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Cartruco]

BREVE PANORAMA DAFILOSOFIA


NA HISTÓRIA

Não seria demais esclarecer que o presente capítulo


das concepções
não pretende oferecer uma visão completa
da filosofia ao longo do pensamento ocidental. Para isso,
mais modes-
existem as Histórias da filosofia. Seu propósito,
uma Introdução,
to, mas por outro lado mais de acordo com
é de iluminar, mediante alguns casos representativos,
a vi-
são de filosofia que se expôs e que se tornará mais explícita
e precisa em capítulos sucessivos.
Isso não equivale a excluir
não con-
do horizonte os modos de entender o filosofar que
foi esboçado. Ao contrário,
cordem com que até agora
o

através deles e talvez por contraste, tentar-se-á deixar


mais
de filosofia
clara a natureza do que caberia chamar-se pere

ne, que percorre toda a história


do pensamento, desde os
jônios até o momento atual.
Ademais, ao apresentar este breve panorama, acen-
do afa-
tuar-se-ão voluntariamente determinados aspectos
serão tra-
zer filosófico. deixando em segundo plano os que
tados nos capítulos sucessivos e, de maneira prioritária, no
capítulo 11.

1. Filosofia, mitos e religião


palavras de Heidegger que, de imediato, citaremos
AAs

pretendem pôr-nos em guarda na hora de


abordar tema
sentido mais próprio:
o
da origem histórica do filosofar em seu
a“ INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA 4s

quando, por que e como surgiu essa realidade que, ao longo tem relação como surgimento da filosofta, em
que, muito pelo
de
vinte e cinco séculos, foi qualificada como “filosofia”? contrário, a essência do relato consistia em comunicar-nos
Há muitas décadas, vêm-se afirmando que o nascimen- uma verdade de tão alto valor e transcendente às nossas
to da filosofia coincide, na sua essência, com a passagem do capacidades ordinárias, ou seja, tão sublime, que não cabia
mito ao logos ou, se é preferível, com a substituição do pri- expressá-la senão de maneira simbólica.
meiro pelo segundo. Heidegger, ao contrário, adverte
“Mythos e logos de nenhuma maneira entram reciprocamen-
te em conflito no âmbito da filosofia, como crê a historiogra-
Atendendo
a
essa característica, Pieper pôde afirmar
categoricamente: “Platão atribui sempre aos relatos míticos,
em sua acepção mais cabal, uma verdade incomparavelmen-
fia corrente (...). Pensar que o mythos foi destruído pelo lo- te válida, singularíssima e inatingível que está por cima de
80s é um prejuízo da historiografia e da filosofia toda dúvida”.
O assunto foi tratado com especial competência
por
Josef Pieper, atendendo de maneira prioritária o sentido dos b) Os autênticos mitos
mitos na filosofia de Platão, que sem dúvida, o autor em
que a relação entre um e outro é mais patente. Nas páginas objeto da presente epígrafe resulta bastante claro: o
O
que seguem, vamos expor algumas das idéias desse pensa-
dor alemão, uma vez que contrastaram com investigações
que se
acaba de afirmar sobre a “verdade” intocável dos mi-
tos só pode aplicar-se aos “verdadeiros” mitos, aos qualifi-
posteriores a respeito do mesmo problema, cados como mitos em sentido estrito.
Nem tudo o que costumamos nomear com este termo
a) O significado do termo em Platão merece entrar no âmbito dos autênticos mitos. Sem
Antes de qualquer coisa, é oportuno esclarecer o que ir mais longe e por mais que possa causar assombro, o tão
se entende por “mito” no presente contexto, que é o de sua conhecido “mito” da caverna, talvez a mais famosa das ale-
relação com o surgimento da filosofia. E, para fazê-lo, con-
vém revisar outros significados que talvez hoje sejam mais
gorias
a.
narradas nos Diálogos, ficaria excluída de tal catego-

usuais. Entre outros, para que algo possa receber a denomi-


Atualmente, vê-se a palavra “mito” como acompa- nação de mito em seu sentir mais próprio, é necessário que
nhada de uma conotação quase consubstancial, que não está cumpra com os dois requisitos seguintes:
conforme a acepção estrita, a que estávamos utilizando aci * Todos os legítimos mitos gozam de um significado
ma, Hoje, além de referir-se a algo em certo modo grandioso, religioso, porquanto expressam, a seu modo e no sentido mais
extraordinário, fora do comum e, às vezes, emblemático, os amplo da expressão, algo acerca das relações entre homens e
deuses, Qualquer narração que não inclua esses elementos,
mitos encerram um chamamento expresso ao utópico ou,
melhor ainda, a algo fantástico, irreal e, em definitivo, ca- por estar situada exclusivamente “dentro” do mundo em
rente de verdade, No presente, ao falar de um mito, costu-
mamos indicar uma história, mas dando a esse vocábulo o
que habitamos e
referida, por exemplo, ao comportamento
de um indivíduo na sociedade - como o famoso relato do
significado concreto com que o utilizamos em frases do esti- Anel de Giges - não pode ser reputada como mito genuíno:
lo: “não me venha com histórias, contos “As histórias míticas, em sua acepção mais própria, desdo-
ou fofocas".
Nas civilizações antigas e, mais concretamente, na bram-se (...) entre o 'aqui' e o 'ali', entre a esfera humana e
grega, o mito tinha também esse significado de conto, nai
ração mais ou menos poética, porém fabulosa. Junto a tudo
isso, dava-se também outra acepção ao termo, a única que osef. Sobre los mitos piarónicos, Barcelona: Herder, 1984, p. 19.
4“ INICIAÇÃO À FILOSOFIA AA FILOSOFIA NA HISTÓRIA E

a esfera divina. Tratam da ação dos deuses na medida em aparente ineficácia dos seus descobrimentos com as conquis-
que tal ação afeta o homem, e da ação dos homens enquan- tas inegáveis que oferecia à humanidade o que, desde en-
to se referem aos deuses”?, tão, chamou-se de ciências "exatas", “positivas”, "experi
Ademais, entendendo-o de forma ainda mais preci- mentais”, a filosofia sentiu como que vergonha de si mes-
+

Sa e sempre nesse contexto deuses-criaturas, o mito costu- ma. Ante tais contrastes, mais aparentes e superficiais que
mma estar referido às
origens ou ao destino final do homem ou reais, alguns filósofos se propuseram a construir uma fito-
do conjunto do universo. Caso levemos em conta esta sofia inédita que pudesse competir em eficiência e rigor com
segun-
da condição, essencial para a constituição do mito, os esses outros saberes. Para alcançá-lo, foram tomando, como
ficam na obra de Platão, entre a multidão de fábulas, em
que
que modelo justo, as ciências que, em um momento concreto,
nelas tais mitos nos são apresentados, resultam relativamente estavam mais em voga: a matemática, a física newtoniana,
Poucos, À saber, “a história referida em Timeu, em torno da a sociologia e a psicologia.
criação do mundo;
originária e a queda do
o
relato do Banquete acerca da forma
homem, latente no discurso de Aris-
O resultado final de tal processo, em que haveria de
incluir não poucas exceções, foi a elevação da "verdade ci.
tófanes; e, antes de tudo, também os
mitos escatológicos
sobre o outro mundo, o juízo e o destino dos mortos, os quais
entífica” a exclusivo saber autêntico, junto com a elimina-
ção de outros tipos de conhecimento, entre os quais consta
aparecem no final do Górgias, da República e do Fédon"?, vam a filosofia e a teologia. Esses últimos deixaram de ser
considerados como modos válidos de chegar à realidade,
consequência, ao relacionar os mitos com o surgir
a
Em
da
filosofia, referimo-nos de forma excludenteàs narrações que sendo que passaram ser conceituados como opiniões, pos-
preenchem as duas condições acima mencionadas. Os rela- turas subjetivas e não comunicáveis, fantasias com mais ou
tos alheios a semelhante contexto afastariam nossa análise menos influxo na própria vida, mas em nenhum caso como
da autêntica natureza do problema que se tenta decifrar. conhecimento fidedigno, como “verdade”, Aquilo que não
tivesse o aval de um estrito e correto rigor lógico e/ou não
fosse suscetível de comprovação experimental, deixaria de
€) A verdade dos mitos existir como procedimento aceitável para conhecer o mun-
do e atuar sobre ele e para reger a própria existência.
Estando já situados na esfera dos autênticos mitos, Ante o ocorrido nos melhores momentos do saber clás-
imediatamente surge uma pergunta: em que sentido cabe
sico, nos quais cada realidade determinava o procedimento
atribuir-lhes o valor de verdade? Ou, jogando um pouco com
mais apto para chegar a ela, acabou por consolidar-se a idéia
as palavras: por que e até que limite lícito sustentar que os de que, para conhecer, existia um único método válido, o
verdadeiros mitos" são “mitos verdadeiros”, capazes de
comunicar uma verdade? que se dava já quando sec tratasse de elevar-se até Deus, ou
Também neste extremo, com o desenvolvimento da penetrar na alma humana, descrever o mapa dos nossos
filosofia e da cultura nos últimos séculos, embaralhou-se um sentimentos, analisar a linguagem, classificar as espécies
animais e vegetais, medir e quantificar a energia etc. Junto
Pouco a questão, tornando mais problemática a resposta. É à chamada "verdade científica”, dava-se uma única possibi-
sabido por todos que, há alguns séculos, ao comparar a
lidade, a do falso ou, pelo menos, “in-significante” a partir
do ponto de vista cognitivo. E como a ciência lógico-expe-
rimental só pode aplicar-se comrigor a determinados âm-
2. bidem. pp, 19-20. bitos do corpóreo, ao exceder esse domínio, terminou por
3: Teidemn, p. 28, declarar-se incognoscível.
4s INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA 4
Tudo isso tem muita relação com
se vem dando desde
a a
interpretação que
filosofia clássica e, de maneira muito
particular, com a questão que agora nos ocupa, Como lem-
de que, em
verdadeira”,
tais histórias, afirma-se algo de forma intangível

