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O GRANDE LIXÃO

Vamos falar sujo ... Só nós, humanos, criamos dejetos que a


natureza é incapaz de digerir.
Charles Moore. em uma conferência do TED em 2009.
~Édo tamanho do Texas ..."
~Tem o dobro do tamanho do Texas ..."
~Tem o dobro do tamanho da França ..."
·É do tamanho dos Estados Unidos!"

·erdade, nenhuma comparação é adequada para descrever as dimen-


da grande massa de resíduos produzidos pelos humanos, a chamada
~"1de Porção de Lixo do Pacífico, que roda pelas correntes do norte do
5co. Ela está conectada ao oceano inteiro, ao sistema circulatório
~·aneta, e de polo apolo o Pacífico está repleto de grandes, médios e,
etudo, pequenos fragmentos de plástico e outros objetos descartados
edor do mundo. Feito versões modernas de vestígios arqueológicos,
-cinhos de plástico colorido se misturam com garrafas, sapatos, pra-
baldes, garfos, colheres, copos, canudinhos, brinquedos, escovas de
es, tiras, giletes, cadeira de praia, tampinhas de garrafa, coolers, cai-
sacos e diversos outros objetos carregados ao redor da Terra por cor-
~.:s marítimas e se reúnem no mundo todo, mas se concentram prin-
_TJlente em alguns locais específicos. A porção nordeste do círculo do
.fico é um deles, bem como sua porção oeste. Uma grande massa de
"oi avistada a alguns quilômetros da costa do Chile, e outra na costa
. . da Antártida. O extremo noroeste do golfo do México é um dos
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pontos de maior densidade, bem como o mar dos Sargaços, formado por
cerca de 7,7 milhões de quilômetros quadrados de águas calmas no centro
do Atlântico e famoso por sua floresta flutuante de algas douradas - e sua
estranha coleção de dejetos e resíduos produzidos pelo homem.
Afinal, qual é o tamanho dessa porção de lixo? Ela é tão grande, ampla
e profunda quanto o próprio oceano. Em cada mergulho que realizei ao
longo dos últimos trinta anos, fosse de snorkel ou em um submarino em
águas profundas, encontrei algum tipo de lixo ou, em certas ocasiões, di-
versos tipos. Certa vez, a mais de 305 metros da superfície, no submarino
Deep Rover, passei quase uma hora tentando me aproximar do que me pa-
receu uma criatura estranhamente resplandecente do mar profundo. Apó
uma aproximação cuidadosa, descobri que havia conseguido não assusta:
uma latinha de refrigerante parcialmente soterrada. No mar profundo c

~ Poluição marítima: é inimaginável a quantidade de objetos


encontrados debaixo d'água.
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nas praias do Ártico, nas ilhas norueguesas de Svalbard, desde o Círculo


Polar Ártico no norte até as ilhas antárticas no sul, o lixo brilha, cintila e
se acumula.
Claro, as pessoas jogam coisas no oceano (e também em buracos e em
montes em terra firme) desde o surgimento de nossa espécie. Mas agora
somos 7 bilhões de pessoas, e produzimos coisas que não são facilmen-
te absorvidas pela terra - nem pelo mar. Além disso, a ideia surgida no
!>éculo XX de que o petróleo é inesgotável convenceu as pessoas de que o
plástico criado a partir dele também era praticamente inesgotável.

"-' Tartaruga nadando em meio ao lixo. Muitos pedacinhos de plástico


são encontrados no estômago dos animais mortos.
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.ancha.
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erroneamente considerados poluição mínima. .ume de maten
scartados em de

PLÁSTICO ETERNO

O plástico é, de longe, o resíduo mais abundante, problemático, duradou- ECICLAGEM


ro e mortífero do mar. Um relatório do Conselho de Estudos Oceânicos
lado positivo
dos Estados Unidos (OSB, na sigla em inglês), publicado em 2008, define
.s conseguem s
"plástico" como um termo que abrange

a grande variedade de materiais poliméricos sintéticos de proprie-


dades deformáveis e, portanto, capazes de serem moldados em
uma infinidade de formas tridimensionais, incluindo materiais .-_ramujos. Um Cêl!C
comuns como o polipropileno, o polietileno, o cloreto de polivinil J habilmente um

