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pontos de maior densidade, bem como o mar dos Sargaços, formado por
cerca de 7,7 milhões de quilômetros quadrados de águas calmas no centro
do Atlântico e famoso por sua floresta flutuante de algas douradas - e sua
estranha coleção de dejetos e resíduos produzidos pelo homem.
Afinal, qual é o tamanho dessa porção de lixo? Ela é tão grande, ampla
e profunda quanto o próprio oceano. Em cada mergulho que realizei ao
longo dos últimos trinta anos, fosse de snorkel ou em um submarino em
águas profundas, encontrei algum tipo de lixo ou, em certas ocasiões, di-
versos tipos. Certa vez, a mais de 305 metros da superfície, no submarino
Deep Rover, passei quase uma hora tentando me aproximar do que me pa-
receu uma criatura estranhamente resplandecente do mar profundo. Apó
uma aproximação cuidadosa, descobri que havia conseguido não assusta:
uma latinha de refrigerante parcialmente soterrada. No mar profundo c
PLÁSTICO ETERNO
O lado positivo disso tudo é que, com o tempo, sistemas naturais saudá-
veis conseguem suavizar até mesmo os grandes impactos causados pelo
homem. Certa vez, encontrei um caranguejo-eremita empreendedor com
seu traseiro vulnerável enfiado dentro de um frasco de aspirinas da Bayer,
um substituto leve, moderno e durável para as tradicionais conchas de
caramujos. Um caranguejo-aranha de um coral ali perto havia encaixa-
do habilmente um envelope descartável de ketchup em suas costas junto
com algumas algas, hidroides e outros elementos naturais de camuflagem.
O envelope de ketchup ajudava o caranguejo a se camuflar em meio ao
resto do lixo.
Durante uma missão da National Geographic Society em 1975, passei
diversas semanas explorando os navios afundados na laguna Chuuk durante
118 I O panorama
uma baleia morta por "causas desconhecidas" foi arrastada até uma praia
da Califórnia. Em seu estômago, contudo, havia 181 quilos de plástico.
Equipamentos de pesca perdidos ou descartados também geram grandes
problemas ao se emaranharem em mamíferos, pássaros, peixes e outros
seres vivos e provocarem sua morte. Além disso, eles são um perigo para
submarinos e propulsores de barcos. Até mesmo veículos submersíveis
às vezes se enroscam em redes de pesca, como o submarino russo que
ficou preso no mar de Bering em agosto de 2005. Os sete marinheiros
da tripulação foram resgatados após serem parados por equipamentos de
pesca à deriva, mas o mesmo não acontece com a maioria dos mamíferos,
tartarugas, pássaros e peixes.
Alguns leões-marinhos, focas, lontras e baleias que ficam presos têm a
sorte de ser libertados do abraço doloroso das redes e qas linhas de pesca
por uma equipe de voluntários especialmente treinados para lidar com
animais grandes, agitados e alheios às boas intenções de seus protetores.
Um grupo especial de voluntários do Havaí se especializou em libertar
baleias jubarte ataviadas de armadilhas para caranguejos, arrastadas pelo
oceano desde as águas do Alasca, que ainda trazem suas inscrições do
local de origem.
Os esforços para limpar as praias, hoje espalhados pelo mundo todo,
vêm ajudando a conter a avalanche mortífera de lixo carregada até a areia.
Em algumas regiões litorâneas, mergulhadores se mobilizam para reco-
lher equipamentos de pesca à deriva, plásticos cheios d'água e diversos
objetos cotidianos descartados. Aparece de tudo, incluindo pias de cozi-
nha. A Ocean Conservancy, uma organização sem fins lucrativos locali-
zada em Washington, promove e documenta faxinas anuais nos Estados
Unidos desde 1986 e, a partir de 1989, também em outros países. Em um
único dia de faxina em setembro de 2008, quase 400 mil voluntários se
reuniram em 104 países, garantindo o recolhimento de 3 milhões de qui-
los de lixo - a maior parte nas extremidades do oceano, mas também em
alguns pontos do continente. Afinal de contas, os rios deságuam no mar e
carregam consigo uma carga tóxica que acaba sendo despejada no oceano.