Em outras palavras, quando nos referimos à verdade


bra Pieper, “o beco sem saída desse racionalismo está «losmitos escatológicos, como quando falamos hoje da poe-
em que,
para ele, não parece dar-se mais que a simples fantasia fora sia mais profunda e genuína e de outras manifestações do
da “afirmação clentífica', e não uma terceira realidade, que espírito humano, defrontamo-nos com "a verdade da lingu:
não seja nem uma coisa nem a outra, como é hem simbólica" e não com a despida e inflexível verdade
por exemplo o
mito”, lógica”; contudo, isto não impede que se trate “abertamente
Porém, as aquisições mais interessantes do de uma verdade”. Segundo exemplifica de novo Pieper, “até
pensamen-
to contemporâneo facilitam
a
concepção do mito genuíno
enquanto realidade dotada de verdade. Com efeito, os es-
4
exposição mais ortodoxa das parábolas bíblicas (o banquete
das bodas, a vinha, a figueira etc.) devem dizer o mesmo”
quemas de certa escolástica e de boa parte da modernidade que afirmamos ao falar dos mitos - pode ser que "“exatamen-
acabaram por consagrar como único te assim' não ocorram as coisas, ainda que é muito certo que
procedimento filosófi-
co o da “demonstração lógico-dedutiva estrita”, algo muito podemos arriscar-nos a viver e morrer de acordo com isso”?
próximo ao racionalismo. Mas hoje foram recuperados, Poucos duvidariam que os ensinamentos transmitidos pe-
como modos de expressão e indagação também válidos, las parábolas citadas e por muitas outras do mesmo calibre,
outros processos menos rígidos: hermenêutica gadameri. dão-nos a conhecer uma verdade profunda e de imenso al-
ana, a “nova retórica” de Perelman ou o amplo movimento cance na hora de orientar a nossa vida, ainda que os deta-
da “filosofia prática”, aos quais aludiremos posteriormen- Ihes com que se adorna, como inclusive a mesma “históri:
te. Com isso, não se rejeita de pleno a possibilidade de narrada, sem de
ocorrer na realidade.
que o
grupo de verdades com alcance existencial, que influem na Assim, ampliando o estreito conceito de verdade trans-
vida humana, em vez de ter a “estrutura do 'conteúdo obje- mitido pelo racionalismo e pelo cientificismo, podemos des-
tivo”, venha a possuir “antes, a do sucesso e que, em conse- cobrir que o genuíno mito não é algo que deva desaparecer
qúência, não se possa captar adequadamente justo em uma para dar lugar a uma construção racional e verdadeira, mas
tese, senão em uma praxeos mímesis, na “imitação de uma Se complementa com essa última e é irredutível a ela, ao
ação”, para di iguagem de Aristóteles ou, o que expressar um ensinamento que transcende a explicação
é o mesmo, em uma “história””*. puramente racional. Por isso, é necessário “corrigir a re-
Além disso, semelhante
narração, por força, não deve presentação habitual que separa com demastado rigorismo
interpretar-se segundo os cânones do que, desde certo tem- a conceitualidade filosófica e a verdade mítica. Platão, de
po, vem-se concebendo como inflexível e científica “verda- qualquer maneira, entendeu a incorporação da tradição sagra-
de histórica”. Ou, o que seria o mesmo, da do mito como um elemento e até talvez como o ato supremo
os eventos expostos
não precisam ocorrer exatamente como se narram, de ma- do agir filosófico. Tanto em Górgias como na República, o mito
neira similar ao modo de “um crente cristão não tem por escatológico se emprega como o argumento supremo e de-
“realidade histórica', nem o relato bíblico da criação, nem
tão cisivo, logo depois de que a pura especulação racional te-
pouco o relato sobre o paraíso; entretanto, está persuadido nha chegado ao seu limite próprio”. Como algo que, da

4.
Ibidem, p. 41 (grifo do autor).
6. Tbídem, pp. 55.
5: Cf, Ibidem. pp. 14-15. 7.
Cf. Ibidem. pp. 59-80.
so INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA

mesma forma que o soldado “que volta à vida na pira mor. Existe uma grande semelhança de fundo entre os prin-
tuária, 'poderia também salvar-nos, se cremos nele' (Repú- cipais mitos escatológicos e os que a fé cristã ensina: que,
blica, 621 e 1)"º,
depois da morte, existe outra vida na qual cada pessoa, se-

d) À origem divina dos mitos


gundo
o teor de sua existência neste mundo, receberá um
prêmio ou um castigo e outras questões similares, Isto levou
mais de um autor a postular uma revelação primitiva de Deus
Mitos em sentido estrito, como os de Platão até aqui
aludidos, abundam nas culturas primitivas. E, em várias
aos homens e cujo conteúdo preciso estes teriam perdido ou
desfigurado com o passar dos séculos. Seja lá o que for, o
delas, tal como acaba de sustentar Sócrates, acredita-se ne-
les. Isso apresenta especial interesse na hora de determinar,
caso é que, quem os utiliza, afirma sem vacilação a origem
divina dos autênticos mitos e, portanto, a verdade que eles
de acordo com essas tradições, a origem de semelhantes
verdades.
contêm
e que, a seu modo, expressam. Esse, por sua vez,
contribui para estabelecer a índole central que tais mensagens
Nos Diálogos platônicos, resulta evidente que, cada vez ocupam no conjunto da doutrina dos filósofos. Longe de consti-
que se põe um mito na boca de um narrador, ele o conta como. tuir-se,
pois, como algo alheio ao pensamento racional, que
algo que, por sua vez, foi-lhe comunicado; logo, o persona- se tornaria superado e substituído pelo genuíno logos, os
Bem em questão nem é autor, nem se encontra capacitado mitos representam uma fonte de conhecimento perfeitamen-
para acrescentar, suprimir ou modificar nada em essencial, te compatível com o pensar filosófico, semente de muitos
No fundo, o que valoriza tais “histórias” é justamente a sua desenvolvimentos e da resolução dos problemas mais ár-
transmissão desde tempos imemoriais. Por isso, tanto Pla- duos.
tão como Aristóteles, ao referirem-se a verdades desse gê-
nero, utilizam frequentemente uma expressão com a que
Confirma isso Savagnone: “em definitivo, a filosofia
helênica vive e progride no contexto de uma tradição viva
pretendem dar por resolvida a prova de sua veracidade: a que encontra, no patrimônio religioso, a sua reserva de
Saber, que esses relatos procedem “dos antigos verdade e de valores. À 'sabedoria de deus', da qual falava
Contudo, tem mais, falando com rigor, o conteúdo Platão, não assinala somente o limite do filosofar, senão que
último dos mitos exige credibilidade porque, afinal de con- é o seu horizonte ou ponto de referência. Sem perder a sua
tas, por um procedimento que nunca se torna explícito, “os respectiva identidade, filosofia e mito se encontram e se sus-
antigos” receberam esses ensinamentos dos mesmos deuses. tentam mutuamente na tentativa de iluminar, a partir de
Assim o expressa o seguinte texto do Timeu: “Como o falar
das coisas divinas está acima de nossas forças, devemos crer ângulos bastante distintos, os contornos da mesma realida-
de”
nos que, em tempos passados, tiveram notícia das mesmas
e que podiam chamar-se descendentes dos deuses,
obtendo ++
de seus antepassados seu seguro conhecimento, E não nos é
permitido negar a fé dos filhos dos deuses, ainda que o seu Arecuperação do significado genuíno dos autênticos
ensinamento possa não ser verossímil nem demonstrável de mitos é de grande importância para compreender filoso-
fia, sobretudo depois que vários séculos de racionalismo se
a
modo certo”*,
empenharam em sustentar uma suposta incompatibilidade
entre as verdades divinamente reveladas (em concreto, às
8. fbldem. p. 67 (grifo do auto).
9. PratÃo. Tímeu 40 (grifo do autor),
seppe. Theoria. Alla ricerça della filosofia. cit. p. 254.
*
ss
se INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA

ao longo
que a fé cristã ensina) e o exercício cabal do nosso entendi- guma de exaustividade, principalmente quando,constituirá
mento. Pelo contrário, desde as mesmas origens, à especu- de todo o livro, o melhor do pensamento grego
lação filosófica concebeu a inspiração divina como ajuda uma recorrente referência para o esclarecimento
dos distin-
essencial para sua própria tarefa. Os primeiros filósofos gre- tos problemas. Antes, pretendem lembrar alguns extremos
gos nunca pretenderam substituir o que ensinavam "os an-
tigos” por um conhecimento baseado de modo exclusivo e
que
a
historiografia recente - devedora do racionalismo, do
influxo de Hege! e, mais tarde, do positivismo - não tran:
excludente no poder da razão do homem, tida como autô- mitiu e que, entretanto, mostram-se essenciais para penetrar
noma
e
soberana. Exerceram esse poder com a confiança de
compreender a natureza das coisas, sem dúvida, mas sem
na essência do filosofar.

pretender em nenhum caso um conhecimento exaustivo que a) Filosofia encarnada


tornara vão o auxílio que lhes vinha do alto.
Ao estudar, no seio da cultura cristã, as relações entre Qualquer um de nós, ao olhar ao seu redor, topa com
fé e razão, estaremos com a mesma hipótese e com solução filósofos que concebem a sua tarefa, de maneira predomi-
semelhante. Então, serão feitas as especificações oportunas, nante como uma profissão intelectual. Em sua maior parte,
dedicaram à filosofia são
os que hoje e durante séculos se
coma quais se
acaba aperfeiçoando o disposto neste pará-
médio, ganham a vida
grafo. professores de ensino superior ou que
no exercício de seu trabalho como qualquer outro
dos profis-
2, Surgimento e maturidade da filosofia na Grécia Sionais que exercem o
seu respectivo ofício no mundo
Por exemplo, no âmbito universitário ou no dos institutos,
atual.

um filósofo não se diferencia substancialmente


de um quími-
Prescindimos da questão, ainda controversa, sobre ci- marketing etc.
vilizações orientais, como a indiana, se elas deram ou não co, de um hispanista, de um especialista em
origem a sólidas filosofias de alcance metafísico. E centre- Todos eles levam uma existência bastante parecida, na qual
mos o interesse no Ocidente, no qual, sem nenhuma dúvi- à desenvolvimento de sua tarefa se acrescenta, com mais ou
da, o filosofar sim acabou exercendo um papel de relevân- menos coerência, aos restantes âmbitos vitais - família, re-
cia na constituição e na configuração de nossa cultura. lações sociais e de amizade, intervenção na política, descan-
Deimitando assim o campo de indagação e admitin- so... Todos eles, com mais ou menos rigor e profundidade,
do, sem reservas, as contribuições vindas de regiões mais podem ser classificados como intelectuais ou, melhor, como
remotas, é fácil descobrir na Grécia aquele lugar do mundo. profisstonais da inteligência - investigam, ensinam, dependen-
antigo em que a sabedoria do homem encontrou o caminho do do caso escrevem e, ademais, desenvolvem a sua vida
régio em que, em vista de um feliz equilíbrio entre as forças como qualquer outro profissional (do entendimento ou não).
da alma e um dilatado esforço para alcançar a medida e a Nem sempre foi assim. “Houve um tempo - explica
Gilson -, na Grécia antiga, em que a filosofia era algo bas-
disciplina do espírito, a razão humana chegou idade de
sua força e de sua maturidade!!, Na Grécia surgiu a fitoso-
à tante diferente, a saber, um certo caminho e maneira vida.
de
dedicada busca da
fia... e nela alcançou um vigor pelo menos relativo. Era,
precisamente, uma vida inteiramente
Quais eram as características de semelhante filosofia? Se- sabedoria” Poderíamos remontar a
"2,
filósofos muito primi-
gundo o sugerido antes, não há nestas linhas pretensão al-

