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Universidade Federal de Pernambuco

Programa de Pós-Graduação em Educação

ANDREZA NÓBREGA

CAMINHOS PARA INCLUSÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE


ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO INFANTO-JUVENIL

RECIFE-PE

2012
ANDREZA NÓBREGA

CAMINHOS PARA INCLUSÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE


ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO INFANTO-JUVENIL

Dissertação apresentada à Universidade


Federal de Pernambuco-UFPE, para
obtenção do título de Mestre em Educação,
junto ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Educação, na área de
Didática de Conteúdos Específicos,
Subárea de Educação Inclusiva. Orientador:
Prof. Dr. Francisco José de Lima.

RECIFE-PE
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460

N754c Nóbrega, Andreza.


Caminhos para inclusão: uma reflexão sobre áudio-descrição no
teatro infanto-juvenil / Andreza Nóbrega. – Recife: O autor, 2012.
240 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Francisco José de Lima.


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.
Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.
Inclui Referências e Anexos.

1. Educação inclusiva. 2. Acessibilidade comunicacional. 3. Áudio-


descrição. 4. Deficiência visual. 5. UFPE - Pós-graduação. I. Lima,
Francisco José de. II. Título.

CDD 371.9 (22. ed.) UFPE (CE2012-85)


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CAMINHOS PARA INCLUSÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE ÁUDIO-


DESCRIÇÃO NO TEATRO INFANTO-JUVENIL

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________________
Prof. Dr. Francisco José de Lima
1º Examinador/Presidente

___________________________________________
Prof. Dr. Jefferson Fernandes Alves
2º Examinador

___________________________________________
Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa
3ª Examinadora

RECIFE, 30 de maio de 2012.


Dedico este trabalho à minha mãe.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela graça de reencontrá-lo na minha vida.

À minha mãe, por ser minha inspiração, minha força e exemplo de vida.

Ao orientador desta pesquisa, Prof. Dr. Francisco José de Lima, pelas


provocações lançadas, por confiar no desenvolvimento das minhas habilidades,
e, sobretudo, por me apresentar e instaurar a inclusão na minha vida/arte.

A Renata Nóbrega, a jovem professora que me inspirou e desmitificou


o caminho para acessar o mundo acadêmico.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação da


UFPE, por influenciarem na solidificação de minhas escolhas acadêmicas,
ajudando-me a identificar os caminhos para fazer esta pesquisa.

Aos professores Maria Lúcia, do Departamento de Métodos e Técnicas


de Ensino (DMTE) do Centro de Educação, e Luiz Reis, do Departamento de
Licenciatura em Artes Cênicas, do Centro de Artes e Comunicação, por
participarem da qualificação deste trabalho, fornecendo valorosos comentários
e sugestões presentes nessa dissertação.

À minha amiga e orientadora profissional, Galiana Brasil, que enquanto


supervisora de estágio lançou-me a primeira provocação para que eu buscasse
aprimoramento e especialização na área de arte e inclusão (área esta que, na
época, eu ainda desconhecia, mas já almejava).

Ao Sesc Pernambuco, por garantir o fomento para exequibilidade da


coleta de dados dessa pesquisa. Especialmente ao olhar acolhedor de José
Manoel Sobrinho, Galiana Brasil, Teresa Ferraz e de todos profissionais da
Divisão de Educação e Cultura da instituição.

Ao Sesc de Santo Amaro, por acolher carinhosamente o processo de


construção de Nem Sempre Lila e as etapas de coleta de dados.

Às Instituições que prestam serviço de assistência à pessoa com


deficiência visual, especialmente aos usuários da áudio-descrição e sujeitos da
nossa pesquisa.

Aos colegas da Turma 28 do Mestrado, em especial à Fabiana


Tavares, por caminhar ao meu lado, orientando de perto meus primeiros
passos nesse universo, até pouco tempo, totalmente desconhecido para mim.

À leitura atenta dos meus escritos realizada por Reili Amon-Há, Thais
Talyta, Joelson Vale, Marcella Malheiros e Gustavo Souza.
À minha amiga e irmã, Thais Oliveira.

À Joelson Vale, por encorajar meu voo.

Aos amigos do Grupo Quadro de Cena, Eduardo Rios, Marcella


Malheiros, Milena Marques, Thomás Aquino, pelo incentivo, pela amizade, por
Nem Sempre Lila.
Então, é impossível o teatro para cegos? Não. Ele existe.
É aquele que, num sentido extremo, os faz ver.

Denis Guénoum
RESUMO

A presente pesquisa analisou as contribuições da áudio-descrição para a


recepção e fruição do espetáculo teatral por espectadores com deficiência
visual, examinando os relatos das informações visuais captadas, refletindo em
que nível elas são imprescindíveis para usufruir de produtos artísticos e assim,
caminhar em direção à inclusão cultural, educacional e social da pessoa com
deficiência. De cunho qualitativo, este estudo recorreu à criação de um caso
significativo em que se evidencia a acessibilidade comunicacional para pessoa
com deficiência visual, caso este que fora aplicado o recurso da áudio-
descrição no espetáculo “Nem Sempre Lila” direcionado à infância e juventude,
com sua posterior análise, por meio de uma entrevista individual, visando
identificar elementos visuais captados pelo usuários da áudio-descrição. A
análise revelou que a recepção e fruição do espetáculo por meio da áudio-
descrição se torna muito mais significativa, ao passo que os sujeitos se
relacionam com os diversos elementos da teatralidade (cenário, figurino,
movimentação cênica, iluminação, maquiagem) que influenciam a forma de
sentir e receber a obra, empoderando-os para que possam emitir seu
posicionamento crítico enquanto espectador, que é aspecto importante para a
área do teatro-educação. Além de confirmarem os benefícios do recurso, os
sujeitos deste estudo expressaram o sentimento de acolhimento ao serem
reconhecidos e valorizados enquanto ser humano participante de ações
comuns a todos, como ir ao teatro.

Palavras-chave: Áudio-descrição. Inclusão. Acessibilidade comunicacional.


Tecnologia assistiva. Teatro-educação.
ABSTRACT

This research examined the contributions of audio-description for the reception


and enjoyment of a theater play from the point of view of people with visual
impairments. By examining the report of the visual information captured, and
reflecting on what level they are essential to enjoy artistic products and thus
move toward to cultural, educational and social inclusion of a person with
disability. The qualitative approach of this study was based on the creation of a
study case in which communication accessibility for visually impaired person
was applied, which means; the use of audio description in the play “Nem
Sempre Lila" conceived to children and youth audience. It was analyzed
throughout interviews, in order to identify visual elements captured by the users
of audio-description. The analysis revealed that the reception and enjoyment of
the play through audio description becomes much more significant, while the
interviewed gets into contact to different elements (scenery, costumes, scenic
drive, lighting, makeup). It influenced in the way that the visually impaired
person feels and receives the play. Audio-description empowered visually
impaired people so they can articulate their critical position as a spectator,
which is important to the area of theater education. In addition to confirming the
benefits of the resource, the participants of this study express the feeling of
being welcome and to be recognized and respected as a human being and also
as a participant of any common action, such as going to the theater.

Keywords: Audio-description. Inclusion. Accessible Communication. Assistive


technology. Theatre education.
SIGLAS

A-d – Áudio-descrição

CAT – Comitê de Ajudas Técnicas

CEI- Centro de Estudos Inclusivos

CHESF– Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

CORDE – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de


Deficiência

FITO – Festival Internacional de Teatro de Objetos

ISO – International Organization for Standardization

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais

MAMAM – Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães

MEC – Ministério da Educação e do Desporto

NBR – Norma Técnica Brasileira

ONU – Organização das Nações Unidas

SEAD – Superintendência Estadual de Apoio à Pessoas com Deficiência

SEDH/PR – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

SESC- Serviço Social do Comércio

UFPE- Universidade Federal de Pernambuco

UNESCO – União das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


TERMOS DEFINICIONAIS

Áudio-descrição: técnica de tradução intersemiótica que transforma imagens


em palavras.

Barreiras comunicacionais: Qualquer entrave que interfira ou impossibilite a


eficiência da comunicação entre pessoas e prestação de serviços.

Empoderamento: dar o poder e a dignidade para a pessoa decidir, opinar


acerca de qualquer coisa.

Fruição: aspecto relativo ao gozo (gostar ou não gostar), prazer ou divertimento


no processo de recepção teatral.

Linguagem teatral: Conjunto de recursos, estratégias e peculiaridades do


fenômeno teatral. As opções do encenador, escolhas estéticas, técnicas, as
formas de criação e utilização dos elementos da teatralidade: cenografia,
indumentária, movimentação cênica, iluminação, maquiagem e sonoplastia.

Pedagogia do teatro: área de conhecimento sobre as finalidades, as


condições, os métodos e os procedimentos relativos aos processos de
ensino e aprendizagem no teatro.

Teatro infanto-juvenil: criação cênica direcionada para crianças e jovens.

Tecnologia assistiva: arsenal de recursos, serviços, metodologias que


contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas
com deficiência e consequentemente promover o empoderamento.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Legendas das cores utilizadas.........................................................111

Tabela 2: Enquadramento das categorias.......................................................157

Tabela 3: Sujeitos espectadores......................................................................168


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15

1. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A SOCIEDADE ................................... 26

1.1 A ARTE E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA ........................................... 30

1.2 A ESCOLA E A SOCIEDADE INCLUSIVA ............................................. 34

1.3 A VISÃO E A DEFICIÊNCIA VISUAL ..................................................... 42

1.4 O PROFESSOR MEDIADOR E AS TECNOLOGIAS ASSISTIVAS ....... 45

2. O TEATRO-EDUCAÇÃO E A INCLUSÃO ................................................. 51

2.2 OS CAMINHOS DO ENSINO DE ARTES NO BRASIL ............................ 52

2.3 O TEATRO INFANTO-JUVENIL E A ESCOLA ...................................... 60

2.4 CONCEITUANDO TEATRO-EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA DO TEATRO


63

3 ÁUDIO-DESCRIÇÃO ONTEM, HOJE E AMANHÃ .................................... 75

3.1 ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO BRASIL.......................................................... 76

3.2 PANORAMA HISTÓRICO DA ÁUDIO-DESCRIÇÃO EM PERNAMBUCO


77

3.3 ÁUDIO-DESCRIÇÃO: TRADUZIR IMAGENS EM PALAVRAS .............. 83

3.4 O ÁUDIO-DESCRITOR: ELABORAÇÃO DE ROTEIRO E LOCUÇÃO .. 92

3.5 O ESPAÇO LABORAL DO ÁUDIO-DESCRITOR NO TEATRO............. 98

3.6 O ROTEIRO: O ITINERÁRIO DA VIAGEM .......................................... 103

3.7 A LOCUÇÃO NA ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO PARA INFÂNCIA E


JUVENTUDE .................................................................................................. 110

3.8 OS PREPARATIVOS DA LOCUÇÃO: RELAXAMENTO E RESPIRAÇÃO


114

3.9 DIRETRIZES PARA ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO ..................... 115

3.10 ÁUDIO-DESCRIÇÃO E RECEPÇÃO ................................................... 125

4. TEATRO E A CARTOGRAFIA DOS ELEMENTOS VISUAIS .................. 128


4.1 O TEATRO: ESPAÇO E ATIVIDADE ....................................................... 131

4.2 O ATOR- CORPO, MOVIMENTO E AÇÃO COMUNICATIVA .............. 135

4.3 INDUMENTÁRIA .................................................................................. 139

4.4 MAQUIAGEM ....................................................................................... 139

4.5 CENOGRAFIA ...................................................................................... 140

4.6 ILUMINAÇÃO ....................................................................................... 141

4.7 SONOPLASTIA .................................................................................... 141

5 METODOLOGIA ...................................................................................... 143

5.1 OS VÁRIOS CAMINHOS DA PESQUISA: “MUDANÇA DE RUMO E A


QUEDA NO BURACO!” .................................................................................. 143

5.2 ETAPA 1- PROCESSO COLABORATIVO DE CONSTRUÇÃO


ARTÍSTICA..................................................................................................... 146

5.3 ETAPA 2: O CASO ............................................................................... 148

5.4 CAMPO DA PESQUISA ....................................................................... 150

5.5 A ESCOLHA DOS SUJEITOS .............................................................. 151

5.6 CATEGORIAS DE ANÁLISE DA PEÇA “NEM SEMPRE LILA”............ 151

5.7 PROCEDIMENTOS E USO DOS INSTRUMENTOS PARA COLETA DE


DADOS .......................................................................................................... 162

6 ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................... 165

6.1 DESCREVENDO O CAMPO DE PESQUISA: ABREM-SE AS


CORTINAS, OU MELHOR, A PORTA DO TEATRO ...................................... 167

6.2 EU ESTOU NO TEATRO: ARQUITETURA TEATRAL ......................... 173

6.3 O JOGO CÊNICO: PROPRIEDADE DA ENCENAÇÃO E TÉCNICAS DE


REPRESENTAÇÃO ....................................................................................... 175

6.4 EIS QUE SURGIA A MOÇA ENCANTADA .......................................... 179

6.5 EIS QUE SURGIA RECIFE E OLINDA ................................................ 181

6.6 CENÁRIO, ELEMENTO DA ENCENAÇÃO .......................................... 184

6.7 ILUMINAÇÃO, ELEMENTO DA ENCENAÇÃO .................................... 186

6.8 E COMO ELA ERA? CARACTERÍSTICAS FENOTÍPICAS/FÍSICAS... 188


6.9 E COMO ERA O FIGURINO? .............................................................. 189

6.10 E COMO ERA A MAQUIAGEM? .......................................................... 192

6.11 E ELA SE MOVIA ASSIM... EXPRESSÕES CORPORAIS, PARTITURA


FÍSICA ............................................................................................................ 196

6.12 GOSTAR OU NÃO GOSTAR, EIS A QUESTÃO!................................. 200

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 210

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 219

Anexo A .......................................................................................................... 227

Anexo B .......................................................................................................... 229


INTRODUÇÃO

“Com a roupa encharcada


A alma repleta de chão
Todo artista tem de ir
Aonde o povo está”

(Milton Nascimento)

Nos palcos da vida, embalados e conduzidos pelos versos que “Todo


Artista tem de ir aonde o povo está”, vida e arte se entrelaçam e compõem os
ingredientes provocadores da investigação acerca do teatro para todos.

Compreendemos como “povo” o conjunto de indivíduos que vivem em


sociedade, sujeitos únicos e irrepetíveis que compõem a diversidade humana.
A labuta do artista não está restrita à doação do que há de mais sublime na sua
expressão artística. Seu ofício não se encerra na eficiente aplicação de
aspectos técnicos e intuitivos, dedicação de meses ou anos ao preparar a
concepção e a construção da obra a ser apresentada. A demanda em questão
é o compromisso do artista com a eficiência dessa comunicação, se de fato sua
arte chega onde o povo está. E para que ela chegue, é necessário repensar a
compreensão do público, levando em consideração todos os desafios e as
riquezas provenientes de suas especificidades.

E arte não é um acontecimento isolado, distante e indiferente da vida.


Ela é, reflete e recria a própria vida. O artista que nela atua é também um ser
social que pode constituir família, viver nas grandes metrópoles, que enfrenta o
trânsito caótico das grandes cidades, tem contas a pagar, filhos para educar.
Cotidiano de um cidadão comum. E como tal, os seus filhos são levados à
escola, ambiente destinado para o ensino/aprendizagem.

A prerrogativa é que o espaço escolar seja um ambiente de educação


autêntica, onde não se faz de A [educador] para B [educando] ou de
A sobre B, mas de A com B, mediados pelo mundo. Mundo que
pressiona e desafia visões ou ponto de vista sobre ele. “Visões
empregadas de anseios de dúvidas, de esperanças ou
desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais
se constituirá o conteúdo programático da educação (FREIRE, 2005,
p.97).

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Preparar o sujeito de forma crítica para a tomada de decisões é o cerne
da educação. Nesse sentido Rubem Alves nos alerta:

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que
são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do
voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o
seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados
sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência
dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros
engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para
dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não
podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não
pode ser ensinado. Só pode ser encorajado (ALVES, 2001).

Acredita-se que uma escola que encoraja o voo do pássaro privilegia


práticas escolares que contemplam a formação integral do sujeito. Adotam na
sua rotina, além dos conteúdos tradicionais de português, matemática, por
exemplo, a existência da linguagem artística, plástica, cinestésica e teatral.

Estimulados pelas experiências do ser artista-docente, que segundo


Marques (2001) é o sujeito que reflete na sua prática docente a conjunção
entre dois universos (artístico e educacional), numa práxis que não abandona
as possibilidades criativas e tem também como função e busca explícita a
educação em seu sentido amplo, fomos motivados a investigar o teatro e a
inclusão da pessoa com deficiência.

O caminho motivacional se deu ao ingressar no curso de Licenciatura


em Educação Artística/Habilitação em Artes Cênicas da Universidade Federal
de Pernambuco em 2006. Já trazíamos, então, na bagagem, uma trajetória
artística com o grupo de pesquisa teatral Quadro de Cena. Nesse período,
vivenciamos a montagem de dois espetáculos direcionados ao público infanto-
juvenil: “O amor do Galo pela Galinha D’água (2006)” e “Historinhas de Dentro
(2008)”. Foram momentos de imersão no universo infantil, reflexões e
conexões da teoria e da prática, atrelados ao ser artista-docente em formação.
Então surgiram as primeiras inquietações. Recorrentes eram os
questionamentos sobre as especificidades da linguagem: “como fazer?” “o que
fazer?”. E, ainda, os aspectos referentes ao processo de recepção próprio do
público infanto-juvenil.

16
Ainda na graduação, ao cursar disciplinas referentes ao ensino do
teatro, ao discutir metodologias empregadas na sala de aula, percebemos a
necessidade de estudar o público alvo com o qual nós trabalhamos. Logo
vimos que era necessário quebrarmos a compreensão de que esse público, no
caso, estudantes, não podia ser visto apenas em função da faixa etária. Seria
pertinente considerarmos as características de todos e de cada indivíduo,
pensando nas suas diferenças, sendo, pois, necessário repensar a nossa
prática.

Surgiu-nos o tema do ensino do teatro para pessoa com deficiência, e


a constatação de uma lacuna na nossa formação, uma vez que na grade
curricular obrigatória do curso não fora prevista disciplina que tratasse do teatro
na perspectiva da inclusão.

Ao refletir a realidade das escolas brasileiras que, de uma forma geral,


ainda estão organizadas para atender a uma sociedade padronizada, cujo
conceito de pseudo-homogeneidade se estende para a estrutura do ensino: na
configuração das turmas, aulas, horários, uniformes, currículos segmentados
em anos e ciclos; chegamos à conclusão de que não levar em consideração a
individualidade e as peculiaridades do alunado é distanciarmos dos postulados
de uma sociedade inclusiva.

É preciso ensinar, na escola e em toda parte, que realmente


aprendemos quando reconhecemos o outro e a nós mesmos como
seres singulares, capazes de estabelecer vínculos sociais. Desses
vínculos, com nossos pares, com os objetos e com os demais seres é
que nasce o entendimento e a compreensão (MANTOAN, 2003,
prefácio).

De acordo com Mantoan (2003), passamos a entender que nosso


trabalho devia considerar a todos não como um ser homogêneo, mas como um
público composto de indivíduos, de jovens e crianças, com anseios e
expectativas individuais, mesmo que partilhadas pelo coletivo. Com esse
espírito, ao virmos para a academia, desejamos preencher outra lacuna de
nossa formação, com conhecimento científico que forma e é formador, não só
dos docentes, mas também dos artistas. Referimo-nos a trazer a arte, em
particular o teatro, às pessoas com deficiência visual que além de serem

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excluídas por razões semelhantes aos demais (baixa escolaridade e baixo
poder econômico), são ainda excluídas por barreiras atitudinais que as limitam
ou tolhem o seu direito de acesso aos bens culturais, educacionais e de lazer.

Por conta disso, nos questionamos a respeito de como tornar o teatro


acessível para a pessoa com deficiência visual, propiciando-lhe as condições
para que alcance a apreciação e fruição da obra de maneira crítica e
independente.

Justificativa:

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o maior índice de


cegos encontra-se em países em desenvolvimento, cerca de quarenta milhões
de pessoas no mundo. A deficiência visual pode ser de origem congênita, a
exemplo do amaurose congênita de Leber (ACL), má formações oculares,
glaucoma congênita, catarata congênita; ou adquirida: traumas oculares,
catarata, degeneração senil de mácula, glaucoma, alterações relacionadas à
hipertensão arterial ou diabetes.

Do ponto de vista educacional, SEESP/MEC considera cega a pessoa


que apresenta “desde a ausência total de visão, até a perda da projeção de
luz”. A fim de garantir a aprendizagem, orienta-se que se recorra aos sentidos
remanescentes (tato, audição, olfato, paladar). Outro mecanismo é utilizar as
tecnologias assistivas. Para pessoa com deficiência visual, recorre-se
principalmente ao Sistema Braille, como principal meio de comunicação escrita.

E para pessoas com baixa visão, aquelas que apresentam “desde


condições de indicar projeção de luz, até o grau em que a redução da acuidade
visual interfere ou limita seu desempenho”, seu processo educativo se
desenvolverá, principalmente, por meios visuais, ainda que com a utilização de
tecnologias assistivas, como o uso de lupas. Dessa forma, é necessário refletir,
analisar e elaborar estratégias e atividades pedagógicas condizentes com as
necessidades gerais e específicas demandadas pela escola inclusiva.

A escola que encoraja o voo do pássaro, numa perspectiva inclusiva,


contempla no currículo o ensino de qualidade, incluindo o ensino das artes, ao
adotar nas práticas pedagógicas ações e estratégias que garantam a

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aprendizagem de todos os alunos. Não se deve negligenciar o ensino de
nenhuma disciplina.

A arte é uma área do conhecimento que clama por espaço e


reconhecimento enquanto disciplina com conteúdos específicos a serem
ensinados na escola. Atualmente há significativos avanços que denotam essa
mudança de entendimento. Porém, a arte nem sempre foi compreendida como
área do conhecimento com conteúdos e metodologias específicas.

Ilustra-se nesse cenário a presença de três grandes tendências que


norteiam o ensino de artes no Brasil: a pré-modernista, a modernista e a pós-
moderna. Dentro dessas tendências encontramos diferentes concepções de
ensino da arte, conforme aponta Silva e Araújo (2008):

Na Tendência Pré-Modernista, encontraremos a concepção de


Ensino da Arte como Técnica; já na Tendência Modernista, vamos
encontrar a concepção de Ensino da Arte como Expressão e também
como Atividade; e finalmente na Tendência Pós-Modernista, a
concepção de ensino da Arte como Conhecimento (Silva; Araújo.
2008, p.4).

Na primeira metade do século XX, sobressai a tendência pré-


modernista, tecnicista, na escola tradicional, onde as disciplinas de desenho,
de trabalhos manuais, de música e de canto orfeônico faziam parte dos
programas das escolas primárias e secundárias. Nesse período, as estratégias
metodológicas estavam voltadas para a valorização de atividades manuais,
aspecto que contribuiria significativamente para capacitação do trabalho. As
habilidades artísticas objetivavam atender as novas demandas geradas pela
industrialização.

O professor assume o papel central, é o detentor do saber, e


desenvolve seu trabalho mediante a realização de atividades focadas na
repetição e na reprodução de modelos primando pelo domínio técnico e pelo
aspecto funcional; ou seja, todas as orientações estão voltadas para controlar
os sujeitos mediante as rédeas impostas pelo sistema dominante que controla
e impõe com os interesses imediatos.

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Em contraposição à Escola Tradicional, e à tendência pré-modernista,
entre as décadas de 1920 e 1970, vivenciam-se pelo ensino da arte novas
experiências norteadas pela estética modernista e pelo movimento da Escola
Nova. Agora o foco de atenção aponta para o desenvolvimento do sujeito, as
práticas pedagógicas de então rompem com as estruturas de repressão e o
professor procura se omitir enquanto mediador do processo de ensino-
aprendizagem. Centra suas atividades na livre expressão dos alunos, na
generalização do “Laissez-faire”, ação deliberada do deixar fazer, restringindo a
aprendizagem apenas para a experiência.

No entanto, o aparecimento de uma nova tendência não exclui a outra.


Vemos os reflexos e resíduos de tais experiências nas práticas dos professores
na contemporaneidade.

A fim de suprimir as lacunas deixadas pelas duas tendências


supracitadas, surge um novo movimento do ensino da arte vinculada à ideia de
construção histórica, social e cultural na década de 1980. Os postulados
defendidos pela Arte/Educação Pós-Moderna estabelecem que a
aprendizagem dos conhecimentos artísticos se dê mediante a inter-relação
entre o fazer, o apreciar (ler), e o contextualizar, dentro do que se denominou
como abordagem triangular do ensino em arte (Barbosa, 2002).

Enquanto no modernismo se privilegiava, dentre as funções


criadoras, a originalidade, preservando o estudante do contato com a
obra de arte, a pós-modernidade vem enfatizando a elaboração,
dentre os processos mentais envolvidos na criatividade. Por outro
lado, o modernismo apelava para a emoção na abordagem da obra
de arte nas escolas brasileiras; já a pós-modernidade aponta a
cognição como preponderante para a compreensão estética e para o
fazer artístico, introduzindo a crítica associada ao fazer e ao ver
(BARBOSA, 2002, p.89).

A evolução da educação em arte sofreu algumas modificações como o


entendimento de arte enquanto linguagem e compreendida como conteúdo
relevante a ser abordado na escola. Ao levar em consideração que o sistema
educacional aponta as diretrizes para o ensino e que nos encontramos numa
fase em que as escolas estão sendo pressionadas a se reconhecerem como
espaço de aprendizagem para todos, primando pela qualidade da

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aprendizagem e do desenvolvimento do ser humano em sua totalidade,
cognição, subjetividade e ser social, sustentaremos o estudo no que postulam
os fundamentos do Teatro e da Teoria da Inclusão.

A inclusão total e irrestrita é uma oportunidade que temos para


reverter a situação da maioria de nossas escolas, as quais atribuem
aos alunos as deficiências que são do próprio ensino ministrado por
elas – sempre se avalia o que o aluno aprendeu, o que ele não sabe,
mas raramente se analisa o que e como a escola ensina, de modo
que os alunos não sejam penalizados pela repetência, a evasão, a
discriminação, a exclusão, enfim (MANTOAN, 2003, p.18).

A inclusão se estende para todos os campos que envolvem a


sociedade, seja no contexto educacional, cultural, de trabalho, de lazer. No que
se refere ao ensino da arte no contexto da inclusão, Reily (2007) trata do
trinômio “história, arte e educação”. Segundo a autora, impera um mito de que
determinadas linguagens de arte são viáveis para certos tipos de deficiências e
inviáveis para outras. Exemplo desse mito é o de que as pessoas cegas seriam
músicos hábeis (Reily, 2007); outro exemplo é o de que as pessoas cegas,
principalmente as congênitas não compreenderiam imagens bidimensionais,
como os desenhos, ainda que táteis (Lima, 2000).

Sob a esteira da incapacidade da pessoa com deficiência visual, há um


mito de que ela não compreenderia os eventos imagéticos dinâmicos, como
filmes, novelas e espetáculos teatrais, devido à preeminência da visão, para a
recepção desses produtos/obras.

Em contraposição a isso, há outra abordagem que estabelece que


representação mental independe da experiência visual e é encontrada também
nas pessoas cegas congênitas totais. Aponta-se que a limitação imposta pela
ausência da visão será suprida por recursos internos, tanto quanto recursos
externos como as tecnologias assistivas, aí englobando também os serviços
assistivos como a áudio-descrição para pessoas com deficiência visual (Lima e
Soares, 2007).

Enquanto recurso de acessibilidade comunicacional, a A-d (áudio-


descrição), transforma o que é visto, observado em palavras. É uma técnica de
tradução intersemiótica que, por meio do discurso oral ou escrito, possibilita o

21
acesso às informações imagéticas (Lima, 2009). Ou seja, o que antes era
apenas percebido pela visão será oferecido de diferentes formas, seja através
da forma imprensa, a exemplo da A-d nos livros didáticos, A-d pré-gravada
para filmes, ou a locução ao vivo para espetáculos teatrais. Tal instrumento
possibilita que o público com deficiência visual acesse com qualidade os
eventos educacionais, sociais e culturais.

A provisão da áudio-descrição e o direito da pessoa com deficiência


são respaldados por uma robusta legislação. A construção de uma “sociedade
para todos” é a premissa da inclusão amparada no respeito aos direitos
fundamentais do indivíduo, previstos por lei, mencionada primeiramente na
Constituição de 1988 baseando as leis posteriores.

Por sua vez o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990)


orientou a matrícula, preferencialmente no ensino regular; nesse mesmo ano, a
Declaração Mundial de Educação para todos reforçou a Declaração de Direitos
Humanos de 1948: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos”, a educação faz parte desses direitos. Em 1994, a Declaração de
Salamanca definiu práticas e princípios inclusivistas, influenciando a política
pública nacional. Em 1996, imbuída dessas recomendações, é efetivada a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que orientou a matrícula dessas
pessoas, preferencialmente nas escolas regulares, e instituiu o dever do
Estado de estabelecer métodos e recursos de apoio, garantindo a
escolarização de qualidade.

O termo “preferencialmente” possibilita a perpetuação da exclusão


quando usado pelas escolas para negar a matrícula dos deficientes sob a
justificativa da falta de preparo dos docentes e inexistência de recurso
(FERREIRA, 2010). A fim de suprimir tal lacuna, a Política Nacional de
Educação Especial, segundo o Decreto 6.571/08, define que todos devem
estudar na escola comum, garantindo a qualidade do ensino para todos,
estabelecendo ainda o prazo para que todos os municípios se ajustem até o fim
de 2010.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil,


2008), por meio do Decreto Legislativo 186/08, equiparou-se à emenda

22
constitucional. Nela é ratificado o conceito de inclusão numa perspectiva global
e social. O artigo 30, que regula a participação na vida cultural, em recreação,
lazer e esporte, dispõe que os estados devem reconhecer os direitos das
pessoas com deficiência a participarem da vida cultural/educativa, social e de
lazer, em igualdade de oportunidades. Para isso, deverão tomar medidas
apropriadas, sinalizando adoção de formatos acessíveis.

Respaldadas legalmente e diante do panorama apresentado, a


sociedade é pressionada para o cumprimento das premissas postuladas. Daí a
necessidade de se investigar os formatos acessíveis como a tecnologia
assistiva denominada de áudio-descrição que, apesar de ser um recurso
desenvolvido desde os anos 1980 nos Estados Unidos, ainda dá seus
primeiros passos no Brasil, onde o recurso de acessibilidade é pouco
conhecido, e incipiente são os estudos a respeito de sua produção, provisão e
implicação educacional e social. O que justifica a necessidade de trabalhos que
prezem por investigar as melhorias do recurso, bem como a divulgação perante
os sujeitos com deficiência visual e a sociedade em geral.

Nesse sentido, propomos esta pesquisa denominada “Caminhos para


Inclusão: uma reflexão sobre a áudio-descrição no teatro infanto-juvenil”, a fim
de investigar as contribuições da áudio-descrição no teatro para o processo de
inclusão educacional e social da pessoa com deficiência visual. A escolha
desse prisma deve-se, principalmente, ao fato de que o teatro é tido como uma
linguagem erroneamente restrita para os sujeitos ditos de “visão normal” e que,
portanto, a pessoa cega ou com baixa visão dificilmente teria o potencial de
fruir e de compreender essa arte em razão de muitas informações advirem de
imagens.

Objetivos:

O objetivo geral deste estudo foi analisar as contribuições da áudio-


descrição para a recepção e fruição do espetáculo teatral. Foram objetivos
específicos: apresentar diretrizes para o recurso de áudio-descrição em
espetáculos teatrais; mapear os elementos visuais constituintes no teatro; e
identificar elementos para mediação, entre espectador e espetáculo por meio

23
das notas proêmias; pontuar as relações de diálogo da áudio-descrição no
teatro com a educação inclusiva.

Para isso, concebemos artisticamente e examinamos as lacunas


comunicacionais do espetáculo teatral “Nem Sempre Lila”. Foi construído um
roteiro áudio-descritivo com a posterior locução para espectadores deficientes
visuais. Os usuários se submeteram a uma entrevista semiestruturada onde
procurávamos identificar em que extensão as informações visuais
disponibilizadas pela A-d no espetáculo teatral foram captadas pelo público
com deficiência visual e de que forma influenciou na recepção e fruição.

Acredita-se ainda que a áudio-descrição é uma ferramenta para o


empoderamento e para emancipação. E a utilização de práticas acessíveis
possibilitará identificar e suprimir as barreiras atitudinais que determinam a
baixa expectativa quanto à capacidade da pessoa cega ou com baixa visão de
fazer uso das imagens e dos eventos visuais. Justificando, assim, a defesa da
aplicação da áudio-descrição na escola, no teatro e em todos os espaços em
que se faça necessário o seu uso. Recurso este que garante o acesso ao
mundo imagético, que é, também, uma via de acesso à informação, ao
conhecimento e à educação.

Esta pesquisa está organizada com os seguintes capítulos:

O primeiro capítulo relata um breve panorama da pessoa com


deficiência e a relação dela com a arte, propondo uma reflexão sobre o
conceito da inclusão e a atitude do professor como mediador.

O segundo capítulo é dedicado a situar o lugar do teatro na Educação,


os caminhos trilhados pela arte e a tendência contemporânea do ensino da arte
no contexto educacional.

O terceiro capítulo apresenta o Panorama da Áudio-descrição. (Este)


Nele, se discute e se apresentam as diretrizes para elaboração de roteiro e
locução, além de registrar as ações cênicas promovidas com áudio-descrição
no estado de Pernambuco.

24
O quarto capítulo apresenta o mapeamento dos elementos visuais do
teatro, apresentando os conceitos e as funções desses componentes da
teatralidade.

O quinto capítulo apresenta os procedimentos metodológicos da


pesquisa e relata as estratégias e a fundamentação teórica que os sustenta.

O sexto capítulo expõe as considerações finais com a discussão dos


dados coletados e de sua análise.

O capítulo a seguir, “A pessoa com deficiência e a sociedade”


apresenta as marcas históricas impressas na pessoa com deficiência,
apresentando conceitos que marcam a reestruturação da escola e da
sociedade inclusiva.

25
1. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A SOCIEDADE

Neste capítulo apresentaremos um breve panorama histórico da


pessoa com deficiência, o conceito que norteia a teoria da inclusão na escola e
na sociedade, discutindo sobre as barreiras que são postas à pessoa com
deficiência. Para nos aproximar do foco do nosso estudo nos debruçaremos no
universo da visão, os aspectos fisiológicos, a deficiência visual e a reflexão
sobre a utilização de tecnologias assistivas e educacionais que estão à
disposição do professor mediador do conhecimento.
“Especial”, “excepcional”, “doente”, “limitado”, “portador de deficiência”.
Esses e muitos outros termos foram atribuídos ao longo da história à pessoa
que tinha alguma deficiência. Arraigados a eles, atributos de inferioridade,
discriminação, assistencialismo e preconceito. Revisitar os momentos
históricos nos faz rever como a pessoa com deficiência foi percebida nas
diversas fases e como hoje isso tende a alimentar os mitos e equívocos na
compreensão acerca da pessoa com deficiência.

Não se sabe ao certo como o homem pré-histórico se comportava


frente às diferenças das pessoas com deficiência. Sabe-se, porém, que os
primeiros registros no Ocidente datam da antiguidade clássica, onde se
concebia o indivíduo como um ser desprezível e passível à exterminação, a
exemplo do que acontecia em Esparta, cuja prática era abandonar, eliminar e
exterminar as crianças com deficiência física ou mental, fato este conhecido
como o famoso ato de jogar infantes do penhasco. Tal ação era orientada e
justificada pelos ideais clássicos que fundamentaram a base da organização
sócio-cultural dessa cidade-estado (PESSOTTI, 1994; MAZZOTA, 1996).

Na Idade Média, sob influência do Cristianismo, a prática com relação


aos deficientes se modificou: as práticas bárbaras dos povos pagãos - que
atribuíam que a razão da deficiência estava ligada a desígnios divinos – foram
deixadas de lado, e foram tomadas atitudes no sentido de colocar estas
pessoas às margens da sociedade, na mendicância ou aos cuidados das
famílias, privando-as das atividades sociais (MAZZOTA, 1996).

26
Como nos aponta Pessoti (1984):

Com o cristianismo, de fato, o deficiente ganha alma e, como tal, não


pode ser eliminado ou abandonado sem atentar-se contra desígnios
da divindade. Com a moral cristã torna-se inaceitável a prática
espartana e clássica da “exposição” dos sub-humanos como forma de
eliminação (PESSOTTI, 1984, p. 4).

A cultura católica impõe que o ato dos bárbaros conjura-se em pecado


e, sendo assim, os deficientes passam a ter sua identidade de humano
protegida.

Sob influência dos pensamentos iluministas e da Revolução Francesa,


no final do século XVIII, várias modificações no pensamento ocidental foram
instauradas. A queda do domínio clerical da sociedade transformou o modo de
pensar do homem e seu mundo. A palavra de ordem era propiciar o
desenvolvimento do Capitalismo Mercantil, no qual se frisava a divisão e venda
da força de trabalho, cujo enfoque era a produção e a produtividade.

Nesse contexto, os indivíduos com deficiência eram vistos como


improdutivos, como seres incapazes de compor a força de trabalho. Elementos
estes que contribuíram para o surgimento, na mesma época, de Instituições
Totais, cuja função era abrigar e alimentar o cristão enfermo e, ao mesmo
tempo, afastá-lo do convívio em sociedade. Sobre surgimento das Instituições
Totais que tiveram grande expressividade entre os séculos XVII e XVIII,
Somera (2008) aponta que:

[...] com os avanços da Medicina se tornando cada vez mais rápidos


e eficientes, e com a prática de cuidar de seus deficientes, já adotada
pelas famílias e pela Igreja, foram surgindo o que se denominou de
Instituições Totais com a função de “abrigar e alimentar o cristão
enfermo e, ao mesmo tempo, afastá-lo do convívio social”
(PESSOTTI, 1984: 24). Lugares físicos e sociais construídos pela
sociedade em geral para depositar seus deficientes com a
tranquilidade de que estes lá encontrariam os cuidados necessários
para seguirem suas vidas, sem terem suas presenças marcadas
diariamente na vida destes outros indivíduos (não deficientes)
(SOMERA, 2008, p. 46).

O século XIX vê surgir a necessidade de uma alta demanda de mão de


obra para suprir os anseios da Revolução Industrial. Mesmo as pessoas com

27
deficiência, antes renegadas pelo capitalismo mercantil, por causa da falsa
noção de improdutividade, também se tornaram úteis para completar a força de
trabalho nas fábricas. Vale salientar, que a pessoa com deficiência era
encaminhada a realizar trabalhos sem muita importância e em condições sub-
humanas. Nesse período, brota a necessidade de capacitação dessa mão de
obra para atender à demanda de força de trabalho, e com isso, consolidaram-
se as iniciativas do Ensino Especial e a segregação escolar (MAZOTTA, 1996).

A demanda gerada pela necessidade de implantar um ensino


especializado semeou a noção de responsabilidade social perante as
necessidades das pessoas com deficiência. Mesmo que no começo essa
estruturação se mantivesse, primordialmente, sob a iniciativa privada e
filantrópica (MAZOTTA, 1996; SOMERA, 2008). O que reafirma a atitude social
de assistência, cuja ação empreendida é marcada por um sentido filantrópico,
paternalista e humanitário. Nesse mesmo período, em meados do século XIX,
surgem dois institutos para prestar cuidados à pessoa com deficiência.

O primeiro deles nasceu em 1854, na cidade do Rio de Janeiro, com


a iniciativa de D. Pedro II, com o nome de Imperial Instituto dos
Meninos Cegos. Mais tarde, em 1891, passou a se chamar Instituto
Benjamin Constant. O segundo, surgiu em 1857 com o nome de
Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, passando a se denominar
Instituto Nacional de Educação de Surdos em 1957 (SOMERA, 2008,
p. 52).

Há registros que nesses institutos foram instaladas oficinas para a


aprendizagem de ofícios. “Oficinas de tipografia e encadernação para os
meninos cegos e de tricô para as meninas; oficinas de sapataria,
encadernação, pautação e douração para os meninos surdos” (MAZZOTTA,
2003, p. 29).

O século XX, apesar de ser um período de grandes avanços na


ciência, medicina e tecnologia foi marcado por muito derrame de sangue nos
grandes embates bélicos como na primeira Guerra Mundial (1914-1918) e na
Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Além de ser conhecida também como
época dos grandes massacres, em decorrência da expansão de formas
totalitárias de poder como o Comunismo, o Nazismo e o Fascismo na Europa.

28
No período entre guerras, com o avanço do nacional-socialismo
alemão, Adolph Hitler disseminou o ideal de uma raça pura (ariana), tentando
erradicar do povo alemão pessoas com algum tipo de deficiência, além de
judeus, ciganos, prostitutas e homossexuais. A tentativa de aniquilar os
combatentes mutilados na Primeira Guerra gerou forte resistência popular,
mesmo assim, muitos coxos e cegos congênitos foram exterminados
(SOMERA, 2008).

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, criou-se a Organização das


Nações Unidas – ONU, cujo objetivo central era facilitar a cooperação em
matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento
econômico, progresso social, direitos humanos e a realização da paz mundial.
Os princípios visavam valorizar o respeito ao outro e a dignidade humana,
elementos que fundamentam a égide da teoria da inclusão. Em consonância
com estes princípios, elaborou-se a Declaração dos Direitos Humanos,
documento de extrema relevância que norteou e influenciou a legislação que
preconiza o respeito à pessoa com deficiência.

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos


os membros da família humana e de seus direitos iguais e
inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo.
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens
gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem
a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem comum.
Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos
pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como
último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão (Preâmbulo,
Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).

O século XXI que tanto fala de direitos humanos, que versa por garantir
o direito à vida e à dignidade humana, permite arestas que nos fazem
rememorar a cultura grega e o ato de jogar infantes com deficiência no
precipício, destituindo o direito à vida desses pequenos inocentes.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal votou pela legalização do aborto
em casos que seja diagnosticado um feto anencefálico, sonegando o direito à

29
vida da pessoa em razão da má formação fisiológica, de modo que a mãe
decidirá se dará à luz ou se interromperá a gestação.

Conforme relatado, os diversos momentos históricos traziam uma


compreensão sobre a pessoa com deficiência, transitando entre ações de
superproteção, segregação, exterminação entre outros.

1.1 A ARTE E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

A arte é uma via de reflexão sobre o homem e sobre o mundo. Ela


possibilita a ampliação do acesso ao conhecimento, à participação social e à
apreciação artística no contexto formativo. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) em artes afirmam:

A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento


artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido às
experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a
sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender arte
envolve, basicamente, fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir
sobre eles. Envolve, também, conhecer, apreciar e refletir sobre as
formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e
coletivas de distintas culturas e épocas (PCN em artes,
apresentação).

Nesse caminho, a áudio-descrição é a ponte de acesso à educação em


artes para pessoa com deficiência, o meio pela qual elas igualmente também
poderão utilizar a arte para dar sentido às experiências pessoais e coletivas
vividas.

A arte é tão antiga quanto o próprio homem. Ao nos debruçarmos na


história da arte, é possível identificar a percepção do homem perante a
sociedade. O mergulho na história da arte “significa descortinar o ilimitado
panorama dos testemunhos visuais que nos foram legados por homens e
povos que viveram na terra desde milhares de anos atrás” (PRETTE, 2008, p.

30
114). São construções arquitetônicas, objetos, utilitários, adornos, desenhos,
pinturas que exprimem o pensamento de uma dada época.

Os registros arqueológicos da expressão artística datam do surgimento


da vida humana na terra quando o homem pré-histórico usava imagens
gravadas ou pintadas nas cavernas, modeladas na argila, entalhadas em osso
para se comunicar com os seus semelhantes. Tais representações eram
carregadas de intencionalidades, sentimentos, percepções e pensamentos. Na
produção artística dessa época, que de alguma forma sobreviveu às
intempéries, forneceu-nos um arsenal de informações preciosas que nos
levaram a conhecer a sensibilidade daqueles que a realizaram, bem como o
modo de pensar e sentir do povo de uma determinada época (PRETTE, 2008).

No que concerne à inserção da pessoa com deficiência no campo


artístico, há poucas publicações científicas. No Brasil, Helena Antipoff e
Noêmia Varella foram as pioneiras sobre a arte-educação pensada para alunos
com deficiência. Ambas ligadas ao movimento de Escolinhas de Arte, criado
em 1948 por Augusto Rodrigues, Lucia Alencastro Valentim e Margareth
Spencer (AZEVEDO, 2008).

Em contextos institucionais, o programa desenvolvido em artes


assumia viés terapêutico, cuja função era a expressão da subjetividade e das
inquietações. Presume-se, nessa perspectiva, uma supervalorização do uso do
desenho e da pintura como técnicas expressivas, como instrumentos
diagnósticos, como meios de desenvolvimento de coordenação manual
voltados para trabalhar a autoestima e a socialização.

Sabemos, por meio de publicações de pessoas como Mc Gregor


(1989) que, muitas vezes, os hospitais psiquiátricos abrigavam uma população
mista, com pessoas com transtornos mentais e pessoas com deficiência
intelectual. Entretanto, esse material não era considerado em separado.
Ensinados a serem dóceis e passivos adultos com deficiência intelectual, não
reivindicavam seu direito ou desejo de fazer arte, como às vezes se viu com
pessoas diagnosticadas com transtornos mentais. Quando há oportunidade de
pintar, geralmente subestima-se a criatividade e os adultos com deficiência são
convidados pelos responsáveis pelo programa a colorir contornos previamente

31
determinados, com ênfase nos trabalhos manuais dirigidos (Reily, 2010, p. 89-
90).

Além de não reconhecer o real potencial da arte, enquanto área do


conhecimento, as atividades artísticas eram delimitadas a trabalhar
determinadas linguagens, ou seja, certas linguagens artísticas são possíveis
para certos tipos de deficiência e inviáveis para outros, como a música para o
cego e as artes plásticas para surdos.

Historicamente, a literatura mostra que houve certo menosprezo pela


capacidade de aprendizagem e de criação da pessoa com deficiência. Pois se
acreditava que a capacidade estava delimitada pela deficiência do indivíduo. O
que implica desconsiderar a capacidade da pessoa desenvolver habilidades
distintas. Nesse entendimento, a pessoa estaria sujeita e refém de uma
característica que supostamente a limitaria. Ou seja, a arte está muito mais
ligada às habilidades pré-existentes, ao “dom”, do que à capacidade de se
ensinar e aprender arte.

Há uma forte tradição histórica no trabalho com artes visuais para


surdos e pessoa com deficiência intelectual, ou ainda, música para cegos.
Pode-se encontrar em Moraes (1987) relatos que os egípcios foram os
primeiros a documentar um interesse em estudar as causas e curas da
deficiência. Preocuparam-se com o bem estar pessoal e social da pessoa com
deficiência, principalmente daqueles sem visão. Os sacerdotes de Karnak
treinaram os cegos em música, artes e massagem. “Os cegos participavam de
cerimônias religiosas e, durante algumas épocas, compuseram grande parte
dos poetas e músicos do Egito antigo” (MORAES, 1987 apud REILY 2007, p.
223).

No exposto, a justificativa para a supervalorização em trabalhar a


música se esteia no mito da compensação sensorial, na qual o cego teria uma
percepção auditiva aguçada e desenvolvida, o que favoreceria a exímia
atuação como músico.

Se não há nenhuma contraindicação para trabalhar música com a


pessoa cega, a linguagem teatral é concebida na sociedade como

32
incompatível. Sobre essa afirmação, poderiam justificar que a própria
etimologia da palavra -teatro- que é o lugar de onde se ver, traz em si um apelo
para a exposição das coisas à serem vistas. O teatro é um fenômeno repleto
de significação e de signos complexos advindos da confluência de elementos
repletos de significados, presentes nos cenários, figurinos, trabalho do ator,
iluminação e sonoplastia; e todos esses elementos têm na imagem um apelo
significativo para a comunicação.

Questiona-se, então, a impossibilidade de um teatro efetivo para cegos.


Guernón (2003) nos lembra de que “Ele existe. É aquele que, num sentido
extremo os faz ver” (p. 45). Com isso, Guérnon nos inspira a identificar as
necessidades, construir possibilidades e diluir barreiras. Então, buscamos nos
recursos assistivos, em especifico na áudio-descrição, esse meio de fazer ver.

Para isso, refletir sobre nossas crenças, valores e práticas frente à


pessoa com deficiência, seja na escola, no campo do trabalho, nas práticas
recreativas e no lazer, é o ponto inicial para identificar as barreiras instauradas,
seja pelas nossas atitudes, traduzidas em comportamentos preconceituosos,
seja pela falta de informação, que sustentam práticas discriminatórias e
acabam por nos distanciar de uma sociedade inclusiva.

Pressionados legalmente por garantir a matrícula de pessoas com


deficiência na escola regular, a presença desse novo membro na escola exigirá
uma reestruturação na estrutura física e nos agentes participantes da
comunidade escolar para que o processo educativo se dê de forma honesta,
primando pelo desenvolvimento integral dos alunos. Para isso, Mazzota (1997)
discorre que os aspectos legais trazem respaldos aos propósitos da educação
que visam garantir a formação integral do educando, tendo como
fundamentação três aspectos: “ i) ao individual, de auto realização; ii) individual
e social de qualificação para o trabalho; iii) um aspecto predominantemente
social de preparo para o exercício de uma cidadania consciente.”(MAZZOTA,
1997, p.21)

A formação mais integral, global, do educando, destaca a necessidade


da provisão de temas que favoreçam a reflexão sobre caráter, ética,
solidariedade, responsabilidade e cidadania nos currículos institucionais. A

33
partir desses temas, a educação pode se aproximar dos “aspectos coletivos,
comunicativos, comportamentais, emocionais [...] todos eles necessários para
se alcançar uma educação democrática dos futuros cidadãos” (IMBERNÓN,
2000 p. 11).

No recorte da arte na escola, trabalhar a linguagem artística é uma


atividade indispensável para todos (crianças com deficiência ou não),
compreendida aqui enquanto área de conhecimento e não apenas como
atividade de entretenimento e lazer merece destaque no campo de atuação da
escola inclusiva que versa em promover a inclusão educacional, social e
cultural da pessoa com deficiência.

1.2 A ESCOLA E A SOCIEDADE INCLUSIVA

A escola que acolhe, reconhece e valoriza as diferenças oferecendo


um ambiente educacional que prima pelo ensino e aprendizagem de qualidade
de todos. Essa é a bandeira levantada pela teoria da inclusão na
reestruturação do sistema educacional e da sociedade como um todo. O termo
inclusão “reflete o momento histórico de um processo de progressão porque
passa a visão de nossa sociedade relativa à deficiência” (PIRES, 2008, p. 31).
É considerar os benefícios que essa prática receberá desse convívio que
deverá ser assumido não apenas no discurso, mas numa ação cotidiana em
que se reflete e vive intensamente. “A inclusão é a participação de todos pelo
todo, com todos” (LIMA, 2008, p. 63).

Maria Teresa Égler Mantoan, uma das precursoras dessa ideia na


educação brasileira defende que:

Não lidar com as diferenças é não perceber a diversidade que nos


cerca, nem os muitos aspectos em que somos diferentes uns dos
outros e transmitir, implícita ou explicitamente, que as diferenças
devem ser ocultadas, tratadas à parte. Esta maneira de agir remete,

34
entre outras formas de discriminação, à necessidade de separar
alunos com dificuldades em escolas e classes especiais, à busca da
“pseudo-homogeneidade” nas salas de aula para o ensino ser bem
sucedido, remete, enfim, à dificuldade que temos de conviver com as
pessoas que se desviam um pouco mais da média das diferenças,
conduzindo-as ao isolamento e à exclusão dentro e fora das escolas
(MANTOAN, 2001, p. 51).

Apresenta a necessidade de ser adotado o tratamento desigual na


forma que a pessoa com deficiência acessará algo, objetivando restituir a
igualdade sonegada por diversas instâncias, inclusive nas instituições de
ensino.

Ligada às sociedades democráticas que estão pautadas no mérito


individual e na igualdade de oportunidades, a inclusão propõe a
desigualdade de tratamento como forma de restituir uma igualdade
que foi rompida por formas segregadoras de ensino especial e regular
(MANOTOAN, 2006, p. 16).

A prerrogativa do tratamento desigual não deve implicar em ações


protetoras, paternalistas, compensatórias, substratos que alimentam as
barreiras atitudinais. (LIMA, TAVARES, 2007) Pois estas ações - quando
presentes na escola ou em outros espaços sociais - se configuram como um
obstáculo, entrave para a efetivação da inclusão e para a aprendizagem
significativa e desenvolvimento da pessoa com deficiência.

Uma deficiência é, muitas vezes, detectável de imediato. Em


decorrência dessa percepção, as pessoas sem deficiência podem
apresentar atitudes traduzidas em curiosidade, crença na
inferioridade, fragilidade e dependência da pessoa com deficiência ou
mesmo de repulsa a essa pessoa. As barreiras atitudinais, porém,
nem sempre são intencionais ou percebidas. Por assim dizer, o maior
problema das barreiras atitudinais está em não as removermos,
assim que são detectadas (LIMA, TAVARES, 2007, p. 5).

Tais construtos trazem à tona como cerne desse processo de mudança


a necessidade de reavaliarmos nossos valores, crenças, comportamentos
quando nos deparamos com a diferença e, mais especificamente, com a
pessoa com deficiência, pois determinadas crenças poderão suscitar uma
atitude segregadora e comportamentos que não conjugam aos ideais
inclusivistas.

35
Ao assumirmos o compromisso ético com inclusão, devemos
questionar a congruência dos valores sociais e pessoais imbricados nas
nossas ações, ou seja, no nosso comportamento humano. Tais valores “são
crenças hierarquizadas sobre estilos de vida e formas de existência que
orientam nossas atitudes” (ROS, 2006, p. 96).

Nesse território, vários cientistas dedicaram-se para explicar a cadeia


de agentes diretos e indiretos que influenciam o comportamento humano. “A
relação entre atitude e comportamento é em parte uma conclusão lógica
derivada do fato de que o comportamento é um dos componentes desse
construto.” (ROS, 2006, p. 88). Daí a vigilância para que nos percebamos em
totalidade, avaliando em que ponto a nossa atitude nos distancia dos preceitos
da égide da inclusão.

Compreende-se que as atitudes são desenvolvidas para nos ajudar a


entender a realidade e a nos posicionar diante dela. Segundo Maíra Ros apud
Katz (2006, p.89), “as atitudes cumprem quatro funções em relação ao ser
humano: utilitária, de defesa do eu, de expressão de valores e de
conhecimento.”

Para melhor compreender o conceito de atitude e o papel significativo


para entendimento do comportamento humano, María Ros (2006) apud Fisher
Ajzen (1988) apresenta três modelos que consideram a atitude como
antecedente influenciador direto do comportamento, são eles: a Teoria da Ação
Racional (TAR), a teoria da Ação Planejada (TAP) e a Teoria da Auto-
regulação (TA).

A Teoria da Ação Racional propõe:


Que as pessoas, antes de adotar comportamentos, raciocinam e o
fazem por meio do processamento da informação subjacente às
atitudes e à norma subjetiva de interagir ou não. Portanto, o fator
determinante mais direto do comportamento é a intenção de adotar
ou não uma conduta, e essa intenção depende de uma série de
variáveis pessoais, como a atitude favorável ou desfavorável a adotar
um comportamento por suas consequências, e sociais, como a norma
subjetiva, ou seja, informação social que estiver ao alcance à pressão
social percebida para que se comporte segundo determinado sentido
(ROS, 2006, p. 90).

36
Para além das variantes da TAR, a Teoria da Ação Planejada
acrescenta que o controle percebido sobre o comportamento será determinado
em razão da avaliação em torno do grau de dificuldade para a pessoa praticar
uma ação (ROS, 2006). Ousamos dizer que seria um frear do sujeito ao se
deparar com o despreparo e falta de habilidade para realizar uma atividade.

Por fim, a Teoria de auto-regulação acrescenta o aspecto motivacional


da intenção, do desejo. “quanto mais desejo fazer algo, mais o farei, e quanto
mais desejo fazê-lo, em maior medida me sentirei pressionado pelo entorno
social” (GOS, 2006, apud BAGOZZI, p. 91).

Essas teorias se complementam e nos revelam pistas substanciais


para efetivar a inclusão numa perspectiva social e cultural. Mediante as
pressões legais e sociais para construção de uma sociedade para todos, todos
os indivíduos são convocados e convidados para que ponderem as variáveis
pessoais que atuam nas suas atitudes, acreditem que serão capazes de atuar
e desejem profundamente a Inclusão.

Nessa prerrogativa, anunciamos que a inclusão começa em nós e


provoca uma avaliação para que julguemos em que medida os nossos valores
pessoais e sociais emanam o aparecimento das barreiras atitudinais que se
utilizam “de rótulos, de adjetivações, de substantivação da pessoa com
deficiência como um todo deficiente, entre outras” (LIMA, TAVARES, 2007, p.
5).

Independentemente do lócus das barreiras, elas devem ser


identificadas para serem enfrentadas, não como obstáculos
intransponíveis e sim como desafios aos quais nos lançamos com
firmeza, com brandura e muita determinação (EDLER CARVALHO,
2006, p. 128).

Com isso, na perspectiva da Educação Inclusiva, a comunidade escolar


precisa estar atenta para reconhecer e atuar na transposição de barreiras que
se configuram como “qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o
acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a
possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação”
(BRASIL, Lei de Acessibilidade), para fins da acessibilidade, entendida aqui

37
como a viabilização de “condição para utilização, com segurança e autonomia,
total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das
edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de
comunicação e informação”. ((BRASIL, Lei de Acessibilidade - Lei 5296 de 2 de
dezembro de 2004).
Por meio do Decreto-lei 5296 de dois de dezembro de 2004, foram
regulamentadas as Leis n°s 10.048, de oito de novembro de 2000, que presta
atendimento prioritário e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade.
O Capítulo III versa sobre as Condições Gerais da Acessibilidade.
Classifica as barreiras em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos
espaços de uso público;

b) barreiras nas edificações: as existentes no entorno e interior das


edificações de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas
internas de uso comum nas edificações de uso privado multifamiliar;

c) barreiras nos transportes: as existentes nos serviços de


transportes; e

d) barreiras nas comunicações e informações: qualquer entrave ou


obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento
de mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de
comunicação, sejam ou não de massa, bem como aqueles que
dificultem ou impossibilitem o acesso à informação; (BRASIL, Lei de
Acessibilidade - Lei 5296 de 2 de dezembro de 2004).

