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ARTIGO ARTICLE 2589

Qual deficiência? Perícia médica e assistência


social no Brasil

Which disability? Medical evaluation and social


assistance in Brazil

Debora Diniz 1
Flávia Squinca 1
Marcelo Medeiros 2

Abstract Introdução

1 Universidade de Brasília,
This article examines the concept of disabil- O Benefício de Prestação Continuada (BPC),
Brasília, Brasil.
2 International Poverty ity adopted by the most important cash transfer em funcionamento no Brasil desde 1993, é uma
Center/United Nations program targeting the disabled population in transferência incondicional de renda para idosos
Development Programme, Brazil, the Continuous Cash Benefit (Benefí- ou pessoas com deficiência, extremamente po-
Brasília, Brasil.
cio de Prestação Continuada – BPC). The study bres. As transferências são concedidas a pesso-
Correspondência compares the eligibility criteria established by as idosas ou pessoas com deficiência grave, cuja
D. Diniz law and the criteria used by medical examiners renda familiar per capita seja inferior a um quar-
Universidade de Brasília.
C. P. 8011, Brasília, DF in the beneficiary selection process. The data are to de salário mínimo 1. O valor da transferência
70673-970, Brasil. from a sample survey of 16% of the medical ex- é equivalente a um salário mínimo mensal. As
anis@anis.org.br
aminers working in the program. The question- transferências são independentes de contribui-
naire aims to assess the instructions, forms, and ções prévias para o sistema de seguridade social
procedures for selecting disabled beneficiaries. e não são condicionadas a qualquer contraparti-
The results show a discrepancy between the for- da. Todas as pessoas, extremamente pobres aci-
mal program criteria and actual practice by the ma de 65 anos 2, deficientes ou não, são elegíveis
examiners, suggesting an expanded concept of ao benefício. No caso dos deficientes não-idosos,
disability aimed at including beneficiaries with apenas aqueles extremamente pobres classifica-
genetic, chronic, and severe infectious diseases. dos como possuindo deficiência grave que inca-
pacita para a vida independente e para o trabalho
Social Assistance; Disabled Persons; Social Security podem receber o BPC. Peritos do BPC realizam
testes para avaliar tanto a situação social quanto
a condição de deficiência. O sistema de trans-
ferências prevê reavaliações sistemáticas a cada
dois anos para verificar a persistência dessas
condições 3.
O gasto com transferências representa uma
fração pequena (9%) do montante total transfe-
rido pelo sistema previdenciário de regime ge-
ral, que inclui os programas de assistência social.
O programa conta com cerca de 2,1 milhões de
beneficiários, dos quais, pelo menos, 1,1 milhão

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são pessoas com deficiência 4. As informações de À época do levantamento, o número total


