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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPESP

DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA - DAP

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTIFICA

ESTUDO DA ALIMENTAÇÃO DAS ESPÉCIES DE PEIXES

PREDADORES EM LAGOS DE VÁRZEA NA REGIÃO DO MÉDIO RIO

SOLIMÕES (AMAZONAS-BRASIL)

Bolsista: Gabriela Silva Chaves, Fapeam

MANAUS

2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

PRO REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

RELATÓRIO FINAL

PIB-A/0040/2012

ESTUDO DA ALIMENTAÇÃO DAS ESPÉCIES DE PEIXES

PREDADORES EM LAGOS DE VÁRZEA NA REGIÃO DO MÉDIO RIO

SOLIMÕES (AMAZONAS-BRASIL)

Bolsista: Gabriela Silva Chaves, Fapeam

Orientador: Prof º Dra. Flávia Kelly Siqueira de Souza

MANAUS

2013

2
RESUMO
As áreas de várzeas são habitadas por organismos que estão sujeitos à alternância
de fases terrestres e aquáticas bem definidas, que se sucedem dentro de um ciclo
anual resultante do fenômeno denominado “Pulso de Inundação”. Tais condições de
flutuações aquáticas proporcionam vários padrões de adaptações aos animais e
plantas, influenciando na disponibilidade de habitats e alimentos entre outros.
Predadores de topo exercem impacto direto ou indireto sobre a biota conforme a
disponibilidade de alimentação e as condições do ambiente. As pescarias
experimentais foram realizadas em seis lagos de várzea localizados ao longo das
margens do rio Solimões, no trecho compreendido entre os municípios de Iranduba e
Coari. As coletas foram realizadas nos meses de setembro (2012) representando o
estacao de vazante, dezembro (2012) estacao de seca e março (2013) estacao de
enchente. O apetrecho utilizado foi rede-de-emalhar com esforço amostral de 12
horas de amostragem por lago. Os dados foram analisados através das técnicas de
identificação do grau de repleção, Método de freqüência de ocorrência e índice de
importância alimentar. Foram avaliados 228 estômagos pertencentes as espécies
predadoras Pygocentrus nattereri, Pellona castelnaeana, Cichla monóculos,
Acestrothynchus falcirostris e Hoplias malabaricus. Destes 103 foram coletados no
período de vazante, 50 na seca e 75 no período de enchente, e 142 estavam no
habitat de água aberta e 86 na presença de macrofitas aquáticas. A espécie
Pygocentrus nattereri foi a mais abundante em todo o estudo. Dos estômagos
avaliados 88 encontravam-se totalmente vazios (grau de repleção 0) e 123
preenchidos com item como pedaços de peixes, peixes inteiros, crustáceos e material
de origem vegetal, caracterizando diferente graus de repleção. Quanto a frequência
de ocorrência, observamos peixe como o item mais frequente, configurando também
esta categoria como o item mais importante no índice de importância alimentar.
Consideramos que as espécies predadoras são influenciadas pelo momento
hidrológico, com maior ou menor possibilidade de item alimentar. A região de água
aberta proporcionou maior abundância de indivíduos, o que pode ser justificado pela
necessidade de uso das espécies para se movimentar dentro dos lagos,
especialmente os predadores que estão sempre a procura de presas. Como esperado
o item de origem animal, peixe, refletiu o tipo de comportamento predador das cinco
espécies sendo o principal item consumido, ainda que tenhamos encontrado
indivíduos com estômagos vazios.

3
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................5

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..................................................................6

3 MATERIAL E MÉTODOS......................................................................8

4 RESULTADOS....................................................................................12

5 DISCUSSÃO.......................................................................................23

6 CONCLUSÃO ....................................................................................26

7 REFERÊNCIAS...................................................................................27

8 CRONOGRAMA EXECUTADO..........................................................31

4
1. INTRODUÇÃO

As áreas alagáveis dos grandes rios da Amazônia brasileira e seus tributários,


atingem 300.000Km2, dos quais cerca de 200.000Km2 estão situados ao longo dos
rios Solimões/Amazonas, Purus e Juruá, ricos em sedimentos e sais minerais
dissolvidos (Melack & Forsberg, 2001). Estas áreas são denominadas de várzeas
(Sioli, 1984), e são habitadas por organismos que estão sujeitos à alternância de
fases terrestres e aquáticas bem definidas, que se sucedem dentro de um ciclo anual,
resultante do pulso hidrológico (Junk et al., 1989). Essas condições de flutuações
aquáticas proporcionam vários padrões de adaptações morfológicas, anatômicas,
fisiológicas e comportamentais dos animais e plantas, influenciando na disponibilidade
de hábitats, alimentos e nas condições físicas gerais a qual dependem os organismos
aquáticos (Junk et al., 1989; Junk 1997).
Uma das principais características das planícies de inundação em regiões
tropicais e subtropicais é o elevado número de espécies, em especial a de peixes
(Junk, et al., 2002; Soares et al., 2007). Dessa forma, essas planícies desempenham
um papel decisivo na manutenção da diversidade biótica, sendo de fundamental
importância o aprofundamento nos estudos dos processos ecológicos que envolvem
esse tipo de ecossistema. Um fator relevante na dinâmica das comunidades de peixes
é a relação existente entre espécie-predador e espécie-presa, pois a ocorrência de
elevados níveis de predação em ambientes aquáticos pode exercer grande influência
em toda a cadeia trófica, afetando atributos da comunidade e controlando a
produtividade do ambiente (Carpenter et al., 1985; He & Kitchell, 1990; Ramcharan et
al., 1995). Muitos estudos realizados (Diana, 1995; Matthews, 1998; Tejerina-Garro et
al., 1998; Wootton, 1998; Pouilly & Rodriguez, 2004) indicam que os predadores,
especialmente os piscívoros, podem ter um forte impacto sobre a distribuição espacial
e sobre o comportamento das presas, tanto no tempo ecológico como no evolutivo
(Oliveira & Goulart, 2000).
Peixes piscívoros, como predadores de topo em ecossistemas de água doce,
exercem impacto direto ou indireto sobre a biota, utilizando-se de um amplo espectro
de presas, entretanto, poucas predominam em suas dietas, estando seu consumo
associado a abundância das mesmas no ambiente (Popova, 1978; Novakowski, et
al., 2007). Embora vários fatores, tais como tamanho e tipo de presa, local de refúgio
e atividade dos predadores e presas influenciem a tomada de alimento no ambiente, a

