Você está na página 1de 14

O FIM DA PICADA

(Ale Silva)

Personagens:

Denguise
Dengoso
Maneco
Pedrinho (também pode ser um boneco)

CENA I
(O cenário é um quintal, com caixa d’água em um canto, latão de lixo destampado,
garrafas, algumas plantas em vasos, pneus e vários entulhos. Uma cerca ao fundo, que
servirá como “panada” para boneco. Nas laterais, muro e parede de uma casa. Entram
um casal de mosquitos da Dengue bem espalhafatosos, com trouxinhas de roupa)

DENGUISE – Ai! Finalmente chegamos, Dengoso. Confere aí no mapa se é este


mesmo o endereço.
DENGOSO – É aqui mesmo, minha querida mosquitinha. Nosso novo lar.
DENGUISE – (deixa a trouxinha em um canto. Tem um panfleto imobiliário na mão) Ah,
que maravilha. O trânsito estava uma loucura. Pensei que a gente não ia chegar nunca.
DENGOSO – Também, com tanta chuva e calor. É o verão chegando! A época da
proliferação. Só o que se vê é mosquito da dengue voando daqui pra lá, de lá pra cá,
todos procurando uma nova residência. Uma loucura. Muvuca maior que o carnaval.
DENGUISE – E demos foi muita sorte, viu! O corretor que indicou essa casa pra gente,
aquele pernilongo muito simpático, disse que era uma das últimas casas disponíveis
aqui no bairro, com um quintal maravilhoso desses.
DENGOSO – Sim, minha querida, casas como essa são super valorizadas. Quase não
se encontra mais. Os humanos estão morando em prédios e cada vez mais alto.
DENGUISE – Verdade. E nem tem como a gente voar pelas janelas. Fico muito triste,
sabe... A nossa espécie bem que podia voar mais alto.
DENGOSO – Owww, não fique assim, minha mosquitinha. Eu te entendo, voar só um
metro de humano é muito pouco. Mas nada de tristeza!
DENGUISE – Tem razão! Aqui realmente parece o paraíso. Vamos conferir se tem
mesmo tudo o que ele mostrou no panfleto. Não gosto de ser passada pra trás! Vai,
confere aí. (lendo) Caixa d’água destampada...
DENGOSO – Confere!
DENGUISE – Vasos de flores com pratinhos...
DENGOSO – ...Sem areia! Confere!
DENGUISE – Lata de lixo aberta...
DENGOSO – Confere!
DENGUISE – Garrafas com a boca pra cima...
DENGOSO – Confere! E estão quase cheias de água.
DENGUISE – Pneu jogado...
DENGOSO – Confere!
DENGUISE – Pratinho do doguinho sem limpar...
DENGOSO – Confere! Além de calha entupida, lixo por todo lado e muito mato pra
deixar tudo bem úmido e aconchegante...
DENGUISE – Ah, que maravilha! Parece um sonho. Vamos ser muito felizes aqui
nesse quintal, meu dengo-dengo!
DENGOSO – Vamos sim. Meu quintal, minha vida!
DENGUISE – Amplo espaço pra criarmos nossos filhotes... Já estou até imaginando...
Esse pratinho do Rex cheio de ovinhos... e nos pratinhos das plantas, a água está na
temperatura ideal... Ah, e no pneu velho, então? Vai ser perfeito.
DENGOSO – E em alguns dias já serão larvas espertinhas, bem serelepes e fofinhas.
DENGUISE – Ai, mas os filhos crescem tão rápido né? Imaginar que alguns dias
depois já serão mosquitinhos crescidos e que vão sair voando por aí, picando as
crianças descuidadas.
DENGOSO – E os adultos também!
DENGUISE – Não vejo a hora, quero ter uns 100 mosquitinhos pra alegrarem nossa
vida.
DENGOSO – Cem? Só isso? Temos que ter logo uns 200 de uma vez!
DENGUISE – Ah, meu dengo, meu Dengoso, meu maravilhoso... O que seria de mim
sem você? Quem é o meu dengo-dengo? Quem é meu dengo-dengo? (fazem
chameguinho)

MÚSICA (Paródia – Amigos do Peito)

Eu sou Denguise
Gosto muito de picar
Chupar seu sangue
E depois descansar
Eu sou Dengoso
E queria apresentar
Somos mosquitos
E acabamos de chegar
Somos mosquitos
Da dengue e queremos
O sangue de vocês
Somos mosquitos
Da dengue e não...
Vivemos sem vocês
Somos mosquitos
Da dengue e queremos
O sangue de vocês
Somos mosquitos
Da dengue e aqui...
Estamos outra vez!
DENGUISE – Ah, estou tão animada! Vamos pegar o resto das nossas coisas e
organizar tudo por aqui.
DENGOSO – Vamos! Depois podemos dar um passeio pra conhecer a vizinhança.
Ouvi dizer que tem um terreno baldio, cheio de lixo e entulho a poucas casas daqui.
Dizem que é a Disney dos insetos.
DENGUISE – Ai, que tudo! Eu quero ir. (saem animadíssimos)