caráter demográfico sobre a concessão de bene- de médicos peritos no país era de 3.300. A única
fícios para pessoas deficientes no ano de 2004, maneira viável de contatá-los foi por intermédio
obtidas no processo de cadastramento dos no- da listagem dos membros da Associação Nacio-
vos beneficiários processado pela Empresa de nal dos Médicos Peritos, que congrega cerca de
Tecnologia e Informações da Previdência Social 90% dos peritos brasileiros 9. Para a realização do
(DATAPREV), indicam que grande parte das con- levantamento, foi distribuído um questionário
cessões por deficiência ocorre entre crianças e jo- eletrônico a todos os médicos peritos listados, e
vens 5. Quarenta e dois por cento dos benefícios os questionários retornados resultaram em uma
foram concedidos a pessoas em idades entre 0 e amostra incidental de 16% do total de 3.019 mé-
24 anos, sendo boa parte deles concentrados nas dicos peritos (n = 483). Para referência, caso se
idades mais jovens. A população de 25 a 45 anos tratasse de uma amostragem aleatória simples, o
representa 29% das novas concessões; e a popu- erro amostral seria de, aproximadamente, 0,04.
lação de 46 a 64 anos, uma fração igual, 29% 4. O questionário consistiu de seis perguntas,
Entre a população idosa, é importante lembrar sendo que duas testavam valores por meio de
que o BPC é concedido a pessoas com deficiên- escalas de julgamento. Essas perguntas levanta-
cias, mas também a pessoas idosas em situação ram informações de caráter demográfico e ava-
de pobreza. Ou seja, é possível que, entre a par- liaram a qualidade das instruções que os peri-
cela de idosos no BPC, exista um número con- tos recebem sobre como conduzir o processo de
siderável de idosos deficientes, mas que se en- avaliação, a qualidade dos formulários criados
contram classificados na categoria idosos e não pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)
deficientes. e utilizados nesse processo e os procedimentos
O objetivo deste artigo é analisar o conceito adotados, na prática, pelos médicos para imple-
de deficiência adotado pelo BPC. A hipótese de mentar os critérios de elegibilidade determina-
pesquisa foi de que há uma intensa controvérsia dos legalmente para a concessão do BPC para as
entre diferentes modelos de compreensão da de- pessoas deficientes. A estrutura do questionário
ficiência, em especial entre o modelo social e o girou em torno da análise dos mecanismos de
modelo médico da deficiência 6. Um comentário seleção de beneficiários, uma vez que esse me-
referente à terminologia sobre deficiência mere- canismo é um dos eixos centrais de execução de
ce ser destacado. Há uma controvérsia sobre a qualquer política focalizada.
terminologia correta a ser utilizada para referir-
se às pessoas e populações com deficiência 7,8.
Por julgar que essa controvérsia não é central O significado da deficiência
para os objetivos deste artigo, utilizamos indis-
criminadamente os termos pessoa deficiente, Como no caso da saúde, da educação ou até mes-
deficiente, pessoas com deficiência e, eventual- mo da pobreza, há diferentes definições para a
mente, pessoas portadoras de deficiência. deficiência. Regra geral, deficiência pressupõe a
existência de variações de algumas habilidades
que sejam qualificadas como restrições ou lesões.
Metodologia O que inexiste, no entanto, é um consenso sobre
quais variações de habilidades e funcionalidades
O estudo contrasta os critérios de seleção re- caracterizariam deficiências. Há pessoas com le-
gulamentados pelo programa aos critérios efe- sões que não experimentam a deficiência, assim
tivamente utilizados pelos médicos peritos en- como existem pessoas com expectativa de lesões
carregados de avaliar e selecionar os beneficiá- que se consideram deficientes 10,11. Traçar a fron-
rios do BPC. O contraste entre norma e prática teira conceitual entre essas diversas expressões
é acompanhado de uma análise dos principais da diversidade humana é um exercício intelectu-
motivos que levam a divergência entre ambos e a al na fronteira de diferentes saberes, em especial
consistência das decisões práticas com os objeti- entre o conhecimento médico e as ciências so-
vos últimos das políticas de assistência social no ciais. Essa variedade de interpretações e experi-
Brasil. Os dados levantados para este artigo pro- ências em torno do corpo e da relação deste com
vêm das seguintes fontes de informação: (1) um o ambiente social perpassam grande parte das
levantamento baseado em questionários aplica- discussões contemporâneas sobre deficiência e
dos a uma amostra incidental de médicos peritos justiça social 12,13,14,15. E não é por acaso que essa
de todo o país que realizam parte da seleção dos é também uma das questões mais controversas
beneficiários e (2) levantamentos de toda a legis- para a garantia do acesso ao BPC.
lação e todos os regulamentos relacionados ao Uma das saídas para solucionar essa contro-
programa desde sua implementação. vérsia seria listar quais variações de habilidades