la sabiduria. Caracas: Ayse, 1974, 47 (grifo


12. Gusox, Étienne, E! amor a p.

11, Cf MariTAI, Jacques, Elementi di filosofia. Mitano: Massimo, 1988, 53,


do autor).
p.
54 INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA s5

tivos, como os pitagóricos, para comprovar a verdade que


expressam as linhas anteriores, Mas outros mais relevantes
ciência que conhece os seus limites e que progride com for-
ça e segurança na posse do verdadeiro só na medida em que,
e próximos, com Sócrates encabeçando, manifestam com sentindo-se envolvida na ignorância!3, rende homenagem à so-
clareza o que é "uma vida inteiramente dedicada à busca beranta do real.
da sabedoria”,
E, assim, quando lemos algumas das biografias de
Sócrates, descobrimos de imediato que nelas as narrativas DL) Filosofia teórico-prática
mais sugestivas se encontram entrelaçadas com a
persegui- Sob as aparências externas mais ou menos vistosas, a
ção da verdade ou, melhor ainda, integradas nessa busca. À
questão resulta óbvia pelo que diz respeito às atividades mais questão não muda excessivamente com Platão. Este, por
habituais narradas nos Diálogos - um Sócrates que se entre- exemplo, “explica em sua carta sétima as relações entre co-
nhecer o bem e persegui-lo. O conhecimento que, segundo
Ba de corpo e alma a descobrir e fazer descobrir, na Ágora Sócrates, faz os homens bons e o chamado comumente co-
€ em outros lugares públicos ou privados; ou, também, como
nhecimento científico são diversos. O primeiro é criador e
são, em realidade, as coisas e como os atenienses mais di-
somente pode ser alcançado por almas que tenham uma
versos viverão o seu cotidiano para alcançar a virtude e, com fundamenta! afinidade com o objeto que se trata de conhe-
ela, a plenitude da sua existência e felicidade. Sócrates,
já cer, ou seja, com o bom, o justo, o belo. Não há nada a que
se disse, é a mesma filosofia passeando pelas ruas de Atenas. Platão se tenha oposto mais apaixonadamente até o fim de sua
o
Pois bem, gênio filosófico de Sócrates se mostra com
igual desenvoltura em outro conjunto de situações que, em
vida que a afirmação de que a alma pode conhecer o que é justo
sem ser justa. Isso, e não a sistematização do conhecimen-
aparência, em nada se relacionariam com esse perseguir a to, foi à sua finalidade ao fundar a Academia; ademais, se-
verdade. Por exemplo, quando, de pé e em plena guiu sendo até o fim, como mostra a carta recém citada, que
guerra,
exercita a extraordinária capacidade de concentração foi escrita em sua senectude”"!5,
lhe permitia passar horas inteiras sem comer, beber que
ou dor- O filósofo das Idéias é, simultaneamente, muito espe-
mir, em plena atitude indagadora. Ou, também, no momento
supremo
e trágico de sua morte, Sócrates a concebe, entre
outras coisas, como confirmação da doutrina sagundo a qual
culativo, rastreador das verdades supremas, e, ainda que
talvez utópico em excesso, eminentemente prático, reforma-
dor de si mesmo, em constante tensão para com a própria
esta vida não é a definitiva, senão o trânsito até outra, na plenitude, e ansioso por não “apartar” as suas especulações
qual seremos recompensados de acordo com o quê, ém nos- dos objetivos vitais, aos quais qualquer ser humano se en-
sa existência terrena, tenhamos levado a cabo. contra inclinado por natureza (ainda que isto o consiga em
Mas também
oresto das virtudes que se fazem pre-
sentes em Sócrates constituem uma espécie de entrelaçamento
ocasiões, tal como advertia a Apresentação, antes catapultan-
do a existência cotidiana até as alturas das grandes teorias
entre o especulativo e o vital, as virtudes propriamente in- do que inserindo essas últimas no seio da vida vivida). De
telectuais se enraízam com força no conjunto da sua existên- qualquer forma, tudo isso o leva a cabo precisamente enquanto
cia e o que conhecemos como virtudes morais se pôem
serviço de sua exploração da verdade. Pode-se dizer que, a filósofo. “Para Platão - explica Sanguineti -, a filosofia é a

como um simples exemplo, em Sócrates, apesar do seu gê-


nio polêmico e à primeira vista cético, descobrimos uma con- Cf. de novo MaRITAIS, Jacques. Element? di filosofia. cit. pp. 68-69,
13.
fiança invencível na inteligência e na ciência, mas em uma PráTÃO, Carta VII 344 a,
14.
1a relmpresión en Espafia. Madrid: Fondo
inteligência disciplinada e humilde ante as coisas e em uma 15. Jazcer, Werner, Aristóteles, de
Cultura Económica, 1983, pp. 33-34. (grifo do autor)
56 INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA s7

contemplação das realidades mais altas, que não são desse No melhor dos discípulos platônicos, Aristóteles, a di-
mundo e que se nos oferecem depois de mortos. O filósofo imonsão científico-teorética se eleva até cumes sublimes, sem
se prepara nesta vida para a contemplação celeste. Por ou- bandonar por isso o seu apego à realidade concreta e coti-
tra parte, Platão insiste muito na função purificadora da moral: (iana. Mais ainda, é justamente a penetração “teórica” nas
para ser sábio, é mister antes ser justo. O injusto não pre- está

verdades mais profundas - sua metafísica - o que o obriga a


parado para a contemplação da verdade. O primeiro prin- atender a toda a realidade, desde os corpos inertes até a Vida
cípio no diálogo da República é o Bem mesmo, e não tanto a sublime do Motor imóvel, com um rigor e caráter minucio-
verdade; isso significa que Platão vê, na metafísica ou na so que são alheios a seus predecessores. Como explicava
sabedoria, um ideal sobretudo moral (e sem dúvida religio- Maritain, "Aristóteles 6, ao mesmo tempo. o espírito mais
so). O filósofo, para Platão, em definitivo é um
contempla- positivo e o espírito mais metafísico. Lógico rigoroso. mas
dor de Deus. Ao contemplá-lo, aproxima-se, na medida do também realista sempre alerta, sabe prender-se sem esforço
possível, de uma certa semelhança com Deus"!5, nas exigências daquilo que é, bem como acolhe em seu pen-
Como a qualquer outro pensador, também para Pla- samento todas as variedades do ser, sem jamais forçar ne-
tão interessava, acima de qualquer outra coisa, a verdade: nhuma nem deformá-ta"

“e.

conhecer a realidade tal como é, refleti-la nos seus ensina- O assunto não acaba aí. Aristóteles é o primeiro pen-
mentos orais, nos silêncios e nas mensagens de seus escri- sador que, ao aprofundar na concepção do objeto da ati-
tos, com a finalidade de fazer com que ela chegue aos que vidade filosófica como sabedoria, assinala nas dimensões do
se aproximaram dele, Mas isso não é tudo. Platão não es- (tico e do político (filosofia “prática”), distinguindo-as, sem
crevia simplesmente para expor o conteúdo da sua doutri- separá-las, do saber teorético mais estrito, representado prin-
na. Havia nele um tipo de desejo mais profundo, que o dirt- cipalmente pelas filosofias “primeira” e “segunda”, mais
gia a buscar e encontrar, a fazer visível a dúvida e o conflito tarde qualificadas como metafísica e filosofia da natureza,
nessa perseguição do verdadeiro, “não como uma mera ope- com tudo quanto incluem uma e outra.
ração intelectual, senão que como uma luta contra a pseudoclên- Mas semelhante distinção não diminui de nenhum mo-
cia, o poder político, a saciedade e seu próprio coração - pois o do o caráter “encarnado” do pensamento aristotélico. E não
espírito da filosofia de Platão se chocava necessariamente só porque, de forma mais pronunciada que Platão, o filóso-
comtodas essas forças. Adequando à sua maneira pessoal fo de Estagira atenda expressamente às condições e às reper-
de vê-la, a filosofia é (só) uma esfera dê descobrimentos teo-
não
cussões vitais da teoria, mas por outros dois motivos de igual
éticos, mas (também) uma reorganização de todos os elementos ou maior alcance: i) porque, ao contrário de Platão, não
fundamentais da vida"! - ainda que, tampouco agora, del- subordina a atividade ética e política a uma classe de teoria
xe de ser verdade que, nesse empenho, o Filósofo das Idéias utópica e sem matizes, senão que sabe ter em conta as con-
se mostra menos atento às circunstâncias mutáveis e con- cretas configurações do existente humano e da vída na 'po-
tingentes do seu entorno, pretendendo ainda adequar a re- lis"; ii) ademais, porque toda a sua doutrina se configura como
alidade histórica ao modelo ideal que ele concebeu em ra- uma unidade íntima, cujo fim último é a felicidade, onde
zão sobretudo da especulação. teoria e práxis se conjugam numa harmonia buscada. As-
sim, para Aristóteles, como todo o saber gira em torno do
conhecimento da realidade levando a termo a filosofia pri-
16. SaNGUINEm, Juan José, fntroduzíone alfa filosofia, * Roma:
University Press, 1992, p. 29. eder Usbanta

1. Jaioem, Werner. Aristóteles, cit. 36 80.


MaRirais, Jacques. Element di fliosofia. cit.
p.

18. p.
E INICIAÇÃO À FILOSOFIA AA FILOSOFIA NA HISTÓRIA

meira", toda a atividade do homem deve ser encaminha- priental), as estruturas e instituições surgidas em seu seio,
'

loda a vida humana,


é
da, sem perder a sua particular fisionomia, em definitivo à
visão de Deus, fim último da existência humana? fonte,
por isso, da porção mais substancial e menos renunciável de
e Trata-se, como evidente, da encarnação da Segun-
Ja Pessoa da Santíssima Trindade, que irrompe de um modo

Sua felicidade. Inefável na vida dos homens. Não obstante e no que diz res-
Em resumo, como sustenta Reale, toda “a 'contem- pelto à filosofia, o tremendo e inegável influxo de quanto esse
plação' grega leva consigo, de maneira estrutural, uma determi-
9.
Íuto leva consigo não impõe uniformidade alguma ao perío-
(lo que agora nos ocupa. Nele persistem escolas filosofia
de
nada atitude em relação com a vida. Não era, pois, a theoria
grega uma simples doutrina de índole intelectual e abstra- jtega, que continuam assim o trabalho dos pensadores ai
ta, mas também e sempre uma doutrina de vida; ou, dito de tes citados, sendo tocadas somente de leve pela revelação
outro modo, uma doutrina que reclama intrinsecamente sobrenatural, sendo inclusive, às vezes, opostas a ela, como
uma verificação existencial, encontrando-se, comumente, !iuns neoplatônicos. Adverte-se também o influxo da an-
ipa e multifacetada tradição judaica, mais em autores do calibre
acompanhada por ela”. Estendendo o seu juízo para além tarde, filósofos e
dos autores que brevemente consideramos, acrescenta: “O de um Fílon de Alexandria. Surgem,
permanente na filosofia grega é o theorein, por vezes louva- movimentos que unem as verdades do pensamento clássico
do em seu valor especulativo, por vezes no prático, mas sem- com o que introduz a doutrina árabe ou judaica (Maimôni-
(les, Avicebron, Avicena e Averróes). E, no seio da filosofia
pre de forma que essas duas instâncias se impliquem uma e ou-
tra de modo estrutural. Além disso, o assunto fica comprova- de inspiração cristã, na qual se integram quase todas as
do enquanto se adverte que os gregos, ao longo de toda a influências citadas até o momento, a resultado é uma plura-
Jiídadede visões da realidade, no âmbito filosófico estrito, que
Sua história, somente consideram como um autêntico filó-
sofo aquele que demonstrava a capacidade de unir, com investigação dos últimos decênios colocou cada vez mais
em evidência: Agostinho de Hipona, Anselmo de Aosta,
11

coerência, pensamento e vida; em conseqitência, a quem Boaventura de Bagnoreto, Tomás de Aquino, Duns Escoto.
Sabia ser mestre não só de reflexão, mas de vida vivida”,
e
Guilherme de Ockham tantos outros. Todos estes, ainda
que animados de um mesmo espírito e de
idêntica fé, dão
3. A filosofia potencializada pela revelação lugar a doutrinas filosóficas tão diversas como as que os histo-
riadores de um século atrás tinham já descoberto entre os
O extenso e rico período que transcorre-desde o início
autores modernos e contemporâneos.
da era cristã até o que normalmente se conhece como Idade Por isso, a denominada Idade Média não seria uma
Moderna não pode ser sintetizada em poucas linhas, Nete espécie de parêntese entre dois momentos filosoficamente
teve lugar, sem dúvida, um acontecimento-chave, que mar- significativos: o apogeu grego e o Renascimento na Europa.
cará não somente a especulação posterior até os nossos dias,
Não é tampouco um tipo de planície sem relevo, homogê-
o
mas também inteiro desdobramento da cultura ocidental nea e anódina, medida por um mesmo padrão brumoso e
gris. Não. Nela se destacam autênticos gigantes do pensa-
mento, cada um com personalidade própria, sendo dignos
de um estudo preciso e pormenorizado, É justamente essa
ia variedade abundante, e não o contrário, o que talvez justi-
fique a decisão de assinalar agora tão somente um par de
-
1997. pp. 106 ess.
Pamplona
Cf., entre outros, ARISTÓTELES. Ética Eudemia. VIII, b 16-20.
traços gerais sobre o que a revelação judaico-cristã pressu-
3,
Milano:
1249
21. REALE, Giovanni. Storia della fliosofia antica. vol. Vi Pens

pôs para à tradição filosófica do Ocidente.


so INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA

2) Enriquecimento da filosofia grega gência humana; e que, portanto, goza de um claro valor de
verdade, que pode ser acolhido sem problema, com as reti
Abordando a questão em seu conjunto, o panorama ficações que sejam do caso, e prosseguindo até levá-lo a al-
se apresenta bastante nítido. Ainda que o cristianismo seja cançar alturas antes inexploradas. Por isso, os melhores entre
propriamente uma religião, uma mensagem de salvação, e não os pensadores cristãos, na medida em que a sua própria si-
uma filosofia, contém um repertório de verdades que conferem ção cultural e a maturidade do seu entendimento o per-
uma resposta mais
que suficiente às questões mais árduas cogi- mitissem, incorporam o que de positivo se encontrava no
tadas pelos clássicos. Por isso, contra o que se sentenciou pensamento grego, fazendo-o frutificar ao contato com a luz
durante algum tempo, pode-se dizer que não seria de estra- inefável que a revelação irradia,
nhar que a contribuição do cristianismo para a filosofia no Dessa maneira, esta continuidade recíproca entre ra-
Ocidente tenha sido a de maior alcance em toda a história 7ão e fé, que ultimamente tem sido qualificada como "cir-
da humanidade. cularidade”, bem como a sua relação com os problemas reais que
Em
que consiste basicamente esta contribuição? ) Por afetam a vida do homem e especialmente do cristão, provoca-
uma parte, os conteúdos revelados confirmam e outorgam o rão, como antecipava o título desta epígrafe, um evidente
seu verdadeiro valor a descobrimentos que os pensadores crescimento não somente da teologia, mas também dafilo-
precedentes tinham aventurado de uma maneira menos cla- sofia, que normal e quase inevitavelmente amadurece em seu
Ta e certa - por exemplo, tudo
quanto é relativo ao espírito, selo.
às relações entre alma e corpo e à existência de um além
após
a morte, ii) Por outra, dão vida a novas categorias, ignoradas b) Originalidade da filosofia realizada à luz da fé
por completo ou apenas vislumbradas em tempos anterio-
res - entre elas, a realidade da pessoa, a da criação ex níhilo, Ainda que durante bastante tempo tenha sido coloca-
a compreensão de Deus como Ser e Amor e a do homem do em dúvida, ou inclusive se negou obstinadamente, sob o
como realidade destinada à entrega de si, bem como outras
ponto de vista histórico, a questão se encontra demonstra-
asMas a
muitas, capazes de enriquecer teoria e a práxis dos povos da por princípio: comparando-se as posições fundamentais
que acolhem,
o pensamento cristão, embora o supere, não im-
da chamada filosofia moderna com as da filosofia clássica
Plica em ruptura alguma com o grego. Por quê? Em essên-
grega, não as perceberemos em estrita continuidade, tal como
Se não tivesse existido especulação entre uma e outra; muito pelo
cia, porque também esse admitia, segundo sugerimos
dos mitos, um “mais além” da razão - ao falar contrário, observa-se tão desproporcionado enriquecimen-
para o cristão, a fé to, este acúmulo de avanços, que antes poderia sustentar,
revelada - e, portanto, a possibilidade de estender o vigor
do entendimento, de seguindo o francês Éttienne Gilson, que a filosofia moderna
per se restrito, aplicando-o a questões liga-se à medieval, como se a filosofia antiga nunca tivesse exis-
que, sem essa ajuda, resultar-lhe-iam alheias, tido.
Pois bem, no fundo desta assunção do grego por par-
te do cristianismo, encontra-se uma convicção essencial Segundo confirma o cardeal Joseph Ratzinger, “tam-
para bém as filosofias modernas, que estavam convencidas da au-
a fé dos primeiros Padres e de todo o crente em geral: a da
bondade da natureza humana, ainda que quebrantada, bem tonomia da razão e consideravam essa autonomia como cri-
como
a do valor, ainda que recortado mas real, do entendi-
mento. Entre os filósofos-teólogos dos primeiros séculos,
tério último do pensar (...), mantiveram-se devedoras dos
grandes temas do pensamento a que a fé cristá foi dando à
filosofia: Kant, Fichte, Hegel, Schelling não seriam imaginá-
acaba por impor-se a persuasão de que também o conheci-
do à margem da fé responde à bondade natural da intell- veis sem os antecedentes da fé, e inclusive Karl Marx, no co-
E!
e INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA

ração da sua radical reinterpretação, vive do horizonte de tudo isso será estudado no
esperança que havia assumido da tradição judaica”,
Do
ponto vistade teórico,
Capítulo Agora interessa insistir que os melhores pensa-
V.

Em suma,
o
assunto hoje já não é discutido, exceto por
algumas pessoas que, movidas mais ou menos consciente-
dores cristãos, ainda que amiúde realizem a sua tarefa no
seio da teologia, dão origem a um modo de pensar natural, a
mente por preconceitos anticristãos, seguem afirmando,
contra toda a evidência, a irrealidade de uma fecunda e cabal
uma filosofia, que, sem romper a continuídade com grega, goza
de uma personalidade própria até o ponto de que deve ser quali-
a
filosofia durante os séculos que sucedem o helenismo e ante- ficada como distinta e, em muitos casos, superior à especulação
cedem
o Renascimento moderno. Talvez a obra que mais
claramente manifesta as inegáveis melhoras dessa filosofia,
clássica,
Atendamos por alguns instantes a estas novas pala-
com respeito à grega, siga sendo O espírito da filosofia medi vras de Gilson: “Quando, no início do século XII, foi proibi-
eval, do antes citado Gilson, obra essa escrita do o ensino dos escritos de Aristóteles donec corrigantur, de
expressamen-
te com o desejo de mostrar tal avanço... e imediato, tornou-se manifesto que nunca seriam corrigidos.
que alcança ca.
balmente o seu objetivo? Nem podiam ser. Foi então que Tomás de Aquino fez a úni-
São muitos os exemplos com
os quais esse adianta- ca coisa que lhe cabia fazer: nova filosofia que te-
criou uma
mento poderia ilustrar-se. Mas talvez o mais notável seja a ria assombrado Aristóteles se esse a tivesse conhecido, pos-
noção de “pessoa” e a realidade que nela está subjacente. to que já não era sua filosofia senão a de Tomás", São

Os filósofos
gregos não tinham chegado a considerar de for. Como se conseguiu semelhante novidade? À nossa
ma clara o homem em sua índole pessoal, semelhante cate- tarefa consiste em assinalar, se queé existe, o progresso es-
goria, inevitável no momento presente para entender o que tritamente especulativo, resultado óbvio de um movimento
é o ser humano e fundamentar os seus direitos, brilha nele. Com palavras mais
por psicológico, mas que não se resolve
sua ausência nos escritos clássicos gregos. O pensamento claras, trata-se de descobrir se, na doutrina de Santo Tomás,
cristão, pelo contrário, deve tentar compreender e expres- existem princípios, “categorias” ou como se prefira chamar,
sar de algum modo o que a fé lhe diz, que, no único Deus os quais são ausentes no pensamento de Platão ou Aristóte.
verdadeiro, convivem-três Pessoas, e que a segunda delas, o Tes e que lhe permitam conhecer a realidade melhor que eles,
Verbo, assumiu no tempo uma natureza humana, de modo resposta é, para qualquer mediano conhecedor do
“A

que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. pensamento do Ocidente, sem dúvida, afirmativa. Por uma
Tudo isso o leva a aprofundar-se, sobretudo filosoficamente, parte, estão as questões de estrita teologia natural, que supe-
na condição da pessoa, em seu constitutivo radical, em suas ram amplamente as pouquíssimas, ainda que significativas,
relações com o ser e a natureza etc. Elabora-se assim uma linhas que Aristóteles dedica à descrição do que é Deus. Mas,
filosofia que muita dificilmente poderia ser levada a cabo sem tomemos por exemplo, o universo filosófico de um Agostinho
que houvesse o influxo positivo da fé. E o mesmo sucede em de Hipona é bastante mais rico que o de Platão, como tam-
outras questões também transcendentais e antes anuncia-
das, como são a natureza espiritual da alma humana, sua
bém
o de Tomás de Aquino é muito mais profundo e dilata-
do que os de Platão e Aristóteles juntos, sobretudo ao pres-
dade e da atividade ética. a
união fortemente íntima com o corpo ou essência da liber- tarmos atenção nas dimensões mais puramente metafísica
antropológico-éticas), que são as que definem, no fim das
(e
contas, o valor e o alcance de uma filosofia.
22. RaTzINGER, Joseph. "Fe, verdad y cultura. Madrid: 16 fev 2000,
23:
Guson, Étienne, Et espíeitu de fa fiosafa medieval. Madrid: Ristp, 1981,
24. Idem, amor a Ja ssbiduria cit. p. 38. (O itálico é do autor).
INICIAÇÃO À FILOSOFIA
A FILOSOFIA NA HISTÓRIA 65

Porém, isso de nenhum modo significaria


as filo-
soflas de inspiração cristã teriam assumido tudoo que Airopologia, ética e política, para citar as três áreas mais con-
que os gre-
gos propuseram, de maneira que resulte inútil o conhecimento istentes, sem renunciar por isso à sua própria fisionomia, acham-
e estudo desses, Muito pelo contrário, existem so úncoradas e participam do radiante confiecimento que se ob-
valiosas con-
tribuições dos clássicos que o mundo medieval deixou em tom à luz do ato de ser.
aberto ou não soube aproveitar, que as investigações
cializadas dos últimos tempos estão trazendo à tona e espe-é
que 4 A filosofia moderna
preciso indagar a fundo nas mesmas fontes de onde ema-
naram. Mas, cabe sim falar, de maneira um sucinta, Também agora ingressaremos num universo multifor-
de dois claros avanços medievais em relação poucoaos gregos: te, repteto de conquistas, afãs, matizes, pluralidade, dife-
* A concepção mesma de filosofia, em todos os auto- renças e contrastes. E, por isso, também agora é mister fa-
res de porte, êxpande-se e se enriquece, à medida ver uma clara simplificação, buscando atender aos dois ou
concebe como participada de uma sabedoria que se três traços que perseguimos desde o princípio desse breve
superior, que é panorama histórico.
Justamente o conhecimento que Deus tem de Si mesmo e
que,
na medida do possível, transmite aos homens. Desse ponto
de
vista, o que procede de Deus, quer dizer, tudo, transfor- à) O giro antropológico
ma-se em tema virtual do amante da sabedoria. Ademais,
esse mesmo Deus se erige, de maneira muito mais radical
que em Platão ou Aristóteles, em destino terminal do ser
Talvez seja esse o extremo em que mais facilmente se
consiga o consenso entre os diferentes expositores da filoso-
humano
e, assim, em princípio unificador de todo o seu sa-
ber e a sua vida.
fia moderna. Desde a mais apegada manualística até os pós-
modernos mais vigorosos, passando por Hegel, Nietzsche e
* Por outro lado, a que foi autorizadamente chama- Ieldegger, existe um acordo generalizado quanto a que, com
da filosofia do ser, em virtude do aprofundamento nos 1 início da modernidade, o centro de atenção se trastada da natu-
prin- reza e de Deus para o ser humano. Este se transforma então
cípios que leva consigo, permite articular, de forma mais
perfeita, os distintos saberes filosóficos e resolver questões em objeto da análise primordial, sendo, às vezes, exclusivo
que se apresentavam aos pensadores gregos como autênti- «lo
saber filosófico e científico, e, mais ainda, o beneficiário
cas aporias. Por exemplo, ao definir o “conteúdo” da felic- de todos esses conhecimentos.
dade, Aristóteles viu a vida contemplativa e a ativa desejan- Talvez o mais próprio do mundo moderno seja a sua
À

do poder harmonizá-las, coisa que não é tão difícil insistência em que o homem é radicalmente original, distin-
para uma
doutrina que supere um certo intelectualismo derivado
concepção do ato como forma. Além disso, o pensamento
da to e contraposto a
tudo o que o rodeia - o 'eu' se transforma
Inicialmente em puro pensamento - o cogito cartesiano -, e
de Tomás de Aquino permite também aclarar a diferente à
sua única relação possível com uma natureza mecaniza-
valoração do bem técnico e do bem moral, sem abandonar, dae alheia consiste na percepção do próprio poder sobre ela,
por isso e totalmente, os fecundos terrenos da filosofia primeira, que fica reduzida a simples objeto de manipulação ilimita-
já que ação técnica e operação ética não são, afinal, senão da.
distintas modulações do mesmo ato de ser; este não somen- Sobre esse fundo comum de aceitação do antropocen-
te “suporta”, mas exige considerar a diversidade de
suas trismo, as valorações são muito distintas. Há quem veja em
distintas manifestações sem suprimir por isso a unidade do semelhante mudança de acento o requisito inevitável para
idêntico ato que aparece diversificado em umas e outras. complementar visões precedentes e realizar um estudo,
as