CENA II
(Entra o menino MANECO brincando de corrida, dirigindo um carro imaginário)

MANECO – E ele faz uma ultrapassagem espetacular, faz uma curva a 300 por hora,
encontra alguns carros pela frente, faz mais uma ultrapassagem (desvia de lixo), uma
curva para a esquerda, outra ultrapassagem (desvia do pratinho do cachorro) acelera
ainda mais, uma curva para a direita, mais uma pra direita, outra pra esquerda, dá um
giro 360º, entra na reta final, agora ninguém segura mais, já vê a bandeira quadriculada
lá na frente, agitando, a torcida vai à loucura... Continua acelerando, 480... 495... 520
por hora! Vem mais rápido que um foguete! Vem pra conquistar mais uma vitória
incrível... É ele, Manecooooo! O piloto mais rápido do mundo... e do Brasil também!
(pára um pouco, senta) Ufa. Até cansei. (mudando de tom) Poxa, o Pedrinho está
demorando demais. Ele disse que depois do almoço passava aqui pra gente brincar e
até agora nada. Será que a mãe dele não deixou? Também, a mãe dele é mó chata,
toda certinha, toda cheia de coisinha. Deve ta fazendo lição. Ou ajudando ela varrer a
calçada, não sei porque as mães ficam fazendo a gente ajudar nas coisas. Criança não
tem que ajudar fazer nada não, criança tem só que brincar.
PEDRINHO – (um boneco, entra e fica na cerca) E aí, Maneco?
MANECO – Ah, finalmente apareceu a margarida né? Ficou de castigo?
PEDRINHO – Eu não, por quê?
MANECO – Demorou hem, achei que nem ia vir mais. To aqui já tem uma hora,
esperando você.
PEDRINHO – Ow exagero hem!
MANECO – Que exagero que nada! Já está quase de noite!
PEDRINHO – Só se for na sua terra! A gente acabou de almoçar, Maneco. É que eu
estava...
MANECO – Já sei! Estava ajudando sua mãe fazer não sei o que lá...
PEDRINHO – É, combinamos que hoje a gente ia fazer uma limpeza no quintal.
MANECO – Ihh, que coisa chata! Que tanto fica limpando, limpando. Pelo menos ela
deixou você brincar um pouco.
PEDRINHO – Deixou sim. Mas não posso demorar muito porque quando meu pai
chegar do trabalho, vou ajudar a limpar a calha do telhado.
MANECO – Olha aí! Não to falando? Tudo é limpar, tudo é arrumar. Não bastava a sua
mãe, agora tem que ajudar o seu pai também?
PEDRINHO – E o que que tem? Eu gosto!
MANECO – Por isso você é todo certinho também. Todo arrumadinho, todo
engomadinho... Na escola, o material é todo certinho, caderno encapado, sem orelha
nas folhas... Não tem livro rabiscado, não tem borracha mordida, não tem tampinha de
caneta mastigada... Tira até nota boa! Parece uma menininha!
PEDRINHO – Como assim? Isso não tem nada a ver! Ser organizado e ajudar as
pessoas não é coisa de menina. Responsabilidade é pra todo mundo.
MANECO – Ah, pronto! Parece minha mãe falando. Melhor parar com esse papinho e
começar a brincar logo senão a gente vai ficar aqui até amanhã falando das suas
qualidades de bom moço. Vai, pula pra cá e vamos brincar de super-herói.
PEDRINHO – (olhando, hesitando) É sério? Pra brincar nessa bagunça que está o seu
quintal tem que ser herói mesmo! Tem nem espaço.
MANECO – Ihh, lá vem. Como não tem espaço, Pedrinho? Por acaso você é elefante?
Olha quanto espaço aqui.
PEDRINHO – Só to vendo um monte de lixo e coisas jogadas. Podia pelo menos dar
uma limpada nisso.
MANECO – Ah, mas você não tem jeito mesmo, né Pedrinho? De novo esse papo!
Sabe o que eu acho? Eu to começando a desconfiar que você não é o Pedrinho! Isso
mesmo! Você é a sua mãe!
PEDRINHO – Ficou maluco de vez, coitado...
MANECO – Maluco nada! Eu acho que os alienígenas raptaram vocês dois e fizeram
uma experiência na nave deles e trocou vocês dois de corpo! É isso! Sua mãe está no
seu corpo. E você, quer dizer, o Pedrinho de verdade ta lá na sua casa, de avental
lavando a louça e passando roupa!