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deveriam caracterizar-se como deficiência para entre os estados de saúde e o meio ambiente, em
a identificação de beneficiários. Esse é um argu- que a deficiência é resultado de uma interação
mento intensamente discutido nos circuitos de complexa das pessoas com a sociedade 18.
especialistas do BPC, seja entre representantes Em um ambiente hostil à diversidade cor-
governamentais, parlamentares, movimentos poral, é possível imaginar uma pessoa com res-
sociais e médicos peritos. Caso fosse possível trições leves de habilidades que experimente a
classificar e qualificar as habilidades, essa seria deficiência de forma severa. A mesma restrição
uma saída normativa que facilitaria o processo de habilidade, em um ambiente receptivo à di-
de seleção e inclusão no programa, mas que ig- versidade, pode não levar à experiência da defi-
noraria a complexidade da relação entre as ha- ciência 10,11. Essa relação complexa entre corpo,
bilidades, as funcionalidades e o contexto social habilidades e sociedade aponta para o fato de so-
em que vive cada pessoa. A idéia de deficiência é mente ser possível avaliar adequadamente o ní-
freqüentemente relacionada a limitações naqui- vel de deficiência elegível ao BPC se informações
lo que se considera como habilidades básicas pa- sobre o ambiente forem seriamente incorpora-
ra a vida social 14,15. Não é fácil determinar quais das ao protocolo de perícia. Não seria equivo-
são essas habilidades, muito embora grande par- cado, portanto, considerar diferentes definições
te do debate as relacione à mobilidade, ao uso de deficiência para os programas sociais. Essas
dos sentidos, à comunicação, à interação social definições partiriam das variáveis de habilidades
e à cognição. Uma outra condição para caracteri- básicas, lesões e determinantes sociais, mas não
zar uma variação de habilidade como deficiência pressuporiam um caráter absoluto, mas sim uma
é que essa se expresse no corpo como um estado interação complexa entre elas.
permanente ou de longa duração. Dificilmente Para fins de concessão do BPC, o Decreto nº.
pessoas que encontram dificuldades de leitura 1.774, de 1995, estabelece a pessoa portadora de
porque são analfabetas e não tiveram acesso à deficiência como sendo “aquela incapacitada
escola serão consideradas deficientes, mas uma para a vida independente e para o trabalho, em
pessoa cega privada de braile e exposta à escrita razão de anomalias ou lesões irreversíveis de na-
gráfica seria considerada deficiente 10,11. tureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que
As habilidades para executar diferentes tare- impeçam o desempenho das atividades da vida
fas não são distribuídas igualmente na popula- diária e do trabalho” 19. A inspiração para essa