à do homem, que as perspectivas grega e medieval haviam


6 INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA 6
relegado a um inaceitável segundo plano. Outros, ao defor- melhor que
mar tal enfoque e levar a extremos insustentáveis, conside-
«em o precedente. 6) O conseguinte apreço
ão
por seu caráter inédito.
a
ram “emancipação” do homem como à grande
conquista
ovo, precisa e exclusivamente
DO
tentativa, junto com tudo o que se citou antes, de construi
que lhe permitirá obter a sua maioridade
da opressão sufocante que, em épocas e ainda libertar-se
passadas, havia pa-
um paraíso intraterreno em um incerto futuro.
Como antes afirmávamos, tudo isso é diversamente
decido, Também há os
que, seguindo as pegadas de Heide- valorado, segundo à atitude adotada pelos distintos intér
Beer, interpretam o rompimento moderno como um
aban. pretes, Por outro lado, os traços sugeridos no parágrafo
dono do ser (não das simples “coisas”) em favor do homem,
como o início de um movimento que acabará
por rejeitar a vilização moderna. Mas, em
a
anterior são só uma mínima parte dos que distinguem ci-
qualquer caso, interessa apon-
metafísica (conhecimento do
que é enquanto é e a possibili-
dade de transcendência a ela referida e, assim,
Próprio sujeito enquanto sujeito (pós-modernidade).
ao final, do
tar alguns dos motivos que levaram à semelhante
São
e que conectam esse parágrafo com o fio condutor seguido
nos anteriores.
Em todo caso, quase todos reconhecem
certas notas
como características inegáveis da filosofia
e da cultura dos
séculos que nos precederam. Entre outras e b) Ruptura das relações entre razão e fé
dentro do hori-
zonte antropocêntrico já assinatado: 1) A
dade pela certeza
substituição da ver. Voltemos, por um momento, à nossa atenção para os
ou, se for preferível, a troca da conformidade acontecimentos ocorridos em épocas precedentes àquela
entre o que conheço e a realidade (o verum
clássico) acima esboçada. Veremos então que, nos umbrais do sé.
conhecimento subjetivo da perfeição de minhas idéias pelo XIV, a equilibrada convivência entre razão e fé, confirma-
e re-
presentações (ou certeza). 2) Junto a isso, a pretensão de um da e teorizada sobretudo por Tomás de Aquino, deixa de ser
Saber sistemático perfeito, no qual cada
deduz da anterior, um conhecimento peça cognitiva se tranquila, situação essa que se dava até o momento. Como
que adota como mo- reação ao intelectualismo extremo de certos intérpretes ára.
delo de rigor o das ciências positivas e
que gerará, por con- bes de Aristóteles, alguns pensadores cristãos, desejosos de
traste, sucessivos momentos
de irracionalidade ou, ao me-
nos, de desilusão cética e relativista. 3) Como
“defender” os direitos e a liberdade de Deus, rompem tal
um tipo de estreitamento da consequência, harmonia degradando a razão, para então exaltar, em apa-
inteligência humana, incapaz de
defrontar-se com questões sapienciais ou de sentido
metida à chamada razão científica, o
e sub.
rência e com
afé, o caráter onipotente da Vontade divina.

Assim, concretamente com Duns Escoto e de maneira


que provocará
autêntica crise dos conceitos supremos - liberdade, uma muito mais espetacular com Ockham, impõe-se um volunta-
amor, rismo fideísta que faz depender tudo do arbítrio divino, pega
dignidade, verdade, bem - e a depauperação das realida.
des que correspondem a tais noções. 4) Ademais a ordem inteligente estabelecida por Deus no conjunto do
xão com tudo isso, junto com um certo
e em cone. universo e no ser humano e, como conseqitência, rechaça
abandono do saber as possibilidades naturais do entendimento para elevar-se
pelo saber, da theoria, o predomínio indiscriminado do face-
Te sobre o agere, do "fazer" cognitivamente até Ele. Essa faculdade de saber natural -

sobre o “obrar” ou, com pala- dirá Ockham - não existe, posto que Deus, ao criar e gover-
vras mais claras, da atividade (científico-) técnica,
de à transformação e ao domínio do que ten- nar o mundo, "não poderia estar sendo coagido” por ne-
cosmos, sobre a tarefa nhum tipo de lei, nem sequer pelas que derivam de sua In-
ético-política, que conduz o homem
à sua plenitude enquan-
to pessoa. 5) O mito do progresso indefinido,
que converte,
teligência e Verdade infinitas, mas atua em todos os casos
em dependência exclusiva de um decreto não necessaria-
de modo automático, tudo o
que vem após, o “moderno”, mente razoável de sua Vontade. O que Deus quer, portan-
11
68 INICIAÇÃO À FILOSOFIA. A FILOSOFIA NA HISTÓRIA

to, carecenda de qualquer “racionalidade”, não


admite ser neopositivismo, o "pensiero debole”. Cetic!
conhecido pelo entendimento humano, mas Contespstiea desenganada do primitivo desejo
somente por raclonalis-
revelação através da fé. Levando ao extremo esse convenci- ta, na sua tentativa de fazer da Razão humana que seja juiz
mento, Ockham sustentará, contra toda lógica, € árbitro indiscutível do conhecimento da
Deus
poderia haver decidido que o odiássemos e que, que conse- realidade”
As seqúcias vítals de tais desencantos estão nº rua. Na
por
Buinte, esse ódio e não o amor fosse o meritório e o
que nos esteira "da crise do racionalismo - confirma João Paulo -
conduziria até a Vida eterna. Assim o teria transmitido
tão aos homens, ignorantes da natureza en- ganhou força o niilismo, Como filosofia do 'nada', consegue
dade
e inteligível
da essência humana, e nos teríamos empenhado
aborrecer a Deus a fim de conseguir nossa salvação.
da reali-
em
ter certo atrativo entre nossos contemporâneos (...). Na in-
terpretação niilista, a existência é só uma oportunidade para
So paradoxo derivado da tentativa de exaltar
Curio-
a fé a custo
sensações e de experiências nas quais o efmero tem pri
maria, O niilismo está na origem da difundida mentalidade à
Oo
da razão natural!
A semelhante e presumida segundo a qual não se deve assumir AETOI isso
elevação da fé com o des-
CO ENE, já que tudo é fugaz e provisório”.
ivo,

Prezo do entendimento não passa geralmente ao SE


apontava já no início desta

chamou filosofia moderna. Porém, instala-se nela que se SONO


das a ruptura
pacíficas relações de colaboração entre razão e epígrafe, nem tudo nestes últimos séculos foi retrocesso. nem
das com seus vaivéns nos primeiros séculos do
fé, estabeleci- muito menos. Sem nenhuma dúvida, avançou-se, a partir
1550 é o fundamental e
cristianismo. de pontos de vistas substanciais e novos, no que tange à
o que permite que, uma vez perdido compreensão do homem, transformado em centro quase
9 equilíbrio, os vínculos entre fé e razão
se invertem quanto exclusivo da matoria das investigações, afirmando, por
o teorizado por Ockham, de sorte que não seria
do afirmar que boa parte do “exagera- exemplo, a sua dignidade e os direitos a ela vinculados, as
pensamento filosófico moder. exigências do seu caráter livre, a legítima autonomia que
no se desenvolveu afastando-se progressivamente da
Reve. goza na gestão dos assuntos temporais, a necessidade im
lação cristã, até chegar a
contraposições explícitas”,
De fato, em linhas gerais, a partir sobretudo perlosa de uma paz duradoura. Entretanto, ao separar ra-
de Des- 7ão e fé, colocou-se entre parênteses a metafísica, que per-
cartes e com ritmo crescente em uma boa
porção dos repre- mite ver o sujeito humano ta! como “é”, considerando-o
Sentantes da modernidade, a razão se afasta do influxo reve.
ado acabando por considerar-se auto-suficiente e, mais fundamentalmente como “pessoa”, como um todo valioso,
ainda, oni- unitário e dotado de sentido. Como consequência, as per-
Potente: busca estabelecer, às
vezes até desprestigiando a das ocasionadas pelos últimos séculos de especulação - não
ajuda da realidade captada pela experiência (Spinoza, He-
Bel), a natureza de todo o universo e das leis tanto pelo que trazem, mas pelo que consciente ou inconsciente-
até o extremo, sem dúvida um que o regem, mente deixam - foram também consideráveis, acabando por
pouco bufo, de atrever-se a
deduzir da própria noção de Deus o número de botões provocar uma clara reação entre os filósofos estritamente
do
uniforme dos oficiais prussianos! (Wolff).
E, de maneira ascendente e
reiterada, quando os fil
ON emporâneos.
reação será considerada dentro de alguns momen.
tos, após esboçar outro dos traços da modernidade, o
sofos descobrem que o pretendido
não é absoluto, acontecem os momentos vigor da razão no fundo
rompe com uma das convicções da filosofia anterior e no qua
qu
de agnosticismo estamos enfatizando no decorrer de todo esse capítulo.
cético: Hume, Kant, as
angústias que seguem positivismo
o
25. JoRo PAULO Tl. Fides et ratio. n. 46. 26. Ibidem.
7o
INICIAÇÃO À FIL
A FILOSOFIA NA HISTÓRIA n
€) O triunfo da razão autônoma
«lá
origem a um fenômeno curioso, ainda que não de todo
Ao perseguir uma certeza sobre-humana, Descartes novo: ante a impossibilidade de manter uma estrutura com-
estabeleceu como critério de tal segurança a clareza e dístin. plexa mas unitária, que seja organizada em torno de um
ção das idéias. Isto, na medida em foi aceito e incremen. incípio radical, significativa parte dos filósofos dos últimos
tado por seus seguidores, trouxe que séculos reduz a realidade, em particular a humana, a um só
consigo consequências de
grande alcance, tanto para a concepção e dos integrantes anteriormente isolados. Este se transforma
da desenvolvimento