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1. Bitucas de cigarro
2. Sacolas plásticas
3. Embalagens de comida
4. Tampinhas
5. Garrafas plásticas
6. Sacolas de papel
Existe uma coisa menos óbvia, mas muito mais perniciosa e difícil de res-
gatar: os pedaços de plástico. São fragmentos de objetos maiores, bem
como pellets: esferas diminutas e claras geradas na pré-fabricação de obje-
tos plásticos que, mais tarde, são derretidas e moldadas para dar origem a
milhares de produtos, desde jarras até brinquedos, passando por cadeiras
e abajures. Mais de 113 bilhões de quilos de pellets são criados a partir de
petroquírnicos a cada ano. Em seguida, são transportados por caminhões,
embarcados em navios de carga e levados para destinos ao redor do mundo
O grande lixão 1121
todo. Os pellets são leves, elásticos e difíceis de conter; por isso, caem rapi-
damente em valas e acabam despejados em rios ou direto no mar. Alguns
são empregados deliberadamente em cosméticos esfoliantes que, depois de
utilizados, descem pelo ralo e viajam até, por fim, desaguarem no oceano.
Certa vez, ao cruzar em um dia ventoso a Bay Bridge, ponte que liga
São Francisco a Oakland, testemunhei milhares de bolinhas de espu-
ma plástica de preencher embalagens saltitando em meio ao trânsito.
Algumas colidiam contra o para-brisa dos carros e caminhões, enquanto
outras acompanhavam o tráfego e rolavam pelo chão. Todas acabariam
na baía de São Francisco e no mar aberto. Hoje, é possível que algumas
estejam curtindo a vida em uma praia do México, de Fiji ou do Japão.
De modo semelhante, fico imaginando como é a migração em massa dos
minúsculos pellets de plástico, que escapam de algum lugar e percorrem
a água e os ventos até chegarem ao seu destino final, o .oceano.
De um modo ou de outro, o fato é que levou apenas quarenta anos
para que os pellets e outros pedaços de plástico começassem a dividir
o espaço com grãos de areia nas praias de todo o mundo. Crianças que
brincam na praia chamam essas esferas plásticas e peroladas de "lágrimas
de sereia':
Parte da areia surge de conchas quebradas e de fragmentos de corais e
de algas coralinas, que pode se acumular bem depressa (em termos geo-
lógicos). Outra parte surge do desgaste das montanhas, onde rochedos
maiores quebram as pedras menores e as transformam em pedrinhas que,
com o tempo, são reduzidas a minúsculos fragmentos de basalto, granito,
quartzo e outros minerais, em um processo que pode levar centenas de
milhões de anos. Pensar nisso é espantoso. Os geólogos do futuro poderão
definir com precisão a nossa era como o Plasticozoico, a era em que, nas
areias do tempo, pedaços de plástico surgiram pela primeira vez.
Thor Heyerdahl, antropólogo e explorador do oceano, disse-me que
em 1947, ao navegar com sua tripulação pelos mares pristinos do Pacífi-
co Sul durante sua famosa expedição Kon-Tiki, ele passou semanas sem
deparar com nada que sugerisse a existência de outros seres humanos.
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No entanto, durante sua viagem entre 1969 e 1970 pelo Atlântico, "sempre
havia algum resíduo à vista boiando na superfície do mar': Alarmado com
as manchas de óleo e dejetos, incluindo alguns dos primeiros indícios de
plástico à deriva, ele alertou as Nações Unidas e o público em geral, mas
muitos demonstraram ceticismo por acharem que ele estava exagerando.
Mas outros relatos surgiram, e logo ficou evidente que o oceano estava
sendo tratado, literalmente, como um lixão.
Um relatório da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos
publicado cinco anos mais tarde relatou que mais de 6 bilhões de quilos
de lixo eram lançados deliberadamente no mar a cada ano. A maior par-
te vinha de navios comerciais, mas cerca de 450 milhões de quilos eram
descartados por barcos pesqueiros - sem contar os navios de passageiros,
barcos recreativos, plataformas de petróleo e outras fontes que colabora-
vam para a soma. O lixo de navios militares não foi.contabilizado, mas, até
a década de 1990, todos os dejetos de navios da Marinha norte-americana
eram atirados no mar - mais de 450 quilos por dia para cada veículo de
grande porte.