ção. Se a distribuição de habilidades básicas para definição foi o modelo médico da deficiência, um
a caracterização da deficiência for vista em um conjunto de teorias e práticas assistenciais em
continuum, é possível reconhecer a existência saúde que pressupõem uma relação de causalida-
de desigualdades com respeito à intensidade das de entre a lesão e a experiência da deficiência 20.
variações de deficiência em uma determinada Sob essa perspectiva, ainda hegemônica no de-
população. Definir a variação da habilidade a bate sobre deficiência no Brasil, a deficiência
ser considerada como uma lesão ou como uma seria a expressão de uma limitação corporal
restrição é, fundamentalmente, um julgamento do indivíduo para interagir socialmente. Para a
de valor 16. Isso não significa que, ao afastar o comprovação da deficiência, a pessoa é subme-
debate sobre a deficiência de um campo essen- tida a uma perícia médica realizada pelo INSS, o
cialmente médico-normativo e aproximá-lo de que, na prática, atrela a definição de deficiência
um debate sobre quais diferenças de habilidades a avaliações médicas ad hoc.
justificariam ações de reparação de desigualda- Uma análise mais cuidadosa do conceito de
de, perderemos os critérios objetivos da perícia incapacidade permanente sugere ser esse uma
médica para a inclusão de uma pessoa no BPC. tentativa de demarcar as fronteiras entre defici-
O fato é que, apesar de a maioria das definições ência e doença, em um contexto discursivo em
de deficiência basear-se em variações corporais que deficiência, diferentemente de doença, seria
qualificadas como lesões, os dois conceitos (le- um estado refratário ao tratamento ou mesmo
sões e deficiência) não são sinônimos 8,17. à cura. Essa diferença entre estado (deficiência)
Na tentativa de dirimir parte dessa controvér- e condição (doença) seria uma das explicações
sia conceitual, a Organização Mundial da Saúde possíveis para a ênfase no modelo médico da de-
(OMS) publicou uma revisão da classificação ter- ficiência nos mecanismos da perícia e nos crité-
minológica sobre deficiência em 2001 11. Segun- rios de inclusão para o benefício. A sobrevalo-
do a Classificação Internacional de Funcionali- rização do discurso médico em detrimento das
dade, Incapacidade e Saúde (CIF), “as deficiên- variáveis sociológicas da deficiência não parece
cias são problemas nas funções ou nas estruturas estar em harmonia com os princípios igualitá-
do corpo com um desvio importante ou perda”11 rios que fundamentam o programa. Ao adotar a
(p. 21). Para a CIF, a funcionalidade e a incapaci- definição de incapacidades permanentes, várias
dade de um indivíduo são resultado da interação condições que poderiam ser entendidas como