(PVC), o poliestireno, o náilon e os policarbonatos. m algumas algas,


envelope de k
O mesmo relatório define o lixo marinho como "qualquer material sólido ~... sto do lixo.
manufaturado, persistente ou processado que, de forma direta ou indireta,
Durante uma
intencional ou não intencional, tenha sido lançado ou abandonado no am-
- 'Versas semanas
biente marinho'~ Isso engloba tudo, de submarinos russos abandonados no
O grande lixão I 117

mar do Norte a um copo de plástico atirado na água durante um passeio


de lancha.
Sei bem que é possível sobreviver sem o plástico, embora os nascidos a
partir da década de 1970 possam não concordar. O plástico se embrenhou
de fininho em todos os âmbitos da sociedade humana, seduzindo-nos com
seus diversos usos, sua durabilidade e sua transmutabilidade, assumindo
com facilidade os formatos mais corriqueiros ou as formas mais exóti-
cas. Escovo meus dentes com uma escova de plástico, penteio meu cabelo
com um pente de plástico, piso em calçados com solas de plástico, visto
um suéter feito de plástico. Mas lembro de um tempo em que as fraldas
eram feitas de pano, as canecas, de metal ou cerâmica, e sacolas de plástico
não existiam. Toda a civilização humana viveu perfeitamente bem sem o
plástico até o seu surgimento algumas décadas atrás. Poderíamos voltar
a fazer isso, mas o problema não é sua mera existência. O problema é o
volume de materiais sintéticos utilizados por um período breve e então
descartados em definitivo, alterando para sempre a natureza global.

RECICLAGEM NATURAL E LIMPEZA HUMANA

O lado positivo disso tudo é que, com o tempo, sistemas naturais saudá-
veis conseguem suavizar até mesmo os grandes impactos causados pelo
homem. Certa vez, encontrei um caranguejo-eremita empreendedor com
seu traseiro vulnerável enfiado dentro de um frasco de aspirinas da Bayer,
um substituto leve, moderno e durável para as tradicionais conchas de
caramujos. Um caranguejo-aranha de um coral ali perto havia encaixa-
do habilmente um envelope descartável de ketchup em suas costas junto
com algumas algas, hidroides e outros elementos naturais de camuflagem.
O envelope de ketchup ajudava o caranguejo a se camuflar em meio ao
resto do lixo.
Durante uma missão da National Geographic Society em 1975, passei
diversas semanas explorando os navios afundados na laguna Chuuk durante
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a Segunda Guerra Mundial. Documentei a transformação de tanque'-


