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CONSENSO BRASILEIRO DE PSORÍASE 2009|SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA

CAPÍTULO 14
PSORÍASE E GRAVIDEZ

Ida Duarte 1

Colaboradores: Clarice Kobata 2


Roberta Buense Bedrikow 3

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

1 Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo


Responsável pelo Setor de Alergia e Fototerapia Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Mestre em Dermatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Doutora em Dermatologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e Associação Médica Brasileira

2 Médica assistente da Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo


Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e Associação Médica Brasileira

3 Médica assistente da Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo


Mestranda do Curso de Pós-Graduação da FMUSP
Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e Associação Médica Brasileira

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Introdução Assim sendo, na prática, é prudente a orientação para


Como o início da psoríase é comum antes dos 40 anos de o uso de corticosteroides em pequena quantidade e em peque-
idade, é costumeira a observação da psoríase durante a gravidez. nas áreas do corpo. Não se sabe também se os corticosteroides
A maioria das pacientes refere melhora da dermatose de uso tópico são excretados no leite materno. Recomenda-se
durante o período gestacional, principalmente, a partir do final a não utilização do corticoide próximo ao mamilo.
do primeiro trimestre. Em vários trabalhos publicados, obser- Derivados da Vitamina D – derivados sintéticos da
vou-se uma maior porcentagem de pacientes referindo melho- vitamina D levam à redução da proliferação dos queratinócitos
ra da psoríase quando comparadas àquelas com quadro inal- e apresentam função imunomoduladora. Anomalias no meta-
terado ou exacerbado na gestação. bolismo do cálcio e fósforo decorrentes do uso de tópicos dos
O controle da psoríase e de outras doenças inflamatórias, derivados da vitamina D ocorrem com doses acima de 100g
durante a gravidez parece ter influência hormonal. Hormônios pla- por semana. Pela falta de estudos adequados em humanos,
centários, estrógenos e progesterona estimulam a produção de subs- sua aplicação na gravidez está contraindicada.
tâncias, com capacidade de diminuir a inflamação, influenciando na Antralina – não existem informações a respeito do uso
resposta das células T e na proliferação de queratinócitos. da antralina durante a gravidez em mulheres e em modelos
A psoríase em si não afeta a fertilidade ou leva ao animais, e não há evidências de absorção sistêmica pelo uso
aborto ou parto prematuro. Entretanto, muitos tratamentos tópico do produto.
devem ser conduzidos com atenção, para que não haja um Coaltar – o uso tópico de coaltar pode levar a absor-
risco para a mãe e para o desenvolvimento do feto. Apesar de ção sistêmica de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e são
o conhecimento dos efeitos colaterais de algumas drogas, os potencialmente mutagênicos.
riscos de teratogenicidade de medicamentos tópicos e sistêmi- Ácido salicílico – é um anti-inflamatório não-esteroi-
cos não são bem definidos. dal, inibidor da prostaglandina sintetase, utilizado, com fre-
quência, no tratamento tópico da psoríase. O risco de absorção
Tratamento sistêmica, levando ao quadro de intoxicação pelo ácido salicí-
Os recursos terapêuticos para a psoríase, enquanto lico (salicilismo), está associado com níveis séricos de 200 a
período gestacional, são limitados. Por sorte, como já mencio- 400 μg/ml, o que raramente será atingido com os tratamen-
nado, mais de 50% das pacientes referem melhora da derma- tos convencionais pelo ácido salicílico. Embora exista o risco de
tose, durante esse período. malformações no feto de mães que tenham feito uso de salici-
Tratamento tópico: o risco de teratogenicidade existe latos orais, durante o primeiro trimestre, não existem dados a
se a exposição aos medicamentos tópicos for muito prolonga- respeito de teratogenicidade com o uso ácido salicílico tópico.
da ou se for aplicada em grandes extensões, a ponto de impli- As pacientes devem evitar o uso de ácido salicílico em grandes
car em uma absorção sistêmica. áreas e lembrar dos medicamentos tópicos que contenham
Corticoide tópico – o grau de absorção sistêmica do associação com ácido salicílico.
corticoide depende de vários fatores, como a sua potência, a Tacrolimo – não existem dados a respeito do uso tópi-
quantidade utilizada, o uso sob oclusão, o número de aplica- co e absorção sistêmica levando a malformações. Casos de
ções e o tempo prolongado de uso. O FDA considera os corticos- hipercalcemia neonatal, RN de baixo peso e prematuros já
teroides tópicos como risco C, na gravidez (sem estudos em foram relatados em pacientes que faziam uso de tacrolimo sis-
humanos, estudos em animais demonstrando risco para o feto). têmico.
Existem poucos estudos em humanos sobre o uso de Fototerapia – A PUVA terapia sistêmica não está indi-
corticoide tópico no período gestacional. Foi descrito a ocorrên- cada na gravidez, em decorrência, principalmente, do psoralê-
cia de retardo no crescimento intrauterino, associado ao uso de nico. Apesar de não se ter demonstrado a sua ação teratogê-
triamcinolona tópico em grande quantidade pela mãe. A asso- nica, não existem trabalhos que demonstrem segurança de uso
ciação do uso de corticosteroides tópicos com recém-nascidos nesse período. Nos casos com falta de opção terapêutica, a
com fenda labial e/ou palatina é discutível. Em animais, já foi PUVA pode ser utilizada a partir do segundo trimestre. A foto-
demonstrado anormalidades fetais. terapia com UVB de banda estreita (311nm) é uma das