Ee
própriavidafilosofia como para o exercício da tarefa do filo. em um tipo de todo onipresente que, mais que fundamen-
daqueles que são afetados por semelhante tar, elimina e substitui os restantes, os quais, no final, “não
são mais que” esse elemento previamente absolutizado. À
Resumindo e simplificando dentro do limi; riqueza multiforme do real se vê reduzida sucessivamente
vel, a realidade do homem, bem
como do resto dos seres nes - a “cogito”, a “sentio”, a “conceito”, a "vontade de poder”, a
deu
teoricamente a unidade que de fato possui e se viu distrl. “sentimento”, a “matéria que se põe a si própria” através
buída em compartimentos do trabalho, a “libido”, a "linguagem", a “tempo” e a
estanques, não comunicados, para
os quais, de imediato, iniciou-se a busca “nada”.
conexão" ou de tangência, pelos “pontos de
Contra todas estas disjunções e simplificações, vê-se a
O caso mais claro,
- que talvez seja um pouco engraça- reação dos mais notáveis filósofos estritamente contempo-
tâneos. Mas, por enquanto, interessa ressaltar tão somente
converter o corpo e a “alma” em duas substâncias tima, talvez a mais influente no posterior desenvolvimento
tas, pura matéria e puro espírito, distin.
propõe como ponte de do pensamento. Poderíamos qualificá-la como “absolutiza-
união a famosa e um pouco cômica
glândula pineal. Mas 6 ção da razão”. À filosofia, o conhecimento da realidade,
deslocamento afetou muitas outras
realidades, de onde ainda pretende-se, durante bastante tempo, como conquista exclu-
padecemos as suas sequelas: a unidade da humana siva de uma inteligência ou “razão” hipostasiada, que atua
ção, na qual a inteligência penetra toda a percep.
terna e externa, cede o seu posto sensibilidade 1a. de forma autônoma, independente de qualquer influxo e,
culdades” para um conjunto de “fa. mais em concreto, do sujeito no qual semelhante faculdade
mais ou menos isoladas,
que somente uma tarefa
em boa parte artificial permite se encontra integrada. De maneira mais clara, a filosofia é
conectar de novo (como no fruto da razão e só da razão, separada do resto da pessoa.
empirismo de/Locke ou Hume); e a inteligência,
que fica Não quer isso dizer que, entre os filósofos, enquadra-
separada vontade
da e do conjunto da vida afetiva.
risco também a antiga harmonia do Corre dos em semelhante tendência, exclua-se qualquer tentativa
do-se barreiras insuperáveis universo, estabelcen. de “aplicação” do próprio saber à existência do homem.
entre os seus distintos compo. Melhor dizendo, ocorre o contrário. Desde o próprio Des-
nentes e, sobretudo, um abismo infinito
é concebido a partir deste entre o homem, que cartes, passando pelos empiristas, por Spinoza e muitos
momento como “sujeito”, e 6 res. outros, até desembocar em Marx e seus continuadores, a
to das realidades, as quais são conceituadas agora filosofia mais pura, de forma pretensiosa, perde o singular
objetos”, sendo transformadas em mera matéria como
Contudo, há algo ainda mais passiva, caráter teorético que lhe corresponde (o qual analisaremos
dade que vibra no mais profundo da grave. À ânsia de uni: no Capítulo II) e começa a subordinar-se a fins que são, de
com brio na inteligência
realidade que opera certo modo, alheios a ela; ao domínio da natureza, ao bem-
- pois, somente graças a ela. tema
Se compreensível de algum modo estar humano e à conservação da saúde; à constituição de
o universo e cada um de um estado intocável; à educação de um homem não conta-
Seus componentes -, aplicada a esse mundo
desmembrado, minado pelo influxo do ambiente; à reforma dos costumes;
não
Te INICIAÇÃO À FILOSOFIA AFILOSOFIA NA HISTÓRIA vB

à liberação do ser humano; à construção de um paraíso in- nem, sobretudo, as características apontadas esgotam o es-
traterreno, pírito inspirador - muito mais rico, sem dúvida - de cerca
Mas nada disto impede que, pelo contrário, boa parte de quatro séculos de pensamento. Afinal de contas, o balanço
dos autores de semelhantes doutrinas as apresentem como da modernidade pode ser senão positivo - há conquistas e
resultado inevitável de um processo da inteligência não-con- avanços inegáveis, aos quais jamais poderíamos renunciar,
taminada, livre, por fim, dos preconceitos que a fé, ou qual- sob pena de empobrecer de forma drástica a marcha da
quer outro influxo de caráter extra-racional, poderia impor- cultura no Ocidente. Não obstante e também como nos pe-
The.Situam-se assim fora da grande tradição do pensamento ríodos que a precederam, existe na filosofia moderna um certo
ocidental e imprimem ao conhecimento humano uma dire- friso de déficits que obrigam a seguir indagando, buscando acre;
ção que, com o correr dos séculos, acabará por tornar-se centar uma nova tessela ao magnífico mosaico de conhecl-
problemática, Mas o mais curioso é que, em sua presumida mentos que a tradição, ainda que não de uma maneira line-
Pureza, a intervenção de fatores extra-racionais nos pensadores armente progressiva, pôs a nosso servi
desse período é mais operativa que no resto da história do
pensa- AA filosofia
estritamente contemporânea é muito exube-
mento; ademais, semelhante intromissão, longe de preservar o rante, a sua excessiva proximidade proíbe inclusive que se
candor do olhar contemplativo, arrasta o pensamento em ocasi- cogite a possibilidade de um tratamento completo e ponde-
ões muito distantes das metas que aparentemente tenta alcançar. rado dela, Mas, interessa aqui conhecer as correntes e auto-
Por isso, não estranha que autores, mesmo do porte res que colaboraram, de forma mais significativa, para su-
de um Pascal, advirtam, com ênfase, a necessidade de de-
volver para a filosofia o estatuto humano em sua forma perar algumas das aporias que uma maneira de pensar um
pouco oblíqua - ou racionalismo ou empirismo, como ponto
enriquecida, pessoal, que lhe corresponde por natureza, de partida sem dúvida simplificador - fez chegar a nós.
estando afastada dessa assepsia “objetiva” e um pouco “ci- Para sermos justos, seguindo Aristóteles e Tomás de
entificista” que se lhe tenta impor de modo pretensioso. Aquino, qualquer esforço leal de penetração cognitiva na re-
Como tampouco assombra que, no momento presente, alidade que nos circunda pode ser instrumento para melho-
multipliquem-se as reações contra essa dissociação entre fi- rar o conhecimento que dela temos. Inclusive, aqueles que
losofia e vida cotidiana, entre pensamento abstrato e conhe-
se equivocaram, assegura Aristóteles, contribuem para fa-
cimento encarnado na pessoa concreta.
zer fecundo o conhecimento, ao menos na medida em que
devemos aprofundar em nosso saber sobre o universo para
5. Contribuições contemporâneas desentranhar e superar os seus erros. Vendo por essa ótica, os
mesmos modos de pensar relativista, o positivismo, o histo-
Como foi
com o pensamento clássico e com filósofos e
ismo, os distintos modelos de irracionalismo, os cientifi-
teólogos de inspiração cristã, o esboço da modernidade, fei-
cismos, as derivações niilistas, profusamente presentes nas
to no capítulo precedente, não busca ser completo nem
exaustivo de fato, nem todos os filósofos dessa etapa acei- últimas décadas, auxiliam o nosso trabalho como filósofos.
tam o conjunto de traços qualificáveis como “modernos” Quanto a alguns deles, como os relacionados com o
(assim, coloquemos, como exemplos, Nicolau de Cusa, Mar- desenvolvimento científico dos últimos tempos, faremos refe-
Sítio Ficino, Malebranche, Vico e, até certo ponto, Leibniz”); rência nos capítulos sucessivos. Agora bastará aludir às cor-
rentes que, de maneira direta, fizeram uma clara contribuição
ao desdobramento da inteligência humana; para todas,
não

Cf. PossenT:, Vittorio. Filosofia pois ainda estas serlam numerosas em demasia, desde a ana-
27, rivelazione. Roma: er Nuova, 1999,

e
lítica e demais filosofias da linguagem, passando pela feno-
7 INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA
75

AE de feitio também plural e de vários sentidos, até


chamar filsofias do diálogo, que são
angustiado e cheio de paixão aventureira - zu
den Sachen
selbstl, para as coisas mesmas! Com ele, revoluciona tipo
o de
o quese convencionou
ximaspersonalistas, a
retórica, o conjunto da la filosofia
É
filosofia
aos hermenêutica,
prática e,
MEDEquisé
aSeRTRO:
apurar, o heterogêneo mostruátário de autores que se reconhe ES
p:

E
d

ee togicismo clentificista, que domina então


samento ocidental, tentando
lidade que a havia caracterizado
devolver
desde
boa parte do per-
para a filosofia a qua-
as suas mais remo-
asi tas origens; a atenção à realídade tal como
ela é, concretamen:
como pós-modermos?* Trataremos de al
6:

cêm.a mesmos si
, centrado-nos em cada caso naquel: quela que talvez
e

te, ao que Husserl qualificaria como


"mundo vital”, cotidi-
históri
Seja a sua mais clara contribuição ano, próximo ou com expressões parecidas.
"

tribuição para a história do pensa-


US
para

Em definitivo e sem perder-nos aqui em tecnicismos


à filosofta, o que o célebre filó-
Mes antes convém assinalar Os traços comuns a esses

ao
impróprios a uma Introdução
cisun
nano:
1) sua pretensão de acessar
novamente sofopropugna é, simplesmente, o “saber olhar” a realidade
descobrir algo de
io é em mesma, depois de sécu alos de um racio- h

auto. é
Ã

como requisito inevitável para conseguir "fenômeno", de


Telismo Jogicista encerrado no próprio conhecimento certo alcance sobre ela. De fato, o termo
encial, e empirismos de disti into corte, limitados a
de
ascendência grega e sendo utilizado já por famosos pensa-
Husserl, “o
tão só dores do Ocidente, quer expressar, na visão de
al,

explorar à exterioridade do que existe; 1) a tentativa

oeos
de flexibilizar o método de aproximação ao que se mostra” a nós quando
observamos o mundo com um
Iplementar de matizes
Legemonta que empobrece a racionalidade olhar alerta e livre de preconceito, algo dotado
fica, levado a desconhecer, por exempl. o, o metódicos próprios e inegáveis no pensamento de seu au-
riquíssimo mundo da vida vivida cotidianamente pelo fome
levade
tor, mas não muito afastado do que
tradicionalmente se
o

da rua e, no outro extre: mo, as realidades suprem:


ã

um sentido a essa existência diária.


ã

pagas conheceu como contemplação ou teoria


Emsuas Idéias para uma fenomenologia e para a uma
Tosofia fenomenológica, Husserl nos dirá, por exemplo, que
fi-

'dado')
a) A fenomenologia “tudo o que se nos oferece à nossa experiência (o ofere-
ostenta direito original a ser acolhido tal como se nos
À expressão efeito se oferece”. O que,
paradigmática
ligmática de do que expressa o parágra- ce e dentro dos limites nos quais em
á

a sustentar que
precedente dos maiores com palavras talvez mais simples, equivale
fofo
encontramos
dente
encontramos em em um um jaio! filósofos tó:
força à
à começo de qualquer filosofia autêntica remete por
à

contemporâncos, Edmund Husserl, pai das orientações


co: E

decisão de não rejeitar nem acrescentar nada às nossas percep-


agrupadas sob o nome comum de “fenomenologia”. Em um tudo só daquilo aparece ante
seu ções, senão tomar nota de e que
SA intelectual e vital,
desdobramento
i!
le to
if

1
lança um grito, que ao mesmo tempo, um pouco nós.
Portanto, o termo “fenômeno”, traduzido corrente-
sentido
mente por “aparência”, não se deve interpretar no oculto
falsear um fundo
corZA, Deforma consciente e voluntária, a perspect iva que hoje vem sendo
do que induz ao erro por cobrir e
aparência”). Pelo