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deficiências para o BPC são automaticamente sejada de parte da população com as chamadas
excluídas. “deficiências múltiplas”, mas que não sejam clas-
A lista de incapacidades permanentes elegí- sificadas isoladamente como severas.
veis foi definida por um decreto em 1999 e ex- Apesar das regras do programa, há evidências
cluiu algumas incapacidades tradicionalmente de que novas interpretações guiem a prática de
associadas à deficiência 21,22. Basicamente, a lista concessão do benefício. Os resultados da pes-
de incapacidades reduziu-se a limitações visu- quisa com os médicos peritos mostram que uma
ais e auditivas graves, tipos de paralisia física de pessoa com insuficiência renal crônica seria con-
origem neurológica, ausência de algum mem- siderada elegível para 28% dos médicos. Se essa
bro e uma lista vaga de incapacidades mentais insuficiência fosse combinada com diabetes, a
manifestadas antes dos 18 anos. Se as definições taxa de aprovação dobraria para 57% dos exami-
fossem estritamente seguidas, pessoas com pro- nadores, e isso não seria causado pela presen-
blemas neurológicos degenerativos, artrite, limi- ça de diabetes, mas pela combinação das duas
tações circulatórias graves, HIV/AIDS sintomáti- condições. A intensidade da condição também
ca, doenças renais e esquizofrenia intermitente, é uma variável para determinar a elegibilidade:
só para citar alguns, não seriam elegíveis ao BPC, uma criança com anemia falciforme, uma do-
mesmo quando essas condições impedissem o ença genética prevalente em afro-descendentes,
trabalho, causassem dependência para os cuida- com crises regulares de dor seria elegível ao BPC
dos de atividades de vida diária e resultassem em para 14% dos médicos peritos. Mas, se essa mes-
extrema pobreza. ma criança já tiver apresentado dois acidentes
vasculares cerebrais, o índice de aprovação seria
de 90%. Ou seja, os médicos peritos já ponderam
A perícia médica a existência de incapacidades múltiplas, de graus
variados de intensidade da condição ou de fato-
Os médicos peritos responsáveis pelos exames res agravantes, apesar de a legislação ser omissa
para o BPC já consideram algumas doenças crô- em relação a isso.
nicas como uma condição elegível ao benefício. O BPC usa a definição de deficiência mental
A pesquisa com os peritos do INSS mostrou que proposta pelo Decreto nº. 3.298 21, de 1999, que
82% dos médicos peritos consideram uma pessoa regulamentou a Política Nacional para a Integra-
em estágio avançado de infecção de HIV/AIDS e ção da Pessoa Portadora de Deficiência, a qual
46% consideram que uma pessoa com quadro de determina que deficiência mental é o “funcio-
artrose grave como elegíveis ao BPC. Nesses dois namento intelectual significativamente inferior
casos, o fator determinante para a inclusão no à média, com manifestação antes dos 18 anos e
programa não seria apenas a condição do HIV/ limitações associadas a duas ou mais áreas de
AIDS ou da artrose, mas o fato de a primeira já habilidades adaptativas, tais como comunicação,
estar em estágio avançado de infecção e a segun- cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização
da a gravidade da artrose. Quando questionados dos recursos da comunidade, saúde e segurança,
sobre uma pessoa com artrose em crises regula- habilidades acadêmicas, lazer e trabalho” 21. Não
res de dor, apenas 2% dos médicos peritos a iden- restam dúvidas do quanto é difícil definir a defi-
tificariam como elegível ao BPC. O desafio que ciência mental por critérios objetivos e univer-
esses resultados levantam não é o da inclusão sais. Mais do que qualquer outra expressão da
de doenças crônicas para a elegibilidade ao BPC, diversidade humana, a deficiência mental pres-
mas sim sobre como definir critérios claros para supõe uma ampla revisão do modelo médico da
que cada pessoa seja tratada do mesmo modo no deficiência, em especial dos conceitos de normal
processo de seleção. e patológico 23. No entanto, pelo menos aspec-
Mas, no que se refere às incapacidades elegí- tos das definições atuais relativas à deficiência
veis, se as regras fossem rigorosamente cumpri- mental distanciam a legislação dos objetivos da
das, cada incapacidade deveria ser considerada política.
isoladamente, o que também não seria coerente Assim como nos estudos sobre pobreza em
com os princípios que fundamentam a existência que se considera inadequado assumir uma linha
do BPC. O desenho do programa não considera, de pobreza em função da renda média da po-
por exemplo, a possibilidade de que várias inca- pulação, não é a melhor estratégia basear-se no
pacidades moderadas possam gerar uma expe- desempenho intelectual médio de uma popu-
riência severa de deficiência. A idéia de pessoa lação como referência para o BPC. Mesmo se o
deficiente elegível ao BPC seria aquela com uma conceito de “significativamente inferior à média”
incapacidade grave ou extremamente debilitan- pudesse ser precisado – talvez por meio de algum
te. Essa compreensão estreita de deficiência po- teste padronizado –, a distância entre as médias
deria resultar numa exclusão sistemática inde- não seria o método mais apropriado para defi-

