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Resumo: A partir da década de 1930 no Brasil, a migração interna tornou-se uma realidade
incentivada e financiada pela política migratória, com o objetivo de suprir os Estados do
Sudeste de mão- de - obra. Milhares de trabalhadores do Norte e Nordeste do país
migraram, sobretudo pra São Paulo em busca de trabalho. No entreposto dessa mobilidade
estava Montes Claros, MG. A cidade funcionava como local obrigatório de parada dos
migrantes, pois a mesma sediava um posto avançado da Inspetoria do Trabalhador
Migrante, onde era realizada por médicos uma triagem desses, uma vez aprovados eles
eram vacinados e precisavam aguardar alguns dias de quarentena na cidade. Além disso,
recebiam também alimentação, hospedagem e bilhete de passagem gratuito no Trem. Nesse
período, a cidade era ponta de trilhos, local de embarque e desembarque pra toda a região.
Por isso também atraia grandes contingentes pessoas que desejavam embarcar inclusive
para outros estados. Devido os critérios rigorosos adotados pela política migratória, grande
parte desses sujeitos ficava retida em Montes Claros. O objetivo da presente pesquisa é
analisar a atuação da política migratória desse período, e discutir como a mesma foi
responsável por gerar um contexto de controle da migração e exclusão e incertezas na vida
dos trabalhadores que tinham como intenção migrar, sobretudo para São Paulo. Nossa
discussão é fundamentada no estudo de fontes oriundas da imprensa, como o Jornal Gazeta
do Norte, que era o jornal em circulação na cidade na época. A Revista Observatório Econômico e
Financeiro, que tinha sede no Rio de Janeiro. A mesma foi localizada no endereço eletrônico
Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Percebemos que nesse período o número de migrantes
chegou a superar o quantitativo de habitantes da área urbana da cidade, que não passava de
8 mil. Enquanto os migrantes foram contabilizados até 12 mil.
1 Ocorreu uma pequena alteração no título do artigo, em relação àquele enviado no resumo, isso foi
necessário devido os ajustes que foram realizados na pesquisa no transcorrer do período da inscrição do
resumo no ano de 2020, ano esse que não ocorreu o evento.
sentido, Simone Narciso Lessa ainda esclarece que o trem de passageiros movimentou a
economia da cidade, assim como a mobilidade de pessoas.2
O incentivo da migração interna no Brasil a partir da década de 1930 é caracterizada
por Odair da Cruz Paiva da seguinte maneira: “A opção pela recepção de trabalhadores
nacionais implicou na emergência de um novo discurso que exaltasse as qualidades do
trabalhador nacional, ao mesmo tempo, que construía em São Paulo um polo atrativo para
esses trabalhadores”.3 O autor enfatiza também que: “A inserção de trabalhadores
migrantes nas atividades agrícolas em São Paulo entre os anos 1930 e 1950 pode ser
considerada o principal objetivo da política migratória do período”.45
Quanto à origem desses migrantes que chegavam em Montes Claros, eles eram do
Estado da Bahia, sobretudo da Chapada Diamantina e região central, assim como do norte
do Estado de Minas Gerais. A seguir consta uma breve descrição desses locais:
Percebe-se que essas são as localidades de maior predominância, mas isso não é
exclusivo, afluíam pessoas para Montes Claros também de diversas regiões do Brasil.
Desde que a migração interna passou a ser incentivada pelo governo brasileiro,
Montes Claros se tornou ponto de afluência e uma “cidade de triagem”. Inicialmente
sediava “bases” das empresas que arregimentavam trabalhadores para outros estados. As
incumbências eram divididas entre essas e o governo, como mostra o autor:
2004.
4 Ibid., p.105.
5 Sobre o tema da migração ver: BAENINGER, Rosana. Fases e faces da migração em São Paulo. Campinas:
7 PAIVA, Oldair da Cruz. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil moderno. Bauru, SP: EDSC,
2004, p. 123.
8 O OBSERVADOR Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, Ano IV, n. 47, fev. 1939ª, p. 55.
9 Sobre mobilidade de trabalhadores ver: TESSARI, Cláudia Alessandra; COSTA, Julio Cesar Zorzenon.
Ação estatal, negócios e migração inter-regional no Brasil (1935-1951). Economia e Sociedade, Campinas, v.