CA Ao
de

(“as aparências enganam”, “fulano é pura


tada como "pós-moderna" e que está
tomo à mudança rellênio, DM) do assi
contrário, em uma acepção mais literal e etimológica,
configuração dos anos que se situam em
deixada de lado na presente Intro manifes-
dexa de lado presente Iniredução à
na
flosofa Em parto, porque ainda xá nala simplesmente “o que se mostra”, como uma
ele: o olhar
tação genuína da realidade que aparece graças éa
de Husserl,
Prever o alcance este movimento,sto, plena de uma pessoa, para dar um exemplo que não
Prever o.alcênce que est
efervescência, irá alcançar nobreza que encerra em
em
que
ai aínda

pode revelar, em muitos casos, a


pela
76 INICIAÇÃO À FILOSOFIA. A FILOSOFIA NA HISTÓRIA 7
seu interior, do mesmo modo que o filosóficos, em cuja base se encontra uma verdade quase
comportamento educa-
do e sem afetações apregoa a delicadeZa de
seu espírito. Gbvia: existe uma clara relação entre o pensamento humano e a
De forma parecida, ainda como.
que os fenômenos se inguagem em que se expressa, que poderia qualificar-se
apresentem inicialmente para a sensibilidade do ser huma- de proporcionalidade. Porém, ainda que a reflexão inte-
no, Husserl não limita o âmbito de suas indagações ao sen- lectual, de caráter marcadamente espiritual e metafísico, não
sível, singular e passageiro. Muito pelo contrário, falada, não há
com per. possa se reduzir à sua manifestação escrita ou
feita correção, afirma a
que percepção nunca nos oferece um dúvida que deixa um rastro tão claro nessas expressões que
Puro fato individual, senão também, sempre, uma essência 0 estudo dessas últimas pode contribuir em grande propor-
universal se alguém interpreta alguns acordes d'O
-
to de Aranjuez,
concer.
esse som oferecerá características únicas e
e
ção para o esclarecimento de nosso saber da natureza e
estruturas da realidade.
singularíssimas que não podem ser obtidas com um instru- Interessa apenas, para o fim buscado nessas Linhas
mento distinto do violão e que, inclusive, diferem de qual- históricas, lembrar o início do que se chamou “o giro lin-
quer
outra interpretação do mesmo tema. Mas o fato de que gúístico” - a tentativa de certos lógico-matemáticos e outros
aquilo” possa ser qualificado não só
como uma peça de. experts em filosofia da ciência por encontrar um idioma
uni-

o
terminada, senão que, de uma forma mais universal, como sentidos,

e
voco, preciso e sem ambigiiidades, sem duplos apto
oão e Som", mostra que, em sua percepção, não atratar a realidade inteira com o paradigma do conhecimen-

Epenar
é
somente ex tem aspectos individuais mas também um con- to “científica” de matiz matemático, considerado como o
deles. É o que Husserl! chama- único verdadeiro. No final, semelhante pretensão se domons-
trou repleta de problemas. O que merece pelo contrário
Husserl rechaça, desse modo, o empirismo e oferece: nossa solicitude é justamente a reação que surgiu ante a
-nos crítica radical ao relativismo, talvez ainda não su-
uma
pobreza de semelhante projeto e que levava consigo, de for-
perada, que esboçaremos em capítulo posterior, Por essa ma muito similar à fenomenológica, o esforço por devolver a
ão, loga ao pensamento e à cultura dos últimos decênios filosofia à vida real, refletida justamente na linguagem ordiná-
um
instrumento irrenunciável. Seguramente, a filosofia não é ria,
redutível à fenomenologia, e aí se encontra talvez deé Sem dúvida, houve excessos entre os seguidores das
o
quebra do iniciador desse movimento. No entanto, oponto
momer várias correntes da filosofia “analítica”, que é o nome mais
to fenomenológica de observação
sem preconceito da realida. comum com o que se designa o conjunto de estudiosos da
de de "ouvido atento ao ser das coisas", constitui,
por u linguagem. Entre os mais claros, a postura que se encerra
lado, o começo inevitável de todo o filosofar; ademais, deve
nas expressões lingúísticas que as absolutiza, fazendo delas

A
se manter como pedra de toque e ponto de referência duran. a única realidade verdadeiramente existente. À análise da
te todo o processo em
que o conhecime ento filosófico se de- linguagem não se configura então como o caminho que tor-
il
s &

na mais factível e adequado o acesso ao real, mas como um


tipo de consistência opaca, que antes impede o trânsito para
b) A filosofia da linguagem o pensamento que sustenta a linguagem e para as realida-

interesse atual pela linguagem remonta a tem


O li

os
des às quais um e outro se referem. Daí que a análise lin-
gúística induziu alguns de seus cultivadores a rejeitar não
relativamente distantes e a figuras de grande densidade À. só a metafísica, mas qualquer outra disciplina que preten-
á

Iosófica, entre as quais cabe destacar Frege e Moore. Trata- desse afirmar algo significativo sobre a realidade (humana
e uma nova maneira de defrontar-se com
os problemas ou infrapessoal).
de
78 INICIAÇÃO À FILOSOFIA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA

“filosofia hermenêu-
Como contrapartida, o interesse pela linguagem levou vosso século, o que se conhece como a
amiúde
a pôr sob censura certos “abstracionismos” e tica”, tal como à apresentam os seguidores de Ricoeur ou

'formalismos” nos quais incorriam sistemas modernos, os Gadamer, alcan-


assim como a superação de doutrinas redutivistas, como o Segundo indica o nome, a hermenêutica busca
próprio racionalismo, fisicalismo ou o cientificismo. Penso (cor a verdade do expressado num texto ou em alguma ou-
que é esse o contexto no qual devem entender-se as palavras tra manifestação cultural, mediante uma interpretação que
com que Wittgenstein propunha lutar contra a ilusão
enga- considere as circunstâncias concretas em que se escreveu ou
nosa do entendimento produzida através da linguagem, elaborou, circunstâncias tais que modificam consideravel-
convertendo a sua análise em um tipo de “terapia” que aju- ente o sentido que hoje, em atenção a nosso particular
da a afugentar os falsos problemas (as “enfermidades” do
pensamento) originados pelos filósofos?,
contexto, tendemos
a atribuir-lhe.
Em grande medida, atrativo atual dessa corrente
o filo-
antes
Dito com otítras palavras, o melhor da filosofia anatí- sófica responde a razões similares às dos movimentos
tica tende a recuperar o contato imediato com realidade,
subordinando a ela o presumido valor dos procedimentos
a tvocados. À hermenêutica, graças à sua atenção para com
«questões artísticas, históricas, filológicas e em geral
do espí-
lógico-formais com que o pensamento se esforça por demons- racionalidade
tito, apresenta-se como uma alternativa
à rígida
trar um conjunto mais ou menos incompreensível de con-
clusões abstratas. Do ponto de vista metódico, o mesmo
que
(do cientificismo e, de acordo como que sustentam os
livadores, das metafísicas “tradicionais”, encaminhadas
seus cul-
a fenomenotogia, a filosofia da linguagem tem
mais relação indubitável e inclusive "coer-
com “mostrar” ou fazer ver que com o “demonstrar”, que, para uma verdade absoluta,
citiva”,
nos últimos séculos de extremado
havia sido equiparado ao simples “calcular”. e
peculiar racionalismo, i
Daí que os hermeneutas saibam pôr à disposição de
(quem os lêem ou escutam "interpretações"
flexíveis e sem-
Fenomenologia e análise da linguagem, cada uma a seu vinculadas e condicionadas
modo, convídam-nos, pois, a não recortar a realidade circundan- pre frescas, intrinsecamente culturais e por
pelas diversas tradições, pelos preconceitos
te, a abrir sem preconceitos nossa mente à abundante, variada e modificando notavelmen-
complexa experiência que o universo e o ser humano geram em outros fatores. Estes, ainda que a
te, não impedem, contudo, no dizer deles, uma autêntica
cada tm de nós e, ao menos no caso dos melhores, a trazer luz de-
compreensão justificada não só dos textos aos quais se

0 que essas manifestações escondem em seu interior, ainda


frontam, mas da realidade em si mesma, que sempre
Uma e outra encontram seu limite e falham estrepito-
mediada pela linguagem.
samente, segundo dizíamos, quando elas pretendem erigir
Desta sorte e contra o que muitos outros representan-
se na filosofia, todo-poderosa, excludente e inesgotável, mas herme-
isso não impede que componham um instrumento impres- tes do pensamento atual defendem com afinco, os
autenticamente da verdade;
cindível para intciar e prosseguir a investigação filosófica neutas tentam aproximar-se dos tex-
admitem leituras mais ou menos corretas e adequadas
tos, contrastáveis pelas restantes pessoas que os lejam e, ao
c) A hermenêutica a
mesmo tempo, evitam rigidezes racionalistas e preservam
diversidade das explicações legítimas, ao estilo de uma par-
De algum modo relacionada com a fenomenologia e
títura que não elimina a originalidade interpretativa de cada
à análise da linguagem, desenvolveu-se enormemente, em
um dos que a executam.
Mas, do mesmo modo que nos casos anteriores, tam-
29. Cf. SanGuiNET, Juan José, fntroduzione alla filosofia, cit. pp. 69 e se.
Ppém eles sofrem
atentação de extrapolar as suas hipóteses
81
so INICIAÇÃO À FILOSOFIA AA FILOSOFIA NA HISTÓRIA

tor-
e conclusões. Muito influenciados pelo último Heidegger e leneloso respeito” *, Com outras palavras, a linguagem se
com fundamentos diversos dos analíticos, os filósofos aos 114 insuficiente quando não remete, para
além de si mesma, ao
quais aludimos correm
entretela ou no fundo
o risco de transformar a palavra na
último que constitui a realidade. Tudo
pensamento do qual procede e
nhecimento.
à realidade que fecunda esse co-

Em suma, “o limite das reflexões hermenêuticas, para


ss

tende a reduzir-se à linguagem, Esta se configura como um


certo medium, como algo “prévio” ao universo e do qual à fenomenologia e para a análise da linguagem,
encontra-se
depende o mundo histórico-cultural, como também o ho- em sua absolutização, São verdadeiras no que afirmam, mas
mem, À essência mesma do ser humano, fruto exclusivo de falsas no que negam ou, se for preferível, na pretensão de
sua historicidade, acha-se caracterizada e definida pela txeluir que a filosofia possa valer-se de outro modo de pro-
linguagem, é esta que o une à totalidade e ao fluxo da histó-
ria, O mundo existe para o homem só porque é dito ou foi dito
ceder
- o demonstrativo -, que tradicionalmente lhe pertence.a
Mas o alargamento de horizonte que essas perspectivas levam
uma
por alguém. termo, em comparação com o pensamento moderno, constitui
Há muito de positivo nessas afirmações: o verbo com contribuição que nenhuma filosofia pode hoje desprezar”**.
que expressamos a realidade depende em certo modo, nunca
de forma absoluta, do lugar, do tempo e da situação cultu- 1) A teoria da argumentação
tal do homem que o concebe. Convém, pois, agradecer a
Gadamer suas invectivas contra o iluminismo e o raciona- Insistindo num ponto da valorização antes transcri-
lismo, ao mostrar o valor da autoridade e da tradição con- ta, importa sublinhar que a hermenêutica dá pouca aten-
ção aos aspectos argumentativos do discurso filosófico
e,
tra o preconceito mais radical dos iluministas que, exaltan-
do de maneira desmesurada a razão humana, pretendiam- neste sentido, à verdade em sua versão forte. Isso não ocor-
na capaz de uma verdade absoluta, definitiva, de todo au- à
re, ao menos primeira
se convencionou chamar
vista,
de
com
a
“teoria
corrente
da
filosófica
argumentação”
que
ou
tônoma quanto a qualquer influxo exterior e ainda incapa- à
citada para crescer, corrigir-se a si mesma ou desenvolver- ova retórica”, fundada por Chaim Perelman próximo
se. década de 1950, a qual foi ganhando adeptos com o passar
funda-
No entanto, para que semelhante racionalismo seja (do tempo
e, em especial, em torno da morte de seu
dor, não faz ainda muitos anos.
superado, não é suficiente trazer à luz nossos “pré-conhe-
Na sequência dos avanços que assinalamos a respeito
&