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nir-se parâmetros para habilidades e capacida- desafio está tanto na dificuldade de definir tra-
des cognitivas e mentais. Além dessa dificuldade balho e independência, categorias repletas de va-
inerente à mensuração da competência, é co- lor e avaliações sobre o bem viver, mas também
mum confundir-se “média” com “normalidade”. porque muitas das restrições para o trabalho ou
Normalidade é antes um valor moral, um julga- para a vida independente não estão no indivíduo,
mento sobre tipos humanos ideais e padrões de mas na interação com o meio no qual a pessoa
bem viver que mesmo um conceito neutro que deficiente vive 8. Pouquíssimas são as pessoas
permita uma avaliação médica de elegibilidade deficientes incapacitadas de forma plena para o
ao BPC 24. Não é possível afirmar se essa con- trabalho. O que há são muitas pessoas com res-
fusão entre “normal” e “média” esteve por trás trições moderadas de habilidades que enfren-
do Decreto nº. 3.298 21, muito embora seja essa tam graves restrições no mercado de trabalho
uma transposição conceitual muito comum ao em conseqüência de variáveis não mensuráveis,
modelo médico da deficiência 22. O fato é que se tais como discriminação, preconceito ou barrei-
o objetivo do BPC é assistir pessoas incapazes de ras sociais de outra ordem 25. Nesse sentido, a
viver independentemente e de trabalhar, então categoria “incapacidade para o trabalho” exige
os critérios avaliativos de desempenho mínimo tanto um conhecimento clínico para o diagnós-
deveriam ser estabelecidos tendo essas duas va- tico de habilidades e capacidades corporais, mas
riáveis em consideração. também um extenso e cuidadoso diagnóstico do
universo social e do trabalho em que a pessoa
deficiente vive.
Os critérios de elegibilidade Pessoas deficientes menores de 16 anos são
automaticamente consideradas “incapazes para
Para uma pessoa ser elegível ao BPC, um dos cri- o trabalho”. Essa é uma das razões que explica
térios é que as restrições cognitivas ou mentais a maior proporção da população menor que 18
se manifestem antes dos 18 anos. Esse critério anos entre os beneficiários, 35% do total 5. Mas
foi contestado pela maioria dos médicos peritos essa concentração de beneficiários entre os jo-
entrevistados, pois 55% deles consideram a idade vens pode ser analisada sob duas perspectivas.
uma variável de baixa importância para a avalia- A primeira perspectiva considera uma maior
ção de uma pessoa ao BPC. A exigência de que prevalência à pobreza nas famílias com crianças
a condição se manifeste até um limite de idade deficientes. As crianças e adolescentes seriam os
impede, desnecessariamente, que pessoas com principais beneficiários, pois é nessa população
deficiências graves fora dessa faixa etária se be- que está a maior parcela de deficientes com gra-
neficiem do programa. Como parte do sistema ves restrições de habilidades ocorrendo simulta-
de assistência social, o BPC dificilmente poderia neamente a uma situação de pobreza. A segunda
justificar a exclusão de pessoas que desenvolvam perspectiva, apesar de não ignorar uma possível
suas limitações intelectuais na maturidade ou na prevalência da pobreza entre jovens deficientes,
velhice. A não ser que se considere que a defici- aponta para a sobrevalorização do critério “tra-
ência mental apresenta características particula- balho” no processo de avaliação. Ou seja, poten-
res para a inclusão de uma pessoa no programa ciais beneficiários adultos seriam excluídos do
somente em uma determinada faixa etária, uma programa por serem considerados aptos para o
simples analogia com outras condições, como trabalho, muito embora os critérios de avaliação
a deficiência física, mostra o quanto a exclusão não contemplem a complexidade do fenômeno
de pessoas com deficiência mental acima de 18 da deficiência, mas essencialmente as restrições
anos infringe o princípio do igual tratamento. clínicas corporais. Ou seja, quando a categoria
Como não há argumentos que justifiquem essa “trabalho” não é considerada, as chances de in-
exclusão, o acesso a direitos sociais de pessoas clusão de uma pessoa no programa crescem, e
com doenças degenerativas, condições psiquiá- isso não apenas pelo recorte etário.
tricas que só se desenvolvem depois da maturi- Há ainda outro desafio na pouca especifici-
dade ou perdas de funções neurológicas devido dade do conceito “incapacidade para o trabalho”.
a doenças infecciosas, não deveria ser impedido Uma longa tradição de estudos sobre deficiência
pelo critério etário. já demonstrou o quanto as pessoas deficientes fo-
Para ser elegível ao BPC, é preciso ainda que a ram submetidas a discursos moralizadores pau-
pessoa seja “incapacitada para o trabalho e para tados em premissas religiosas ou na compaixão
a vida independente”, e o desafio é exatamente individual, o que redefiniu as pessoas deficientes
sobre como definir essas duas categorias. Não há ora como aquelas “pobres merecedoras da aju-
critérios objetivos e uniformes para defini-las, o da”, ora como aquelas “pobres, porém que não
que termina por transferir para os médicos peri- desejam trabalhar” 26. A assistência social é uma
tos a responsabilidade pelo julgamento final. O expressão de um direito constitucional que pro-