Para além dessas barreiras, reconhecer a existência das barreiras


atitudinais fundadas em preconceitos e estereótipos é uma etapa preliminar
nesse processo de reconhecimento e transformação pessoal e do entorno,
visto que a mesma se apresenta como a raiz das demais barreiras que são
postas à pessoa com deficiência.

Conforme Amaral (1998), as barreiras atitudinais “são anteparos nas


relações entre duas pessoas, onde uma tem uma predisposição desfavorável
em relação à outra, por ser esta significativamente diferente, em especial
quanto às condições preconizadas como ideais” (p. 17). A atitude e o
desconhecimento real sobre a pessoa com deficiência se configuram como
componentes geradores de possíveis comportamentos de discriminação e
preconceito.

38
Trazemos para o bojo dessa discussão, a conceituação de algumas
das barreiras atitudinais mais comumente praticadas contra os alunos com
deficiência na escola, no artigo “Barreiras Atitudinais: Obstáculos À Pessoa
Com Deficiência Na Escola” (LIMA E TAVARES, 2007), categorizadas em:
Ignorância, Medo, Rejeição, Percepção de menos-valia, Inferioridade, Piedade,
Adoração do herói, Exaltação do modelo, Percepção de incapacidade
intelectual, Efeito de propagação (ou expansão), Estereótipos, Compensação,
Negação, Substantivação da deficiência, Comparação, Atitude de segregação,
Adjetivação, Particularização, Baixa expectativa, Generalização, Padronização,
Assistencialismo e superproteção.

Tentaremos transpor essas categorias para o âmbito do ensino do


teatro e das práticas artísticas, para que possamos observar possíveis
comportamentos que evidenciam a presença dessas barreiras atitudinais,
envolvendo alunos, professores e agentes da comunidade escolar, gestores
culturais e artistas.

Ignorância: desconhecer a potencialidade da pessoa com deficiência


de usufruir a linguagem artística seja no campo da apreensão da linguagem,
seja na apreciação ou ainda no fazer artístico.
Rejeição: recusar-se a interagir com a pessoa com deficiência, sendo
ela artista, aluno ou espectador.
Medo: temer em se relacionar com a pessoa com deficiência, “fazer ou
dizer a coisa errada em torno de alguém com uma deficiência” (LIMA,
TAVARES, 2007, p. 5). Em razão do receio de fazer algo errado, repele o
convívio e participação da pessoa com deficiência na sala de aula ou em
apresentações artísticas.
Percepção de menos-valia: Acreditar que a pessoa com deficiência
poderá se valer da linguagem artística, mas com algumas ressalvas. Ao cego
caberá a música, ao surdo, ao deficiente intelectual as artes visuais.
Inferioridade: “acreditar que a pessoa com deficiência não
acompanhará os demais” (Ibidem, 2007, p. 5). Julgar que uma pessoa cega
não acompanhará as indicações para deslocamento no espaço com os demais
parceiros de cena.

39
Piedade: “sentir-se pesaroso e ter atitudes protetoras em relação ao
aluno com deficiência” (Ibidem, 2007, p. 6). Comiseração excessiva pela
deficiência do outro. Olhar para a pessoa com cegueira e depreender um penar
pela falsa ideia que por ser deficiente visual ele nunca poderá ser ator.
Adoração do herói: “considerar um aluno como sendo “especial”,
“excepcional” ou “extraordinário”, simplesmente por superar uma deficiência”
(LIMA E TAVARES, 2007, p. 6). Elogiar demasiadamente um surdo que dança
e realiza atividade com desenvoltura, pois a partir da vibração sonora ele
acompanha o ritmo da música e se orienta em função do ritmo.
Exaltação do modelo: usar a imagem da pessoa com deficiência
perante a mídia ou no contexto de aprendizagem como “modelo de persistência
e coragem” (LIMA E TAVARES, 2007, p. 6). Em virtude da evasão de público
no teatro, explorar a figura da pessoa com deficiência que se faz presente
mesmo com tantas dificuldades.
Percepção de incapacidade intelectual: opor-se em adotar tecnologias
assistivas, a exemplo da áudio-descrição, por acreditar que é um recurso
complexo de difícil compreensão da pessoa com deficiência, privando-os de
desenvolver as habilidades e competências. Ou ainda, não permitir que os
alunos frequentem aulas de artes por acreditar que eles não conseguirão
desenvolver as atividades.
Efeito de propagação (ou expansão): “supor que a deficiência de um
aluno afeta negativamente outros sentidos, habilidades ou traços da
personalidade” (LIMA E TAVARES, 2007, p. 6). Acreditar que o deficiente
visual tem comprometimento intelectual, que a pessoa surda é pessoa cega e
que a pessoa cega tem comprometimento auditivo. Por esta razão, pessoas
falam alto quando se dirigem ao deficiente visual.
Estereótipos: Rotular a pessoa com deficiência comparando-o com
outros com mesma deficiência. Acreditar que a estratégia utiliza para ensinar
técnicas de interpretação será exatamente a mesma para outro com mesma
deficiência. Não há um receituário prescritivo para as estratégias de ensino, há
possíveis caminhos que se remodelam de acordo com o contexto, assim como
para cada criação artística, o processo e os componentes atuam na condução
do trabalho.

40
Compensação: acreditar que a pessoa com deficiência deve ser
compensada de alguma forma; ao ofertar a áudio-descrição preferir uma
descrição explicativa a uma que empodera o sujeito a construir imagens e tirar
as próprias conclusões. Na aula de teatro, escolher sempre o aluno com
deficiência para ser o protagonista.
Negação: “desconsiderar as deficiências do aluno como dificuldades na
aprendizagem” (LIMA E TAVARES, 2007, p. 6).
Substantivação da deficiência: “referir-se à falta de uma parte ou
sentido da pessoa como se a parte “faltante” fosse o todo. Ex: o deficiente
mental, o cego, o “perneta”, etc.” (LIMA E TAVARES, 2007, p. 6). Não se referir
ao aluno pelo nome, mas sim pela característica da deficiência. Na escrita
dramatúrgica fazer menção às personagens com deficiência por atributos
pejorativos.
Comparação: comparar a pessoa com e sem deficiência. Apontar o que
um e outro alcançaram as faltas e as lacunas entre ambos. Relacionar
quantitativamente as imagens visuais captadas pela pessoa com deficiência
visual submetida ao recurso de áudio-descrição e a pessoa com visão normal
ao assistirem a um determinado espetáculo.
Atitude de segregação: acreditar que as pessoas com deficiência
deverão assistir a espetáculos com recursos de acessibilidade apenas com
pessoas que tenham deficiência.
Adjetivação: “classificar a pessoa com deficiência como “lenta”,
“agressiva”, “dócil”, “difícil”, “aluno-problema”, “deficiente mental’”, etc.” (Ibidem,
p. 7). Reportar-se apenas pela deficiência.
Particularização: “afirmar, de maneira restritiva, que o aluno com
deficiência está progredindo à sua maneira, do seu jeito, etc.” (Ibidem, p. 7).
Achar que existe uma maneira própria e exclusiva da pessoa com deficiência
aprender teatro.
Baixa expectativa: Acreditar que a pessoa com deficiência não
aprenderá linguagens artísticas. Prever que ele não saberá se relacionar com
pessoas sem algum tipo de deficiência e com isso não se ventila a
possibilidade de ter um ator com deficiência visual em encenações de nível
profissional. “Isso não ajuda [a pessoa] a descobrir suas inteligências,
competências e habilidades múltiplas” (Ibidem, p. 7).

41
Generalização: “generalizar aspectos positivos ou negativos” (Ibidem,
p.7). Acreditar que todos terão os mesmos avanços, seja pessoa com
deficiência ou não, se configura como um grande equívoco, seja qual for o
contexto da aplicação. Todos os atores chegarão ao determinado tom na
escola musical.
Padronização: “fazer comentários sobre o desenvolvimento dos alunos,
agrupando-os em torno da deficiência; conduzir os alunos com deficiência às
atividades mais simples, de baixa habilidade” (Ibidem, p.7). Entender que a
deficiência estipula alguns padrões que norteiam a linguagem artística que o
individuo deverá optar.
Assistencialismo e superproteção: impedir que a pessoa escolha
experimentar a linguagem artística que desejar, não permitir que experimentem
mecanismos de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades temendo que
eles não tenham êxito.
Perpassa o universo escolar a presença dessas barreiras atitudinais
que merecem total atenção para que as mesmas sejam deixadas para trás e
definitivamente extintas. Nesse panorama é que se insere a criança com
deficiência visual. Ao entrar na escola, ela estará sujeita a atitudes que vão da
pena, medo, assistencialismo, discriminação e admiração, que assim como
qualquer outra criança, necessita de acesso ao conhecimento, à cultura, ao
lazer, às artes, ao teatro e suas várias instâncias de aprendizado que
contemplam o fazer e apreciar apresentações cênicas.

1.3 A VISÃO E A DEFICIÊNCIA VISUAL

A nossa sociedade atribui um valor significativo para o sentido da


visão. Por meio dela é possível nos conectarmos ao mundo à nossa volta pelas
imagens que são lançadas aos nossos olhos. A visão poderia ser descrita da
seguinte forma:

42
A função do olho é captar a luz por meio do ambiente e convertê-la
em impulsos nervosos, os quais, através das vias ópticas, são
transmitidos ao córtex visual, situado no globo occpital. O córtex
visual, por sua vez ‘interpreta’ as imagens formadas no olho, ou seja,
o olho recebe os impulsos, as vias ópticas os transmitem e o córtex
visual interpreta como imagens fisicamente bem definidas as
sensações iniciais captadas pelos olhos (SILVA, LUZIA, 2008, p. 41).

Fisiologicamente, o processo de ver uma imagem considera o cérebro


como o responsável por enxergar, sendo os olhos extensões periféricos
(SILVA, LUZIA, 2008). O comprometimento em alguma etapa desse processo
acarreta o que denominamos de deficiência visual.

Os dados preliminares demonstram que, em relação ao último Censo


Demográfico, realizado em 2011, há um expressivo crescimento no número de
pessoas que declarou algum tipo de deficiência ou incapacidade. A pesquisa,
do ultimo censo, apresenta os seguintes resultados por tipo e grau de
severidade das deficiências:

Deficiência Visual: 35.791.488


Não consegue de modo algum: 528.624
Grande dificuldade: 6.056.684
Alguma dificuldade: 29.206.180
Deficiência Auditiva: 9.722.163
Não consegue de modo algum: 347.481
Grande dificuldade: 1.799.885
Alguma dificuldade: 7.574.797
Deficiência Motora - 13.273.969
Não consegue de modo algum: 740.456
Grande dificuldade: 3.701.790
Alguma dificuldade: 8.831.723
Deficiência Mental/Intelectual: 2.617.025 (IBGE, Notas Técnicas,
Resultados Preliminares da Amostra, 2011).

Ou seja, mais de seis milhões de brasileiros se enquadram no grupo de


pessoas com redução na acuidade visual ou com perda total devido a um
processo patológico ocular ou cerebral. Esses números podem aumentar em
função do mau uso da visão ou ainda com o envelhecimento da população,
período em que é provável o comprometimento da saúde ocular. Conforme
dados da Organización Nacional de Ciegos Españoles- ONCE (2003), as
patologias que mais provocam cegueira nos países em desenvolvimento são:
catarata, tracoma e o glaucoma.

43
No Brasil, os critérios que classificam a deficiência visual se baseiam
pelos propostos pela Organização Mundial de Saúde- OMS (GENEBRA, 1981).
A análise clínica realizada mede a quantidade de acuidade visual, dentro dos
seguintes critérios:
a) Portadores de cegueira- Acuidade visual inferior a 0,05, em
ambos os olhos, após a máxima correção óptica, e campo visual ou
ângulo visual restrito a 20 (graus) de amplitude no melhor olho.
b) Portadores de visão subnormal- acuidade visual inferior, de 0,3
e 0,05 (tomando como referência a tabela de Snellen), em ambos os
olhos, com máxima correção óptica (OMS, 1981).

A deficiência visual pode ser de origem congênita, quando o indivíduo


já nasce com comprometimento visual ou adventício, quando ocorre de forma
imprevista, inesperada em algum período da vida. Os termos cegueira, visão
subnormal ou baixa visão, são empregados de acordo com o nível de
gravidade da acuidade visual.
A cegueira é compreendida pela completa falta de percepção visual ou
apenas percepção de luz, sendo capaz de diferenciar o claro do escuro.
Baixa visão ou visão subnormal “pode ser descrita como qualquer grau
de dificuldade visual que cause incapacidade funcional e diminua o
desempenho visual” (MASSINI, 2007, p. 36).
Os problemas de visão às vezes passam despercebidos pelos pais,
mesmo que algumas condutas das crianças demonstrem pistas dos sintomas.
Por sua vez, esses sinais poderão ser percebidos pelos professores mais
atentos, já que na escola algumas atividades exigem o desempenho da criança
enxergar de perto. Deve-se observar as seguintes condutas:

Franzir a testa ou piscar muito para fixar perto ou longe;


demonstrar dificuldade para seguimento de objeto;
for excessivamente cauteloso ao andar;
tropeçar e cair com frequência;
demonstrar desatenção e falta de interesse, inquietação, irritabilidade
ou nervosismo excessivo após o trabalho visual prolongado a curta
distância, dificuldade para leitura e escrita;
aproximar-se muito do objeto que está sendo visto;
manter postura inadequada;
demonstrar fadiga ao esforço visual;
fechar ou cobrir um dos olhos durante a leitura;
segurar o livro, habitualmente, muito perto, muito longe ou em outras
posições incomuns ao ler (BRUNO apud SILVIA, LUZIA, 2008 p. 43).

44
Para efeitos educacionais, o professor ao receber um aluno com
deficiência, seja ele cego ou com baixa visão, deve estimulá-lo a desenvolver a
aprendizagem a serviço da autonomia pessoal, socialização e inclusão social,
deverá estimulá-lo por meio dos sentidos remanescentes.

1.4 O PROFESSOR MEDIADOR E AS TECNOLOGIAS


ASSISTIVAS

Na ausência da visão, alguns problemas poderão surgir dificultando o


aprendizado, comprometendo o acesso ao mercado de trabalho e até mesmo a
socialização, com limitações das atividades físicas, cognitivas e da qualidade
de vida. Vale ressaltar que esses problemas não surgem em função da
deficiência, mas muitas vezes pela condução inapropriada. A proposta da
inclusão espera um olhar atento do professor para questões referentes ao
planejamento, à condução e às estratégias didáticas potencializadoras desse
processo.

Os alunos com deficiência visual não constituem um grupo


homogêneo, com características comuns de aprendizagem, sendo
também, um erro considerá-los como um grupo à parte, uma vez que
suas necessidades educacionais básicas são, geralmente, as
mesmas que as das crianças de visão normal (BRASIL, DEFICIENTE
VISUAL EDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO, 2002).

O professor precisa aplicar os conhecimentos em situações


apropriadas, deve considerar o aluno do ponto de vista de suas necessidades e
não de sua diferença ou deficiência (SILVA, LUZIA, 2008). A proposta da
escola Inclusiva apoia o processo colaborativo de todos os membros da escola.

Nas escolas inclusivas as pessoas se a apoiam mutuamente e suas


necessidades específicas são atendidas por seus pares, sejam
colegas de classe, de escola ou profissionais de áreas afins. A

45
pretensão dessas escolas é a superação de todos os obstáculos que
as impedem de avançar no sentido de garantir um ensino de
qualidade, preocupado em desenvolver os talentos, as tendências
naturais, as habilidades de cada aluno para esta ou aquela
especialidade (MANTOAN, 2001, p. 52).

José Pires (2008) encara com tranquilidade o desafio lançado às


práticas docentes, aponta que a atitude ética do educador deve ser baseada
em três virtudes básicas: “primeira: crer na inclusão; segunda: desejá-la;
terceira: construí-la” (PIRES, 2008, p. 52). Com isso, o professor que tenha um
aluno deficiente visual em sua sala de aula, ao invés de superprotegê-lo, deve
estimulá-lo ao esforço pessoal e à conquista de sua própria autonomia, não
deixando de considerar, contudo, que a intervenção e mediação se fazem
necessárias em muitos momentos. O educador enquanto mediador deve estar
pronto para desfazer barreiras e construir possibilidades no caminhar dos
alunos.

Vale salientar que há fatores ambientais que também interferem no


desempenho da percepção visual para aqueles que possuem algum resíduo.
Nesse sentido, CARVALHO (1994) propõe os seguintes recursos ópticos e
modificações ambientais para:

Controle de iluminação: aumentando-se a iluminação ambiental com


focos luminosos.
Controle de reflexão da luz: com o auxílio de lentes absortivas e filtros
que diminuem o ofuscamento e aumentam o contraste.
Para melhora da mobilidade interna: manter as portas totalmente
fechadas ou abertas, evitar a alteração dos móveis, portas e degraus
com cores fortes.
Acessórios com suporte para leitura e partitura musicais, caneta de
ponta porosa, papel com pautas ampliadas.
Maquina de escrever com tipos ampliados.
Ampliação de livros, jornais, revistas, jogos, baralhos, agendas, dial
telefônico. Relógios com números grandes ou mostrador digital
ampliado. Auxílios para costura como agulha de fundo falso e fita
métrica ampliada;
Aumento do contraste: utilizando-se cores bem contrastantes como:
tinta preta em papel branco, giz branco ou amarelo em lousa preta ou
verde para aumentar o contraste com o fundo da lousa, café em
xícara branca, leite em xícara escura (CARVALHO, 1994 apud
MASSINI 2007 p. 40).

46
No campo da arte, mais precisamente das artes visuais, Reily (2004)
sugere algumas adaptações primando pela qualidade das imagens e a
possibilidade de compreensão da figura, transformando traçados em relevo:

Desenho em giz de cera sobre a própria figura, tendo como base uma
prancha de aglomerado na qual se tenha colado tela de náilon;
Pintura linear com tinta “puff”, que quando aquecida (com secador de
cabelo), cria volume fofo sobre o traço;
Bolinhas de plastilina (massinha) para fazer pontos de referência
sobre a mesa do aluno;
Manipulação das formas essenciais da figura recortadas em E.V.A.
(material emborrachado) ou em papelão;
Pintura com tintas texturizadas em graus que vão de fino a grosso;
Linhas produzidas em “thermo-form”, para transformar gráficos e
figuras;
Colagem de “cordonê” ou barbante sobre contorno de figuras;
Reproduções pela técnica clássica de pontilhado linear (REILY apud
ORMELEZI, 2007, p. 76).

Redesenha-se a arte como área de conhecimento da escola, portanto


deve-se considerar que as transformações que reverberam nela na
proclamação de uma escola inclusiva se estendam ao campo da arte, aqui
compreendida enquanto linguagem. O teatro enquanto linguagem, na qual
focamos o nosso olhar nessa pesquisa, não é compreendido apenas como
entretenimento e lazer: o teor artístico está aliado à cognição. Ao refletir sobre
o contexto da pessoa com deficiência visual e as barreiras comunicacionais
para a pessoa com deficiência visual, não em função da deficiência, mas em
decorrência da ausência de recursos assistivos que lhes garantam igualdade
de oportunidade, é que se considera a adoção de áudio-descrição na sala de
aula e nas práticas artísticas que contemplem as instâncias do fazer e do
apreciar.

É nesse percurso que as práticas inclusivas deverão considerar a


valorização da linguagem verbal (a palavra) e as linguagens não verbais (os
sistemas visuais e pictóricos, a música, a linguagem do corpo) (REILY, 2004).
A criança com deficiência visual se relaciona com o mundo por meio de ações
físicas no espaço, de movimentos e sensações e da significação pela palavra.
Esse é o canal para acessar o teatro, em que o fazer e o apreciar são
considerados, sendo a imagem tão importante para compor o arsenal do

47
repertório da criança, sendo neste caso, acessado por meio da áudio-descrição
e do tato.

Em resposta a essa demanda, eis que surge a Tecnologia Assistiva no


intuito de promover e ampliar habilidades nas atividades funcionais, laborais,
sociais e afetivas da pessoa com deficiência. Visualizar o que presume essa
nova tecnologia e suas possíveis aplicações ao ensino do teatro é que vamos
discutir a seguir.

A Tecnologia Assistiva (TA) é tão antiga quanto a própria humanidade.


Recordar a história dos nossos antepassados nos revela que o homem da
caverna já fazia uso de ferramentas especialmente desenvolvidas para superar
as barreiras impostas pela natureza e pelos problemas do cotidiano. Aos
poucos, criou soluções práticas e objetos que possibilitaram prosseguir os
rumos do desenvolvimento. Da pedra lascada ao metal fundido. Do nômade, ao
sedentarismo e, posteriormente, à civilização.

Apesar de uma prática antiga, o termo Tecnologia Assistiva é novo, ele


é utilizado para identificar todo o arsenal de serviços, equipamentos,
estratégias e práticas que contribuem para proporcionar e ampliar habilidades
de pessoas com alguma limitação motora ou sensória, a fim de garantir sua
autonomia e inclusão.

Em 16 de novembro de 2006, a Secretaria Especial dos Direitos


Humanos da Presidência da República- SEDH/PR, por meio da portaria 142,
instituiu o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), formado por especialistas
brasileiros cujo objetivo é discutir e apresentar propostas de políticas
governamentais entre sociedade civil e órgãos públicos referentes à área de TA
(BERSH, 2008). Em 14 de dezembro de 2007, esses especialistas, após
revisão rigorosa do referencial teórico estrangeiro, aprovaram o seguinte
conceito:

Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica


interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a
funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas
com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua

48
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social
(CORDE, 2009. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/corde/).

Para fins didáticos Bersh (2008) propõe a classificação da TA nas


seguintes categorias: auxílios para a vida diária e prática, comunicação
aumentativa e alternativa, recursos de acessibilidade ao computador, sistema
de controle de ambientes, projetos arquitetônicos para acessibilidade, órteses e
próteses, adequação postural, auxílios de mobilidade, auxílios para pessoas
com surdez ou com déficit auditivo, adaptação de veículos e auxílios para
cegos e pessoas com visão subnormal. Sendo indicado, para esta última
categoria, dispositivos de auxílio óptico como lentes, lupas e telelupas,
softwares leitores de tela, hardwares como impressoras braile e lupa eletrônica.
Incluiríamos ainda nessa categoria a áudio-descrição.

Inferimos assim, algumas contribuições dessa Tecnologia Assistiva no


ensino do teatro: acesso às informações visuais essenciais para a
compreensão da obra; estímulo às pessoas com baixa visão para percepção
de cores, formas, traçados das imagens, primando pelo desenvolvimento e
utilização do resíduo visual; apresentação dos vários elementos constituintes
do teatro, abertura para intercâmbio entre artistas, professor e áudio-descritor;
garantia de independência da pessoa com deficiência ao fazer suas próprias
conclusões do que foi visto.

A utilização de recursos assistivos, a exemplo da áudio-descrição para


pessoas com deficiência visual, se configura como ferramenta de mediação
cultural e aquisição de conhecimento ao passo que intermedia o canal entre
receptor e o alvo de acesso. Ana Mae Barbosa (2001) explicita o processo de
mediação num percurso que vai da apreciação estética, passando pela
contextualização até a produção ou recriação de um resultado estético.
(BARBOSA, 2001). A áudio-descrição enquanto mediação cultural é a variável
que atua diretamente na produção e recriação de resultados estéticos da obra
pelo público deficiente visual.
As tecnologias assistivas, a Libras - língua brasileira de sinais, a áudio-
descrição, a escrita Braille, os softwares leitores de tela como o Virtual Vision,

49
Jaws e o NVDA (NonVisual Desktop Access), as legendas em português, além
de recursos assistivos são ferramentas à disposição dos professores e alunos.
Além de atuarem como ferramentas de acessibilidade comunicacional, figuram
na prática docente como recursos a serem utilizados nas estratégias de
mediação.

50
2. O TEATRO-EDUCAÇÃO E A INCLUSÃO

Discorreremos neste capítulo a respeito do binômio teatro educação e


a área de atuação na pedagogia do teatro. Além disso, mostraremos o caminho
trilhado pelo ensino da arte no contexto educacional, pautado na reflexão dos
possíveis diálogos que a simbiose do teatro e educação provoca no campo da
educação inclusiva.

O teatro é um universo de signos combinados a ser decodificado. A


representação, como conjunto desses signos, é um ato semântico denso, que
utiliza como meios de comunicação, significantes que desembocam quase
sistematicamente na conotação (GUINSBURG et al., 1988). Cabe, portanto, ao
espectador estar apto a dialogar e a produzir sentido durante a apreciação.

Nesse sentido, Desgranges (2009) pontua a tendência nos últimos


anos, em todo o mundo, de pesquisas enfocarem a importância dos
espectadores e a necessidade de práticas de formação de público. Segundo o
autor, dois pontos sustentam essas investigações: o primeiro chama atenção
para a maior atuação nos ramos da própria arte, ao alertar maior participação
dos espectadores no seu desenvolvimento; e o segundo é a formação crítica
do indivíduo contemporâneo que, numa sociedade “espetacularizada”, vê-se
exposto a uma enxurrada de signos, advindos da proliferação de meios de
comunicação de massa. Salienta que é necessário tomar conhecimento dos
mecanismos que envolvem uma encenação: decodificar, atribuir e questionar
significados.

A formação reflexiva do espectador visa trabalhar a percepção para


compreender os recursos utilizados, bem como a analisar a produção de
sentido veiculado. Após dominá-los, o sujeito está apto a resignificar e a atribuir
valores para o que está observando ou vivendo no palco e na vida
(DESGRANGES, 2009).

Consequentemente, traz-se a necessidade de entender a manifestação


teatral como linguagem nos seus sinuosos e imprevisíveis caminhos. O
entrelace e o encontro entre teatro e educação se dá “no âmbito da concepção

51
de propostas que possam valer-se desse potencial próprio à atividade artística,
quanto no desafio de tentar elucidar em que medida a fruição da arte pode, por
si, ser compreendida enquanto atividade pedagógica.” (DESGRANGES, 2006,
p. 1).

2.2 OS CAMINHOS DO ENSINO DE ARTES NO BRASIL

A educação em artes no Brasil, no sentido mais formal, foi iniciada no


século XIX, acompanhou e dialogou com as transformações e as diversas
tendências educacionais da época.

Para compreendermos o panorama do ensino da arte no Brasil faz-se


necessário discorrer sobre as várias ações outorgadas por D.João VI, dentre
elas a assinatura da carta régia que determinava a abertura dos portos às
nações amigas, a remodelação do Rio de Janeiro. Também se destaca no
âmbito cultural a célebre Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil em
1816.

Seguindo o conselho de Antônio de Araujo e Azevedo, Conde da


Barca (pessoa ilustre pelos cargos que já ocupara, títulos que
possuía e vasta cultura de que era dotado), resolveu D.João contratar
na Europa em 1815, uma equipe de artistas e artífices que no Brasil
fizesse funcionar uma “escola de arte e ofícios” (BITTENCOURT,
1967, p. 5).

A incumbência de convocar os artistas necessários ficou a cargo de


Marques de Marialva, embaixador Extraordinário de Portugal na França, que
logo pediu ajuda a Joaquim Lebreton1 que já possuía ampla experiência em

1
Joaquim Lebreton nasceu em 7 de abril de 1970, em Saint Meen de Gael, no
Departamento de Ille de Villaine, na Bretanha. Era de família humilde, pois o pai não
passava de ferrador de cavalos. [...] Lebreton se mudou para Paris, onde se tornou
conhecido por suas idéias avançadas e temperamento impulsivo. (BITTENCOURT, 1967
p.13). Uma curiosidade é que antes da vinda para o Brasil, “adquiriu numerosas telas ,
com a intenção de vendê-las a D. João VI para formar uma pinacoteca na vindoura
Academia. Devido a embaraços financeiros, não foi possível ao chefe da missão trazer um
acervo somente constituído de obras primas. Recorreu, então, às réplicas ou originais de
preços mais acessíveis. (BITTENCOURT, 1967, p. 17).

52
cargos de chefia de museus, conservatórios e bibliotecas, além de vários
projetos culturais (BITTENCOURT, 1967).

A missão ficou constituída da seguinte forma:


a) Quadro superior e artístico, com um chefe, sete professores e
três auxiliares.
b) Quadro complementar ou de artes mecânicas, com seis
mestres de artes e ofícios (BITTENCOURT, 1967 p. 5,6).

O quadro de profissionais foi preenchido por artistas e profissionais das


mais diversas habilidades, dentre elas: pintor histórico, pintor de paisagem,
arquiteto, escultor, gravador, compositor, organista e mestre de capela,
engenheiro mecânico, surrador de peles e curtidor, serralheiro, carpinteiros e
fabricantes de carro.

Por meio do decreto de 12 de agosto de 1816 criava-se a “Escola Real


de Ciências, Artes e Oficiais” e fixava, ao mesmo tempo, os estipêndios anuais
devidos aos professores e funcionários da missão. Os artistas foram
contratados por seis anos e o projeto para construção do edifício da Academia
teve plena aprovação do rei. Mesmo que aprovado, a construção do edifício da
futura academia de Belas Artes ficou parada por vários anos. Apesar das
insistentes iniciativas de Lebreton em motivar as autoridades para se
interessarem pela Academia, suas ações não obtiveram êxito. Vindo o chefe da
missão, Lebreton, falecer em nove de junho de 1819, sem ter efetuado nenhum
dos projetos que o trouxeram ao país: fazer uma pinacoteca e organizar o
ensino de belas artes no Brasil (BITTENCOURT, 1967).

Após o falecimento de Lebreton, a academia ficou sem diretor, as


complicações políticas da época foram fatos que retardaram o plano traçado
para ensino de artes de forma mais sistemática em nosso país.

Outros decretos foram assinados: o de 12 de outubro de 1820, por


exemplo, que determinava a criação da Academia Real de Desenho, Pintura,
Escultura e Arquitetura Civil, não chegou a funcionar. Dois meses após sua
publicação surgiu outro decreto, datado de 23 de novembro de 1820,
determinando que, com o título de “Academia de Artes”, fossem iniciadas e

53
ministradas as aulas de desenho, pintura, escultura e gravura (BITTENCOURT,
1967).

Quatro anos após a chegada da Missão Artística Francesa, dessa vez


finalmente os cursos foram iniciados. Vale salientar que o panorama político da
sociedade brasileira, marcado por fortes turbulências não esmaeceu. Tanto é
que, dominados pelos representantes das cortes, D. João VI foi pressionado
pelos revolucionários portugueses a voltar a Lisboa. Em sete de março, ele
anunciou seu regresso e partiu no dia 25 de abril de 1821, após treze anos de
estadia no Rio de Janeiro.

Assumindo o trono, seu filho e herdeiro D. Pedro veio mais tarde, na


beira do córrego Ipiranga, em sete de setembro, declarar a independência do
Brasil e romper com Portugal. Fato esse que viera para impulsionar a criação
das primeiras escolas dedicadas à formação de uma elite política brasileira,
que anteriormente buscava formação na universidade de Coimbra, em
Portugal.

No início de 1824 o imperador D. Pedro I, acompanhado de seu


gabinete, visitou a exposição dos alunos de Debret2, resolvendo, então, instalar
a Academia de Belas Artes, sendo a abertura solene realizada apenas em
cinco de novembro de 1826 (BITTENCOURT, 1967).

A Academia Imperial de Belas Artes tinha como ponto forte da escola


legitimar a necessidade em dominar a técnica do desenho. No próprio
regulamento da instituição constava uma cláusula que apontava a
“obrigatoriedade de permanência do aluno durante cinco anos na aula de
desenho, antes do estudo de qualquer ramo da arte que desejasse seguir”
(BITTENCOURT, 1967, p. 9).

2
Jean Baptiste Debret nasceu em Paris em 1768, seu pai foi um amante da história natural e
da arte, além de escrivão do Parlamento de Paris. Sua família era composta por afamados
artistas da época: Desnaisons, arquiteto real; Jacques Louis David, chefe do classicismo
francês e o pintor François Boucher. Debret estudou pintura, freqüentoufrequentou o curso de
Engenharia Civil da Escola de Pontes e Calçadas. Em 1816, iIntegraintegra a missão artística
francesa no Brasil, como pintor histórico, cujos primeiros trabalhos foram: retrato de D. João VI
em trajes majestáticos e o desembarque da Arquiduquesa. (BITTENCOURT, 1967). Debret foi
nomeado cenógrafo do Real Teatro de São João, o atual teatro João Caetano, o mais antigo da
cidade do Rio de Janeiro, localizado na praça Tiradentes.

54
Os alunos que lá passavam, eram submetidos a se dedicarem e
desenvolverem a habilidade de desenhar. Era valorizada ainda, a cópia fiel dos
desenhos e a utilização dos modelos europeus, sobretudo a tendência do
Neoclassicismo em contraposição ao Barroco, que vivia naquele tempo uma
efervescência e se expandia especialmente em Minas Gerais, mas que sofria
forte negação da elite que valorizava com fervor os padrões europeus. Com a
proclamação da República, a Academia Imperial de Belas Artes veio a se
chamar Escola Nacional de Belas Artes.

Conforme Martins (1998), essa época impeliu para as escolas


brasileiras a tendência de enfatizar o ensino do desenho, primando em sua
maioria para os desenhos técnicos ou geométricos. Diante de uma concepção
na qual o professor assumia o papel central, cujo objetivo era desenvolver nos
alunos algumas habilidades: coordenação motora, precisão, além do
aprendizado de técnicas, no qual possibilitassem adquirir hábitos zelosos,
limpeza e ordem nos trabalhos, para que posteriormente, fossem úteis para o
desempenho profissional.

Tais aspectos foram presentes durante a primeira metade do século


XX, onde se acentuou a tendência pré-modernista e tecnicista, da escola
tradicional, na qual as disciplinas de desenho, os trabalhos manuais, os
ensinamentos de música e canto orfeônico faziam parte dos programas das
escolas primárias e secundárias (BARBOSA, 2002).

Nesse período, as estratégias metodológicas estavam voltadas para a


valorização de atividades manuais, aspecto que contribuiria significativamente
para a capacitação de mão de obra para as exigências do mercado. Nesse
momento as habilidades artísticas objetivavam atender as novas demandas
geradas pela industrialização. O professor assumia o papel central, no qual
desenvolvia seu trabalho mediante a realização de atividades focadas na
repetição e na reprodução de modelos que primavam pelo domínio técnico e
pelo aspecto funcional. Ou seja, todas as orientações estavam voltadas para
controlar os sujeitos mediante as rédeas impostas pelo sistema dominante que
controlava e impunha normas a fim de atender os interesses imediatos.

55
Em contraposição à Escola Tradicional surgia a tendência pré-
modernista, entre as décadas de 1920 e 1970, que passava a tornar
presente no ensino da arte novas experiências norteadas pela estética
modernista e pelo movimento da Escola Nova. Com isso, o foco de atenção
se voltava para o desenvolvimento do sujeito, as práticas pedagógicas de
então romperam com as estruturas de repressão e o professor procura se
omitir enquanto mediador do processo de ensino-aprendizagem. Centrava
suas atividades na livre expressão dos alunos, na generalização do
“Laissez-faire”, ação deliberada do deixar fazer, canalizando a
aprendizagem para a experiência.

Os professores inclinavam suas práticas apegadas à crença na


existência de uma virgindade expressiva da criança. Por esse motivo, era
preservado o contato desses alunos com a obra dos artistas, acreditava-se que
o contato com essas obras estimularia a reprodução, a cópia (MARTINS,
MIRIAN et al., 1998).

Ao tratar das práticas dos docentes na tendência modernista, Martins


(1998) reitera que:

A influência da pedagogia centrada no aluno, nas aulas de arte, direcionou o


ensino para a livre expressão e a valorização do processo de trabalho. O papel
do professor era dar a oportunidade para que o aluno se expressasse de forma
espontânea, pessoal, o que vinha a ser a valorização da criatividade como
máxima do ensino da arte. Esses princípios, na prática escolar, muitas vezes
refletiam uma concepção espontaneísta, centrada na valorização extrema do
processo sem preocupação dos resultados (MARTINS, 1998, p. 11).

A fim de suprimir as lacunas deixadas pelas duas tendências


supracitadas, na década de 1980 surgia um movimento do ensino da arte
vinculada à ideia de construção histórica, social e cultural. Situação esta
influenciada pelas metodologias que orientaram o ensino da arte nos Estados
Unidos e na Inglaterra, locais que consideravam a arte não apenas como
expressão, mas também como cultura, apontando para “a necessidade da
contextualização histórica e do aprendizado da gramática visual que alfabetize
para a leitura de imagem” (BARBOSA, 1997, p. 11). Tais aspectos embasaram
os projetos de ensino nessa nova tendência, a pós-modernista, que primou

56
pela cognição sem descartar a emoção e a expressão emocional inerente à
prática artística.

Os postulados defendidos pela Arte/Educação Pós-Moderna


estabeleceram que a aprendizagem dos conhecimentos artísticos se dava
mediante a inter-relação entre o fazer, o apreciar (ler) e o contextualizar, dentro
do que se denominou como abordagem triangular do ensino em arte.

Enquanto no modernismo se privilegiava, dentre as funções


criadoras, a originalidade, preservando o estudante do contato com a
obra de arte, a pós-modernidade vem enfatizando a elaboração,
dentre os processos mentais envolvidos na criatividade. Por outro
lado, o modernismo apelava para a emoção na abordagem da obra
de arte nas escolas brasileiras; já a pós modernidade aponta a
cognição como preponderante para a compreensão estética e para o
fazer artístico, introduzindo a crítica associada ao fazer e ao ver
(BARBOSA, 2002, p. 89).

Em suma, evidencia-se que o panorama do ensino da arte no Brasil é


composto pela presença de três grandes tendências, a pré-modernista, a
modernista e a pós-moderna.

Notadamente é preciso salientar que o aparecimento de uma nova


tendência não excluiu a outra, tornando-se possível encontrar os reflexos e
resíduos de tais experiências nas práticas dos docentes na
contemporaneidade.

Legalmente, no campo educacional, a arte é mencionada como


componente curricular na LDB desde 1971, por intermédio da Lei 5692/71
regulamentadora do então denominado ensino de 1º e 2º graus, no qual fora
criado o componente curricular de Educação Artística nas escolas. Conforme
previsto no capítulo 1, artigo 7º consta:

Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,


Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado
quanto à primeira o disposto no Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro
de 1969.
Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos
oficiais de 1º e 2º graus (LDB, BRASIL).

57
A lei 5692/71 determinava que a disciplina “Educação Artística”
abarcasse os conteúdos de música, teatro, dança e artes plásticas nos cursos
de 1º e 2º graus. Assim, criou-se a figura de um professor único, polivalente,
que deveria dominar e ensinar todas as linguagens. Como não havia
profissionais especializados, com formação específica em artes, abriu-se
espaço para que professores de qualquer área ensinassem a disciplina de
artes, sobretudo os professores que necessitavam complementar a carga
horária da instituição de ensino.

Em 1996, com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB Nº9.394)


aprovada em 20 de dezembro de 1996, no capítulo 2 da Educação Básica
temos que:

2º. O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos


diversos níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos

Art. 26º. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma


base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de
ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada, exigida
pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela. [...] (LDB, BRASIL, p .11).

A LDB de 1996 identifica a área por arte (e não mais por educação
artística) como na LDB de 1971, colocando a arte como disciplina de conteúdos
artísticos próprios ligados à cultura artística e não apenas como atividade
(Martins, 1998).

Estas novas orientações garantiam uma canalização dos investimentos


no sistema educacional, possibilitando discussões, pesquisas e
recomendações para a constituição de referencial de qualidade para a
educação. Foram criados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de
forma a corroborar com o ambiente e direcionar os profissionais da área, tanto
os docentes quanto os profissionais liberais.

O PCN para o ensino fundamental - 1ª a 4ª séries, 3º e 4º ciclos do


ensino fundamental (1997, 1998), fala na grande área de ARTE, com
orientações para as quatro áreas: artes visuais, dança, música e teatro.

58
Em 2006, as orientações curriculares para o ensino médio sofreram
modificações. As novas Diretrizes do Ensino Médio (referenciais curriculares
para o ensino médio) designam no volume 1 como Arte a disciplina que
compõe a área da linguagem, códigos e suas tecnologias, apesar de não citar
diretamente a áudio-descrição sinaliza o uso da tecnologia

A nova legislação prevê, tanto na educação básica como na formação


do professor, o ensino das linguagens – artes visuais, música, dança e teatro.
Dentro de Arte, podem (ou devem) ser trabalhadas as áreas de música, teatro,
dança, artes visuais e suas repercussões nas artes audiovisuais e midiáticas
(http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf).

Em 2010, a LDB teve uma atualização sancionada pela Lei nº.


12.287, onde na sua nova redação é encontrada, no parágrafo segundo, a
expressão:

§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais,


constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural
dos alunos (LDB, 2010).

Conforme exposto, vários documentos orientam a vivência com várias


linguagens artísticas, inclusive com o teatro. Desde a primeira infância, com
atividades lúdicas até a adolescência, quando o jovem está em fase de
conclusão do ensino médio e em escolha de uma carreira profissional.
Ressalta-se a necessidade em promover vivências artísticas permeando toda a
formação intelectual e humana do sujeito.

A arte vista como conhecimento exige formação específica e


especializada dos docentes para seu ensino. Legitima-se a necessidade e a
importância por ser um conhecimento construído pelo homem, pertencente ao
patrimônio da humanidade, dominar e conhecer as estratégias, mecanismos
específicos da linguagem bem como os aspectos ligados à experiência prática
e à fruição de obras artísticas como o teatro. É um patrimônio cultural da
humanidade que deve ser acessado por todos, inclusive por todas as crianças.

59
2.3 O TEATRO INFANTO-JUVENIL E A ESCOLA

Situar a criança como integrante e apreciador do patrimônio cultural


nos faz refletir a forma e como esse acervo chega até esses jovens. O que é
esse gênero teatral? E quais as especificidades da linguagem e do público a
que se destina?

Teatro infantil, teatro infanto-juvenil, teatro para crianças, teatro para


infância e juventude. Essas e muitas outras nomenclaturas confundem os que
tentam definir o gênero teatral voltado para crianças e, ou jovens. Denominar
esse tipo de teatro é algo complexo e alvo de discussões travadas há algum
tempo, porém distantes de se chegar a um consenso.

Por um longo tempo, as características da infância foram ignoradas,


com elas as particularidades desse período da vida do homem, a criança foi
vista apenas como um adulto em miniatura.

Kunner (2009) aponta que o século XX é considerado como o “século


da criança” onde há um ponto crescente na consciência da infância como uma
etapa importante para o desenvolvimento da personalidade, fundada nos
estudos desenvolvidos por Pestalozzi (1774), Tiedman (1787) e Froebel (1826)
que muito contribuíram para o pensamento da infância nos séculos vindouros
(KUNNER, 2009).

Discute-se que apesar das concepções da infância terem sofrido


transformações ao longo da história, “ainda esbarramos com sentimentos de
fraqueza e debilidade em relação à criança, chegando a transformar a
expressão "infantil" em adjetivo pejorativo” (SOUZA, MARIA APARECIDA, s/d,
http://www.cbtij.org.br/arquivo_aberto/artigos_reflexoes/fenatib4_mariaasouza.h
tm). Por essa razão deve-se ter cuidado ao utilizar o termo teatro infantil.

60
Em contraposição, Camarotti (2005) alerta que a expressão teatro
infantil é mais comum e amplamente usada para designar aquele teatro que se
destina a um público composto primordialmente por crianças e que o grau
pejorativo do adjetivo “infantil” é em função de um desvirtuamento conceitual, já
que “a raiz desse mal está na própria visão distorcida que a sociedade em
geral e o homem de teatro em particular têm da criança e do que lhe é
pertinente” (CAMAROTTI, p. 13, 2005).

No entanto, no nosso estudo optamos por empregar o termo teatro


infanto-juvenil, expressão utilizada para especificar o gênero destinado a
crianças e jovens. A partir do nosso ponto de vista, nem sempre é possível
delimitar uma faixa etária e como não pretendemos restringir o público que
assiste esse tipo de teatro, optamos pela nomenclatura mais abrangente.

Vale salientar que não é ponto fundamental do nosso trabalho apontar


uma nomenclatura mais apropriada para designar esse tipo de teatro, mas
trazer pontos para reflexão sobre o processo de elaboração e realização desse
gênero teatral, elementos constituintes e peculiaridades da linguagem
direcionada para infância e juventude.

Com isso, corroboramos com Camarotti (2005) ao trazer para o cerne


dessa questão que:

O que realmente importa não é tampouco saber ou determinar se é a


criança ou o adulto quem deve fazer (com o ator ou como autor) o
teatro infantil, ou precisar exatamente, com limites rigorosos, o que se
deve dizer à criança, para que se caracterize esse teatro entre nós,
ainda não conseguiu o seu lugar e o seu merecido respeito, pois é no
como dizer que se situa a pertinência maior em se tratando do teatro
feito para crianças (CAMAROTTI, 2005, p. 14).

É no século XX que o teatro direcionado ao espectador infantil ganha


força. Especialmente nos países europeus, a produção teatral ganha um
aprimoramento da linguagem e da pesquisa estética (DESGRANGES, 2010).

É nesse chamado século da criança que surgem as primeiras


manifestações formais dedicadas às crianças no Brasil:

61
E até a década de quarenta o teatro infantil esteve sempre na mão de
educadores, não sendo ainda uma atividade empresarial, a cargo de
artistas de teatro. Isto só aconteceria a partir da estreia de O Casaco
Encantado, de Lúcia Benedetti, no Rio de Janeiro, em 1948, sendo
novamente impulsionado, para um lugar de destaque, na década de
cinquenta, igualmente no Rio, com o aparecimento de Maria Clara
Machado e seu O Tablado (CAMAROTTI, 2005, p. 17).

Esse período desperta interesse mercadológico de muitos produtores e


artistas, todos ávidos a lucrar com essa nova área promissora. Sem muito
cuidado, o quantitativo de produções cresceu significativamente.

Conforme Desgranges (2006), na pedagogia do espectador, a partir


dos anos 1980, a quantidade dos espetáculos teatrais oferecidos às crianças
se configura inversamente proporcional à qualidade. Inaugurando-se a
discussão acerca da qualidade do teatro direcionado ao público infantil,
alertando que não bastava mais montar peças para crianças e jovens, era
preciso, a partir de então, oferecer a este público um teatro de qualidade. Este
debate se perpetua até os dias atuais, neles vigorando, entretanto, uma
produção de baixa qualidade.

É preocupante o quê e como é produzido, "o teatro para crianças deve


ser feito como o de adulto, só que melhor" (STANISLAVISKI). É preciso pensar
um teatro voltado para criança em seu tempo de formação.

De acordo com esse pressuposto, destacamos que o teatro direcionado


às crianças e aos jovens deve partir do princípio que eles serão compreendidos
como seres sociais e indivíduos em formação e, por essa razão, deve-se
atentar em aprimorar a elaboração estética da obra, pois na
contemporaneidade qualquer temática poderá ser abordada desde que seja
apresentada de forma lúdica e sugestiva em cena.

Como nossa pesquisa não se sustenta em analisar os parâmetros de


qualidade de um espetáculo, achamos pertinente apenas contextualizar esse
gênero para que possamos refletir sobre o recurso da áudio-descrição no teatro
direcionado para crianças e jovens.

62
É redundante dizer que quando falamos de crianças e jovens
consideramos aqui o entendimento que todas as diferenças e peculiaridades
deverão ser consideradas, inclusive as crianças com deficiência visual. Aliás, é
nesse contexto que se situa a reflexão da nossa pesquisa.

2.4 CONCEITUANDO TEATRO-EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA


DO TEATRO

Entendemos aqui a educação como uma prática social que envolve o


conjunto das “ações, processos, influências, estruturas, mecanismos que
intervêm no desenvolvimento de indivíduos, na relação pessoal ativa” com o
mundo e o social (LIBÂNEO, 2002).

Também a obra, atividade e experiência artística propõe provocar o


indivíduo/espectador de forma ativa, na transmutação para o outro e para si
mesmo no mergulho do exterior para o interior, do interior para o exterior, para
o outro, com o outro, com o semelhante, o diverso e o reverso, com a
comunidade, o estado e o país. É uma prerrogativa para que o ensino não se
restrinja ao mero repasse de conteúdos, saberes, mas que nos permita
compreender a condição humana e nos ajude a viver.

Corroboramos com Libâneo (2002) ao compreender a Educação


enquanto:

“processos de comunicação e interação pelos quais os membros de


uma sociedade assimilam saberes, habilidades, técnicas, atitudes,
valores existentes no meio culturalmente organizado e, com isso,
ganham o patamar necessário para produzir outros saberes, técnicas,
valores e etc. É intrínseco ao ato educativo seu caráter de mediação
que favorece o desenvolvimento dos indivíduos na dinâmica
sociocultural de seu grupo, sendo que o conteúdo dessa mediação
são saberes e modos de ação (LIBÂNEO, 2002, p. 30).

63
Desse modo, a Educação estendendo-se às mais variadas instâncias
da vida social não se restringe apenas ao processo intencional e formal da
escola. O desenvolvimento das habilidades e da formação humana não é
realizado apenas pela escola enquanto instituição social com estrutura
organizacional e administrativa, com normas e diretrizes que as rege. É um
processo amplo em que vários agentes, inclusive os não institucionalizados,
organizações não governamentais, igrejas, movimentos sociais, família, meios
de comunicação e grupos artísticos também atuam.

Faz-se necessário especificar a distinção das modalidades educativas,


que transitam entre o campo da educação formal, informal e não formal.

Para Libâneo (2002), elas se dividem em educação informal, não


formal e formal. A educação informal corresponde às “ações e influências
exercidas pelo meio, pelo ambiente sociocultural” (p. 31), de forma não
intencional, espontânea. Estão presentes nas práticas sociais, nas relações de
indivíduos com grupos e com o meio em trocas geradoras de conhecimento.
Tais ações não estão subordinadas ou diretamente ligadas a instituições
organizadas e planejadas para a sistematização do ensino.

Por outro lado, a educação não-formal é realizada em instituições


educativas com certo grau de sistematização e estruturação, ela ocorre fora
das instituições regulares de educação, mas conservam certo grau de
intencionalidade educativa (LIBÂNEO, 2002).

Já o que definiria a educação formal seria a “instância de formação


escolar ou não, onde há objetivos educativos explícitos e uma ação intencional
institucionalizada, estruturada e sistemática” (LIBÂNEO, 2002, p. 31). Nesse
aspecto se enquadram as instituições, escolas que se organizam mediante a
estruturação de uma proposta de ensino, com disciplinas e carga-horária pré-
estabelecidas.

Em contraposição, outros autores não se preocupam em apontar as


diferenças entre educação formal, não formal e informal. A respeito disso, Trilla
(2008) aponta que:

64
[...] mesmo que nem sempre estejam ligadas orgânicas ou
explicitamente, estão funcionalmente relacionadas. E essas relações
funcionais podem dar-se – como de fato de dão- de maneiras muito
diversas (TRILLA, 2008, p. 46).

A educação não-formal conforme Garcia (2007) constitui-se dialogando


com várias áreas, em ações de Filantropia, assistência social, da educação
popular, dos movimentos sociais e culturais, atividades recreativas, inclusive
em arte-educação, considerando as relações educacionais como eixo e
mediadoras das propostas de mudança social.

O teatro na instância do ensino informal, contextualizado sobre uma


prática dos movimentos sociais, conforme Arantes (2007), pode exercer
diversas funções, mas sempre apresenta a característica principal de “suporte
e pretextos para intuitos pedagógicos e sociais” (Ibidem, 2007, p.269). Ainda
conforme o autor, a atividade tem como objetivos principais na utilização da
linguagem teatral: o desenvolvimento dos processos humanos, sociais,
políticos, culturais que estão estimulados e o caráter artístico do trabalho.

Em consonância à compreensão de Libâneo (2002) sobre educação,


compreendemos que o teatro, nesse contexto, ocorre no campo da educação
intencional, não intencional, sistematizado ou não, institucionalizado ou não. As
formas de condução e o espaço de atuação determinam o enquadramento
dessa modalidade educacional.

Conforme Linâneo (2002), o poder pedagógico é intermediado por


vários agentes educativos formais e não formais. Complementamos a isso, que
a ocorrência das ações pedagógicas se instauram não apenas na família, na
escola, mas também nos meios de comunicação, nos movimentos sociais e
outros grupos humanos organizados em instituições não escolares.

No contexto da experiência artística teatral, Desgranges (2010) sinaliza


a necessidade de compreensão da ação educativa proposta pela experiência
teatral, sendo educadora enquanto arte, uma ação provocadora seja ao
espectador ou por quem faz.

[...] ação educativa proposta pela experiência teatral como


provocação dialógica, em que o espectador, ou o atuante, ou o

65
participante, ou o jogador, nos diferentes eventos, e processos
teatrais, a partir de variados contextos e procedimentos, pode ser
estimulado a efetivar um ato produtivo, elaborando reflexivamente
conhecimentos tanto sobre o próprio fazer artístico-teatral, quanto
acerca de aspectos relevantes da vida social (DESGRANGES, 2010,
p. 20).

Atribuindo à experiência teatral um valor pedagógico inerente, ela


vislumbra o encontro fértil entre o artístico e o educacional. Encontro rico, de
partilhas, interlocuções e rompimento de fronteiras. Ao passo que entende o
teatro como processo educativo presente nas práticas teatrais e na formação
do artista e do espectador, apreciador da arte, que também precisa se
familiarizar com os elementos constituintes dessa linguagem. Importante
ressaltar que essa simbiose, associação entre teatro e educação, vislumbra
provocar uma convivência entre ambos, usufruindo de vantagens recíprocas,
dentro da unidade que caracteriza um só organismo, denominada do campo do
Teatro/Educação. Por vezes esse território é mal compreendido, alvo de fortes
críticas e rejeições, um assombro que permeia a mente de artistas, pensadores
contemporâneos, gestores públicos e até a de alguns educadores.

O fantasma ainda ronda o binômio teatro-educação. A discussão sobre


teatro e educação ainda encontra-se em aberto. Dado que, em termos
cotidianos, ainda existe um caráter pejorativo atribuído ao valor educativo no
que se refere aos meios teatrais de ensino. Essa assombração é o caráter
pejorativo atribuído ao valor educativo, “didático”, “pedagógico” no teatro em
tempos passados que respingam ainda nos dias atuais. Possivelmente, esse
aspecto é um resquício da tendência do ensino da arte pré-modernista,
concepção que utiliza predominantemente a arte como técnica, ferramenta de
outras áreas e com outros objetivos não centrados na linguagem artística. Os
artistas têm o receio de ficarem reféns das possíveis imposições e amarras das
tendências pedagógicas, medo de uma ditadura do educativo no teatro no que
se pode fazer e conceber dentro desse território.

O que aqui entendemos como teatro/educação não consiste em levar


para a sala de aula as técnicas do teatro e aplicá-las na comunicação do
conhecimento, potencializando que o aluno grave na memória um determinado

66
assunto. Infelizmente, esta é uma prática que ainda permeia alguns fazedores
de teatro na escola. Tal ilustração alimenta o valor pejorativo do educacional na
arte, atreladas a uma das possibilidades didáticas de transmissão de
informações e conteúdos curriculares, o que reduz a as potencialidades dessa
linguagem. Tais resquícios mancham o binômio teatro-educação, o que fez e
faz com que muitos artistas instaurem um campo, uma fronteira de tensão,
entre o artístico e o educacional.

Sobre esse aspecto fantasmagórico, já se desenham mudanças


valorosas de paradigmas e ações práticas no teatro. Atualmente a proposta do
encontro da educação com o teatro se sustenta numa visão da arte educativa
enquanto arte. O que atualmente fortalece alguns artistas, educadores,
gestores públicos e pensadores contemporâneos a refletir sobre a dissolução
das fronteiras entre esses dois campos.

Desse modo, pretende-se colocar a experiência artística enquanto


atividade de relevância educacional, sem pudor na defesa pela correlação
dialógica entre ambos, pois nesse constructo não há negação aos preceitos
estéticos que constituem a arte.

Em qualquer espaço onde haja intencionalidade educativa há uma


pedagogia. O campo de atuação do profissional da educação é tão vasto
quanto são as práticas educativas da sociedade. Seja na escola de ensino
regular, em grupos amadores, companhias, grupos profissionais de teatro,
escola de formação de atores, o teatro explana práticas e reflexões com a
linguagem artística, onde o sujeito participante transita enquanto obra, ator e
público.

As relações entre pedagogia e teatro são mais vinculadas entre si do


que aparentam. A pedagogia teatral não é apenas as formas e os
consequentes conteúdos do ensino teatral em geral ou da preparação
e formação do ator em particular. Antes de tudo, a pedagogia teatral é
a busca sempre renovada de construção em níveis cada vez mais
elevados de desenvolvimento teatral (ICLE, 2006, p. 1).

Compreendemos aqui que o pedagogo do teatro é o profissional que


atua em várias instâncias da prática educativa, direta ou indiretamente, estejam

67
ligadas às organizações, instituições formais e informais de ensino, ou a
processos de criação artística, cuja atividade formativa consiste em
provocações, experimentações, reflexão, assimilação e transmissão na busca
de saberes relativos ao teatro, tendo em vista os objetivos de formação integral
do sujeito, seja sujeito arte e sujeito cidadão, indissociáveis.

Constantin Stanislavski pode ser considerado o primeiro pedagogo do


teatro. É uma das figuras mais revolucionárias do século XX que a partir de
suas investigações empíricas elaborou um sistema explicativo, cuja
intencionalidade era organizar e multiplicar o método elaborado por ele no
Teatro de Moscou, um grande legado para a formação de artistas e
educadores por todo o mundo.

Stanislavski nasceu em Moscou numa família abastada da Rússia,


filho de um rico industrial e de uma atriz francesa, cresce num ambiente em
que se valoriza a arte. Sua primeira apresentação, ainda que amadora,
ocorrera ainda quando o pequenino tinha sete anos de idade, no teatro que seu
pai mandara construir na própria casa. Este local era frequentado por muitos
atores, diretores, músicos, artistas plásticos que participavam de reuniões,
garantindo-o um contato prematuro com as discussões e vivencias com a arte.
As motivações que o levaram a desenvolver um método da arte do ator
surgiram das suas próprias fragilidades. Especula-se que no início da carreira
ele era desengonçado e apresentava problemas vocais.