5
disponibilidade tem sido considerada como fator primordial na dieta dos peixes
(Kahilainem & Lehtonen, 2003).
Pelo fato de a piscivoria ser uma das principais fontes de mortalidade em
estoques naturais de peixes (Link & Garrison, 2002), o controle da biomassa por
espécies piscívoras é de grande importância, pois a ação de alguns predadores é tão
atuante que pode muitas vezes reduzir fortemente a densidade das espécies de suas
vítimas e até eliminar algumas espécies de certos habitats. Os predadores também
podem aumentar indiretamente a diversidade biológica em uma comunidade,
mantendo a densidade de algumas espécies tão baixa, que não há competição para
obter recursos (Primack & Rodrigues, 2001).
Neste sentido, a possibilidade de avaliar a influência das alterações cíclicas na
alimentação de espécies piscívoras, bem como a possibilidade do uso de diferentes
hábitats que favoreçam a captura das presas é a proposta de estudo deste plano de
PIBIC, que contará com o suporte financeiro do Projeto PIATAM V, aprovado através
da Chamada Pública MCT/FINEP/CT-PETRO – REDES TEMÁTICAS – 01/2009 –
Linha 1 que propõe a pesquisa em diferentes áreas temáticas, incluindo a ictiofauna,
e que propiciará aos pesquisadores envolvidos e a comunidade científica mais
conhecimentos a cerca deste complexo sistema existente na Bacia Amazônica.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Períodos hidrológicos em áreas e várzea do rio Solimões-Amazonas


Em estudos de biologia e ecologia de organismos aquáticos da várzea, é
amplamente aceita a hipótese de Junk et al., (1989), onde a variação periódica do
nível das águas é o principal fator que determina a comunidade de organismos
aquáticos presente em rios com planícies alagadas, causando modificações cíclicas,
tanto abióticas quanto bióticas, nessas áreas inundáveis (Welcomme, 1985; Junk et
al.,1989; Lowe-McConnell, 1999). Essa variação do nível da água é um
acontecimento previsível para os organismos que vivem nas várzeas, que
sincronizam os eventos de seu ciclo biológico para aproveitar benéficos e/ ou suportar
as desvantagens decorrentes das mudanças do meio.
No rio Solimões-Amazonas, entretanto, ocorre uma variabilidade inter-anual na
vazão, relacionada, em parte, ás flutuações no volume das chuvas. Diminuição da

6
pluviosidade na Amazônia estão parcialmente associadas ao fenômeno popularmente
conhecido por “EL Niño”: o “El Ninõ parece produzir seca ou vazante acentuada e La
Ninã ocasionar cheia intensa, (Welcome, 1985; Richey et al., 1989; Nunes de Mello &
Barros, 2001). Diferenças inter-anuais na composição de comunidades icticas em
ambientes de várzea tem sido relacionados a duração e intensidade dos períodos
hidrológicos anteriores, como os trabalhos de Merona & Gascuel (1993) e cunico et
al., (2002).

2.2 Estudo da alimentação de peixes predadores


Uma abordagem consistente na avaliação dos processos interativos dentro das
comunidades aquáticas é o conhecimento da dieta de peixes (Winemiller, 1989, Hahn
et al., 1997a), cujo espectro alimentar pode ser influenciado tanto pelas condições
ambientais como pela biologia das espécies. A origem do conceito de flexibilidade
trófica é vaga, mas o credito é atribuído a Hartley (1948) pelo reconhecimento da
flexibilidade do habito alimentar de assembleias de peixes em riachos da Inglaterra. A
partir dai, termos como adaptabilidade, flexibilidade, versatilidade e plasticidade são
encontrados na leitura, com o mesmo significado: habilidade de uma espécie em tirar
proveito de uma fonte alimentar mais vantajosa em um ao tempo (Gerking, 1994).
Estudos da ecologia trófica tem revelado uma considerável versatilidade
alimentar para a maioria dos teleósteos. Este é um espctro particularmente marcante
na ictiofauna fluvial tropical, especialmente em rios sazonais (Gouldiing. 1980; Hahn
et al., 1997a; Lowe-McConnell, 1999; Santos e Ferreira; 1999), onde maioria os
peixes pode mudar de um alimento para outro, tão logo ocorram alterações na
abundancia relativa do recurso alimentar em uso (Goulding, 1980; Matthews,1998;
Gerking, 1994; Lolis e Andrian, 1996; Hanhn et al 1997; Agostinho e Julio
Junior,1999;ooton, 1999), Inserindo a perspectiva de que a dieta reflete a
disponibilidade de alimento no ambiente(Winemiller, 1989; Wootton 1999).