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tege pessoas em situação de desvantagem 1,27. As os médicos peritos do INSS mostrou que 47% de-
pessoas deficientes em processo de seleção para les consideram o questionário de avaliação ine-
a inclusão no BPC não necessitam submeter-se ficiente ou menos que eficiente, e somente 5%
a julgamentos sobre o significado da deficiência acreditam que o questionário é muito eficiente
em suas vidas, tampouco a um julgamento moral para o processo de seleção. Essa baixa taxa de
sobre suas motivações para o trabalho. confiança no instrumento deve ser entendida pa-
A população de deficientes elegível ao BPC é ra além de uma simples ineficácia do questioná-
um grupo de pessoas em extrema pobreza, ou se- rio: pode ser um indicador do quanto a mensura-
ja, chega a ser desnecessário testar capacidades ção das variáveis trabalho e vida independente é
em uma população que tem a busca por mínimos complexa e pouco permeável a um instrumento
sociais como um incentivo para o trabalho 28. Um nos termos do atualmente em vigor.
projeto de lei (PL no. 4.005/2001; Altera o Art. 20 da Mas o resultado dessa baixa confiança tem
Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que Dispõe também um efeito imediato e que impõe riscos
Sobre o Benefício de Prestação Continuada da As- à elegibilidade ao programa: os médicos peritos
sistência Social aos Idosos e aos Portadores de De- podem solucionar essa ineficiência do questio-
ficiência Carentes), em tramitação no Congresso nário incorporando outros mecanismos avaliati-
Nacional, busca solucionar essa tensão moral, ao vos à perícia. Caso pesquisas futuras comprovem
sugerir uma mudança na definição de quem seja essa saída personalista à ineficiência alegada do
a pessoa deficiente: “pessoas que sofrem de limi- questionário, ela deve ser considerada problemá-
tações físicas, mentais ou emocionais que dificul- tica para o programa. Quanto mais padronizada
tam seu trabalho remunerado ou sobrevivência”. for a seleção, maiores as chances de objetividade
Apesar de essa nova definição ser ainda vaga e no acesso ao programa e menores os riscos de
permitir ambigüidades interpretativas, ela repre- idiossincrasias pessoais dos avaliadores interfe-
senta tanto uma tentativa de solucionar a impre- rirem na elegibilidade.
cisão da variável “incapacidade para o trabalho”, As ações judiciais, as ações civis públicas, ou
mas também é uma tentativa de incorporar a re- mesmo as novas interpretações adotadas pelos
lação entre indivíduo e meio social. médicos peritos são, por um lado, a expressão
O Brasil, ao ratificar a Convenção Interame- de um processo contínuo de revisão de qualquer
ricana para a Eliminação de Todas as Formas de política pública e de garantias de direitos indivi-
Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de duais, mas também podem representar amea-
Deficiência, reconheceu o seu conteúdo com for- ças para alguns dos fundamentos éticos do BPC,
ça de lei 29. Baseada nessa convenção, uma ação como a impessoalidade. Certamente essas são
civil pública bem-sucedida se opôs ao uso do cri- estratégias que solucionam, em curto prazo, en-
tério “incapacidade para o trabalho e para a vida traves do programa, dificuldades dos instrumen-
independente” pelo BPC, criando uma interpre- tos de seleção, ou mesmo atualizam o debate
tação alternativa àquela proposta pelo programa. político em consonância com novas demandas
O caminho do Judiciário pode implicar em duas e interpretações sobre a deficiência, mas qual-
alternativas judiciais futuras. A primeira que es- quer decisão de caráter discricionário provoca
sa nova interpretação ganhe força e passe a ser sempre um impasse para a continuidade da po-
requerida em processos judiciais de revisão para lítica pública. Segundo o levantamento, 59% dos
a inclusão no BPC de forma crescente. Gradual- médicos peritos trabalham como examinadores
mente, poderá ser uma interpretação também do INSS para o BPC há menos de quatro anos e,
utilizada pelos médicos peritos para evitar ações apesar de suas qualificações técnicas, não rece-
de revisão judiciais com garantias de sucesso. A beram treinamento específico para a tarefa que
segunda alternativa é que essa interpretação se- lhes foi designada, em especial não foram apre-
ja vencida também judicialmente, seja por uma sentados à complexidade do fenômeno médico e
ação do Estado ou também pelo Ministério Pú- sociológico da deficiência na sociedade brasilei-
blico Federal, exigindo ou uma adequação legal ra. É nesse contexto desafiante de uma política
pelo Executivo ou o cumprimento da interpreta- de transferência de renda para uma população
ção oficial do programa. em situação de extrema pobreza, de um corpo de
O instrumento que avalia as variáveis do tra- peritos que não recebeu treinamento específico
balho e da vida independente é um questioná- e de variáveis complexas de serem mensuradas
rio padronizado e utilizado por todos os médi- que o programa depende de um sistema unifor-
cos peritos do país. Desde a implementação, o me de seleção que deve ser implementado e con-
questionário já sofreu modificações por ordens e tinuamente revisto.
resoluções internas ao INSS, mas ainda é objeto
de discussão entre os profissionais que o utilizam
para selecionar os beneficiários. A pesquisa com