28, n. 2 (66), p. 513-540, maio-agosto 2019.
10 PAIVA, op. cit p. 117.
A seca de 1938 aggravou afluxo de imigrantes, não só pela intensidade
com que se manifestou, como pela extensão da área assolada, que desta
vez se estende do Norte de Minas até o extremo noroeste do país. Em
Pirapora e em Montes Claros, mantem o Estado de São Paulo dois
funcionários encarregados de fornecer passagem para os trabalhadores.
Esse serviço, suspenso em novembro de 1938, em virtudes de certas
duvidas surgidas quanto a sua legalidade, foi restabelecido em meados de
fevereiro de 1939, ao ficar plenamente esclarecida a questão. A
suspensão do fornecimento de passagem, como é obvio, agravou a
situação.11
Percebemos que diante das circunstancias, São Paulo não absolveria todo o
contingente de migrantes que chegavam a cidade. Além das “dysenteria” outras inúmeras
doenças, como: malária, Febre tifoide, tuberculose, tracoma, bócio e outras, atingiam a
população em mobilidade. Por esse motivo causavam a retenção dos trabalhadores na
cidade. Nesse sentido o Jornal da época afirmou que:
11 O OBSERVADOR Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, Ano IV, n. 47, fev. 1939ª, p. 55.
12 Ibid., p.55.
Os imprestáveis, os loucos, os portadores de moléstias contagiosas, os
cegos, os aleijados, os papudos, aqui ficam abandonados [...]. É uma
desigualdade revoltante auxiliar as pessoas fortes, e negar auxílio àquelas
que são necessitadas. É uma desumanidade abandonar nas ruas de uma
cidade, cegos, aleijados, tracomatôso, [tracôma], beócios, papudos e
outros doentes sem casa, sem abrigo, sem pão, quando podia
perfeitamente socorrê-los.13 (grifos do autor).
Desenvolvimento social, trabalho e exclusão dos “loucos improdutivos”. In: XAVIER, Elton Dias;
SANTOS, Gilmar dos (Orgs.). Desenvolvimento social em perspectiva. Belo Horizonte: Sografe, 2009.
especificamente os Vicentinos. Como é aludido a seguir: “Segregados do público os
mendigos, o povo deixará de dar-lhes, diretamente, as esmolas semanais passando a dá-las,
entretanto, ao dispensário que for organizado”.18 Essa estratégia atenderia as reclamações
dos moradores, que segundo a Gazeta do Norte se queixavam da presença dos pedintes
batendo nas suas portas esmolando ajuda, como foi informado: “Torna-se ainda um perigo
para a população porque na maioria dos mendigos são portadores de moléstias e vivem por
ahi, em contato com o povo e creanças”.19 A sugestão feita pela Gazeta do Norte foi
sempre com base no isolamento desses sujeitos, ou seja: “É preciso hospitalizar os que
requerem tratamento”.20 E uma das maneiras de legitimar essa ideia era tipifica-los sempre
como vagabundos, mendigos, loucos e doentes. A própria mídia explicita a sua atuação
política contrária à presença do migrante: “Iniciamos nessa coluna uma campanha contra a
desigualdade, contra essa intolerável seleção de proteger aos são e negar auxílio aos que
mais necessitam [...]”.21 22
Em suma, essa pesquisa ainda está em andamentos e são muitos os aspectos
possíveis de serem analisados, discutidos e compreendidos sobre esse período da historia
do Brasil que foi a era Vargas, com foco, sobretudo, a partir desse objeto de estudo, que é a
migração interna de trabalhadores. Esse é um contexto demonstra como os diversos
problemas sociais e econômicos que os trabalhadores enfrentaram foram potencializados.
Assim como surgiram novos desafios a serem confrontados, como a precarização das
condições de vida, sobretudo no intermédio desse percurso migratório, ou seja, durante o
trajeto, aliás, um tema pouco discutido na historiografia do mundo do trabalho.
18 Ibid., p.12.
19 Ibid., p.16.
20 Ibid., p.16.
21 Ibid., p.16.
22 Sobre o isolamento de migrantes ver: RIOS, Kênia Sousa Rios. Isolamento e poder: Fortaleza e os campos