PEDRINHO – Deixa disso, Maneco! Acho que a experiência dos alienígenas foi com
você. Trocaram seu cérebro com o cérebro de uma minhoca. Eu estou falando sério! É
um perigo tanto lixo assim dando sopa no quintal. Isso pode juntar água e virar
criadouro pro mosquito da dengue.
MANECO – Agora falou o doutor Dráuzio Varela. Perdi até a vontade de brincar...
PEDRINHO – É verdade, tem que dar um jeito nisso. Por que não ajuda sua mãe a
limpar o quintal? Ou limpa com o seu pai.
MANECO – Ih, qual é! Não vou ficar fazendo faxina na hora de brincar não. Eu quero é
curtir, me divertir. Eu vi uma vez na TV que a infância passa ó... (faz gesto) num piscar
de olhos! (dramático) Quando vê, você já não é mais criança, já é pré adolescente – e
eu nem sei o que é pré adolescente – e quando menos espera, acorda e já é
adolescente fazendo dancinha no tik tok. É o fim!
PEDRINHO – Maneco, você ta fazendo teatro?
MANECO – Eu não, por quê?
PEDRINHO – Nada não, só pra saber...
MANECO – Além do que, meu pai sai pra trabalhar cedinho e chega já quase de noite,
aí ta cansado e só quer saber de ver TV. Minha mãe também passa o dia na correria,
limpando a casa, fazendo almoço, lavando a louça, lavando roupa, passando a roupa,
fazendo a janta, lavando a louça, essas coisas de mãe.
PEDRINHO – Por isso mesmo, você podia ajudar um pouco! Limpar o quintal é super
simples. Além de ficar bem mais agradável.
MANECO – Você não desiste mesmo, né? Não vou limpar nada não, tá bom do jeito
que tá.
PEDRINHO – Tá bom coisa nenhuma! Eu que não vou ficar aí no meio dessa bagunça.
MANECO – Ah, qual é Pedrinho! Sabe aquela frase que a mãe da gente fala quando
chega visita? “Entra, mas não repare a bagunça?” Então, é só entrar e não reparar a
bagunça. Afinal, você é visita!
PEDRINHO – Você é mesmo uma figura, hem Maneco! Não é só pela bagunça, eu to
falando que é perigoso juntar mosquito da dengue aí nessa sujeira. Olha só: vasinho de
planta com pratinho cheio de água, caixa d’água destampada... Olha o tanto de
garrafas com boca pra cima!
MANECO – E o que é que tem?
PEDRINHO – Tem muita coisa! Você não vê os noticiários? O mosquito da dengue só
precisa de um cantinho assim pra procriar. Não soube do senhorzinho da rua de baixo
que pegou dengue e quase morreu? Tudo por causa de uma tampinha!
MANECO – Como assim, de uma tampinha?
PEDRINHO – O quintal dele tava limpinho, mas alguém jogou uma tampinha... Aí
choveu e a tampinha ficou cheia d’água, então a fêmea do mosquito Aedes Egypti foi lá
e colocou ovinhos na água, e logo viraram larvas e depois mosquitos, que picaram ele
e quase bateu as botas!
MENECO – Vai ver ele já tava doente de outra coisa! É só um mosquitinho!
PEDRINHO – É um mosquitinho mas é muito perigoso. É o transmissor da dengue,
zika vírus e da chikungunya Pode até matar.
MANECO – Eu nem sei quem é esse Chico Cunha!
PEDRINHO – Não é Chico Cunha, Maneco! É chikungunya!
MANECO – Não sei por que tanto medo. Parece um fracote! Ou melhor, parece um
frangote, com medo de um mosquitinho que a gente nem consegue enxergar direito!
(imitando frango) Pó, pó, pó, pó... Frangote... Frangote...
PEDRINHO – E você parece um Zé Mané! Não leva nada a sério!
MANECO – Eu não sou Zé Mané!
PEDRINHO – Pois está parecendo! Ta agindo igualzinho um Zé Mané!
MANECO – Zé Mané coisa nenhuma! Eu sou o Maneco. Ma-ne-co!
PEDRINHO – Então, Ma-ne-co, da um jeito de limpar seu quintal que isso aqui é um
perigo pra toda a vizinhança, ta legal? E quer saber? Eu só volto aqui quando estiver
tudo limpinho! Não sou super-herói pra me arriscar nesse criadouro de mosquito!
MANECO – Qualquer dia minha mãe limpa! Ah, qual é, Pedrinho, eu só estava
brincando! Volta aqui, para de ser chato! Volta! (saem)