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PERÍCIA MÉDICA E ASSISTÊNCIA SOCIAL 2595

Considerações finais O alargamento da compreensão da deficiência


pelos médicos peritos corresponde a um movi-
Com o envelhecimento populacional, o tema da mento internacional de não mais descrever a de-
deficiência estará na pauta dos debates de po- ficiência em termos estritamente médicos da le-
líticas públicas no Brasil nos próximos anos. O são, mas como resultado de uma relação comple-
envelhecimento populacional pode representar xa entre lesões, desigualdades e meio ambiente.
restrições de funcionalidades às pessoas, e se a Nesse movimento de revisão conceitual, do-
sociedade não for sensível a esse processo, os enças genéticas, crônicas e infecciosas passam,
idosos experimentarão a deficiência. Será nes- gradativamente, a serem classificadas como de-
se novo cenário populacional que o significado ficiência para fins de garantidas de direitos so-
da deficiência assumirá um papel central para ciais básicos, como são os de assistência. O mo-
as políticas focalizadas nessa população. Cabe vimento de alargamento do conceito de defici-
ainda frisar o papel dos movimentos sociais de ência pelos médicos peritos deve ser entendido
pessoas deficientes e de doenças crônicas que como uma forma de garantir o acesso a mínimos
provocam uma redefinição política das desvan- sociais por uma população extremamente pobre
tagens experimentadas pelas lesões. e apartada do mercado de trabalho. Isso não sig-
As divergências entre as decisões práticas dos nifica, no entanto, que os médicos peritos este-
médicos peritos e as regulamentações do BPC jam irresponsavelmente considerando doenças
ocorrem para aproximar o programa dos objeti- como deficiência, mas sim que, em harmonia
vos das políticas de assistência. Nesse sentido, os como um movimento político muito amplo, eles
médicos estão, na prática, corrigindo os erros da desafiam o discurso tradicional sobre deficiên-
legislação ordinária e de normatização incom- cia como sinônimo de um conjunto específico
pleta ou mesmo pouco específica no programa. de lesões.

Resumo Colaboradores

Este artigo analisa o conceito de deficiência adotado Os três autores foram responsáveis por todas as fases de
pela principal política de transferência de renda para pesquisa, levantamento e tabulação de dados e redação
a população portadora de deficiência no Brasil, o Be- do artigo.
nefício de Prestação Continuada (BPC). O estudo con-
trasta os critérios de seleção regulamentados pelo pro-
grama aos critérios utilizados pelos médicos peritos Agradecimentos
encarregados de avaliar e selecionar os beneficiários
do programa. Foi realizada uma pesquisa por amos- A pesquisa que fundamentou este artigo foi financiada
tra com 16% do total de médicos peritos no Brasil. O com recursos do Banco Mundial, administrados pela
objetivo do questionário foi avaliar a qualidade das Cnotinfor, da Fundação Ford e do Conselho Nacional
instruções, dos formulários e dos procedimentos rela- de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
tivos à elegibilidade das pessoas deficientes ao bene- Agradecemos à Associação Nacional dos Médicos Peri-
fício. Os resultados mostram que há uma divergência tos por ter colaborado na fase de levantamento de da-
entre os critérios formais que regulamentam o BPC e dos e à leitura e aos comentários de Wederson Santos.
a prática pericial dos médicos que apontam para um
alargamento do conceito de deficiência para a inclu-
são de beneficiários com doenças genéticas, crônicas e
infecciosas graves.

Assistência Social; Pessoas Portadoras de Deficiências;


Previdência Social

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(11):2589-2596, nov, 2007


2596 Diniz D et al.

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Versão final reapresentada em 06/Fev/2007
Aprovado em 19/Abr/2007

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(11):2589-2596, nov, 2007

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