aviões, caminhões, armas, grandes minas esféricas, caixas de munição c
dos próprios navios em lares incrivelmente belos para peixes-papagaio, pei-
xes-palhaço, peixes-leão, peixes-anjo, pequenos cabozes e grandes xaréus-
-pretos, um repertório completo de organismos existentes em um recife d~
corais (incluindo os próprios corais). Como eu sabia o minuto exato em
que os navios haviam chegado ao fundo do oceano, pude determinar as
taxas mínimas de crescimento de algumas espécies e reconstituir o desen-
volvimento de comunidades inteiras. As plantas e os animais não surgiram
nos navios em um passe de mágica; elas vieram de águas próximas que não
haviam sido bombardeadas ou saturadas de diesel. Kimio Aisek, mestre de
mergulho da Loja de Mergulho Blue Lagoon e um garoto à época em que
observou a operação, me disse: "O céu e o oceano retumbaram com bombas
e explosivos. Havia peixes mortos por todos os cantos, e as praias ficaram
pretas de óleo durante meses': Observando os recifes e o oceano à sua fren-
te, hoje em paz, ele acrescentou: "Mas já sarou':
Sarou, mas ainda há cicatrizes por lá e em todos os lugares onde guer-
ras foram travadas, navios foram perdidos, canais foram dragados e lixo
foi despejado. Atirar garrafas de vidro e latas de metal no mar é visto com
maus olhos, mas no geral essas são ações inertes. As latas são corroídas
com o tempo, e o vidro, embora durável, não parece ter efeitos nocivos.
Polvos, cabozes e até mesmo jovens garoupas adotam vidros e latas como
refúgios, e velhas garrafas incrustadas de algas e corais às vezes são enca-
radas como tesouros ao serem resgatadas séculos depois. O vidro mari-
nho, pedaços quebrados com as extremidades amaciadas e as superfícies
lixadas após anos sendo reviradas na areia de uma praia são estimados
pelos banhistas. Mas os caquinhos recém-quebrados não, como muitos
banhistas descalços descobrem por meios dolorosos.
Grandes porções de lixo são coisas feias de ver, e alguns tipos, so-
bretudo as sacolas plásticas, são letais para tartarugas marinhas, baleias
e tubarões-baleias, que podem deglutir acidentalmente esses materiais
não digeríveis que ficam presos em seus sistemas digestórios. Em 2007,
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uma baleia morta por "causas desconhecidas" foi arrastada até uma praia
da Califórnia. Em seu estômago, contudo, havia 181 quilos de plástico.
Equipamentos de pesca perdidos ou descartados também geram grandes
problemas ao se emaranharem em mamíferos, pássaros, peixes e outros
seres vivos e provocarem sua morte. Além disso, eles são um perigo para
submarinos e propulsores de barcos. Até mesmo veículos submersíveis
às vezes se enroscam em redes de pesca, como o submarino russo que
ficou preso no mar de Bering em agosto de 2005. Os sete marinheiros
da tripulação foram resgatados após serem parados por equipamentos de
pesca à deriva, mas o mesmo não acontece com a maioria dos mamíferos,
tartarugas, pássaros e peixes.
Alguns leões-marinhos, focas, lontras e baleias que ficam presos têm a
sorte de ser libertados do abraço doloroso das redes e qas linhas de pesca
por uma equipe de voluntários especialmente treinados para lidar com
animais grandes, agitados e alheios às boas intenções de seus protetores.
Um grupo especial de voluntários do Havaí se especializou em libertar
baleias jubarte ataviadas de armadilhas para caranguejos, arrastadas pelo
oceano desde as águas do Alasca, que ainda trazem suas inscrições do
local de origem.
Os esforços para limpar as praias, hoje espalhados pelo mundo todo,
vêm ajudando a conter a avalanche mortífera de lixo carregada até a areia.
Em algumas regiões litorâneas, mergulhadores se mobilizam para reco-
lher equipamentos de pesca à deriva, plásticos cheios d'água e diversos
objetos cotidianos descartados. Aparece de tudo, incluindo pias de cozi-
nha. A Ocean Conservancy, uma organização sem fins lucrativos locali-
zada em Washington, promove e documenta faxinas anuais nos Estados
Unidos desde 1986 e, a partir de 1989, também em outros países. Em um
único dia de faxina em setembro de 2008, quase 400 mil voluntários se
reuniram em 104 países, garantindo o recolhimento de 3 milhões de qui-
los de lixo - a maior parte nas extremidades do oceano, mas também em
alguns pontos do continente. Afinal de contas, os rios deságuam no mar e
carregam consigo uma carga tóxica que acaba sendo despejada no oceano.
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Dentre os voluntários havia 10.600 mergulhadores. A maioria estava mu-


nida de ferramentas de corte para abrir caminho em meio aos quilôme-
tros de náilon e redes que cobrem as zonas populares de pesca.
Foram encontradas e documentadas 43 categorias de resíduos que re-
velam muito sobre a natureza humana. As dez principais, que somadas
representam 83% do total, eram, em ordem de abundância:

