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Valor das questões: cada questão vale 2,5.

Peso da avaliação: 20%

Importante:

a) cuide bem da redação e do uso correto da língua portuguesa, pois esses elementos serão
avaliados nas ADs e APs;
b) casos de PLÁGIO serão penalizados com nota ZERO; em caso de dúvida, leia a cartilha
da UFF sobre plágio que está disponível em nossa sala de aula.

Responda às questões seguintes:

1. Como você poderia caracterizar a figura do herói na épica antiga?

A ideia de herói na épica antiga vai de encontro à ideia contemporânea do que seria um herói, tendo
se desenvolvido e mudado por milênios desde a civilização helênica. Em primeiro lugar, o herói é
um mortal à parte dos demais, superior mesmo, de maior excelência. Um dos motivos para isto é a
frequente ascendência divina do herói, Eneias era tido como filho de Afrodite com o mortal
Anquises, já Odisseu era tido como descendente de Hermes por seu avô materno, Autólico. Mas não
é apenas esta característica que coloca os heróis em destaque perante os outros mortais, o que define
a sua excelência seria a areté e, neste sentido, cada herói se diferencia não por uma excelência
absoluta, mas por uma capacidade singular; assim, Aquiles era o maior dos guerreiros aqueus, já
Odisseu era conhecido como “o de muitas vias” ou “de muitos modos”, por sua sagacidade lhe
proporcionar diferentes maneiras criativas de lidar com as adversidades. No entanto, independente
de suas habilidades particulares, todos os heróis compartilham uma característica: a piedade. A
piedade é a devida observância do culto aos deuses, o que envolve o respeito a essas figuras e o
oferecimento dos sacrifícios necessários; Eneias tendo sido a figura do mais piedoso dentre os
herois, seu principal traço. Vale apontar que a excelência de Aquiles não garantiu, no mito, que ele
sobrevivesse à Guerra de Troia, ao passo que a excelência de Odisseu, que lá também guerreou, o
permitiu superar múltiplas adversidades e alcançar de volta sua pátria. Ambos são recordados e seus
feitos reverenciados.
O que leva a outra característica do herói: são figuras lendárias de um tempo passado, sem
comprovação histórica, de origem mítica, distante de quem ouve sobre seus feitos na tradição oral
épica antiga; o herói não só não é tangível como é objeto de culto religioso, mas, diferente dos
deuses, seu culto é ligado a um local de origem, onde normalmente se faziam sacrifícios sobre suas
sepulturas. Essa memória do herói antigo homenageado com monumentos é um dos aspectos que
sobrevivem na concepção contemporânea de heroi, quando se erguem monumentos aos soldados
mortos em guerras, por exemplo.
Outro traço comum à figura antiga do herói é a ideia de timé. Esta está ligada à honra do
heroi e é talvez o aspecto mais conflitante com a concepção contemporânea de heroi; a timé é o
status social e a honra que materializam a areté. Isto inclui a maneira como ele é visto pelos outros
mortais e as recompensas, bem como honrarias, que angaria. Contraste completo com a figura
contemporânea de um herói que se sacrifica por um bem maior, pelos outros, não pela honra ou
pelos espólios. É difícil imaginar como alguém poderia ser tido como um herói contemporâneo ao
tomar para si mulheres como escravas após o saque de uma cidade, como teriam feito os heróis
antigos na Guerra de Troia.
Por fim, o herói épico antigo era hospitaleiro, ramificação da piedade que exigia que tratasse
bem os hóspedes e estrangeiros, lhe dessem descanso e o que comer antes de interrogar sobre suas
origens, sua pátria, seus negócios, seu passado e seus ancestrais. A Odisseia de Homero é talvez a
epopeia que mais bem exemplifica essa ética, à medida que Odisseu é recebido em diferentes terras
e por diferentes povos ao longo da narrativa. Pode-se apontar também a maneira como, nos mitos,
os deuses frequentemente se disfarçavam para ser recebidos por mortais.

2. Platão afirma que a escrita é um phármakon. O termo phármakon, em grego, tem um duplo
sentido. Quais são esses sentidos? Por que razões (positivas e negativas) Platão qualifica a escrita de
phármakon?

