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VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DE MENINGITE

Meningite é qualquer processo inflamatório das meninges (membranas que envolvem o


cérebro e a medula espinal). Segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 6
pessoas no mundo que contraem meningite bacteriana, 1 vem a óbito, e de 5 que desenvolvem a
doença, 1 desenvolve complicações severas. No Brasil, foram registrados ano passado (2023) 1.605
casos de meningite e 88 óbitos pela doença, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (SINAM). Até início de março deste ano (2024), já foram confirmados 4 óbitos por
meningite no estado do Paraná. Assim, como forma de contribuir para o estudo e controle de
epidemias, todo caso suspeito ou confirmado, independentemente do agente etiológico, deve ser
notificado em até 24 horas e, se em ocorrência de surto, aglomerado de casos ou óbito, deve ser
notificado imediatamente.

Os casos suspeitos de meningite são definidos pela presença de febre, cefaleia, vômitos,
convulsões, manchas vermelhas pelo corpo, rigidez da nuca e/ou outros sinais de irritação meníngea
(Kernig e Brudzinski), lembrando que em crianças menores de 1 ano de idade, tais sintomas podem
não ser tão evidentes, devendo o profissional se atentar se presença de irritabilidade, choro
persistente e abaulamento de fontanela. Se evolução para septicemia (mais comum na doença
meningocócica, denominada de meningococcemia) pode ocorrer também dor abdominal, diarreia,
dor em membros inferiores, mialgia, hipotensão e rebaixamento do sensório. Já os casos confirmados
de meningite são descritos em cada tópico seguinte:

a) critérios de caso suspeito e exame laboratorial positivo (cultura, PCR, látex, isolamento viral)

b) critério de caso suspeito e bacterioscopia positiva (quando bacteriana)

c) critério de caso suspeito e quimiocitológico/microscopia do LCR sugestivo de meningite

d) critério de caso suspeito e contato com algum caso confirmado laboratorialmente

e) critérios de caso suspeito, cuja clínica seja sugestiva de meningite

f) necrópsia com achados anatomopatológicos compatíveis com a doença

Para a identificação de possíveis fontes de infecção, deve ser feita uma investigação nos locais
frequentados pelo indivíduo acometido (domicílio, alojamentos, trabalho, creche, escola) em todo o
período correspondente a no mínimo 15 dias anteriores do adoecimento, e as carteiras de vacinação
dos contactantes devem ser conferidas. Quanto as meningites bacterianas, casos secundários,
embora raros, podem ocorrer geralmente nas primeiras 48 horas a partir do primeiro caso e, como
tentativa de evitá-los, deve ser empregada quimioprofilaxia, independentemente do estado vacinal
do contactante. Sua eficácia é diretamente proporcional ao tempo de contágio (quanto mais
precocemente administrada, melhor). A quimioprofilaxia, cujo antibiótico de escolha é a Rifampicina,
também pode ser feita no paciente no momento da alta (caso este não tenha sido tratado com
Ceftriaxona) e, quanto aos profissionais da saúde, estes devem recebê-la apenas se realizaram
procedimento invasivos (intubação orotraqueal, passagem de cateter nasogástrico) sem equipamento
de proteção adequado.

1. MENINGITE BACTERIANA POR MENINGOCOCO

Causada pela Neisseria meningitidis, um diplococo Gram negativo aeróbio, cujo tempo de
incubação pode variar de 2 a 10 dias. Após o contato com secreções respiratórias de alguém infectado,
o meningococo instala-se na nasofaringe humana, podendo permanecer por longo período de forma
assintomática, que caracteriza o estado de portador, mais comum entre adolescentes e adultos jovens.
O grupo de maior risco para desenvolvimento da doença são crianças menores de 5 anos, sobretudo
as menores de 1 ano, e pacientes com deficiência do complemento (C3, C5, C9) ou asplenia, portanto,
estes têm prioridade para profilaxia com vacinas.