7
3. MATERIAL E METODOS

3.1 Área de estudo


As pescarias experimentais foram realizadas em seis lagos de várzea (Baixio,
Preto, Aracá, Ananá, São Thomé e Maracá) localizados ao longo do rio Solimões,
entre os municípios de Iranduba e Coari – AM (Figura 1). Esse lagos estão
localizados em ambiente de Costa, ou seja, localizam-se as margens de grandes rios,
como o rio Solimões, e possuem como característica serem alimentados no período
de águas altas pela conexão com o canal do rio principal e em águas baixas através
da influência de pequenos igarapés oriundos da floresta circundante (Santos &
Ferreira, 1999).
Comum aos lagos de várzea as amostragens ocorreram em dois tipos de
habitat: região de água aberta e bancos de macrófitas aquáticas. O primeiro definido
pela região central dos lagos que serve principalmente como área de passagem da
biota, e o segundo auxilia a ictiofauna quanto a locais de refúgio, alimentação e
berçário (Vega-Corredor, 2003; Sanchez-Botero et al., 2003). A escolha dos habitats
permitiu a padronização das coletas de acordo com o ciclo hidrológico da região.

Figura 1. Imagem da localização dos seis lagos de várzea amostrados no estudo (Imagem Projeto
Piatam).

8
3.2 Coletas de dados

Foram realizadas três excursões de campo, cada uma em referência a uma


estação hidrológica: vazante (Setembro/2012), seca (dezembro/ 2012) e enchente
(março/ 2013). O apetrecho utilizado para coleta de peixes foram redes-de-emalhar
com dimensões de 15 metros de comprimento e 2 metros de altura para cada
malhadeira, e o tamanho das malhas variando de 30 a 120 mm entre nós opostos.
Cada conjunto de 10 redes equivalia a uma bateria, e em cada lago utilizamos duas
baterias equivalendo as amostragens na região central do lago e nas plantas
aquáticas (Figura 2). O esforço amostral foi de 12 horas de permanência das
malhadeiras em cada lago, com despescas ocorrendo a cada 6 horas.

Figura 2. Exemplo dos dois tipos de habitats amostrados no estudo. A) água aberta e B) banco de
macrófitas aquáticas (Imagem Projeto Piatam).

Após a coleta da ictiofauna, realizamos os procedimentos de triagem, que é


separação do material biológico por horário, hábitat e tamanho da malha da rede, e
identificação das espécies, realizada através do auxílio de chaves ictiológicas e livros
de referencia. Desta forma separamos as espécies predadoras que seriam utilizadas
neste estudo.
De cada espécime obtivemos o valor do peso (grama) através de balança
digital, em seguida os exemplares foram eviscerados, através de uma incisão ventral,
para a retirada de seu estômago. Cada estômago foi pesado e analisado
primeiramente quanto ao grau de repleção estomacal, que consistia na identificação
visual da quantidade de alimento existente no estômago, determinada pelas

9
categorias: vazio, com quantidades intermediárias de alimento ou completamente
cheio (Uieda, 1994). O resultado encontrado era expresso em porcentagem conforme
a escala adotada no estudo:
Grau 0 = para estômagos vazios;
Grau I = para estômagos preenchidos até 25%;
Grau II = para estômagos preenchidos de 25% a 50%;
Grau III = para estômagos preenchidos de 50 a 75%;
Grau IV = para estômagos preenchidos de 75 a 100%.
Posteriormente, cada estômago e seu referido conteúdo estomacal foram
acondicionados em frascos com solução contendo álcool (70%) e foram transportados
para o laboratório de Ecologia de Peixes da UFAM onde iniciaram as atividades de
identificação dos itens presentes. Cada estômago teve uma etiqueta contendo
informações quanto ao nome da espécie, peso (g), nome do lago, data e hora de
captura, para orientação no procedimento em laboratório.

3.3 Análises de dados

3.3.1 - Tabulação de dados


As informações obtidas em campo eram anotadas em planilhas impressas e
posteriormente transferidas para o formato digital do programa office Excel para
melhor organização dos dados para análise.
Em laboratório, os estômagos foram analisados e seus itens alimentares
identificados através de olho desarmado. Também contamos com auxílio de
equipamentos digital como lupa e microscópio estereoscópico para melhor
determinação dos itens ao menor nível taxonômico possível (Figura 3).
Apos a avaliação em todos os estômagos coletados, os dados resultantes
foram analisados através dos diferentes métodos propostos no estudo. Sendo estes:

10
Figura 3. Atividade realizada em laboratório na UFAM.

3.3.2 Métodos utilizados para o estudo do conteúdo estomacal

3.3.2.1 Método de Frequência de Ocorrência (%F)


Consiste na percentagem de estômagos contados com um determinado item.
Por meio deste método obtêm-se informação sobre seletividade e amplitude do nicho
ecológico, analisando a presença e conseqüente ausência de determinado item
alimentar no estômago (Hynes, 1950, Hyslop, 1980), dada pela fórmula:
%F = ea * 100/E
Sendo:
%F = freqüência de ocorrência do item amostrado;
ea = quantidade de estômagos com o item a;
E= número total de estômagos.