O grande mestre russo foi um dos fundadores do Teatro de Arte de


Moscou (TAM), em 1897, juntamente com Vladímir Dântchenco, escritor
e professor de arte dramática do Conservatório de Moscou. Espaço que serviu
como laboratório, onde Stanislavski, durante anos, experimentou e testou seus
métodos e técnicas no trabalho de preparação do ator.

No início do século XX, dentro do pensamento modernista, Stanislavski


instaura um pensar teatral que se contrapunha ao teatro tradicional do século
XIX, até então marcado pela reprodução de modelos prontos, pela repetição,
cópia de protótipos, conforme ilustra a seguinte passagem:

O teatro em seu tempo consagra os grandes “monstros”: atores que


expõem sua personalidade muito mais que seu trabalho, num teatro de

68
mero divertimento. O aprendizado do ator euro-americano, até
Stanislávski, de modo geral, baseava-se na imitação do mestre. O aluno-
ator aprendia com um ator mais velho, que lhe transmitia os passos, os
textos as formas de executá-los passo a passo (ICLE, 2006, p. 5-6).

Na primeira fase das suas investigações, enfatiza a psicotécnica, a


qual versa desenvolver a organicidade do ator provocando desenvolver do
exterior para o interior por meio da improvisação. Já na segunda fase, ele
desenvolve o método das ações físicas.

Stanislásvski passa a usar a improvisação como método de trabalho


para o ator. Mesmo na Psicotécnica, baseada em viver o papel, e na
memória afetiva usa a improvisação como recurso de construção ou,
ainda, melhor dizendo, de reconstrução da personagem. O método das
Ações Físicas, por outro lado, baseia-se completamente na
improvisação, abolindo quase inteiramente o trabalho de mesa,
bastante presente no trabalho anterior de Stanislávski (ICLE, 2006, p.
6).

A tentativa em articular o inconsciente por métodos conscientes no


processo de improvisação no método de Stanislávski3 influenciou o trabalho de
professores de teatro e de diretores/pedagogos por todo o mundo. No Brasil, o
fato que impulsionou a propagação desses constructos, foi a publicação do
livro “Improvisação para o teatro” da norte-americana Viola Spolin, traduzido
pela professora e pesquisadora da USP Ingrid Dormien Koudela, entre tantas
outras obras e pesquisas desenvolvidas por ela até hoje.

Essas produções resultantes das contribuições dos autores referidos


servem de base até os dias atuais para planejamentos de aulas de teatro, em
curso de formação de atores e também em processos profissionais de criação
artística.

Ainda sobre o campo do teatro-educação e pedagogia no teatro, no


livro “O ator como Xamã”, Gilberto Icle (2006) aponta que Stanislávski e

3
As principais obras publicadas e traduzidas em português são: A Preparação do Ator.
Tradução: Pontes de Paula Lima (da tradução norte-americana). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. 1964. A Construção da Personagem. Tradução: Pontes de Paula Lima (da tradução
norte-americana). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1970. A Criação de um Papel.
Tradução: Pontes de Paula Lima (da tradução norte-americana). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. 1972 e Minha Vida na Arte. Tradução de Paulo Bezerra (do original russo). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira. 1989.

69
Corpeau4 lançaram as bases das tradições pedagógicas euro-americanas no
século XX, sem, contudo, impô-las como método rígido ou caminho único.

O próprio Stanislávski em conversa com universitários norte-


americanos que certo dia o visitaram, alerta que eles não deveriam reproduzir o
Teatro de Arte de Moscou, incentivando-os a criarem algo próprio.

Nosso método nos serve porque somos russos, porque somos este
determinado de grupos de russos aqui. Aprendemos por
experiências, mudanças, tomando qualquer conceito de realidade
gasto e substituindo-o por alguma coisa nova, algo cada vez mais
próximo da verdade. Vocês devem fazer o mesmo. Mas ao seu modo
e não ao nosso ( STANISLÁVSKi,1989 p. 17).

O pensamento desse pedagogo do teatro nos leva a refletir sobre a


própria prática dos professores e o seu posicionamento frente a uma escola
que clama pela inclusão. Nesse âmbito não cabe ao professor, mesmo que
munido por vasto conteúdo e orientações didáticas bem intencionadas,
transferi-las diretamente para sala de aula, sem ao menos se questionar e
contextualizar dentro da própria realidade. Sem ao menos levar em
consideração a unidade e particularidades dos seus alunos, dentre eles o aluno
com deficiência.

No que tange a compreensão sobre o termo pedagogia do teatro, Pupo


(2006) define que a expressão explicita uma reflexão sobre as finalidades,
condições, métodos e procedimentos relativos ao ensino aprendizagem em
teatro.

Libâneo (2002) reitera e complementa o entendimento sobre o conceito


de pedagogia e sua área de atuação ao considerar que:

A pedagogia ocupa-se, de fato, dos processos educativos, métodos,


maneiras de ensinar, mas antes disso, ela tem um significado bem
mais amplo, bem mais globalizante. Ela é um campo do
conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e
historicidade e, ao mesmo tempo, diretriz orientadora da ação
educativa (LIBANEO, 2002. p. 29-30).

4
Nas transformações instauradas no século XX Copeau também se preocupava com a
renovação do teatro, e ele foi tão importante quanto Stanislávski. Vale alertar que apesar
dos possíveis pontos de encontro entre ambos, Copeau segue um diverso instaurando a
via negativa. “Essa via consiste basicamente na eliminação dos bloqueios do ator. O
trabalho do diretor-pedagogo, nessa acepção, é vinculada à capacidade de identificar o
que obstaculiza o processo criativo do ator e promover um tangenciamento proposital.
(ICLE, 2006, p.9).

70
Nesse sentido, Desgranges (2010) alerta que o caráter pedagógico no
teatro consiste nos aspectos provocativos e dialógicos presentes de maneira
particular nos diferentes movimentos e práticas teatrais abordados.

O autor alerta ainda sobre a necessidade de educar esteticamente o


espectador, já que a obra atinge sua concretude e sua função comunicativa
aos olhos do espectador. Ou seja, “o acontecimento artístico se contempla
quando o contemplador elabora a sua compreensão da obra. A totalidade do
fato artístico, portanto, inclui a criação do contemplador” (Desgranges, 2010, p.
28).

A respeito das implicações dos conceitos pedagogia do teatro e teatro


como pedagogia na esfera do Teatro na Educação, Biange (2008) define que
as duas expressões significam a mesma coisa. Na primeira forma é a maneira
como o professor direciona sua prática, organizando o método de ensino e o
planejamento. No segundo caso, considera que a imersão na atividade
independe do planejamento e decorre do engajamento emocional com a
situação em foco.

Sendo assim, desenvolver apenas práticas com a linguagem artística é


insuficiente, a fruição é uma atividade pedagógica que merece ser abordada e
mediada, pois:

A atitude do espectador diante de uma cena teatral pode ser


compreendida, segundo Bakhtin, como uma tensão constante entre
ele e a obra: em um primeiro movimento, o expectador se aproxima
da obra, vivenciando-a, para, em um segundo movimento, afastar-se
dela e refletir sobre ela, compreendendo-a (DESGRANDES, 2010, p.
29).

Em suma, poderíamos inferir que a pedagogia do teatro é um campo


do conhecimento que se ocupa com o estudo sistemático do ato educativo na
tríade teatral (a obra, o espectador, o ator). Os campos de atuação dessa
pedagogia passam pelo processo de elaboração artística, que imbricam
sempre uma ação formativa intencional ou não, entre e com os elementos que
desenham a obra (dramaturgo, figurinista, encenador, cenógrafo, designer de

71
luz, ator entre outros). a ação educativa nesses casos se dá individualmente e
coletivamente, sejam eles conscientes ou não.

Ninguém sai ileso de um processo. Os profissionais se transformam à


medida que criam e posteriormente os que assistirão também serão
transformados. O terceiro elemento da tríade, o espectador, também está
sujeito a mecanismos educacionais. Todos juntos, ou separados, obra, ator e
público, se agregam como ingredientes dessa atividade humana, cuja ação
pedagógica é intrínseca e contribuinte para a construção do ser humano como
membro de uma determinada sociedade. Os processos e meios dessa
formação dos alunos são alvos do campo de atuação da pedagogia do teatro.

O professor no ato educativo não é imparcial, ele faz escolhas


mediante os seus valores. No entanto, o compromisso ético deverá prevalecer,
a atuação profissional deverá ancorar-se no domínio técnico da área educativa
e nas necessidades do alunado, para isso, exige-se que a formação docente
esteja em constante reformulação por meio de capacitações, pesquisas ao
longo da vida desse profissional.

Para desempenhar esse encargo de ensinar, o professor necessita


desenvolver múltiplas capacidades para que assim possa apreciar situações
com atenção, transmitir com eficácia, questionar e refletir com veemência e se
aprofundar como um especialista da educação almejando a eficiência do
processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, Rios (2003) aborda três
dimensões para competência docente articuladas entre si: a imersão técnica, a
dimensão estética e a dimensão ética e a política. Ao desenvolver a ideia da
dimensão estética na prática docente, explica que se trata de trazer luz à
subjetividade do professor que é “constituída na vivência concreta do processo
de formação e de prática profissional” (RIOS, 2003, p. 98).

Ainda nessa linha, a autora alarma que o exercício da docência não se


reduz a racionalidade técnica. O professor não é apenas um ser racional: ele
age conforme a atuação de outros elementos para além da razão, a
criatividade, a emoção, a imaginação e a sensibilidade são atuantes, bem
como ações motivadas por sentimentos como frustração, raiva, irritação e
impaciência que marcam o exercício da docência. Esse último ponto merece

72
nossa atenção, principalmente ao tratar com o aluno com deficiência para que
o nosso preconceito, baixa expectativa, deprecie nossa prática frente a esses
sujeitos.

Os educadores constantemente são confrontados com a diversidade


de seus alunos, e apesar de ser uma constante na sala de aula são comuns
práticas voltadas para um corpo homogêneo que não consideram essas
diferenças. É necessário pensar as diferenças para provocar um tratamento e
reformulação nas organizações escolares e nas práticas pedagógicas.

No que diz respeito aos saberes da docência, Pimenta (1999, 2002,


2004) os divide em três grandes grupos: a experiência, o conhecimento e os
saberes pedagógicos.

Há tempos a pesquisadora vem enfatizando a importância dos


saberes da experiência serem trabalhados junto aos demais saberes
na formação de professores. Ao tratar dos saberes da experiência,
Pimenta (2002) destaca inicialmente a experiência de aluno, que todo
futuro professor já teve e constitui-se, deste modo, em um primeiro
estágio dos saberes da experiência. Posteriormente, com mais tempo
no exercício do magistério, essa experiência amplia-se no cotidiano
docente, de modo que esse conhecimento empírico deve ser
submetido a um processo permanente de reflexão da própria prática
“que os coloque em condições de gerir novas práticas” (PIMENTA,
2004, p. 11).

Entretanto, reduzir o exercício da docência em “reproduzir aquele modo


de fazer que aprendeu com seu mestre é negar a profissionalidade docente,
dispensando a dimensão da criação” (PIMENTA, 2004, p. 16). Do mesmo
modo, a autora dá destaque à sensibilidade como forma de conhecimento:
“muitas vezes é pela sensibilidade que o educador se dá conta da situação
complexa do ensinar. A sensibilidade é uma forma de conhecimento.
Sensibilidade da experiência é indagação teórica permanente” (PIMENTA,
2002, p. 18).

Lima e Pimenta (2004), ainda ao tratarem da sala de aula como espaço


de conhecimento compartilhado, destacam que:

[...] juntamente com seu saber, sua cultura individual e coletiva, o


professor leva consigo para a sala de aula sua história de vida e sua

73
visão de mundo. A forma de conduzir os conhecimentos específicos
de sua área de estudo, a relação com os alunos e a avaliação que
utiliza passam pela visão de ciência que possui, pela concepção de
aluno, de escola e de educação que acumulou no decorrer das
experiências vivenciadas (LIMA E PIMENTA, 2004, p. 157).

Varella (1986) desde os anos 80 alertava a necessidade em garantir


um espaço para arte nas escolas brasileiras, sem abordagens superficiais para
que o professor habilitado pudesse agir de forma transformadora na escola e
na sociedade.

[...] a arte no ensino de 1º e 2º graus continua sem espaço, continua a


ser superficializada, sem uma linha filosófica que lhe dê unidade e
força, e o arte-educador sem o desempenho desejado -embora
habilitado- sem horizonte e ainda sem assumir o papel de agente
transformador na escola e na sociedade” (BARBOSA (Org.), 1986, p.
12).

Finalmente, é importante destacar que o conceito ampliado de


pedagogia como campo do conhecimento sobre e na educação apresenta-se
com possibilidade de facilitar não apenas a interpretação e intervenção dos
processos educativos que ocorrem na escola, mas também daqueles que
ocorrem em espaços não-escolares, inclusive nos espaços de apresentação
cênica, ao atuar no campo da mediação na apreciação de espetáculos teatrais.

74
3 ÁUDIO-DESCRIÇÃO ONTEM, HOJE E AMANHÃ

O presente capítulo fala do surgimento da áudio-descrição e da


propagação deste recurso no Brasil. Reflete a áudio-descrição enquanto um
gênero de tradução intersemiótica, enquadrando-a como um gênero textual
emergente. Além disso, apresenta o panorama da áudio-descrição em
Pernambuco e discute as diretrizes norte americanas para áudio-descrição. Por
fim, situa o recurso da a-d como um agente de mediação na recepção de
espetáculos cênicos.

A áudio-descrição é um veículo para acessar uma dada realidade. É


pintar o vazio por meio de palavras, suscitando a construção de imagem. O
“como é” uma pessoa, os aspectos físicos, os ambientes, os objetos, as ações
e as expressões. É transformar imagens em palavras por meio da locução
descritiva, clara e objetiva, cujo pilar norteador da técnica é ‘descreva o que
você vê’, sem inferências pessoais, nem censura de informações relevantes
para a o entendimento da obra.
O primeiro registro que se tem da áudio-descrição é em meados da
década de 70, nos Estados Unidos.

Apesar de esse trabalho datar do ano de 1975, a AD teve seu debut


somente na década seguinte graças ao trabalho do casal Margaret e
Cody Pfanstiehl. Margaret Rockwell, portadora de deficiência visual e
fundadora do serviço de ledores via rádio The Metropolitan Washington
Ear, e seu futuro marido, o voluntário Cody Pfanstiehl, foram
responsáveis pela audiodescrição de Major Barbara, peça exibida no
Arena Stage Theater em Washington DC em 1981. Na época, o Arena
Stage Theater havia recebido recursos públicos para tornar suas
produções mais acessíveis e Margaret Rockwell foi contatada para
ajudar nessa empreitada. Ela, por sua vez, buscou o auxílio de Cody
Pfanstiehl e o casal, então, passou a audiodescrever as produções
teatrais. Eles também foram responsáveis pelas primeiras
audiodescrições em fita cassete usadas em visitas a museus, parques
e monumentos nos EUA, além de contribuir de maneira significativa
para levar a AD à televisão (FRANCO, 2011, p. 20).

Outras ações já denotavam a potencialidade e benefícios da descrição


para a pessoa com deficiência visual. Na década de1960, por exemplo, o norte

75
americano Chet Avery, administrador e pessoa com deficiência visual, do
Departamento de Educação dos Estados Unidos, alertou e incentivou pessoas
a áudio-descreverem mídia educacional para pessoas com deficiência visual.
Pode-se citar ainda, na década de 70, o professor na Universidade de São
Francisco, Gregory Frazier, que investigou a conceituação de peças de teatro
descritas.
Porém, o surgimento da áudio-descrição aos moldes da compreensão
que temos hoje é atribuída à Dra. Margaret Pfanstiehl, fundadora do
Metropolitan Washington Ear Radio Reading Service, com o seu marido Cody
Pfanstiehl.
Diversos países têm avançado nos aspectos legais que asseguram o
desenvolvimento e o aprimoramento da áudio-descrição. Além dos Estados
Unidos, os países que mais investem na áudio-descrição, tanto na televisão
como no cinema e no teatro, são Inglaterra, França, Espanha, Alemanha,
Bélgica, Canadá, Austrália e Argentina (FRANCO, 2011).

3.1 ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO BRASIL

A áudio-descrição é uma atividade muito recente que marcou a entrada


desse novo século. Foi utilizada em público pela primeira vez em 2003 durante
o festival temático Assim Vivemos: Festival Internacional de Filmes sobre
Deficiência, idealizado por Lara Pozzobom e Gustavo Acioli. E, em circuito
comercial, em 2005 foi lançado o primeiro DVD do país com áudio-descrição:
Irmãos de Fé. Em 2008, Ensaio sobre a Cegueira, Chico Xavier, em 2010.
Ainda nesse circuito, em 2011 é lançado o filme “Nosso Lar” e em 2012,
destacamos as seguintes produções: Palhaços e Um tempo para Amar. Outras
ações foram desenvolvidas na primeira década do Século XXI.
Em 2008 surgiu também na televisão a primeira propaganda
acessível para pessoas com deficiência, promovida pela marca
Natura. O Festival de Cinema de Gramado, em sua edição de 2007, e
o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, nas

76
edições de 2006 e 2007, foram as primeiras mostras não-temáticas a
exibirem filmes audiodescritos. No teatro, a peça Andaime, exibida
em São Paulo em 2007, foi o primeiro espetáculo teatral a contar com
o recurso. Já a montagem Os Três Audíveis foi o primeiro espetáculo
de dança audiodescrito, que aconteceu em Salvador (maio de 2008)
e em Curitiba (junho de 2009). E em maio de 2009, em Manaus, o
público com deficiência visual pôde apreciar a primeira ópera
audiodescrita do país, Sansão e Dalila, atração do XIII Festival
Amazonas de Ópera (FRANCO, et al., 2011, p. 27).

Nesse contexto de realizações, Pernambuco sedia o primeiro Festival


de Teatro de abrangência nacional com áudio-descrição. O Festival Palco
Giratório Recife, promovido pelo SESC Pernambuco, em 2010, ofertou parte da
programação com o recurso de acessibilidade. A ação foi ampliada para a
edição do ano seguinte, na qual foi disponibilizada também a tradução em
libras.

No ambiente acadêmico, as publicações e pesquisas científicas em


áudio-descrição estão sendo lideradas pelas universidades federais da Bahia,
de Pernambuco, de Minas Gerais e pela Universidade Estadual do Ceará.
Pernambuco tem se destacado no cenário nacional por atrelar à prática e à
investigação acadêmica as recentes dissertações dos pesquisadores Paulo
Vieira e Ernani Ribeiro, defendidas em 2011. Assim, inauguram uma reflexão
mais aprofundada da áudio-descrição em livros didáticos.

3.2 PANORAMA HISTÓRICO DA ÁUDIO-DESCRIÇÃO EM


PERNAMBUCO

A áudio-descrição em Pernambuco se deu com a chegada do


pesquisador Dr. Francisco Lima, radicado em São Paulo, que, ao ingressar
como professor efetivo do Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco, concebeu o Centro de Estudos Inclusivos, realizando atividades

77
que presumiam a consolidação do direito da pessoa com deficiência. De
caráter multidisciplinar, o Centro se tornaria, posteriormente, o grande celeiro
produtivo na capacitação de profissionais e aplicação da áudio-descrição.

Já em 2008, por meio do curso de extensão de 45h, Dr. Francisco


formou a primeira turma de áudio-descritores em Pernambuco. Nesse mesmo
ano, coordenados pelo professor, os alunos deste primeiro curso, Lívia Guedes
e Ernani Ribeiro, entre outros, realizaram a áudio-descrição do primeiro
espetáculo teatral em circuito profissional e de abrangência pública: “O Menino
que Contava Estrelas”, com direção de Isabel Concessa e texto de Eron Vilar.
Ainda em 2008 foram áudio-descritos mais dois espetáculos: “Ninguém mais
vai ser Bonzinho5” e “Os Cegos6”.

A partir daí, uma série de ações foram inspiradas a partir dessa


experiência com os espetáculos teatrais no Recife. No ano seguinte, a segunda
temporada de “O Menino que Contava Estrelas7” e “O Palhaço que Queria ser
Rei8” foram os dois trabalhos cênicos que utilizaram o recurso.

No primeiro semestre de 2010, o Festival Palco Giratório Recife coloca


em prática um projeto piloto de acessibilidade comunicacional e oferece na
grade da programação quatro espetáculos com o recurso: “Guerreiros da
Bagunça9” (Direção: Rudimar Constâncio, Dramaturgia: Guto Greco, Produção:
Portugal Produções); “O Fio Mágico10” (Direção: Marcondes Lima, Dramaturgia:

5
Áudio-descrição: Ernani Ribeiro.
6
Áudio-descrição: Ernani Ribeiro.
7
Áudio-descrição da temporada: Ernani Ribeiro, Andreza Nóbrega, entre outros.
8
Prova prática de audio-descrição: Andreza Nóbrega e Laís Melo.
9
Roteiro e Locução da áudio-descrição: Andreza Nóbrega. Informações técnicas: Gênero:
Infanto-juvenil. Sinopse: Farsa, Clown, máscara, música e animação, serão ingredientes
desta grande história de vida, onde os personagens estão segregados, divididos entre
gatos x gatos x ratos x lixo, desenrolando-se a partir daí toda a peça. Os personagens
Romeu e Julieta exilam-se involuntariamente cada um em seu gueto, convivendo com
todo o tipo de miséria e disputando entre eles a coleta do alimento diário. Quando esse
alimento não vem, ora por falta da coleta, ora porque não fora colocado no lugar de
sempre, faz com que estes, criem os seus próprios conflitos entre os seres que lhes
rodeiam. Toda essa história é contada com muito humor, músicas ao vivo, onde os atores
tocam os instrumentos musicais. (http://www.sesc-
pe.com.br/palco2010/index.asp?i=sinopses).
10
Roteiro e Locução da áudio-descrição: Andreza Nóbrega. Informações técnicas:
Gênero: Teatro de Bonecos. Sinopse: O Fio Mágico apresenta a história de Gèrard, um
menino impaciente que recebe o dom de adiantar o tempo puxando o fio de sua própria
vida. Apesar da situação fantástica, que aparentemente resolveria seus problemas, o
personagem se depara com dúvidas e desafios como o conflito entre o bem e o mal, o
envelhecimento e a inevitabilidade da morte. O simbolismo implícito nas situações e

78
Carla Denise, Produção: Mão Molenga Produções Artísticas e Culturais), “Um
Rito de Mães, Rosas e Sangue11”, (Direção: Claudio Lira, Dramaturgia: Claudio
Lira); e “Leve12” (Concepção/direção: Maria Agrelli e Renata Muniz, Assistente
de Coreografia Liana Gesteira, Realização: Maria Agrelli e Renata Muniz). Este
último foi também o primeiro espetáculo de dança áudio-descrito em
Pernambuco. No segundo semestre, o teatro recebe mais duas obras teatrais
com o recurso: “A Revolta dos Brinquedos”13 (Direção:José Francisco Filho,
Realização:Circus produções) e “A Morte do Artista Popular”14 (Direção:
Dramaturgia: Luiz Reis. Realização: Escola Sesc de Teatro).

O ano de 2011 foi marcado pelo fortalecimento da acessibilidade


comunicacional no Estado e pela consolidação de parceiros. Começando no
mês de janeiro, os espetáculos “A morte do Artista Popular” e “A Revolta dos
Brinquedos”, integrados à grade do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos,
ofertaram o recurso em suas apresentações através de uma iniciativa dos
profissionais de AD e com a concessão dos produtores dos referidos trabalhos.

personagens mostra que é possível vencer obstáculos e ser bem sucedido, mesmo sem
se ter um dom especial. Que a mágica da vida reside em se vivê-la plenamente. Assim, o
personagem consegue construir um novo olhar sobre o que é a vida, a importância de
aproveitar o tempo e enfrentar os desafios.
11
Roteiro e Locução da áudio-descrição: Andreza Nóbrega. Informações técnicas: Gênero:
Drama. Sinopse: Um Rito de Mães, Rosas e Sangue (Lorca – Um ato poético em três
quadros), traz à cena uma livre licença poética das Três Tragédias Rurais de Federico
Garcia Lorca: “Bodas de Sangue”, “Yerma” e “A Casa de Bernarda Alba” em um
espetáculo ritualístico ambientado num não lugar aqui presente, o qual o tempo e o
espaço não são geometrizados, medidos e comparados. Tudo é reinventado e
metaforizado, na cena. Nesse contexto, a personagem da Mãe é o foco central do ritual
cênico, é o elemento aglutinador das forças que regem a natureza, é ela que dita às
regras do jogo nos três quadros que dividem a encenação.
12
Roteiro e Locução da áudio-descrição: Andreza Nóbrega. Informações técnicas:
Gênero: Dança Contemporânea. Sinopse: O espetáculo Leve transporta para a cena as
sensações, os sentimentos e os questionamentos do ser humano diante da morte. O
trabalho foi criado sob a perspectiva de quem viveu a perda, a partir das vivências das
criadoras-bailarinas Maria Agrelli e Renata Muniz. A concepção do espetáculo surgiu das
reflexões das duas artistas, que lidavam de forma diferente, e até mesmo divergente,
sobre a perda de pessoas próximas. As variadas perspectivas de encarar a morte
serviram de suporte para a criação de Leve, abarcando a complexidade e intensidade do
tema proposto. As sensações de impotência, saudade, dor, raiva, desespero, vazio, alívio
se mesclam na cena do espetáculo, desveladas pelo corpo das bailarinas e pelo ambiente
criado para este trabalho. Um espetáculo de dança que une coreografia e improvisação,
propondo a imersão do público em uma atmosfera mística, intimista e lúdica.
(www.sescpe.com.br).
13
A equipe de acessibilidade desse espetáculo foi composta por José Carlos Santos Veloso
(Intérprete de Libras) e Ernani Ribeiro do Grupo Imagens que falam UFPE.
14
Roteiro e locução da áudio-descrição: Andreza Nóbrega, Liliana Tavares e Fabiana
Tavares.

79
Porém, não houve o aparato técnico adequado, nem a menção da ação na
programação do evento.

Em março, mês da celebração do Dia Mundial do Teatro, acontece a


Mostra Marco Camarotti, promovida pelo SESC e realizada no Teatro Marco
Camarotti, espaço dedicado ao teatro para infância e juventude. Na ocasião, foi
realizado o espetáculo “Historinhas de Dentro”15 (Texto/direção: Samuel
Santos, produção Quadro de Cena), com áudio-descrição e tradução em libras.
Passando para abril, a tradicional Paixão de Cristo de Nova Jerusalém16, maior
espetáculo ao ar livre do mundo, que tem como mentor Plínio Pacheco e
direção de Carlos Reis e Lúcio Lombard, foi apresentada com o recurso da A-d
numa realização da Sociedade de Fazenda Nova.

Um dos parceiros que fortaleceu e aumentou as ações na área foi o


Sesc. O Festival Palco Giratório Recife amplia a grade de programação em
quantidade e recursos, oferecendo, além da áudio-descrição, a tradução em
libras. Sete espetáculos da grade contaram com os recursos: Caetana17 (Texto:
Moncho Rodriguez e Weydson Barros Leal, Direção Geral: Moncho Rodriguez,
Realização: Duas Companhias); Rebu18 (Direção: Vinícius Arneiro / Texto Jô
Bilac, realização do grupo Teatro Independente, do Rio De Janeiro); “O Fio
Mágico19” (Direção: Marcondes Lima, Texto: Carla Denise), “A Morte do Artista

15
Roteiro: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares. Locução: Liliana Tavares.
16
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega, Ernani Ribeiro, Liliana Tavares e Paulo Vieira.
Consultor de áudio-descrição: Francisco Lima.
17
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares. Sinopse: Caetana, poética
forma de denominar a morte. A encenação resgata elementos do teatro das tradições
populares e os transforma em linguagens renovadas de contemporaneidade. Na peça,
Benta, uma rezadeira que, depois de indicar o caminho do além para várias almas
perdidas, se vê diante de seu próprio encontro com a Caetana, a morte. Chegando ao
Reino do Invisível, Benta reencontra as almas anteriormente encomendadas por ela que
aparecem em forma de bonecos. Caetana é um espetáculo experimental que renova-se a
cada encontro com o espectador, que fala nas imagens, nas palavras, nos sons e no
imaginário, a linguagem poética do humano, o Nordeste renovado na cena. Caetana é
Teatro de Celebração, de Encantamento e Diversão. (www.sescpe.com.br)
18
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares. Sinopse: Matias e Bianca são
recém-casados e moram numa casa isolada em meio a um descampado. O casal se
prepara para receber Vladine, irmã doente de Matias, que traz consigo seu bem mais
precioso: Natanael, uma espécie de filho. A hiperbólica e exigida cautela com a saúde da
hóspede e a presença do seu acompanhante fazem com que Bianca, aos poucos, crie
uma rivalidade com ambos, levando o embate às últimas consequências.
19
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares

80
Popular20” (Texto: Luís Augusto Reis / Encenação: Antonio Cadengue,
realização: Escola Sesc de Teatro); “Reprilhadas e Entralhofas: Um concerto
para Acabar com a Tristeza21” (Dramaturgia e encenação: Alexsandro Silva,
Realização: Cia. 2 Em Cena de teatro,circo e dança); “Cordel do Amor Sem
Fim22”, (Texto: Claudia Barral e Direção e Cenografia: Samuel Santos,
Produção O Poste: Soluções Luminosas e Samuel Santos); e “Cabanagem23”
(Direção artística: Monique Andrade e Getúlio Lima, realização do Corpo de
Dança do Amazonas).

O ano seguiu com a A-d sendo agregada a outras áreas culturais no


Estado. A segunda publicação da revista Diálogos sobre Arte e Público de
2011, por exemplo, reuniu vários artigos versando sobre a inclusão no contexto
artístico. Este material foi disponibilizado em várias mídias assistivas.

O cinema também incorporou ações de acessibilidade comunicacional


a seus trabalhos com o lançamento do primeiro curta-metragem “A Casa dos
Estranhos”24 (Direção: Pablo Polo, Roteiro:Fernanda Soveral, Ricardo Paiva e

20
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares. Sinopse: Espetáculo de
conclusão da Escola Sesc de Teatro, do Sesc Piedade, com direção de Antonio Cadengue
e texto de Luís Augusto Reis. A peça apresenta múltiplos ângulos de discussão e leitura:
dos meandros das políticas públicas da cultura ao papel da arte na sociedade
contemporânea. Além disso, enceta uma reflexão acerca da natureza da obra de arte, em
suas ambiguidades e interface com a realidade.
21
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares
22
Roteiro: Andreza Nóbrega e Liliana Tavares. Locução: Andreza Nóbrega. Sinopse:
Cordel do Amor sem Fim se passa na cidade de Carinhanha, sertão baiano, às margens
do Rio São Francisco, na cidade vivem três irmãs – a velha Madalena, a misteriosa
Carminha e a jovem e sonhadora Tereza – por quem José é apaixonado.
Drummondianamente, Carminha ama José, que ama Tereza que ama Antônio, um viajante
forasteiro por quem ela se apaixonara no porto da cidade, exatamente no dia em que um
almoço marcaria seu pedido de casamento feito por José. Toda a trama então se
desenrola em função do tempo de espera de Tereza pela volta de Antônio que vai
interferindo na vida dos personagens de forma decisiva. (www.sescpe.com.br).
23
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega. Sinopse: A Cabanagem foi uma revolta popular
na qual negros, índios e mestiços se insurgiram contra a elite política regencial. Diversas
batalhas fizeram com que o movimento ficasse marcado pela violência. O espetáculo, não
narrativo, apropria-se da essência da Cabanagem e utiliza a linguagem do coreógrafo
Mário Nascimento para traduzir o espírito de resistência, de luta, de revolta e de
preservação das culturas do local. A pesquisa para o espetáculo partiu da literatura de
Márcio Souza e Marilene Corrêa (www.sescpe.com.br).
24
Roteiro: Andreza Nóbrega e Paulo Viera. Locução: Paulo Vieira. Consultor em áudio-
descrição: Francisco Lima. O projeto tramitou desde de 2010, “Em julho de 2010 foi
gravado em formato digital o filme "Casa dos Estranhos", com o argumento de Marco
Abuljanra, cineasta residente no Rio de Janeiro -RJ, e membro da Ong MHUD, abordando
a questão do preconceito contra portadores de necessidades especiais e sobre as
diferenças”. (http://www.cremepe.org.br/ceac/projeto_casa_dos_estranhos.php).

81
Pablo Polo, Produção: 485 Filmes), numa iniciativa do Cremepe e com apoio
do Centro de Estudos Inclusivos.

Outro segmento que agregou a A-d foi o de artes visuais, através do


projeto de acessibilidade Mamam25, idealizado pelas produtoras Eli Santos e
Clarisse Fraga. Com o projeto, objetiva-se realizar a áudio-descrição de cem
obras do acervo permanente do Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães
(Mamam), além da viabilização de um vídeo acessível com Libras e AD sobre a
Introdução da Arte, vídeo que servirá de suporte para o trabalho de mediação
dos arte-educadores do museu.

A acessibilidade também foi incluída em importantes eventos do


calendário cultural do Estado. No mês de junho, o São João de Caruaru contou
com tradução simultânea do Camarote da Acessibilidade realizado pelos
tradutores Ernani Ribeiro e Paulo Vieira. Outras ações foram realizadas a
exemplo da Feneart26 (Feira de Artesanato) e do Fito (Festival Internacional de
Teatro de Objetos).

No campo das ações formativas, o CEI/UFPE cedia a III Mostra de


Áudio-descrição Imagens que Falam27, com as palestras de Rita Mendonça, de
Maceió- AL, de Rosângela Barqueiro e Antônio Carlos Barqueiro da Laramara,
e de Letícia Schwartz, palestrante, áudio-descritora e sócia da empresa de
acessibilidade Mil Palavras. O evento reuniu aproximadamente 200 pessoas
que puderam conferir a apresentação de 15 pôsteres, exibição de 47 vídeos
com áudio-descrição pré-gravados e quatro vídeos áudio-descritos ao vivo, em
voice-over.

Esse breve panorama sobre a história da áudio-descrição em


Pernambuco ilustra que o teatro foi campo para disseminação desse recurso
acessível. Além disso, já estão previstos para 2012 a realização dos
espetáculos “Le Petit”, realização de Andreza Alves; a circulação por oito
municípios da região metrolopolitana do Recife e interior de PE de “Historinhas

25
Roteiro e Locução: Andreza Nóbrega, Ernani Ribeiro, Laís Castro e Paulo Vieira.
Consultor em áudio-descrição: Francisco Lima.
26
Audio-descritores: Andreza Nóbrega, Fabiana Tavares, Patrícia Pordeus e Paulo Viera.
27
A ação foi realizada com o apoio financeiro da (secretaria de apoio à pessoa com deficiência
(Sead) que custeou as passagens dos palestrantes e do apoio estrutural da UPPE, cedendo o
auditório Barbosa Lima Sobrinho.

82
de Dentro”; bem como apresentação em lugar alternativo de “Pindoramas
Caravelas e Malungos”, ambos com realização do Grupo Quadro de Cena;
além do espetáculo “Leve”, uma realização do Coletivo Lugar Comum, das
bailarinas Renata Muniz e Maria Agrelli, sendo todos eles previstos com o
recurso da áudio-descrição e aprovados por leis de incentivo estadual ou
prêmios a nível federal.

3.3 ÁUDIO-DESCRIÇÃO: TRADUZIR IMAGENS EM PALAVRAS

Etimologicamente, a palavra traduzir é de origem latina, advinda da


palavra traducere, que significa “levar além, passar de uma língua para outra”.
Vale salientar que a tradução não consiste apenas na codificação e
recodificação de uma língua para outra. Ou seja, na “substituição do material
textual de uma língua pelo material textual equivalente de outra língua” (J.C.
CATFORD apud HIRASHIMA, 2007, p. 22). É um fenômeno muito mais
abrangente.

Quando olhamos, por exemplo, uma pessoa e observamos os lábios


dela, cujas extremidades estão levemente arqueadas e os dentes à mostra, o
nosso cérebro logo “traduz” a mensagem que “ela sorri”. Da mesma forma que
é possível, ao entrarmos em um determinado açougue, o nosso olfato captar
um cheiro e repassar o comando que nos levará a fazer a compra em outro
lugar, mesmo sem ter visto o produto, pois o olfato já indicou que aquela
mercadoria se encontra em estado de putrefação. Ou ainda, um indivíduo cego,
que ao deslizar os dedos sob uma sequência de pontos salientes no papel,
capta as informações transcritas pelo sistema braile. Percebemos que em
todas as situações supracitadas, de alguma forma, é explicitada uma espécie
de ato tradutório. No primeiro caso, a tradução de uma expressão facial é
realizada pelo olhar; no segundo, o odor num determinado ambiente é captado

83
pelo olfato; e, no último exemplo, a decodificação dos códigos do sistema braile
é realizada pelo tato.

Em razão das discussões do tema, Roman Jakobson distingue três


tipos de tradução: (1) intralinguística, (2) tradução interlinguística e (3)
intersemiótica. A primeira consiste na tradução intralinguística ou reformulação
(uma interpretação de signos verbais por meio de outros signos da mesma
língua). Seria, por exemplo, o emprego dos sinônimos no nosso vernáculo. A
segunda, a tradução interlinguística, é uma compreensão amplamente aceita e
difundida como, por exemplo, a partir da “língua fonte”, “língua de origem” ou
“língua de partida” traduzir para a “língua meta”, “língua termo” ou “língua de
chegada”. Já a terceira, a tradução intersemiótica ou transmutação, estabelece
a interpretação de signos verbais por meio de signos não verbais. Ou ainda,
amplia a

tradução enquanto prática crítico-criativa na historicidade dos meios


de produção e re-produção, como leitura, como metacriação, como
ação sobre estruturas eventos, como diálogo de signos, síntese,
trânsito dos sentidos, transcrição de formas na historicidade (PLAZA,
2003, p. 14).

Enquadra-se nesse gênero a tradução em Libras- Língua Brasileira de


Sinais-, língua oficial da pessoa com deficiência auditiva, que versa transpor as
informações sonoras em linguagem corporal. Enquanto língua, possui uma
estrutura gramatical própria, composta pelos diversos níveis linguísticos: o
fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. O que denominamos
palavra na língua oral-auditiva, chamamos de sinais na língua de sinais. Estes,
por sua vez, “são formados a partir da combinação da forma e do movimento
das mãos e do ponto no corpo ou no espaço onde esses sinais são feitos”
(http://www.libras.org.br/libras.php).

Ainda nessa terceira compreensão, a intersemiótica, estabelecida pela


interpretação/tradução de um signo por outro, seja ele visual, sonoro ou verbal,
é onde encontramos o alicerce conceitual para a classificação da áudio-
descrição enquanto ato tradutório intersemiótico. Conforme Lima (2009), a
áudio-descrição consiste numa técnica de tradução intersemiótica que tem por

84
objetivo transformar o que é visto em palavras, por meio da descrição objetiva.
Ou seja, a transmutação do signo visual para o verbal, ofertado à pessoa com
deficiência visual, dislexa, analfabeta ou para todos, para garantir-lhes o
acesso aos bens culturais, educacionais, sociais e de lazer.

Alerta-se sobre a importância de compreender o recurso enquanto um


gênero tradutório, a fim de legitimar a AD como trabalho intelectual - que vai
muito além da descrição de informações percebidas pela visão. Exige-se um
refinamento técnico, um burilamento na atividade laboral, “questões técnicas,
linguísticas e fílmicas precisam ser observadas para que se possa levar a cabo
a tarefa” (LUCIA, 2011).

As diretrizes28 para áudio-descrição e código de conduta profissional


para descritores, construídas baseando-se no treinamento e capacitação de
áudio-descritores e formadores dos Estados Unidos no período de 2007-2008
corroboram o caráter tradutório quando pontuam que:

A áudio-descrição ajuda a assegurar que as pessoas que são cegas


ou têm baixa visão usufruam de igual acesso a eventos culturais
provendo a informação visual essencial. A áudio-descrição utiliza as
pausas naturais no diálogo ou narração para inserir descrições dos
elementos visuais essenciais: ações, aparências dos personagens,
linguagem corporal, vestimentas, cenários, iluminação, etc. As
descrições são passadas através de um fone de ouvido sem fio a fim
de permitir que as pessoas com deficiência visual possam sentar-se
em qualquer lugar no auditório (VIEIRA, 2010).

No que concerne os aspectos da inclusão social e cultural, Motta


(2008) pontua que a A-d é um recurso de acessibilidade que permite que as
pessoas com deficiência visual possam assistir, com melhor entendimento, a
filmes, peças de teatro, programas de TV, mostras musicais, óperas e outros,
ouvindo o que não pode ser visto. A autora faz uma alusão metafórica, na qual
a técnica é a arte de transformar aquilo que é visto no que é ouvido.

28
As diretrizes originaram-se com o intento de tornar acessíveis as apresentações de teatro ao
vivo, porém salienta-se que a essência dos princípios listados ao longo do documento pode ser
aplicada em quase todas as situações de áudio-descrição.

85
Para Pozzonbon (2008), o recurso consiste na descrição clara e
objetiva de todas as informações que compreendemos visualmente e que não
estão contidas nos diálogos, como, por exemplo, expressões faciais e corporais
que comuniquem algo, informações sobre o ambiente, os figurinos, os efeitos
especiais, as mudanças de tempo e espaço, além da leitura de créditos, títulos
e qualquer informação escrita na tela.

Ou ainda, conforme Royal National Institute of the Blind (RNIB), é uma


narração adicional inserida nos intervalos dos diálogos, que descreve todos os
aspectos significativos do que é exibido visualmente - quem, onde, o quê,
quando e porquê, se for adequado à situação. Ação, expressões faciais,
vestimentas, cenários e ambientes - tudo o que é importante para permitir a
melhor compreensão da história ou do programa.

A áudio-descrição descreve o que é visto, essencialmente utiliza a


descrição em palavras como nutriente para a imaginação criadora do sujeito,
usuário e espectador do evento visual. Uma técnica cujo propósito fundamental
é a comunicação. Ou seja, tornar comum aos outros uma dada informação.
Nesse caso, prioritariamente, a informação advinda das imagens.

A descrição é o alimento motriz da modalidade comunicativa acessível


e se insere no campo conceitual da linguística como uma tipologia textual
tradicional não absolutamente autônoma, uma vez que a descrição comumente
está imbricada em textos narrativos ou dissertativos.

A descrição consiste na recriação, por meio de palavras, de alguma


coisa que uma pessoa quer dar a conhecer à outra. Desse modo,
quem ouve ou lê uma descrição fica tendo uma imagem de algo com
que, normalmente, ele não está em contato direto (BEARZOTI, 1991,
p. 1).

Ainda utilizando as definições de Bearzoti (1991), o autor aponta que a


descrição possui duas funções gerais: a de fazer ver e a de fazer sentir,
assemelhando-se aos propósitos da áudio-descrição. Ele assinala ainda que,
nessa perspectiva, o remetente deseja transmitir uma ideia de como o objeto
descrito é de fato: seu formato, sua cor, seu funcionamento, ou ainda provocar
no receptor as sensações intencionadas pelo autor.

86
Bearzoti (1991) afirma também que os cinco sentidos são instrumentos
da descrição, explorados nesta técnica por estímulos de impressão sensorial:
ruídos, musicalidade, cores, formatos, cheiros, texturas suaves, sabores de
frutas, alimentos, provocadores do campo perceptual do indivíduo.

A percepção da realidade está intimamente relacionada com a


atividade descritiva, já que esta consiste em recriar aquela por meio
de palavras. Como a percepção e apreensão do mundo se fazem
pelos sentidos, podemos considerá-los como instrumentos da
descrição (BEARZOTI, 1991, p. 26).

Essa experiência é concretizada pelo receptor, o que nos leva a inferir


que ela poderá ser comprometida caso haja a insensibilidade ou bloqueio para
perceber tais estímulos. Conforme Antônio Severino Barbosa (1992) alerta, a
nossa percepção é sufocada pela vida que levamos e pelas condições de vida
em que vivemos. Acabamos, assim, por atrofiar a nossa capacidade sensorial e
o nosso corpo vai sendo sufocado e cada vez mais reduzido à insensibilidade.

A descrição é representar em palavras um objeto, mediante a indicação


de aspectos característicos, de pormenores individualizantes. Para isso, é
necessário o uso de palavras específicas e exatas, numa ação que pode ser de
natureza objetiva e subjetiva:

Sabemos que a descrição consiste em recriar objetos por meio de


palavras, mas sabemos também que ela pode visar não à
representação desses objetos, mas à recriação que eles imprimem
em quem os sente. Ora, a impressão é algo inerente ao sujeito e não
ao objeto. Prova disso é o fato de um mesmo objeto poder causar
impressões diversas em pessoas diferentes. Ao analisar ou produzir
uma descrição, devemos estar atentos e separar essas duas
posturas, a objetiva e a subjetiva (BEARZOTI, 1992, p. 12).

Nomeiam-se traços descritivos às características atribuídas a um


objeto e que podem ser de dois tipos: objetivos ou subjetivos. Os traços
objetivos estão presentes num dado objeto independente do modo como
alguém o sente. Referem-se, por exemplo, às partes que compõem esse objeto
e são unanimemente reconhecidos num dado objeto. O autor pontua ainda que
há dois tipos de traços descritivos objetivos: “os que se referem aos elementos
do objeto, a que chamaremos de traços substantivos, e os que qualificam

87
esses elementos ou objeto como um todo, a que daremos a denominação de
traços adjetivos” (BEARZOTI, 1992, p. 16). Já nos traços subjetivos, há
indicativos que nos levam a ter determinadas impressões. Uma vez que a
áudio-descrição tem como propósito levar o sujeito a ver, emponderá-lo, de
modo que ele mesmo possa construir e fruir do objeto, as escolhas tradutórias
precisam se aproximar cada vez mais do real, daí a necessidade de primar
pela objetividade.

Notadamente, a descrição e a áudio-descrição trazem pontos de


encontro, principalmente pelo fato desse recurso de acessibilidade recorrer
frequentemente à tipologia textual descritiva na construção do seu discurso
comunicativo. Porém, faz-se necessário abordar a distinção entre a descrição e
a áudio-descrição.

A áudio-descrição tem a intenção de tornar acessível para a pessoa


com deficiência visual o que não está disponível, através do tato, ou,
imediatamente, pela fonte sonora natural do material. Além disso, é um gênero
construído para ser lido por alguém: pelo professor, por exemplo; ou mesmo
pelo leitor de tela com sintetizador de voz. É um texto permeado pela função
inclusivista de promover equiparação de oportunidades comunicativas, sociais,
culturais entre as pessoas que queiram e/ou necessitem se utilizar do serviço e
os demais sujeitos sociais (SILVA, NÓBREGA et al., 2010).

Uma vez que o recurso surge de uma necessidade sociocomunicativa


aplicada nos mais variados contextos (educacional, cultural, lazer, esportes, em
eventos imagéticos de origem estática ou dinâmica) somos levados a refletir
sobre a áudio-descrição enquanto gênero textual emergente. Tal recurso se
configura como um gênero textual emergente ao passo que é uma entidade
sociodiscursiva, socialmente constituída, cuja finalidade é a comunicação.

Tratando da usabilidade e distinção entre tipo e gênero textual,


Marcuschi (2010) explicita que:

A expressão tipo textual designa uma espécie de construção teórica


(em geral uma sequência subjacente aos textos) definida pela
natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como:
narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.

88
Usamos a expressão gênero textual como uma noção
propositalmente vaga para referir os textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características
sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas
meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros
textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,
romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de
condomínio, horóscopo, [...], carta eletrônica, bate-papo por
computador, aulas virtuais e assim por diante (MARCUSCHI, 2010, p.
23-24).

Por esse prisma, a tipologia textual instaura as peculiaridades


linguísticas e estruturais. Ao passo que no gênero textual predominam o
contexto cultural e a funcionalidade. No entanto, não estabelecem entre si uma
relação dicotômica. Complementam-se na constituição do funcionamento da
língua em situações de uso.

Para a noção de tipo textual, predomina a identificação de sequências


linguísticas típicas como norteadoras; já para a noção de gênero
textual, predominam os critérios de ação prática, circulação sócio-
histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e
composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as
grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam
(MARCUSCHI, 2010, p. 25).

Assim, ao falarmos sobre gênero textual, estamos nos referindo às

Entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis


em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo
apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas
em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos
estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como
eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos.
(MARCUSCHI, 2010, p. 19).

Ou seja, gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa


vida diária, sejam esses recebidos na forma oral ou escrita, originados das
ações socioculturais e das inovações tecnológicas, cuja finalidade primordial é
a comunicação.

A áudio-descrição é um exemplo de gênero textual recebido na forma


oral. Desde sua origem foi pensado para ser transmitido oralmente, ou seja,
para transformar imagens em palavras a serem verbalizadas para pessoa com
deficiência visual. Essa acepção se aplica mesmo a situações em que há uma

89
produção escrita, haja vista os roteiros redigidos previamente. Mesmo nesse
caso, a intenção primordial é que o roteiro seja lido/locucionado para que assim
atinja a sua concretude, transmitir a informação ao destinatário à pessoa com
deficiência visual. Essa não é uma peculiaridade apenas da áudio-descrição,
outros gêneros textuais também são assim, há de se notar tal similaridade nos
telejornais por exemplo.

Nesse sentido, Marcuschi (2010) alerta que devemos ter cuidado ao


analisar a relação da oralidade e escrita no contexto dos gêneros textuais:

Há alguns gêneros que só são recebidos na forma oral, apesar de


terem sido produzidos originalmente na forma escrita, como o caso
das notícias de televisão ou rádio. Ouvimos aquelas notícias, mas
elas foram escritas e são lidas (oralizadas) pelo apresentador ou
locutor. (MARCUSCHI, 2010, p. 35)

Essa peculiaridade que a alguns gêneros textuais só são recebidos na


forma oral ou escrita nos parece um tanto reducionista se pensarmos na
construção de uma sociedade para todos, assim como preza a Teoria da
Inclusão, em que estão inseridas as pessoas com deficiência. A pessoa surda
também assiste telejornal e a legenda ou janela de interprete é o seu veiculo de
recepção da notícia. Nesse trabalho não nos propomos a aprofundar a questão
da oralidade e escrita de alguns gêneros textuais, mas alertar sobre a
instauração de barreiras comunicacionais ao se pensar em apenas uma via de
transmissão. Revelamos aqui que todos os gêneros textuais apresentam
território hibrido em potencial e o contato com a pessoa com deficiência gerará
outras formas e possibilidades de comunicação.

A suposição de existir intertextualidades intergêneros na áudio-


descrição revela “a hibridização de gêneros em que um gênero assume a
função de outro (Marcuschi, 2010, p. 33). Nessa dissolução de fronteira da
ação comunicativa, onde não poderemos negligenciar a pessoa em razão da
deficiência, mostra-se que os limites estão na falta de acessibilidade, em não
dispor dos recursos apropriados.

Tais definições nos mobilizam a conceituar a áudio-descrição como um


gênero textual, pois o propósito que determina seu formato é a necessidade

90
sociocomunicativa emergente em contextos diferenciados como cultura,
educação e lazer, e tal necessidade se refere especificamente à acessibilidade
comunicacional das pessoas cegas ou com baixa visão inseridas nesses
contextos (SILVA; NÓBREGA, et al. 2010).

A áudio-descrição enquanto gênero demonstra em sua forma estrutural


descritiva o uso de adjetivos; de verbos no presente do indicativo, flexionados
na voz ativa; geralmente não apresenta relação de
anterioridade/posterioridade, nem exprime impressão do áudio-descritor sobre
a mudança de estado emocional de pessoas ou personagens. E ainda há um
esquema cognitivo e linguístico a ser respeitado, o qual é constituído desde o
plano de fundo de uma imagem estática ou dinâmica, a contextualização social,
educacional, histórica, política, artística ou mercadológica dessa imagem ou
evento a ser áudio-descrito (SILVA, NÓBREGA et al. 2010). Mais adiante
trataremos da discussão desses pormenores, no tópico que versa sobre as
diretrizes da áudio-descrição.

Por ser uma atividade comunicacional, exige coparticipação do


remetente e do receptor na transmissão e recepção. Esse gênero textual
recorre sistematicamente à tipologia textual descritiva, que - conforme
explicitada anteriormente - tem como principais vias de atuação apelar para os
sentidos. A áudio-descrição também fará com que a sensibilidade sujeito seja
acionada.

Devido à vida frenética que levamos, o nosso corpo, percepção e


sensibilidade sofrem as consequências de um “viver sem sentir”, nos alertando
para a necessidade de exercitar e educar os nossos sentidos.

É necessário é imprescindível esse reforço diário de desalienação do


corpo, de desalienação da sensibilidade sensorial, esse esforço
cotidiano para viver mais intensamente nossa percepção. Por tudo
isso, as experiências descritivas são extremamente importantes: elas
possibilitam a re-descoberta do corpo e da capacidade de perceber e
expressar a realidade (BARBOSA, 1992, p. 46).

O desenvolvimento da sensibilidade também será um exercício


constante do áudio-descritor, profissional responsável pela elaboração técnica

91
do recurso acessível, na sua trajetória laboral, visto que a áudio-descrição
traduz por meio das palavras as características de uma imagem, de modo que
o usuário possa recriar o objeto29. É um exercício desafiador e permanente
para esse profissional perceber e traduzir em palavras os códigos visuais, os
detalhes que caracterizam de forma precisa os objetos.

3.4 O ÁUDIO-DESCRITOR: ELABORAÇÃO DE ROTEIRO E


LOCUÇÃO

O profissional responsável pela áudio-descrição é denominado de


áudio-descritor, ele é uma tradutor de imagens que atua no estudo do evento
imagético, elabora roteiro áudio-descritivo e, por vezes, executa a locução da
obra acessível. O campo de estudo desse profissional é o evento visual, que
pode ser de origem estática na fotografia, na escultura, na arquitetura, na
ilustração, por exemplo, ou de origem dinâmica na dança, no teatro, em
práticas esportivas, em apresentação circense entre outras atividades.

A a-d é uma atividade que possui um campo de atuação amplo e em


expansão. Todos os dias são lançadas uma profusão de imagens em
comerciais, outdoor, livros didáticos, revistas, museus, partidas esportivas,
reuniões de trabalho, encontros casuais, atividades comuns na nossa vida
diária e todas elas trazem informações relevantes para processos educativos e
sociais.

Essa diversidade dos objetos em situações diversas implica em


complexidade para o processo de tradução na áudio-descrição, para cada
situação há especificidades que desafiam o trabalho do tradutor. A tradução

29
Entendemos a palavra objeto no sentido etimológico. Ou seja, como aquilo que está
diante do sujeito, seja (coisas, ações, pessoas, animais, arquitetura, pintura,
representação teatral)..

92
exige do profissional o conhecimento da língua, domínio sobre os aspectos
técnicos da áudio-descrição (diretrizes que norteiam as escolhas tradutórias,
técnicas de elaboração de roteiro) e na linguagem do objeto/obra.

Pelo mundo, algumas instituições de ensino superior já oferecem


formação em a-d, conforme Franco (2011). São exemplos o The Open College
Network West and North Yorkshire (curso certificado) e a University of Surrey
(mestrado) na Inglaterra, a Universitat Autònoma de Barcelona (mestrado) na
Espanha e a University College Antwerp (mestrado) na Bélgica.

No Brasil, o modelo mais utilizado para a formação de áudio-


descritores é o treinamento por meio de cursos informais promovidos por
organizações privadas ou públicas (esta última iniciativa, a que parte do poder
público, ainda em menor proporção). A formação universitária certificada no
nível de especialização ou extensão universitária é outro meio de capacitação
para áudio-descritores, tendo como principais referências a professora Dr.ª
Eliana Franco, Dr.ª Vera Santiago Araújo, Lívia de Melo Mota, Isabel Machado
e Dr. Francisco Lima. Os cursos caracterizam-se pela autonomia exercida
pelos ministrantes, desde a escolha dos conteúdos e estabelecimento da carga
horária básica. Não há critérios formais que unifiquem a formação dos
profissionais que são lançados no mercado (LÚCIA, 2011).

Além dos conteúdos técnicos de como descrever, dominar as


especificidades para áudio-descrição de obras dinâmicas e estáticas, o
profissional deverá estar apto a lidar de forma ética com a pessoa com
deficiência para que nem a relação com o usuário nem a áudio-descrição
estejam impregnadas e carregadas por estereótipos e jargões que diminuem
de forma irresponsável a imagem da pessoa com deficiência. Em síntese, o
trabalho envolve conhecimento, técnica e especificidade sobre objeto e ética.

As etapas de trabalho desse profissional consistem genericamente em:


estudo da obra, preparação do roteiro e locução. Esse último não
exclusivamente executado por um áudio-descritor.

A audiodescrição pode ser gravada, ao vivo, ou simultânea: em filmes


e programas de TV que são pré-produzidos. Ou seja, que não são ao
vivo, o roteiro e a locução são preparados antes da exibição; em
peças teatrais, visitas a museus, programas de TV ao vivo, nos quais

93
há margem para inovações “fora do script”, o roteiro é elaborado
antecipadamente, mas a locução da AD é feita no momento do
evento; e em programas, paradas ou reportagens de última hora e
sem ensaio, fica inviabilizada a preparação do roteiro, daí decorrendo
que a audiodescrição é integralmente feita no momento do evento
(COSTA; FROTA, 2011).

O áudio-descritor é o profissional habilitado, o responsável pela


elaboração do roteiro descritivo, a áudio-descrição propriamente dita. Essa
elaboração do roteiro é realizada mediante o estudo prévio da obra para que
posteriormente seja realizada a locução que pode ser executada pela mesma
pessoa que fez o roteiro ou por um locutor profissional.

Importante ressaltar que a maleabilidade para realizar a locução não se


aplica em todos os casos. Nas obras ao vivo é necessário que o locutor
também seja um áudio-descritor, pois há circunstâncias e eventualidades que
fogem do que fora previsto no roteiro e, nesse campo, apenas um profissional
habilitado, o áudio-descritor, deverá atuar. Nessas situações se recorrerá ao
improviso, o que exige um domínio técnico para uma atuação perspicaz.

O teatro é a arte do estar presente, dos sujeitos presentes, no


momento presente. Essa essência do comparecimento e efemeridade da
representação resulta num território propício para acontecimentos não
previstos: é característica de uma atividade realizada ao vivo o inusitado.