1. Bitucas de cigarro
2. Sacolas plásticas

3. Embalagens de comida
4. Tampinhas

5. Garrafas plásticas

6. Sacolas de papel

7. Canudinhos e palhetas de café

8. Copos, pratos e talheres


9. Garrafas de vidro
10. Latinhas de bebidas

CONTAS, PELLETS E TINTAS

Existe uma coisa menos óbvia, mas muito mais perniciosa e difícil de res-
gatar: os pedaços de plástico. São fragmentos de objetos maiores, bem
como pellets: esferas diminutas e claras geradas na pré-fabricação de obje-
tos plásticos que, mais tarde, são derretidas e moldadas para dar origem a
milhares de produtos, desde jarras até brinquedos, passando por cadeiras
e abajures. Mais de 113 bilhões de quilos de pellets são criados a partir de
petroquírnicos a cada ano. Em seguida, são transportados por caminhões,
embarcados em navios de carga e levados para destinos ao redor do mundo
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todo. Os pellets são leves, elásticos e difíceis de conter; por isso, caem rapi-
damente em valas e acabam despejados em rios ou direto no mar. Alguns
são empregados deliberadamente em cosméticos esfoliantes que, depois de
utilizados, descem pelo ralo e viajam até, por fim, desaguarem no oceano.
Certa vez, ao cruzar em um dia ventoso a Bay Bridge, ponte que liga
São Francisco a Oakland, testemunhei milhares de bolinhas de espu-
ma plástica de preencher embalagens saltitando em meio ao trânsito.
Algumas colidiam contra o para-brisa dos carros e caminhões, enquanto
outras acompanhavam o tráfego e rolavam pelo chão. Todas acabariam
na baía de São Francisco e no mar aberto. Hoje, é possível que algumas
estejam curtindo a vida em uma praia do México, de Fiji ou do Japão.
De modo semelhante, fico imaginando como é a migração em massa dos
minúsculos pellets de plástico, que escapam de algum lugar e percorrem
a água e os ventos até chegarem ao seu destino final, o .oceano.
De um modo ou de outro, o fato é que levou apenas quarenta anos
para que os pellets e outros pedaços de plástico começassem a dividir
o espaço com grãos de areia nas praias de todo o mundo. Crianças que
brincam na praia chamam essas esferas plásticas e peroladas de "lágrimas
de sereia':
Parte da areia surge de conchas quebradas e de fragmentos de corais e
de algas coralinas, que pode se acumular bem depressa (em termos geo-
lógicos). Outra parte surge do desgaste das montanhas, onde rochedos
maiores quebram as pedras menores e as transformam em pedrinhas que,
com o tempo, são reduzidas a minúsculos fragmentos de basalto, granito,
quartzo e outros minerais, em um processo que pode levar centenas de
milhões de anos. Pensar nisso é espantoso. Os geólogos do futuro poderão
definir com precisão a nossa era como o Plasticozoico, a era em que, nas
areias do tempo, pedaços de plástico surgiram pela primeira vez.
Thor Heyerdahl, antropólogo e explorador do oceano, disse-me que
em 1947, ao navegar com sua tripulação pelos mares pristinos do Pacífi-
co Sul durante sua famosa expedição Kon-Tiki, ele passou semanas sem
deparar com nada que sugerisse a existência de outros seres humanos.
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No entanto, durante sua viagem entre 1969 e 1970 pelo Atlântico, "sempre
havia algum resíduo à vista boiando na superfície do mar': Alarmado com
as manchas de óleo e dejetos, incluindo alguns dos primeiros indícios de
plástico à deriva, ele alertou as Nações Unidas e o público em geral, mas
muitos demonstraram ceticismo por acharem que ele estava exagerando.
Mas outros relatos surgiram, e logo ficou evidente que o oceano estava
sendo tratado, literalmente, como um lixão.
Um relatório da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos
publicado cinco anos mais tarde relatou que mais de 6 bilhões de quilos
de lixo eram lançados deliberadamente no mar a cada ano. A maior par-
te vinha de navios comerciais, mas cerca de 450 milhões de quilos eram
descartados por barcos pesqueiros - sem contar os navios de passageiros,
barcos recreativos, plataformas de petróleo e outras fontes que colabora-
vam para a soma. O lixo de navios militares não foi.contabilizado, mas, até
a década de 1990, todos os dejetos de navios da Marinha norte-americana
eram atirados no mar - mais de 450 quilos por dia para cada veículo de
grande porte.
Em 1988, os resíduos marinhos passaram a ser regulados pela MAR-
POL Anexo V, uma convenção internacional que entrara em vigor naquele
ano. O descarte de plástico foi proibido, mas outros tipos de lixo ainda po-
diam ser lançados ao mar. Nos Estados Unidos, essas ações são reguladas
pela Lei de Prevenção da Poluição de Navios, que tornou ilegal o descarte
de plásticos no mar e impõs certas restrições ao descarte de outros tipos
de lixo. Mas criar novas leis é uma coisa, garantir que sejam cumpridas
é outra. Quando estava a bordo de um navio de passageiros no oceano
Índico em 1990, flagrei alguns tripulantes despejando à noite grandes sa-
cos plásticos de lixo por cima da amurada. Os sacos ficaram boiando à luz
do luar até desaparecerem no horizonte, e sem dúvida reapareceram em
uma praia distante ou em algum ponto da superfície do oceano.
Inspirado por Heyerdahl e muito preocupado com o lixo jogado no
mar, o explorador e ambientalista David de Rothschild alimentou um so-
nho para chamar a atenção do mundo inteiro e estimular a indústria a
O grande Lixão 1123

