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Retinoblastomas pediátricos e a importância do rastreamento precoce

Recentemente, o ex jogador do Corinthians e do Fortaleza, Marcelo Picon, mais conhecido


como Nenê Bolinha, tornou público o drama familiar que ele e sua família enfrentaram ao
longo de 2021, que, inclusive, fez com que o atleta aposentasse a chuteira por alguns meses.
Sua filha de apenas 1 ano de idade foi diagnosticada com retinoblastoma, uma das
neoplasias malignas primárias intraoculares mais prevalentes na infância, com uma
ocorrência de 11% para < 1 ano (BJHR: 2022).

A primogênita do jogador, graças ao rastreamento precoce e à eficácia de toda a junta


médica do SUS, especialmente da TUCCA (Associação para Crianças e Adolescentes com
Câncer), em São Paulo, onde ocorreu o tratamento, já não mais apresenta indícios de
malignidade, como apontou o jogador em entrevista recente ao portal UOL.

Entretanto, a filha de Nenê Bolinha não foi o único caso de retinoblastoma que repercutiu
com ênfase na mídia. Talvez com proporções até maiores, todos os brasileiros se
solidarizaram com o apresentador global Tiago Leifert, que, no final do ano passado, expôs,
junto de sua esposa, em suas redes sociais, o real motivo de seu afastamento da televisão:
sua filha também recebeu diagnóstico de retinoblastoma. Assim como a filha do ex-
Corinthians, a herdeira de Leifert está bem, estável e saudável, embora ainda siga em
tratamento.

Figura 1. Tiago Leifert, esposa e filha diagnosticada com retinoblastoma.

Fonte: rede social/2021 (reprodução).

Diante disso, com a repercussão destes casos, urge uma atenção, em especial da classe
pediátrica, sobre esta temática, como forma de incentivar o Teste do olinho, um dos grandes
aliados no combate ao retinoblastoma pediátrico, principalmente em regiões em que a
informação é escassa e o acesso à saúde, pela criança, é limitado.

Dados epidemiológicos
O retinoblastoma é considerado a malignidade mais comum na infância¹. Souza et al, em
artigo recente publicado no Brazilian Journal of Health Review (2022), revisitaram a literatura a
respeito desta doença, reconhecendo importantes dados epidemiológicos, como sua
incidência de 1 caso entre 15.000 para 18.000 nascidos vivos¹, com previsão de
aproximadamente 8.000 novos casos a cada ano². Nesse sentido, não há indícios de que
exista variação de incidência nem entre raças e sexos, nem por associações geográficas,
embora seja sabido que, em países da Ásia e da África, a doença pode apresentar alta taxa de
mortalidade² devido ao diagnóstico tardio e às consequentes condições de tratamento.

Fisiopatologia
Sendo associados a mutações somáticas ou a mutações na linhagem germinativa, ou em
ambos os casos, os alelos dos genes supressores de tumor RB1, localizado no braço longo
do cromossomo 13 (13q14), codificam a proteína pRB, responsável pelo retinoblastoma.
Ademais, a mutação apresenta traço autossômico dominante e penetração incompleta, o que
significa que nem todos os pacientes com mutação de RB1 vão desenvolver tal malignidade³.

Knudson, em 1971, propôs que, para que haja transformação de uma célula normal da retina
em uma célula cancerígena, ocorre duas mutações consecutivas. A figura abaixo (Figura 2)
nos auxilia a entender esse processo.

Figura 2. Esquema de patogenia do retinoblastoma.

Fonte: Instituto Oncoguia/2011 (reprodução).

Hereditários e não hereditários


Os retinoblastomas, comumente, são dividos em hereditários (forma familiar) e não
hereditários (forma esporádica). Quando hereditário, a primeira mutação que ocorre são
nas células germinativas, o que, por natureza, já pode suscitar outros tipos de câncer, como
osteosarcomas, sarcomas de tecidos moles e melanoma. Já a segunda mutação ocorre
durante o desenvolvimento das células da retina.

Quando não hereditários (forma esporádica), as duas mutações ocorrem na mesma célula.
Tal malignidade também pode ser oriunda da síndrome da deleção do cromossomo 13q,
isto é, deleção parcial ou total do gene RB1, de modo que o indivíduo apresenta graus
variados de disformismo facial e atraso do desenvolvimento neurológico.

Unilateral ou bilateral
Souza et al (ibidem) ainda argumentam que o retinoblastoma pode ser unilateral ou bilateral.
● Unilateral: os casos unilaterais representam 75% dos pacientes.
● Bilateral: todos os casos são compatíveis com mutações da linhagem germinativa,
enquanto que apenas 10-15% dos casos unilaterais apresentam esse padrão.

Sinais e sintomas
Geralmente, a doença é descoberta quando os pais ou o pediatra notam alterações na
estrutura ocular da criança a partir de uma massa na retina com veias dilatadas ao redor. A
priori, podem ser de difícil visualização e transparantes. Porém, quando começam a evoluir,
essas massas crescem, tornando-se, na maioria dos casos, brancas e opacas (leucocoria),
podendo se expandir para a cavidade vítrea (endofítico) ou não (exofítico).