Alguns gêneros espetaculares trazem na sua própria essência, na


criação e apresentação da obra, o jogo com o inusitado, provocam os
espectadores para partilharem dessa construção numa espécie de cocriação, é
o caso do Stand up e dos Jogos de Improviso.

O stand up é um etilo de representação de origem americana,


espetáculo de humor onde o ator, originalmente pensado apenas para um
intérprete na cena, se apresenta geralmente em pé, sem o apoio de artefatos
teatrais (cenário, acessórios, caracterização dos personagens), pois estes
elementos estão em segundo plano: o foco é o ator e a relação com a plateia.
Geralmente o texto é construído previamente, a partir de observações de fatos

94
cotidianos, mas a execução se remodela de acordo com o público, resultando
num espetáculo imprevisível a cada dia.

Já os espetáculos que se fundamentam nos jogos de improvisação,


geralmente executados por vários atores, brincam com o inusitado e a
participação da plateia. É o caso dos grupos brasileiros: Cia Barbixas, Grupo
Jogando no Quintal, Cia Os Melhores do Mundo.

A respeito desse estilo, a integrante Rhena de Faria (2007), do Grupo


Jogando no Quintal, traz a seguinte explicação:

O que define um espetáculo de improvisação teatral é, entre outras


coisas, a ausência de uma dramaturgia pronta de um roteiro
preestabelecido. A história contada é construída aos olhos do
espectador que, por sua vez, precisa saber disso. Por esse motivo o
espectador, na maioria das vezes, é convidado a participar da cena a
ser construída, responsabilizando-se pela primeira fonte de inspiração
do ator: o tema sobre o qual se desenvolverá a improvisação. É claro
que esta não é nem deve ser regra para a Improvisação Teatral.
Existem espetáculos de improvisação que se desenvolvem a partir de
outros motes, que não partem necessariamente da plateia. Mas, em
casos em que o tema é dado pelo espectador, como é o caso do
espetáculo Jogando no Quintal, costumamos dizer que o público é
co-autor do espetáculo (Revista “A chuteira” Jogando no Quintal,
Agosto, 2007. Disponível em
http://www.jogandonoquintal.com.br/revistas/revista_04.pdf).

Sobre os aspectos relativos à criação do espetáculo e preparação da


obra, Rhena de Faria (2007) nos revela:

De fato não há como ensaiarmos as cenas que apresentamos


no Jogando no Quintal. Mas acredite: um bom espetáculo de
improvisação para nós é resultado de um bom aquecimento e,
sobretudo, de um bom treinamento. (Diário de Bordo do grupo
Jogando no Quintal, 2006, extraído do site:
http://www.jogandonoquintal.com.br/fomento_maio.asp).

A não existência “aparente” de ações predefinidas, uma vez que cada


grupo traz em si uma concepção estética, define a identidade artística do
grupo, revelando ao áudio-descritor traços estilísticos e certas peculiaridades
relevantes sobre a dinâmica de trabalho dos atores - o que fundamentará as
escolhas tradutórias na áudio-descrição simultânea desse espetáculo.

95
Esse tipo de espetáculo gera uma especificidade, o que nos leva a
entender que haverá determinados casos em que apenas um áudio-descritor
poderá realizar a locução da áudio-descrição.

Devido ao exposto, corroboramos com Costa, Frota (2011) o seguinte


entendimento:

Veja-se que na AD ao vivo e na AD simultânea, o audiodescritor


necessariamente tem que ser o locutor, pois, na primeira, a obra pode
sofrer alterações ao ser exibida e, por isso, exigir que sejam feitas
adaptações no roteiro, enquanto que na simultânea o roteiro é
elaborado no momento do evento. Já na AD gravada, o
audiodescritor e o locutor podem ser profissionais diferentes, uma vez
que o produto audiovisual não sofrerá mudanças e, em decorrência
disso, tampouco o roteiro (COSTA, FROTA, 2011, p. 70).

Tais pressupostos nos levam a concluir que o universo que engloba


Artes Cênicas (teatro, ópera, dança, circo) é território de atuação exclusiva do
áudio-descritor/locutor.

Costa, Frota (2011), apud Jorge Díaz Cintas, no artigo “Por una
preparación de calidad en accesibilidade audiovisual”, estabelece três grandes
categorias para a identificação de diferentes tipos e formas de produção da
áudio-descrição:

a) AD gravada para a tela: de programas audiovisuais com imagens


dinâmicas, como filmes, séries de televisão, documentários,
espetáculos, etc., independente do meio em que será distribuído ou
comercializado (televisão, cinema, DVD, internet);

b) AD gravada para audioguia: de obras estáticas como monumentos,


museus, galerias de arte, igrejas, palácios, exposições, entornos
naturais e espaços temáticos em que não haja imagens dinâmicas e
em que a experiência tátil, ou novas tecnologias que simulem esse tipo
de experiência, têm uma grande importância; e

c) AD ao vivo: de obras teatrais, musicais, balé, ópera, esportes e


outros espetáculos similares. Também entram nessa categoria
congresso e qualquer manifestação pública como os atos políticos
(2007: 50, tradução apud COSTA, FROTA; 2011, p. 8).

Em síntese, Costa, Frota (2011) propõe uma classificação que delimita


como um critério a anterioridade ou a simultaneidade da locução e da escrita

96
do roteiro, relativamente à exibição do produto ou realização do evento, e a que
privilegia a natureza do objeto áudio-descrito:

Imagens estáticas e dinâmicas, dependendo do caso, podem ser


audiodescritas por meio de gravação (com preparação do roteiro e
locução gravada antes do evento), ao vivo (com preparação
antecipada do roteiro e locução no momento do evento), ou de forma
simultânea (com a preparação do roteiro e a locução no exato
momento do evento) (COSTA, FROTA, 2011, p. 8).

Isto nos leva a estabelecer três perfis para a locução da áudio-


descrição:

1. Locutor informal: aquele que emite a mensagem, leitor que


transmite a mensagem de forma informal (professor, pais, amigos,
familiares, sintetizador de voz, leitor), aplica-se em obras inanimadas com
disponibilização da A-d.

2. Locutor profissional: para obras pré-gravadas, programas


televisivos filmes, curta metragem.

3. Locutor/áudio-descritor: possui as habilidades técnicas para


atuar obras ao vivo; teatro, shows, programas de auditório, telejornal,
partidas esportivas.

O teatro é um evento de origem dinâmica e como tal, demanda que a


áudio-descrição seja realizada no momento do evento, executada
exclusivamente por um profissional habilitado. O áudio-descritor atua em duas
modalidades: áudio-descrição ao vivo e a simultânea.

Estabelecemos como motrizes de diferenciação as condições de


preparação laboral e a especificidade da obra.

Áudio-descrição ao vivo: Quando há contato prévio com a obra na


íntegra.

• Elaboração prévia de roteiro mediante o contato prévio do


espetáculo na íntegra e, se possível, com os profissionais criadores. A
locução é realizada no momento exato do evento.

97
Áudio-descrição simultânea: Quando não há contato ou apenas
parcialmente com a obra, ou ainda quando o espetáculo não apresenta um
roteiro preestabelecido, exigindo do profissional agilidade e experiência prévia
em tradução, facilitando destreza com as escolhas tradutórias no momento
exato do evento.

• Elaboração prévia de roteiro genérico30 mediante estudo


exploratório da obra. Quando não foi disponibilizado o contato com a
obra na íntegra, por meio da disponibilização do DVD, ensaios de cena.
Nesses casos, orienta que o profissional faça uma pesquisa de caráter
exploratório para averiguar características e informações para
composição do roteiro. Ou ainda, em casos em que não haja marcas
preestabelecidas da cena, como os casos de espetáculos de improviso.

3.5 O ESPAÇO LABORAL DO ÁUDIO-DESCRITOR NO


TEATRO

O espaço laboral para o locutor da áudio-descrição no teatro é uma


cabine com isolamento acústico, semelhante às utilizadas nas traduções
simultâneas de congressos, embora saibamos que nem sempre se aplica
dessa forma. Há algumas situações em que o trabalho é realizado em locais
improvisados, nas cadeiras da plateia, na cabine de operação de som ou luz, já
que muitos dos espaços cênicos não possuem estrutura por não terem sido
projetados para receber esse serviço. Então, cabe à produção responsável
pelo evento viabilizar a acomodação ideal para a oferta do serviço de
acessibilidade.

30
Empregamos o termo por entendermos que se trata de um roteiro que não é determinado,
fixo.

98
A Organização Internacional de Normatização (The International
Organization for Standardization- ISO), por meio de normas, descreve as
condições a serem respeitadas no momento do projeto e da construção das
cabines de interpretação simultânea, a fim de permitir uma prestação de
serviço de qualidade por parte dos intérpretes.

Conforme ISO 2603 que transcore sobre as cabines fixas e ISO 4043
cabines móveis, as cabines de interpretação devem cumprir três requisitos
básicos: preservar a separação acústica, possibilitar a boa comunicação pelas
duas vias (o intéprete e o evento), entender-se aqui sonora e visualmente e
permitir um ambiente de trabalho confortável. Dentre esses parâmetros, elas
são definidas de acordo com a relação no espaço da realização do evento,
podendo ser fixa, semi-permanente ou móvel.

A cabine fixa é integrada no próprio espaço e pode ter o equipamento


de interpretação fixo ou portátil. Esse tipo de cabine é recomendável para
estruturas que apresentem um palco fixo e deve ser prevista no projeto de
construção da casa de espetáculo.

A cabine semi-permanente não é integrada na estrutura do edifício ou


concebida para ser deslocada no seu interior. Esse formato de cabine se
adequa a teatros cuja disposição cênica é mutável de acordo com a encenção.
Exemplos desses são: o Teatro Pernambucano Hermilo Borba Filho e o Teatro
Marco Camarotti, que permitem várias configurações espaciais (à italiana,
semi-arena, arena) para a relação cena x plateia.

A cabine de interpretação simultânea móvel é uma “unidade autônoma,


instalada no interior de uma sala de conferência, que envolve o espaço de
trabalho dos intérpretes, de forma a fornecer um isolamento sonoro”, essa
estrutura é montada a partir dos componentes modulares do espaço (ISO
4043).

É necessário que a cabine tenha condições técnicas para ofertar o


serviço e para acomodar o profissional. Para isso é importante que o tamanho
dela se adéque às condições estruturais do espaço de realização do evento e

99
esteja localizada em um lugar que garanta boa visibilidade da cena.
Internamente a cabine carece de: bancada para pôr o roteiro, iluminação
adequada para que a luz não vaze para o público, nem comprometa o
acompanhamento do roteiro por parte do locutor, e que a dimensão seja
compatível e acomode o locutor sentado numa posição confortável, livre de
tensões corporais.

A dimensão da cabine é calculada em função do espaço e do volume


de ar necessários para os intérpretes, nesse sentido a ISO/2603 sinaliza que:

Tendo em conta que cada cabine acolhe, pelo menos, dois


intérpretes, estas devem ter as seguintes dimensões mínimas:
largura: 2,50 m, profundidade: 2,40 m, altura: 2,30 m (ISO/2603)

A cabine possui formato retangular e tem na parte frontal um vidro,


permitindo visualizar o evento, tampar acusticamente, livrando-o de possíveis
ruídos. A normativa orienta que:

Os vidros frontais devem ocupar toda a largura da cabine. O vidro


deve ter, pelo menos, 1,20 m de altura, a contar do nível da superfície
de trabalho, encontrando-se o seu limite inferior ao nível ou abaixo da
mesma superfície de trabalho (ISO/2603)

Não bastando os vidros na área frontal, recomenda-se ainda que a


cabine tenha vidros nas laterais a permitir um maior ângulo de visão, visto que
mesmo numa representação a italiana, é necessário áudio-descrever a
movimentação dos espectadores antes da apresentação e possíveis
intercorrencias no entorno. Nesse sentido “Os vidros laterais devem ter, pelo
menos, a mesma altura e ocupar 1,10 m, a partir do vidro frontal” (ISO/2603).

Em conformidade com a ISO/2603, os vidros devem ser constituídos


por vidro não colorido antirreflexo e em conformidade com os requisitos de
insonorização presenvando o efeito do isolamento acústico e a boa visibilidade
do locutor. Na parte interna da cabine, outra ação determinante para a
eficiência da caixa acústica é recobrir as paredes internamente. Tanto as

100
paredes laterais como o chão devem ser revestidos com um material de
isolamento sonoro.

A colocação de um revestimento têxtil suficientemente grosso nas


paredes e de painéis perfurados no teto (ver a nota em 4.9) permite
alcançar bons resultados. É conveniente utilizar um material com um
coeficiente de absorção ponderado (em conformidade com a norma
ISO 11654) aw ³ 0,6 (ISO/2603).

O material muito utilizado para isolamento acústico em estúdios, em


rádios, é a espuma de poliuretano, comercialmente conhecida como espuma
de casca de ovo, disponibilizadas em formato de placa e de fácil aplicação.

Estão disponíveis no mercado da construção civil outros materiais


utilizados como isolamento acústico a exemplo da lã de vidro e espuma
elastomérica. A lã de vidro é mundialmente conhecida como um dos melhores
isolantes térmicos, mas devido a sua composição apresenta propriedades para
isolamento sonoro (CATAI et al., 2006).

É um componente formado a partir de sílica e sódio aglomerados por


resinas sintéticas em alto forno. Devido ao ótimo coeficiente de
absorção sonora em função à porosidade da lã, a onda entra em
contato com a lã e é rapidamente absorvida. Suas principais
vantagens:
- é leve e de fácil manipulação;
- é incombustível, ou seja, não propaga chamas;
- não deterioram;
- não favorece a proliferação de fungos ou bactérias;
- não tem desempenho comprometido quando exposto à maresia;
- não é atacada nem destruída pela ação de roedores (CATAI,
PENTEADO, DALBELLO, 2006, p. 2208).

Já a espuma elastomérica “uma espuma do poliuretano poliéster, auto-


extinguível” (CATAI, 2006) apresenta as seguintes propriedade:

- tratadas com retardante a chama para melhorar sua propriedade


quanto a segurança ao fogo;
- estão protegidas contra mofos, fungos e bactérias (CATAI, et al.,
2006. p. 4210).

Recomenda-se que esse tipo de espuma seja utilizada para


tratamentos acústico de escritórios, auditórios, salas de treinamento, salas de

101
som (CATAI, et al., 2006). Comercializado no formato de placas de espessuras
e dimensões diversas, o que facilita a sua manipulação e aplicação.

A iluminação também é outro aspecto a ser considerado com cuidado.


No que concerne à iluminação, a ISO 4023 recomenda que:

A superfície de trabalho deve ser iluminada por uma lâmpada não


fluorescente. Qualquer outro tipo de iluminação necessário para
outras utilizações deve ser comandado por um interruptor colocado
junto à porta da cabina. Os reóstatos dos dois sistemas de iluminação
devem ser facilmente acessíveis ao intérprete, sem que este tenha de
se levantar. As fontes de luz não devem provocar reflexos nos vidros
da cabine e os dois sistemas, incluindo os reguladores de intensidade
e os transformadores, não devem provocar interferências magnéticas
ou ruídos audíveis (ISO, 2603).

O uso de lâmpadas não fluorescentes, as incandescentes, como são


popularmente conhecidas. Apesar de possuírem a tecnologia mais antiga são
as mais recomendadas - sobretudo as lâmpadas incandescentes refletoras
(espelhadas), que possuem um perfil parabólico ou elíptico resultando em um
melhor direcionamento da luz e reprodução de cores.

As lâmpadas espelhadas possuem refletor interno para melhorar o


direcionamento da luz. A área espelhada funciona como uma
luminária, com a vantagem de não necessitar de limpeza ou sofrer
deterioração. O refletor pode ter um perfil parabólico ou elíptico,
sendo este último especialmente importante quando a lâmpada está
embutida numa luminária de corpo profundo e aletas anti-ofuscantes.
O redirecionamento da luz que, ao contrário seria emitida para os
lados ou para cima, pode melhorar a eficiência da instalação
(http://www.arq.ufsc.br/arq5661/trabalhos_20032/iluminacao_artificial/
incandescentes.htm).

Na parte interna, normalmente a cabine possui uma iluminação geral e


luminária individual para leitura do roteiro, uma bancada para apoiar o material
e cadeira para acomodação dos intérpretes.

Todos os intérpretes e técnicos devem ter à sua disposição uma


cadeira confortável com:
a. cinco pés;
b. altura regulável;
c. encosto regulável;
d. braços;
e. rodízios giratórios silenciosos;
f. revestimento em material que dissipe o calor;

102
Devem existir ainda apoios para os pés, independentes e amovíveis
(ISO, 4023).

As recomendações apresentadas que visam garantir o isolamento


sonoro, conforto, visibilidade, possibilitam, entre outras coisas, que o locutor
usufrua de um espaço saudável para sua atividade, possibilitando que se
mantenha numa postura corporal confortável, livrando-o de indesejáveis
tensões.

É sabido que o comprimento de parte do corpo poderá levá-lo a


determinadas áreas de tensão, “ao ponto de se admitir que uma simples tensão
nas pernas, por exemplo, pode repercutir na tensão das cordas vocais,
escamoteando a expansão direta, livre e estética vocal” (FORTUNA, 2000, p.
50).

Conforme explicitado, os dois pilares instrumentais para o trabalho do


áudio-descritor no teatro são a elaboração do roteiro e a execução da locução -
atividades que requerem destreza técnica ligada ao campo artístico, estudo da
imagem e do movimento, elaboração textual e técnica vocal.

3.6 O ROTEIRO: O ITINERÁRIO DA VIAGEM

A áudio-descrição propõe uma viagem pelas imagens e palavras.


Mutuamente: imagens provocam palavras, que provocam imagens. A áudio-
descrição através das “palavras” se configura como uma embarcação que nos
levará ao destino, “a imagem”.

Analogicamente a uma viagem de cruzeiro, o áudio-descritor/locutor no


teatro assume o papel de marinheiro. Ele conduz a embarcação pela rota que
engloba a imagem, as palavras e a construção da imagem. Essa rota é traçada
previamente, para isso o tradutor de imagens recorre à elaboração de um

103
roteiro áudio-descritivo, onde traça o itinerário dessa viagem (imagem-palavras-
imagens), ancora-se e enxerta na própria dramaturgia, entre os diálogos dos
atores e as rubricas técnicas a áudio-descrição, com detalhes pormenorizados
sobre a corporeidade da cena (movimentação, cenário, figurino, efeitos
luminosos) e as notas proêmias.

O marinheiro não vai colocar seu navio sem antes conhecer o mar e o
áudio-descritor sem conhecer o território para tradução. Elabora o roteiro
hasteando-se no estudo prévio da obra, ou seja, ele entra em contato com o
objeto e o contexto de criação, exibição, esmiuçando as partes constituintes
dessa composição, nesse caso a cênica.

O campo da tradução já aponta que é um trabalho necessariamente


onde o tradutor faz constantemente escolhas. “Assim, lhe são exigidos a
pesquisa, a leitura e o desenvolvimento de espírito crítico para que possa
executar de maneira eficaz e com responsabilidade as edições e as escolhas
tradutórias” (LIMA, 2011, p. 10).

A áudio-descrição é uma atividade complexa que exige escolhas


tradutórias precisas e sugestivas que se baseiam no que é essencial ser
descrito para ampliar o entendimento. Essas escolhas estão sujeitas a uma
restrição de tempo (minutos, segundos) e espaço (caracteres) que determinam
o quanto de descrição poderá ser ofertada, mas com o intento de elucidar a
imagem/sentimento de forma mais aproximada possível.

A escolha do elemento tradutório se baseará na especificidade, na


natureza da obra. Portanto, quanto mais o áudio-descritor estiver próximo do
processo de elaboração, contato com os profissionais envolvidos,
compreendendo as concepções artísticas elencadas para dar unidade à obra,
mais ele terá suas escolhas embasadas e condizentes com a realidade.

Nesse processo de aproximação e estudo da obra, algumas estratégias


poderão ser utilizadas: acompanhar ensaios, discutir com os artistas e
profissionais envolvidos, elaborar roteiro, ensaiar a locução, submeter
previamente à obra a uma plateia de espectadores com deficiência visual e ao

104
consultor de A-d, audição dos usuários do serviço para possíveis ajustes no
roteiro.

O cenário para preparação e realização do serviço se desenha das


mais variadas formas. Há casos em que o áudio-descritor participa
integralmente do processo de criação artística. Desde os primeiros encontros o
roteiro é construído simultaneamente ao espetáculo. Em outros, o profissional
atua já na etapa de conclusão do processo artístico, ou até mesmo com o
espetáculo já estreado. Nesses casos recomenda-se recorrer aos recursos
digitalizados, tais como filmagem, sites, blogs do grupo, fotografias e críticas
jornalísticas para se obter conhecimento da obra a ser áudio-descrita.

A fim de extrair uma maior riqueza de detalhes, orienta-se que a


filmagem do espetáculo seja disponibilizada em dois formatos: um em plano
aberto e outro em plano fechado. O primeiro, plano aberto, possibilita captar a
movimentação geral da cena, e o plano fechado registra expressões faciais e
pequenos detalhes não captáveis em longa distância, ambos fundamentais
para alicerçar a construção do roteiro.

A fotografia é outro recurso eficaz, pois possibilita congelar a imagem


auxiliando a observação dos detalhes da maquiagem, da indumentária,
cenário. No entanto, tais recursos não substituir a apreciação prévia do evento,
visto que todos esses elementos sofrem variação no momento da cena, em
razão da luz, entre outros aspectos. Dessa forma é possível, o be

Munidos de tais instrumentos, é necessário sistematizar uma notação


de escrita do roteiro para que outros, não apenas o áudio-descritor roterista,
mas outro profissional habilitado, também possa executar a locução da áudio-
descrição.

O roteiro é um recurso de suporte para a execução do trabalho do


áudio-descritor e deverá ser discutido, preferencialmente, por mais de
um profissional, por isso recomenda-se que o tradutor dialogue com
artistas ou pessoas envolvidas na atividade em questão. Assim,
quanto mais o roteiro é debatido, analisado e revisado, mais
susceptível a acertos. Neste caso, é também relevante lembrar que
nem sempre quem faz o roteiro realizará a locução, portanto, é
essencial que o texto seja claro e fiel ao objeto da áudio-descrição
para que qualquer pessoa possa fazer a elocução dele. Assim,
sugere-se que os tempos e intenções da locução sejam previstos

105
mediante a inclusão de rubricas. (TAVARES et al., 2010, p. 11-
12).

Essencialmente, a áudio-descrição entrará nos intervalos silenciosos


de diálogo da cena. A relevância em se preservar os textos oralmente
proferidos pelos atores, nos diálogos, se dá não apenas pelos conteúdos
textuais do enredo que nos faz acompanhar a história com atenção e
envolvimento, mas também pela carga emocional transferida nas nuances
vocais no momento da fala, que também é veículo comunicativo relevante. O
tempo possível para a tradução do ocorrido é essencial na construção do
roteiro que genericamente apresenta no tópico inicial as notas proêmias,
seguidas a A-d propriamente dita e de orientações para locução, ambas
diluídas na dramaturgia.

As notas proêmias são notas introdutórias que segundo Lima (2011)


“antecipam, apresentam e instruem a áudio-descrição”. Trazem informações
sobre equipe técnica e artistas do espetáculo, cenário, figurino, os profissionais
responsáveis pela acessibilidade e notas explicativas sobre alguns detalhes
não possíveis de serem ofertados ao longo da apresentação.

Nas palavras de Lima (2011), a nota proêmia:

Antecede, apresenta e instrui a própria áudio-descrição, oferecendo,


entre outras, informações a respeito daqueles elementos, cujas
descrições não seriam possíveis de fazer no corpo do texto áudio-
descritivo, por falta de tempo (no caso de áudio-descrição dinâmica,
nos filmes, por exemplo), ou por falta de espaço, no caso de áudio-
descrição estática (em imagens contidas em livros, em catálogos,
cardápios e outros) (LIMA, 2011, p. 14).

As notas proêmias não são uma concessão graciosa de informações


“privilegiadas”, “antecipadas” aos espectadores com deficiência visual elas
cumprem um papel complementar.

As notas são disponibilizadas minutos antes da apresentação,


enquanto o público aguarda o início do espetáculo, ou ainda, no intervalo de
um ato para o outro:

Apresentações ao vivo são antecedidas por um espaço de tempo que


pode ser bem aproveitado para notas que antecedem a
apresentação. Produções com intervalos dão uma segunda

106
oportunidade antes que o segundo ato comece. A maioria dos áudio-
descritores prepara informações pré-apresentação, a fim de
assegurar que estejam cobrindo tudo de uma forma coerente
organizada e oportuna (VIEIRA, 2010 p. 13).

A antecipação ocorre para igualar o repasse da informação para todos


os espectadores. Em alguns casos, não há tempo suficiente para trazer
detalhes da indumentária, do cenário, entre outros, e esses elementos
descritos deverão aparecer nas notas proêmias. Há de se lembrar, que muitas
vezes os espectadores, não usuários da a-d, já tiveram acesso a essas
informações por meio das peças publicitárias, entre elas fotografias, vídeos
entre outros materiais que veiculam no ambiente virtual.

Outro aspecto é que além de apresentarem a obra, trazem instruções


sobre termos específicos utilizados, peculiaridades estilística do espetáculo
(máscara neutra, stand up, jogos de improviso), sobre orientações para áudio-
descrição (conceituação, elaboração, intencionalidade), esses aspectos
instrucionais revelam o aspecto formativo presente na a-d, contribuintes para o
processo de formação de plateia e de usuários da áudio-descrição.

Portanto fazem parte das notas proêmias informar sobre ao corpo


técnico do espetáculo, contextualização da obra (a ficha técnica: dramaturgo,
diretor, elenco, designer de luz, cenógrafo); indicação da faixa etária, sinopse,
contextualização histórica (grupo e da criação), as propriedades e estilo da
obra, descrição de personagens (características fenotípicas, maquiagem,
indumentária), do cenário e tudo mais que for essencial à compreensão da
obra e da áudio-descrição em si, mas que não se tem tempo para se áudio-
descrever durante a locução.

No que concerne à construção de um roteiro com qualidade técnica,


Lima (2011) alerta que “é importante lembrar que a áudio-descrição por ele
produzida deve estear-se nos fundamentos revelados pela expressão 3C+EV:
concisão, clareza, correção, especificidade e vividez” (LIMA, 2011, p. 12).

Um roteiro construído sob esses fundamentos da concisão, da clareza,


da correção, da especificidade e da vividez.

A concisão remete à áudio-descrição com o mínimo de palavras,


ditas em um curto espaço de tempo, isto é, expressas com brevidade,
porém com o máximo de informações possível, o que quer dizer, de

107
modo direto/objetivo. A clareza exprime, com a maior nitidez, o texto
áudio-descritivo. A correção refere-se à exatidão com que se áudio-
descreve um evento visual. A especifidade, a escolha tradutória de
termos/palavras que eliciem a melhor e mais precisa ideia do que se
está áudio-descrevendo. E a vividez, a escolha tradutória que elicia a
mais vívida imagem na mente de quem ouve/lê a áudio-descrição.
Por assim dizer, a “vividez”, enquanto atributo de requinte,
aperfeiçoamento, lapidação ou burilamento da áudio-descrição, será
o traço distintivo dos melhores áudio-descritores, aquilo que todos
deverão almejar sempre, mas que nem sempre todos alcançarão
(LIMA, 2011, p. 13 grifos do autor).

Comumente os roteiros áudio-descritivos têm sido construídos


mediante, padrões e códigos criados pelos próprios profissionais que fazem a
locução, o que resulta em uma heterogeneidade dessa produção, ou ainda
informações imprecisas para outro profissional que venha a realizar essa
empreitada.

Conforme podemos observar no Roteiro da obra “O guarda-chuva


voador (versão final)”, Manoela Araújo (2009) adota um sistema de cores para
diferenciar as rubricas referentes ao áudio original do filme, áudio-descrição e
indicativos para locução:

LEGENDA DAS CORES UTILIZADAS

Preto Áudio original

Negrito Audiodescrição

Cinza Marcação de tempo e efeitos sonoros


originais

Verde Observações para a gravação da


audiodescrição

Realce Trechos modificados


amarelo

Tabela: in Apêndice F – Roteiro O Guarda-Chuva Voador (Versão Final)

00:00:45 Cascão joga-se numa das caixas de papelão no chão.

108
(Som da cápsula se abrindo)

00:00:51 (Rápido) De dentro da cápsula sai uma rajada de vento.


Ela vira um redemoinho e ergue a caixa do Cascão até o teto. Aí,
desaparece e a caixa cai no chão.

(Descrição sobreposta a efeito para representar o vento)

(Som semelhante a um cuco para representar que Cascão está tonto)

(Som da caixa caindo no chão)

00:01:04 (± Rápido) Da cápsula também sai alguém numa roupa


espacial azul. Ele remove o capacete. (Descrição sobreposta a
efeito de descarga elétrica)

(Som semelhante a “Tchanrã” para indicar o fim do mistério)


(ARAUJO, 2009, in Apêndice F, p. 172).

Sobre a notação em roteiros áudio-descritivos, Lima (2011) propõe o


uso de uma notação gráfica compreensiva para construção de roteiro, utiliza-se
da pontuação para orientar a locução, do tamanho da fonte para indicar
orientações para a locução áudio-descritiva, como por exemplo:

2.1 - Uso da Pontuação na locução áudio-descritiva as pontuações


com uso “tradicional”.

Por exemplo, a vírgula (,) será usada para indicar breve pausa na
locução; o ponto e vírgula (;), para indicar uma pausa média na
locução e o ponto final (.), para indicar uma pausa maior, definindo o
fim de uma locução (o fechamento de uma ideia, o fim de uma áudio-
descrição ou de uma parte dela).

Também servirão para indicar pausa, qualquer pausa, as reticências


(...)

2.2- Entonação enfática

A entonação enfática será produzida pela grafia da palavra, parte da


palavra ou palavras que se deseja enfatizar, escrevendo-as com
letras maiúsculas.

Ex:: Paulinho escorrega e BAte a cabeça no chão (LIMA, 2011)

109
3.7 A LOCUÇÃO NA ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO PARA
INFÂNCIA E JUVENTUDE

A palavra projetada ganha vida e com a áudio-descrição ela se


transforma em imagem. A locução dá força ao movimento das palavras que
instauram imagens. A forma como ela é falada, o tom de voz, velocidade e
articulação são alguns desses atributos modeladores da voz.

Comumente, a locução da a-d no teatro é realizada por uma dupla de


áudio-descritores, recomendando-se que caso haja uma predominância de voz
masculina na obra a locução seja realizada por uma voz feminina, e vice versa,
de modo a prevenir possíveis confusões entre o registro vocal dos atores e dos
locutores. Esses profissionais alternam-se entre a locução da a-d e a oferta das
notas proêmias conforme elucidado nas Diretrizes:

Algumas organizações utilizam uma dupla de áudio-descritores para


cobrir uma produção. Por exemplo, o primeiro áudio-descritor
descreve a apresentação enquanto o segundo áudio-descritor fica
responsável por fazer a áudio-descrição das notas que antecedem a
apresentação (e notas de intervalo, se aplicáveis); e também serve
como um áudio-descritor de apoio. O áudio-descritor de apoio está
preparado para descrever o evento se o áudio-descritor original não
estiver disponível (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes
para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010)

Para executar a áudio-descrição no teatro não basta apenas escolher


descritivos pertinentes, é necessário uma locução condizente com a própria
dinâmica do espetáculo. O áudio-descritor/locutor deverá assumir uma
invisibilidade/viva, para isso é necessário que ele esteja em sintonia com a
obra, possua a mesma pulsação rítmica entre o que é visto e o que é
locucionado.

Nesse sentido, podemos considerar que o áudio-descritor/locutor


assume uma espécie de narrador personagem na trama áudio-descritiva,
porém ele não possui autoridade de interferir no percurso do que está posto em
cena. No momento da locução ele é a testemunha viva que observa e narra
fielmente as ações no instante em que elas ocorrem.

110
Enquanto testemunha fiel da obra, não poderá nunca ser acometida
pela emoção do que é exposto, arrematado pelos impulsos de sentimentos,
desviando a atenção dos usuários do foco principal: a apresentação. Segundo
Marta Gil (2011), “a locução não pode ser monótona, mas também não pode
“roubar a cena”. Dosar a emoção requer sutileza e clareza dos objetivos a
serem alcançados” (GIL, 2011, p. 174).

A locução da áudio-descrição não pode ser de forma “fria”, sem


modulações rítmicas, pois se assim executada, soará de forma destoante, não
compondo uma unidade, mas duas coisas estanques à obra e à locução da
áudio-descrição.

Sobre as habilidades, alguns profissionais de área como Pozzobon


(2011) e Santana (2011) sinalizam a preferência em trabalhar com atores na
locução da áudio-descrição.

Nas palavras de Maurício Santana (2011):

Pela minha experiência na Iguale, acho que este profissional deva ser
um ator ou atriz, pois essa narração demanda um domínio da
linguagem interpretativa, devendo ser uma fala descritiva com o tom
de interpretação muito sutil para não concorrer com as falas originais
do filme. Baseado num roteiro, o audiodescritor-narrador descreve
com o máximo de detalhes e sem julgamento tudo que acontece nas
cenas de uma obra audiovisual (SANTANA, 2011, p. 106).

Devemos atentar para que não confundamos “domínio da linguagem


interpretativa” com “domínio técnico de locução”, embora saibamos dos pontos
de encontro de ambas e que uma poderá beneficiar a outra. A locução pode
influenciar a transmissão da áudio-descrição e recepção da informação
imagética:

Muitas vezes, o roteiro está bem elaborado, mas a locução sem vida
faz com ele perca a qualidade. O contrário também pode acontecer: o
áudio-descritor com sua entonação, timbre, clareza e alguns
improvisos pode melhorar um roteiro medíocre. (BENECKE, 2007;
SNYDER, 2004 apud MOTA, 2011, p. 67).

No que concerne às habilidades do locutor da áudio-descrição no


teatro, seja ele áudio-descritor e áudio-descritor/ator, é necessário um preparo

111
técnico que engloba conhecimentos sobre o aspecto fisiológico da fala, técnica
de respiração, aquecimento vocal, articulação, ressonância, projeção de voz e
cuidados com a saúde vocal. Na verdade, essas são competências básicas
que se aplicam aos profissionais que trabalham essencialmente com a voz:
educadores, jornalistas, radialistas, executivos, secretárias, telefonistas,
advogados, políticos, vendedores, empresários, ou ainda todas as pessoas que
desejam se comunicar bem.

A voz humana é um instrumento de comunicação e pode fornecer


informações sobre a idade, o sexo, tipo físico e até mesmo características da
personalidade e estado emocional do indivíduo. É um fenômeno que conta com
a participação de vários sistemas, em especial os sistemas digestivo e
respiratório, eles atuam juntos numa engrenagem super articulada. O resumo
dessa ação pode ser descrita da seguinte forma: o ar sai dos pulmões e passa
pela laringe permitindo a vibração das pregas vocais para ser modificado e
modulado pelas nossos caixas ressonadores naturais, para que por fim a voz
seja articulada pelos lábios, tornando-se fala.

O ator com domínio da técnica vocal joga com musicalidade nas


alterações com tempo (espaçamento e intervalo em proferir uma frase e outra,
ou uma palavra e outra), com a altura (agudo, médio ou grave), com a
intensidade (determina o volume do som, mais alto, mais baixo, sussurrado) e
com o timbre (soprano, mezzosoprano, contralto, tenor, barítono e baixo).
Todos esses elementos integram a grande orquestra, com a qual o artista rege
o ritmo e a dinâmica da cena aos olhos do espectador.

Os atores utilizam a voz com ousadia e criatividade e o locutor da


áudio-descrição também assim poderá fazer. Por integrarem a mesma
orquestra, deverão estar em sintonia. O regente é a própria obra, o espetáculo
e a obra impõe sua poética e seu ritmo, a áudio-descrição segue o comando e
jamais deverá se destacar, ou chamar mais atenção que a própria obra para
que a diretriz da invisibilidade da áudio-descrição não seja quebrada. O locutor
da áudio-descrição conduz e guia o olhar do espectador sobre os elementos
visuais.

112
Para subsidiar tecnicamente esse profissional, há alguns conteúdos a
serem dominados, além do domínio da própria língua, o trabalho com o
corpo/voz e seu funcionamento é relevante para essa atividade.

No estudo de Flávia Machado (2011), ao entrevistar James O‘Hara


(2009), editor-chefe do departamento de áudio-descrição da ITFC, empresa
líder em áudio-descrição para cinema e que tem entre seus clientes: Universal
Pictures, DreamsWorks Animation, Warner Bros Pictures e Paramount
Pictures, fala quais os critérios para seleção:

Em relação aos audiodescritores, afirma que sempre procura em um


candidato a audiodescritor boa aptidão para escrever e uma boa voz,
pois se aquela pessoa for narrar o roteiro que escreveu, ela terá mais
facilidade em casar a locução com as expressões escolhidas para a
descrição (O‘HARA, James [out. 2009]. Entrevistadora: Flávia Oliveira
Machado. Londres: ITFC).

A “boa voz” é resultante de domínio técnico sobre os aspectos do


funcionamento e preservação, que compreende desde a prática de exercícios
para aquecimento, ressonância, articulação e relaxamento até reeducação
vocal de vícios danosos. Todos aqueles que usam rotineira e artisticamente a
voz, como artista, professores e locutores, devem tomar algumas precações a
fim de garantir a eficiência desse instrumento de trabalho. Orienta-se que
esses profissionais recorram à orientação médica de um otorrinolaringologista
e fonoaudiólogo.

Os aspectos fisiológicos que envolvem a fala englobam postura


corporal, relaxamento e respiração, articulação, entre outros, pois todos
precisam trabalhar harmonicamente, caso contrário a fala, e nesse caso
propriamente dito, a locução da áudio-descrição poderá sair com distorções.
Deve-se considerar o espaço laboral e as condições estruturais para sua
realização.

113
3.8 OS PREPARATIVOS DA LOCUÇÃO: RELAXAMENTO E
RESPIRAÇÃO

Relaxar e respirar. Respirar para relaxar. “O corpo relaxado é canal


desobstruído para a fluição de energia psíquica. Corpo tensionado é canal
obstruído- impedimento ao trânsito energético” (FORTUNA, 2000, p. 50). É o
primeiro atributo a ser considerado nessa atividade.

A respiração mais indicada para quem trabalha com a voz é a


respiração baixa, tida como diafragmática, esse tipo garante um maior
armazenamento de oxigênio no corpo, resultando numa maior capacidade para
falar, estendendo o intervalo de uma respiração a outra.

Atentar para o momento de inspirar o ar, pois se realizado de forma


intensa acarretará em ruídos desagradáveis facilmente captados pelo
microfone e transmitidos aos usuários do serviço.

Na fase de preparação para a locação deverão ser realizados


exercícios de respiração, aquecimento vocal, de ressonância, de articulação e
recomenda-se exercício para desaquecimento vocal após a prática vocal.

O profissional que trabalha com a voz, seja ele professor, locutor ou


ator precisa atentar para as questões referentes à saúde vocal, os cuidados
com a voz para utilizar com eficiência e para preservar seu funcionamento.
Para isso recomenda-se:

• Evitar espaços barulhentos, com competição sonora.

• Fazer exercício de aquecimento, antes de utilização


excessiva da voz e exercício de relaxamento vocal após a
atividade.

• Evitar a ingestão de alimentos com cafeína ou


derivados de leite antes do uso excessivo da voz.

• Beber bastante água antes e durante a atividade.

114
3.9 DIRETRIZES PARA ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO

Genericamente, o espetáculo teatral se estabelece pelo que está em


cena, pela conjunção entre o texto falado e a materialidade captada
sensorialmente seja pela visão, pelo olfato, ou até mesmo pelo tato e o paladar.

As encenações de Zé Celso Martinez são exemplo disso. Em um estilo


ousado, encarado às vezes como orgiástico e antropofágico, ele joga com a
ritualidade e a exploração dos sentidos, o que faz lembrar as grandes
celebrações dionisíacas. Lá, os atores e o público interagem ativamente,
podem juntos degustar bebidas, comidas, trocarem toques e até mesmo
carícias durante as cenas, tudo a serviço da encenação.

Sobre a participação do público na obra de Zé Celso Martinez em “Os


Sertões”, Clotilde Tavares (2007) diz que:

Se quisermos, podemos sair do nosso banco e entrar em cena junto


com os atores, como figurantes da construção do arraial de Canudos,
ou situações outras propostas pela peça. Podemos entrar em cena,
nos misturar à ação, experienciar com vividez o que está
acontecendo, como nos antigos rituais dionisíacos onde os homens
experimentavam diversas alteridades, incluindo a divindade
(TAVARES, 2007. Disponível em:
http://www.overmundo.com.br/overblog/o-teatro-orgyastico-e-
antropofagico-de-ze-celso).

Zé Celso enquanto encenador, apesar de determinar o local para


acomodar a plateia, oferece uma liberdade para que o público rompa com esse
espaço e entre na cena para celebrar a manifestação cênica. Há outros casos
em que o encenador delimita bem o espaço físico ocupado pela plateia e pelos
atores, estabelecendo o lugar de onde o público deve ver.

As possibilidades de encenação são múltiplas, há os que optam pela


musicalidade, pelo texto verbalizado em cena. Outros já apelam para a
visualidade como elemento motriz da cena, recorrendo, nesses casos, à
exploração muito mais com as coisas vistas do que às faladas. Um estilo teatral

115
que opta em construir formas expressivas através do próprio corpo sem usar
necessariamente a palavra e com simplicidade para o uso de objetos. O foco é
o próprio corpo do ator e suas potencialidades em representar e sugerir a
materialidade. Exemplo disso é o que ocorre na mímica, no teatro físico e na
dança-teatro.

A inter-relação das coisas vistas, ouvidas e faladas presente nas


celebrações espetaculares e a necessidade de comunicar tudo isso para todos
abre a porta para os recursos assistivos. São exemplos desses a legendagem
ou tradução em Libras, a comunicação das libras para informações sonoras e a
áudio-descrição para as informações imagéticas.

No que concerne o acesso do mundo da imagens para pessoas com


deficiência visual, a áudio-descrição é o gênero tradutório regido por algumas
regras, isto é, orientações que conduzem o olhar do tradutor em suas escolhas.

A seguir, apresentaremos e discutiremos as diretrizes da áudio-


descrição no teatro, tomaremos como referência as diretrizes americanas,
traduzidas por Vieira (2009), União em Prol da Áudio-descrição, Diretrizes para
áudio-descrição e código de conduta profissional para áudio-descritores
baseados no treinamento e formação de áudio-descritores e formadores dos
Estados Unidos: 2007-2008.

O referido documento esclarece que as diretrizes não têm a finalidade


de servirem como um auto-guia de formação, ressalta que os interessados
precisam frequentar um curso de formação para que lá, monitorado por um
profissional mais experiente, pratique as técnicas da áudio-descrição e
desenvolva as habilidades necessárias. Pois estabelece como essencial a
visão crítica de um profissional experiente nos primeiros trabalhos de um
principiante.

Para além do curso de formação, sugere, para construir e ampliar as


habilidades, que o profissional iniciante acompanhe outros áudio-descritores
em atividades. O trabalho em equipe é um exercício elementar para a
elaboração da áudio-descrição, recomenda-se, nessa prática, recorrer a:

Filmes que possuem um ritmo de teatro se prestam melhor à áudio-

116
descrição. É bastante útil valer-se de duas cópias do mesmo filme –
uma com descrição pré-gravada e outra sem. Depois que alguém
descrever uma parte e o grupo a discutir, verifique como as suas
decisões diferem da descrição gravada (VIEIRA, 2010, p. 6).

A orientação para trabalhar em parceria com outros profissionais é uma


recorrência desde os primeiros passos nesse caminho. Conhecer a obra
significa estudar os aspectos técnicos constituintes, especificamente no caso
do teatro, compreender os processos de construção artística, assistir
espetáculos, participar de grupos de discussão sobre acessibilidade e áudio-
descrição são fundamentais.

A própria natureza da áudio-descrição exige aprimoramento e


investimento constante na formação e no repensar o ofício, a obra carrega em
si várias exigências no que concerne o perfil do profissional e contextualização
da técnica a ser aplicada. Pensar essa prática pela acessibilidade cultural é,
sobretudo, considerar o acesso à educação e ao repertório artístico do povo.

Pessoas se reúnem no teatro com intento de ver, assistir algo e o


áudio-descritor deve permitir que a pessoa com deficiência de fato veja. Denis
Guénoun (2003) traz uma provocação em relação ao ver no teatro:

Para ver.- Ver e ouvir, assistir, sentir? Claro, porém, mais


essencialmente ainda: para ver. Teatro provém do verbo grego que
significa: olhar. E se, na arquibancada antiga, o termo designa o lugar
do público (mais que a cena ou a orchestra), é primeiro por esta raiz:
o teatro (as arquibancadas) é o lugar de onde se vê (GUÉRNOUN,
2003, p. 43).

O fenômeno teatral convoca as pessoas a se reunirem e participarem


dessa manifestação. Constitui-se essencialmente num ato político, cuja
singularidade se estabelece no aspecto do estar presente, tanto da obra quanto
da plateia. Toda convocação de forma pública, reunindo pessoas, seja qual for
seu objeto, é um ao político (GUÉNOUN, 2003).

O teatro é, portanto, uma atividade intrinsecamente política. Não em


razão do que aí é mostrado ou debatido – embora tudo esteja ligado-
mas, de maneira mais originária, antes de qualquer conteúdo, pelo
fato, pela natureza da reunião que estabelece. O que é político, no
princípio do teatro, não é o representado, mas a representação: sua
existência, sua constituição “física”, por assim dizer, como
assembleia, reunião pública, ajuntamento (GUÉNOUN, 2003, p. 15).

117
Assim como o teatro é ao vivo e necessita de público presente, a
áudio-descrição no teatro é a arte da tradução no tempo presente com
usuários, espectadores também presentes.O áudio-descritor, profissional
responsável pela tradução, é a testemunha viva da obra, ele deve conhecer tão
bem o material a ser traduzido, que se torna parte dele, uma unidade
homogênea.

Na fase de estudo da obra é recomendável que ele assista


antecipadamente ao material, converse com os artistas criadores para se
inteirar com o universo da criação artística. O áudio-descritor deve adotar um
espírito de investigador, cuja finalidade é realizar a decupagem da obra,
objetivando captar os momentos precisos para inserção dos elementos
descritivos essenciais que irão compor a áudio-descrição.

Conforme União em Prol da Áudio-descrição,Audio Description


Coalition (2007-2009), as Diretrizes para áudio-descrição e código de conduta
profissional para áudio-descritores baseados no treinamento e formação de
áudio-descritores e formadores dos Estados Unidos: 2007-2008:

Tais informações devem abranger, entre outros, elementos-chave da


trama como: pessoas, locais, ações, objetos, fontes sonoras
incomuns (as não mencionadas no diálogo, nem auditivamente
identificáveis pelo espectador). Concentre-se no que for o mais
significativo e menos óbvio do diálogo, ou de outra informação de
áudio (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-
descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010).

Conforme já explicitado, as etapas do trabalho do áudio-descritor no


teatro consistem em: estudo da obra, elaboração de roteiro, locução ao vivo e
pesquisa de recepção dos usuários.

“Descreva o que Você Vê” (União em Prol da áudio-descrição.


Diretrizes para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 6),
Na primeira etapa, o estudo da obra, que contextualizará e definirá as escolhas
tradutórias para a atividade, obedecerão alguns fundamentos, entre eles o pilar
“Descreva o que você vê”. Ou seja, um estudo pormenorizado, no que é

118
observado (das expressões faciais, ações físicas, figurino, cenário,
maquiagem) é o que será descrito de forma objetiva. Não caberá, portanto,
inferências pessoais nem censuras. Essa primeira regra, é o pilar norteador
das escolhas tradutórias do áudio-descritor.

“Descreva Objetivamente” (União em Prol da áudio-descrição.


Diretrizes para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010). O
grande desafio desse profissional é selecionar o que há de mais relevante, pois
descrever tudo é impossível, já que a locução entra preferencialmente nos
intervalos silenciosos dos diálogos, “descreva o que é essencial no tempo
permitido”, garantindo que os usuários ouçam os diálogos e as informações
sonoras relevantes.

“Permita aos Usuários Ouvir o Diálogo” (União em Prol da áudio-


descrição. Diretrizes para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira,
2010, p. 8). Porém, não deverão ser preenchidos todos os silêncios entre as
falas dos atores, é necessário perceber o silencio comunicativo, aquele que
expressa as tensões e revela por meio da respiração, intencionalidades sutis e
valorosas. Deve-se ter o cuidado para que a áudio-descrição não seja um
comentário contínuo, ou seja “Os espectadores devem ter a chance de ouvir as
emoções, nas vozes dos atores e na tensão dos silêncios entre os
personagens”. As músicas possuem função significativa da obra e também
deverá ser preservada, inclusive quando se trata de espetáculo direcionado às
crianças.

Efeitos sonoros comunicam significativamente a ação, especialmente


em desenhos animados. Eles também podem ser muito divertidos –
crianças pequenas gostam de os ouvir e imitar. Os efeitos sonoros
podem contribuir na fala ecolálica e podem trabalhar em conjunção
com a descrição para acrescentar significado a conceitos. (Audio
Description for Children Guideline, s/d)

O princípio fundamental “Descreva o que você vê” ressalta que o que


será disponibilizado pelo recurso é o que é percebido pela visão. O olhar do
áudio-descritor é diferenciado e funciona como uma lupa, cuja lente
convergente amplia os objetos, o que garante a ele uma percepção refinada.

Lima (2011) corrobora com isso ao discorrer que:

119
A produção de uma áudio-descrição é ditada pela consideração da
obra e do usuário a que ela se destina, sendo que é esse conjunto
que exige do tradutor o que traduzir, como traduzir, quando e quanto
traduzir. Em toda tradução é necessário que o tradutor faça
constantemente edições e escolhas. Assim, lhe são exigidos a
pesquisa, a leitura e o desenvolvimento de espírito crítico, para que
possa executar, de maneira eficaz e com responsabilidade, as
edições e as escolhas tradutórias (LIMA, 2011).

“Confie na Capacidade de o Usuário Compreender o Material” (União


em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-descrição e código de
conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 10). A áudio-descrição é uma fabrica de
provocar imagens, que recorre ao uso de palavras vívidas, de tal modo que as
informações ofertadas garantem que o sujeito ao escutar a áudio-descrição
seja capaz de construir concomitantemente a imagem. Vale salientar que em
algumas situações a sobreposição da locução à fala dos personagens se faz
necessária, casos em que a diretriz precisa dar lugar ao que é indispensável
para compreensão da obra. (LIMA, 2011)

Essa compreensão se dá ao nível do que está exposto visualmente e


não necessariamente corresponde se o usuário vai ou não entender recursos
estilísticos, enredo da história, ou a intencionalidade do artista, por isso a
áudio-descrição não é uma explicação narrada e sim uma descrição objetiva.

Antes de tudo, é necessário confiar na capacidade do usuário em


compreender o material, seja ele uma obra estática ou dinâmica, uma obra
clássica ou contemporânea, em uma profusão de metáforas visuais e
movimentos, como no caso da dança contemporânea.

“Censura” (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-


descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 11). A censura é um
desserviço à áudio-descrição. Escolher o tipo de material ou suprimir
informações não é cabível nessa atividade. A censura rouba e violenta o direito
do usuário de usufruir e tirar suas próprias conclusões do material a ser
ofertado.

Áudio-descritores que censuram as informações por causa de seu


próprio desconforto faltam com o seu público. Os áudio-descritores
têm de transmitir as informações sobre nudez, atos sexuais, violência
etc. Os ouvintes devem saber tudo o que está visualmente disponível

120
às pessoas que enxergam. Se um áudio-descritor acreditar que
descrever um certo material lhe fará sentir-se mal, ele não deve
aceitar o trabalho (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes
para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010,
p. 12).

“Linguagem Consistente” (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes


para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 11). O uso da
linguagem deve estar em acordo com o contexto da obra e consequentemente
com o público a que se destina, deve-se levar em consideração a faixa etária,
nível de escolaridade e a própria natureza do material a ser áudio-descrito.
Uma áudio-descrição para criança deve fazer uso da utilização de palavras e
estruturas simples, porém nunca se deve subestimar a potencialidade da
criança em aprender e buscar conhecimento, a partir da áudio-descrição,
lembremos que um dos benefícios do recurso é a ampliação do repertório
linguístico.

As diretrizes recomendam organizar o discurso, mantendo o mesmo


marcador de nome para local, objeto ou pessoa: “Uma vez estabelecido ou
mencionado um nome para personagens, locais, objetos, deve sempre usar
aquele mesmo nome, uma garantia de continuidade e envolvimento.” (União
em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-descrição e código de
conduta. Trad. Vieira, 2010)

Ainda conforme as Diretrizes, deve-se evitar uso de metáforas, gírias,


coloquialismos, exceto quando a obra assim exigir. Por exemplo, a história se
passa em uma favela cujo enredo foca no tráfico de drogas. Nesse caso, uma
linguagem mais formal em respeito à norma culta da língua portuguesa se
apresenta como inadequada.

Atentar para o uso de pronomes para que não gere ambiguidade e


imprecisões. O emprego de pronomes pode gerar confusões e sugerir
mensagens equivocadas, por exemplo: “Carina levanta o seu braço”. O usuário
que ouve isso pode achar que o locutor está se referindo a ele.

Algumas vezes, o áudio-descritor sentirá a necessidade de estabelecer


comparações para suscitar a construção de imagem, no entanto a Diretriz

121
adverte que só se deve “Utilizar a comparação desde que seja possível ser
reconhecida pelos ouvintes” (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para
áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 13). Tratando-se de
criança, considerar relações de comparações com coisas diretamente
relacionadas a elas.

Os recursos técnicos utilizados para provocar efeito, também são


contemplados pelas diretrizes da áudio-descrição que aponta que se “Chame a
atenção para mudanças de tempo (flash backs ou visões do futuro) em relação
ao personagem. Música e efeitos visuais podem mais adiante identificar
mudanças de tempo” (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-
descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 13).

A respeito desses efeitos visuais, a tendência do momento na indústria


do cinema e de games é utilizar o efeito em 3D. Esta é uma tecnologia que
recorre ao fenômeno da estereoscópia, ocorrido quando nosso cérebro
enxerga duas imagens idênticas e ao serem ligeiramente deslocadas, mas em
pontos específicos, gera o efeito, que dará a sensação de tridimensionalidade.

Em caso em que haja mais de um evento visual ocorrendo


simultaneamente, é possível usar conjunções conectivas, por exemplo: “O
capitão perna-de-pau se aproxima de Maribel enquanto Pluft se esconde atrás
do baú”.

“Etnicidade e Nacionalidade” (União em Prol da áudio-descrição.


Diretrizes para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 13).
Ao olharmos uma pessoa não vemos a nacionalidade, raça ou etnia e sim
observamos o conjunto de traços fisionômicos atrelados a especificidades
culturais, que podem estar presentes nas roupas, postura corporal entre outros
aspectos. E é isso que o áudio-descritor deverá descrever.

Vale salientar que uma vez escolhida uma característica distintiva para
determinado personagem, deve-se buscar o mesmo com os outros, por
exemplo: “mulher negra” e “mulher asiática”. A esse respeito, encontramos nas
Diretrizes: “Se for importante descrever essa característica num personagem,
então a áudio-descreva para todos os personagens”. (União em Prol da áudio-

122
descrição. Diretrizes para áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira,
2010, p.15).

Nessa especificação da cor da pele, deve-se evitar termos


“desrespeitosos, derrogatórios ou condescendentes como linguagem vaga,
poética ou eufemismo” (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para
áudio-descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 15). Como a áudio-
descrição está sempre a favor das obras e de sua poética, a mesma pode
requerer outros posicionamentos:

Num trabalho dramático, onde, talvez por causa da história e seu


cenário, a raça, etnicidade, nacionalidade dos personagens seja
realçada para os membros da audiência vidente e seja parte
integrante da trama, delinear os “lados” como parte da descrição seria
útil (União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-
descrição e código de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 15).

Na recomendação “Descreva a partir da Perspectiva dos Ouvintes”


(União em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-descrição e código de
conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 16), orienta-se que a descrição ocorra da
esquerda para a direita e de cima para baixo, ou em função da poética da obra.

As informações ofertadas deverão aparecer na medida em que ocorre


a cena, evitado sobreposição ou antecipações:

As surpresas devem, idealmente, vir ao mesmo tempo para todos os


membros da audiência. Se as aparências dos personagens ou ações,
identidades ocultas, vestimentas, piadas visuais, efeitos sonoros etc.
acontecerem como uma surpresa para a audiência vidente, não
estrague a surpresa para os ouvintes da áudio-descrição,
descrevendo-as e revelando antecipadamente informações ((União
em Prol da áudio-descrição. Diretrizes para áudio-descrição e código
de conduta. Trad. Vieira, 2010, p. 16).

As diretrizes mencionam que os áudio-descritores deverão checar o


cumprimento das seguintes técnicas:

Estabeleça e use um nome consistente para cada personagem


logo que possível. Isto facilita para o áudio-descritor e para os
ouvintes.
Se os personagens forem chamados por nomes difíceis –
nomes longos, nomes completos, nomes formais, nomes

123
estrangeiros etc, ou muitas variações nos seus nomes (por
exemplo, personagens Chekovianos) – assegure-se de que
está usando o nome que mais sirva à narração da história.
Uma vez que um personagem tenha sido identificado no
material, ligue o nome do personagem com a voz mencionando
o seu nome, imediatamente antes de ele ou ela falar (Ibidem, p.
17).

Permita que o próprio material forneça as informações para os


ouvintes. (Ibidem, p.18)

Se um personagem estiver prestes a chamar pelo nome um


outro personagem que acabou de entrar, ou a referir-se a um
local por nome, o áudio-descritor não precisa dar esta
informação. Os relacionamentos entre os personagens podem
não ser aparentes, mas é responsabilidade do autor - não do
áudio-descritor – revelar estes relacionamentos (Ibidem, p. 18).

Diferente do que muitos imaginam, o mundo para a pessoa cega ou


com baixa visão não é só escuridão. Elas partilham socialmente dos
significados das cores e da possibilidade que elas possuem em provocar
sentimentos e sensações, as convenções sociais do significado das cores são
partilhadas pelas pessoas com deficiência visual.