CENA III

(Denguise e Dengoso entram pelo outro lado, meio escondidos)

DENGUISE – Ai, ai, ai, isso é muito preocupante, meu dengo. Muito preocupante!
DENGOSO – Sim, minha dengucha! Esse menino quase pisou na gente!
DENGUISE – Não é disso que estou falando! Esse tal Ma-ne-co não me preocupa, ele
é mesmo um Zé Mané. O outro sim. O amiguinho dele. Aquele lá temos que ficar de
olho!
DENGOSO – Por que, minha mosquitinha?
DENGUISE – Porque ele é esperto! E eu não gosto de criança esperta. Não viu como
ele ficou falando mal da gente pro amigo dele?
DENGOSO – São calúnias! Deixa ele pra lá! Ele nem fica aqui.
DENGUISE – Mas ele já percebeu como tá bagunçado o quintal do amiguinho e ficou
dando conselhos, parecendo um Agente de Endemias da Prefeitura Municipal. Falando
que não pode deixar acumular água, tirar lixo essas coisas.
DENGOSO – Vamos deixar esse moleque enxerido pra lá. Você não viu que ele até foi
embora porque não queria brincar no quintal sujo?
DENGUISE – Mas é exatamente esse o problema! Ele ta começando botar
caraminholas na cabeça desse amiguinho dele. Querendo fazer o Maneco limpar o
quintal. Já imaginou a tragédia, se isso acontecer? Vai acabar com nossa felicidade!
DENGOSO – Não sei não. O Maneco é muito bobalhão, além de preguiçoso. Não vai
querer limpar nada. Mais fácil ele arranjar outro amigo pra brincar, do que ter que botar
a mão na massa e limpar tudo por aqui.
DENGUISE – Não sei, não sei... Ainda tenho minhas dúvidas. Só sei que aquele
menino não é boa influência, não é boa companhia. Vai atrapalhar todos nossos
planos. Temos que pensar em algo urgente.
DENGOSO – Mas em quê? Podemos descobrir onde ele mora e ir lá dar uma picada
nele e neutralizar o inimigo de uma vez!
DENGUISE – É muito arriscado! Deve ser do tipo que a família toda é bem informada,
que cuidam da casa, tudo limpo, sem dar chance pra gente.
DENGOSO – Bom, então é só torcer pra ele não vir brincar mais com o Maneco. Ele
fica na dele e a gente fica em paz por aqui.
DENGUISE – Ele não parece do tipo que desiste fácil. Se bobear, ele aparece aqui
com o fumacê e tudo! Aí já era!
DENGOSO - Não! O fumacê não! Tudo menos isso! (tem um ataque de pânico, falta de
ar)
DENGUISE – Desculpe, meu dengo! Eu não quis dizer isso! Vai ficar tudo bem, se
acalme! Isso, respira... respira...
DENGOSO – Nem gosto de lembrar dessa máquina de extermínio em massa! Até
parece que foi ontem! Eu tinha acabado de me transformar de larva em um pequenino
mosquitinho. Estava toda a família reunida no fim da tarde: papai, mamãe, eu e meus
186 irmãozinhos, quando ouvimos um barulho, cada vez mais alto, se aproximando
cada vez mais, até que o barulho ficou ensurdecedor e uma nuvem de fumaça tomou
conta de todo o pneu velho no quintal onde morávamos. Foi terrível. Só eu sobrevivi
pra contar a história. Não desejo isso a ninguém. E só em ouvir falar nesse fumacê que
passam nas casas, já me ataca os nervos, me da um piripaque, um faniquito, um
chilique, um tremelique, um siricotico, uma síncope... um...
DENGUISE – Calma, Dengoso, já passou, fique calminho. Pronto, passou!

MÚSICA (PARÓDIA BALANCÊ)

Ô fumacê, fumacê
Quero acabar com você
A sua fumaça, vai me enlouquecer
Ô fumacê, fumacê

Quando por mim você passa


Me dá um chilique, não quero nem ver
Meu coração quase se despedaça
Só faz a gente sofrer!

Ô fumacê, fumacê
Quero acabar com você
A sua fumaça, vai me enlouquecer
Ô fumacê, fumacê

Você é uma armadilha


Chega me dar um AVC
E por isso toda nossa família
Detesta tanto você

Ô fumacê, fumacê
Quero acabar com você
A sua fumaça, vai me enlouquecer
Ô fumacê, fumacê

Eu passo a vida pensando


Em como acabar você
E o tempo passa e vai nos matando
Não conseguimos vencer!