3.3.2.2 Método Volumétrico (%V)


É um método quantitativo muito difundido, que corresponde ao alimento em um
determinado grau de digestão ou da soma de vários alimentos em diferentes graus de
digestão, sendo utilizado para verificar as variações sazonais da atividade alimentar,
ou seja, a possível variação de biomassa de alimento ingerido em determinada época
do ano em relação à outra época, na qual consiste em medir, em percentagem, o
volume que cada item ocupa no estômago ou o volume total do conteúdo estomacal

11
encontrado em todos os estômagos analisados (Hyslop, 1980), dada pela fórmula:

%V = va * 100
Vt
Sendo:
%V = percentagem volumétrica do item amostrado;
va = volume do item a amostrado;
Vt = volume total de itens amostrados.

3.3.2.3 Índice de Importância Alimentar (IAi)


De acordo com Kawakami & Vazzoler (1980) os aspectos mais importantes
para avaliação do regime alimentar de peixes são a freqüência que determinado item
é consumido e seu volume. Assim, a partir da razão entre o produto da freqüência de
ocorrência e o volume, de Hynes (1950) e Hyslop (1980), em valores percentuais de
cada item, e da somatória dos produtos para todos os itens observados, é possível
estimar um índice alimentar, dado pela fórmula:
IAi = Fi * Vi
Σ (Fi * Vi)
sendo:
IAi = índice alimentar;

i = 1,2,... n = determinado item alimentar;


Fi = freqüência de ocorrência (%) de cada item;

Vi = volume relativo (%) atribuído a cada item.

4. RESULTADOS

Foram avaliados 211 estômagos pertencente a cinco espécies de peixes


predadores, sendo estas Pygocentrus nattereri, Pellona castelnaeana, Cichla
monoculus, Acestrothynchus falcirostris e Hoplias malabaricus (Anexo 1). Deste
universo, 94 indivíduos foram coletados no período de vazante, 49 na seca e 68 no
período de enchente. Em relação ao tipo de habitat 129 estômagos foram
encontrados no habitat de água aberta e 82 nas amostragens de bancos de
macrófitas aquáticas. A piranha caju P. nattereri apresentou maior proporção entre

12
todas as espécies, especialmente no habitat de água aberta na vazante e na
macrofita aquática na enchente. Nas estações hidrológicas de vazante e enchente e
nos dois habitats encontramos indivíduos das espécies P. nattereri, A. falcirostris, P.
castelnaeana. A traíra H. malabaricus só foi encontrada na estação de vazante e na
região de água aberta, enquanto o tucunaré C. monoculus esteve ausente na estação
de seca da água aberta (Tabela 1).

Tabela 1. Abundância numérica das espécies predadoras em cada estação hidrológica (V = vazante; S
= seca; E = enchente) e habitat (AA = água aberta; MA = macrófita aquática).

Estação Hidrológica Habitat


Espécies predadoras V S E AA MA Total
Pygocentrus nattereri 53 18 46 77 40 117
Acestrorhynchus falcirostris 24 13 7 25 19 44
Cichla monóculos 6 0 6 7 5 12
Hoplias malabaricus 5 0 0 5 0 5
Pellona castelnaeana 6 18 9 15 18 33
TOTAL 94 49 68 129 82 211

Tabela 2. Organização das espécies predadoras associadas a estação hidrológica e tipo de habitat (AA
= água aberta; MA = macrofita aquática) no estudo.

Vazante Seca Enchente


Espécies predadoras AA MA AA MA AA MA
Pygocentrus nattereri 39 14 15 3 23 23
Acestrorhynchus falcirostris 15 9 9 4 1 6
Cichla monóculos 2 4 0 0 5 1
Hoplias malabaricus 5 0 0 0 0 0
Pellona castelnaeana 4 2 7 11 4 5
TOTAL 65 29 31 18 33 35

Com relação ao grau de repleção dos estômagos, P. nattererei teve


representantes em quase todos os graus na estação de vazante e nos dois tipos de
habitats, sendo possível perceber que a maioria encontravam-se vazios ou
preenchidos até a metade. A. falcirostris foi a segunda espécie com os estômagos em
diferentes graus de preenchimento, sendo que a maioria foram encontrados vazios.
Percebemos ainda que a ocorrência de estômagos vazios foi evidente para todas as
espécies nos dois habitats, a exceção de H. malabaricus em macrofitas aquáticas
(Figura 4).

13
Estação de vazante

Água aberta Macrófitas aquáticas

16 10
P. nattereri P. nattereri
14 9
A. falcirostris A. falcirostris
C. monoculos 8
12 C. monoculos
Número de indivíduos

número de indivíduos
H. malabaricus 7 H. malabaricus
10
P. castelnaeana 6 P. castelnaeana
8 5
6 4
3
4
2
2
1
0 0
0 I II III IV 0 I II III IV
Grau de repleção Grau de repleção

Figura 4. Grau de repleção das espécies da estação hidrológica de vazante nos habitats de água
aberta e macrofitas aquáticas. GR 0 = estômagos vazios, GR I = estômagos preenchidos de 1 a 25%,
GR II = estômagos preenchidos de 26% a 50%, GR III = estômagos preenchidos de 51 a 75%, GR IV =
estômagos preenchidos de 76 a 100%.