'"sempre buscar soluções para a poluição com plásticos que fossem vantajosas para
todos. Dos 39 bilhões de garrafas plásticas utilizadas nos Estados Unidos a
cada ano (cerca de 2 milhões a cada cinco minutos), apenas 20% são reu-
tilizadas. Em vez de colocar sua mensagem em uma garrafa, ele decidiu
transformar a garrafa - milhares delas - em mensagem.
Em 2009, ele lançou o Plastiki, um catamarã de 18 metros construído
apenas com garrafas plásticas recicladas, para uma expedição que par-
tiu de São Francisco, para cruzar a Grande Porção de Lixo do Pacífico
e passar por ilhas do Pacífico Sul até chegar em Sydney. Uma pequena
equipe que incluía Josian Heyerdahl, neta de Thor, documentou a via-
gem e transmitiu relatórios em tempo real sobre o estado do oceano para
espectadores em todo o mundo. Em vez de repousar em um museu ou
aterro, o destino do Plastiki é a reciclagem, e talvez seja transformado em
tecidos que, mais tarde, se tornarão outra coisa. "Se posso construir um
barco apenas com materiais totalmente recicláveis e atravessar o oceano,
porque não podemos fazer utensílios domésticos que tenham um novo
início, em vez de terminarem de vez?", propõe De Rothschild, sorrindo
diante da ideia de transformar lixo em tesouros.
r naquele Diversas empresas estão desenvolvendo equipamentos para transfor-
.jnda po- mar o lixo das praias em tijolos e tábuas resistentes para uso em constru-
..eguladas ções. Garrafas plásticas recolhidas durante a limpeza das praias podem
descarte ser recicladas e utilizadas de várias maneiras, mas recolher os pedacinhos
~ros tipos misturados inextricavelmente com o plâncton é um desafio muito maior.
-:urnpridas Qualquer coisa capaz de filtrar os fragmentos de plástico acabaria sugan-
do o plâncton junto. "O melhor seria interromper o fluxo de resíduos plás-
ticos em sua origem'', diz Charles Moore, empresário aposentado, surfista,
capitão de barco e uma das primeiras pessoas a chamar a atenção para a
plastificação do mar.
Moore deparou com a Grande Porção de Lixo do Pacífico por acaso
em 1997, quando navegava em direção ao Havaí. Ele ficou horrorizado
quando viu o que parecia uma grande ilha não mapeada, uma jangada
de resíduos flutuantes que cobria todo o horizonte. Ele criou a Fundação
124 I O panorama