Em 1988, os resíduos marinhos passaram a ser regulados pela MAR-
POL Anexo V, uma convenção internacional que entrara em vigor naquele
ano. O descarte de plástico foi proibido, mas outros tipos de lixo ainda po-
diam ser lançados ao mar. Nos Estados Unidos, essas ações são reguladas
pela Lei de Prevenção da Poluição de Navios, que tornou ilegal o descarte
de plásticos no mar e impõs certas restrições ao descarte de outros tipos
de lixo. Mas criar novas leis é uma coisa, garantir que sejam cumpridas
é outra. Quando estava a bordo de um navio de passageiros no oceano
Índico em 1990, flagrei alguns tripulantes despejando à noite grandes sa-
cos plásticos de lixo por cima da amurada. Os sacos ficaram boiando à luz
do luar até desaparecerem no horizonte, e sem dúvida reapareceram em
uma praia distante ou em algum ponto da superfície do oceano.
Inspirado por Heyerdahl e muito preocupado com o lixo jogado no
mar, o explorador e ambientalista David de Rothschild alimentou um so-
nho para chamar a atenção do mundo inteiro e estimular a indústria a
O grande Lixão 1123
'"sempre buscar soluções para a poluição com plásticos que fossem vantajosas para
todos. Dos 39 bilhões de garrafas plásticas utilizadas nos Estados Unidos a
cada ano (cerca de 2 milhões a cada cinco minutos), apenas 20% são reu-
tilizadas. Em vez de colocar sua mensagem em uma garrafa, ele decidiu
transformar a garrafa - milhares delas - em mensagem.
Em 2009, ele lançou o Plastiki, um catamarã de 18 metros construído
apenas com garrafas plásticas recicladas, para uma expedição que par-
tiu de São Francisco, para cruzar a Grande Porção de Lixo do Pacífico
e passar por ilhas do Pacífico Sul até chegar em Sydney. Uma pequena
equipe que incluía Josian Heyerdahl, neta de Thor, documentou a via-
gem e transmitiu relatórios em tempo real sobre o estado do oceano para
espectadores em todo o mundo. Em vez de repousar em um museu ou
aterro, o destino do Plastiki é a reciclagem, e talvez seja transformado em
tecidos que, mais tarde, se tornarão outra coisa. "Se posso construir um
barco apenas com materiais totalmente recicláveis e atravessar o oceano,
porque não podemos fazer utensílios domésticos que tenham um novo
início, em vez de terminarem de vez?", propõe De Rothschild, sorrindo
diante da ideia de transformar lixo em tesouros.
r naquele Diversas empresas estão desenvolvendo equipamentos para transfor-
.jnda po- mar o lixo das praias em tijolos e tábuas resistentes para uso em constru-
..eguladas ções. Garrafas plásticas recolhidas durante a limpeza das praias podem
descarte ser recicladas e utilizadas de várias maneiras, mas recolher os pedacinhos
~ros tipos misturados inextricavelmente com o plâncton é um desafio muito maior.
-:urnpridas Qualquer coisa capaz de filtrar os fragmentos de plástico acabaria sugan-
do o plâncton junto. "O melhor seria interromper o fluxo de resíduos plás-
ticos em sua origem'', diz Charles Moore, empresário aposentado, surfista,
capitão de barco e uma das primeiras pessoas a chamar a atenção para a
plastificação do mar.
Moore deparou com a Grande Porção de Lixo do Pacífico por acaso
em 1997, quando navegava em direção ao Havaí. Ele ficou horrorizado
quando viu o que parecia uma grande ilha não mapeada, uma jangada
de resíduos flutuantes que cobria todo o horizonte. Ele criou a Fundação
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11. Conselho Nac10nal de Pesqu1sa. Tackling Manne Debns m the 21st century.
Washmgton O. C: The National Academy Press, 2009.