Na estação de seca o apapá P. castelnaeana teve indivíduos representados


em quatro diferentes graus de repleção (0 a III) em água aberta e dois graus (0 e I)
em macrofitas aquáticas, neste último caso a maior ocorrência com estômagos
vazios. O peixe cachorro A. falcirostris e a piranha P. nattereri tiveram mais
representantes com os estômagos vazios ou preenchidos até 25% na região de água
aberta, enquanto que macrofitas aquáticas a proporção das duas espécies foi
bastante similar (Figura 5).

14
Estação de seca

Água aberta Macrófitas aquáticas

12
10
P. nattereri 9 P. nattereri
10
A. falcirostris 8 A. falcirostris
número de indivíduos

número de indivíduos
8 7 P. castelnaeana
P. castelnaeana
6
6 5
4
4
3
2 2
1
0 0
0 I II III IV 0 I II III IV
Grau de repleção Grau de replecão

Figura 5. Grau de repleção das espécies da estação hidrológica de vazante nos habitats de água
aberta e macrofitas aquáticas. GR 0 = estômagos vazios, GR I = estômagos preenchidos de 1 a 25%,
GR II = estômagos preenchidos de 26% a 50%, GR III = estômagos preenchidos de 51 a 75%, GR IV =
estômagos preenchidos de 76 a 100%.

Na enchente percebemos que Pygocentrus nattereri teve representação nos


cinco estágios de repleção dos dois habitats, com maior ocorrência de indivíduos
entre os estágios vazio e cheio até 25%. Ainda que na região de macrófitas aquáticas
também tenhamos percebido alguns estômagos vazios ou completamente
preenchidos das espécies A. falcirostris e P. castelnaeana (Figura 6).

15
Estação de enchente

Água aberta Macrófitas aquáticas

P. nattereri
P. nattereri
A. falcirostris
A. falcirostris
C. monoculos
12 C. monoculos
P. castelnaeana
7
P. castelnaeana
10 6
Número de indivíduos

número de indivíduos
8 5

6 4

3
4
2
2
1
0 0
0 I II III IV 0 I II III IV
Grau de repleção
Grau de repleção

Figura 6. Grau de repleção das espécies da estação hidrológica de enchente nos habitats de água
aberta e macrofitas aquáticas. GR 0 = estômagos vazios, GR I = estômagos preenchidos de 1 a
25%, GR II = estômagos preenchidos de 26% a 50%, GR III = estômagos preenchidos de 51 a 75%,
GR IV = estômagos preenchidos de 76 a 100%.

De todos os estômagos avaliados, 88 encontravam-se completamente vazios e


123 com algum tipo de conteúdo dentro. Destes foram identificados pedaços de
peixes, incluindo a presença de coluna cervical, escamas, camarão e itens de origem
vegetal (Figura 7).
A Composição da dieta baseada nos 123 estômagos das espécies Pygocentrus
nattereri, Pellona castelnaeana, Cichla monóculos, Acestrothynchus falcirostris e
Hoplias malabaricus, coletadas nos lagos de várzea foram:
a) Peixes – principal item consumido - As cinco espécies apresentaram em seu
conteúdo estomacal pedaços de peixes e peixes inteiros.
b) Itens de origem vegetal – Algumas espécies apresentaram em seu
conteúdo estomacal a presença de itens de origem vegetal.
c) Camarão e crustáceos – Algumas espécies apresentaram em seu conteúdo
estomacal indivíduos de camarão e crustáceo.

16
A)

B)

C) D)
Figura 7. Imagem de alguns tipos de itens encontrados nos estômagos. (A) e (B) Exemplo de peixes
inteiros, (C) Parte de peixes consumidos (D) Material de origem vegetal digerida.

Para o Método de Frequência de Ocorrência (FO%) dos estômagos analisados


da espécie Pygocentrus nattereri no período de vazante em ambiente de água aberta,
52% tinham o conteúdo alimentar com ingestão de peixes, 4% possuíam escamas,
14% de crustáceos, 38% de resquício de matéria vegetal e 38% o item consumido já
estava digerido, por tanto não podendo ser identificado. Para o ambiente de plantas
aquáticas dos indivíduos avaliados 40% tinham conteúdo estomacal com ingestão de
peixes, 60% de material vegetal e de material digerido. A espécie A. falcirostris dos
indivíduos analisados em ambiente de água aberta 62% dos indivíduos alimentaram-

17
se de peixes e 37% de material de origem vegetal enquanto no habitat de plantas
aquáticas 100% apresentaram peixe em seu conteúdo estomacal (Figura 8).
A espécie C. monoculos, dos indivíduos coletados em ambientes de água
aberta 50% tinham conteúdo alimentar com ingestão de peixes e 100% com ingestão
de crustáceos. Em ambiente com macrófitas aquáticas os estômagos analisados
apresentaram 100% de material digerido. Os indivíduos de H. malabaricus em
ambiente de água aberta apresentaram estômagos com 50% de peixe e 100%
apresentaram crustáceo, já em ambiente de plantas aquáticas não houve indivíduos
coletados. Para P. castelnaeana na região de água aberta apresentaram 100% de
material digerido, portanto não podendo ser analisado, na área de macrófitas
aquáticas dos estômagos analisados 50% continham peixe em sua dieta e 50% o
alimento já estava digerido (Figura 8).