Ô fumacê, fumacê
Quero acabar com você
A sua fumaça, vai me enlouquecer
Ô fumacê, fumacê

(Barulho de sirene)
DENGOSO – Já estou melhor, estou até mais animado. Não precisava chamar a
ambulância minha mosquitinha dengosa.
DENGUISE – (intrigada) Mas não chamei ambulância nenhuma! (solta o Dengoso, que
estava apoiado a ela e cai espalhafatoso) Fica aí que já volto, vou ver o que está
acontecendo. Adoro uma fofoca de vizinhança! (sai)
DENGOSO – Não me deixa sozinho aqui! Mosquitinha... (tendo outro ataque) Acho que
vai me dar outro piti, outro chilique, já estou sentindo uma zonzeira, faltando o ar, uma
vertigem, uma palpitação diferente, um esmorecimento, um tangolomango... (quase
desmaiando) visão turva, um treco...
DENGUISE – Dengoso do céu!
DENGOSO – (tomando um susto) Ai, quer me matar do coração, criatura?
DENGUISE – Desculpe, desculpe... Você não vai acreditar!
DENGOSO – Que aconteceu? O fumacê está voltando? Eu sabia! Está tudo acabado,
Ai, é o fim... o fim da picada chega pra todos!
DENGUISE – Que fim da picada, que nada! Para de dizer bobagens, mosquito doido! A
mãe do Maneco foi levada pro hospital. Disseram que estava com dor de cabeça, dor
no fundo dos olhos, dor no corpo, falta de apetite, febre altíssima e...
DENGOSO – Deixe eu adivinhar: manchinhas vermelhas pelo corpo...
DENGUISE – Exatamente! E sabe o que isso quer dizer? Sabe o que quer dizer?
DENGOSO E DENGUISE – Dengue!
DENGUISE – Pois é! Algum mosquitinho espertinho passou por aqui antes da gente.

MÚSICA (PARÓDIA BIQUINI DE BOLINHA)

Dona Maria vivia ocupada


Nem conseguia limpar seu quintal
Até que um dia levou uma picada
A coitadinha ficou muito mal

Ai, ai, ai, foi parar no hospital!

Era um mosquito de listrinha branquinha tão pequenininho


Que picou a Dona Maria
Um mosquito de listrinha branquinha tão pequenininho
Que na água parada vivia

Água parada, mas que maravilha


Num pneu velho é muito legal
Da pra morar toda a nossa família
Fazendo a festa por todo o quintal

Ai, ai, ai, isso é sensacional!

Era um mosquito de listrinha branquinha tão pequenininho


Que picou a Dona Maria
Um mosquito de listrinha branquinha tão pequenininho
Que na água parada vivia

DENGUISE – Isso é tão emocionante!


DENGOSO – Da pra ver que nossa espécie está bem unida! Ainda mais agora nesse
tempo de chuva e calor, dá pra criar ainda mais mosquitinhos.
DENGUISE – Um dia ainda vamos dominar o mundo! Vamos ter o planeta todo só pra
gente!
DENGOSO – E tudo graças às pessoas descuidadas, igual o menino Maneco.
DENGUISE – Vamos lá, meu dengo, vamos saber mais notícias da vizinhança. Vem,
vem, vem! Todos devem estar apavorados! Ai, que emoção! (saem empolgados)
CENA IV

(Entra o Maneco, chorando e fica em um canto. Logo aparece o Pedrinho)

MANECO – Foi tudo culpa minha! Tudo minha culpa!