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melhores opções de tratamento da psoríase durante o período gravidez. De 30 pacientes, 3 apresentaram recém-nascidos
gestacional. A dispensa de uso de psoralênicos e o controle com malformações em um estudo, assim como, em outras
adequado da dose a torna uma das terapêuticas mais seguras séries de estudos com 4, 32 e 10 gestantes, nenhuma delas
para a psoríase durante esse período. apresentou malformações nos recém-nascidos.
Etanercepte – os dados disponíveis a respeito do uso
Tratamento sistêmico do etanercepte são limitados. Em um estudo com 25 e outro
Metotrexato – seu uso na gravidez está contraindica- com 33 pacientes que receberam a droga durante o primeiro
do por ter ação teratogênica e ser indutora de aborto. A gravi- trimestre da gravidez, foi encontrado um caso de trissomia do
dez deve ser evitada até um ciclo menstrual completo após uso cromossomo 18 e um caso de malformação.
da droga em mulheres e, até três meses, após término de uso Adalimumabe – o risco de teratogenicidade, por essa
da droga em homens. droga é desconhecido, assim como, pelas outras drogas descri-
Retinoides – acitretina é o retinoide mais utilizado nos tas. Seis pacientes com artrite reumatoide e doença de Chron
pacientes com psoríase. Seu efeito adverso mais importante é tratados com adalimumabe durante a gravidez tiveram crian-
a teratogenicidade e, portanto, contraindicado durante a gra- ças saudáveis e a termo.
videz. Métodos anticoncepcionais devem ser iniciados 1 mês
antes do início do tratamento e se manter durante 3 anos após Impetigo Herpetiforme
o término do tratamento. Existe um tipo especial de psoríase que ocorre na gra-
Ciclosporina – é uma droga classe C pelo FDA. Apesar videz denominado impetigo herpetiforme ou por alguns auto-
de não existirem evidências de que seja uma droga mutagêni- res de psoríase pustulosa na gravidez. Este quadro foi descrito
ca nem teratogênica, não deve ser indicada como rotina na por Hebra, em 1872, e considerada uma doença específica da
gravidez e, no pós-parto, durante a amamentação. Estudos gravidez. Muitos autores conceituam o impetigo herpetiforme
demonstram que a taxa de anomalias congênitas encontrada como uma psoríase da gravidez na fase aguda pustulosa.
nos pacientes que fizeram uso de ciclosporina durante a gravi- Associado à dermatose, pode ocorrer insuficiência pla-
dez não é diferente da esperada numa população normal. centária, levando a anormalidades fetais e alteração de eletróli-
Em um estudo realizado, demonstrou-se que a ciclos- tos, caracterizada por hipocalcemia. Mulheres com impetigo her-
porina pode induzir alterações no desenvolvimento e matura- petiforme não têm história pessoal e/ou familiar de psoríase.
ção das células T em crianças que foram expostas à droga no Este quadro ocorre, no terceiro trimestre de gravidez, e
período pré-natal, mas que nenhuma delas mostrou evidên- persiste até o parto ou semanas após. Caracteriza-se, por erup-
cias clínicas de imunodeficiências. Existem casos de impetigo ção simétrica generalizada, com placas eritematosas com pús-
herpetiforme que foram tratados com ciclosporina durante a tulas nas margens das lesões. Lesões erosivas podem ocorrer
gravidez que resultaram em neonatos prematuros. em mucosas (boca, língua, esôfago). São descritas recorrên-
Biológicos – Essas drogas ultrapassam a barreira cias em gravidez subseqüente, com aumento da morbidade em
transplacentária e podem afetar o desenvolvimento do sistema cada gestação sucessiva. Os principais sintomas sistêmicos
imune da criança. Apesar de serem classificados como classe B associados ao quadro clínico são: febre, sudorese, diarreia,
e C pelo FDA não devem ser indicados durante a gestação, pois vômitos e tetania, por causa da hipocalcemia.
ainda não existem dados consistentes quanto ao risco de tera- Na histopatologia, observa-se quadro semelhante ao
togenicidade. da psoríase pustulosa, com pústulas estéreis espongiformes,
Efalizumabe – é um anticorpo monoclonal contra com neutrófilos que migram da derme para a epiderme. Na
CD11, classificada como classe C pelo FDA. Não existem dados derme papilar, observa-se infiltrado de linfócitos e neutrófilos.
publicados a respeito do uso do efalizumabe durante a gestação. Alterações laboratoriais incluem leucocitose, aumento
da velocidade de hemossedimentação e, ocasionalmente,
Infliximabe – Existem relatos de casos de pacientes hipocalcemia com diminuição da vitamina D, secundária a
que fizeram uso dessa droga durante o primeiro trimestre de hipoparatireoidismo.

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Conclusões ríase de média e grave intensidade, resistente a terapêutica


Terapêutica tópica deve ser realizada com os devidos tópica. A PUVA é opção para controle da doença a partir do
cuidados: observar extensão da doença, quantidade e tempo segundo trimestre. Ciclosporina pode ser utilizada com cuida-
de uso das medicações. do e em casos especiais, por ser considerada categoria C.
Corticoide sistêmico é a droga de escolha para o trata- Antibióticos sistêmicos devem ser associados quando existe
mento inicial de um quadro extenso. A fototerapia UVB de infecção secundária, e, nos casos de distúrbios hidroeletrolíti-
banda estreita é a primeira indicação para pacientes com pso- cos, a reposição deve ser realizada. 

REFERÊNCIAS
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