Estação de vazante

Água aberta Macrófitas aquáticas

120
120 P. nattereri P. nattereri
Frequência de ocorrência (%)
Frequência de ocorrência (%)

A. falcirostris 100
100 A. falcirostris
C. monoculos
80 C. monoculos
80 H. malabaricus
P. castelnaeana
P. castelnaeana 60
60

40 40

20 20
0 0
Peixe Crustáceo escamas Material Material
Peixe Materialvegetal Materrial
vegetal digerido
digerido
itens consumidos Itens consumidos

Figura 8. Frequência de ocorrência dos itens que fizeram parte da dietas das espécies na estação
hidrológica de vazante, capturadas nos habitats de água aberta e macrófitas aquáticas.

Na estação hidrológica de seca, dos indivíduos de P. nattereri analisados em


ambiente de água aberta 33% apresentaram peixe em conteúdo estomacal, 50% itens
de origem vegetal e 75% o conteúdo já estava digerido, não sendo possível
determinar o tipo. Em ambiente de plantas aquáticas dos indivíduos avaliados 100%

18
continham material digerido em seu conteúdo estomacal. A espécie A. facirostris
apresentou somente indivíduos em ambiente de plantas aquáticas contendo como
item alimentar 50% de peixe e 50% de material digerido. (Figura 7).
Para P. castelnaeana, dos estômagos analisados na região de água aberta
40% haviam consumido peixe, 20% crustáceo, 20% material de origem vegetal e
80% o item já estava digerido por tanto não podendo ser identificado. Na região de
macrófitas aquáticas dos indivíduos analisados apresentaram 100% de material
digerido. A espécie C. monoculos não apresentou indivíduos com estômagos
preenchidos em nenhum dos ambientes (Figura 9).

Estação de seca

Água aberta Macrófitas aquáticas

120
90 P. nattereri
P. nattereri
80
Frequência de ocorrência (%)

P. castelnaeana 100
A. falcirostris
Frequência de ocorrência (%)

70
P. castelnaeana
60 80

50
60
40

30
40
20

10 20

0
Peixe Crustáceo Material Material 0
vegetal digerido
Peixe Material digerido
itens consumidos
Itens consumidos

Figura 9. Frequência de ocorrência dos itens que fizeram parte da dieta das espécies na estação
hidrológica de seca, capturadas nos habitats de água aberta e macrófitas aquáticas.

Na estação hidrológica de enchente dos estômagos de P. nattereri, foram


analisados na região de água aberta, revelaram 26% com ingestão de peixes, 58%
contendo vestígio de matéria vegetal, e 53% o item consumido já estava digerido,
impossibilitando a identificação. No habitat de plantas aquáticas os estômagos

19
avaliados continham em cerca de 50% itens com ingestão de peixes e material
vegetal e em 45% o item já estava digerido. Para a espécie A. falcirostris os
estômagos analisados na região de água aberta, possuindo 100% do conteúdo
alimentar digerido, portanto não podendo ser identificado. Já na região de macrofitas
aquáticas os estômagos analisados revelaram 67% de peixe e 67% de material de
origem vegetal (Figura 10).
A espécie C. monóculos e P. castelnaeana apresentaram 100% de peixe em
seu conteúdo estomacal, tanto para ambiente de água aberta como para macrofitas
aquáticas.

Estação de enchente

Água aberta Macrófitas aquáticas

120 120 P. nattereri


P. nattereri
100 A. falcirostres
Frequêcia de ocorrência (%)

A. falcirostris 100
Frequência de ocorrência (%)

C. monóculos
C. monóculos
80 P. castelnaeana
P. castelnaeana 80
60
60
40
40
20
20
0
Peixe Material Material
0
vegetal digerido
Peixe Material vegetal Material
Itens Consumidos digerido
Itens consumidos

Figura 10. Frequência de ocorrência dos itens que fizeram parte da dietas das espécies na estação
hidrológica de enchente, capturadas nos habitats de água aberta e macrófitas aquáticas.

Por fim, o IAi que é o Índice de Importância Alimentar das espécies avaliadas
nas três estações hidrológicas e nos dois tipos de habitats (Tabelas 3 e 4) revela que
a espécie de piranha Pygocentrus natterei tem como referencia em seu consumo
itens como peixe, material de origem vegetal e camarão. O peixe cachorro
Acestrorhynchus falcirostris apresentou preferência para os itens peixe e material de
origem vegetal nas três estações e nos dois habitats.

20
O tucunaré Cichla monóculos e a traíra Hoplias malabaricus, mantiveram o
hábito alimentar estritamente carnívoro, preferindo o consumo de peixe e camarão na
estação de vazante. E o apapá Pellona castelnaeana teve um consumo mais
direcionado para peixes, com baixa preferência de camarão e material vegetal.
A classificação Material digerido não consta para o IIA pois não é considerado
item alimentar.
Merece destaque ainda a estação de vazante como fator importante na
obtenção de consumo das cinco espécies avaliadas em lagos de várzea, pois esta foi
constante no resultado apresentado.