PEDRINHO - (chamando em off) Maneco! Maneco, cadê você? Ah finalmente te achei!
MANECO – Vai embora, Pedrinho, não quero conversar com ninguém.
PEDRINHO – Que embora nada! Eu tava te procurando faz um tempão. Vi a
ambulância saindo da sua casa, vim correndo pra saber o que aconteceu.
MANECO – O que aconteceu, Pedrinho? O que aconteceu é que você tinha razão, eu
sou mesmo um Zé Mané! Foi por minha culpa... (chora)
PEDRINHO – Calma, garoto! Respira! Isso, respira fundo. Limpa o ranho! Isso... Agora
me conta, com calma.
MANECO – Aconteceu que ... (fala chorando de forma que não se entenda nada)
PEDRINHO – Calma, vamos tentar de novo. Não entendi bulhufas!
MANECO – Mas eu não disse bulhufas! Eu disse que... (novamente chora e fala de
forma incompreensível)
PEDRINHO – Ok, tô vendo que vai ser mais difícil do que imaginei. Calminha aí, meu
chapa. Vai, respira. Inspira... expira... inspira... expira... Inspira pelo nariz, de forma
profunda, lenta e ritmada, oxigenando e energizando o corpo físico. Agora exala mais
lentamente ainda também pelo nariz, otimizando a liberação de gás carbônico e
gerando sensação de bem-estar e relaxamento. (pausa) Solta o ar! Tá mais calmo?
MANECO – Tô. É yoga?
PEDRINHO – É. viu como funciona? Agora me conta.
MANECO – É que minha mãe tava lá... aí... (novamente o choro e narrativa confusa)
PEDRINHO – Ah, não! Já chega. Assim não dá. Seja homem! Engole o choro.
MANECO – Mas eu sou criança!
PEDRINHO – Então seja uma criança forte! Criança molenga não vira super-herói.
MANECO – Eu não sou forte, não, Pedrinho. Além de tudo sou o maior Zé Mané aqui
do bairro! E o pior é que você ainda tentou me alertar! Falou do perigo de deixar o
quintal sujo e eu nem liguei, até fiquei te zoando. Acontece que minha mãe tava meio
doente, esses dias. Com dor de cabeça, disse que estava com dor no corpo, deu até
febre. Aí tomou um remédio que tinha lá e disse que ia ficar boa logo. Que era uma dor
de cabeça à toa...
PEDRINHO – Nem procurou um médico?
MANECO – Não. Achou que ia resolver.
PEDRINHO – Mas isso é um perigo, Maneco. Não pode ficar tomando remédio sem
saber o que tem. Tem que correr e procurar um médico no postinho de saúde. Ele que
vai passar o medicamento certo.
MANECO – É, agora eu sei que com saúde, não se brinca!
PEDRINHO – Mas e então?
MANECO – Então que hoje ela piorou um pouco mais. Minha tia que veio fazer o
almoço. Ela estava sem apetite, dor no fundo dos olhos e tinha umas manchinhas no
corpo dela.
PEDRINHO – Manchas vermelhas?
MANECO – Isso mesmo! Foi aí que minha tia percebeu que ela estava com...
PEDRINHO E MANECO – Dengue!
MANECO – Aí foi essa correria que você viu. Minha tia chamou a ambulância, os
vizinhos correram pra acudir, ligaram no trabalho do meu pai e ele vai direto pro
hospital pra ficar com ela. Como sou criança, tenho que ficar aqui. (pausa) Vai,
Pedrinho. Pode falar, sou um Zé Mané mesmo!
PEDRINHO – Não é hora pra isso, Maneco! O importante é que ela foi levada ao
hospital, lá vão poder cuidar direitinho dela pra se recuperar logo.
MANECO – E isso foi culpa minha, eu podia ter evitado!
PEDRINHO – Não vai adiantar nada ficar aí se culpando, Maneco! Muita gente acaba
mesmo se descuidando e levando a pior na luta contra o mosquito Aedes Egypti. E é
muito importante ficar atento aos sintomas! Se liga aí, que vou mandar a real!

MÚSICA (SAI DESSA ZIKA - ANDRÉ ABUJAMRA E XIS)

Se você está sentindo dor no corpo


Febre, enjoo e dor nos olhos
Se você tem manchas no corpo inteiro
Então você está com sintomas
Da zika ou dengue
Da dengue ou zika
Da chikungunya
Da zika ou dengue
Da dengue ou zika
Da chikungunya
Procure um médico para saber
Procure uma unidade de saúde
Não se automedique
Não se automedique
Atenção! Sintoma da zika é perigoso
Tu vai pra cama mais cedo e não vai achar isso gostoso
Cuide bem da mamãe, do papai e do idoso
Faça a sua parte pra tudo ficar maravilhoso
O vírus pode te deixar doente, mas você sabe qual é a solução?
Cuide bem da sua casa, sua família, sua geração
Sentiu dor, febre, mancha no corpo, uma dor estranha?
Procure um médico, procure logo e a batalha estará ganha
Da zika ou dengue
Da dengue ou zika
Da chikungunya
Da zika ou dengue
Da dengue ou zika
Da chikungunya

MANECO – Mandou bem Pedrinho! Agora eu saquei a parada!


PEDRINHO – A informação é uma arma muito importante contra o mosquito. Por isso
todos nós temos que juntar forças pra acabar de vez com ele!
MANECO – Mas acabar como, Pedrinho? Se um mosquito deste tamaninho, manda a
gente pro hospital?
PEDRINHO - Já sei o que fazer. Vem comigo, vamos passar repelente e preparar um
plano de contra-ataque pra esses mosquitos danados. Somos mais fortes que eles.
MANECO – E com certeza mais espertos também.
PEDRINHO – Isso aí, está na hora de virar um super-herói de verdade! Vamos!
MANECO – Vamos, mas primeiro vou colocar meu traje! (pega uma toalha vermelha
estendida no varal e coloca nos ombros, pega um capacete de skate e cotoveleiras e
coloca) Pronto!
PEDRINHO – Vamos nessa! Os mosquitos que se cuidem! (saem enquanto repete o
refrão final da música)
CENA V