Quanto ao desenvolvimento das formas invasivas, são fatores associados: contato próximo
com portadores, infecções respiratórias virais recentes (como a Infuenza), aglomerações em domicílio,
residência em quartel, acampamento militar ou alojamento estudantil, tabagismo (tanto ativo, quanto
passivo) e condições socioeconômicas menos privilegiadas. Existem 12 sorogrupos identificados, os
quais A, B, C, Y, W e X são os principais pela forma invasiva, cuja principal representante é a meningite
meningocócica e a mais grave, a meningococcemia.

A meningite meningocócica possui ampla variedade de apresentações clínicas, que podem ser
divididas em sinais e sintomas mais específicos, sinais e sintomas não específicos mais comuns e sinais
e sintomas não específicos menos comuns:

SINAIS E SINTOMAS MAIS ESPECÍFICOS: rigidez nucal, fotofobia, Sinal de Kernig, Sinal de
Brudzinski, déficit neurológico focal, paresia, dor nas pernas, convulsões, petéquias ou outros
sinais hemorrágicos, alteração do estado mental, abaulamento de fontanela e choque (tempo
de enchimento capilar > 2 segundos, extremidades frias, hipotensão, taquicardia, baixo débito
urinário)

SINAIS E SINTOMAS NÃO ESPECÍFICOS MAIS COMUNS: febre, náuseas, vômitos, cefaleia,
letargia, irritabilidade, dor muscular e dificuldade respiratória, rash maculopapular (pode ser
confundido com exantema viral)

SINAIS E SINTOMAS NÃO ESPECÍFICOS MENOS COMUNS: distensão abdominal, diarreia,


otalgia, dor de garganta e coriza

Diante da suspeita clínica, exames laboratoriais podem auxiliar no esclarecimento diagnóstico,


como a cultura de líquido cefalorraquidiano (LCR), sangue ou raspado de lesões petequiais, sendo a
cultura o exame padrão-ouro (permite a identificação do sorogrupo, sorotipo e sorossubtipo). Porém,
devido à demora para os resultados, outros exames devem ser considerados, como a bacterioscopia
direta, aglutinação pelo látex e a reação em cadeia da polimerase (PCR). O profissional da saúde
também deve considerar outros possíveis diagnósticos, como demais tipos de meningite (por
Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, as virais, as fúngicas, etc), doenças exantemáticas,
doenças febris hemorrágicas (dengue, febre amarela, hantavirose), malária, leptospirose íctero-
hemorrágica (doença de Weill) e endocardite bacteriana.

Assim que realizada as coletas de sangue e LCR, e já iniciado o tratamento de suporte, a


antibioticoterapia deve ser instituída o mais precocemente possível (Quadro 1).

QUADRO 1.
2. OUTRAS MENINGITES BACTERIANAS

Outros agentes bacterianos possíveis causadores de meningite são o pneumococo


(Streptococcus pneumoniae), o Haemophilus influenzae e, menos frequentemente, o Mycobacterium
tuerculosis, o Streptococcus sp. (especialmente os do grupo B), o Streptococcus agalactie, a Listeria
monocytogenes, o Staphylococcus aureus, a Pseudomonas aeruginosa, a Klebsiella pneumoniae, o
Enterobacter sp., a Salmonella sp. e o Proteus sp.

A transmissão, período de incubação, sinais clínicos e exames laboratoriais utilizados para


diagnóstico são os mesmos da meningite bacteriana pelo meningococo. Possíveis complicações
dessas meningites são perda auditiva, distúrbio de linguagem, retardo mental, anormalidades motoras
e distúrbios visuais. Os principais grupos afetados também são crianças menores de 5 anos, além de
idosos maiores de 60 anos. No caso da meningite pneumocócica, portadores de quadros crônicos ou
doenças imunossupressoras (como síndrome nefrótica, asplenia anatômica ou funcional, insuficiência
renal crônica, diabetes mellitus e infecção pelo HIV), também apresentam maior risco de adoecimento.
Abaixo, estão descritas as possíveis alterações no LCR (Quadro 2).