21
Tabela 3. Importância dos itens consumidos na dieta das cinco espécies avaliadas nos três períodos hidrológicos (V)vazante, (S) seca e (E) enchente no
habitat de água aberta.

Espécie
Pygocentrus Acestrothynchus Hoplias Pellona
Cichla monoculus
nattereri falcirostris malabaricus castelnaeana
Períodos V S E V S E V S E V S E V S E
Peixe 0,45 0,07 0,11 0,74 0 0 0,45 0 0 0,23 0 0 0 0,26 1
Camarão 0,00 0 0 0 0 0 0,55 0 0 0,77 0 0 0 0,06 0
Crustáceos 0,01 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Material vegetal 0,25 0,17 0,44 0,26 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,03 0

Tabela 4. Importância dos itens consumidos na dieta das cinco espécies avaliadas nos três períodos hidrológicos (V)vazante, (S) seca e (E) enchente no
habitat de macrófitas aquáticas.

Espécie
Pygocentrus Acestrothynchus Pellona
Cichla monoculus Hoplias malabaricus
nattereri falcirostris castelnaeana
Períodos V S E V S E V S E V S E V S E
Peixe 0,24 0 0,40 1 0,5 0,76 1 0 0 0 0 0 0,17 0 1
Camarão 0,28 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Crustáceos 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Material vegetal 0 0 0,33 0 0 0,76 0 0 0 0 0 0 0 0 0

22
Discussão

Para estudos de biologia e ecologia de organismos aquáticos da várzea


amazônica, é amplamente aceita a hipótese de Junk et al., (1989), onde a
variação periódica do nível das águas é o principal fator estruturador da biota
presente no ambiente. Este fenômeno ocasiona modificações cíclicas no
ambiente, podendo afetar as relações nos níveis bióticos e abióticos como um
todo (Welcomme, 1985).
Ambientes como a várzea, sujeitos a influência do pulso de inundação,
são altamente dinâmicos, pois a medida que o nível do rio sobe as
modificações ocorrem de forma generalizada, possibilitando mais áreas de
refúgio, alimentação e propiciando a reprodução para muitas espécies de
peixes, enquanto o inverso, com a diminuição do nível das águas, a área
espacial é reduzida aumentando o nível de competição e estresse entre as
espécies (Lowe-McConnell, 1999).
Em nosso estudo, observamos que a estação de vazante e enchente
propiciaram melhor coleta de indivíduos, fato que pode estar associado ao
momento em que as espécies se movimentam nos lagos, seja entrando ou
saindo do mesmo em direção ao rio principal (Cox-Fernandes, 1988), onde é
evidenciado uma maior ou menor disponibilidade ambiental para a biota. Este
movimento potencializa a captura da ictiofauna por malhadeiras, já que estão
disponíveis em áreas mais estratégicas.
Alguns estudos realizados na várzea amazônica, verificaram a maior
abundancia da ictiofauna na região de água aberta no período de vazante
(Merona & Bittencourt, 1993; Saint-Paul, et al., 2000; Vale, 2003), confirmando
o encontrado em nosso estudo. Outro fator que supomos é que o período de
águas baixas, vazante e principalmente, seca, reduz a possibilidade de acesso
da ictiofauna aos bancos de macrofitas (Vega-Corredor, 2003), restringindo sua
área de acesso e potencializando a captura da região central do lago.
Dentre todas as espécies estudadas a piranha-caju Pygocentrus
nattereri foi a mais abundante, especialmente no habitat de água aberta.
Estudos já apontam esta espécie como a mais abundante em áreas de várzea
(Merona & Bittencourt, 1993; Do Vale, 2003; Siqueira-Souza, 2007). Siqueira-
Souza & Freitas (2004) amostrando alguns lagos de várzea também

23
encontraram Pygocentrus nattereri como a espécie mais abundante, sugerindo
os autores que o período de águas baixas poderia propiciar maior
disponibilidade de recursos alimentar (presas), o que favorece a maior captura
desta espécie predadora no ambiente.
Quanto ao grau de repleção notamos que na estação de vazante a
maior parte dos estômagos encontravam-se preenchidos para ambiente de
água aberta e macrofitas aquáticas. Porém na seca, observamos que em
ambiente de macrófitas aquáticas a maior parte dos estômagos estavam
vazios, e isso pode estar atrelado a redução do volume de água nesta estação
que restringe o acesso das espécies as áreas mais marginais onde localiza-se
os bancos de plantas.
Trabalhos realizados por Junk, (1985); Golding (1989); Winemiller &
Kelso-Winemiller, (2003), revelam que a restrição física dos corpos de aguas
no período de vazante e seca, propicia um aumento da densidade de espécie-
presa no ambiente, favorecendo os piscívoros, com maior oferta e alimento. Ao
contrario do que se esperava as espécies alimentaram-se mais no período de
enchente do que na seca. Neste período de início de entrada de água é
comum encontrar larvas e juvenis aproveitando a oferta de alimento e locais de
refúgio em ambientes de várzea (Araujo-Lima & Goulding, 1998; Sánchez-
Botero & Araujo-Lima, 2001), o que provavelmente favoreceu a maior atividade
alimentar das espécies. Isto nos remete ao entendimento de que espécies
piscívoras possam apresentar um maior espectro alimentar, alimentando-se
sempre que possível em acordo com a estação hidrológica e sempre a procura
do melhor local de encontro das presas (Gealh & Hahn (1998); Lehtonen &
Kahilainen (2003).
Entre grupos tróficos, a abundancia de piscívoros com estômagos vazios
é muito comum (Hahn et al., 1997; Winemiller & Jepsen 1998), isto
provavelmente ocorre devido a ingestão mais rápida em piscívoros, uma vez
que os tecidos moles de peixes são mais facilmente digeridos do que os
tecidos vegetais (Bowen, 1984). Supomos que esse fator possa justificar a
proporção de estômagos encontrados vazios em nosso estudo (cerca de 40%),
ainda que o não encontro do predador com uma presa possa também ser um
fator a ser considerado, já que as espécies predadoras dependem muito do
fator “sorte” e vulnerabilidade da presa para se alimentar (Simon 1983), e muito