Além disso, é importante que o áudio-descritor:

Descreva as cores para ajudar pessoas com baixa visão a


localizarem o que está sendo descrito e para compartilhar o
“significado” emocional da cor na produção. As pessoas que são
cegas ou possuem baixa visão geralmente compartilham dos
atributos comuns que conferimos às cores, tais como azul e verde
são frios e serenos, enquanto vermelho e laranja são quentes e
tempestuosos, etc. “O vestido é da cor de vinho” em vez de “O
vestido é vermelho” mais ricamente o descreve. Evite, contudo,
palavras para cores não usuais: “azul ciânico”, “cerúleo”, “cor parda”,
“castanho avermelhado” (Ibidem, p. 14).

No cerne da atividade do áudio -descritor, Lima e, Tavares (2010)


sinalizam algumas falhas graves que deverão ser evitadas na construção e/ou
na oferta da áudio-descrição:

1- Na tradução da imagem dinâmica ou estática, antecipar aos


usuários do serviço informações que configuram os elementos-
chaves da mensagem, por exemplo, acerca do clímax de uma
narrativa;

124
2- Censurar elementos constitutivos da obra traduzida ou eventos
imprevistos no decorrer da áudio-descrição;
3- Realizar a áudio-descrição de modo descontextualizado, isto é,
sem estudo prévio da obra e da contextualização; desconsiderar a
faixa etária ou campo de atuação laboral do público-alvo e trazer
construções linguísticas inadequadas, levando a fragilidades na
construção do gênero tradutório;
4- Desconsiderar opiniões dos usuários do serviço ou de outros
tradutores;
5- Provocar desvio da atenção à obra ou evento áudio-descrito,
trazendo, com ênfase, informações secundárias sobrepostas à
mensagem principal;
6- Omitir alguma informação por julgar que será incompreensível
para as pessoas com deficiência.
7- Superestimar as respostas da pessoa com deficiência visual
quanto à acessibilidade e compreensão da informação.
8- Demonstrar pesar, atitude comiserativa nas relações
interpessoais com os usuários do serviço.
9- Não áudio-descrever piadas visuais, sob o entendimento de
que a pessoa com deficiência, mesmo utilizando o recurso da áudio-
descrição, não as compreenderá (LIMA, TAVARES, 2010, p. 18-19).

A provisão da áudio-descrição deve seguir tais orientações uma vez


que se sustenta sob valores éticos visando ao empoderamento da pessoa com
deficiência, ao respeito à dignidade humana e à cidadania.

3.10 ÁUDIO-DESCRIÇÃO E RECEPÇÃO

A áudio-descrição no teatro é a locução da dramaturgia da cena, que


consiste nos escritos poéticos resultantes do trabalho dos artistas que nela
atuam: diretor, ator, dramaturgo, cenógrafo, iluminador, maquiador entre
outros, são os poetas da cena, que transcrevem em corpo e materialidade as
emoções, intencionalidades às vistas do espectador, a dramaturgia do
espectador, a construção interna da obra na apreciação e fruição (aspectos
que influenciam a recepção, tais como as experiências pessoais,
personalidade) integrantes da apreciação estética.

Ler, reler, conhecer, criar. Nós criamos um texto quando lemos o


texto. Na verdade, o que lemos não é exatamente o que está escrito,
mas o que nos chama atenção, o que nos aguça a sensibilidade,

125
dentro de um mar de palavras. Escolhemos determinadas passagens,
escolhemos determinados sentidos possíveis num texto literário, por
exemplo, e desta forma criamos um livro dentro do livro (BARBOSA,
SEVERINO, 1992, p. 31-32).

Analogicamente diríamos que nós criamos um espetáculo quando


assistimos ao espetáculo, a obra se constitui na experiência estética do
espectador.

A experiência estética, segundo Duarte Jr (1998) é “uma suspensão


provisória da causalidade do mundo, das relações conceituais que nossa
linguagem forja [...]” (p. 91). Para ele, é com a experiência estética que o
homem “apreende o mundo de maneira direta, total, sem a mediação
parcialmente de conceitos e símbolos” (p. 91). De acordo com as próprias
ressalvas propostas pelo autor, para a mediação, mesmo que não haja
consciência dos agentes que influenciam o espectador no instante do evento
artístico, eles existem e atuam como mediadores no processo de recepção.

O espectador quando está diante de uma representação cênica pode


ser tocado sensivelmente e atribuir o valor de belo. Pois o belo não é apenas
uma propriedade do objeto:

A beleza se encontra, assim entre o homem e o mundo, entre a


consciência e objeto (estético). A beleza habita a relação. A relação
onde os sentimentos entram em consonância com as formas que lhe
tocam, vindas do exterior. O prazer estético reside na vivência da
harmonia descoberta entre as formas dinâmicas dos sentimentos e as
formas das artes (ou dos objetos estéticos) (DUARTE JR, 1998, p.
93).

Nesse caminho entre a obra e o espectador, apresentamos as


mediações propostas por Orozco Gómes (1998), adaptas por Taís Ferreira
(2006) para uma investigação de recepção teatral com um grupo de crianças.

1. Linguísticas: elementos da linguagem teatral e das técnicas


envolvidas no espetáculo, bem como a trama narrativa e os
personagens da história, etc;
2. Situacionais: da siatuação da qual o espetáculo foi assistido
(espaço, tempo, local, entorno, outros espectadores) e na qual foi
realizada a construção de dados;
3. Institucionais: visão de mundo e tipo de disciplinamento e
regras impostos por instituições como a escola, a igreja, a família, a
mídia, etc;
4. Contextuais: ambiente sociocultural, história e tipo de inserção
social da linguagem em questão, a cidade, o bairro, etc;

126
5. Pessoais: o repertório cultural anterior ao qual têm ou tiveram
acesso os espectadores, seus hábitos como consumidores, etc;
6. Referenciais: são também um tipo de mediação classificada
como pessoal; as referências identitárias do espectador, tais como
gênero, grupo de idade, descendência étnica, nacionalidade,
orientação sexual, etc. (FERREIRA, 2006, p. 29-30).

Segundo o exposto, “a recepção cultural é socialmente mediada”


(FERREIRA, 2006, p. 30 apud ARAÚJO, 2002), sendo uma dessas instâncias a
escola e no contexto da inclusão e a acessibilidade para pessoas com
deficiência visual, a áudio-descrição se insere nesse contexto das mediações
no ato comunicativo.

O recurso assistivo, áudio-descrição, atua como ferramenta de


mediação, pois intermedia o acesso à imagem a fim de dirimir as barreiras
comunicacionais e se mostra potencialmente influenciadora na recepção da
obra estética. Mesmo com isso, a áudio-descrição possibilita o acesso à
informação visual, suscitando que o sujeito seja capaz de construir uma
imagem mental por meio da descrição e tire suas próprias conclusões,
consideramos aqui o entendimento dos campos das mediações.

O intuito é que a mediação não assuma um caráter explicativo, mas


provocativo. Pois não basta que o espectador crie a imagem, é necessário que
a imagem voe com as próprias asas, visto que apreciador faz uma leitura
pessoal da obra, na qual o sujeito é empoderado a usufruir e estabelecer
relações emotivas e cognitivas com o evento artístico.

Aterrissaremos no próximo capítulo no território do teatro,


apresentaremos considerações sobre aspectos que envolvem a linguagem,
buscando mapear os elementos visuais constituintes dessa linguagem e que
poderão subsidiar o trabalho do áudio-descritor ou o professor que pretenda
desenvolver atividade que envolva esse recurso cênico.

127
4. TEATRO E A CARTOGRAFIA DOS ELEMENTOS VISUAIS

Nesse capítulo traremos o mapeamento dos elementos visuais do


espetáculo teatral por acreditar que eles poderão trazer informações valorosas
para a contextualização e elaboração da áudio-descrição. Conforme discutimos
anteriormente a áudio-descrição é uma técnica de tradução intersemiótica e
como tal, exige que o áudio-descritor seja ele também professor ou apenas o
tradutor conheça a língua de partida (a imagem) e a de chegada (palavras a
serem lidas).

“Teatro” é um vocábulo de origem grega, théatron, lugar de onde se


vê. Além dessa acepção, empregada para definir o edifício, estrutura física,
local onde acontece a representação, é empregada também, como a ação,
atividade propriamente dita, constituinte do fazer teatral. Em consonância a
isso, Vasconcelos (1987) pontua que:

No sentido mais amplo, o termo atinge toda a atividade teatral,


englobando dramaturgia, encenação e produção de espetáculos.
Especificamente, refere-se aos diversos locais onde são apresentados
espetáculos teatrais, óperas, balés, concertos, entre outras
manifestações musicais ou cênicas (VASCONCELOS, 1987, p. 184).

O entendimento que temos hoje acerca desse fenômeno, no sentido


global, sofreu e sofre mudanças substantivas. É possível observar que o teatro
no sentido mais amplo “enquanto atividade” e “local da representação”, no
sentido específico, estão sempre imbricados e relacionando-se dialogicamente.
Uma breve revisitação nos aspectos históricos denota isso.

O surgimento do teatro coincide com a própria humanidade. Presume-


se que a manifestação existe desde os primórdios do homem, condicionadas
por questões relacionadas à religião. Como ilustrada na passagem:

O teatro dos povos primitivos assenta-se no amplo alicerce dos


impulsos vitais, primários, retirando deles seus misteriosos poderes
de magia, conjuração, metamorfose –dos encantamentos de caça
dos nômades da Idade da Pedra, das danças de fertilidade e colheita
dos primeiros lavradores dos campos, dos ritos de iniciação,

128
totemismo e xamanismo e dos vários cultos divinos (BERTHOLD,
2004, p. 2).

De acordo com Heliodora (2008), é possível que o homem pré-


histórico, ainda quando não dominava a fala e a escrita, porém desejoso em
expressar suas vontades e comunicar informações, tenha recorrido ao recurso
da imitação.

Enquanto o homem ainda estava aprendendo a falar será que podem


imaginar o quanto a chuva naquelas condições difíceis em quem os
pequenos grupos viviam era necessária? Mas, de vez em quando,
sem que ninguém soubesse o porquê, chegava uma época de seca.
Alguém na tribo teve um dia a ideia de imitar a chuva, e então todos
faziam uma dança ou o que fosse, imitando a chuva para ver se
assim ela chegava (HELIODORA, 2008, p. 9).

Dessas imitações espontâneas, outras foram desenvolvidas e


aprimoradas. Em alguns casos, realizadas para celebrar, agradecer, absorver a
força e a coragem de um grande guerreiro que defendeu a tribo, ou em outros,
para afastar os espíritos ruins dos inimigos. Era celebrado nascimento ou
morte.

Na pré-história, realizavam-se livres manifestações que traziam a


essência do teatro, porém salienta-se que somente após a tomada de
consciência desses eventos, dentro da compreensão do ritual, é que surge o
teatro no século VI a.C., na Grécia (HELIODORA, 2008). O surgimento do
teatro é atribuído aos rituais de oferenda, ao deus do vinho e da fertilidade,
Dionísio. As festas dionisíacas duravam dias seguidos, com intermitentes
rituais sagrados, procissões e recitais, uma vez por ano na primavera, períodos
em que se fazia a colheita do vinho naquela região.

Enquanto atividade criativa, o teatro não é desprovido de regras. O


artista tece sua arte com as linhas da subjetividade e da razão, na conjunção
desses dois universos, ele observa, reflete, concebe, experimenta, recria,
arremata as múltiplas cores dos impulsos da imaginação e da vida em
sociedade e, amparado por sua técnica, compõe a obra.

129
Para que esse fenômeno aconteça é necessário alguém para observar.
O olhar do espectador é essencial para o próprio jogo teatral, ele compõe a
tríplice estrutura, juntamente com o ator e a encenação, para concretude da
arte efêmera, que é o teatro. Nesse caso, a áudio-descrição atua como os
olhos do espectador com deficiência visual, possibilitando que essas pessoas
vejam a cena e participem em igualdade na composição da tríplice estrutura do
teatro.

Na década de 1930, Antonin Artaud (1896-1948) convencionou usar o


termo “linguagem teatral” para designar as estratégias utilizadas na construção
do espetáculo. O emprego é metafórico, se comparado à definição tradicional
de alguns linguistas para as línguas naturais. Já que “a representação teatral
não é passível de ser decomposta, como as línguas naturais, que possui uma
série limitada de unidades ou fonemas cuja combinação produz todos os casos
possíveis” (PAVIS, 2008), e isso no teatro não é possível.

Tomaremos para este estudo a linguagem teatral como o conjunto do


código cênico que se materializa no cenário, figurino, iluminação, sonoplastia,
maquiagem, dramaturgia, encenação entre outros no fazer teatral. Elementos
esses, essenciais para estudo do áudio-descritor.

Diante da árdua tarefa de sistematizar os elementos que constituem o


espetáculo, porém, essenciais para entendimento da linguagem, faz-se
necessário traçar um mapeamento desses elementos, no que denominaremos
aqui de cartografia visual do teatro.

Cartografia é um termo muito empregado pela geografia, já foi utilizado


para intitular o livro “Cartografia do Ensino do Teatro” (TELLES, FLORENTINO
et al., 2009), cuja obra traz um caleidoscópio sobre assuntos que englobam a
formação do professor e a preocupação com o ensino do teatro. Neste capítulo,
o adotaremos com a intenção de mapear, apresentar e localizar o leitor frente a
alguns elementos da teatralidade.

Focaremos o nosso mapeamento nos elementos visuais, lócus para o


estudo do áudio-descritor para elaboração do roteiro, sistematizaremos nossa
abordagem apresentando inicialmente as definições do termo “teatro”.

130
Posteriormente discorreremos sobre o corpo/movimento do ator, maquiagem,
cenografia, indumentária, maquiagem e iluminação e sonoplastia.

4.1 O TEATRO: ESPAÇO E ATIVIDADE

Enquanto configuração espacial, o teatro pode acontecer no espaço


convencional, em sala fechada e equipada com aparelhagem técnica aos
moldes da influência italiana, na rua, sob herança da idade antiga, ou ainda,
em espaços alternativos, ruptura contemporânea à hegemonia do palco à
italiana.

Em todos os casos, a função primordial é acolher a representação. A


escolha do espaço cênico se dá, na maioria das vezes, em razão das
especificidades e intencionalidades do encenador desejoso em provocar maior
proximidade ou distanciamento entre a obra e o espectador.

As primeiras manifestações teatrais, como já mencionadas, aconteciam


ao ar livre, nos rituais de celebração e entrega de oferendas ao deus Dionísio.
“A forma de arte começa com a epifania do deus e, em termos puramente
utilitários, com o esforço humano para angariar o favorecimento e a ajuda do
deus” (BERTHOLD, 2004, p. 2).

O teatro primitivo desejava provocar tanto aquele que atuava, quanto


os espectadores. Recorriam a vários efeitos cinestésicos (odores, som,
imagem), com apelos para o uso de aromas, ritmos estimulantes, efeitos
luminosos provocados por grandes fogueiras e tochas flamejantes
intensificadas na cena noturna. Tudo isso se passava no grande palco, ao ar
livre. Sobre o espaço cênico desse período afirma-se que:

O palco do teatro primitivo é uma área aberta de terra batida. Seus


equipamentos de palco podem incluir um totem fixo no centro, um feixe

131
de lanças espetadas no chão, um animal batido, um monte de trigo,
milho, arroz, ou cana-de-açucar (BERTHOLD, 2004, p. 4).

À medida que esses povos se tornavam mais organizados, uma nova


estrutura espacial era concebida. Dos povos da antiguidade, a Grécia,
inegavelmente, foi a civilização que contribuiu sobremaneira para o
desenvolvimento da cultura e da ciência.

No teatro grego, o espaço cênico é composto originalmente por


theatron, a orchestra e skéne.

O theatron – lugar de onde se vê- é constituído por degraus em


semicírculo, construído no aclive de uma colina, por essa razão, a
excelência na acústica natural. O menor sussurro era levado aos
assentos mais distantes, em cuja plateia comportava cerca de 14 mil
espectadores. A orchestra onde o coro atua, nasceu do espaço
circular primordial de areia, tendo em seu centro, o thymele, um altar
de pedra. A skené, a cena, era originalmente uma tenda onde os
atores trocavam o figurino, e posteriormente onde o aparato
cenográfico era guardado. O uso da skéne, como suporte pictórico
era evidente por ser o ponto focal da cena (URSSI, 2006, p. 20).

A influência da cultura grega em Roma resplandeceu também na


construção do espaço cênico. O domínio da tecnologia do arco e da abóboda,
possibilitou que essa civilização construísse o teatro sem depender do desnível
do terreno.

Agora era possível construir o teatro em qualquer lugar, com andares e


com menos colunas, porque o arco suporta mais peso. O espaço cênico de
então era o anfiteatro romano cuja característica é de ser uma arena oval ou
circular rodeada de degraus que acomodavam o público.

O edifício teatral romano era construído em terreno plano em pedra e


alvenaria, característica diferenciadora principal do modelo grego,
dentro do perímetro de urbs, romana. A plateia, que simula a mesma
inclinação do theatron grego com os degraus da arquibancada, passa
a ser construída sobre abóbodas de pedra e seus assentos são
ocupados hierarquicamente pelo público. A orchestra, agora
transformada em semicírculo dispõe os primeiros lugares como
reservas para os magistrados e senadores. O proscenium tem sua
fachada decorada com colunas, estátuas e baixo relevo. Um pano de
boca sustentado por um sistema de mastro, telescópicos de
acionamento vertical fechavam a cena (URSSI, 2006, p. 25).

132
Destaca-se nas transformações ocorridas no espaço cênico, ainda
ligado ao aspecto religioso, o espaço do Medieval Processional, na Alta Idade
Média. O teatro medieval deriva do rito religioso (a missa cristã), adaptado para
o drama. Eram escritos e encenados pelo clero dentro da própria igreja. O local
onde ficavam expostos os santos e mártires da idade média era o pequeno
palco para o acontecimento cênico. Tais representações tinham por finalidade
passar os preceitos do cristianismo e conservar a fé e a moral cristã. O teatro
era visto como um instrumento didático-religioso.

Porém, diante da necessidade de expansão da ideologia de obediência


e submissão aos valores estabelecidos, era necessário estender as
representações para além do templo sagrado.

Fizeram-se necessários cinco séculos para que a cerimônia pascal de


adoração da cruz levasse aos mistérios da Paixão, estendendo-se
por muitos dias, e para que as “boas novas” anunciadas aos pastores
se desenvolvessem nos ciclos do natal e dos Profetas com seus
numerosos elencos. Durante esses séculos, a Ecclesia triunphans
estendeu sua autoridade para além da casa de Deus, projetando-a
para as cidades e aldeias, e analogamente a representação litúrgica
saiu do espaço eclesial diante do portal para o pátio da igreja e a
praça do mercado (BERTHOLD, 2004, p. 185).

Atravessar os muros da igreja também foi uma necessidade das


encenações que estavam cada vez maiores e mais elaboradas. Paralelamente,
surgiam artistas e grupos populares com linguagem mais profana,
improvisavam cenas cotidianas em palcos montados em cima de carroças. Na
Itália, esses grupos de artistas deram origem à Commedia Dell’ Art.

A estruturação do espaço cênico com melhorias técnicas se deu com a


sala italiana no século XVI, atingindo o grande apogeu no século XIX.
Concebido em momento europeu, cuja exigência era proporcionar o maior
conforto aos espectadores, modernizar a estrutura técnica e otimizar as
questões de visibilidade e de acústica.

É nos principados italianos que surge a sala italiana, espaço fechado


onde o público e o palco estão dispostos frontalmente. “é um edifício retangular
dividido em duas partes distintas- a cena e a plateia, privilegiando-se a

133
separação pelo proscênio onde a cena formava um quadro vivo que o
espectador contemplava como uma pintura” (URSSI, 2006, p. 35-36).

O advento do palco italiano impulsionou modificações relevantes nas


formas artísticas vigentes ao influenciar as formas de atuação, o figurino, a
indumentária, a maquiagem, a iluminação e a cenografia.

Como muitas das primeiras salas de espetáculos, na Europa, foram


construídas no século XVIII e XIX, o palco a italiana se espalhou com força. A
supremacia desse tipo de palco que também influenciava o estilo das
encenações naturalistas perdurou até o século XX. Vale salientar que outras
práticas coexistiam, como a Commedia Dell’art com seus tablados, o circo
entre outros.

Os teatros construídos apresentam predominantemente os seguintes


tipos de palco:

Palco italiano: Espaço retangular, geralmente situa-se mais


distante da plateia que fica numa posição frontal em relação ao
espetáculo.

Palco de arena: área circular situada no meio da plateia. O


público senta-se em uma arquibancada a seu redor. Geralmente os
teatros de arena são muito grandes, de modo que os atores e o público
mantêm uma relação mais estreita.

Palco de semi-arena: é constituído de uma área que avança pela


plateia, ficando esta disposta em semicírculo ao seu redor. Possibilita
uma relação mais intimista, próxima com o público.

Palco elisabetano: é um espaço fechado retangular, de


característica mista devido à disposição frontal, semelhante ao palco
italiano e a grande ampliação de proscênio (em formato retangular ou
circular), equiparando-se a um teatro semi-arena. O público se distribui
pelos três lados, esteja ele no formato retangular, circular ou misto.

134
No que concerne o ensino da linguagem teatral, é necessário
compreender o percurso evolutivo dos espaços cênicos e sua funcionalidade,
ele é acervo cultural e é um elemento da teatralidade.

O teatro contemporâneo bebeu de todas essas influências e, por


vezes, se embriaga ao conjugar vários dos estilos em uma única proposta. A
exploração de espaços não convencionais é uma marca do teatro
contemporâneo. Há espetáculo em antigos casarões, dentro de piscinas, em
apartamentos, entre outros. O espaço cênico é escolhido ou por vezes
adaptado ou construído à medida e para cada processo artístico.

4.2 O ATOR- CORPO, MOVIMENTO E AÇÃO COMUNICATIVA

Tais inovações repercutem sobremaneira também na figura do


intérprete. Esse, por sua vez, ocupa um papel fundamental na representação.

O ator se situa no coração do acontecimento teatral: é o elo vivo entre


o texto do autor (diálogos ou indicações cênicas), as diretivas do
encenador e o ouvido atento do espectador. É o ponto de passagem
de toda descrição do espetáculo (PAVIS, 2008, p. 50).

Enquanto canal vivo, biológico e de comunicação, apesar de


reconhecermos a importância dos demais elementos que compõe o arsenal
comunicativo do teatro, o trabalho do ator recebe essa notoriedade por
englobar uma série de aspectos emocionais e físicos no fazer teatral.

A representação das emoções atreladas à verossimilhança é apenas


um aspecto dentre tantos outros. Para uma compreensão mais aprofundada é
necessário atrelar a isso a consciência global do ator, caracterizada pela
consciência da totalidade do artista.

135
Entendemos por consciência global ou total do ator a capacidade que
esse artista tem de perceber os fatores internos e externos. Ou seja, seria o
domínio das sensações cinestésicas, tomada de consciência corporal (eixo,
peso e esquema corporal) e percepção do entorno (domínio do espaço e ação
dos demais parceiros de cena) (PAVIS, 2008).

Ao longo do século XX o teatro passou por diversas transformações


marcantes. Aponta-se que as principais situam-se na recusa ao realismo em
favor da “reteatralização” do teatro; a consciência histórica; a influência do
teatro oriental; a crise dos preceitos aristotélicos; a mudança na relação entre
palco e plateia; o surgimento e utilização da luz elétrica; a deposição da
primazia do texto; o declínio dos “monstros sagrados” e a consequente
transformação no trabalho do ator (BORNHEIM, 1998).

No decorrer desses tempos foi-se tornando cada vez mais recorrentes


as diversas justificativas que se baseavam na premissa de que treinamentos e
exercícios podem subsidiar o trabalho do ator a ponto do mesmo servir de pilar
principal para as mais variadas construções cênicas. Veio à tona o teatro-
dança, a performance, o work-in-progress e outros conceitos que exigem cada
vez mais do intérprete do palco. É dever do ator dos dias atuais:

Encontrar um modo de comunicação mais imediato do que a


linguagem verbal. Isso supõe uma intensa preparação corporal na
qual o erotismo, os exercícios de ioga e as substâncias que dão
acesso aos paraísos artificiais terão sua parte. Esforçar-nos-emos
para encontrar o “ponto artaudiando” no qual o brilho dos atores
mudará a temperatura da luz, no qual a geometria dos corpos, os
encantamentos e as danças criarão um ambiente capaz de engendrar
nos espectadores uma nova percepção. (RYNGAERT, 1998, p. 47).

Ou seja, o artista apresenta o corpo enquanto matéria perceptível, que


funciona como uma caixa de ressonância, ou ainda, um megafone
comunicativo da expressão e da emoção no jogo cênico. Esse corpo posto em
cena é visualidade comunicativa, campo de atuação do áudio-descritor, que
precisa captar, analisar o que é mais relevante na obra e traduzir em palavras.
Há várias discussões acerca dos métodos de análise da atuação
cênica, algumas delas englobam uma visão metafísica ou mística do trabalho
do ator. No entanto, conforme Pavis (2008), “a complexidade da descrição do

136
ator exige uma abordagem mais técnica para captar a variedade do trabalho
corporal executado”. Para isso, aponta-se a pragmática corporal segundo
Bernard apud Pavis (1996) ao determinar os seguintes operadores:

1. A extensão e a diversificação do campo da visibilidade


corporal: ícones corporais (nudez, mascaramento, deformação)
2. A orientação ou disposição das fases corporais: disposição do
espaço cênico e o público (frontal, costas, perfil, três quartos)
3. As posturas: disposição no solo, gestão da gravitação corporal
(verticalidade, obliquidade, horizontalidade)
4. As atitudes, ou seja, a configuração das posições somáticas e
segmentária em relação com o ambiente (mão, antebraço, braço,
tronco, cabeça, pé, perna)
5. O deslocamento ou as modalidades da dinâmica de ocupação
do espaço cênico.
6. As mímicas como expressividade visível do corpo (mímicas
fisionômicas e gestuais) em seus atos tanto úteis como surpéfluos, e
por conseguinte, do conjunto dos movimentos anotados.
7. A vocalidade, expressividade audível do corpo e/ou dos
substitutos e complementos (barulhos orgânicos naturais ou artificiais:
com os dedos dos pés, a boca) (PAVIS, 2008, p. 58-59).

Os dois últimos que seguem focam nos efeitos do corpo e a propriocepção do


espectador são eles:
8. Os efeitos do corpo: o corpo do ator não é um simples emissor
de sinais, um semáforo regulado para ejetar sinais endereçados ao
espectador; ele produz efeitos sobre o corpo do espectador, sejam
eles designados por energia, vetor do desejo, fluxo pulsional,
intensidade ou ritmo.
9. Propriocepção do espectador: percepção interna do espectador
do corpo do outro, das sensações, das impulsões e dos movimentos
que o espectador percebe no exterior e transfere para si mesmo
(BERNARD, 1986 apud PAVIS, 2008 p. 58-59).

Esses dois últimos aspectos denotam a especificidade do teatro


enquanto arte do estar presente. Essas trocas de energia que Pavis (2008) nos
fala só são possíveis por essa relação.

Ainda sobre estudiosos do corpo, destacam-se os trabalhos de Emile


Jaques-Dalcroze, Francois Delsarte e Rudolf Laban, pesquisadores
precursores no estudo do gestual. Tais constructos sobre o estudo do
movimento influenciaram de maneira teórica e prática o treinamento do ator e
do bailarino. Neste último caso, mais precisamente com o sistema Laban de
notação.

137
Considerado um dos grandes pensadores da dança e do movimento
humano, Rudolf Von Laban dedicou a vida em estudar as dinâmicas do corpo e
a sistematização do movimento.

Laban nasceu na Brastilava, hoje Islováquia, desenvolveu a forma de


dança-teatro – tanztheather- no início do século XX, cujo objetivo principal era
desenvolver uma linguagem apropriada ao movimento corporal com aplicações
teóricas, coreográficas, educativas e terapêuticas (FERNANDES, 2006). Para
ele o movimento é o desnudamento de muitas coisas.

O movimento revela evidentemente muitas coisas diferentes. É o


resultado, ou da busca de um objeto dotado de valor, ou de uma
condição mental. Suas formas e ritmos mostram a atitude da pessoa
que se move numa determinada situação. Pode tanto caracterizar um
estado de espírito e uma reação, como atributos mais constantes da
personalidade. O movimento pode ser influenciado pelo meio
ambiente do ser que se move (FERNANDES, 2006, p. 20).

Segundo Laban, ao analisar ações, as alterações da posição do corpo


ou em partes dele, no dado espaço para determinar e descrever qualquer ação
corporal é imprescindível responder algumas questões, são elas:

1. Qual é a parte do corpo que se move?


2. Em que direção ou direções do espaço o movimento se
realiza?
3. Qual a velocidade em que se processa o movimento?
4. Que grau de energia muscular é gasto no movimento? (LABAN,
1879-1958, p. 55/56).

Para maior precisão da observação ele nos indica uma tabela


denominada “O Corpo e as Subdivisões Básicas Necessárias à Observação de
Ações Corporais”. Nela, as articulações do lado esquerdo (ombro, cotovelo,
pulso, mão, quadril, joelho, tornozelo, pé), no centro, a cabeça seguido do
tronco da parte superior que se estabelece como o centro de leveza, e o tronco
da parte inferior estabelecido como centro de gravidade e considera-se, ainda,
as articulações do lado direito (ombro, cotovelo, pulso, mão, quadril, joelho,
tornozelo, pé) (LABAN, 1879-1958).
Atrelados à dinâmica do corpo, os aspectos elementares estão
relacionados ao espaço, tempo, peso, fluência e à interferência desses, à

138
compreensão do esforço. Tais aspectos constituem-se como os pilares dessa
teoria, tornando elegíveis as marcas constituintes da dinâmica do movimento
do ator em cena.

4.3 INDUMENTÁRIA

A arte do vestuário é compreendida como o conjunto visual de


elementos que caracterizam o personagem. Tem a função de revelar ou de
mascarar traços da personalidade, bem como realçar as mensagens implícitas
na encenação.

É um signo visual que reflete aspectos do indivíduo (pessoal) e do


social (se o sujeito é rico, pobre, integra algum gueto). As peças do vestuário
podem, ainda, trazer indicativos importantes sobre a época e o local em que se
passa a trama.

A indumentária abrange todos os objetos, para além da máscara,


maquiagem e do penteado com que o ator se reveste para compor o
personagem: adereços, bengala, óculos, chapéu, joias, espadas. No atual
contexto sociocultural não apenas vestido, blusa, calça, são exemplos de
vestuário. A nudez também o é (QUELLET; GIRARD, 1980, p. 69).

4.4 MAQUIAGEM

A prática da maquiagem é um hábito desde os tempos pré-históricos. O


homem já fazia uso da maquiagem, ele pintava ou tatuava o corpo e o rosto

139
com o intuito de afastar os maus espíritos ou de celebrar os deuses. Os
produtos utilizados eram extratos vegetais- seiva de flores, raízes, frutos- ou de
origem mineral: óleos, pelos e penas. Atribui-se aos egípcios, gregos e
romanos a invenção da indústria dos cosméticos.

A maquiagem teatral pode ser entendida como “uma película, uma fina
membrana colada no rosto: nada está mais perto do corpo de ator, nada
melhor para servi-lo ou traí-lo que esse filme tênue” (PAVIS, 1996, p. 170). A
sua função por vezes está em acentuar, reforçar os traços expressivos que
precisam ser percebidos pelos espectadores. O maquiador com pincéis marca
o corpo do ator, espaço de transformação simbólica, explorando cores,
tonalidades e efeitos luminosos, luz e sombra, claro e escuro. Com isso, as
partes do corpo podem ser estreitadas, engordadas, salientadas,
rejuvenescidas ou envelhecidas.

4.5 CENOGRAFIA

É um elemento visual de onde e do quando da cena. Ela preenche


poeticamente o espaço cênico com seus objetos, adornos, tablados ou até
mesmo o vazio. A cenografia sofreu influências estéticas substantivas advindas
das transformações do espaço cênico e do estilo de representação. Citemos
alguns estilos e suas principais características.

O estilo naturalista procurava na cenografia a transposição fiel da


realidade e, com isso, provocar a ilusão e imersão quase que hipnótica dos
espectadores. Em rejeição a esse estilo, surge o movimento simbolista cujos
principais representantes foram Adolphe Appia e Gordon Craig que delinearam
mudanças nos caminhos da cenografia, propondo a instauração de um quinto
palco que consitia na substituição de um palco estático por um palco cinético.

140
4.6 ILUMINAÇÃO

É um sistema cênico que por meio de efeitos luminosos permite a


contemplação da cena, desempenhando uma função chave na encenação. Ela
faz existir visualmente a representação, ao possibilitar o acesso ao
acontecimento cênico. “Além de relacionar e colorir os elementos visuais
(espaço, cenografia, figurino, ator, maquiagem), conferindo a ele sugestões de
atmosfera” (PAVIS, 1996, p. 179).

A iluminação influi em outros componentes do espetáculo. Ela revela


ou esconde o cenário, sugere mudanças de tempo, provoca metamorfoses no
figurino, valoriza a maquiagem, ou ainda atenua as expressões e partituras
físicas do ator e o clímax do enredo.

4.7 SONOPLASTIA

Apesar do presente capítulo versar sobre os elementos visuais no


teatro, mencionamos, aqui, a sonoplastia, já que o áudio-descritor deve,
igualmente, áudio-descrever a fonte que produz som, quando for
necessário/relevante saber o que aquele som significa, o que ele é, de onde ele
provém etc., para a compreensão de uma dada cena.

Segundo Lima, 2011 (comunicação pessoal) “devemos traduzir a fonte


emissora dos efeitos sonoros de um dado evento visual, sempre que, sendo ele
essencial para o entendimento do evento imagético, ela não pode ser
identificada pela audição do som, ou quando este não permite reconhecer
facilmente a fonte que o produz.”

141
A esse respeito, Lima 2011 (comunicação pessoal) explica que “o
empoderamento na tradução visual se dá quando a A áudio-descrição vem
trazer ao evento imagético:

a- entendimento ao que era incompreensível;

b- esclarecimento ao que era duvidoso;

c- confirmação ao que era “presumido”;

d- ampliação do conhecimento ao que se tinha pouco”.

Como muitas vezes a sonoplastia cumpre o papel de preencher


informações no teatro, é importante, pois, definirmos o que ela é:

A sonoplastia é o componente da encenação, veículo de comunicação


do som. Utilizam-se as formas sonoras mais diversas,: ruídos, arranjo musical,
silêncio, e fala, para reforçar, realçar ou contrapor os acontecimentos da
história.

Ao explorar o som, pretende-se provocar efeitos diversos sobre a


percepção do ouvinte. Seja em sugerir ou acentuar atmosferas (tristes,
alegres), emoções no clímax da ação, ou ainda, acentuar uma temática,
delimitar espaço da ação, e, em parceria com a voz do ator, provocar a
construção de imagens mentais do espectador.

No espetáculo que nos serve para a pesquisa, a sonoplastia cumprirá


esse papel e será muito relevante ao estudo, conforme veremos no capítulo da
metodologia.

142
5 METODOLOGIA

5.1 OS VÁRIOS CAMINHOS DA PESQUISA: “MUDANÇA DE


RUMO E A QUEDA NO BURACO!”

Eis o desafio: Analisar as contribuições da áudio-descrição na


apreciação do espetáculo infanto-juvenil por espectadores com deficiência
visual. Atreladas ao escopo de nossa investigação, eis algumas reflexões a
serem feitas: Onde estão esses sujeitos com deficiência visual, espectadores e
frequentadores do teatro? Quem são eles? Que hábitos têm no que concerne à
frequentação de espetáculos? Como se sentem ao receberem o serviço de
áudio-descrição?
Conforme relatado nos capítulos anteriores, nas casas de espetáculos
não são recorrentes a adoção de práticas assistivas nos produtos culturais, a
exemplo da áudio-descrição. Hoje, na maioria dos casos, tal atividade se faz
presente em eventos pontuais realizados por um pequeno grupo de
profissionais independentes, empresas ou ações governamentais. Por sua vez,
o comparecimento de pessoas com deficiência visual está, muitas vezes,
condicionado a essas ações pontuais que são realizadas em festivais por
eventos promovidos por instituições públicas e privadas.
Movidos pelo desejo investigativo e a persistência em discutir tais
constructos no contexto teatral, mesmo que essa escolha demandasse uma
estrutura complexa e onerosa, desenvolvemos um plano de ação a fim de
garantir a estrutura mínima para exequibilidade da pesquisa. Primeiramente
elencamos as necessidades e refletimos sobre os possíveis obstáculos:
Objeto: Espetáculo teatral direcionado para infância e juventude.
Exigência: Equipe disponível para ensaios da áudio-descrição e discussão do
roteiro.
Campo espacial: um teatro.

143
Exigência: Estrutura física composta com os artefatos elementares:
palco, espaço para acomodar a plateia, equipamento de iluminação e som.
Instrumentos de coleta: gravadores, câmeras e respectivos operadores.
Sujeitos: Pessoas com deficiência visual.
Exigência: Que o sujeito nunca tenha assistido ao espetáculo em
questão.
Aporte técnico: Transporte para os sujeitos da pesquisa,
acompanhante para traslados, áudio-descritor, cenotécnico, técnico de luz,
técnico de som, operador de luz e bilheteiro.
Inicialmente, a escolha do espetáculo infanto-juvenil para aplicação da
AD estava condicionada à disponibilidade de uma produção de um espetáculo
já em atividade, que cumprira temporada em outra ocasião, acolher a pesquisa.
Porém, ao nos depararmos com alguns obstáculos com a equipe artística, tais
como a indisponibilidade do elenco para adequar aos horários e dias de
ensaios e apresentações em função das necessidades da pesquisa, mudamos
o rumo.
Curvamos para esquerda e pegamos uma nova estrada, mas em
direção ao mesmo destino. No novo caminho, decidimos conceber um
espetáculo prático, versátil e portátil, onde a função da atriz fosse ocupada pela
própria pesquisadora do trabalho. A ação participante na concepção artística
permitiria mergulhar em profundidade no processo, contexto da obra, já que a
mesma estaria envolvida em todas as etapas (construção artística e elaboração
da áudio-descrição). Esse aspecto, estudo e apropriação do material é
sinalizado pelas diretrizes da áudio-descrição como relevante na construção do
roteiro áudio-descritivo.
A montagem de um espetáculo exige a mobilização de diversos
artistas, profissionais, técnicos, além de compra de matérias, equipamentos
(nenhum teatro até o momento da pesquisa contava com esses equipamentos),
aluguel de espaço para ensaio, pauta do teatro, entre outros. A fim de
transpormos esse obstáculo, elaboramos um projeto de captação de recursos e
apoio, de modo que pudéssemos oferecer a proposta em diversas empresas,
instituições e órgãos governamentais para financiar a investigação.
Nesse percurso, fomos acolhidos pelo Serviço Social do Comércio
(Sesc-PE), empresa que de imediato firmou a parceria. O Sesc disponibilizou

144
recurso financeiro para despesas com compra de material para montagem do
espetáculo e pagamento de alguns profissionais contratados, bem como
espaço para ensaios, pauta no teatro Marco Camarotti, ônibus para transportar
os usuários do serviço e aluguel do equipamento de tradução simultânea para
todos os dias da pesquisa.
Além do incentivo do Sesc, contamos com o apoio de vários
colaboradores31 que encontraram no produto “Nem Sempre Lila” campo para
experimentação das habilidades e troca de conhecimento. A Editora
Universitária da Universidade Federal de Pernambuco também contribuiu com
a impressão do material gráfico, cartazes e programas do espetáculo.
Apresentamos o resumo metodológico realizado em duas etapas:

Etapa 1- Ação participante

Montagem do espetáculo
pela pesquisadora atriz e
Quadro de Cena e
elaboração da áudio-
descrição.

Etapa 2- O Caso

Espetáculo infanto-
juvenil/ áudio-descrição/
Recepção pessoa com
deficiência visual

31
Os colaboradores foram artistas, profissionais que atuaram diretamente na construção
do trabalho artístico e da pesquisa abrindo mão do cachê, ou pagamento real pelo serviço.
Alguns deles receberam apenas ajuda de custo para despesas, ou um valor abaixo do
mercado pelo serviço executado. Foram eles: Breno César, Camila Buarque, Fabiana
Tavares, Theonila Barbosa, Liliana Tavares, Ernani Ribeiro, Michel Chaves, Ana Farias,
Diogo Lopes, Débora Cristina e Quadro de Cena.

145
5.2 ETAPA 1- PROCESSO COLABORATIVO DE
CONSTRUÇÃO ARTÍSTICA

Toda construção intelectual exige idas e vindas, leituras, reflexões


teóricas, contraposições, produção, organização de ideias. Nesse universo
também foi exigido um corpo disposto, disponível, um corpo em ação para
construir o cenário de pesquisa, coletar e analisar os dados.
No mês de junho 2011, o Grupo Teatral Quadro de Cena32 integra de
forma mais atuante a nossa investigação quando aceita o desafio de alicerçar a
construção de um espetáculo cênico no prazo de três meses. A criação do
espetáculo tomou como preceito condutor o apelo que as imagens têm no
discurso poético da cena, porém tal aspecto não foi um ditador no processo
criativo, mas um colaborador gerador de perspectivas na composição artística
e estética.
O Buraco! O elemento indutor dessa criação, simbolicamente
considerado como o caminho natural da ideia. É o símbolo de abertura para o
encoberto, “aquilo que desemboca no outro lado ou que desemboca no
desconhecido” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2009, p. 148). Esse
desconhecido é bem familiar ao processo artístico que transcende sempre no
oculto, a obra sem par.
Quem cava um buraco ao mesmo tempo constrói um monte. E nessa
possibilidade, abre o interior ao exterior, abre o exterior ao outro, com o outro.
O projeto “Nem Sempre Lila”, idealizado pela pesquisadora-atriz, propunha um
processo colaborativo ao grupo Quadro de Cena para construção cênica.
Caracteriza-se como processo colaborativo quando cada membro do
grupo assume uma função definida, numa criação de compartilhamento. A
relação é horizontal, onde não impera a hierarquia das funções. Todos

32
Em atividade desde 2004, atualmente é composto por Andreza Nóbrega, Eduardo Rios,
Milena Marques, Marcella Malheiros e Thomás Aquino. Mantém atividades regulares
relativas à formação técnica do ator e produção artística. Os principais espetáculos
montados foram O amor do Galo pela Galinha D`água, 2006 e Historinhas de Dentro,
2008, ambos dirigidos por Samuel Santos e Nem Sempre Lila, 2011, processo
colaborativo do Quadro de Cena.

146
integrantes são convidados e estimulados a interferirem na criação de todos,
sem perder de vista a responsabilidade pela área específica ocupada.
(CARREIRA, s/d)
Em relação à escolha por um processo colaborativo, Figueiredo (2007)
nos alerta a grande complexidade na estrutura de criação dos espetáculos.
Por vezes se fazem necessárias exaustivas tentativas, compartilhamento de
escolhas e discussões, o que exigiria um intenso período para viabilizar a
produção.
No entanto, ele permite o desenvolvimento de outras habilidades,
decorrentes das interferências em distintas áreas de criação. Mas para que
isso ocorra “é necessário um corpo coletivo com potencialidades além
daquelas específicas em sua área de atuação, além de desejo propositivo”
(FIGUEIREDO, 2007, p. 118).
Os quadrantes33 transitaram não apenas no exercício da cena, como
também se deslocaram e cavaram por outras terras, onde aqueles elementos
da teatralidade, antes inexplorados, eram as camadas que juntos
perpassávamos com entusiasmo e dor. A dramaturgia, a escrita do corpo e da
cena, as letras e as melodias, que se provocavam mutuamente, assim
coexistiram. Um mergulho em profundidade.
Utilizando a energização corporal aliada ao treinamento físico em
busca da união entre mente e expressão cênica do ator, tomamos como roteiro
para construção artística pedaços da vida dos “quadrantes” que dialogavam
com os rotineiros questionamentos e conflitos de jovens e adolescentes
referentes a temas como amor, convivência com as diferenças, aceitação
pessoal, transformações do corpo e relações familiares. Foi aí que Lila saiu de
dentro do buraco para nós e nós cavamos mais e mais para brincar com a
história dela. Nascia assim a concepção de “Nem Sempre Lila”: uma menina,
não tão menininha, que caiu no buraco depois de viver uma história sem o “feliz
pra sempre” dos contos de fadas: a separação dos pais.

33
Termo utilizado para se referir aos componentes do grupo, uma brincadeira dos
integrantes com a variação da palavra Quadro. Segundo o Aurélio [do lat. Quadrante] S.
m. Qualquer das quatro partes centradas em que se pode dividir igualmente um círculo, ou
ainda o instrumento destinado a medir altitudes em navegação.

147
Cavamos, cavamos, cavamos, por acreditar que o buraco é bem mais
que o simples vazio: ele é repleto de todas as potencialidades do que o
preencheria, o repassaria, o transbordaria pela sua abertura. Foi cavando que
aquilo que apenas preencheria, preencheu; aquilo que transbordaria,
transbordou e aquilo que repassaria, repassou em “Nem Sempre Lila”.

5.3 ETAPA 2: O CASO

Ao passo que o espetáculo tomava forma com dramaturgia,


sonoplastia, indumentária, cenografia, iluminação e maquiagem, paralelamente
era elaborado o roteiro áudio-descritivo, com os registros de marca da atriz-
pesquisadora e posteriormente com a presença de outra áudio-descritora nos
ensaios que realizava ajustes, discussão com membros da equipe, resultando
na versão final. Por fim estava pronto o nosso caso, a áudio-descrição no
teatro, mais especificamente no espetáculo “Nem Sempre Lila”, direcionado
para infância e juventude.
O presente trabalho situa-se no campo dos estudos de caso que
segundo Adelman et. al (1976 apud André, 1984, p.51) é um termo amplo,
incluindo uma família de métodos de pesquisa cuja decisão comum é o
enfoque numa instância. Partindo dessa mesma definição, Nisbett e Watt
(1978) sugerem que o estudo de caso seja entendido como uma investigação
sistemática de uma instância específica, sendo essa instância um evento, uma
pessoa, um grupo, uma escola, uma instituição, um programa.

Ao incidir num caso particular tal estratégia permite o aprofundamento


da análise. Laville (1999) corrobora ao afirmar que:
A vantagem mais marcante dessa estratégia de pesquisa repousa, é
claro na possibilidade de aprofundamento que oferece, pois os
recursos se vêem centrados no caso visado, não estando o estudo
submetido às restrições ligadas à comparação do caso com outros
casos. Ao longo da pesquisa, o pesquisador pode, pois, mostrar-se

148
mais criativo, mais imaginativo; tem mais tempo de adaptar seus
instrumentos, modificar detalhes e construir uma compreensão do
caso que leve em conta tudo isso, pois ele não mais está atrelado a
um protocolo de pesquisa que deveria permanecer o mais imutável
possível. (LAVILLE, 1999, p.156)

Apesar dos benefícios, constantemente o estudo de caso é criticado.


Aponta-se que os resultados advindos desse método são dificilmente
generalizáveis, mesmo que o pesquisador selecione casos representativos de
um conjunto. Ibidem, salienta que, a priori, não se pode transpor de imediato as
conclusões de uma investigação para outro caso. Porém, se um pesquisador
se dedica a um determinado caso, e o seleciona com cuidado minucioso que
sustenta a prerrogativa de considerar como um caso típico de um conjunto
mais amplo, não se pode anular a validade de sua aplicação em determinadas
situações. Sendo assim, permite-se que esse caso possa ajudar a melhor
compreender uma situação ou um fenômeno complexo, o meio que o cerca, ou
uma dada época.
É exigido, aos que optam pelo estudo de caso, o emprego de
diferentes métodos de investigação, variedade de informantes, diversos
contextos e subsequente triangulação das informações obtidas.
Os estudos de casos devem ser elaborados de modo a permitir
interpretações alternativas e generalizações naturalísticas. O processo de
compreensão da realidade social envolve não só o conhecimento lógico formal,
mas outros tipos de conhecimento. Deve ser estruturado de tal maneira a
permitir a manifestação dessas várias formas de conhecimento e de favorecer
o desenvolvimento de interpretações alternativas (ANDRÉ, 1984).
A escolha do método “estudo de caso”, para este trabalho, se deu pela
necessidade de construir um caso relevante para que assim pudéssemos
acompanhar de perto o sujeito em questão e suas particularidades para análise
da recepção de um espetáculo que dispusesse do recurso da áudio-descrição
(A-d).
Para cumprir com a demanda de produzir variadas possibilidades de
avaliação, foram realizadas cinco apresentações do espetáculo “Nem Sempre
Lila” com o recurso da AD para sujeitos com deficiência visual freqüentadores
do teatro para infância e juventude. Logo que esses espectadores chegaram ao
teatro, eles receberam fones de ouvido por onde acessaram o serviço da AD.

149
Após a recepção dos espectadores e entrega dos equipamentos, o
áudio-descritor ofertou as Notas Proêmias, que correspondem a informações
introdutórias, de apresentação e instrução que subsidiam a AD.
Vale salientar que tais informações não anteciparam os conteúdos da
obra, pois a oferta das Notas Proêmias apenas disponibiliza o que é possível
ser visto pelo público vidente. Por exemplo, as imagens do programa, sinopse,
ficha técnica, históricos do grupo, figurino, cenário. As informações que são
acessadas por imagens presentes nas fotos, matérias de jornal, banner,
comercial televiso entre outros. Nesse momento, fizemos observação e vídeo-
gravação.
Passada essa etapa, todos os espectadores foram orientados a se
sentarem nas cadeiras da platéia. E então acomodados, foi realizada a áudio-
descrição do espetáculo “Nem Sempre Lila”.
Ao término do espetáculo, a fim de avaliar o potencial de transferência
de informações visuais a partir da AD para audiências com deficiência visual
realizamos uma pesquisa de recepção, que consistiu, numa entrevista semi-
estruturada baseada na análise prévia e na identificação das lacunas
comunicacionais advindas das imagens presentes na obra. Na ocasião,
testamos a compreensão dos elementos visuais, pedindo que relatassem
cenas, iluminação, caracterização dos personagens etc.

5.4 CAMPO DA PESQUISA

A pesquisa foi realizada no Teatro Marco Camarotti, situado no Bairro


de Santo Amato, Recife-PE, espaço direcionado para desenvolvimento de
espetáculos voltados para infância e juventude. O teatro acolheu o espetáculo
“Nem Sempre Lila” com o recurso da áudio-descrição nos dias 21, 22, 27, 28,
29 de setembro de 2011.

150
5.5 A ESCOLHA DOS SUJEITOS

A apresentação do espetáculo foi aberta para o público em geral com


acesso gratuito para todos. A estratégia de divulgação contou com ações de
divulgação em institutos e entidades que trabalham com pessoas com
deficiência visual (crianças, jovens, adultos, idosos) e vários veículos de
comunicação; programa de rádio, jornal impresso, mídias alternativas, redes
sociais, blogs, sites e televisão. Tal estratégia de divulgação em massa
pretendia atrair um público espontâneo de deficientes visuais que
necessariamente não estivessem ligados a uma instituição.
Os sujeitos de análise foram voluntários, homens e mulheres com
deficiência visual (cegas ou com baixa visão) que assistiram ao espetáculo e
no fim aceitavam participar da entrevista. Os sujeitos foram informados dos
objetivos da pesquisa e foram solicitados a focar nas informações da áudio-
descrição para que, posteriormente, pudessem ofertar dados do seu potencial
tradutório.

5.6 CATEGORIAS DE ANÁLISE DA PEÇA “NEM SEMPRE


LILA”

A peça áudio-descrita e apreciada foi “Nem Sempre Lila”, obra que


apresenta as seguintes categorias tradutórias: cenografia, indumentária, ações
físicas, caracterização do personagem, iluminação, maquiagem.
Lima, Ribeiro e Vieira (2011) sistematizaram uma tabela intitulada
categorias para áudio-descrição de imagens estáticas. Baseada nela,
adaptamos e desenvolvemos a seguinte:
Categorias para áudio-descrição no teatro:

151
1. Categoria Tema: Nome da obra; Espaço de realização (local que
acolhe a produção); Classificação; entre outros.
2. Categoria Autoria: Equipe técnica. Quem? O que? (grupo,
produção, artistas, profissionais envolvidos e respectivas funções) Origem
(Cidade/Estado/País); histórico do grupo, produção.
3. Categoria Gênero: Comédia, Tragédia, Drama, Auto, Farsa,
Melodrama, Ópera, Musical, Revista, Besteirol, Stand-up comedy,
Tragicomédia, Teatro para infância e juventude, Teatro de Rua, Teatro
invisível, Dança-teatro, Teatro de Formas Animadas, Teatro de fantoches,
Teatro de sombras, Teatro de Mamulengos, Teatro lambe-lambe (miniaturas).
4. Categoria Arquitetura Teatral: (o onde da cena); palco italiano,
arena, semi-arena, teatro de rua, construções alternativas da sala de teatro.
5. Categoria Propriedade da Encenação: Estilo da encenação
(romântico, realista, naturalista, simbolista, expressionista, surrealista, futurista,
dadaísta, absurdo, hibridismo estético, épico, popular).
6. Categoria Elementos constituintes:
a) Cenário: palco nu, realista, simbólico.
b) Iluminação: fontes artificiais convencionais: uso de refletores (PC
100, de 500, Fresnel, Elipsoidal, pimbim, cachão de luz, lâmpadas LED).
Fontes naturais/e ou alternativas: tochas, candeeiro, lanternas, luz solar,
refletor feito com lâmpada incandescente e lata de alumínio.
c) Técnica de representação (ator, teatro-animação, bailarino-ator):
teatro físico, naturalista, clown, fantoche, marionete, marote, mamulengo, entre
outros.
d) Personagem:
I. Características fenotípicas:
• Características faciais: Rosto (redondo, oval, redondo, triângulo,
triângulo invertido, diamante). Cabelo: quanto à forma: liso, cacheado,
ondulado, crespo; quanto à cor: loiro, ruivo, castanho e preto. Quanto ao
tamanho: longo, curto, na altura dos ombros. Testa. Sobrancelha (fina,
arqueada e arredondada, arqueada e ondulosa, arredondada, ligeiramente
angulosa, reta curvada na ponta, angulosa). Cílios. Olhos. Nariz (pequeno,
grande, arrebitado, aquilino, achatado, grego, romano). Maçã do rosto. Orelha.

152
Boca. Lábios (finos, grossos, assimétricos). Queixo. Barba, cavanhaque;
expressões faciais (olhos arregalados, lábios serrados) entre outros.
• Características corporais: Pescoço, ombros, peito, braços,
barriga, bunda, joelho, pernas, coxa, pés.
• Estatura: Alto, Baixo, Estatura média, alto, baixo, estatura media
1,70cm.
• Massa corporal: obeso, gordo, magro, robusto, atlético.
II. Figurino: nu ou vestimentas: vestido, jaleco, short, chapéus,
lingerie, túnica, terno, batina, turbante, óculos, calçados.
III. Adereços/adornos: lenço, bengala, chapéu, pulseira, leque.
IV. Maquiagem/máscara: nariz vermelho de palhaço, máscara tribal,
maquiagem de realce.
V. Expressões corporais (ombros tensionados, contraído, de ombros
caídos, cabisbaixo, mão sobre a cabeça, deitado; acocorado).

1. Categoria de relação semântica


a) Movimento/gestual/ mímica/ objeto. João “faz” que pega um balde
imaginário.
b) Efeito de ilusão (mágica, mudança da cor do figurino). Uma saia
que se camufla com o piso e sugere um buraco.
c) Efeito de distanciamento/ aproximação. Respeito à quarta parede
imposta pela encenação.
Tais categorias foram tomadas como base para a produção do roteiro e
para nossa análise, muito embora elas podem não aparecer assim estruturada,
visto que nem todos elementos são constantes ou se aplicam no espetáculo,
fonte de nosso estudo de caso.
No que se aplica ao estudo em tela, porém, trazemos definições,
exemplos de como essas categorias estavam presentes no espetáculo por
intermédio da áudio-descrição, assim como trazemos as perguntas realizadas
que poderiam suscitar o aparecimento daqueles elementos.

153
Enquadramento das categorias: definição, entrevistas e extratos da áudio-descrição

CATEGORIAS DEFINIÇÃO PERGUNTAS/ENTREVISTAS EXTRATOS ÁUDIO-DESCRIÇÃO


Categoria Tema Informações de referências da 12. Como você avalia as Nas notas proêmias: “ESPETÁCULO
obra (Título, classificação, informações ofertadas antes do TEATRAL “NEM SEMPRE LILA”
espaço de realização) início do espetáculo (notas REALIZADO PELO GRUPO TEATRAL
proêmias)? O que elas QUADRO DE CENA. GÊNERO: DRAMA.
anunciavam? FAIXA ETÁRIA: RECOMENDADO PARA
MAIORES DE 8 ANOS.[...]”

Categoria Autoria Apresentação dos autores 12. Como você avalia as Nas notas proêmias: “ESPETÁCULO
responsáveis pela obra informações ofertadas antes do TEATRAL “NEM SEMPRE LILA”
(dramaturgo, encenador, atores, início do espetáculo (notas REALIZADO PELO GRUPO TEATRAL
ficha técnica) proêmias)? O que elas QUADRO DE CENA. GÊNERO: DRAMA.
anunciavam? FAIXA ETÁRIA: RECOMENDADO PARA
MAIORES DE 8 ANOS.[...]”

Categoria Gênero Definição do conjunto de 12. Como você avalia as Nas notas proêmias: “ESPETÁCULO
características da apresentação informações ofertadas antes do TEATRAL “NEM SEMPRE LILA”
teatral que o enquadra num início do espetáculo (notas REALIZADO PELO GRUPO TEATRAL
determinado gênero proêmias)? O que elas QUADRO DE CENA. GÊNERO: DRAMA.
anunciavam? FAIXA ETÁRIA: RECOMENDADO PARA
MAIORES DE 8 ANOS.[...]”