cimentos”, como os denomina a hermenêutica; também não


basta transcender a interpretação que cada qua! leva a cabo da modernidade e contra a hegemonia um pouco tirânica e
por influxo quase determinante de seu ambiente, por meio homogênea do “científico”, o tipo de argumentação que pro-
de outras exegeses mais puras e contextualizadas, supera- põe esse movimento é aplicável aos mais diversos campos,
desde a literatura até o direito, desde a filosofia até a políti-
por sua vez, por outras ainda melhores, sem nunca
-
das,

a ca. Sua fonte última de inspiração é Aristóteles a nova


abandonar tirania do texto. É necessário, como sustenta o aristotélica, sempre
filósofo italiano Francesco Russo, "um ponto de referência retórica adapta a dialética que ocorria
entre dois interlocutores, ao âmbito de um auditório
mais
externo, um conjunto de valores não negociáveis e indepen- da palavra, exer-
dentes da linguagem, aos quais devem adaptar-se os nossos amplo; nele, ademais, só o orador faz uso
Juízos. Em outras palavras, uma realidade que não exige ne-
cessariamente a expressão lingúística, mas permanece sen-
do válida também quando não a mencionamos. Mais ain-
da, que alcança uma força indescritivelmente maior no si-
E INICIAÇÃO À FILOSOFIA AA FILOSOFIA NA HISTÓRIA

cendo a faculdade de persuadir através de raciocínios e de filosofia


+) À
prática
outros meios psicológicos. O característico dessa retórica, o
que até certo ponto a dota de fecunda flexibilidade, é nã
Com uma relevância muito maior que a da nova retóri-
que
se apóia em verdades indubitáveis, mas em opiniões admiti. fazendo, desta vez, remissão a Aristóteles e a Kant, surge
11

das pelo conjunto dos seres humanos, tentando partir delas


demonstrar a tese proposta pelo orador, ou então refutar o a nuiro movimento, o qual apela também para uma raciona-
lidade não-clentífica. Trata-se da chamada “filosofia práti-
Esta se configura como uma reflexão sobre as ativida-
que sustentam outras pessoas, fazendo-as incorrer em con- 14”,

tradição ou em oposição ao que opinam os ouvintes. «des humanas, especialmente a moral, a política e o direito,
São três, ao menos, as vantagens claras «ue pretende um alcance valorativo, em vez de simplesmente
que oferece a
retórica-dialética. i) Permite atuar no campo da ética, da deserever, como as ciências sociais, na verdade aspira ditar
política e do direito, quer dizer, na esfera das questões media- normas que dirijam o agir humano nesses âmbitos "práti-
das pela liberdade, nas quais não cabe a necessidade e exa-
io próprias do saber Segundo explica Millán-Puelles, “uma boa parte da
estritamente teórico. ii) Apela para
uma racionalidade aberta e não constritiva, que é capaz de filosofia analítica - a de matiz positivista ou o neopositivis-
considerar a opinião de todos, experts ou não, facilitando ta havia reduzido a ética à lingúística da moralidade, e o
assim a comunicação, a compreensão recíproca e a colabo- papel da razão (...) a uma análise da linguagem ética. Isto
ração para resolver os problemas práticos. iii) Toma nota dos €, segundo esses analistas, a ética seria (...) um mero estudo
condicionamentos mais variados, desde os culturais, soclais
da

linguagem ética, um estudo das palavras reto”, 'incorre-


eideológicos, até os linguísticos, sem incorrer por isso no rela- to', moral”, 'imoral', 'direito', 'dever', “obrigação; ou seja,
tivismo nem
Porém,
no ceticismo. uma análise da linguagem, mas sem tomar partido”,
“Frente a isso, hoje já se fala novamente de ética em
junto a estes e outros méritos
inegáveis, a nova
retórica é afetada por limitações também características, um sentido comprometido, não na mera acepção de uma
Pode-se resumir dizendo que aceita e imálise da linguagem. E nisso se deve reconhecer que Ha-
consagra uma clara
auto-subordinação quanto ao cálculo lógico-científico, ao qual bermas contribuiu decisivamente, discorrendo acerca de
atribui um valor de verdade mais claro, de modo
que a de-
terminação dos meios, própria da ciência, é mais segura e
«vomo
se
pode falar também de 'verdade' no âmbito da prá-
xis, entendendo por práxis ou por prática não somente a
válida que a caracterização dos fins e valores, reservados
para a retórica. Opõe-se também Perelman ao que denomi- ação
ização de atos tecnicamente úteis, mas também
de atos moralmente É
qualificáveis, um evidente
a
reali-
acerto
na de “filosofias primeiras”, dogmáticas e “metafísicas”, no reconhecer que a razão tem direitos na configuração da vida
sentido pejorativo do termo, que aspiram a uma “saber ab- (lo homem, não só para fazer um estudo da física, da quí-
soluto”, a um tipo de “olhar divino” e tolera tão só a filoso- inlca ou da biologia. Também deve ser orientadora do com-
fia “aberta”, argumentativa, dialética, dotada de
exclusivo portamento”,
alcance prático e avalizada somente “A meu juízo, o inconveniente de Habermas consiste
por seus resultados. Em
em que, em definitivo, as normas dadas pela razão devem
consequência e nas palavras de Berti, “participa do dogma
cartesiano-spinoziano do mos geometricus como único mê- ser fruto de consenso. De qualquer maneira, importa reco-
todo racional válido, apesar de ter nascido contrário a ele” 2, nhecer-lhe o mérito de ter buscado devolver à razão - ain-
(da que só seja uma razão consensual e meramente dialogan-
te, que carece de valores absolutos - o direito de dizer algo
no terreno prático, no âmbito da orientação da conduta
32, Bexm, Enrico. Le vie della ragiane, Bologna: 11 Mulino, 1987, p. 81, no quai
se inspira todo o parágrafo,
humana, À razão tem algo a dizer não somente em física,
a INICIAÇÃO À FILOSOFIA AA FILOSOFIA NA HISTÓRIA E

em biologia, em matemática ou em geral dentro das disci- fa de conhecimento não propriamente cognitivo nos domí-
plinas que, na terminologia analítica, denominam-se descr; nios da moral, isso com base em certos critérios, que inclust-
tivas, senão também nas prescritivas - nas que dão normas ve caberia declará-los como “irracionais” desde a perspec-
ou preceitos”, tiva própria da razão pura.
AA
referida distinção entre práxis e teoria era clássica
desde Aristóteles e esteve mais ou menos vigente até já bem 1 Em direção ao futuro
iniciado o século XVIII. Mas, no final desse século, o prático
se colocou sob o domínio das ciências sociais, abandonan- Segundo sugerimos, as correntes filosóficas aludidas
do o terreno próprio da filosofia e se empobrecendo de ma- não esgotam nem o conjunto do pensamento desenvolvido
neira muito determinante. Na já passada década de 1970 nos últimos decênios, nem sequer o daqueles cujo influxo
teve lugar uma.decidida “reabilitação” da filosofia prática, merece ser destacado por suas contribuições diretas ao
talvez para dar uma resposta não-ideológica aos problemas «desenvolvimento do conhecimento humano. Ficou de fora,
apresentados pela escola de Frankfurt, isto é, para superar para não mencionar mais que um, o variado conjunto de
filósofos conhecidos genericamente como “personalistas”,
essa fecnocracia que, estando de acordo no que se
refere aos
meios, às soluções técnicas, abandonava a questão do fim e com expoentes do porte de um Buber ou um Lévinas, de um
do sentido à mera subjetividade e às decisões racionalmen- Marcel ou um Mounier, e tantos outros que recuperaram
te infundadas. para o ser humano as dimensões estritamente pessoais (di
O movimento cresceu desde então, sendo que a ele se úlogo, amor, encontro), relegadas pela maior parte dos
somaram representantes de quase todas as outras correntes “modernos”, apesar de seu declarado antropocentrismo.
atualmente em vigor - desde o já citado Habermas, passan- 'ampotuco foram mencionados relevantes discípulos de
do por Gadamer e os onipresentes Eco e Vattimo, até o neo- Husserl, atentos também à condição pessoal, como Scheler,
hegeliano Ritter, alguns fenomenólogos e certos analíticos Dietrich von Hildebrand ou Edith Stein, cuja ascendência e
de origem anglo-saxônica. Às conquistas que seguem obten- influxo no milênio recém inaugurado nunca poderemos
do, as quais se situam na linha da explicação de Millán- alentar com o vigor que lhes corresponde.
Puelles, são cada vez mais abundantes. Contudo, da mes- De qualquer forma e agora com maior conhecimento
ma forma que a retórica, em muitos de seus representantes de causa, importa sublinhar a dupla e relacionada conquis-
continua atuando uma sorte de preconceito, pelo qual a fi- ta que o melhor do pensamento contemporâneo supôós para
losofia não seria capaz de transcender a esfera do prático, à marcha da filosofia :
1) Por um lado, um notável enriquecimento dos temas
resignando-se a "outorgar à racionalidade científica o mo-
suscetíveis de tratamento e conhecimento mediante a reflexão f-
nopólio do teorético”*.
Talvez seja possível ver, nesta negativa e em parte do osófica, de modo que esta se aproxima notavelmente do
anteriormente exposto, a herança da cisão da razão levada universo daquilo que realmente existe ao nosso redor, sem
à termo por Kant, em virtude da qual os princípios da ra- reservas originadas por rijezas metódicas.
Por outro lado e conforme a última observação, o
ii)

7zão teorética ficam reservados


para o âmbito das ciências aumento a flexibilização das possibilidades do entendimento
e
naturais, enquanto que se atribul à razão prática uma tare-
Tiumano e, como conseqiência, do mesmo conceito e vator
de verdade, agora muito mais ricos que em outros momen-
tos de nossa história.
SALAO
39, MiLáN-PomLIES, Antonto, Ética y reallmo. Madrid:
21. (Dividiu-se em três o único parágrafo do autor).
St. Berro, neico, fe vie defiz ragione. it.
194,
Rial

Os mais clarividentes filósofos de hoje, de quem con:


tituem um eco de exceção as proposta da Fides et ratio, lon-
86
INICIAÇÃO À FILOSOFIA

ge de qualquer tipo de rigidez engessada, oferecem


digma da razão polivalente flexível. Da um para-
ente da conhecida afirmação aristotélica, mesma forma que o
que “se diz de mui.
tas maneiras”, sem que isso conduza
a um desmembramento
da realidade que a dissolva na
fragmentariedade e no caos,
também
oque, com certa estreiteza, acaba por assimilar-se
ao vocábulo "razão" ostenta hoje
uma elástica variedade de
sos e significados. Frente ao que parecia impor-se no final
do séc. XIX e boa parte do séc. XX,
validade cognitiva de um olhar na atualidade, é clara a
para a realidade que seja
diferente e distante do cientificismo
lista. Um modo de conhecer objetivante e raciona.
que, segundo já se insinuou e
Para não se afastar do nosso âmbito de
sente nos melhores representantes do estudo, esteve pre-
tal ao longo de sua inteira história, pensamento ociden.
hebraicas e gregas e que não nos é lícitadesde suas origens
já ParTEN
O êxito da filosofia abandonar?
nos próximos decênios depende, ENFOQUE TEMÁTICO
pois, da capacidade que cada um venha
não deixar que se perca o a demonstrar para
que de positivo descobriu-se ao
longo de toda a história do pensamento
ções" preconceituosas que eliminem ocidental, sem “elei-
autores ou “fases” com-
Pletas de reflexão enriquecedora. Dada
a fecundação rec.
proca das distintas manifestações do espírito
permitam transcender os limites concretos de humano, que
delas, a civilização atual cada uma
Tecer bases intelectuais
aposta na possibilidade de estabe.
profundas e duradouras, aptas a
sustentar e orientar o desenvolvimento
nidade perfectivo da huma.
nos tempos futuros.

35. Cf. Poss Vittorio. Filosofia e rivelazíone, cit.


p. 27.

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