Algalita de Pesquisa Marinha, utilizando seu barco de pesquisa Algalita


como laboratório marinho, e se tornou um embaixador fervoroso em
prol da limpeza dos oceanos. Moere voltou diversas vezes para mapear
e explorar os milhares de quilômetros quadrados de plásticos variados.
Hoje, seu foco é informar as pessoas das consequências de seus hábitos
de consumo, que incluem o descarte do plástico utilizado apenas uma
vez, e promover ações para evitar novas agressões ao oceano, já bastante
machucado.
Em uma expedição de 1999, Moere comparou a quantidade e o peso
de plâncton vivo e de fragmentos plásticos em amostras recolhidas com
redes de malha fina ao longo da Porção de Lixo. A vida perdeu de seis a
um. Para cada quilo de plâncton, havia 6 quilos de lixo! Para cada tonela-
da de criaturas vivas, 6 toneladas de lixo morto!
Dez anos mais tarde, em 2009, Moore participou de uma conferência
do TED em Long Beach, na Califórnia. Sob aplausos do público, entrou
em cena usando um chapéu e um colar com as cores do arco-íris, ambos
feitos com o lixo que havia retirado do mar. Mais tarde, me mostrou uma
jarra cheia de plâncton que coletara recentemente - pequenos animais
perdidos em uma tempestade de flocos coloridos. "Precisamos acabar
com isso': ele disse: "estamos matando o oceano:'
Como bióloga, já analisei diversas tinas de água marinha e me deleitei
com o microzoológico que pode ser encontrado em qualquer parte do
oceano. Pequenas águas-vivas, peixes em estágio larval, bebês de estrelas-
-do-mar, quetógnatos semelhantes a joias, crias de caranguejo e camarões
formam um grande desfile de carnaval repleto de fantasias translúcidas,
bioluminescentes e que sempre me apresentam algo que eu (e talvez qual-
quer pessoa) nunca tinha visto. A parte do mar em que há incidência de
raios solares é o local onde se produz a maior parte do oxigênio da Terra, a
imensa maioria do dióxido de carbono é extraído da atmosfera e é gerado
o alimento que ativa as grandes cadeias alimentares do oceano. Será que
importa que essa parte crucial do sistema que viabiliza a vida na Terra
esteja soterrada de plástico?
O grande lixão I 125

Certamente, ao menos para as aves que confundem tampinhas de gar-


rafa coloridas, isqueiros, pedaços de espuma plástica, seringas e pecinhas
de Lego com comida. Cientistas que estudavam ninhos de albatrozes e ou-
tras colônias de aves marinhas na ilha Midway, que integra o arquipélago
noroeste do Havaí, encontraram milhares de filhotes mortos cujos cadá-
veres macios e cobertos de penas estavam empanturrados com centenas
de fragmentos plásticos. Noventa e cinco por cento das carcaças de fulmar
surgidas nas praias da costa do mar do Norte continham plástico; a média
era de 45 pedaços por ave.
Também é importante para os peixes que ingerem pedaços pequenos
demais para serem vistos por aves. Moore e sua equipe do Algalita exami-
naram o conteúdo do estômago dos peixes do Pacífico central e descobri-
ram que quase todos continham ao menos um pouco de plástico, e um
pequeno peixe-lanterna com 6,4 centímetros de comprimento carregava
84 pedacinhos.
Fragmentos ainda menores são ingeridos por krills de dois centíme-
tros, copépodes do tamanho de formigas e salpas, mariscos, ostras e mexi-
lhões filtradores. Animais de grande porte que se alimentam de plânctons,
como o tubarão-baleia e as arraias, absorvem diversos litros de água de
uma vez só e ingerem tudo o que houver nela, inclusive plástico. Seja em
grande, média, pequena ou minúscula escala, tufos, bolinhas, contas ou
massas microscópicas de plástico matam animais ao obstruir, entupir, en-
gasgar ou estagnar os dutos através dos quais se alimentam. Isso já é bem
ruim, mas há outras consequências.
O plástico é feito de petroquímicos que incluem diversos corantes e
outros aditivos, que variam conforme o seu uso futuro. Embora alguns
sejam neutros e inofensivos, nenhum deles foi pensado para o consumo
de seres vivos. Os próprios plásticos podem conter substâncias que imi-
tam hormônios e perturbam o sistema endócrino. Existem indícios de
que esses "impostores" possam estar interferindo nos sistemas biológicos
de alguns organismos marinhos que se encontram no topo da cadeia ali-
mentar, incluindo ursos-polares.
126 I O panorama

