação entre êsses dois, seguida de isolamento e estabilização de
populações intermediárias, através da ação seletiva de polinizadores específicos.
Fonte: Sttenbins (1970)

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

Em animais a estrutura complexa da genitália, especialmente em insetos, é


utilizada pelos taxonomistas para a classificação das espécies muito próximas. Em
alguns casos ocorre o que é denominado de “chave-fechadura”, isto é, as genitálias dos
machos e das fêmea se ajustam perfeitamente. Mesmo pequenas diferenças na
estrutura tornam a fertilização de espécies diferentes quase impossível. Dohbzansky
(1970) comenta que a genitália de cada espécie é uma fechadura que só pode ser aberta
por uma única chave.

ISOLAMENTO GAMÉTICO
Quando óvulos de duas espécies de ouriço-do-mar Strongy locentrotus
purpuratus e S. Franciscanus são expostos a mistura de esperma das duas espécies, a
fertilização de esperma da mesma espécie é muito mais frequente. O mesmo fato é
observado para espécies de peixes em que a fertilização é externa. Outros exemplos
são conhecidos em Drosophila em que foi realizada a inseminação artificial utilizando
espermatozóides de diferentes espécies. A eficiência é muito maior quando o
espermatozóide (semen) é da mesma espécie do óvulo.
Um belo exemplo de incompatibilidade gamética ocorre em espécies do gênero
(Tribolium), barata da farinha. Em duas espécies T. Castaneum, T. Fremani, não há
mecanismos de isolamento antes da fertilização, isto é, os machos das duas espécies
copulam indisdintamente com as fêmeas. Em experimento realizado por Wade et al
(1993) com fêmeas de T. Freemani, foram avaliados três tratamentos: (i, a fêmea foi
submetida sucessivamente a dois machos de T. Fremani ii) com dois machos de T.
Castaneum; ou i) com um macho de cada uma das espécies. Constatou-se que as
fêmeas produziram a mesma quantidade nos três casos e os ovos eclodiram (contudo,
estéreis). Isto mostra que o espermatozóide de T. Castaneum consegue fertilizar os
óvulos de T. Freemani. Entretanto, quando as fêmeas de T. Freemani foram colocadas
com os machos de ambas as espécies, condição iii, menos de 3% dos descendentes
foram híbridos, ou seja mais de 97% dos óvulos foram fertilizados por espermatozóides
de T. Freemani. Há competição entre os espermas das espécies diferentes e o da
mesma espécie vence a competição. A fisiologia dos órgãos reprodutivos da fêmea é
que realiza a seleção dos espermatozóides .
Em plantas ocorrem inúmeros exemplos. No gênero Nicotiana, o pólen de uma
espécie aborta no estigma da flor de outra espécie bem relacionado. Nesse caso,
inclusive foi constatado que a reação de compatibilidade não tem controle genético
monogênico.

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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

4.4.3.2 MECANISMOS PÓS-ZIGÓTICOS

A fecundação ocorre e os zigotos híbridos são formados, mas estes são inviáveis
ou produzem híbridos fracos ou estéreis. Há alguns tipos:

INVIABILIDADE OU DEBILIDADE DO HÍBRIDO.


O estudo mais detalhado sobre esse mecanismo de isolamento foi feito a partir da
inseminação artificial de rãs de uma espécie com esperma de outra, na tentativa de se obterem
híbridos interespecíficos. A hibridação de Rana pipiens x Rana sylvatica produziu embriões
que se desenvolveram apenas até o estágio de gástrula, mostrando, portanto ser inviável a
formação do híbrido. Um exemplo em planta foi observado em linho, onde as sementes

híbridas, provavelmente do cruzamento de Linum perenne ( ) x L. austriacum

( ), não germinaram porque o embrião não conseguiu romper o invólucro da semente nas
condições naturais.

Esse tipo de incompatibilidade ocorre também em muitas outras espécies vegetais.


Contudo, a incompatibilidade pode em alguns casos ser superada por meio de processo
artificial via cultura de embrião. Esse processo tem sido utilizado em muitos casos,
especialmente nas cucurbitáceas e em Phaseolus.

ESTERILIDADE DO HÍBRIDO

Os híbridos são estéreis porque os órgãos reprodutivos não se desenvolvem


completamente ou o processo meiótico é anormal. Na pecuária, em várias ocasiões já foi
experimentada a obtenção de certos híbridos interespecíficos visando a associar em um
mesmo animal características desejáveis que estão separadas em indivíduos de espécies
diferentes. Um dos exemplos é o cruzamento de bovinos com búfalos, visando a incorporar
nos bovinos maior rusticidade. Nos casos em que os descendentes foram obtidos, esses
eram estéreis, principalmente devido ao desenvolvimento incompleto dos testículos dos
machos.
A esterilidade pode ocorrer também devido à falta de homologia entre os genomas das
espécies. O exemplo mais marcante que se tem é o cruzamento de jumento (Equus asinus)
com a égua (Equus caballus). Neste caso o híbrido obtido, burro ou mula, é muito vigoroso,
apesar de estéril. Há, contudo relatos, especialmente no caso de mulas, em que estas foram
férteis.
Nas plantas, as segregações cromossômicas anormais são também causas
freqüentes da esterilidade dos híbridos interespecíficos. No entanto, as plantas suportam
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Bases Genéticas da Evolução DBI 117

a poliploidia porque a esterilidade pode quase sempre ser suplantada por meio da
duplicação do número de comossomas. Vários exemplos obtidos desse modo são
encontrados na natureza, de alopoliploides férteis. Algumas espécies alopoliploides, e que
hoje assumem grande importância econômica após terem duplicado seus comossomas,
são o trigo comum (Triticum durum x Aegilops squarrosa), triticale (Triticum aestivum x
Secale cereale) e nabo (Brassica oleracea x Brassica campestris), entre outras.

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