24
do que é consumido pela espécie está relacionado a disponibilidade do recurso
no ambiente (Winemiller, 1989).
Para Pianka (1982) o consumo ótimo de alimento está relacionado à
economia de energia pelo predador, refletida em uma estratégia alimentar
baseada na busca e captura preferenciais por presas, comparativamente mais
energéticas e abundantes em suas rotas alimentares naturais. Este autor
ressalta ainda que, o consumo ótimo em um determinado ambiente, raras
vezes ocorre em outro, e que a anatomia do animal é limitante à tática de
obtenção do recurso alimentar.
A composição da dieta das cinco espécies predadoras Pygocentrus
nattereri, Pellona castelnaeana, Cichla monoculus, Acestrothynchus falcirostris
e Hoplias malabaricus apresentou o item “peixe” como principal objeto
consumido, sendo encontrado tanto peixes inteiros como pedaços de peixes.
Este resultado confirma nossa previsão de maior encontro de peixes como
material consumido, salientando o caráter especialista que este grupo tende a
apresentar, ainda que não tenhamos conseguido, num primeiro momento,
identificar o item encontrado ao menor nível taxonômico possível.
Como característica de cada espécie, Pygocentrus nattereri é uma das
espécies mais abundantes nas áreas de várzea e reconhecida como um voraz
predador pode influenciar na ocorrência de espécies no local (Siqueira-Souza,
2012), principalmente por ter o comportamento de viver em cardume, o que
proporciona um afugentamento às presas. Como evidenciado em estudos, a
piranha caju tem o hábito de ingerir espécies de porte pequeno ou até mesmo
mordiscar exemplares maiores o que os leva rapidamente a morte, refletindo
este comportamento em maior possibilidade de alimentação para o predador
(Silva, et al., 2003; Soares, et al., 2007).
As demais espécies Hoplias malabaricus, Cichla monoculus,
Acestrorhynchus falcirostris e Pellona castelnaena possuem registros de
engolir espécies espécies inteiras, conforme o tamanho das mesmas, em
atividade de emboscada (Abelha et al., 2001). Ainda que também se observa
pedaços de peixes ou mesmo outros itens de origem animal no conteúdo
(Mérona & Rank-de-Merona, 2004).
O encontro de itens de origem vegetal nas espécies pode ser
considerado como consumo acidental, ou pela intenção de ingestão de uma

25
presa que estivesse associado a vegetação, ou de outros itens em vista de
uma menor disponibilidade alimentar no ambiente.

5. CONCLUSÃO

A piranha-caju (pygocentrus nattereri) foi a espécie mais abundante no


estudo, em especial no habitat de água aberta no período de vazante. Neste
período a área alagada do lago restringe-se a porção central favorecendo a
ação de predadores, em particular a piranha que vive em cardume.
O período de vazante e enchente contribuiu melhor na obtenção de
alimento para os cinco piscívoros, pois evidenciamos o maior encontro de
estômagos nos diferente estágios de repleção (I a IV), ainda que tenhamos
encontrado uma proporção relativa de indivíduos com estômagos
completamente vazio.
A alimentação das espécies caracterizou-se pelo consumo freqüente de
peixe nos dois habitat e nos três períodos hidrológicos, o que evidencia a
preferência de predadores na ingestão de presas ou parte dessas. Porém
também encontramos evidências de itens de outras categorias como crustáceo
e material de origem vegetal.
De modo geral, o resultado encontrado neste estudo corroborou com o
que temos visto em literatura para peixes predadores, contribuindo para o
conhecimento particular em áreas alagadas. Nossa proposta é de continuidade
dentro desta temática, relacionando a preferência alimentar de espécies
piscívoras em ambiente natural e adicionando um outro ambiente mas com
caráter artificial (Projeto Aprovado PIBIC 2013/214).

26
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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696. 1997.

30
8. CRONOGRAMA EXECUTADO

Nº Descrição Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul

2012 2013

1 Levantamento bibliográfico X X X X X X X X X X X X

Coleta em campo
2 X X X

Identificação das espécies


3 X X X

Identificação do conteúdo
4 X X X X X X X
estomacal

Tabulação e análise dos


5 X X X X X
dados

Elaboração do Relatório
6 X X
Parcial

Elaboração do Resumo e
7 X X
Relatório Final (atividade
obrigatória)

Preparação da
8 X
Apresentação Final para o
Congresso (atividade
obrigatória)

31

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