Ainda mais problemática é a maneira como pequenos pedaços de


plástico atraem e concentram toxinas presentes no oceano, como o mer-
cúrio, os retardadores de chamas e os pesticidas. Contas de plástico ob-
tidas em amostras de águas próximas ao Japão apresentaram níveis de
DOE (dicloro-difenil-tricloroetano, um derivativo dos pesticidas) e PCB
(bifenilos policlorados) 1 milhão de vezes maior do que no oceano ac
redor. O acúmulo biológico de toxinas no topo da cadeia alimentar é ine-
vitável, pois a concentração de mercúrio e de outros poluentes aumenta
cada vez que um pequeno peixe é comido por outro maior. Esse efeito e
incrivelmente ampliado quando o plástico repleto de toxina é consumido
Não parece haver limites para o acúmulo de plástico e de produto:
químicos tóxicos na cadeia alimentar - eles atingem até mesmo a sua base
formada pela multidão de micróbios que predomina no mar. O plásticc
é quebrado em pedaços cada vez menores, mas ·parece ser incrivelmente
estável, capaz de reter suas propriedades e sua identidade até mesmo nL
nível microscópico. As consequências para a química oceânica ainda sàL
desconhecidas, mas precisa ser vista e compreendida em conjunto corr
o número crescente de problemas que afetam de forma direta a saúde do
oceanos e, portanto, também a nossa.
Os consumidores de frutos do mar deveriam fazer outra pergunta:
será que o plástico ingerido chega até o topo da cadeia alimentar? O fat
de ostras, anchovas ou mariscos se empanturrarem com algo além de ca-
marões e algas é relevante? Quando os plásticos cheios de toxinas são in·
geridos pelos peixinhos, consumidos em grande escala por peixes maiore
que são consumidos por outros ainda maiores, aquilo que estava bastante
diluído no oceano logo atinge uma alta concentração.

A INICIATIVA "ZERO RESÍDUO"

Em 2006, conforme as pessoas tomavam conhecimento da magnitud~


dos problemas causados por dejetos marinhos, o Congresso dos Estadc
O grande lixão I 127

Unidos aprovou o Decreto de Pesquisa, Prevenção e Redução de Resí-


duos Marinhos. Dois anos mais tarde, um relatório encomendado pelos
congressistas e preparado pelo Conselho Nacional de Pesquisa decretou
estado de crise em relação ao lixo marinho, uma situação que deverá pio-
rar ao longo do século XXI. O que se recomendou: zerar o despejo de re-
síduos no mar. O chefe do comitê que escreveu o relatório, Keith Criddle,
um cientista do Alasca, declarou:

Concluímos que os Estados Unidos devem assumir a liderança


e trabalhar de forma coordenada com outros países litorâneos,
bem como com governos municipais e estaduais, para adminis-
trar melhor a questão do lixo marinho e tentar zerar a emissão
de resíduos. 11

Andrea Crump, da Sociedade de Preservação Marinha do Reino Unido,


tem outra visão. Ela afirma: "Cada pedacinho de lixo tem um proprietário,
e cada pessoa pode fazer a diferença se não largá-lo por aí':
Levou algum tempo, mas talvez finalmente tenhamos entendido o es-
pírito da coisa. Podemos tirar o lixo, colocá-lo em outro lugar, enterrar
tudo, atirar no mar e dar as costas para ele, mas tudo está conectado. Não
há um "fora" onde jogá-lo.

11. Conselho Nac10nal de Pesqu1sa. Tackling Manne Debns m the 21st century.
Washmgton O. C: The National Academy Press, 2009.

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