QUADRO 2.

3. IMUNIZAÇÃO

Fazem parte do Calendário Nacional de Vacinação para combate da doença meningocócica as


vacinas conjugadas meningo-C e meningo-ACWY. A proteção adquirida com a vacinação, ou seja,
obtenção de títulos protetores de anticorpos, leva cerca de 7 a 10 dias. Quanto a meningo-C, são
disponibilizadas pelo Sistema Nacional de Saúde, 2 doses aos 3 e 5 meses de idade (com intervalo
mínimo de 30 dias e máximo, de 60 dias) e duas doses de reforço (uma entre os 12 meses e 4 anos de
idade, e outra dos 11 aos 14 anos). Em relação a meningo-ACWY, é ofertada uma dose para
adolescentes entre 11 e 12 anos de idade.

Outros públicos também podem receber tais vacinas, por meio dos Centros de Referência para
Imunobiológicos Especiais (CRIES). Nestes casos, para receber a meningo-C, é necessária idade
superior a 12 meses e alguma das seguintes condições: imunodeficiências adquiridas, neoplasias em
atividade ou até alta médica, fístula liquórica e derivação ventrículo-peritoneal, implante de cóclea,
trissomias, doenças de depósito, hepatopatia crônica ou doença neurológica incapacitante. Quanto a
meningo-ACWY, também é necessária idade superior a 12 meses e as indicações são: asplenia
anatômica e funcional, doença falciforme e talassemias, deficiência de complemento e frações, terapia
com inibidor de complemento, pessoas vivendo com HIV/aids, imunodeficiências congênitas,
transplante de células-tronco hematopoiéticas, transplante de órgãos sólidos ou profissão de
microbiologista.

Para a proteção contra outras formas de meningite bacteriana, estão disponíveis no Calendário
Nacional de Vacinação: pentavalente e HIB (contra o Haemophilus influenzae), e, contra o
Streptococcus pneumoniae, as vacinas pneumo-10, pneumo-13 e pneumo-23.

4. MENINGITES VIRAIS

Possuem uma variedade de agentes etiológicos. A transmissão pode ser pelo contato de
secreções do sistema respiratório ou então, como no caso dos enterovírus, via fecal-oral, podendo se
estender por semanas. O período de incubação varia de 2 a 35 dias, sendo em média de 7 a 14 dias.
As crianças são o principal grupo de risco. As manifestações clínicas incluem febre, mal-estar geral,
náusea e dor abdominal, seguidas de sinais de irritação meníngea, como rigidez de nuca, e podem ser
precedidas por sintomas respiratórios (tosse, faringite), mialgia e manifestações cutâneas. As
complicações costumam ocorrer apenas em portadores de imunodeficiências. O tratamento consiste
em suporte (a exceção da meningite herpética, em que se administra Aciclovir endovenoso) e os
exames laboratoriais auxiliares incluem cultura de LCR, coprocultura, exame quimiocitológico do LCR
e PCR. No quadro abaixo, estão descritas as alterações possíveis de serem encontradas no LCR (Quadro
3).

QUADRO 3.

5. OUTROS TIPOS DE MENINGITES

Outros patógenos também podem causar meningites, como exemplificado abaixo (Quadro 4).
Os sintomas e exames diagnósticos se assemelham às demais meningites e as características do LCR
nas meningites fúngicas é descrito na Quadro 5.
QUADRO 4.

QUADRO 5.

Referências:
1) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de
Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e Ambiente. Guia de vigilância em saúde: Brasília, 2023,
ed. 6, vol. 1.

2) OMS. Meningitis. 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-


sheets/detail/meningitis

3) https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Com-82-casos-em-2024-no-Parana-Saude-reforca-medidas-de-
prevencao-da-
meningite#:~:text=De%202019%20at%C3%A9%202023%20houve,%C3%A9%20considerada%20uma
%20doen%C3%A7a%20end%C3%AAmica

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