Categoria Arquitetura Especificação descritiva do 12. Como você avalia as Nas notas proêmias: “UMA SALA
Teatral espaço cênico, onde acontece a informações ofertadas antes do RETANGULAR. PAREDES FORRADAS
encenação início do espetáculo (notas DE ALCATIFA CINZA ESCURO. PISO
proêmias)? O que elas DE MADEIRA. 75 CADEIRAS PRETAS
anunciavam? ENFILEIRADAS SOBRE UMA
ARQUIBANCADA VOLTADAS DE
154
FRENTE PARA O ESPAÇO DA
REPRESENTAÇÃO CÊNICA”
Categoria Propriedade Estilo predominante das 1.Qual a cena você mais gostou Nas notas proêmias: “UMA ATRIZ E
da Encenação características da encenação do espetáculo? (Por quê? *Extrair DOIS MÚSICOS/ATORES
descrição. Como estava REPRESENTAM, NUM JOGO DE
posicionada? Ação corporal?) CONTRACENAÇÃO. VÁRIOS
2.Qual a cena você menos PERSONAGENS DIFERENTES SE
gostou? (Por quê? *Extrair UTILIZAM DE OBJETOS, FIGURINOS E
descrição) MODIFICAÇÃO DA VOZ.”
4.Que elemento foi utilizado para
representar a moça encantada e
o príncipe?
5. A Moura Torta estava vestida
como? Como ela se
movimentava? E as expressões
faciais dela?
6. Na história de Recife e Olinda
Lila conta a história que é
protagonizada por dois
personagens. Como era Recife e
Olinda?
7. Como Lila construiu a amiga
lagartixa “lilatixa”?
12. Como você avalia as
informações ofertadas antes do
início do espetáculo (notas
proêmias)? O que elas
anunciavam?
Categoria elementos Conjuntos de elementos visuais
constituintes da da teatralidade (cenário,
encenação iluminação, técnica da
representação)
In const. Cenário Espaço e elementos sistêmicos 8. Como era o cenário? Cenário: Nas notas proêmias: “A ÁREA
que podem elucidar aspectos do Iluminação?
tempo, época histórica, DA REPRESENTAÇÃO CÊNICA, ONDE
155
momentos fugazes do imaginário A CENA ACONTECE, É DEMARCADA
POR UM TECIDO AMARELO ESCURO.
O TECIDO AMARELO ESCURO MEDE
(10MX5M) E ESTÁ SUSTENTADO POR
UMA VARA DE FERRO ROLIÇA QUE
LIGA UM LADO AO OUTRO DO PALCO.
DO URDIMENTO QUE É UM
CONJUNTO DE TRAVES NO TETO DO
PALCO. SEIS METROS DE TECIDO
DESCEM DO URDIMENTO ATÉ O
CHÃO, DEMARCANDO O PANO DE
FUNDO E OS QUATRO METROS
RESTANTES VESTEM O PISO DO
PALCO.”
In const. Iluminação É a brincadeira semiótica de 8. Como era o cenário? Na Ad do espetáculo: “AO FUNDO DO
iluminar e escurecer na cena. Iluminação? PALCO DOIS FOCOS DE LUZ BRANCA
ILUMINAM OS MÚSICOS QUE ESTÃO
SENTADOS EM UM BANQUINHO”

“LEVANTA. LUZ LILÁS. CHUVA


DE BOLINHAS DE SABÃO. LILA DANÇA
DE UM LADO PARA O OUTRO, GIRA,
SORRIR, SALTITA, BALANÇA OS
CABELOS, ABRE OS BRAÇOS E GIRA...
SORRIR”
In const. Técnica de Conjunto de escolhas técnicas 4.Que elemento foi utilizado para Nas notas proêmias: “JOGO DE

156
representação do trabalho do ator representar a moça encantada e CONTRACENAÇÃO, VÁRIOS
o príncipe? PERSONAGENS DIFERENTES SE
5. A Moura Torta estava vestida UTILIZAM DE OBJETOS, FIGURINOS E
como? Como ela se MODIFICAÇÃO DA VOZ.”
movimentava? E as expressões
faciais dela?
6. Na história de Recife e Olinda
Lila conta a história que é
protagonizada por dois
personagens. Como era Recife e
Olinda?
7. Como Lila construiu a amiga
lagartixa “lilatixa”?
12. Como você avalia as
informações ofertadas antes do
início do espetáculo (notas
proêmias)? O que elas
anunciavam?
Personagem
In Pers. Características Características fenotípicas do 12. Como você avalia as Nas notas proêmias: “LILA É UMA MOÇA
fenotípicas (caract. personagem informações ofertadas antes do DE 1,60m DE ALTURA, DE COR
faciais, corporais, início do espetáculo (notas BRANCA, CABELOS PRETOS, LONGOS
estatura, massa proêmias)? O que elas E LISOS. USA UMA MAQUILAGEM
corporal expressões anunciavam? SUAVE EM TONS DE ROSA CLARO.”
corporais
In Pers. Figurino Elementos do vestuário 3. Como Lila estava vestida? Nas notas proêmias “LILA USA UMA
Você notou alguma mudança no TIARA DOURADA NO CABELO E
figurino? VESTIDO DE ALÇA ROSA CLARO
12. Como você avalia as
COLADO AO CORPO ATÉ ALTURA DA
informações ofertadas antes do
início do espetáculo (notas COXA. TEM UM TORÇAL BEGE NA
proêmias)? O que elas CINTURA. POR BAIXO DO VESTIDO
anunciavam? LILA VESTE UMA CALÇA LEGGING
157
BEGE ATÉ O JOELHO. ESTÁ
DESCALÇA. UM TECIDO DE DUAS
FACES ORA SERVE COMO SAIA ORA
COMO CAPA.”

Nas notas proêmias: “OS MÚSICOS


VESTEM UMA BATA BEGE COM UMA
FAIXA LARANJA NAS EXTREMIDADES
DA MANGA E NA ALTURA DOS
QUADRIS. USAM UMA BERMUDA
AMARELA CLARA. ESTÃO
DESCALÇOS”

In Pers. Objetos, instrumentos que 12. Como você avalia as “LILA USA UMA TIARA DOURADA NO
Adereços/adornos compõem a indumentária e são informações ofertadas antes do CABELO[...]”
utilizados pelo personagem início do espetáculo (notas
proêmias)? O que elas Notas proêmias: “INSTRUMENTOS
anunciavam? MUSICAIS: VIOLÃO: INSTRUMENTO
DE CORDA. COMPOSTO POR UMA
HASTE FINA E ALONGADA E POR UMA
CAIXA DE RESSONÂNCIA QUE TEM
FORMATO DE AMPULHETA COM UM
CÍRCULO NO MEIO. AS CORDAS SÃO
PRESAS NAS PONTAS DAS HASTES E
NA CAIXA DE RESSONÂNCIA.
INSTRUMENTOS DE PERCUSSÃO
VARIADOS: PAU DE CHUVA, ROI-ROI,
CUÍCA, ALFÁIA, SINO, TRIÂNGULO,
MENSAGEIRO DOS VENTOS DE
BAMBU, TAMBOR, CHOCALHOS,
APITO”

158
In Pers. Maquiagem/ Película que recobre, transforma, 9.Como Lila estava maquiada? E Nas notas proêmias: “LILA É UMA
máscara realça, o rosto/ corpo do ator. o penteado? MOÇA DE 1,60M DE ALTURA, DE COR
10. Lila descobriu uma creca, BRANCA, CABELOS PRETOS, LONGOS
pereba, ferida, em parte do corpo E LISOS. USA UMA MAQUILAGEM
dela. Onde estava localizada? SUAVE EM TONS DE ROSA CLARO.”
12. Como você avalia as Nas notas proêmias: MÚSICO/ATOR
informações ofertadas antes do “RAPAZ MORENO DE CABELOS
início do espetáculo (notas PRETOS, CURTOS E COM GEL
proêmias)? O que elas REPARTIDO DE LADO E COM UMA
anunciavam? MECHA EM DESTAQUE NA TESTA.
TEM UMA COSTELETA LONGA.”

MUSICISTA/ATRIZ
MOÇA BRANCA DE CABELOS
CASTANHOS DIVIDIDOS AO MEIO E
CORTADOS NA ALTURA DAS
BOCHECHAS. A FRANJA ESTÁ PRESA
NO ALTO DA CABEÇA.
In Pers. Expressões Sistema de signos gestuais que 1.Qual a cena você mais gostou Na cena de abertura do espetáculo: “O
corporais formam a gramática do ator na do espetáculo? (Por quê? *Extrair AMONTOADO DE TECIDO NO CENTRO
cena. descrição, Como estava DO PALCO REVELA DOIS PÉS QUE
posicionada? Ação corporal?)
LENTAMENTE SOBEM: ESQUERDO,
2.Qual a cena você menos
gostou? (Por quê? *Extrair DIREITO, ESQUERDO DIREITO.
descrição) AGORA DUAS PERNAS SE PROJETAM
5. A Moura Torta estava vestida NO AR BALANÇAM DE ACORDO COM
como? Como ela se A MÚSICA. LILA ESTÁ DENTRO DO
movimentava? E as expressões MONTINHO DA CINTURA PARA BAIXO.
faciais dela? PÉS PARA A ESQUERDA, DIREITA NO
CENTRO, BALANÇAM PARA OS
LADOS, PARA CIMA. PERNAS GIRAM,
ABREM, PÉS EM SENTIDOS OPOSTOS,
159
JUNTOS, BALANÇAM, DANÇAM,
JOELHOS FLEXIONADOS, PÉS PARA
BAIXO, PARA CIMA, SE SACODEM. ”

Na cena em que Lila começa a


“escavação”: “LILA CAI PARA TRÁS, A
SAIA A ESCONDE , VÊ-SE APENAS AS
PERNAS QUE BALANÇAM
RAPIDAMENTE.”

Na cena em que Lila perde o jogo do


eco: ... “COM OS PUNHOS FECHADOS
ENCOSTADOS NO CHÃO FICA DE
QUATRO COMO A VACA, MOVE-SE
PARA A DIREITA, OLHA PARA NÓS.
DEITA DE LADO. FOCO DE LUZ
BRANCA. PONTINHOS DE LUZES
BRANCAS DESENHAM FORMAS
ORGÂNICAS NO FUNDO DO PALCO”
Relação semântica
In Semântica Decodificação e tradução do 4.Que elemento foi utilizado para Na cena dos ecos, Lila perde o jogo:
Movimento/gestual/ movimento/gestual/ mímica/ em representar a moça encantada e LILA- Ih! A vaca foi pro brejo... “COM
mímica/ objeto objeto ou alguma outra coisa o príncipe? OS PUNHOS FECHADOS
dialogando com o contexto da 7. Como Lila construiu a amiga
ENCOSTADOS NO CHÃO, FICA DE
cena. lagartixa “lilatixa”?
QUATRO COMO A VACA, MOVE-SE
PARA A DIREITA, OLHA PARA NÓS.
DEITA DE LADO. FOCO DE LUZ
BRANCA. PONTINHOS DE LUZES
BRANCAS DESENHAM FORMAS
ORGÂNICAS NO FUNDO DO PALCO”

160
In Semântica Efeito de Decodificação e tradução do 6. Como era o cenário? Na ad, cena inicial da escavação: LILA
ilusão efeito de ilusão provocada na Iluminação? “LILA SORRI”- E se eu cavar mais fundo
cena. no mundo? “LILA CAI PARA TRÁS, A
SAIA A ESCONDE , VÊ-SE APENAS AS
PERNAS QUE BALANÇAM
RAPIDAMENTE”
Efeito de Divide-se em dois: 1.Qual a cena você mais gostou
distanciamento/ Apropriação e aplicação da do espetáculo? (Por quê? *Extrair
aproximação relação de distanciamento ou/e descrição, como estava
aproximação do espetáculo com posicionada? Ação corporal?)
o público, proposto pela obra. 2.Qual a cena você menos gostou
Relação de distanciamento ou/e no espetáculo?
aproximação de identificação
com a obra.

161
5.7 PROCEDIMENTOS E USO DOS INSTRUMENTOS PARA
COLETA DE DADOS

Após a chegada e acomodação dos espectadores na plateia, a áudio-


descritora ofertou as notas proêmias e posteriormente a áudio-descrição do
espetáculo. Na ocasião, coletávamos dados por meio dos entrevistadores/
observadores que estavam na plateia e pelo cinegrafista, localizado à direita do
palco, captando imagens da reação do público.

Este procedimento foi comum em todos os dias. Finalizada a


apresentação, agradecemos a presença do público e convidamos os usuários
do serviço de áudio-descrição a participarem da entrevista individual. Então os
encaminhávamos para o hall do teatro para que aguardassem o momento para
a entrevista, a qual ocorreu no camarim. Enquanto aguardavam, alguns
sentados no sofá, outros em pé, conversavam e comiam o lanche oferecido
pela produção.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram a observação,


a vídeo-gravação, a entrevista semi-estruturada e o diário de campo. A
observação foi realizada em todas as etapas de trabalho, seja no momento em
que o sujeito era entrevistado, seja no momento em que assistiu ao espetáculo.
Pelo fato da entrevistadora estar em cena, foi auxiliada pelos entrevistadores e
colaboradores que assistiram ao espetáculo junto ao público.

A observação é uma técnica que visa conseguir informações por meio


do exame e análise dos fatos e fenômenos. De acordo com Marconi (2009, p.
76), “a observação ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito
de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que
orientam seu comportamento”. Para o autor, existem algumas vantagens e
limitações a saber:

Vantagens: Possibilita meios diretos e satisfatórios para estudar uma


variedade de fenômenos; coleta de dados sobre um conjunto de
atitudes comportamentais típicas; permite detectar a evidência de
dados não constantes do roteiro de entrevistas e de questionários.
Desvantagens: o observador tende a criar impressões favoráveis ou
desfavoráveis no observador. Fatores imprevistos podem interferir na
tarefa do pesquisador. A duração dos acontecimentos é variável:
pode ser rápida ou demorada e os fatos podem ocorrer
simultaneamente, em ambos os casos, torna-se difícil a coleta
(MARCONI, 2009, p. 76).

Para minimizar efeitos e algumas restrições da observação diretiva,


procedimento clássico muito utilizado na área de ciências humanas, para
investigação fez-se uso do registro visual (vídeo-gravação). Um cinegrafista se
colocou na lateral direita do palco, de onde fazia os registros da plateia.

Com esse dispositivo, foi possível fixar a realidade sensível, na qual


manifesta-se o objeto de estudo. O que permite constituir um documento que
descreve uma situação social e reunir um número maior de informações sobre
esse objeto de estudo (PESSIS, 2000).

Vale salientar que o registro visual adotado se enquadra na categoria


de filme de exploração, pois captará todo o processo que envolva pesquisador
e sujeito. Esse registro, ao poder reproduzir a realidade sensível tal como
aparece ao pesquisador, serve de documento no processo de observação,
sendo esse suporte diferente da observação direta, assim como um conjunto
de informações dificilmente registráveis por meio do registro escrito no instante
do acontecimento (PESSIS, 2000).

Este possibilitou revisitar o material e rever alguns aspectos que


escapam ao observador do modelo clássico. Informações essas vindas de
expressões faciais, posturas, gestos, movimentos, ritmos que constituem uma
grande fonte de dados para o estudo.

A entrevista teve como objetivo principal obter informações do


entrevistado sobre aspectos pessoais do indivíduo e do assunto abordado.
Conforme Sellti, apud Marconi (p. 81), buscamos um contato inicial mais
informal e leve a que pudéssemos estabelecer uma conversação amistosa,
explicando a finalidade da pesquisa, seu objeto, relevância e ressaltar
necessidade da colaboração (MARCONI, 2009).

163
Outro instrumento utilizado foi o diário de campo que consiste num
caderno de anotações que nos acompanhou em todo o processo da pesquisa.
Nele registramos, sem excessiva preocupação com a estrutura, a ordem e a
esquematização sistemática, a corrente de acontecimentos e impressões que o
investigador observa, vive, recebe e experimenta durante a estada no campo
(PÉREZ, GÓMEZ, 2001). Utilizamos esse diário para registrar trechos
significativos que subsidiaram o nosso olhar na análise das falas dos nossos
sujeitos.

Assim, captamos informações espontâneas dos usuários sobre a


percepção imagética da obra.

164
6 ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados foi feita a partir das entrevistas realizadas com 22
espectadores do espetáculo Nem Sempre Lila. O grupo foi composto por
sujeitos com deficiência visual, realizada no Teatro Marco Camarotti nos dias
21,22, 27,28 e 2934 de setembro de 2011, com idades entre 11 e 55 anos, em
sua grande maioria ocupantes da classe baixa e ligados a entidade de
assistência da pessoa com deficiência. Conservamos na íntegra as transcrições
do áudio de todas as entrevistas a fim de garantir a fidedignidade das
declarações emitidas pelos sujeitos.

A tabela seguinte demonstra características referentes ao gênero, à


idade e ao tipo de deficiência visual dos sujeitos desta pesquisa. Na primeira
coluna as legenda pela quais os identifico neste trabalho.

Classificação da
Sujeitos Gênero Idade deficiência visual
Adulto (não
Marl Feminino informada)
Baixa visão
Crist Feminino 39 Cegueira congênita
Bel Feminino 43 Cegueira
Edv Masculino 28 Cegueira
Adri Masculino 36 Cegueira
Edva Feminino 26 Cegueira
Est Feminino 49 Cegueira
Mar Masculino 11 Baixa visão
Nil Masculino 34 Cegueira
Rob Masculino 40 Cegueira
Josi Masculino 41 Cegueira
Edn Feminino 28 Cegueira
Jac Masculino 42 Cegueira
Juc Masculino 46 Cegueira
Não especificado o
grau (ambriopia
Mel Masculino 32 permanente)
Joa Masculino 15 Cegueira
Paul Masculino Adulto (não Não especificada

34
No dia 29 não houve a presença de nenhum espectador com deficiência visual.

165
informada)
Deslocamento da
Cíc Masculino 50 retina
Wil Masculino 19 Cegueira
Nei Feminino 55 Cegueira
Elb Feminino 51 Cegueira
Man Feminino 42 Baixa visão
Tabela III. Sujeitos espectadores

Após o tratamento e a interpretação dos dados coletados,


apresentamos a nossa análise, à luz da teoria da áudio-descrição, em conexão
com a teoria da inclusão, buscando revelar para o leitor em que grau a
informação visual é relevante e como a áudio-descrição favorece a apreciação
e fruição de um espetáculo teatral.

De acordo com o foco central das questões de pesquisa que


propusemos neste estudo – analisar as contribuições da áudio-descrição para a
apreciação e fruição do espetáculo teatral– apresentaremos e discutiremos a
seguir algumas informações visuais do espetáculo manifestadas pelos sujeitos
durante as entrevistas, aqui nomeadas e descritas em subcategorias,
destacando-se os trechos das falas dos entrevistados que explicitam essa
passagem.

Dentro do que estabelecemos como “Categorias para áudio-descrição


teatro” detalhada no capítulo da metodologia, para a nossa análise dos dados,
realizamos um recorte, focando nas categorias cuja essência é a informação
advinda da imagem, assim as categorias de análise definidas foram:
Arquitetura Teatral (especificação descritiva do espaço cênico, onde acontece
a encenação), Propriedade da Encenação (estilo predominante das
características da encenação), Categoria elementos constituintes da
encenação (conjuntos de elementos visuais da teatralidade são as
subcategorias: Cenário (espaço e elementos sistêmicos que podem elucidar
aspectos do tempo, época histórica, momentos fugazes do imaginário),
Iluminação (É a brincadeira semiótica de iluminar e escurecer na cena), In
const. Técnica de representação (conjunto de escolhas técnicas do trabalho do
ator), no Personagem destacamos as subcategorias: Características

166
fenotípicas (características faciais, corporais, estatura, massa corporal
expressões corporais; Figurino (elementos do vestuário), adereços/adornos
(objetos, instrumentos que compõem a indumentária e são utilizados pelo
personagem), Maquiagem/ máscara (película que recobre, transforma, realça,
o rosto/corpo do ator), Expressões corporais (sistema de signos gestuais que
formam a gramática do ator na cena).

6.1 DESCREVENDO O CAMPO DE PESQUISA: ABREM-SE


AS CORTINAS, OU MELHOR, A PORTA DO TEATRO

O espetáculo “Nem Sempre Lila” começa com os atores em cena, em


estado de ação e comunicação. O público ao entrar no espaço cênico e se
acomodar na plateia podia ver dois personagens. À esquerda um homem e à
direita uma mulher. Tendo entrado momentos antes, o público sujeito da nossa
pesquisa pode ver os atores em estado de pré-ação, aqui aqueciam o corpo, ali
se reuniam no centro do palco e desejavam aos parceiros de cena, “merda35”.
Apagam-se as luzes e devidamente de posse dos equipamentos de
áudio-descrição os espectadores passam a assistir o espetáculo.
Ao fundo, eles veem à esquerda um homem “magro”, e à direita uma
mulher “gorda” que cantam “Hoje é domingo pé de cachimbo...”, ao centro num
montinho escuro, surgem pés, seguidos das pernas esticadas para cima, que
movimentavam-se no ritmo da música, Lila está caindo no buraco. Ao término
da música, ouve-se um grito e Lila é vista sentada, de corpo inteiro, sozinha,
observada apenas pelos músicos que estão sentados à esquerda e à direita.
Ela tem como companhia unicamente o eco.

35
Expressão utilizada para desejar boa sorte no teatro.

167
O enredo se desenrola com Lila trazendo à cena algumas histórias,
entre elas a Rapunzel aprisionada, onde Lila, de vestido rosa, pega os longos
cabelos e ergue para cima da cabeça, fica de ponta de pé, montando, assim, a
torre. Para cada princesa há um deslocamento no espaço, uma proposição de
desenho cênico. Mais adiante, Lila percebe uma creca no joelho, pelos por todo
o corpo e aí, deita no chão esperneia, lembra da história da Moura Torta com a
qual sente uma forte identificação. Sob uma luz vermelha, Lila se contorce,
pega a saia, amarrando-a no pescoço, transformando-a numa capa amarela.
Dessa capa, Lila retira um lenço rosa para ser a moça encantada e um verde,
para ser o príncipe, e depois constrói com lenços coloridos a Lilatixa, uma
lagartixa de olhos pretos, que passa a ser a companhia de Lila dentro do
buraco.
Com a nova amiga, a menina inventa uma história de amor entre
Recife e Olinda e à medida que conta, simultaneamente os músicos se
levantam. À esquerda, o homem pega o violão e coloca rente ao corpo, com a
parte mais alongada por dentro da camisa. A parte em formato de ampulheta é
usada para representar a cabeça de Recife. À direita, a mulher com a cabeça
dentro do tambor se torna Olinda.
Ao terminar a história de Recife e Olinda, Lila tem a ideia de convidar
Lilatixa para visitar o pai e almoçar na casa dele. O réptil agita-se, aponta com
a cabeça para o chão, então Lila descobre que a amiga está de barriga cheia
por ter engolido o arco-íris que estava debaixo da terra. Lila curiosa senta no
chão e remove as faixas coloridas do arco-íris de dentro da barriga de Lilatixa,
puxando cor a cor.
Nesse momento Lila olha ao redor e vê surgir luzes coloridas das
laterais que perpassam a cabeça dos espectadores, embalada pela música
“Hoje eu aprendi que a luz do sol, vira um arco-íris, basta chover”, Lila dança
com as sete faixas coloridas do arco-íris. Ela dança de um lado para o outro,
saltita, sorri. Aproxima-se de Lilatixa e deita no chão. Escuridão total. O público
aplaude, as crianças gritam. As luzes acendem. Os atores curvam-se diante da
plateia.
Com o fim do espetáculo, passamos a entrevistar os nossos sujeitos. A
primeira coisa que descobrimos foi que apesar das nossas precauções com a

168
transmissão da áudio-descrição, realizando testes, orientando os sujeitos
como usar o equipamento, houve relatos de falhas técnicas:

Marl– [...] Agora eu vou te dizer, visse “Andreza”, no início o aparelho


deu defeito.
Entrevistador(a) – Foi?
Marl – Estavam com um barulho aí não deu pra gente pegar
justamente a introdução da peça, não deu.

O momento introdutório a que se refere “Marl” é a ocasião em que são


ofertadas as notas proêmias, cuja importância é relatada pela própria
entrevistada.

Marl – [...] Se não tivesse havido esta falha teria sido bem melhor,
porque quando a gente inicia um teatro sabendo já da introdução, do
enredo já facilita pra gente...
Entrevistador(a) – As notas proêmias, né?
Marl – Isso, já facilita pra gente localizar toda história, né? Mas
infelizmente deu defeito.

A nota proêmia, conforme defende a literatura, antecipa, explica e


instrui a áudio-descrição, é essencial para contextualizar em que ambiente se
dará a obra e antecipar informações que por ventura não possam aparecer
durante a apresentação, como no caso do teatro. O caráter explicativo se deve
ao valor educativo que há no uso desse novo gênero tradutório, então se faz
necessário, por exemplo, explicar o que é a áudio-descrição, como utilizar o
equipamento, entre outras informações que empoderem o sujeito.

Ainda sobre os aspectos técnicos, os sujeitos trazem na fala exemplos


de condutas do locutor áudio-descritor que ilustram o teste dos equipamentos.

Crist – Depois ela ficava perguntando quem tivesse ouvindo era pra
levantar a mão. [...]
Crist- Assim, na hora da descrição não foi ela, foi um pouco o
aparelho, né? Que estava um pouquinho chiando, mas deu pra
escutar.

Edv– Foi momentaneamente que aconteceu com todos. Como no


início assim, no início tava chiando e foram lá e ajeitou. Aí depois ela
mesma se desculpou, que foi uma falha técnica que ficaram todos
sem som. Uma coisa que reajustaram e show de bola.

169
Contratou-se uma empresa profissional que utilizou na transmissão um
sistema de rádio frequência VHF, modelo muito utilizado em tradução
simultânea, e sujeito a interferências de ondas de rádio, que a depender da
qualidade do aparelho, a perturbação na recepção sob a forma de ruídos,
poderá ainda mais ser agravada.
No entanto, objetivando detectar preventivamente e ajustar possíveis
interferências e falhas na transmissão foi realizado, antes do início do
espetáculo, teste de equipamentos, porém não foi suficiente para inibir as
falhas técnicas em alguns dias de apresentação. Para antevermos possíveis
problemas, disponibilizamos uma equipe preparada para explicar como utilizar
os equipamentos, ajustar o volume e sintonizar a rádio para a recepção da
áudio-descrição. E para auxiliar os que ainda assim sinalizassem alguma
dificuldade, dois técnicos permaneceram dentro da sala de espetáculo e
próximos aos nossos sujeitos durante a apresentação do espetáculo.
Apesar dos cuidados tomados, alguns sujeitos indicaram a presença de
um chiado constante durante a locução da áudio-descrição, principalmente no
início, quando então são ofertadas as notas proêmias.
Outro aspecto a ser considerado é o tipo de fone oferecido. Dessa
falha técnica, a presença de ruídos, alguns usuários apontaram incômodo ao
utilizar fones de ouvido.

Adri– Eu... O que eu não gosto é por que, às vezes, o aparelho fica
chiando tá entendendo? Hoje mesmo ele chiou bastante, tá
entendendo? Mas já no final, aí eu acho que... que isso, eu não sei se
pode melhorar, se é problema de aparelho velho ou se é problema da
pessoa que tá lá em cima narrando, se é o problema no aparelho
mesmo, tá entendendo?. Eu acho que isso é que incomoda, já que
também, eu também não sou muito sabe “Andreza” daqueles
fonezinhos no meu ouvido. Pra falar a verdade eu não gosto de fone.
Entrevistador(a)- Por quê? Qual o incômodo?
Adri– Por que o incomodo, Andreza é que me incomoda porque meu
ouvido fica doendo.

Bel – [...] meu marido mesmo ele não gosta muito por conta do fone.
Por que incomoda ele, sabe? Ele não gosta nem de fone de celular,
ele nem gosta. Ele disse que dói o ouvido, sei lá. E quando ele
coloca é baixinho e até ele não se incomoda com a voz da menina.

Além do incômodo advindo do ruído do equipamento, houve também o


importuno resultante da interação das crianças e adolescentes com o

170
espetáculo. Sobre esse episódio destacamos o que ocorreu no dia 22 de
setembro na cena em que a menina Lila se depara com as transformações do
próprio corpo (aparecimento de espinha, creca, pelos por todo corpo,
crescimento disforme dos braços). Ao perceber todas essas mudanças, Lila
questiona as características físicas relacionando-as com padrões de beleza
chegando à seguinte pergunta: “Então eu sou torta?”, embora a pergunta não
tivesse sido direcionada explicitamente para as crianças e adolescentes, não
hesitaram em se manifestar, e nesse dia de forma mais intensa, cerca de cem
pessoas gritavam “Torta, torta, torta, torta, torta!”.

Wil – [...] Até porque teve algumas interferências na áudio-descrição,


com chiado e muita gente também fazia muito barulho e tava tendo
alteração no volume da transmissão.

Bel – Por que a gente que não enxerga, a gente... nossa audição são
os nossos ouvidos que são nossos olhos.

Wil - No meu ponto de vista assim, na hora que começou eu tava na,
assim naquela, uma poltrona embaixo, eu e meu esposo e fica atrás,
atrás de nós estava, os adolescentes que sentaram atrás de nós e
ficaram sentados. Aí a moça falando a áudio-descrição, né? Ela
falando pra gente, mas aí eu não tava conseguindo ouvir entendeu?
Por que não era o aparelho, era o barulho que eles estavam fazendo
lá atrás. Falando e dando risada alta, muito assim muito... as crianças
também ficaram rindo alto e na hora de subir a moça tava, tava
falando e a agente, eu mesmo, olhe eu não, não me concentro em
barulho.

Objetivando solucionar o problema referente ao “barulho” decorrente da


interação das crianças e adolescentes, a entrevistada sugere a segregação
dos públicos, uma sessão para pessoa com deficiente visual e outra para os
videntes.

Bel– Todos... Todos ficam no mesmo ambiente, mas se possível


entendeu uma pessoa que enxerga. Eu tava pensando que primeiro
seria uma turma que enxerga e depois a turma que não enxerga,
entendesse? Mas aí a atriz ia se cansar, né? A Lila ia se cansar e ia
ter que fazer tudo de novo. Não, eu sugeria que alguém, a pessoa
assim, entendesse e não fizesse barulho porque não pede que não
faça barulho? A pessoa se conscientiza. Já que não pode separar era
bom que se conscientizasse todo mundo do silêncio. Como tem que
se conscientizar que não pode comer nada, né, na hora? Não pode tá
com o celular ligado, então o barulho também humano também
atrapalha. Então que ficassem todos, mesmo, somente prestando
atenção, naquele momento.

171
Ao sugerir a separação do público em espectadores com deficiência e
sem, a entrevistada parece não perceber que ao fazermos isso sonegamos o
direito do outro participar com liberdade, autonomia e igualdade nas ações
mais rotineiras da sociedade, como ir ao teatro com a família e amigos,
privando-o do convívio social e familiar.

Entrevistador(a)– [...] Você acha que seria interessante separar, fazer


um espetáculo só pra os cegos, deficientes visuais, e um só para
pessoa de visão normal?
Bel – Eu acho.
Entrevistador(a) – E aí, seu marido, seu marido é...
Bel– É deficiente visual.
Entrevistador(a) – É deficiente visual também. Certo... E aquele casal
que não tem, o companheiro não tem deficiência visual ia ficar
separado da esposa porque primeiro...
Bel – aí tá né?
Entrevistador(a) – O que você acha?
Bel – Aí está, né? Eu também não iria gostar né? O que eu não quero
pra mim, não vou dar pros outros, né? [...]

Como pode ser notado, a “entrevistada” ao ser provocada, e ao trocar


de papel, pode reavaliar a proposta sugerida de separar o público e a fez
repensar a própria atitude ao se deparar com o outro que se comportava de
maneira que a incomodava, gerando insatisfação e a intolerância. As crianças
espectadoras sorriam, faziam comentários, mas logo depois direcionavam o
foco para a história que era contada em cena, comportamento esperado de
jovens em contato com o jogo cênico.
A segregação é, em todas suas formas, ato a ser combatido pelo
conjunto de ações inclusivas que combatem a exclusão, com o propósito de
tornar a sociedade um lugar viável para a convivência da diversidade humana.
Ir ao teatro é o lugar onde veremos sim as diferenças, sejam elas provenientes
de uma deficiência, da cor da pele, do gênero, enfim, de todas elas. É no
acolher e partilhar com o outro que nos aproximaremos dos preceitos de
valorização da pessoa humana.
Assim, a proposição de apresentações exclusivas para pessoas com
deficiência, ou seja, a segregação dos públicos por razão de deficiência,
rememora ações ocorridas e que marcam o passado da história da pessoa com
deficiência. Tais ações eram sustentadas no entendimento de que assim fosse
garantido um atendimento diferenciado e eficiente, atendendo às necessidades

172
específicas desses indivíduos, ou ainda para protegê-los de situações
conflitantes ou de perigo. Entretanto, o resultado desse entendimento era, não
outro que a segregação social das pessoas com deficiência.
A inclusão denuncia o abismo existente entre o conceito e o
preconceito, entre o que são “preocupações com pessoa com deficiência” e
barreiras atitudinais.
A inclusão é um compromisso ético que deve ser assumido por todos
os cidadãos e ela deve ser praticada em casa, na escola e em atividades
extraclasse, por exemplo, no teatro. Isso pode ser estimulado, por exemplo
quando ela vier a encontrar uma cabine de áudio-descrição, de onde transmite
um áudio-descritor; quando ela vir um intérprete de libras traduzindo para a
Língua Brasileira de Sinais o espetáculo; e pessoas de todos os tipos, de todos
os gêneros, que falam diversos idiomas e possuem diferentes formas de ver,
perceber e sentir o mundo.

6.2 EU ESTOU NO TEATRO: ARQUITETURA TEATRAL

Geralmente ao chegarmos a algum lugar observamos o ambiente, as


pessoas, os detalhes da arquitetura. Na áudio-descrição, essa ambientação é
fornecida, geralmente, nas notas proêmias, as quais anunciam elementos da
arquitetura tanto do espaço comum partilhado pelo público (hall de entrada,
plateia), como da área de representação das cenas:

Tomando a porta de entrada como ponto de referência, as cadeiras


ficam do lado direito e o palco do lado esquerdo. É uma sala
retangular. As paredes são forradas por alcatifa cinza escuro. Piso de
madeira. Há 75 cadeiras pretas enfileiradas sobre uma arquibancada
voltadas de frente para o espaço da representação cênica (ROTEIRO
DE A-D).

Apesar dos entrevistados não trazerem informações detalhadas


sobre as partes constituintes da arquitetura teatral, eles sinalizam a presença e

173
a importância de constarem nas notas introdutórias, assim como podemos
notar nas falas abaixo transcritas:

Crist – Ela (referindo-se à locutora da A-d) iniciou quando eu estava


entrando, né? Ela foi descrevendo a sala.

Jac – Quando começaram, ela falou das crianças que estavam


chegando no teatro, ela falou que o teatro tava lotado, é tanta
informação que ela deu, que tava com o teatro lotado, as crianças.
Toda informação ela deu não lembro bem quais são, quais foram.

Est – Eu acho muito válido. Eu acho muito legal isso aí. Porque
quando a gente tá entrando, a gente já tá sabendo a forma de tudo,
cenário, como está né, como é o ambiente, isso aí é muito importante
pra gente.

Josi – Feito eu te falava. É ajudou sim o cenário, o cenário depois,


como que tava o cenário, o jogo de luzes, o ambiente, né?

Os elementos visuais presentes na arquitetura do edifício teatral podem


nos revelar pistas sobre o tempo histórico em que foi construído e os caminhos
estéticos que poderão ser trilhados. Dizer apenas que estamos no teatro não é
o suficiente, a presença dessa informação nas notas introdutórias que
antecedem a apresentação situa o usuário no espaço e no contexto partilhado
entre os espectadores.

Wil – É de fato, isso é bom. Por que tem que descrever pra gente
aonde a gente tá, o que está ao nosso redor, o que está
acontecendo. Se isso é tal coisa, se o lado direito tem isso, se o
esquerdo tem isso, na sua frente tem isso, em cima, tem que ser
descrito. A áudio-descrição ajudou muito nisso aí também.

Tão importante quanto descrever a arquitetura teatral, o espaço onde


ocorre a cena, é descrever a ambientação, o espaço partilhado entre o público,
as pessoas que compartilham juntas o ato de ver, assistir ao espetáculo, esse
ato que é político, educativo e social. Consoantes a Guénoum (2003), “O
público quer a percepção de estar-ali coletivamente. [..] Os espectadores
querem se ver uns aos outros” (p.22).

174
6.3 O JOGO CÊNICO: PROPRIEDADE DA ENCENAÇÃO E
TÉCNICAS DE REPRESENTAÇÃO

O espetáculo Nem Sempre Lila propõe um jogo cênico onde uma atriz
interpreta diversos personagens, recorre à recursos de alteração vocal,
elementos visuais marcados por uma sonoplastia executada ao vivo por dois
músicos/atores.

Por meio da áudio-descrição, os sujeitos trouxeram-nos nas falas,


informações que referenciavam essas propriedades da encenação que
inevitavelmente está intimamente imbricada a categoria de técnicas de
representação.

Crist – [...] Foi falando dos músicos, que um estava com o violão e o
outro estava com um instrumento de percussão. Aí depois começou a
narrar a peça.

Edv – Para representar a moça encantada ela utilizava lenços, ela


usava lenços... Agora uma coisa, Lila ela fazia papel duplo, né?
[...]
Edv – Justo... Ela mesmo que fazia o próprio. Ela era a Torta isso e
aquilo e daqui a pouco quando surgia a Bela, aí era ela mesmo que
fazia o papel, modificava a voz e só uma curiosidade que eu tinha.

Há de se notar na fala de “Edv” que a informação sonora não é o


suficiente para esclarecer tudo que está posto em cena, algumas situações
instauram a dúvida. Assim como ocorre em muitos espetáculos a modificação
da voz também está presente em Lila, que ao brincar com as diversas histórias
contadas, ela altera constantemente o registro vocal, adota uma voz anasalada
para a Moura Torta, suave e melódica quando fala das princesas, uma voz
grave ao representar o príncipe. Por conseguinte, a voz que fornece indícios
de gênero, idade, é apenas uma pista sonora, a áudio-descrição nesse

175
caminho é a via que empodera o sujeito a confirmar ou a negar o que ele
supôs.

O aspecto técnico é algo perceptível mesmo pelo público menos


experiente com a linguagem, ele pode não saber classificar, mas
possivelmente compreende a forma como as coisas são postas. A arte-
educação com ensino da arte atua nesse campo de educar esteticamente o
espectador de forma que ele compreenda a linguagem teatral e suas nuances.

No que se refere à técnica de representação, objetivamos na entrevista


extrair dos relatos indícios que demonstrassem aspectos técnicos e visuais
empregados em três personagens: na moça encantada, na lilatixa e em Recife
e Olinda:

Entrevistador(a)– Falando em lagartixa, como é que Lila construiu a


lagartixa?
Edv – De retalho de pano

Marl – Eu acho que ela era de pano, no formato, né? De uma


lagartixa, tipo boneca.
Entrevistador(a) – Hum rum.
Marl – E toda recheadazinha, né? Das Fitas
Entrevistador(a) – Hum rum.
Marl – E “ Lila” foi puxando e ela foi diminuindo o volume. Isso foi na
minha imaginação. [...]
Marl - Passou. Isto que eu estou lhe dizendo como se fosse é... uma
boneca, né?

Crist – Só sei que ela tinha um monte de pano, agora não me lembro
bem, não."
[...]Também a outra foi que ela ficou... e tirava panos assim da
barriga.

Entrevistador(a) – A Lilatixa?
Bel– É acho que eram as fitas, os tecidos, né?
Entrevistador(a) – Hum rum
Bel - Pra formar o quê? Um arco-íris.

Entrevistador(a) – Ok! Como Lila construiu a amiga lagartixa, a


Lilatixa?
Mel – Com fitas da cor do arco-íris."

Entrevistador(a) – E a lagartixa era feita de que material?


Est– Parece que era de tecido. Eu não lembro bem.

Uma das técnicas de representação utilizadas na encenação foi a


animação de objetos, com a qual os atores exploram e resignificaram os

176
objetos (lenço, tambor, violão) apelando significativamente para o sentido da
visão.

Conhecer como é a técnica, saber como ela é empregada numa dada


obra, a individualiza e define dentro de um espetáculo. Neste caso, define o
próprio espetáculo como uma obra artística. Portanto saber a forma como a
Lilatixa toma vida no palco, a moça encantada, Recife e Olinda, é um dos
aspectos relevantes no processo de recepção e fruição da pessoa com
deficiência visual.

Para além do tipo de material, outros relatos apontam características


específicas sobre os aspectos técnicos da manipulação da Lilatixa.

Entrevistador(a) – Não? Mas tu lembras como ela era? Como é que


Lila manipulava essa Lilatixa, que era uma lagartixa?
Marco – Ela ficava com ela na mão e tirando um bocado de pano.

Rob– Com pedaços de pano e ela representava nos dedos.


Entrevistador(a) – Hum rum. Nos dedos por quê?
Rob – Os dedos era a Lilatixa.
Entrevistador(a) – Ah, certo.
Rob – Que dizia “sim” pra tudo.

A atriz com a mão direita esticada envolve com um cordão de elástico


branco os dedos anular e médio, cujas extremidades possuem um bola preta
de 4 cm de diâmetro. Uma bolinha fica entre o dedo mínimo e o anular e a
outra bolinha entre o indicador e o médio . As bolinhas entre os dedos apontam
para fora da mão. A atriz pega um tule verde e rosa e envolve a mão em
concha fechada deixando ressaltar os olhinhos pretos, formando assim a
cabeça da Lilatixa. O animal tem corpo alongado, é da mesma cor e está
conectado à cabeça que funciona como o eixo da manipulação do boneco.
Metaforicamente, como toda lagartixa, Lilatixa parece dizer sim para tudo e
para todo mundo, a atriz ilustra essa ação de dizer “Sim” com o movimento
contínuo onde ela flexiona a mão para cima e para baixo no ritmo da fala.
Essa é descrição da técnica utilizada para construir a Lilatixa, muitas
dessas informações poderiam estar na áudio-descrição, no entanto, não seria

177
possível a inserção delas no intervalo da fala da personagem Lila. A áudio-
descrição no momento da montagem de Lilatixa informava:

A-d: Da capa pega um pedaço de tecido rosa levanta, balança, pega


um pedaço verde, agora escondida embaixo da capa, remexe o
amontoado de tecido. Pega uma lagartixa de tecido, é Lilatixa
(Roteiro de áudio-descrição).

Descrevia ainda o movimento da mão, que representava o movimento


da cabeça que o animal fazia em afirmação:

Lila- Tá vendo que a gente sempre descobre que o sempre não é


toda vez? Porco sem fedor ainda é porco. Para frente, balançam a
cabeça em afirmação Rosa sem espinho ainda é rosa. Balançam
Vaca sem peito é... vaca. Balançam Cachorro com três patas ainda é
cachorro, Balançam tartaruga com duas cabeças ainda é tartaruga,
BALANÇAM arco-íris debaixo da terra ainda seria arco-íris,
Balançam lagartixa sem rabo ainda é lagartixa. BALANÇAM. A
Moura torta é torta e é bela. Coloca Lilatixa no chão Eu, Lila, sou
bela, uma bela com creca na perna e do pé grande. Abre os braços.

Pela áudio-descrição realizada, as pessoas com deficiência visual


acessaram as informações imagéticas essenciais para o entendimento do
evento imagético.
Conforme observamos nos excertos das falas, os sujeitos citaram os
recursos utilizados para dar forma, movimento e vida para Lilatixa: a mão, os
dedos e os tecidos. Com essas informações visuais a pessoa com deficiência
visual tem mais elementos para recepção da obra, e assim fruir de forma
autônoma, o que a permite, por exemplo, se posicionar e discutir sobre os
aspectos estéticos da obra. A tecnologia assistiva, a áudio-descrição,
possibilita que a pessoa com deficiência visual ocupe de forma empoderada o
papel essencial no teatro, de ser espectador que observa, que joga com os
artistas em cena. Pois “O olhar do observador sobre o espetáculo sustenta o
próprio jogo do teatro” (DESGRANGES, 2010, p. 27). É justamente a
necessidade de companheiros de jogo, de posicionamento ativo dos
espectadores que motiva o movimento de formação de público e o campo de
atuação da pedagogia do teatro, aqui entendido numa perspectiva inclusivista,
onde o público é reconhecido em sua diversidade e heterogeneidade.

178
A construção de uma personagem vai além do sonoro e do visual, as
relações travadas pelos personagens são ingredientes atuantes na recepção
dos espectadores. O entrevistado “Josi” ao ser questionado sobre como Lila
construiu a amiga lagartixa, ou Lilatixa disse:

Josi – [...] Oh, ela construiu através da amizade, né? Ela construiu
desse vinculo, através do vínculo que ela teve com a Lilatixa.

O entrevistador ao retrucar a resposta simbólica de “Josi”, lança outra


pergunta, dessa vez mais específica:

Entrevistador(a) – Mas ela usou alguma coisa, algum elemento,


algum instrumento pra fazer a lagartixa?
Josi – Sim. Usou sim. Eu acho que... Tipo uns bichinhos parecidos
com uma lagartixa, né? Sem o rabo assim, ela deu exemplo lá né?

“Josi” continuou na viagem poética e nas múltiplas leituras que uma


obra artística e um enredo podem oferecer. A Lilatixa é descrita como um
bichinho parecido com a lagartixa. Ao dizer que o animal não tem rabo, “Josi”
informa que Lila deu exemplo. A menina na história se a refere à separação
dos pais dela ao falar “Eu tenho para mim que o pra sempre de pai e mãe
separado é igual a uma lagartixa sem rabo, a gente consegue continuar
andando, mesmo faltando um pedaço.”

6.4 EIS QUE SURGIA A MOÇA ENCANTADA

No que concerne ao aspecto técnico de representação da moça


encantada, princesa presente na história da Moura Torta, as falas dos
espectadores nos revelam elementos descritivos da personagem e da
movimentação:

179
Edv – Para representar a moça encantada ela utilizava lenços, ela
usava lenços... Agora uma coisa, Lila ela fazia papel duplo, né?
Edv – Justo... Ela mesmo que fazia o próprio. Ela era a Torta isso e
aquilo e daqui a pouco quando surgia a Bela, aí era ela mesmo que
fazia o papel, modificava a voz e só uma curiosidade que eu tinha.

Entrevistador(a)- Você... É quando ela contava a história, a princesa


ela usava um objeto, não sei o que. Você lembra o que era que ela
usava?
Crist– O objeto que a... Ah, um lenço.

Entrevistador(a) – E quando Lila ia contar a história da moça


encantada, da Moura Torta e do príncipe ela usava um elemento, um
objeto pra ser a princesa, tu lembras qual era o objeto que ela
utilizava?
Marc – Um pano.

Marl – Ela usava um lenço na mão e por sinal é... às vezes ela se
transformava numa princesa realmente. Às vezes ela ficava muito
frustrada. Estava se sentindo feia, horrorosa, mas que não ia dar o
braço a torcer. Que ela era a princesa.
Entrevistador(a) – Certo. E o príncipe? Como era que ela
representava o príncipe?
Marl – O príncipe, ela representava já de maneira mais, com mais
firmeza.
Entrevistador(a)- Hum rum
Marl – É, eu diria assim, com pose mais do príncipe.

Para além de um tecido/lenço de tule rosa utilizado para representar a


moça encantada, a sonoplastia era um marcador representativo nas mudanças
de clima e de ambiência.

Entrevistador(a) – [...] Que elemento foi utilizado para representar a


moça encantada e o príncipe?
Mel – Foi utilizado um elemento, um elemento de som. No momento
eu não recordo.

Entrevistador(a) – [..].
Que elemento foi utilizado pra representar a moça encantada, durante
o espetáculo, você lembra? Qual foi o elemento, o objeto que a
personagem principal utilizou pra caracterizar essa moça encantada,
a princesa? Você se lembra?
Paul - Foi aquele sino ou não? Não me lembro.

Elb – Ai! Não prestei atenção nisso. Foi o caso de lençinhos, não foi,
isso? Com as cores do arco-íris. A moça e o príncipe?
Entrevistador(a) – Hum rum!
Elb – Acho que foi a voz né? Mudança de voz, e o quê mais, deixa eu
ver... Tudo é decorado aí é pau, foi a mudança e... Não lembro."

Apesar da entrevistada “Elba” demonstrar certa aflição diante da


quantidade de informações sonoras e visuais na cena, ela demonstra o

180
conhecimento desses elementos. Já nas falas de “Paulo”, “Melquezedeque”
eles trazem de forma mais representativa os efeitos sonoros, relatando a
presença de sons avindos dos sinos e da mudança de voz, ambos elementos
que compunham a representação da moça encantada.

6.5 EIS QUE SURGIA RECIFE E OLINDA

No tocante à técnica de representação para criação do personagem


Recife, um jovem cavaleiro, e de Olinda, uma moça muito alta, que estão
prestes a casar, os espectadores trouxeram nas falas descritivos visuais
captados pela áudio-descrição. Vale salientar que em nenhum momento da
história Lila traz nos diálogos essas informações.

Marl– Eu percebi né? O Recife mesmo foi uma criatividade muito


bela, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.
Marl – Que ele substituía o violão, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.
Marl– Pra formar é... como se fosse o centro principal do Recife, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.
Marl – A “cabeça” do Recife. Que seria a do personagem, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.
Marl – E a Olinda também, que ela colocou um tambor na cabeça,
né?

Entrevistador(a) – Como era Recife e como era Olinda?


Paul- Agora você me pegou, porque o bojo do violão, no caso, era
Recife.
Entrevistador(a) – Hum.
Paul - E o tambor, representava Olinda, no caso.

Edn – Como eram? Por que tinha o violão, né? Que, aí deixa eu ver
se eu me lembro mesmo. Tinha o violão que representava... Tinha o
sino, né? Deixa eu ver o que é que tinha mais de elementos... O
tambor, né? E... Eu acho que só, que eu me lembre só.

Bel – Era um violão?


Entrevistador(a) – Hum rum. Você lembra como era, como era o
ritmo?
Bel – Era, batendo, não era? Batia assim no violão e tinha, tinha uma
outra coisa. Não sei se pra representar era Olinda era o violão ou era
o chocalho. Eu não sei, eu não tô lembrando dessa parte aí não.

181
Edv – É informou que o quê? Que Olinda tava com um sino e parece
que era o quê, um tambor, na cabeça. Um tambor, não. Como é era o
nome daquilo ali? Parece que Recife era o violão era? Era o violão e
Olinda eu não sei.

Rob – O violão era a cabeça de Recife, ficava na cabeça de Recife. O


músico que ficava à esquerda, ele foi quem se vestiu e ficou acima da
cabeça.
Entrevistador(a) – Certo. E Olinda?
Rob – Não lembro."

Adri – Eu me lembro, assim que tinha... que tinha um músico, né? Ele
tava com um violão. Que tinha uma lagartixa.

Edva – Olinda pegou os dois sinos e Recife parece que pegou, não
sei... foi uma lagartixa foi? Sei não.

Entrevistador(a)– Tu lembra como era Recife? Como ele


representava Recife? Como era?
Marc – Um ficava com o violão aqui na cabeça e ficava calado, só
Olinda falava.
Entrevistador(a) – Certo. E Olinda como era que ele representava
Olinda? Como era que a moça representava Olinda? Recife foi com o
violão, e Olinda?
Marc – Foi com um tambor.

Entrevistador(a) – Certo. Que elemento foi utilizado pra representar a


moça encantada e o príncipe dentro da história? Que objeto que Lila,
a personagem principal, utilizou pra representar essa moça e esse
príncipe?
Wil– Me parece que era um rapaz com o violão na frente do rosto e
uma moça com um tambor, na hora da... Tu tá falando de Recife e
Olinda é? Recife era o rapaz com o violão no rosto, com o violão
dentro da camisa e moça, e Olinda quem representava era a moça
com um tambor na cabeça.

Josi – A cena que eu mais gostei foi a cena de Recife e Olinda, né? A
cena mais bonita quando ele tá com o violão por debaixo da blusa.

Do relato de Marl e Josi extraímos o poder que a áudio-descrição tem


de evocar imagens, e dessas imagens, o sujeito deficiente visual eleger o que
mais o toca sensitivamente, podendo ele eleger dentro da obra o que há de
mais sublime e, no caso de Josi, ele elegeu a cena de Recife e Olinda.

O trecho abaixo aponta que os espectadores poderão descrever os


aspectos visuais apreendidos pela áudio-descrição com palavras pertencentes
ao mesmo campo semântico ou lexical.

Crist– Recife tinha a cabeça com um violão.


Entrevistador(a) – Hum rum.

182
Crist – Com uma parte dentro da camisa e a outra parte como se
fosse a cabeça. Deixa eu vê Recife, deixa eu vê se eu lembro de
mais alguma coisa.
Entrevistador(a)– E Olinda?
Crist – Olinda tinha um instrumento de percussão, parece, na cabeça.
Dois sinos parece, uma coisa assim.

Elb – Um ela utilizou o violão que ele botou em baixo da camisa e,


Olinda foi dois sinos com... Como é que chama aquele instrumento?
A zabumba? Na cabeça, um negócio assim. Os dois sinos. E ela fica
com as mãos abertas, representando Olinda.

Josi – Olinda era representada pela cabeça do violão né? E Recife


pelo... Um negócio que ela botou na cabeça. Eu não lembro aquele
negócio lá que ela colocou na cabeça. Um bombo parece.

Mel – Recife foi representado por um violão e Olinda eu não me


recordo o instrumento, acredito que tenha sido um bombo ou algo
assim.

Ao expor as palavras “zabumba” e “instrumentos de percussão”,


“bombo”, os entrevistados demonstram que simplesmente podem não ter
lembrado a palavra correta que nomeia o instrumento. Nesse caso o descritivo
utilizado na áudio-descrição foi “tambor”, porém os entrevistados buscaram
uma outra palavra do mesmo campo lexical, ou seja, pertencente à mesma
área de conhecimento para especificar que se tratava de um instrumento
musical posto na cabeça.

Em “Nem sempre Lila”, a técnica de representação utilizada


predominantemente foi animação de objetos, cujo apelo receptivo desse
elemento da teatralidade é a visão. A partir dos relatos oferecidos por nossos
entrevistados, constatamos indícios que marcam a técnica de representação
empregada, onde um lenço vira princesa, que vira Lilatixa, que vira um arco-
íris. O homem pega o violão, coloca em frente da cabeça e vira Recife, a
mulher que pega um tambor coloca na cabeça e vira Olinda. Esse jogo de vira-
vira é poder de transformação que o teatro permite. Nesse caso, são objetos
manipulados e resignificados em cena. Esses objetos que apelam para a visão
é a teatralidade visual. E como diria Guénoun (2003) “O aparecer da coisa é
sua teatralidade” (p. 23).
Conhecer como é feito, o que é posto em cena e/ou a técnica
empregada na construção do espetáculo, o individualiza e o define como obra

183
artística. Portanto, saber a maneira como a Lilatixa toma vida no palco,
entender como a moça é encantada, como são representados Recife e Olinda,
são aspectos relevantes no processo de recepção e fruição do espetáculo.

6.6 CENÁRIO, ELEMENTO DA ENCENAÇÃO

O cenário pode ser entendido como a simbiose do que é posto em


cena. Muitos sujeitos, quando questionados sobre a cenografia, trazem esse
entendimento e correlacionam com os demais elementos constituintes da
encenação (iluminação, posição dos atores, área de representação).

Marl – O cenário. Eu achei muito bonito aqueles pontinhos de luzes lá


no fundo, né? Aquele jogo também de luzes, aquelas luzes lilás.
Tinha uma parte lilás, tinha uma parte mais, é um creme assim, não
é?

Rob – Tinha foco de luz branca, parece que no começo do espetáculo


tinha um foco de luz branca, à esquerda ficava um músico com o
violão, à direita ficavam os musicistas com variados instrumentos de
percussão. Lembro que identificavam eles do lado e você ficava no
meio fazendo as interpretações.

Wil – Bom. Era um pano amarelo no fundo. Aí no lado esquerdo era o


rapaz sentado com o violão, no lado direito a moça da percussão e a
cena se passava na frente do palco e em todo o meio. E a iluminação
variava, a iluminação. Na hora que mudava de luz ela avisava que
mudava de cor. Na hora que projetou aquele, aqueles desenhos no
fundo do palco ela também avisou, na hora da chuva de bolas de
sabão, foi muito bom o trabalho.

Mel – O cenário com um tecido longo que vinha do teto ao piso e a


iluminação de luzes brancas e verdes.

Entrevistador(a) – E o cenário, você lembra como era, como era o


cenário? O que era que tinha no espaço onde Lila estava?
Nil – É... Tinha os instrumentos, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.
Nil – Do lado esquerdo os músicos, né? Os músicos. E do lado
direito, não. E os músicos estavam com um violão, com um violão
azul e a moça estava com uns instrumentos, né?"

184
Em algumas entrevistas, os espectadores, apesar de alegarem não
lembrar dos elementos constituintes da cenografia ou demonstrarem
insegurança para detalhar os aspectos descritivos, trazem informações
imagéticas, oferecidas na áudio-descrição.

Crist – Lembrar eu lembro mais ou menos. Agora assim, pra


descrever...
Entrevistador(a) – Alguma coisa que você lembre assim. Ah, eu
lembro de alguma coisa.
Crist – Ah, eu só lembro dos tecidos.[...]
Entrevistador(a) – E como era esse tecido, tu lembras?
Crist – Pois é! É isso que eu não consigo explicar."

Edva – O nome do... do cenário o que, o palco lá?


Entrevistador(a)– É como era o cenário?
Edva – Eu sei que tinha quatro metros de pano no chão, forrado. Sei
cobrindo o palco parece. É que eu sou meio esquecida.

Edv – O cenário. É feito eu já disse, a gente esquece. Disse de tudo,


de tudo um pouco assim foi falando. Logo no inicio assim. Como
estava o cenário.

Nei – Que tinha um tapete. Tinha tapete, tinha o palco. Dá pra


descrever assim. E a claridade da luz do lado direito e esquerdo. Eu
sou muito ruim pra isso, meu Deus.

Nas conversas travadas, houve espectador que ao relatar aspectos do


cenário mostrou equívocos na cor e no tipo do material:

Est – O cenário eram os tecidos de malha, laranja, não é? E cor da


terra, assim, botaram assim, um buraco. Em volta do buraco também
tinham uns tecidos, assim... Da coisa assim, do buraco.

O espetáculo vai além do que objetivamente é posto em cena, a obra


se concretiza na leitura que cada um faz. A imagem é traduzida em palavras e
apreendida por meio da áudio-descrição pela pessoa com deficiência visual,
que a permite construir essas imagens. Por essa razão, há de se atentar para
essas declarações:
Jac – As cores? Olha, o amarelo para o fundo do palco, um pano
escuro para o buraco, ao lado era... se eu não me engano era branco
e tinha... era mais ou menos isso.