O termo phármakon pode ser vertido do grego tanto como remédio quanto como veneno, a
depender do contexto, na medida em que uma substância tida como curativa, mas administrada na
dose errada, pode fazer mal à saúde, enquanto um veneno pode ser vertido em antídoto, ou
apresentar outras características benéficas, na dose certa. Platão usa o termo justamente para
ponderar o que pode se enxergar como benefícios e malefícios da escrita, num contexto em que esta
ainda estava se consolidando na sociedade helênica. Usando uma parábola sobre o deus egípcio
Theuth, em seu diálogo Fedro, Platão atribui os benefícios da escrita a ciências como o cálculo e a
astronomia, mas censura o uso da escrita em si na medida em que ela poderia enfraquecer a
memória, sendo assim um phármakon, um veneno, para ela e não o remédio que à primeira vista
pode parecer. Assim, homens dependeriam da escrita e poderiam se dizer sábios sem de fato
possuírem o conhecimento em suas memórias, mas tendo sempre de ir à consulta. Dada a mudança
na sociedade de Platão, a escrita também representaria uma ameaça à cultura oral.
3. Explique o que é anacronismo e como ele pode impedir uma reta compreensão das diferentes
culturas antigas. Dê alguns exemplos de anacronismo.

O anacronismo está ligado à projeção das ideias e valores de alguém sobre sociedades e figuras de
outra época. Neste sentido, a anacronismo pode levar alguém a caracterizar um outro tempo sem
levar em conta o conhecimento disponível para aquela sociedade e os valores que a regiam, criando
uma visão demasiado distorcida e infiel aos fatos. Mesmo tendo em consideração que ninguém é
completamente isento de viés, que a neutralidade inexiste e que não é possível analisar a realidade
como uma entidade à parte dessa mesma realidade; na medida em que todos são formados,
consciente e inconscientemente, pelo espaço e pelo tempo em que se desenvolvem; mesmo com
essas ressalvas, seria um erro ativamente forçar seus valores a outras épocas e julgar suas culturas e
pessoas com base neles sem levar em conta seu contexto histórico. Exemplo disso seria avaliar os
feitos dos heróis da épica antiga baseando-se em uma moral contemporânea, tal dificultaria
compreender porque as histórias dessas figuras eram tão celebradas por seus povos de origem a
ponto de atravessarem os milênios sendo preservadas até hoje. Um outro exemplo seria subestimar
a inteligência de Platão em suas críticas à escrita, tendo em mente apenas o quão importante ela
viria a se tornar depois, mas sem levar em consideração como ela era algo relativamente novo e
ainda não completamente difundido com o potencial de abalar a dinâmica de uma sociedade de
forte tradição oral.

4. Redija um pequeno texto (mínimo de 10 linhas) explicando o que são fórmulas e como elas são
um indício da composição oral dos poemas homéricos.

Uma fórmula é um conjunto de palavras usadas repetidamente ao longo do poema sob as mesmas
condições métricas para expressar uma ideia específica. Dada a importância do metro na
composição oral, a repetição sob as mesmas condições métricas é o elemento que aponta para a
composição oral de Homero, na medida que permite ao poeta “encaixar” uma fórmula pronta na
parte que está compondo a fim de atender às necessidades da métrica, muitas vezes de improviso.
Assim, como comprovado por Milman Parry, os deuses e heróis em Homero possuem normalmente
um epíteto por posição métrica e caso gramatical, justamente pela versatilidade de serem
encaixados conforme a necessidade da métrica em certa passagem do poema. Ademais, sendo uma
arte oral, essa repetição dá um tom de musicalidade ao poema, bem como dá a oportunidade ao
poeta de pensar em versos originais que queira criar e introduzir no meio de uma declamação, na
medida que ele tem tempo de pensar nesses novos versos enquanto repete a fórmula conhecida. Por
fim, deve-se salientar como a repetição de fórmulas já conhecidas entre poemas carrega consigo
significados mais profundos que a plateia identifica de pronto, criando uma intertextualidade. Todos
esses aspectos representam marcas de uma tradição oral que usa a musicalidade do metro e a
repetição para guardar na memória longas composições passadas de pessoa para pessoa, sem o
emprego da escrita.

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