(Entram Denguise e Dengoso, animadíssimos)

DENGUISE – Nossa, que fuzuê que virou essa rua! Parece que a cidade toda está em
polvorosa!
DENGOSO – Fazia tempo que não via tanta movimentação, tanta correria assim!
DENGUISE – A verdade é que isso tá ficando cada vez mais divertido! Um corre pra lá,
outro corre pra cá.
DENGOSO – Outros perdidos no meio da muvuca parecendo barata tonta.
DENGUISE – Todo mundo mais perdido que mosquito no meio do fumacê! (percebe
Dengoso atônito) Desculpe, meu dengo. Foi só uma piadinha!
DENGOSO – Piada de mau gosto, minha dengosinha! Piada de muito mau gosto! Sabe
que chega dar uma palpitação!
DENGUISE – Com esse calor, não vai ter pra ninguém! Com os mosquitos da
dengue...
DENGUISE E DENGOSO – O verão é nota cem!
DENGUISE – Falando em povo perdido, onde se meteram os dois pivetes? Eu jurava
que estavam por aqui.
DENGOSO – Nem sei. Acho que o amiguinho chatonildo está consolando o Maneco,
aquele Zé Mané!
DENGUISE – Ele saiu da casa todo tristinho por causa da mãe dele. Coitado, fiquei até
com dó!
DENGOSO – Ow, que coraçãozinho bom que tem essa minha mosquitinha! Tem até
dozinha do serumaninho!
DENGUISE - Dó? Ah, tenha dó! É bom pra ele aprender uma lição. Deixar de ser bocó.
DENGOSO – Não é bocó, é Zé Mané!
DENGUISE – Ah é, assim ele aprende de uma vez, que nós somos o terror dos
quintais. Desde muito tempo atrás, fazendo o que já faziam nossos ancestrais...
DENGUISE E DENGOSO – Os egípcios!

MÚSICA (ODIOSO DO EGITO – ZECA BALEIRO)

O meu nome é Mosquito


O Odioso do Egito
O meu nome é Mosquito
O Odioso do Egito

Eu sou dengoso e perigoso


Minha picada é do mal
Pois eu transmito os três vírus
Como eu não tem igual
É zika, dengue e chikungunya
Com isso eu posso te derrubar
Tu não me pega com tua unha
Não adianta nem tentar
Eu vivo mesmo é no criadouro
Água da chuva, poça e vidro
Se não quiser que eu lhe coma o couro
Melhor é não deixar que eu saia vivo

O meu nome é Mosquito


O Odioso do Egito
O meu nome é Mosquito
O Odioso do Egito

Gosto de água parada


Que você deixa no quintal
Basta uma picadinha
E você vai ficar mal
Gosto de água parada
Que você deixa no quintal
Basta uma picadinha
E você vai pro hospital

O meu nome é Mosquito


O Odioso do Egito
O meu nome é Mosquito
O Odioso do Egito

(Vão saindo ao final da música. Ouve-se um barulho de motor “fumacê e uma fumaça
surgindo. Ouve-se gritos dos dois fora de cena)

DENGUISE – Nãããooo! Volta, Dengoso, volta. É uma armadilha.


DENGOSO – É o fumacê, minha mosquitinha! Corra, salve sua vida! É o fim, é o fim da
picada! Adeus, minha Denguise! Adeus!
DENGUISE – (entrando em cena, ficando a um canto, tentando se proteger) Não,
Dengoso! Não me deixe! Por quê? Por quê? Esse fumacê exterminou o meu dengo
dengo. O coitadinho não teve nenhuma chance! Ó, por que tanta crueldade? O que vou
fazer sozinha nesse mundo sem o meu Dengoso?
(Entram Maneco e Pedrinho, tapando o nariz e cantando: Denguise se esconde)
PEDRINHO – Corre, Maneco. Se proteja!

Não deixe água parada


Limpe todo o seu quintal
Não deixe ficar vivo
Quem te deixa assim tão mal
Não deixe água parada
Limpe todo o seu quintal
Não deixe ficar vivo
Quem te deixa assim tão mal

MANECO – É isso aí! Agora eu quero ver! Tava na hora de botar esses mosquitos pra
correr!
PEDRINHO – Não tem como escaparem!
MANECO – Que ótima ideia a sua, Pedrinho!
PEDRINHO – Lembrei que minha mãe tem o telefone da Vigilância Epidemiológica,
que é o setor da prefeitura responsável por fiscalizar, orientar e combater o mosquito
da dengue! Aí foi só ela ligar e mandaram o fumacê pra acabar com os focos da
dengue.
MANECO – Boa jogada!
PEDRINHO – Mas lembra que também temos que fazer nossa parte, como cidadãos.
MANECO – Com certeza! E agora aprendi a lição. Não podemos deixar nada no quintal
que acumule água, pra não virar criadouro do mosquito.
PEDRINHO – É isso aí, meu chapa! Aprendeu direitinho. Coloque as luvas e vamos dar
um jeito nesse quintal! Mosquito da dengue vai passar longe daqui!