Elb – Recordo das bolas, né, subindo, o buraco que... Tinha um


buraco em cima, o início do buraco e também em baixo como se ela
tivesse cavando chegando até onde ela queria.

185
Compreender, inventar, construir por invenção. “Quando aprendemos
algo, estamos de certa forma criando-lhe uma significação com base em
nossas vivências e conceitos” (DUARTE JUNIOR, 1998, p. 99). Ou seja, para
além dos elementos que atuam para provocar significação no instante da cena
(diálogos, iluminação, indumentária) existe a particularidade de cada sujeito e
sua leitura que faz do mundo.
No extrato, “Jac” ao falar que existia um pano escuro para o buraco
não pode ser considerado um equívoco, mesmo que saibamos que o tecido era
amarelo. Simbolicamente o buraco é construído pela saia da personagem,
amarelo, na mesma cor do piso do chão. Ao se levantar que a primeira cena,
quando Lila está com as pernas para o alto, a parte que esconde o restante do
corpo de Lila, o amontoado de tecido que representa o buraco, nesse momento
encontra-se no escuro. Conforme podemos perceber no extrato da áudio-
descrição:

O amontoado de tecido no centro revela dois pés que lentamente


sobem: esquerdo, direito, esquerdo, direito. Agora duas pernas se
projetam no ar, balançam de acordo com a música. Lila está dentro
do montinho da cintura para baixo. Pés para à esquerda, direita no
centro, balançam para os lados, para cima. Pernas giram, abrem, pés
em sentidos opostos, juntos, balançam, dançam, joelhos flexionados,
pés para baixo, para cima, se sacodem (Roteiro de áudio-descrição.
Início do espetáculo).

6.7 ILUMINAÇÃO, ELEMENTO DA ENCENAÇÃO

As falas dos espectadores no que concerne à iluminação revelam as


diversas mudanças de climas e ambientações provocadas pelo jogo de luz, os
efeitos da fumaça e das bolhas de sabão. Tais aspectos levaram os sujeitos a
manifestarem um parecer estético acerca do que foi visto.

Wil – [...] E a iluminação variava, a iluminação. Na hora que mudava


de luz ela avisava, que mudava de cor. Na hora que projetou aquele,

186
aqueles desenhos no fundo do palco ela também avisou, na hora da
chuva de bolas de sabão, foi muito bom o trabalho.

Crist – Descreveu. Falou da luz branca. Assim uma luzinha branca.


Não sei se foi outra verdinha, uma coisa assim.

Entrevistador(a) – E você lembra alguma coisa da iluminação? Ela


descrevia a iluminação? A áudio-descritora, ela descrevia?
Bel – A luz branca, falou realmente.
Entrevistador(a) – Como é que era essa luz branca, tem algo que
você poderia dizer?
Bel – Eu, eu só me lembro assim, quando ela disse que tinha uma luz
branca no palco. Tinha uma luz branca, eu é que pergunto?

Est – An ran. Que tava escuro o palco. Não, tava lá... Como é o
nome? Ali no palco mesmo. Mas depois colocaram dois... dois no
chão, que é bem grande a luz. Ai meu Deus, esqueci o nome. Que
focaram bem assim, dois focos de lâmpadas, de luz.
Entrevistador(a) – Era em quê esta luz?
Est – Era em cima dos atores, não é? Da cena.

Marc – Um monte de coisas coloridas e duas pessoas com um violão,


cantando e a outra mulher do outro lado.

Nil – Lembro. Uma luz branca e uma vermelha.


Entrevistador(a) – Tinha uma luz vermelha?
Nil – Foi. Eu lembro só dessas duas cores."

Rob – Os canhões que ficavam atrás da plateia, os canhões de luz,


um branco e me parece que teve um foco de luz amarelo também.

Josi – Tinha luzes. Agora eu não lembro a cor da luz. Às vezes


ficavam apagando as luzes. Tinha fumaça no espetáculo. Eu não
lembro as outras coisas não, agora eu não vou lembrar. É muita
informação.

Paul- Sim, elas falaram muito das luzes, as posições que as luzes
estavam né? O momento em que ela tava olhando pros pés que tinha
uma luz também. Aquele momento do buraco que tinha alguma coisa
envolvida assim, por cima, com um centralizado rosa, alguma coisa
assim.

Juc – A iluminação tinha várias luzes, né? A cada momento, como eu


enxergo um pouquinho luzes, só luzes, a cada momento eu estava
vendo quando apagavam as luzes. Logo no início as luzes estavam
apagadas, as luzes ali do cenário ali, só daquela parte do palco que
estava apagada, né?

Juc– Avisando, sempre ela tava avisando do jogo de luzes, quando


mudava as luzes do palco, quando mudava as luzes ali da parte da
arquibancada também, ela ficava um pouco clara um pouco mais
escura. Ela tava sempre, mudou muito, mudou bastante.

Entrevistador(a) – Mas tava como? Tinha alguma luz especial?


Cic– Tinha uma luz bonita.
Entrevistador(a)– Como era essa luz, o senhor poderia me dizer?
Cic – Acho que era azul, uma coisa assim.

187
Apesar de não trazer descritivos com riquezas de detalhes, os sujeitos
trouxeram aspectos que demonstram a função técnica da luz, iluminar,
esconder, sugerir o foco de atenção e de poetizar a cena. Assim como
apontado na fala de “Elb”

Elb – A iluminação sempre mudava as cores né? E tinha uma


cor branca que iluminava o... Centralizava quando ia mudar
pra... Como é que chama? Pro músico e pra Lila e pro outro.
Sempre uma iluminação branca né? Mostrando que tava
focando eles.

6.8 E COMO ELA ERA? CARACTERÍSTICAS


FENOTÍPICAS/FÍSICAS

O conjunto de características que se manifestaram visivelmente nos


personagens relativas ao fenótipo (cor de pele, tipo de cabelo, tipo físico) são
encontrado nos trechos abaixo:

Entrevistador(a) - Como era o cabelo dela?


Edva – Grande, era escorrido, né?
Entrevistador(a)– Hum rum. E como ela era, era branca? Como era a
pele dela?
Edva – Isso aí, passou pela cabeça, me esqueci. Deve ser branca
ela.

Crist – Ela tinha o pé grande.


Entrevistador(a) – Ela tinha o pé grande era?
Crist – Era.

Entrevistador(a) – Tu lembra como era, como Lila era assim? Como


era o cabelo de Lila?
Marc – Era liso, longo…

Bel – Branca, branca, cabelos negros, cabelos negros é... Escorrido.


Entrevistador(a) – Hum rum.
Bel – Não, era magra. Não era gorda não, eu acho. Se o vestido era
ligado, eu acho que ela não tinha o barrigão não. Vai que essa Lila tá
bem aqui, né? Tá não, né?
Entrevistador(a) Não, tá aqui na sua frente.
Entrevistada – Lila?
Entrevistador(a) – Sou eu Lila. (sorrisos. Na ocasião a entrevistadora
era a pesquisadora que também foi atriz do espetáculo).

188
Bel – Os rapazes estavam descalços, cabelos, tinha de cavanhaque.
Entrevistador(a) – Hum rum.
Bel – Fechado. E o cabelo espetado com gel. Eu lembro disso.
Entrevistador(a)– Hum rum. Isso eram os músicos.

Entrevistador(a)– E como era o penteado de Lila? Como era o cabelo


de Lila?
Marl– O cabelo de Lila era solto, longo. Bastante solto com uma tiara.

6.9 E COMO ERA O FIGURINO?

Para além das características físicas dos personagens, a áudio-


descrição também trazia informações sobre a indumentária utilizada, como há
de se notar nos relatos de alguns sujeitos.

Marl – Olhe! Ela estava com muitas roupas por sinal, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.

Marl – Estava com um vestido rosa de alça, com uma tiara dourada, é
com uma calça por baixo, uma legue e até o joelho.
Marl – E se eu não me engano ela estava com uma roupa clara, né?
Olinda. É Recife já estava com uma roupa mais colorida, mais escura.

Entrevistador(a) – Certo. E Lila, você lembra como Lila... Lila era


personagem, né do espetáculo? Você lembra como ela estava
vestida?
Crist – Pera aí deixa eu vê se eu consigo lembrar. Uma saia parece.
Entrevistador(a) – Hum rum.
Crist- Aí, me esqueci. Eu só lembro da saia.

Bel– Uma voz parecida. O vestido era de alça, curto, curto até as
coxas e bem ligado ao corpo. Não sei se eu tô errada. Parece que era
rosa o vestido, era rosa, agora eu tô lembrando. Tinha... agora que eu
não sei... tinha parece, parece tipo uma túnica.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Bel – Agora eu não lembro também, parece que era na cintura dela a
túnica que estava amarrada. Foi isso que eu fiquei pensando. Ela
com esse vestido curto. Se tá com as pernas pra cima vai aparecer
às calcinhas, mas ela estava com uma túnica, já cobre, tipo uma saia
longa, foi isso que a moça falou. Acertei?

Entrevistador(a)– Lembra como era a roupa dela?


Edv – A roupa dela. Não chego a lembrar assim, totalmente porque

189
devido ao tempo que já se passou e não dei tanta importância, não. A
moça falou ali na hora assim, aí a gente esquece.

Adri – Ela tava vestida, se eu não me engano foi de saia, né? De saia
rosa, né?

Entrevistador(a) – Hum rum. Oh Edvânia e tu lembra como era que


Lila tava vestida? O que era que Lila vestia?
Edva – Um vestido de alça, uma bermuda, eu me esqueço o nome da
bermuda.
Entrevistador(a) – Certo. E a bermuda era como? Ela ia até onde?
Edva – Até o joelho. E o vestido também. E o cabelo dela era...

A áudio-descrição trazia nas notas proêmias as seguintes informações:

Lila usa uma tiara dourada no cabelo e vestido de alça rosa claro
colado ao corpo até a altura da coxa. Tem um torçal bege na cintura.
Por baixo do vestido Lila veste uma calça legging bege até o joelho.
Está descalça.
Um tecido de duas faces ora serve como saia ora como capa.

Os músicos vestem uma bata bege com uma faixa laranja nas
extremidades da manga e na altura dos quadris. Usam uma bermuda
amarela clara. Estão descalços.

Os músicos permanecem com o mesmo figurino durante todo o


espetáculo. Já Lila troca de roupa durante algumas mudanças de cena.

A primeira mudança ocorre no final da música “Pobre da menininha,


dançava suas lembranças, mas ela não tinha tranças, nem sapatos de cristal,
na história da sua vida, havia sapos medonhos e um príncipe bisonho que
parecia um lombo mau”, momento em que também ocorre a chuva de bolinhas
de sabão, Lila remove a saia longa feita pelo tecido de duas faces,
permanecendo apenas com o vestido de alça rosa e a calça tipo legue na cor
bege, ela vai ao centro do palco e abre os flashes da lateral da saia do vestido.

A segunda mudança ocorre quando Lila prende o cabelo em coque,


pega o tecido que no início era uma saia longa e rosa, coloca pelo avesso, que
é na cor amarela, transformando-a na capa da Moura Torta.

Após a história da Moura Torta, Lila retira a capa e solta novamente os


cabelos longos e pretos, permanecendo até o fim da apresentação com o
vestido de alça rosa e a calça legue.

190
Essas mudanças foram narradas pelos nossos sujeitos:

Est – Ela pôs as tranças, né? Quando acabar vai fazer não sei o
quê... Aí depois veio, tirou e vestiu uma roupa e tirou e botou uma
bata.
Est – Lila estava vestida de rosa, uma calça legue bem colada, um
cinto feito um torçal, bem amarrado, era laranja ou era dourado meu
Deus? Esqueci agora um pouco.
Entrevistador(a) – Esqueceu. Ela usava alguma coisa na cabeça?
Est – Ela usava assim, o cabelo com as franjas pra cima.
Entrevistador(a) – Era Lila que usava franja?
Est – Agora tu me pegasses, visse? Não lembro bem. Eu sei da
roupa dela.
Entrevistador(a) – Fala aí da roupa.
Est – A roupa era rosa, né? Com esse dorsal, que é o cinto amarrado
bem aqui em cima. Calça legue preta, foi isso? (OBS: enquanto fazia
a entrevista, “Est” costurava).

Rob – Com um vestido amarelo, né?


Entrevistador(a) – Hum rum.
Rob– E com uma calça legue por baixo.
Entrevistador(a)– Certo. E teve alguma mudança no figurino, alguma
mudança no espetáculo?

Josi – A Lila teve uma hora que ela mudou de roupa, não é, de traje?
Tem uma hora que ela mudou de traje.

Edn – Por que é assim, no início ela tava com um vestido, né? Depois
ela botou... Tava com um, deixa eu ver se eu me lembro, uma capa
também, ela tava com uma capa durante o espetáculo também,
depois a saia caiu, durante o espetáculo. É por que são tantos
detalhes.

Jac – Num prestei atenção não. Ela trocando a saia, fazendo uma
capa só isso assim, não me veio agora…

Ju – Várias mudanças. Na primeira cena ela estava com um vestido


na altura do joelho, não vou lembrar a cor, mas lembro disso aí,
dessa parte na primeira cena.
Entrevistador(a) – Ela trocou de roupa.
Ju – É se trocou de roupa é em cada cena. No caso de uma cena pra
outra ela foi apresentada de várias roupas. Roupas, tecidos, panos
que ela tirou, gestos, vários gestos que ela fazia, né? Se torcendo,
caindo, tudo, esse vestiário.

Mel – A ação é que ela tava posicionada em pé, de vez em quando


ela rolava ao chão e trocava as vestes, as roupas que ela vestia e
revivia os personagens na qual ela fazia.
Mel – Segundo a áudio-descrição, ela estava vestida com um vestido,
uma saia e uma calça legue e uma blusa.
Entrevistador(a) – Ela trocou de roupa em algum momento? Mudou
de roupa em algum momento?
Mel – Sim. Tirou o vestido e abriu o zíper da saia ao lado.

Entrevistador(a) – A Moura Torta estava vestida como?


Joa– De saia, não. De vestido e batendo no joelho.
Paul - Sim, agora eu não me lembro detalhes né? Os detalhes, um
dos pontos foi que a saia se transformava numa túnica, né?-
Entrevistador(a)– An ran.

191
Paul - Um dos detalhes né? Foi isso, e que no começo as
vestimentas até a altura da cintura, bem justo, alguma coisa assim, foi
isso?

Wil – Acho que foi, assim aonde… Parece que envolveu uma capa
nela, não sei se eu tô certo e algumas partes que envolvia uns
lenços.

Nei– De longo foi? Não ela estava vestida de coton, de coton com
vestido e uma bata... Não com um avental, uma capa, como se fosse
uma saia é assim?

Elb– Ela estava vestida com saia longa, e que também tem um capuz
e, que ela era rosa se eu não me engano, não era assim mesmo? E
tinha um capuz que ela se cobria se eu não me engano tinha
estampa também, se eu não me engano.
Elb– Eu sei que ela tirou a saia e ficou de... Como é que chama? Que
ela tinha em baixo, como é que chama aquela calça que fica até o
joelho? Agora sim, quando Lila ta falando, aí, tem coisas que a gente
não dá pra entender por causa do, do... Ao mesmo tempo né, a gente
tem que ficar prestando atenção em uma coisa e eu sou muito
demente assim, só sei prestar atenção em uma coisa. Aí, pronto, mas
foi ótimo, achei maravilhoso. Agora a mudança, acho que foi isso né,
que ela tirou a saia. Elba – E ficou com aquela calça bem apertada
que fica até o joelho.

Man – Lembro, lembro, lembro. Ela estava de vestido rosa, foi de


vestido rosa e depois tava de... Vestido rosa e por baixo tava uma
calça, foi isso?
Entrevistador(a) – Foi.
Man– Tava muito bonito.
[..]
Man – Deixa eu ver. A Moura Torta estava de... deixa eu ver. Meu
Deus... de... Uma roupa rosa, grande assim rosa, não foi?

Fizemos questão em transcrever um número grande dos extratos de


fala, objetivando demonstrar o nível de apreensão desse elemento visual no
espetáculo “Nem Sempre Lila”.

6.10 E COMO ERA A MAQUIAGEM?

A maquiagem é utilizada como estratégia de caracterização visual da


personagem, além de reforçar os traços da face, a atriz trazia na perna uma
maquiagem tridimensional de uma ferida. Quando os entrevistados foram
questionados sobre a localização trouxeram as seguintes informações:

192
Entrevistador(a)– Certo. E onde é que estava essa creca de Lila?
Lembra quando ela disse: “aí eu tenho uma creca, eu tenho uma
creca”?
Marl – Foi nos braços?
Entrevistador(a) – Certo, nos braços, certo. E tinha mais algum outro
lugar onde ela tinha creca, pereba?
Marl – Nas pernas.

Entrevistador(a) – Certo. E Lila, teve uma hora que Lila descobriu


uma creca, né? Uma pereba.
Crist – Foi.
Entrevistador(a) – Onde estava essa pereba?
Crist – Na perna.

Entrevistador(a) – Lila teve uma hora que descobriu uma pereba, uma
creca, lembra onde era? Onde era que ela achou essa creca?
Bel – Foi na perna, não foi?
Entrevistador(a) – Hum rum. Foi.
Bel – E ela disse até uma palavrinha que eu tô esquecida. Mas eu
lembro que ela disse: “só por causa da minha creca, porque eu tenho
essa creca?” Não sei o quê que ela falou. Eu não lembro da palavra,
mas ela se queixou de alguma coisa por conta da creca, parece.

Entrevistador(a) – E teve um momento que Lila descobriu uma creca,


uma pereba? Onde era que tava localizada essa creca de Lila?
Edv – Se eu não me engano foi na perna.

Entrevistador(a) – Hum rum. Certo. É teve um momento lá que Lila


descobriu uma creca, não sei se você estava dormindo. Você tava
dormindo nessa hora que ela descobriu a creca?
Adri – Não, eu escutei. Se eu não me engano foi na perna, não foi?

Entrevistador(a) – Certo. E teve uma hora que Lila descobriu uma


creca, uma pereba. E onde era que tava essa ferida?
Edva – Na perna.

Entrevistador(a) – Certo. E teve uma hora que Lila descobriu uma


pereba, uma creca, tu lembra onde era que tava essa creca?
Marc – No nariz.
Entrevistador(a) – No nariz? E tinha mais em algum outro lugar?
Marc – Ela tinha uma ferida no joelho.

Entrevistador(a) – É verdade. E tem uma hora que Lila descobriu uma


creca?
Nil – Sim.
Entrevistador(a) – Uma creca, uma pereba. Onde era que estava
essa creca de Lila?
Nil – Era na perna.

Rob – A áudio-descritora descreveu como uma mancha na perna.


Entrevistador(a) – Uma mancha na perna?
Rob – É.
Entrevistador(a) – Certo. E onde estava essa mancha na perna?
Rob – No joelho.

Josi – Uma pereba? Eu acho que na perna. Que ela descobriu, Lila.

Edn – Eu só lembro mais ou menos assim, que o cabelo dela, se não


me engano, tava... Ficou duro, né? Pra cima. Eu acho que só isso
que eu lembro. E o batom parece que era rosa.

193
Edn – Tinha... Foi quando ela olhou pro joelho não é isso? Que ela se
assustou. Tinha tipo umas rugas entre o nariz.

Jac – Nos pés. Se coçando.


Entrevistador(a) – Onde é que tava o corte dela, onde ela tinha uma
creca?
Jac – Interessante essa pergunta, era uma coceira, uma creca.
Entrevistador(a) – Ela tinha uma creca bem grande em alguma parte
do corpo. Você lembra onde é que era?
Jac – Não, acho que era nos pés ou na perna.

Mel – Maquiada eu não sei informar, mas o penteado tava com... O


penteado como é que se diz, com um cocó na cabeça e só.
Entrevistador(a) – Lila descobriu uma creca, uma pereba, uma ferida.
Em que parte do corpo dela, onde estava localizado?
Mel – No joelho.

Entrevistador(a) – Onde essa pereba tava localizada, você se


lembra?
Joa– No joelho!?

Entrevistador(a)-E teve uma hora que ela tinha uma creca, pereba
que ela descobriu no corpo, sabe onde estava?

Wil – Se eu não me engano era no joelho.

Nei – A pereba era nas pernas dela. Não era nas pernas?

Entrevistador(a) – É. Lila descobriu uma creca, não foi? Uma pereba


em parte do corpo dela. Você lembra em que parte do corpo que tava
essa pereba?
Paul - No nariz, não foi. Uma verruga?
Entrevistador(a)– Uma verruga?
Paul - Foi uma verruga.

Conforme percebemos, um número expressivo de usuários trouxe a


localização exata da ferida. Outros trazem a informação no nariz, ou até no
corpo todo. Isso pode ser explicado porque Lila fica vesga e percebe uma
espinha no meio do nariz dela, comparando-a com a forma de uma verruga
que as bruxas geralmente têm no nariz. Essa informação está presente no
texto falado e é reforçada pelo gestual, quando a menina aponta para o nariz.
Por essa razão, alguns dos sujeitos quando questionados sobre o
aparecimento da “creca”, “pereba”, indicam o nariz.

Entrevistador(a) – Outra coisa, durante a peça, não sei se o senhor


lembra, mas Lila descobriu uma creca, uma creca, uma verruga, uma
ferida em parte do corpo dela. Você lembra em que parte do corpo
essa creca tava? Que Lila descobriu e se assustou?
Cic – Era no nariz.

194
Entrevistador(a) – Hum rum. Tinha mais outra creca em alguma outra
parte ou só no nariz?
Cic – Só no nariz.

Entrevistador(a) – Uma pereba. Você lembra onde é que essa creca


tava localizada no corpo dela?
Elb – Ah, era no nariz, um... Não sabia se era uma espinha, ou se era
um... Como é que chama aquilo? Uma verruga. Isso?

Outro aspecto referente à caracterização visual dos personagens


captado pelos sujeitos foi os diferentes penteados utilizados na cena:

Elb – Isso foi logo no início né que ela disse, eu sei que ela tava com
o cabelo amarrado se eu não me engano, que ela levantava pra cima
e pra baixo, agora maquiagem eu não lembro.

Entrevistador(a) – E Lila assim, a descrição dela, o penteado dela?


Como ela era?
Man – O penteado dela, era cabelos longos, soltos.
[...] Era uma também que tava com o cabelo cacheado até aqui,
assim na bochecha. A franja, a franja amarrada. Não, pra cima no
alto, presa, né?

Entrevistador(a) – E o penteado de Lila? Como era o cabelo de Lila


Est – Sei que tinha uma fitinha, uma franja assim, lá pra cima. Sei que
as franjas eram assim pra cima, cabelo arrepiado.

Crist – Teve uma que estava com a franja amarrada assim, mas eu
acho que era a que estava com um instrumento, parece.
Entrevistador(a) – Ela estava com uma franja amarrada?
Crist – Era.
Entrevistador(a) – Como era que estava a franja dela?
Crist – Ui, desculpa.
Entrevistador(a) – Tudo bem, desculpa. Pode falar.
Crist – Eu sei que estava amarrada acima da cabeça.
Entrevistador(a) – Certo.
Crist – E ela tem o cabelo cortado na altura do queixo.

Entrevistador(a) – E ela mudou o penteado em algum momento?


Marl – Teve momentos que ela, que ela pegava o cabelo, prendia um
pouco, soltava novamente.

Conforme descreve “Marl”, há apenas um momento em que a


personagem prende o cabelo em coque, que ocorre na cena da Moura Torta. A
“creca”, “pereba” é uma macha na perna direita próxima ao joelho.
A maquiagem utilizada pelos atores na área da face cumpre apenas a
função de demarcar o traçado das expressões, não ocupando papel relevante
a ser traduzido pela áudio-descrição. A atriz que interpreta Lila usou tons

195
suaves nas bochechas e batom rosa, os músicos demarcaram o traçado das
sobrancelhas e dos olhos.

6.11 E ELA SE MOVIA ASSIM... EXPRESSÕES CORPORAIS,


PARTITURA FÍSICA

As falas dos nossos sujeitos são ilustrativas acerca dos desenhos que
o corpo dos atores desenhava no palco.

Marl – Olhe! Eu achei todas belíssimas, principalmente com a sua


atuação, uma energia. Você tem uma coordenação motora pra tudo.
Marl - Ela mostrava assim as pernas.
Entrevistador(a) – Certo.
Marl – Passava a mão.
Marl – Olhe o que me marcou muito foi justamente esse seu jogo no
palco. Essas voltas que você dá, essas quedas que você dava, eu
achei maravilhosas porque não são fáceis, não. Você tá fazendo
assim, algo e de repente, cair. Houve várias quedas assim e você foi
bem no ritmo. A música acompanhando e você realmente... eu diria
pra você assim, acompanhava o ritmo que dava igual, né? Na hora
que o ritmo parava você também caia. E eu achei muito interessante,
isso aí me marcou muito porque eu acho muito difícil, eu não sei se é
devido já à minha idade, né?

A energia desprendida na movimentação, bem como a musicalidade


que acompanhava cada movimento foram relatadas com admiração pela
espectadora “Marl”. Perceber o movimento, o deslocamento da imagem no
espaço é uma das contribuições que a áudio-descrição oferece para
apreciação do espetáculo.

Bel – Na hora eu fiquei imaginando porque a moça falando que a atriz


tava com a perna pra cima.
Entrevistador(a) – Hum rum.
Bel - Ela tava dançando era pra cima? Eu achei interessante isso daí.
Cada toque do instrumento lá, se era mais rápido ou mais devagar
ela fazia os mesmos movimentos que a música, era isso que eu fiquei
pensando pra mim mesmo, entendeu?
Entrevistador(a)– An ran.

196
Bel – Ela tava de ponta cabeça, é?
Entrevistador(a)– An ran.
Bel – Por que a moça disse que ela está agora com a cabeça... Com
as pernas... A cabeça pra baixo e as pernas pra cima fazendo,
fazendo os mesmos movimentos. Vai pra lá, vai pra cá, o movimento.
Aí eu tava analisando que eu tava ouvindo a música e a música do
violão, então eu deduzi também que ela tava... Aí, na minha
imaginação, essa menina é fogo ela tava fazendo tipo um
malabarismo.
Entrevistada – Plantando bananeira. Foi assim que eu pensei e achei
bonito.

Man- Eu achei engraçado também quando ela está no buraco e


colocava a capa, aí ela com as pernas pra cima e ficava com as
pernas, dançando, vai pra cá vai pra lá, sabe. Achei legal aquilo ali.

Marl– Olhe! O início do espetáculo, por sinal foi muito interessante.


Você chegou dançando com as pernas o tempo todo dentro do ritmo.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Marl - Que realmente pra gente que tem baixa visão percebeu lá,
realmente, é... eu diria duas cabeças dançando.

A locução áudio-descrição evocou uma imagem e a entrevistada


compreendeu a complexidade da ação física elaborada pela atriz, atribuindo
valor que a fez achar a ação bonita. São as imagens sendo apreciadas pela
pessoa com deficiência visual.
Vários eventos imagéticos narrados pelos nossos sujeitos ilustram
as diversas cenas da peça e a essência do movimento:

Edva – Então, é que começou a se cheirar dizer que o braço tava


crescendo, sei lá tava cabeludo, crescendo e cheirou as axilas e
disse que tava uma catinga de queijo, coisa podre, né?"
Entrevistador(a)– Na cena da Moura Torta, como era que a Moura
Torta se movimentava? Como é que era a postura dela?

Est – Era toda torta.


Entrevistador(a)– E as expressões faciais dela, como é que ela...
Est – E fazia careta, olha só. Os músicos também faziam caretas,
arregalavam os olhos, né? Deixa vê mais, que eu me lembro... só.
Est – Ah, tá. Aí ela pegou a lagartixa e botava em cima dela e se
deitou no chão. A lagartixa perdeu o rabo e ela disse: “ai a lagartixa”.
Entrevistador(a)– E os músicos estavam como?
Est – De olho arregalado, a mão nas pernas assim, e a boca aberta.

Entrevistador(a)– E tu lembra, como é que era que ela se


movimentava?
Marc – Ela ficava pra lá e pra cá. Ela se jogava no chão.

Nil – Esse foi bom. Foi muito interessante. Porque ela falou do
buraco, da Branca de Neve, a língua né, mostrando a língua. As
mãos fechando, se ajoelhando.
Nil – Eu lembro que ela, é por que é muita coisa que diz né?
Entrevistador(a)– Hum rum.

197
Nil – Eu lembro que se levantava, jogava no chão. Ficava se
arrastando.
Nil – Aí disse que, foi quem? Parece que foi a moça que fazia assim,
que enchia a boca.
Entrevistador(a)– Enchia a boca de ar?
Nil – Sim.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Nil – Aí eu não sei pra que né? Eu não sei pra quê, só sei que ela
enchia a boca. Sim, teve uma parte que ela ficava com o olho
arregalado, um olho assim, olhando para o público.
Entrevistador(a)– Certo.
Nil – É a moça do… do músico né?
Entrevistador(a)– Hum rum.
Nilson – Teve uma hora que ele ficava rindo.
Entrevistador(a)– O músico?
Nil – Sim. Eu só lembro só essas partes.

Rob – Lembro de quando ela tava circulando e quando ela tava


rolando pelo chão também.
Rob – Ela estirava, ficava curva, chutava o ar.
Entrevistador(a)– Hum rum. E a expressão facial dela?
Rob – Rapaz não me pareceu das melhores não. Ela fazia trejeitos,
uma espécie de careta.
Entrevistador(a)– E como era essa espécie de careta, lembra como
era que ela fazia? Como eram essas caretas?
Rob – Ela arregalava os olhos e fazia expressões bucais.

Josi – Ah sim, quando ela faz os gestos, quando ela aponta com os
dedos, quando ela senta, a hora que ela derrubou a saia, lá? Muito
interessante, né? Muito interessante.

Jac– Deitando o tempo todo, deitava e sentava.


Especificamente sobre a expressão corporal e facial da Moura Torta,
os sujeitos trouxeram as seguintes informações:

Entrevistador(a)– E lembra alguma coisa do movimento… De que tipo


de movimento que ela fazia ou as expressões faciais dessa Moura
Torta?

Wil – Ela era corcunda.

Edn – Ela ficava toda encurvada, né? E assim, com a boca pra baixo,
a língua pra fora e os braços também todo encurvando, ela ficava
praticamente toda encurvada, né?"

Paul - A expressão... Ela fazia bico, né? Ficava torta, se contorcia,


girava de um lado pro outro.

Entrevistador(a)– E a outra personagem, a Moura Torta, como é que


ela estava vestida, como ela se movimentava?
Elb – Ela sempre se contorcia, mexia o braço, deixa eu ver se eu
lembro da roupa... Essa eu não lembro não.

Elb – Ela mudava o perfil, mudava os olhos pra lá, os olhos pra cá,
fazia caretas com a boca, foi tanta coisa que a gente fica doidinha,
doidinha mesmo foi muita coisa, muita coisa que a gente fica...

Juc– Ah, as expressões faciais ela fazia várias expressões com os


gestos, olhava pra baixo e pra cima, colocava várias, várias, várias...

198
A face dela era de vários jeitos. A língua ficava de vários jeitos.
Juc – Moura Torta, toda torta, né? Caía pelo chão, toda... Caía pelo
chão e batia e isso, entendeu?

Mel – As expressões faciais dela, ela ficou torta com as mãos e a


boca, e os olhos, os gestos e o jeito do cabelo que modificou né?

A descrição abaixo se refere à cena em que Recife está ilhado e tenta


chamar a atenção de alguém para libertá-lo.

Edn – Porque tinha uma parte que eles gritavam, cantavam, se


movimentavam os braços.

Bel – A cena que eu menos gostei?


Entrevistador(a)– É.
Bel – Eu acho que foi a das caretas.
Entrevistador(a)– Das caretas?
Bel – É.
Entrevistador(a)– Por quê, heim?
Bel – Foi começando as caretas, começou um barulho. Aí eu não
gostei assim, porque a careta geralmente é engraçada, né? Porque o
humorista quando ele vai fazer um papel de humor, né? Um humor
ele se caracteriza, né?

Pelas categorias expostas, pensamos que ao reunir todas as falas dos


nossos sujeitos espectadores seríamos capazes de reconstituir visualmente as
cenas e os elementos da teatralidade pertencentes ao universo de Nem
Sempre Lila.
Se no aspecto recepção os usuários trouxeram elementos visuais dos
vários elementos da teatralidade, observaremos adiante em que ponto esses
foram determinantes para influenciar a fruição da obra.
O espetáculo teatral é um objeto estético e afeta diretamente a
experiência sensível dos espectadores, resultando na fruição. “Este modo não
passivo de consumo da obra produz sempre variadas interpretações que, por
sua vez, fomentam novos insumos, novas descobertas que então realimentam
esse processo de recepção estética” (TAVARES, 2003, p. 41).
Ao analisar a experiência sensível dos espectadores deficientes visuais
em Nem Sempre Lila, pudemos identificar a ação de vários agentes na
recepção estética, dentre eles, os que apelam para a visualidade, sustentando
a importância de acessar de forma autônoma as imagens por meio da áudio-

199
descrição, para que a tecnologia assistiva ofereça aos indivíduos com
deficiência visual, “condições de, independentemente, chegarem às suas
próprias conclusões a respeito do evento visual” (LIMA, 2010, p. 11).

6.12 GOSTAR OU NÃO GOSTAR, EIS A QUESTÃO!

Para apreender relatos sobre a fruição, a “entrevistada” foi questionada


sobre qual a cena ela mais havia gostado.
Bel – Eu achei... É assim, interessante. Apesar de eu não tá vendo,
né? Mas assim, pela áudio-descrição.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Bel – Na hora eu fiquei imaginando porque a moça falando que a atriz
tava com a perna pra cima.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Bel- Ela tava dançando era pra cima? Eu achei interessante isso daí.
Cada toque do instrumento lá, se era mais rápido ou mais devagar
ela fazia os mesmos movimentos que a música, era isso que eu fiquei
pensando pra mim mesmo, entendeu?
Entrevistador(a)– An ran.
Bel – Ela tava de ponta cabeça, é?
Entrevistador(a)– Foi. A áudio-descrição trouxe essas informações
pra você, foi isso?
Bel – Foi
Entrevistador(a) – An ran.
Bel– Porque a moça disse que ela está agora com a cabeça... Com
as pernas... A cabeça pra baixo e as pernas pra cima fazendo,
fazendo os mesmos movimentos. Vai pra lá, vai pra cá, o movimento.
Aí eu tava analisando que eu tava ouvindo a música e a música do
violão, então eu deduzi também que ela tava... Aí, na minha
imaginação, essa menina é fogo ela tava fazendo tipo um
malabarismo.
Entrevistador(a) – An ran. Certo. Aí, foi essa a cena que você mais
gostou?
Bel – É, eu achei bonito.
Entrevistador (a) – Você achou bonito por quê?
Bel– Sei lá. Porque eu imaginei que ela tem um corpo flexível pra
fazer esse movimento.

Observamos no exposto que a “entrevistada” admirou-se com a


expressão corporal, com a preparação técnica da atriz ao executar a cena,

200
comparando o domínio técnico da intérprete com as habilidades de um
malabarista e esse fato foi contributivo para que a espectadora selecionasse a
cena em que Lila está de pernas para o ar no buraco como um dos momentos
mais significativos da fruição. Constata-se que o posicionamento do gostar na
obra foi influenciado em razão da eficiência técnica nela demonstrada. A
entrevistada demonstra por meio desse relato que a função da áudio-descrição
foi cumprida ao possibilitar o empoderamento da pessoa com deficiência para
que ela mesma tirasse as suas próprias conclusões.
Ainda sobre a fruição, a “Bel” apresenta uma reinterpretação da
movimentação inicial, imaginando-a e relacionando-a à posição de ficar de
bananeira, nos revelando mais uma cena marcante.

Bel – Plantando bananeira. Foi assim que eu pensei e achei bonito.


Também a outra foi que ela ficou... e tirava panos assim da barriga.
Entrevistador(a) – A Lilatixa?
Bel – É, acho que eram as fitas, os tecidos, né?
Entrevistador(a) – Hum rum.
Entrevistada - Pra formar o quê? Um arco-íris. Pronto eu gostei de
todas as partes, né? Eu achei bonito o arco íris, eu achei muito
bonito. Quando dava aquela chuva forte eu ia assim, pra vê o arco-
íris, né? Aí eu sei que o arco-íris tem as cores né? São coloridas, aí
se um arco-íris agora, enterrado, assim. Que ela tava tirando,
pegando o arco-íris no chão, assim. Foi bonita sim, toda
apresentação.

Nesse segundo momento, a “Bel” relembra o ato de apreciar o


surgimento do arco-íris quando ainda tinha visão normal, ressaltando a
importância da áudio-descrição trazer o relato da presença das cores.

Bel – É aquela chuva forte, né? Aí aparecia aquele arco-íris. As


cores, é azul, né? Verde, amarelo... Aquelas cores bonitas, bem
grandes. Aí eu gostava muito de vê.
Entrevistador(a) – E... Pra você assim, qual a importância de na
áudio-descrição apresentar cores?
Bel – Porque aí você até relembra, né? Dá a impressão que você
também tá vendo. Quando a pessoa tá dizendo pra você, a cor, a cor
do tecido, a cor da porta, a cor do ambiente. Aí você, você visualiza
também no olho daquela pessoa que tá ali dizendo pra você, né? É
bom isso.

Áudio-descrever as cores é tão necessário quanto descrever cenário,


figurinos, expressões corporais, movimentação das cenas, todos elementos
previstos nas Diretrizes para produção da áudio-descrição.Norte-Americanas. A

201
importância de áudio-descrever as cores para o público com deficiência visual
reside, por exemplo, para a pessoa com baixa visão, no sentido em que ajuda
o espectador a direcionar o olhar e localizar objetos e personagens permitindo-
a acompanhar o desenrolar da ação cênica. Vale considerar que a pessoa
cega, mesmo que congênita, partilha socialmente do significado das cores,
atribuindo valor estético a esses elementos. A fala da “entrevistada” levanta
outra contribuição dessa particularidade, a de rememorar o repertório de
imagens e sensações advindas da época que tinha visão.
A entrevistada “Crist” reitera a importância dessas informações estarem
presentes na áudio-descrição.

Crist – Pra gente saber qual é a cor, né? Por que todo mundo tá
vendo as cores, só a gente que não, a gente precisa saber que cor
que é cada coisa.
Entrevistador(a)– Por que é importante pra vocês saberem a cor?
Crist – Ah, quem enxerga não sabe. Então a gente também tem que
saber.
Entrevistador(a)– Certo. E qual é a cor que você mais gosta?
Crist – Eu não tenho preferência não.
Entrevistador(a)– Tem não?
Crist– Não.
Entrevistador(a)– Certo. Então você vai, bota uma blusa amarela,
uma saia vermelha.
Crist – (Interrompe) Ah, não. Aí não! (risos)
Entrevistador(a)– Não?
Crist– Tem que ser combinando.
Entrevistador(a)– E como é que você faz pra combinar as cores?
Crist – Eu gosto muito de roupas escuras.
Entrevistador(a)– Roupas escuras.
Crist - Combinar com roupa clara. Porque senão fica muito... muito
escuro também não dá certo, não.
Entrevistador(a)– Por que você não gosta de usar muito escuro?
Crist– Ah, eu não sei explicar.
Entrevistador(a)– Não, né?
Crist – Não.
Entrevistador(a)– Mas nada de usar amarelo com vermelho? Nada de
uma calça bolinha com uma camisa xadrez, ok?
Crist – Não.
Entrevistador(a)– Por quê?
Crist – Eu acho que fica feio.

Edva – É bom que a gente não tá sabendo a cor que tá lá e ela tá


explicando pra gente e a gente tá entendendo.
Entrevistador(a)– E pra quê saber cor?
Edva – Ah pra quê, pra saber se combina, se tá bonito e se tá feio.
Entrevistador(a)– E como é que você vê se combina?
Edva – Ela dizendo a cor.
Entrevistador(a)– Aí, você já vai entendendo, é?
Edva – É tá combinando. Como meu colar aqui, meu vestido é verde,
meu brinco é verde claro, mas só que isso aqui é verde escuro, meu
colarzinho a pedrinha é verde escuro combinou com o vestido. Minha
pulseira é branca, mas... Combinou assim, mas a cor branca combina
com tudo, né?

202
Nil – Porque como eu já tive a visão, tem uns que perdeu agora a
pouco, pra gente saber se aquela luz é vermelha, se é branca a cor
daquela luz que tá iluminando assim, a pessoa né?
Entrevistador(a)– Hum rum.
Nil – Que tá refletindo na pessoa e o tipo da roupa que a pessoa está
vestida.

A cultura é um fator determinante que estabelece predileções por


determinadas cores e suas combinações numa sociedade. Simbolicamente,
partilhamos de algumas construções. “Os momentos alegres os assimilamos à
luz, enquanto os momentos lutuosos, tristes, acabrunhantes os assimilamos às
trevas” (SANTOS, 2007, p. 312). Por essa razão, casamentos e batizado são
realizados em tons claros, enquanto que num velório orienta-se vestir o preto
ou tons escuros. Apesar de “Crist” não apontar a cor preferida, ela demonstra
se importar com a combinação e harmonia das cores e, ao escolher as suas
roupas, procura evitar cores extravagantes e uso de tons escuros em todas as
peças da sua composição. Cristina demonstra ser uma pessoa com um estilo
mais tradicional, optando seguir determinadas regras dos padrões sociais.
A cena da Lilatixa foi bastante citada entre os espectadores, cada qual
com as suas razões seletivas conscientes ou inconscientes, conforme a
transcrição abaixo.

Marl – Olhe! Eu achei todas belíssimas, principalmente com a sua


atuação, uma energia. Você tem uma coordenação motora pra tudo.
É... O que me chamou mais atenção foi o final, quando você foi
tirando as fitinhas da lagartixa e começou a mostrar, né? A realidade
da sua história, né? Que a vida é toda colorida, né? É feito um arco-
íris.
Paul - A cena que eu mais gostei, aquela parte que começa com a
lagartixa. Foi interessante, foi muito interessante.
Elb – Foi na hora em que ela tava falando com a lagartixa.
Entrevistador(a)– Por quê?
Elb – E tava se escondendo. Porque faz a gente ir longe, né?
Imaginar que os animais também... a gente pode conversar, aí ajuda
a gente também, né: A gente fica mais penetrada.
Entrevistador(a)– Certo.
Elb – A gente fica naquela imaginação como se o animal fosse
entender, né? O que ela estava conversando e ajudava.

A entrevistada “Marl” indica, assim como a “Bel”, o aspecto técnico da


atriz como valoroso elemento para a fruição. Já o “Paul” não apresenta pistas
sobre os agentes determinantes que atuaram na apreciação. Por outro lado,

203
“Elb” pontua ter gostado da cena da conversa de Lila com a Lilatixa porque tal
recurso permite que o espectador se transporte para outras realidades,
estimulando a ação da criatividade.
A criatividade é um processo fundamental do ser humano, por meio
dela “o homem se desprende do universo meramente físico para criar o mundo
dos valores e dos significados” (DUARTE JUNIOR, 1998, p. 100). Permitir se
deslocar para dentro da obra é também um exercício da imaginação e da
criatividade.

Edv – Cena que eu mais gostei. Deixa eu vê... a cena que eu mais
gostei... eu tô só pensando, pensando, pensando... na parte do final
não, antes de chegar no final. A da lagartixa, certa cena que ela tava
falando que é a nossa realidade. Nossa realidade e da gente mesmo,
né? Que temos deficiência, falou mesmo assim, sobre, de não ter,
né? De não ter... Foi o quê que ela falou? Das partes do corpo.
Pronto. Feito a lagartixa até mesmo, mesmo sem... Com o rabo
partido ela vai embora. Aí quer dizer que o quê, até mesmo a gente
mesmo sem ter um braço, uma perna vai seguindo da mesma forma.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Edv – Aí gostei mais dessa parte, assim porque eu fui mais pelo lado,
né, sentimental do meu dia a dia, não sei, não foi só pra mim, é pra
todos os seres humanos, que cada um tem o seu defeito.

Arrebatado sentimentalmente pelo enredo, Edvaldo se transportou para


a obra e refletiu sobre a própria vida. O teatro é o espelho da vida, ele recria e
apresenta poeticamente a vida. Possibilita, entre outras coisas, refletir sobre as
relações humanas, comportamentais e sociais, é uma maneira de nos vermos
no outro, deslocar a nossa percepção numa condição de analista e assim
também nos reconhecermos e nos transformarmos. Já que “pela imaginação o
homem se afirma como rebelde que nega o existente e propõe o que ainda não
existe” (DUARTE JUNIOR, 1998, p. 100).
A experiência estética permite um jogo de projeção, reencontrar as
nossas experiências vividas num processo de identificação que pode ser
suscitado ao observar um trejeito do personagem, ao se envolver com o
conflito ou o enredo da trama. Notamos que a entrevistada “Man” se reconhece
no conflito principal da trama em que Lila relata a separação dos pais.
Man - Logo assim na parte da história, na parte do começo.
Entrevistador(a)– Sei.
Man – Que ela foi contando a história da vida dela, não foi um
pouquinho?
Entrevistador(a)– Hum rum.
Man - Tem um pouco assim a ver comigo, né?
Entrevistador(a)– E é?

204
Man – Mas é algumas coisas, a separação dos pais dela, entendeu?
Que tem um pouco a ver. E de hoje também gostei, ali não tem o que
tirar nem botar. Foi muito bonita a história.
Entrevistador(a)– Foi mesmo?
Man– Demais!

Outro fator preponderante na recepção teatral a ser considerado é o


repertório cultural e o ambiente sociocultural, o que o espectador tem de
referência de consumo artístico influenciará a forma como ele vê e sente a
obra.

Est – Olha, eu gostei de todas, porque eu não tive infância, né? Eu


venho de uma origem pobre. A gente não teve brinquedo, a gente
não teve nada. Não tinha excesso de nada, né? De teatro, livro
porque agora tá muito mais fácil. Aí eu adorei tudo que vocês criaram.
Foi uma criação muito boa que vocês estão adequando pra gente,
mesmo sem a agente vê, vocês estão criando aquele aparelho da
áudio-descrição, né? E tá sendo muito bom pra gente, muito criativo
mesmo e vocês estão passando isso muito bem pra gente.
Entrevistador(a)– Oh, Ester. Tinha alguma cena assim, alguma
imagem que passou na sua cabeça, alguma cena que você achou
mais interessante?
Est – O que eu achei mais interessante foi a da Bela Adormecida.
Entrevistador(a)– Ela tava como nessa hora?
Est – Que ela tava dormindo, né? Que vocês falaram que ela tava
dormindo e depois acordou. E também a das tranças que vocês
disseram que colocaram agora as tranças. Isso daí foi muito legal pra
mim, muito mesmo.

Entrevistador(a)– E qual foi a cena que você mais gostou do


espetáculo?
Nil – O que eu gostei foi a parte que ela fez, da bruxa. Teve, né?
Entrevistador(a)– Hum rum. Da Moura torta.
Nil – É. Pronto. E da Branca de Neve.
Entrevistador(a)– Por que você gostou dessa parte da Moura Torta?
Nil – Porque nos filmes passa, né? Algumas coisas, né?
Entrevistador(a)– Hum rum.
Nil – A parte da bruxa e do príncipe também, né?
Entrevistador(a)– Foi.
Nil – Que ela encontrou... O beijo, né? Que ela ficou beijando.
Entrevistador(a)– Hum rum.
Nil – Agora que eu tô lembrando. Que ela ficou beijando.

“Est” se contenta facilmente com o que foi exposto. Ela evidencia uma
carência e necessidade de usufruir produtos direcionados à infância. “Nil”
seleciona a cena que se aproxima do que ele já viu nos filmes clássicos
produzidos pela indústria cinematográfica, cujo foco por muitos anos foi
reproduzir os contos de fadas do ocidente. Enquanto uma apresenta a lacuna
de referências culturais presentes na infância, o outro revela a herança dos

205
filmes e em ambos se faz necessário um posicionamento mais crítico e
consciente em relação à arte. É necessário um “sujeito que dialoga livremente
com a obra, elabora suas interrogações e formula suas respostas”
(DESGRANGES, 2003, p. 67).
A escola deverá desempenhar papel essencial nesse processo
formativo e de mediação, onde os fundamentos da educação estética e a
pedagogia do teatro ressaltam a importância da escolar estimular que os
alunos assistam a espetáculos para que eles possam, a partir dessa vivência,
aprender a distinguir concepções de direção, estilos de interpretação,
cenografia, figurinos, sonoplastia e iluminação desenvolvendo uma atitude
crítica perante a obra. Incluindo na prática docente a ferramenta da áudio-
descrição, permitindo, assim, a participação da pessoa com deficiência visual,
que muitas vezes em razão da falta de produtos assistivos, é privada do vasto
repertório cultural imagético da nossa sociedade.
No campo da fruição, os espectadores também demonstram desagrado
pela cena da Moura Torta e de Recife e Olinda.

Wilson – Acho que foi ali onde eu não gostei mais. Saiu do foco da
história, sei lá.
Entrevistador(a) – Certo.
Wil – No meio de tanta beleza que tava a história vem uma coisa feia
assim.

Edv – A cena que eu menos gostei. O que eu achei menos, o que eu


menos gostei ali assim, foi engraçado, mas acho que saiu da história,
foi falando sobre Recife e Olinda, a gente tava num percurso da
história todinha, aí no final ali, veio coisa que a gente não imaginava.
Não é que eu não tenha gostado, se eu for olhar assim, é essa parte
assim.

Por outro lado, Adriano elege a cena de Recife e Olinda a mais


significativa.

Entrevistador(a)– [...] É... Qual a cena que você mais gostou do


espetáculo?
Adri – A de hoje?
Entrevistador(a)– Sim. A de hoje.
Adri – A de hoje, eu gostei na parte que falou sobre Recife e Olinda.
Entrevistador(a)– Sei, de Recife e Olinda. Por que você gostou mais
dessa parte?
Adri – Porque eu acho que tudo tem a ver sabe, Andreza. Eu gostei,
mas pra falar assim. Tudo tem a ver do tema assim... Agora eu acho

206
que nos outros temas o teatro foi mais infantil está entendendo? Na
minha parte de vê, tá entendendo?
Entrevistador(a)– An ran.
Adri– Foi mais infantil, né?
Entrevistador(a)– An ran.
Adri – Aí um tema assim... Abordou assim melhor pra mim na parte
que falou sobre isso, né? Recife e Olinda, né?

Para “Adri”, a história de amor entre as duas cidades/personagens


Recife e Olinda se aproxima mais de um tema mais adulto em contraposição às
histórias contadas por Lila no início da história quando traz à cena referências
de Cinderela, A bela e a fera, Rapunzel e o conto da Moura Torta.

Juc – A que eu achei mais interessante foi essa história de Recife e


Olinda, achei muito bonita essa parte aí, visse. O casamento de
Recife e Olinda?
Entrevistador(a)– Por quê?
Juc – Várias histórias. Porque é uma história bonita que vem de
muitos e muitos anos. Cidades parceiras, né? Sempre foi aí, o
carnaval de Olinda mesmo, Recife se volta e depois Olinda se volta
com Recife. A questão política mesmo eu nunca estudei ela, mas eu
acho assim, muito boa a história.

Mar – Foi a da... De Recife e Olinda.


Entrevistador(a)– De Recife e Olinda? Por que tu gostaste mais da
cena de Recife e Olinda?
Mar – Porque foi legal e bom.

Nesses extratos, identificamos a presença de mediação contextual na


fala de “Juc”, ao relacionar com a história das duas cidades pernambucanas, e
a referência da técnica de representação na fala de Josias ao descrever a
forma como estava representado na cena o personagem Recife.
Para além das categorias estabelecidas anteriormente, extraímos,
agora, algumas falas que nos situam na reflexão da interface que o teatro-
educação e a inclusão nos suscitam.
A áudio-descrição é orientada pelo princípio “descreva o que você vê,
de forma objetiva e clara.”. Além de dar informação onde antes não havia, ela
também tem como objetivo confirmar sentido onde já havia, por exemplo, no
caso em que o personagem diz em seu texto que vai realizar algo e a áudio-
descrição confirma as pistas sonoras ou contextuais do enredo captadas pelo
usuário. A função dessa diretriz é confirmada conforme podemos observar na
passagem que segue:

207
Rob – Ao descrever os movimentos que a personagem fazia, no
caso, Lila. Ao descrever os trejeitos com o rosto, que ela fazia.
Porque se não fosse a áudio descrição a gente poderia deduzir que
ela estava fazendo careta.
Entrevistador(a) – Hum rum.
Rob – Mas aí a gente não tinha certeza que ela estava fazendo isso.
E pelos giros, pelos rodopios, os movimentos que fazia de chutes no
ar, as quedas, o deixar cair da cabeça, tudo isso ajudou a entender
melhor que estava acontecendo.

O aspecto empoderador que a áudio-descrição propicia ao sujeito


consiste no dato que ele pode tirar as próprias conclusões e que, desse modo,
possa emitir as opiniões e críticas sobre a obra baseadas em fontes
acessadas. Por esse motivo, consideramos também o adulto com deficiência
visual nesse estudo de caso, pois mesmo a obra sendo direcionada para
infância e juventude, ela não é assistida apenas por crianças, pois quando não
levados pelas escolas, os infantes são acompanhados por pais, avós, tios, tias,
ou algum adulto responsável que tendo a deficiência, usufruirá das informações
visuais disponibilizadas pelo recurso.

Rob – Eu tenho meus dados pra discutir com ele, pra também
perguntar e também de lembrar a ele o que aconteceu em algumas
cenas. [...] Rob – Bom, dá mais possibilidade de você discutir com
outras pessoas, sobre o espetáculo.

A áudio-descrição é a ponte para acessar imagens, onde o sujeito é


emponderado para reconstruir e constituir a obra e função do que é posto em
cena e das próprias vivências, comungando o que é visto aos valores e
circunstâncias do sujeito, elementos típicos presentes na recepção, de todos os
espectadores, com ou sem deficiência, que se reuniram no teatro para se
fazerem presentes e juntos apreciarem a um espetáculo teatral. De lá cada
qual faz as próprias reflexões e são provocados sensivelmente pela emoção da
arte.

Juc– Descrevendo para as pessoas com deficiência o visual, aquilo


que elas não poderiam ver ali. Então ali naquele momento, passava-
se pelas cabeças das pessoas com deficiência que estavam vendo
aquilo ali e estavam criando, é só se concentrar. Se a pessoa se
concentrar mesmo vai ver, perceber, que é praticamente...
Principalmente quem já viu um pouquinho né? Principalmente... É a
mesma coisa que tá vendo a história, volta, cria as cenas na mente
de novo do que viu, principalmente as pessoas que já viram.

208
Mel – Sim. Porque a partir do momento que nós não vemos e com a
áudio-descrição, com as pessoas que trabalham com isso, nos
passam aquilo que está acontecendo e é como se a gente tivesse
realmente enxergando o que está acontecendo nesse momento. No
caso, o momento que estava sendo apresentada a peça.

Existe uma interface entre a educação e a experiência estética. A


escola deve reconhecer que a educação estética (fazer fruir a arte) é
importante para a formação humana, devendo a instituição de ensino atuar no
processo de mediação cultural. “Pensar o ensino de arte é também pensar o
processo de poetizar, fruir e conhecer Arte. Poetizar no sentido de se encantar
com tudo que nos rodeia, sendo capaz de se emocionar, criar, imaginar,
fantasiar” (ANTONINI, 2002).
Com isso, lançamos um convite para que a áudio-descrição não esteja
apenas nos produtos culturais e espetáculos teatrais, mas que seja uma
ferramenta incorporada na prática docente, reconhecendo o aluno como ser
singular, para que assim, diante do reconhecimento dessas diferenças, possa
pensar e desenvolver uma aula verdadeiramente inclusiva.