Figura 3. Criança com leucocoria, princiapal sinal que sugere retinoblastoma.

Fonte: Foto por Pak Sang Lee (2011).

Nessa perspectiva, além do surgimento do popular olho de gato, é muito comum a presença
de estrabismo, devido ao enfraquecimento dos tecidos que controlam o movimento dos
olhos.

Além deles, são sinais e sintomas comuns do retinoblastoma:

● Problemas de visão;
● Dor nos olhos;
● Vermelhidão na parte "branca" (esclera) do olho;
● Sangramento na parte anterior do olho;
● Abaulamento dos olhos;
● Pupila que não se contrai (diminui de tamanho) quando exposta à luz brilhante;
● Coloração diferente das íris.

Evidentemente, sabemos que tais sintomas não necessariamente são indicativos de


retinoblastoma. Porém, na presença de qualquer alteração ou desconforto ocular, com
apresentação de leucocoria (Olho de gato), vale uma investigação mais completa e, se
necessário, um encaminhamento para o oncologista.
Diagnóstico
O diagnóstico, geralmente, é feito com base em sinais e sintomas baseados nos seguintes
exames:

● Teste do Reflexo Vermelho ("Teste do olinho");


● Ultrassonografia;
● Angiografia fluoresceínica;
● Tomografia de coerência óptica;
● Tomografia computadorizada;
● Ressonância magnética.

Na maioria das vezes, o diagnóstico ocorre até os 5 anos de idade, com média de 18 meses¹.
Quando a detecção da doença ocorre por meio do teste de Brückner, geralmente o tumor já
se encontra em estágio avançado (Tabela 1).

O diagnóstico é, por categoria, predominantemente clínico. Contudo, os achados radiológicos


podem auxiliar na diferenciação de pseudoretinoblastomas dos retinoblastomas reais.

Tabela 1. Sistema internacional de estadiamento do retinoblastoma.

Fonte: Adaptado de Souza et al (BJHR: 2022).

Tratamento
O tratamento para o retinoblastoma é feito de acordo com o estadiamento da doença e com a
classificação nos grupos A, B, C e D (BJHR: 2022), sendo as opções terapêuticas mais
comuns:

● Cirurgia;
● Coagulação via laser;
● Crioterapia;
● Braquiterapia;
● Quimioterapias intra-arteriais (QA);
● Quimioterapias intravenosas (QI);
● Quimioterapias pericuoculares (QP);
● Quimioterapias intravítreas (QIV).
● Em alguns casos, radioterapia.

Os autores ainda apontam que os grupos A e B devem ser tratados com procedimentos
locais, enquanto que os grupos C e D devem seguir a quimioterapia sistêmica, com utilização
da regra dos 6 ciclos de vincristina, etoposida, carboplatina, ou quimioterapia local intra-
arterial ou intravítrea.

Importante enfatizar que, em pacientes com retinoblastomas bilaterais, não é recomendada


a radioterapia, já que ela pode aumentar o risco de surgimento de tumor secundário nesses
pacientes.

Considerações

Com uma alta taxa de sobrevida de cerca de 98% dos casos em países desenvolvidos³, com
uma redução de 25% para países em desenvolvimento, é evidente que o diagnóstico precoce
é a melhor forma de combate a essa malignidade. Tramitando no Congresso Nacional desde
2015, a lei do "Teste do olinho" (PL 4090-A) passou a receber status de lei após aprovação da
comissão de Seguridade Social e Família no Senado em 2017. Alguns estados, por sua vez,
como Minas Gerais, já sancionaram leis estaduais referentes à obrigatoriedade do exame do
Teste do Reflexo Vermelho em recém-nascidos.

Sendo assim, alinhando o arsenal terapêutico disponível para o tratamento da doença a um


rastramento precoce eficaz, é possível que as crianças diagnosticadas com retinoblastoma
possam restaurar sua saúde ocular com consequente melhora da qualidade de vida. Ademais,
por meio do diagnóstico precoce, torna-se mais real a possibilidade de se manter a visão da
criança, além de ser uma forma para que os pais também possam enxergar não apenas uma
melhora clínica nos seus filhos, mas também a esperança da remissão completa desse câncer
que, nas crianças, acomete os olhos; e, nos pais, preocupa o coração.
________________________________________________
¹https://journals.lww.com/apjoo/Fulltext/2018/05000/
Retinoblastoma_for_Pediatric_Ophthalmologists.7.aspx
² https://www.nature.com/articles/s41388-017-0050-x
³ https://link.springer.com/article/10.1007/s12098-017-2453-7

Referência
Retinoblastoma pediátrico - visão geral / Pediatric retinoblastoma - overview
Alex Goulart De Souza, Suzana Costa Reis Roriz, Wilson Tomaz da Silva
Júnior, Ellen Lelis De Souza, Pedro Costa Moreira, Lucca Cardoso
Damasceno, Fernando Oliveira Carvalho, Jaqueline Ferraz Souto, Mariana
Calanca Nascimento, Ana Carolina Rodrigues Borges — Publicado
em 03/05/2022 — Brazilian Journal of Health Review
DOI: 10.34119/bjhrv5n2-162
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