(Maneco coloca luvas de borracha, enquanto cantam, vai tirando água dos pratinhos
das plantas, do pratinho do cachorro, vira as garrafas, tampa a caixa d’água, vira o
pneu, joga o lixo e tampa o latão, etc)

MÚSICA (XÔ DENGUE – ALCIDE FILHO / COLAGEM DE VERSOS DA MÚSICA “NA


ESCOLA” – ARNALDO ANTUNES)

Xô, xô, xô dengue


Dengue, xô, xô
Xô, xô, xô dengue
Dengue, xô, xô

Nenhum mosquitinho vai entrar na minha casa,


Nenhum mosquitinho vai me aborrecer.
Todo mosquitinho por aí picando,
Pode ir embora se não vai ver.

Xô, xô, xô dengue


Dengue, xô, xô
Xô, xô, xô dengue
Dengue, xô, xô

É em toda água que estiver parada,


Que o mosquitinho pode aparecer.
Limpe e esvazie tudo com cuidado,
É só fazer isso para ninguém adoecer.

Xô, xô, xô dengue


Dengue, xô, xô
Xô, xô, xô dengue
Dengue, xô, xô

Tem água da chuva e tá parada na sarjeta


O mosquito não é besta, quer picar a sua testa
Tem vaso com pratinho e de areia vou encher
Aqui no meu quintal, não deixo a dengue aparecer

Xô, xô, xô dengue


Dengue, xô, xô
Xô, xô, xô dengue
Dengue, xô, xô

O lixo tá guardado, a caixa d’água eu vou tampar


Sem garrafa e copo d’água, eu não deixo acumular
Sou herói da minha casa e vou cuidar do meu país
Vou mostrar pra todo mundo o valor de um aprendiz!

Xô, xô, xô dengue


Dengue, xô, xô
Xô, xô, xô dengue
Dengue, xô, xô

(Enquanto cantam a música, Denguise vai tentando de esconder. A cada vez que
Maneco vai na direção dela para “limpar” algo onde ela está, ela foge assustada e
procura outro canto. No último refrão, ela sai “derrotada”, com sua trouxinha e vai
embora, Maneco faz gestos de espantar e conduzindo até sair de cena)

PEDRINHO - É o fim da picada pra esses mosquitos!


MANECO – Aqui, não mosquitão! Ufa! Deu trabalho, mas conseguimos! Tudo limpinho,
agora dá até pra gente brincar!
PEDRINHO – Da sim, mas vai ficar pra outro dia! Tá quase no horário de visita lá no
hospital.
MANECO – Verdade! Eu tinha esquecido! Minha tia falou que vai me levar!
VOZ DA TIA EM OFF – Maneco, vem tomar banho pra gente não atrasar!
MANECO – Ih, olha ela chamando! (para fora) Já vou, tia! Valeu por me ajudar e ficar
do meu lado, Pedrinho. Prometo não ser mais um Zé Mané.
PEDRINHO – Que isso, Maneco. Amigo é pra isso mesmo! Pode contar sempre
comigo!
MANECO – Valeu!
PEDRINHO – Agora corre e vai se arrumar! Vai lá dar um abraço na mãe, você com
certeza é o super-herói dela!
MANECO – Vamos nessa! E obrigado de novo... (vão saindo)
PEDRINHO - (já fora de cena) Ah, e pra não perder o costume...
MANECO - (também fora de cena) O que foi?
PEDRINHO – Se cuida, Zé Mané!
MANECO – (voz sumindo) Pode deixar! Valeu!

(Música triste, entra Denguise com sua trouxinha, cabisbaixa, suspira, para no centro
do palco)
DENGUISE – Que triste fim para uma mosquitinha dengosa. O que será de mim? Sem
o meu Dengoso, sem ter onde viver, todos amigos exterminados pelo terrível fumacê...
E agora, o que fazer? (vai saindo, para novamente e fala ao público) Ei, será que
algum serumaninho aí tem um quintal bem sujinho pra eu viver?

(Entra novamente a música Xô Dengue, voltam os personagens para os


agradecimentos finais)

Você também pode gostar