209
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Áudio-descrição, recurso de acessibilidade surgido nos Estados Unidos


a partir de trabalhos desenvolvidos por Margaret Pfanstiehl na década de 80,
inspirou vários países que já apontam avanços nas políticas de acessibilidade
e inclusão. No cenário nacional, as pressões legais chamam atenção para o
tema, provocando ações que preveem o uso do recurso em diversos contextos,
como o educacional, o cultural, entre outros. Em Pernambuco, o teatro é um
lócus que quantitativamente expressa uma adesão significativa de ações e
projetos acessíveis, e que eles venham a inspirar outros segmentos e áreas de
aplicação.
No presente estudo, dedicamo-nos a analisar as contribuições da
áudio-descrição para a recepção e fruição do espetáculo teatral por
espectadores com deficiência visual, analisando os relatos das informações
visuais captadas, refletindo em que nível essas informações são
imprescindíveis para usufruir de produtos artísticos e assim caminhar em
direção à inclusão cultural, educacional e social da pessoa com deficiência
visual.
A nossa análise revelou que a recepção e fruição do espetáculo por
meio da áudio-descrição se torna muito mais significativa, ao passo que nossos
sujeitos se relacionam com os diversos elementos da teatralidade (cenário,
figurino, movimentação cênica, iluminação) que influenciam a forma de sentir e
receber a obra. Em geral, o espectador com deficiência não tem informação do
figurino, cenário e iluminação. Com a áudio-descrição, ele passa a ter. Assim,
acreditamos que o acesso a essas imagens por intermédio da áudio-descrição
empondera o sujeito a tirar as próprias conclusões na apreciação estética, de
se posicionar perante a obra e de achar graça ou não, por exemplo, no
momento em que uma determinada personagem faz careta.
A fim de construir nosso trabalho, mapeamos os elementos visuais
constituintes no teatro e apresentamos esses elementos no que denominamos
como cartografia visual no teatro, por considerar esses elementos da

210
teatralidade importantes para a recepção e a fruição da obra pelo assistente
com deficiência.
Entretanto, não basta ao áudio-descritor saber os elementos da
teatralidade, ele deve/precisa áudio-descrever e exercitar a técnica, sendo,
para isso importante que busque uma formação continuada, cursos
complementares, de cuidado vocal, preparação, articulação, domínio
linguístico. É necessário mergulhar na obra, evento a ser traduzido
aproximando-se e dominando intimamente os mecanismos próprios daquela
atividade. No teatro, a primeira etapa é conhecer o texto da peça, o enredo, o
estudo dos personagens, do ambiente e buscar informação do público a que se
destina. Esse diagnóstico rebate sobre as escolhas tradutórias, o que
descrever, qual o emprego do vernáculo adequado para um determinado tipo
de espetáculo e o público.
Vale considerar que a oferta do serviço deve ser aprimorada,
principalmente com a tecnologia e os equipamentos utilizados. É importante, ao
contratar o serviço, solicitar a discriminação detalhada do equipamento para
que possa ser checado a eficiência do sinal da transmissão, bem como se a
cabine favorece tanto a visibilidade quanto o isolamento acústico da
transmissão, quando esta é (cabe ser) feita em cabine. Outro aspecto a ser
considerado é o conforto dos usuários, disponibilizando-se vários modelos de
fone auricular, “diadema”, com espuma de maior ou menor espessura etc.
Nesse pormenor, o sujeito também precisa ter a possibilidade de controlar o
volume do equipamento, ajustando-o às suas necessidades.
Os usuários da áudio-descrição que já possuem familiaridade com o
recurso posicionam-se criticamente sobre as escolhas dos áudio-descritores,
inclusive solicitando mais informações durante a tradução. No entanto, a áudio-
descrição no teatro lança ao áudio-descritor a restrição temporal para locução,
onde as escolhas tradutórias deverão aparecer preferencialmente nos
intervalos silenciosos dos diálogos. Contudo, consideramos importante que os
usuários se expressem de modo a contribuir com o aprimoramento desses
recursos.
Constituiu-se como entrave ao nosso estudo, a pequena
representatividade de crianças com deficiência visual, nos levando a questionar
as estratégias de divulgação e sensibilização necessárias para um trabalho de

211
formação de plateia que atinja diretamente os professores, pais e responsáveis
pelas crianças. Questionamo-nos, ainda, se de fato a ausência de crianças foi
pela falta de informação que haveria espetáculo com recursos assistivos, ou se
essas informações esbarraram nas barreiras atitudinais dos adultos que não
acreditam que teatro também é espaço de cultura e educação ao alcance da
pessoa com deficiência visual.
O fato de os assistentes com deficiência visual passarem a frequentar
o teatro, sustentando essa prática na recepção do serviço de áudio-descrição,
tomando gosto pelo teatro e fazendo-se presente em espetáculos, é algo
também a ser considerado como um benefício desse recurso, já que parte da
população geral não possuir o hábito de frequentar massivamente casas de
espetáculos, se comparado à shows, cinema, entre outras manifestações de
cultura e lazer. Em outras palavras, o teatro fica bem abaixo em quantidade de
público. Entendemos que outros agentes atuam e influenciam a presença ou
ausência nas representações cênicas e atrelada a tudo isso está a forma como
a pessoa com deficiência foi vista em vários momentos históricos. Implantou-se
entraves, tanto sociais como pessoais, que distanciaram esse público do
convívio efetivo com o TODO da sociedade.
Inúmeras situações influenciam a motivação de o indivíduo com
deficiência sair de casa para ir ao teatro. Logo, é indispensável que encontre
um caminho receptivo, com o menor número de inacessibilidades pela frente e,
certamente, no próprio teatro. Caso contrário, ele poderá optar por continuar
em casa ou em outro lugar mais cômodo e acolhedor. Não queremos dizer com
isso que a pessoa com deficiência é acomodada. Basta lembrarmos que, assim
como qualquer outra pessoa, elas também darão preferência aos espaços que
fornecem outras coisas que facilitam a vida, principalmente no que tange a
segurança.
Ainda sobre o aspecto do hábito, a escola poderá atuar como agente
condutor, mediador entre a arte e a pessoa com deficiência, reservando na
grade curricular um espaço para trabalhar essa linguagem. Reconhecer e
utilizar a linguagem teatral como área de conhecimento é considerar os demais
agentes que intermediam e atuam como mediadores no fazer, na recepção e
na fruição da modalidade cênica. Estiveram presentes nos relatos dos nossos
sujeitos, para além das categorias estabelecidas na análise dos nossos dados,

212
aspectos particulares, evidenciando as mediações pessoais e a vivência que
tiveram com práticas teatrais ou culturais anteriores, inclusive com áudio-
descrição.
O aspecto educacional no teatro é inerente à própria natureza dessa
manifestação cênica: o apreciar. Apreciar é um dos aspectos que fundamentam
a Abordagem Triangular do Ensino da Arte, proposta por Ana Mae Barbosa
(1994). Tanto quanto os outros vértices desse triângulo, deve ser um aspecto
importante a ser considerado e efetivado para a pessoa com deficiência visual.
Paul - Foi ótima. Foi um ponto fundamental pra mim entender mais.
Eu acredito que se eu voltar algumas vezes mais, eu já vou aprender
um pouco de teatro. Porque aqui eu posso dizer que foi uma escola
pra mim, aprendi muita coisa. Principalmente do personagem Lila, foi
perfeito. Gostei.

Ao selecionar um espetáculo a ser assistido, não apenas deverão ser


considerados os aspectos estéticos, mas se há recursos de acessibilidade e,
caso não haja, é importante que se questione e se solicite os recursos
assistivos.
Na sala de aula, não podemos aceitar que alunos sejam excluídos em
nenhuma hipótese, principalmente pela falta de sensibilidade e crueldade de
um professor que não envolve todos os alunos nas atividades. Como o caso do
menino “Mar”, que foi impedido de frequentar aula de teatro.
Andreza – [...] E tu faz aula de teatro também?
Mar – Não
Entrevistador(a)– Por que tu não faz?
Marc – Porque eu... O professor só manda mais ler, as letras
pequenas.
Entrevistador(a)– E tu gostaria de fazer teatro?
Mar – Sim.
Entrevistador(a)– Por quê?
Mar – Porque é mais bom pra...(silêncio)
Entrevistador(a)– E quando eles vão fazer teatro tu ficas fazendo o
quê?
Mar – Eu fico na sala com uma professora.
Entrevistador(a)– Com outra professora? Aí tu fica fazendo o quê
com essa professora?
Mar – Eu fico lá, converso um pouco.

Não podemos aceitar que mais crianças sejam excluídas do convívio


com os demais colegas, que seja sonegado a eles a aprendizagem, privando-
as do acesso a determinadas áreas do conhecimento, a exemplo do teatro, em
razão de uma barreira facilmente transponível. Reflitamos: Qual a
complexidade de disponibilizar um texto com fontes ampliadas? Falta de

213
recursos para impressão? E o que custaria propor trabalhos em grupos onde
houvesse ledores oficiais do texto, trabalhando a repetição até que todos, de
acordo com o próprio tempo, decorassem os diálogos?
Essa, entre outras propostas, poderá ser descoberta a partir do
instante que a atitude do docente seja alicerçada pelo entendimento que todos
os alunos são diferentes, com tempo de aprendizagem diferenciado e que a
inclusão propõe exatamente a ruptura com essa pseudo-homogeneidade que
ronda a nossa sociedade e as práticas pedagógicas comumente adotadas. A
inclusão propõe a vivência e o reconhecimento da escola das diferenças e as
potencialidades e riquezas advindas desse convívio.
Acreditamos que a inclusão instaura a tendência de uma cultura
irradiadora da áudio-descrição, onde essa tecnologia assistiva poderá ser
empregada nos livros didáticos, na didática do professor, inserida no
planejamento, na forma diferenciada como ele trabalha com imagens; no
campo da contação de histórias, com o detalhamento de imagens e situações
que favoreçam o ouvinte a se deslocar para dentro da história e construir
imagens; seja nas aulas de teatro (em noções básicas e aprofundadas do
estudo do movimento e das expressões que compõem a técnica do ator, no
reconhecer de traços que sinalizam aspectos da evolução cenográfica e dos
espaços cênicos, nos estudos de efeito de luz, no jogo de cores claro e
escuro); ou ainda, no circo, no museu, em casamentos, em velórios, em
partidas esportivas, nos shows, no cinema, na televisão, na escola, na igreja,
nos jogos eletrônicos, no parque, na academia de ginástica, de dança, no
zoológico, em trilhas ecológicas, nos restaurantes e nas atitudes com o outro.
A áudio-descrição, tecnologia assistiva à serviço da extinção de
barreiras comunicacionais, toma força nesse novo século e com isso abre
novos campos de pesquisa e reflexão. Compreendida aqui enquanto gênero
textual emergente, já que se enquadra como uma entidade sociodiscursiva,
socialmente constituída, cuja finalidade é a comunicação, merece ter seu
espaço reservado nos conteúdos escolares ao tratar especificamente sobre
gêneros textuais e a função comunicativa deles. Contudo, não podemos
encerrar a proposição da áudio-descrição na escola, pois, como um campo
amplo, ela desabrocha para múltiplos caminhos e possibilidades, de acordo
com o esforço e o empenho de quem a pretende utilizar.

214
Um desses caminhos é o do lazer e da cultura, que, no teatro, é
também o da educação.
Não obstante, sabemos que por muito tempo ir ao teatro e usufruir em
igualdade das informações visuais era uma coisa distante para a pessoa com
deficiência visual. Na tentativa de participar da vida cultural, em ações comuns
como ir ao cinema ou ao teatro, a pessoa com deficiência visual até poderia
acompanhar o enredo que estava sendo proposto, mas não desfrutava das
imagens. Para minimizar a ausência dessas informações, um amigo,
companheiro, acompanhante passava a relatar o que estava acontecendo na
cena, cochichando no ouvido.

Edn –[...] Por que eu mesmo achava muito chato de participar de


teatro, né? Por conta disso mesmo, por que eu ficava como se fosse
um peixinho fora d’água ali, não sabia de nada que estava
acontecendo ao meu redor. Então foi uma coisa que beneficiou muita
gente com deficiência visual, foi importantíssima a áudio descrição. [...]
Eu mesma tô me sentindo uma pessoa normal, né? Com direitos e
deveres iguais, mas agora mesmo aí é que eu me sinto uma pessoa
como outra qualquer.

Da informalidade do cochichado no ouvido à formalidade técnica da


áudio-descrição, esse gênero de tradução intersemiótica, marca os passos que
caminham em direção à inclusão. A inclusão que almejamos em seu sentido
amplo, que perpassa todos os âmbitos da sociedade e coloca o indivíduo com
motriz ponto de partida e de chegada. Motriz de partida que age, repensa as
atitudes em prol da inclusão, e ponto de chegada como o destino da finalidade
visando garantir a dignidade humana.
Primamos por olhar para a pessoa com deficiência e aceitar com
naturalidade as diferenças. Entendemos aqui que respeitar essas diferenças
não é apenas dizer que as aceita, mas significa serem a motriz da
transformação ao se adotar mecanismos, metodologias que possibilitem que
nas diferenças as potencialidades sejam desenvolvidas, que participe da vida
cotidiana em condições favoráveis para usufruir e construir, uma vez que faz
parte do gênero humano ter aspectos físicos diferenciados, e isso não torna
alguém menos ou mais capaz que outro por conta disso.
As barreiras, sejam elas de origem arquitetônicas, comunicacionais,
atitudinais, entre outras, carecem ser abolidas. E como “para cada barreira há

215
uma acessibilidade”, há uma tecnologia assistiva sendo desenvolvida visando
contribuir e proporcionar ou ampliar as habilidades da pessoa com deficiência.
A áudio-descrição se configura como uma tecnologia assistiva que visa
contribuir, proporcionar e ampliar a compreensão dos eventos visuais para
pessoas cegas ou com baixa visão, autenticando a participação dessas
pessoas em atividades de lazer, de cultura comuns a todos, promovendo assim
a autonomia para acessar produtos e serviços.
As questões almejadas por todos envolvem o se sentir acolhido,
respeitado nas diferenças e reconhecido enquanto ser humano. A
disponibilização de formatos acessíveis como a áudio-descrição é uma das
vias para resgatar e primar pela efetivação do princípio da dignidade.
Elb – [...] Por que, quando a gente ia, a gente ficava dependendo de
alguém pra comentar de lado, geralmente eu ia ao cinema, e hoje
não, hoje a gente não precisa disso né?Por que antes a gente tinha
que ir com alguém, pra essa pessoa falar o que estava acontecendo
quando eles estavam calados, hoje não, hoje a gente sabe tudo, foi
ótimo, foi ótimo mesmo

Caminhar no sentido da inclusão e atuar na transformação do nosso


eu, do nosso entorno e inspirar o outro, esteja ele próximo ou distante. É
propiciar que o outro e até a pessoa com deficiência dilua as próprias barreiras
atitudinais, que por vezes, o faz se sentir incapaz de realizar algo. No aspecto
que preza sobre a participação na vida, cultura e lazer, as pessoas com
deficiência visual sinalizam que voltaram ou começaram a frequentar o teatro
depois da disponibilização da áudio-descrição:
Mel – Pra mim foi a primeira vez e eu gostaria muito de poder
frequentar mais vezes.

Est – Olha, eu comecei a ir ao teatro depois que eu fiquei cega, que


eu não conhecia eu não tinha possibilidade, mas depois que eu fiquei
cega e depois que vocês vieram a dar essa chance pra gente, essa
oportunidade. Foi muito válida. A minha primeira vez foi lá em
Jerusalém, né? Ali em Caruaru. Eu assisti Nova Jerusalém, lá. Foi
muito legal eu achei muito bom. Depois nós fomos ao Parque...

Juc – [...] Eu comecei a vim ao teatro depois da áudio-descrição.


Antes eu não vinha ao teatro. Foi a duas que participei até hoje.
Juc – Espetáculo. O São João de Caruaru, no Camarote da
acessibilidade, foi a primeira vez que eu tive acesso a áudio
descrição, depois no festival de inverno em Garanhuns, uma peça de
teatro e essa é a terceira vez.

216
Ao realizar ações com o recurso de áudio-descrição, deve-se prever
ações formativas junto ao público alvo, a fim de divulgar o recurso e sensibilizá-
lo para os benefícios que esse novo instrumento possibilita para recepção de
informações visuais. Por muito tempo as pessoas com deficiência se viram
excluídas de participar de atividades como ir ao teatro, por que não havia
acessibilidade comunicacional nesses espaços. Com a áudio-descrição,
começa-se a resgatar a confiança dessas pessoas para que usufruam de
produtos artísticos, em igualdade de oportunidades.
Ao fim dessa pesquisa, nosso intento é provocar e despertar outros
pesquisadores para que se debrucem nessa temática em futuras investigações,
a fim de provocar a diluição de fronteiras, implementando a áudio-descrição em
outras áreas. Logo, sugerimos estudos mais aprofundados sobre as variáveis
que influenciam na recepção, além de outros lócus de aplicação do recurso,
como na sala de aula e em outros locos de oferta. Para todos os casos será
necessário sempre atuar próximo ao público alvo para divulgar e popularizar o
recurso assistivo.
Rob – Aumentar a oferta da áudio-descrição, popularizar mais a
áudio-descrição, sobretudo, não só pra quem tem deficiência visual,
mas pras pessoas que vão oferecer o entretenimento e a diversão.
Esclarecendo de que, do mesmo modo que as outras pessoas que
recebem o espetáculo, as pessoas cegas também têm o direito de
receber informações de qualidade.

Com isso, sugere-se ações paralelas que promovam a discussão e


reflexão por meio de mesas redondas, cursos, palestras e atividades de
intervenção em instituições e espaços culturais.
No ensino do teatro, utilizando-se as técnicas de preparação do ator,
sugere-se investigar as contribuições da áudio-descrição na apreensão e
ampliação de um repertório de expressões faciais e corporais nas aula de
teatro com pessoa com deficiência visual e as implicações dessa ampliação de
repertório imagético para a vida cotidiana dessa pessoa.
A ida ao teatro é um momento que congrega no ato de ver e assistir ao
espetáculo, os prazeres e, ou os desprazeres da apreciação estética, criam
com isso o espaço para que atue o professor mediador, provocando mesmo
que de forma implícita as construções de sentidos e significados dos alunos. O
campo da áudio-descrição é emergente e bastante amplo, merece um olhar
atento para investigações futuras. As lacunas foram expostas aos

217
pesquisadores, encorajamo-los para que se dediquem nesse maravilhoso ato
de refletir, experimentar e de viver a inclusão.
Saudosamente, revisito as marcas dessa imersão e caio novamente no
buraco. Revejo a estrada marcada por dores, amores, desamores e entre as
pedras e poeira, até me fazem lembrar dos versos “Nunca me esquecerei
desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me
esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no
meio do caminho/ no meio do caminho/ tinha uma pedra” (Carlos Drummond de
Andrade), e as minhas retinas mesmo que fatigadas enxergaram as flores,
algumas delas eu ornei os desamores, as dores.
Convivi com essa dor, a dor da procura. É... Talvez eu seja mais artista
do que pesquisadora! Mas ser atriz também é investigar, experimentar,
construir, analisar, considerar, reconstruir, ousar, expor. Hum.... Andreza aqui é
outra história, você não está no palco. Será mesmo? [...] Não estou! Pois
então, é bem verdade que ao se tratar da acepção da palavra pesquisa no
contexto acadêmico, essa foi minha estreia, com direito a frio na barriga,
choros, inseguranças e alegria de finalizar uma etapa.
Ir e vir livremente. Caminhar! Sozinho? Não. Nesse caso, melhor
acompanhado. Então, vamos adiante, vamos em frente, avançar com sucesso,
progredir, não há impedimento, obstáculos que paralisem a nossa ação e nós
todos, juntos, incessantemente, caminhemos rumo à inclusão.

218
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225
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Disponível em < www.audiodescriptioncoalition.org> Acesso em julho de 2010.
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VICENTE, Buck. 1998. Booths for Simultaneous Interpretation General
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YIN, R.K. Estudo de Caso. Porto Alegre: Bookman-Artmed, 2001.

226
Anexo A
Roteiro de Entrevista da pesquisa “CAMINHOS PARA INCLUSÃO: UMA
REFLEXÃO SOBRE ÁUDIO-DESCRIÇÃO NO TEATRO INFANTO-JUVENIL”
Autora: Andreza da Nóbrega

Nome:_______________________________________________________

Idade: ___________

Tipo de deficiência visual:________________________________________

1. Qual a cena que você mais gostou do espetáculo? (Por quê?


*Extrair descrição, Como estava posicionada? Ação corporal?)

2. Qual a cena você menos gostou no espetáculo? (Por quê? *Extrair


descrição.)

3. Como Lila estava vestida? Você notou alguma mudança no


figurino?

4. Que elemento foi utilizado para representar a moça encantada e o


príncipe?

5. A Moura Torta estava vestida como? Como ela se movimentava? E


as expressões faciais dela?

6. Na história de Recife e Olinda, Lila conta a história que é


protagonizada por dois personagens. Como era Recife e Olinda?

7. Como Lila construiu a amiga lagartixa “Lilatixa”?

8. Como era o cenário? Iluminação?

9. Como Lila estava maquiada? E o penteado?

10. Lila descobriu uma creca, pereba, ferida, em parte do corpo dela.
Onde estava localizada?

227
11. Você acha que a áudio-descrição contribuiu para apreciação do
espetáculo? Como?

12. Como você avalia as informações ofertadas antes do início do


espetáculo (notas proêmias)? O que elas anunciavam?

13. Como você avalia a locução da áudio-descrição? (Como? Por quê?)

14. Com que frequência você vem ao teatro por ano? Quantas vezes?

15. Com quem geralmente você vem ao teatro? (família, escola,


entidade, instituição, sozinho, outro)

16. Você já tinha assistido outro espetáculo com áudio-descrição?


(Quantas vezes?)

228
Anexo B

“NEM SEMPRE LILA”


Dramaturgia: Andreza Nóbrega, Eduardo Rios, Marcella Malheiros e
Milena Marques

INCLUSO ROTEIRO DE ÁUDIO-DESCRIÇÃO36

de Andreza Nóbrega e Liliana Tavares

36
O roteiro de áudio-descrição grifado em azul.

229
LEGENDAS:
EM NEGRITO (rubricas)
GRIFADO EM AZUL (notas da áudio-descrição)

NOTAS PROÊMIAS
ESPETÁCULO TEATRAL “NEM SEMPRE LILA” REALIZADO PELO
GRUPO TEATRAL QUADRO DE CENA. GÊNERO: DRAMA. FAIXA ETÁRIA:
RECOMENDADO PARA MAIORES DE 8 ANOS.

SINOPSE:

ERA UMA VEZ LILA, UMA MENININHA (NÃO TÃO MENININHA), QUE
CAIU NUM BURACO DEPOIS DE VIVER UMA HISTÓRIA QUE NÃO TINHA O
FELIZ PRA SEMPRE DOS CONTOS DE FADAS: A SEPARAÇÃO DOS PAIS.

NUM DIA DE DOMINGO, GUIADA POR PENSAMENTOS E


QUESTIONAMENTOS, LILA EMBARCA NA BRINCADEIRA DE SER A
HISTÓRIA. ELA MERGULHA NO UNIVERSO DAS PRINCESAS, DA MOURA
TORTA E DO AMOR ENTRE RECIFE E OLINDA, ENTRELAÇANDO E
COSTURANDO ESSES CONTOS COM A SUA PRÓPRIA VIDA.

LILA ESTÁ CRESCENDO E COMEÇA A DESCOBRIR QUE O MUNDO TEM


MUITAS FORMAS DIFERENTES DE GIRAR, MAS ELA VAI TER QUE CAVAR
BEM FUNDO SE QUISER DESCOBRIR TUDO.

CAVA, CAVA, CAVA!

ELENCO (ver programa)

CARACTERÍSTICAS DA ENCENAÇÃO:
UMA ATRIZ E DOIS MÚSICOS REPRESENTAM, NUM JOGO DE
CONTRACENAÇÃO, VÁRIOS PERSONAGENS DIFERENTES SE
UTILIZANDO DE OBJETOS, FIGURINOS E MODIFICAÇÃO DA VOZ.

Teatro:
TOMANDO A ENTRADA COMO PONTO DE PARTIDA, AS CADEIRAS FICAM
DO LADO DIREITO E O PALCO DO LADO ESQUERDO.
UMA SALA RETANGULAR. PAREDES FORRADAS DE ALCATIFA CINZA ESCURO.
PISO DE MADEIRA. 75 CADEIRAS PRETAS ENFILEIRADAS SOBRE UMA
ARQUIBANCADA VOLTADAS DE FRENTE PARA O ESPAÇO DA
REPRESENTAÇÃO CÊNICA.
.

Cenário:

230
A ÁREA DA REPRESENTAÇÃO CÊNICA, ONDE A CENA ACONTECE, É
DEMARCADA POR UM TECIDO AMARELO ESCURO. O TECIDO AMARELO
ESCURO MEDE (10MX5M) E ESTÁ SUSTENTADO POR UMA VARA DE
FERRO ROLIÇA QUE LIGA UM LADO AO OUTRO DO PALCO. DO
URDIMENTO QUE É UM CONJUNTO DE TRAVES NO TETO DO PALCO.
SEIS METROS DE TECIDO DESCEM DO URDIMENTO ATÉ O CHÃO,
DEMARCANDO O PANO DE FUNDO, E OS QUATRO METROS
RESTANTES, VESTEM O PISO DO PALCO.

DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS:

LILA É UMA MOÇA DE 1m60cm DE ALTURA, DE COR BRANCA, CABELOS


PRETOS, LONGOS E LISOS. USA UMA MAQUILAGEM SUAVE EM TONS
DE ROAS CLARO.

MÚSICO;
RAPAZ MORENO DE CABELOS PRETOS CURTOS E COM GEL
REPARTIDO DE LADO E COM UM PEGA-RAPAZ NA TESTA. TEM UMA
COSTELETA LONGA.

MÚSICA/MUSICISTA
Moça BRANCA DE CABELOS CASTANHOS DIVIDIDOS AO MEIO E
CORTADOS NA ALTURA DAS BOCHECHAS. A FRANJA ESTÁ PRESA NO
ALTO DA CABEÇA.

FIGURINO:

LILA USA UMA TIARA DOURADA NO CABELO E VESTIDO DE ALÇA ROSA


CLARO COLADO AO CORPO ATÉ ALTURA DA COXA. TEM UM TORÇAL
BEGE NA CINTURA. POR BAIXO DO VESTIDO LILA VESTE UMA CALÇA
LEGGING BEGE ATÉ O JOELHO. ESTÁ DESCALÇA.
UM TECIDO DE DUAS FACES ORA SERVE COMO SAIA ORA COMO CAPA.

OS MÚSICOS VESTEM UMA BATA BEGE COM UMA FAIXA LARANJA NAS
EXTREMIDADES DA MANGA E NA ALTURA DOS QUADRIS. USAM UMA
BERMUDA AMARELA CLARA. ESTÃO DESCALÇOS.

INSTRUMENTOS MUSICAIS:

VIOLÃO: INSTRUMENTO DE CORDA. COMPOSTO POR UMA HASTE FINA


E ALONGADA E POR UMA CAIXA DE RESSONÂNCIA QUE TEM FORMATO
DE AMPULHETA COM UM CÍRCULO NO MEIO. AS CORDAS SÃO PRESAS
NAS PONTAS DAS HASTES E NA CAIXA DE RESSONÂNCIA.

INSTRUMENTOS DE PERCUSSÃO VARIADOS:


PAU DE CHUVA, ROI-ROI, CUÍCA, ALFÁIA, SINO,TRIÂNGULO,
MENSAGEIRO DOS VENTOS DE BAMBU, TAMBOR, CHUCALHOS, APITO

231
NEM SEMPRE LILA
POR ANDREZA NÓBREGA, EDUARDO RIOS, MARCELLA MALHEIROS E
MILENA MARQUES

INTEGRANTES:
2 MÚSICOS; 1 HOMEM E 1 MULHER
A PERSONAGEM: LILA
LEGENDA:
HOMEM – H; MULHER – M;

AO FUNDO, DOIS FOCOS DE LUZ BRANCA ILUMINAM OS MÚSICOS QUE ESTÃO


SENTADOS EM UM BANQUINHO. O HOMEM DO LADO ESQUERDO TOCA UM
VIOLÃO E A MULHER DO LADO DIREITO OS INSTRUMENTOS DE PERCUSÃO. O
TECIDO QUE DESCE DO TETO ATÉ O CHÃO DEMARCA O BURACO, LOCAL NO
QUAL SE DESENROLA A AÇÃO. NO CHÃO, NO CENTRO O PALCO HÁ UM
AMONTOADO DE TECIDO DA MESMA COR DO BURACO E NO MEIO HÁ UMA
SALIÊNCIA ROSA CLARA.

SOLFEJO

O AMONTOADO DE TECIDO NO CENTRO DO PALCO REVELA DOIS PÉS QUE


LENTAMENTE SOBEM: ESQUERDO, DIREITO, ESQUERDO, DIREITO. AGORA
DUAS PERNAS SE PROJETAM NO AR, BALANÇAM DE ACORDO COM A MÚSICA.
LILA ESTÁ DENTRO DO MONTINHO DA CINTURA PARA BAIXO. PÉS PARA A
ESQUERDA, DIREITA, NO CENTRO, BALANÇAM PARA OS LADOS, PARA CIMA.
PERNAS GIRAM, ABREM, PÉS EM SENTIDOS OPOSTOS, JUNTOS, BALANÇAM,
DANÇAM, JOELHOS FLEXIONADOS, PÉS PARA BAIXO, PARA CIMA, SE SACODEM.

MÚSICA:
H- Hoje é domingo/ que pede cachimbo/cachimbo de couro/que arrancou do touro
O touro é valente/ então bate na gente/e porque a gente é fraco/cai no buraco
O buraco é fundo, acabou-se o mundo
M- O buraco é fundo, acabou-se o mundo
M- Hoje é domingo/ que pede cachimbo/cachimbo de couro/que arrancou do touro
O touro é valente/ então bate na gente/e porque a gente é fraco/cai no buraco
O buraco é fundo, acabou-se o mundo
H-O buraco é fundo, acabou-se o mundo

PERNAS BAIXAM E REVELAM UMA JOVEM MOÇA SENTADA NO CHÃO

OS DOIS MÚSICOS FAZEM ECO AO QUE A MENINA DIZ.

LILA:AHHHHHHHHHHH.
M,H-AHHHHHH... AHHHHHH.... AHHHHH

OS DOIS MÚSICOS FAZEM ECO AO QUE A MENINA DIZ.

232
ELA OLHA PARA CIMA, PARA BAIXO, PARA A DIREITA, PARA A ESQUERDA,
LEVANTA. VESTE UMA SAIA ROSA DE TULE LONGA E ENCORPADA.
LILA- O quê! INVESTIGAA PARA A ESQUERDA
M, H – O quê, O quê, O quê... UMA LUZ VINDA DE CIMA ILUMINA O TECIDO DO
FUNDO DO PALCO, TEM –SE A IMPRESSÃO QUE A LUZ VEM DA ABERTURA DO
BURACO.
LILA- O quê! LEVANTA, INVESTIGA A PARA A DIREITA
M, H – O quê, O quê, O quê...
LILA- O quê! DE COSTAS, CAMINHA PARA O FUNDO DO PALCO
M, H – O quê, O quê, O quê...
VOLTA-SE E CAMINHA PARA FRENTE
LILA - Eu estou no fundo do buraco.
OLHA PARA CIMA
M, H – buraco, buraco, buraco...
LILA - Buraco!
M, H – buraco, buraco, buraco...
LILA- Ei, pare de me imitar.
BALANÇA A CABEÇA DE UM LADO PARA O OUTRO
M,H- me imitá, me imitá, me imitá...
LILA – Buracoco! COM AS MÃO NA CINTURA
M, H – Cocô, cocô, cocô...
LILA - Cocô! SORRI
M, H - cocô, cocô, cocô... SENTA
LILA - Lilá!
H,M- li/lá, li/lá, li/lá...
LILA (Lila sorri)- E se eu cavar mais fundo no mundo? LILA CAI PARA TRÁS, A SAIA A
ESCONDE , VÊ-SE APENAS AS PERNAS QUE BALANÇAM RAPIDAMENTE
H, M- Cava, cava, cava, cava; cava, cava, cava, cava; cava, cava, cava, cava-ca SENTA
LILA- Eu vou cavar até o outro lado do mundo.
H- Cava, cava, cava, cava; cava, cava, cava, cava; vaca, vaca, vaca, vaca APENAS AS
PERNAS BALANÇAM NO AR
M, H- Vaca!
LILA – VIRA, DE QUATRO Muhhhhhhhhhhhhh
M,H (eco) – Muh, muh, muh LEVANTA
LILA- (PARA OS MÚSICOS) Vaca amarela pulou pela janela, quem falar come a bosta
dela.
OS DOIS MÚSICOS ENCHEM A BOCHECHA DE AR

LILA- PÁRA, COLOCA A MÃO PRÓXIMO A ORELHA. SORRI Ah!! Eu sabia!


M, H (eco) – Quem falar come a bosta dela!!!
G- Ih! A vaca foi pro brejo... COM OS PUNHOS FECHADOS ENCOSTADOS NO CHAÕ
FICA, DE QUATRO COMO A VACA MOVE-SE PARA A DIREITA, OLHA PARA NÓS.
DEITA DE LADO. FOCO DE LUZ BRANCA. PONTINHOS DE LUZES BRANCAS
DESENHAM FORMAS ORGÂNICAS NO FUNDO DO PALCO

MÚSICA:
Era uma vez uma menininha, não tão menininha
Que por não ter par dançava sozinha/ não tão menininha
Ela ouvia historias da carochinha
Sonhava com príncipe e fada madrinha

233
LEVANTA. LUZ LILÁS. CHUVA DE BOLINHAS DE SABÃO. LILA DANÇA DE UM LADO
PARA O OUTRO, GIRA, SORRI ,SALTITA, BALANÇA OS CABELOS, ABRE OS
BRAÇOS E GIRA... SORRI
Pobre da menininha
Dançava suas lembranças
Mas ela não tinha tranças
Nem sapatos de cristal
Na história da sua vida
Havia sapos medonhos
E um príncipe bizonho ESTAPEA AS BOLHINHAS.
que parecia um lobo mau
Auuuuu!!! TIRA A SAIA LONGA E A DEIXA NO CHÃO
Auuuuu!!!

VAI PARA O CENTRO DO PALCO, SE AGACHA, BRAÇOS SOBRE UM JOELHO,


OLHA PARA CIMA, PARA BAIXO E

(VÁRIOS CONTOS DE FADA SÃO NARRADOS PELA MENINA, QUE ALTERNA A


REPRESENTAÇÃO DOS DIVERSOS PERSONAGENS QUE MENCIONA OU AINDA
ILUSTRA AS HISTÓRIAS A PARTIR DE AÇÕES FÍSICAS)

LILA- Rapunzel foi aprisionada por uma bruxa má no alto de uma torre bem alta EM
PONTA DE PÉ UNE OS CABELOS E ERGUE e vivia isolada de todos. GIRA
RAPUNZEL-Ai como me sinto tão sozinha. ERGUE A PERNA PARA DIREITA Eis que
surge um príncipe: AJOELHA E DE PERFIL LEVANTA OS BRAÇOS, O DIREITO MAIS
ACIMA DO ESQUERDO jogue as tranças Rapunzel. FAZ QUE SOBE PELAS TRAÇAS
E BEIJA Aí viveram felizes para sempre.
Cinderela! JOGA-SE NO CHÃO Cinderela limpava o chão ESFREGA O CHÃO e fazia a
comida pras irmãs e pra madrasta má. FAZ QUE MEXE UMA PANELA (IRMÃS) –
CORRE PARA DIREITA E FAZ QUE BALANÇA O SINO Cinderela! (CINDERELA) –
VAI AO CENTRO, SUAVEMENTE Já vou, já vou, já ouvi. Ora que tormento, já começa o
dia... (IRMÃS) – Cinderela! (CINDERELA) CORRE PARA ESQUERDA E FAZ QUE
BALANÇA O SINO– Já vou, já vou!
ESTICA OS BRAÇOS PARA UM LADO E PARA O OUTRO, O CORPO ACOMPANHA.
GIRA. COLOCA AS MÃO NA CABEÇA E OLHA PARA NÓS.
Bastou calçar o sapatinho ESTICA UMA PERNA e o príncipe a levou prum castelo
enorme,CAVALGA onde eles viveram felizes para todo o sempre.
A Bela Adormecida era bonita,SALTITA PARA DIREITA inteligente SALTITA e tinha uma
voz linda. SALTITA
OHHHH.. OHHHH...COM AS MÃOS NO QUADRIL ESQUERDO. LEVANTA MÃO
CONTORCIDA EM DITREÇÃO AO ROSTO (Sonoplastia interrompe o canto) MAS AÍ,
UMA BRUXA LANÇOU UM FEITIÇO QUE FEZ A BELA DORMIR POR CEM ANOS.
DEITA, CABEÇA PARA O LADO ESQUERDO. MÃO CRUZADAS NO PEITO, RONCA.
LEVANTA A CABEÇA, AS PERNAS DEITA. GIRA E LEVANTA.
A Bruxa encheu os arredores dos muros do castelo de espinhos. AJOELHADA,
BALANÇA OS BRAÇOS COM MÃO ABERTAS, LANÇA FEITIÇO
Vários homens tentaram atravessar a floresta de espinhos para salvar a jovem moça,
um, MARCHA PARA ESQUERDA COM BRAÇOS E PERNAS ESTICADOS DOBRA OS
PUNHOS ENCOLHE O CORPO E ANDA PARA A DIREITA, JOGA-SE NO CHÃO.
dois,

234
MARCHA PARA ESQUERDA COM BRAÇOS E PERNAS ESTICADOS PARA NO
CENTRO, ACOCORA-SE, ENCHE AS BOCHECHAS DE AR. ESPALMA AS MÃOS FAZ
QUE SOBE, CAI PARA TRÁS.
três, MARCHA PARA ESQUERDA COM BRAÇOS E PERNAS ESTICADOS. PARA.
ANDA LENTAMENTE, ESTICA OS BRAÇOS E PERNAS COMO EFEITO DE CAMERA
LENTA.
cinquenta, um milhão de infinitos homens, mas todos que tentaram salvar a jovem moça
se furaram. DEITA NO CHÃO.
Mas aí... Surge um príncipe LEVANTA lindo, corajoso, chegou com sua superespada,
COM BRAÇO ESQUERDO ESTICADO BALANÇA PUNHO E ANDA A PASSOS
MÍNIMOS E LIGEIROS entrou no castelo, deu um beijo nela e, pronto, eles viveram
felizes para sempre. JOGA-SE NO CHÃO
E a Branca de Neve? Os sete anões já tavam chorando a morte dela ERGUE UM
BRAÇO E BALANÇA A MÃO Mas aí, apareceu o príncipe encantado,O OUTRO BRAÇO
deu um beijo nela e o que aconteceu? Foram felizes para sempre.
Até a fera monstruosa e horrível deixou de ser fera e se casou com a Bela PRA
SEMPRE. SENTADA
Sempre, sempre! Ora que coisa, sempre tem um sempre pra fazer a gente pensar que
tudo vai ser lindo desde a hora que a gente acorda até a hora que a gente vai dormir.
ABORRECIDA DEITA Meu coração não tá bonito de alegria hoje, e eu ainda nem dormi.
Então o pra sempre não é pra mim. LEVANTA Sempre é quando a gente não consegue
ver até onde vai. AJOELHA-SE COM AS MÃO EM CONCHA NOS OUVIDOS Como o
mar.
H, M - Nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada (A AÇÃO DE NADAR DEVE TER
UMA RELAÇÃO COM O CAVAR DOS TRECHOS ANTERIORES)
LILA - A água do mar vai até tão longe, tão longe, que nada que eu disser vai poder
dizer até onde vai essa água. Ou então quando eu vejo as faixas coloridas de um arco-
íris no céu, eu nunca acho nem o começo nem o fim. Quando ele aparece fica me
chamando: “vem pra cá, vem pra cá”.
H,M - cá, cá, cá...
LILA - Já me disseram que todo mundo que vai até o fim do arco-íris acha um pote
cheio de ouro amarelo. E de tanto ele me chamar um dia eu fui lá.
H,M – corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre ...
Eu corri, corri, corri, corri e nada. Nuncanunquinha a gente consegue alcançar o arco-
íris. Pode ir lá, tenta, ninguém consegue. Eu já tentei...
(PENSATIVA) Se o arco-íris nascesse de cabeça pra baixo ia ser bem mais fácil de
achar ele debaixo da terra.
H, M – Cava, cava, corre, nada, cava, cava, corre, corre, cava, cava, nada, nada. Nada.
... Nada... Nada... FICA IMPACIENTE

LILA- Eu ainda nem dormi, e eu não tô feliz. Então o feliz pra sempre não é pra mim!! É
mentira que a gente passa todas as horas de todos os dias de todo o resto da vida feliz,
sorrindo. O meu “pra sempre” sempre acaba muito rápido e logo-logo vira nada, bem na
esquina do dia seguinte.
H, M –(SOM DE SINO) EM PÉ MÃO NA CABEÇA, GIRA
LILA- Ai, não! Eu tô no fundo do buraco.

H, M- Cava, cava, nada. Cava, cava, cava, nada. Cava, cava, cava, cava, cava, cava

CAI NO CHÃO

235
LILA- Essa droga de buraco. Quanto mais eu cavo mais buraco ele vira!
MOVE AS PERNAS, PARA CAVAR O CHÃO COM OS CALCANHARES
PERCEBE UMA MANCHA NA PERNA
LILA- Ai, não!!! Eu to com uma creca horrível. E to peluda feito um lobisomem. FICA
ZAROLHA E tem uma espinha no meio do meu nariz. Não!!! É uma verruga bem no
meio do meu narizzz!!! Ai, socorro! Meus braços tão se esticaaaaaaaaaaaaaannndo.
ERGUE OS BRAÇOS. CHEIRA O SOVACO, PAUSA BRUSCA Eu fedo! Meu sovaco
tem cheiro de queijo azedo. ESPERNEIA Não, não quero parecer com a bruxa não, eu
quero ser a Bela!!! Eu sou bonita sim! LEVANTA E CAI DE NOVO NO CHÃO. Só porque
eu tenho uma creca e pé grande eu não posso ser a princesa? Ah, é? Então eu sou
torta!!! SE CONTORCE, MÃOS, SE CONTORCE.
LEVANTA PEGA A SAIA, DESAVEÇA, VIRA CAPA
M,H- Torta, torta, como a Moura Torta! Torta, torta, como a Moura Torta! (LILA/MOURA
TORTA CORRE)
PRENDE OS CABELOS. COLOCA A CAPA. ENCURVA-SE. LÍNGUA PARA FORA.
LILA- O que isso te importa!
M,H- Torta, torta, como a Moura Torta! Torta, torta, como a Moura Torta! Você é uma
torta, como a moura torta.
MÚSICA- (LILA E MÚSICOS CANTAM):
Eu sou...Torta como uma moura torta
O que é que isso te importa
Feche sua boca aberta
Porque eu sou mais esperta
E se sua memória é curta
Vou contar a história da moura
Que não fez a coisa certa

LILA - Há muito tempo atrás, a moura Torta, que mais parecia um buldogue, CURVA-SE
com bochechas arriadas e olhos esbugalhados, um apontando pro leste outro pro oeste,
foi ao rio buscar água com uma lata na cabeça.
OLHA PARA NÓS
Cantando desafinada, andava desengonçada, com os joelhos pra dentro. Mas coitada
da tortinha. Ela era malvada, mas todo mundo debochava dela, porque ninguém achava
ela bonita. Imagine então a surpresa da Moura Torta quando se baixou na beira do rio e
viu, no reflexo nas águas, a imagem da mais bela moça do reino.
LEVANTA OS BRAÇOS CONTORCIDOS

(MÚSICA)
Ontem eu fui buscar água
E hoje, vou buscar também FAZ QUE SEGURA UMA JARRO D’ÁGUA NOS OMBROS
Ninguém tem pena da Moura Torta
Pensa que não sou alguém
Mas sonho com o príncipe encantado que me queira bem.

(LILA FALA COMO A MOURA) OLHA PARA BAIXO Ôhh.. ahhh... Mi...Mi.. Mi... Minha
nossa, como eu sou bela! Cabelos de ouro, pele de leite, olhos azuis como a cor do céu,
lábios de rosa carmim. Ora vejam, com uma aparência como essa, o serviço pesado não
é pra mim.

236
(GIRA) Pobre da tortinha. MÃO ESPALMADA PARA O LADO DIREITO Quando olhou
pra cima, viu escondida entre os galhos do ingazeiro (SOMBRA DOS GALHOS) uma
linda jovem. Então entendeu que o que ela tinha visto no reflexo das águas era a
imagem da linda moca e não a dela.
GIRA, MÃO ESQUERDA SEGURA UM LENÇO ROSA Então é você, minha pombinha.
Desça, desça. OLHA E FALA PARA O LENÇO Humm, sim, agora deixe-me alisar seus
cabelos e me conte sua história.
SEGURA O LENÇO E MEXE
Sou uma moça encantada. O príncipe quando olhou pra mim, se apaixonou pela minha
beleza, e disse que ia casar comigo. Então foi à cidade comprar um vestido COBRE A
CABEÇA COM O LENÇO para que pudéssemos nos casar.
LILA - Entre palavras e cafuné, a mocinha acabou adormecendo. RETIRA O LENÇO
E no mesmo momento, a Moura decidiu que quem ia casar com o príncipe e ia ter o final
feliz dos contos de fadas era ela e, no mesmo instante, pegou um alfinete JOGA O
LENÇO PARA CIMA E FAZ QUE ESPETA e espetou na cabeça da moça, que virou
uma pomba, que voou, assustada, desesperada, bateu assas, voou,
ANDA EM CIRCULOS E BALANÇA O LENÇO voou, pra bem longe. CAI NO CHÃO
Eu sou a moça bonita. Agora é só esperar o meu príncipe chegar.
(H- príncipe assustado) VOZ EM OFF
LILA- Ó, meu amado, não se assuste, sou eu mesma. Esperei tanto que o Sol
encriquilhou meus cabelos, me deixou com uma pele cheia de bit-bits e brotoejas por
todo o meu corpo, ai, me deixou com cheiro de queijo azedo. De tanto esperar entre os
galhos do ingazeiro fiquei assim. Mas, palavra de príncipe não volta atrás. Vamos nos
casar! BEIJA PARA FRENTE SEGURA UM LENÇO AMARELO E BALANÇA, FAZ QUE
É O PRÍNCIPE
(H,M - FALA COMO O PRÍNCIPE) É claro, querida.
E a Torta, coitada, pensou que ia ser feliz ao lado do príncipe, mas ele não parava de
pensar na encantada. Passava o dia inteiro debruçado na janela, admirando uma
pombinha.
A Tortinha, com raiva, comia tudo que via: GIRA sorvete de salsicha, SEGURAS AS
MÃOS NA FRENTE DO ROSTO, ESTICA A LÍNGUA, FAZ QUE LAMBE SORVETE purê
de chuchu, FAZ QUE LANÇA COLHERADAS PARA A BOCA ABERTA sanduíche de
feijão, MORDE SANDUICHE COM VORACIDADE vitamina de fígado FAZ QUE VIRA O
COPO NA BOCA, INCLINA O CORPO PARA TRÁS E ... ARROTA e iogurte de rúcula.
FAZ QUE SEGURA UM POTINHO E DÁ LINGUADAS Pombinha! Eu quero essa
pombinha, bote já na panela. Ai, asinha de pombinha. Vaaaaaiii. GIRA O príncipe então
pegou a pombinha, e logo descobriu o alfinete cabeça dela. Assim que puxou o alfinete,
quebrou o feitiço, e a pombinha voltou a ser a moça encantada. PEGA TECIDO ROSA E
VERDE, SEGURA UM EM FRENTE AO OUTRO E FAZ QUE BEIJA O príncipe casou
com ela e foram felizes para sempre. E a Torta VIRA-SE PARA DIREITA E OLHA
FIXAMENTE viveu um feliz pra sempre bem diferente do que imaginava, correndo todo o
tempo, fugindo pelas estradas com medo de ser castigada. RETIRA A CAPA SEGURA
COM AS DUAS MÃOS, ASSUME POSTURA DE TOREIRO, E CORRE PARA DIREITA
Não, não vai. PARA, SACODE A CAPA.
H,M (ECO) – Pai, pai, pai...
LILA - Não vai CORRE AGORA PARA ESQUERDA. PARA SACODE A CAPA
H,M (ECO) – Pai, pai, pai...
LILA - Não vai. CAMBALEIA E GIRA PARA DIREITA.
H,M (ECO) – Pai, pai, pai...
LILA - Não vai CAI NO CHÃO.

237
LILA –DEITADA, CHORA, FOCO DE LUZ BRANCA. Enquanto a menina do reino
encantado sorriu para sempre, a moura torta chorou para todo o sempre. Quando a
gente chora molha o rosto todinho, e quanto mais água sai de dentro da gente, mais
seco a gente fica. SENTA Parece que a gente fica quebrado, duro feito um galho de
árvore seca por onde passa a ‘largatixa’. Lar-ga-ti-xa? Não... largartixa. Não, lagartixa.
Lagartixa. Ah, eu acho tão bonitinho a lagartixa passar o dia todinho dizendo sim pra
todo mundo: BALANÇA UMA MÃO E A CABEÇA NA AFIRMATIVA sim, sim, sim, sim...
Todo dia quando eu vejo ela, é sempre, sempre: sim.

DA CAPA PEGA UM PEDAÇO DE TECIDO ROSA LEVANTA, BALANÇA, PEGA UM


PEDAÇO VERDE, AGORA ESCONDIDA EMBAIXO DA CAPA, REMEXE O
AMONTOADO DE TECIDO. PEGA UMA LAGARTIXA DE TECIDO, É LILATIXA.
(MÚSICA)
Lila, larga, lagartixa (4x)
Sim, não, não, não, sim
Sim, sim, sim, não, não
Sim, não, não, sim, sim
Sim, não, não, sim, não.

Ai, eu sempre quis ter uma lagartixa de estimação CAMINHA PARA DIREITA, PARA,
mas o meu pai nunca, nunca gostou de lagartixa. SEGURA E OLHA PARALILATIXA Ele
acha feio o olho preto dela. FALA COM LILATIXA (O APITO É A LAGARTIXA
FALANDO) Mas agora que ele foi embora daqui de casa, quem sabe a minha mãe não
me deixa criar uma. Aí, quando o meu pai vier pra cá nos finais de semana ele vai dizer:
“Lila, quem mandou colocar esse bicho dentro da casa da sua mãe? Devolve essa coisa
pro buraco de onde ela veio”. Não, não. LILATIXA BALANÇA A CABEÇA E CAI NO
CHÃO. AS DUAS NO CHÃO Ele sempre acha esquisito quando a lagartixa consegue
continuar andando mesmo quando cortam o rabo dela fora. LADO A LADO RASTEJAM
Acho que o pra sempre de pai e mãe separados é igual ao de uma lagartixa sem rabo. A
gente continua andando, mesmo com um pedaço faltando. ARRASTA AS PATAS DE
LILATIXA QUE PERDE O RABO Mas dói tanto, DEITA COM LILATIXA EMCIMA DELA
dói muito, dói, dói.
H,M - ói, ói, ói...
LILA- AJOELHADA Ói... olha o quê...Eu já sei que tô no fundo do buraco. Olha os meus
pais. Pai com mãe juntos não foi pra sempre. LEVANTA Ora que coisa, eu nunca mais
vou querer saber desse tipo de feliz pra sempre que faz a gente acreditar numa coisa
que pode não acontecer. CAMINHA PARA ESQUERDA Meu coração fica tão
apertadinho quando esse pra sempre acaba. CRUZA OS BRAÇOS Nuncanunquinha
disseram pra mim que pai com mãe não é pra todo o sempre. Todos os dias quer dizer
que é pra sempre? Onde fica esse sempre? SEGURA AS MÃO E LEVA ATÉ O ROSTO
Eu queria comer o sempre, comer ele todinho, mastigar bem muito, pra poder
experimentar o sabor do “pra toda a vida”. Será que o pra sempre é tão gostoso quanto
um bolo? Ou então cheirar ele de cima até embaixo, de um lado até o outro, até eu ficar
tonta e cair no chão de tanto sempre que vai entrar pelo meu nariz. E o meu nariz ia ficar
assim, igual ao de um porquinho rosado: roinc, roinc. AJOELHADA. A minha mãe diz
que todo porco fede, mas eu tenho pra mim que são só alguns que tem fedor, porque o
porco de Seu Ataíde não é fedido, e ele é um porco de verdade.COLOCA OLHOS EM
LILATIXA

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MÚSICA
Dentro de um pra sempre
Existe um nem sempre
E tudo que você
Consiga imaginar:
Certamente e talvez,
Nunca e era uma vez,
Todo dia, ontem,
Amanhã, jamais.
Num reino distante,
Ou na esquina ao lado
Uns “sempres” vão brotar
Uns “sempres” vão murchar
Mas o que importa é a semente
Que esses “sempres” vão deixar.

PEGA LILATIXA, MANIPULA, CAMINHA ATÉ O FUNDO DO PALCO, LUZ DE CIMA NO


TECIDO DÁ A IMPRESSÃO DE QUE VEM DE FORA DO BURACO. SEGURA
LILATIXA CONTRA O FUNDO DO TECIDO, PAREDE, LILATIXA SOBE A PAREDE.
LILA SEGURA ELA NO CENTRO DO PALCO

Tá vendo que a gente sempre descobre que o sempre não é toda vez? Porco sem fedor
ainda é porco. PARA FRENTE, BALANÇAM A CABEÇA EM AFIRMAÇÃO Rosa sem
espinho ainda é rosa. BALANÇAM Vaca sem peito é... vaca. BALANÇAM Cachorro com
três patas ainda é cachorro, BALANÇAM tartaruga com duas cabeças ainda é tartaruga,
BALANÇAM arco-íris debaixo da terra ainda seria arco-íris, BALANÇAM lagartixa sem
rabo ainda é lagartixa. BALANÇAM. A Moura torta, é torta e é bela. COLOCA LILATIXA
NO CHÃO Eu, Lila, sou bela, uma bela com creca na perna e do pé grande. ABRE OS
BRAÇOS

H, M- (sinos)
PAM PAM PAM – COM AS MÃOS EM CONCHA PRÓXIMAS À BOCA Atenção
senhoras e senhores, eu, euzinha mesma, contarei a vocês uma história recheada de
risos, choros, cores, bichos e fedores. Quem chora molha o rosto, quem nunca chorou
tem medo de água. Quem não tem par dança sozinha. Quem não sabe dançar, dança
do mesmo jeito. Quem vai, vai, quem não vai, fica! Cada qual com sua história
mirabolante para contar. DEITADA AO LADO DE LILATIXA.

Eu vou contar uma história de amor. O HOMEM LEVANTA, PEGA O VIOLÃO E


COLOCA RENTE AO CORPO. PÕE A PARTE MAIS ALONGADA POR DENTRO DA
CAMISA. A PARTE EM FORMATO DE AMPULHETA REPRESENTA A CABEÇA DE
RECIFE. A MULHER LEVANTA PEGA UM TAMBOR COBRE A CABEÇA, SEGURA UM
SINO EM CADA MÃO QUE COLOCA AO LADO D CABEÇA, É OLINDA. RECIFE E
OLINDA ESTÃO AO FUNDO, DE PÉ, DE FRENTE PARA NÓS. A história de amor entre
Recife, FAZ MUQUE um forte cavalheiro, e Olinda, uma bela moça. BALANÇA OS
SINOS E REQUEBRA Recife era um nobre prometido a Olinda, que tinha jurado de pés
juntos viver com Olinda por todos os dias que formam o pra sempre. Então, no dia do
seu casamento, enquanto Olinda colocava seu vestido e se maquiava, Recife montou
em seu cavalo e percorreu vários montes atrás da mais bela flor para dar de presente à
sua futura esposa. RECIFE CAVALGA Porém, bem na hora que ele avistou a mais pura

239
flor do campo, RECIFE CONTRAI O CORPO ele ficou enroscado nas plantas altas e
espinhentas de um campo próximo. Desesperado para avisar a alguém que estava
preso, Recife começou a atirar pedras o mais longe que podia. FAZ QUE LANÇA
VÁRIAS PEDRAS PARA FRENTE As pedras atingiram o mar e formaram um grande
muro de pedras por toda a praia. Todos conseguiam ver aquele paredão enorme, mas
não conseguiam descobrir de onde Recife estava jogando as pedrinhas. Preso em
raízes e em pensamentos que envolviam sua amada, ele chorou a ponto de encharcar
de lágrimas todos os pedaços de terra que estavam ao redor dele. TREME A CABEÇA
PARA BAIXO Olinda, que já estava pronta só esperando o noivo, COM OS SINOS
PRÓXIMOS A ORELHA CURVA-SE PARA UM LADO E PARA O OUTRO notou que ele
demorava demais. Aflita, sem saber notícias de seu amado, ela começou a construir um
bocado de igreja, nos morros mais altos de suas terras, para que Recife, de onde
estivesse, pudesse ir ao casamento. BALANÇA OS SINOS. PARA O ALTO, PARA
BAIXO, PARA DIREITA, ESQUERDA Daí, enquanto Olinda badalava todos os seus
sinos, Recife gritava o mais alto que podia gritar. SIMULTANEAMENTE. RECIFE BATE
FAZENDO SOM NO VIOLÃO E OLINDA BADALA OS SINOS Assim, nem Recife
escutou os sinos, e nem Olinda escutou os gritos de seu amor. E o casamento deles não
aconteceu. O HOMEM TIRA A HASTE DO VIOLÃO DE DENTRO DA CAMISA E
OLINDA RETIRA O TAMBOR DA CABEÇA E COLOCA OS SINOS NO CHÃO. LILA
PEGA A LILATIXA E SEGURA NO BRAÇO, ACARICIA No fim, Recife se apaixonou
pelos manguezais que nasceram de seu choro, e Olinda badalava seus sinos toda vez
que suas ladeiras e terras sorriam para ela.
LILA- (LILA SENTA) Hoje, Recife tá casado há mais de 400 anos com o mangue e
Olinda também, tá casada com suas terras há 476 anos. E mesmo que eles tenham se
casado com outras pessoas e não tenham ficado juntos no final como a gente queria,
eles são felizes, moram um do lado do outro, e Olinda sempre pede açúcar pra Recife
quando falta na casa dela, e Recife todo ano vai dançar frevo nas ladeiras de Olinda. É
uma risadagem só, GIRA cheia de cores.
Essa história parece até a gente aqui em casa. PEGA LILATIXA. SENTA DO
LADO ESQUERDO Essa semana eu vou em Recife visitar meu pai, ele quebrou a perna
aí fica difícil ele chegar aqui em casa com tanta ladeira saltando de um pé só para subir
essas ladeiras. Ah... mas você vai comigo Lilatixa. E eu vou pedir pra ele fazer uma
comida bem gostosa. Pro almoço Lasanha, e de sobremesa, bolo de chocolate e ...
APITO SOA REPRESENTANDO FALA DE LILATIXA. O quê? APITO Como? APITO
Onde já se viu comer isso na sobremesa? APITO Tem certeza? APITO Você comeu
hoje? APITO Um arco-íres?! APITO Em baixo da terra! Então eu estava certa! Pode
existir sim arco-íres embaixo da terra! E você comeu! Posso ver?

PUXA DA BARRIGA DE LILATIXA VÁRIAS TIRAS DE TECIDO COLORIDO, UM


POR VEZ.

ENQUANTO LILA DANÇA A MÚSICA FINAL É CANTADA


LILA- Hannn, de repente, é só quando a gente entende que o pra sempre é todo feito de
pedacinhos diferentes: pedaços de risos, choros, amores, desamores, cores, escuro,
lagartixa, fedor, pai junto, pai separado - que a gente tenta juntar essas partes em um
quebra-cabeça só, pra formar o todos os dias de nossas vidas. Um pedaço, PEGA
OUTRO PEDAÇO DE TECIDO VERMELHO depois o outro, AGORA UM AMARELO e
outro, UM AZUL, e depois outro AGORA UM ROSA. Será que é isso?

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(MÚSICA):
Assim como nada é para sempre
Ninguém é uma coisa somente
Na vida existe bem mais que o bem ou o mal

Há muita coisa no entre


Entre o covarde e o valente
Entre as fadas, bruxas e duendes e o mundo real

O que pra você é bonito


Para mim pode ser esquisito
Na verdade é isso que torna tudo especial

Hoje eu aprendi que a luz do sol


Vira um arco-íris, basta chover.
Então nessa chuva vou me molhar
E brilhar com as cores mais bonitas que eu possa ter

LILA DANÇA COM OS TECIDOS COLORIDOS. LUZES COLORIDAS SUGEM DAS


LATERAIS. LILA DANÇA, GIRA, SORRI. LILA DANÇA DE UM LADO PARA O OUTRO,
SALTITA, SORRI. DEITA-SE NO CHÃO. ESCURIDÃO TOTAL.

FIM

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