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RESUMO

A cinomose é uma doença infecciosa altamente contagiosa com sinais e sintomas inespecíficos
causada por um Morbillivirus da família Paramyxoviridae. Sua evolução depende da
resposta imunológica de cada indivíduo, podendo evoluir para o óbito mesmo em tratamento.
O diagnóstico geralmente é com base na anamnese e sintomatologia devido aos sintomas
apresentados e podem-se solicitar exames complementares, bem como hemograma, teste
ELISA, RT-PCR, imunofluorescência indireta, isolamento viral e identificação da presença de
corpúsculo de inclusão (Lentz), corpúsculo este que será o diagnostico diferencial da
Cinomose. O tratamento instituído é sintomático e de suporte que varia de acordo com o
estado clinico do animal. A profilaxia e manejo devem ser orientados e inclui vacinação com
protocolo recomendado se iniciar ainda em filhotes, controle ambiental com higienização
adequada e isolamento de animais infectados.

Introdução

A cinomose é uma enfermidade infecciosa multissistêmica altamente contagiosa,


causada por um Morbillivirus da família Paramyxoviridae. Tendo distribuição mundial e
mantém uma alta prevalência de letalidade, de forma que cerca de 60-70% dos
animais acometidos acabam indo a óbito. Apesar de ocorrer principalmente em cães,
outras espécies podem ser acometidas, sendo elas: cães e felinos silvestres,
independentemente de serem terrestres ou marinhos. (Cubas et al., 2014; Jericó et al.,
2015; Stokholm et al., 2021).

A doença pode acometer animais de todas as idades, sem predileção por raça ou sexo, sendo
mais frequentes em cães que não foram vacinados, especialmente quando cessa a imunidade
passiva transmitida pela mãe via colostro ou em que não completaram o protocolo vacinal
(Azevedo, 2013). Sabe-se, entretanto, que animais vacinados ainda são susceptíveis a infecção
do vírus da cinomose canina (CDV), tanto pela falha vacinal, que pode ocorrer por conta das
variações genéticas do vírus, má conservação da vacina, comprometimento da resposta imune
em cães vacinados com temperatura corporal acima de 39,8°C ou aqueles nos quais foram
tratados com corticoides em pelo menos três semanas (Greene e Appel, 2006; Day et al.,
2016).

Os sinais clínicos da doença são divididos em quatro fases clinicas: na forma respiratória,
gastrointestinal, cutânea e nervosa (Nascimento, 2009). A primeira evidência da infecção do
CDV é facilmente vista na fase respiratória devido a presença de secreção ocular ou nasal,
serosa a mucopurulenta, seguidas dos demais sintomas vistos nessa fase. Em sequência ocorre
a gastrointestinal, de forma que o animal pode apresentar diarreia com ou sem sangue e
vômito. Na fase cutânea, são mais observados hiperqueratose dos coxins plantares e no nariz.
Os sinais neurológicos são os últimos a aparecer, cerca de 30% dos cães são acometidos, e
aproximadamente 10% dos animais com sinais neurológicos acabam indo a óbito por
encefalite aguda. Apesar da recuperação de alguns pacientes, muitos podem ficar com
sequelas permanentes da doença como mioclonias, ataxia, paresia, incoordenação e até
hiperexcitabilidade. Apesar da divisão das etapas da progressão da doença, alguns animais
podem apresentar de forma multissistêmica ou até mesmo não apresentar todos os
sintomas (Brito, 2015; Santos, 2018).

Animais que sobrevivem ao CDV comumente apresentam sequelas neurológicas, tendo em


vista a desmielinização ocorrida durante a infecção. A idade do animal, sua condição
imunológica e a cepa viral influenciam no quadro clinico. (Santos, 2018; Rendon-Marin et al.,
2019).

O objetivo principal desta revisão é oferecer aos pesquisadores, um


conhecimento sobre o vírus, a doença e suas implicações na
sanidade canina.

Etiopatogenia

Em casos de exposição natural, o vírus da cinomose se propaga de um hospedeiro para


outro principalmente por gotas de aerossóis eliminadas por um animal infectado que entra em
contato com o epitélio do trato respiratório superior de outro animal. Durante o primeiro dia
após a infecção, ocorre a replicação viral em macrófagos e linfócitos B e T circulantes, até que
as partículas virais se espalham pela via linfática para os gânglios e tonsilas. Seguindo
esta multiplicação local o CDV é então difundido no sangue aos tecidos hematopoiéticos
distantes durante a primeira fase de viremia. Devido a infecção do sistema linfoide, leva a uma
imunossupressão duradoura e que acarreta em infecções bacterianas secundarias.
(Vandevelde e Zurbriggen, 1995; Greene, 2006)

Quatro a seis dias após a viremia inicial, uma segunda viremia ocorre intensamente via tráfego
leucocítico. Entre os segundo e sexto dia pode ser observado uma hipertermia em devido à
multiplicação viral exacerbada nos órgãos linfoides, bem como a leucopenia causada pela
destruição de células linfoides. Cerca de oito a dez dias pós-infecção, o CDV migra por
meio de vias hematogênicas ou pelo LCR (liquido cefalorraquidiano) para os tecidos
epiteliais e o sistema nervoso central, levando à sinais clínicos nervosos (Summers et al., 1979;
Higgins et al., 1982; Vandevelde e Zurbriggen, 1995; Maclachlan e Dubivo, 2011).

O CDV, embora possa se multiplicar em diversos tipos celulares, tem


predileção por linfócitos. Seu principal receptor celular é o CD150, expresso por
linfócitos T e B ativados. O CDV se multiplica a partir dos primeiros sítios de
invasão, nas tonsilas e nos linfonodos brônquicos, para a corrente sanguínea,
onde mata linfócitos T e B e causa linfopenia. Em seguida, invade o timo, o
baço, os linfonodos e os tecidos linfoides da mucosa, onde destrói ainda mais
células. Há atrofia tímica e depleção de linfócitos do baço, dos linfonodos e das
tonsilas, além de perda completa dos folículos secundários. A medula óssea,
por outro lado, é minimamente afetada. As populações linfocíticas mais
acometidas são T CD4+, T CD8+ e B CD21 +. O CDV também suprime a
produção de interleucina 1 (IL-1) e IL-2 e estimula a liberação de
prostaglandinas pelos macrófagos. A proteína CDV N interage com FcγR
(CD32) e suprime a produção de IL-12 e a maturação de linfócitos B. Por isso,
há diminuição das respostas dos linfócitos aos mitógeno e dos níveis de
imunoglobulinas, além de supressão da rejeição a aloenxertos de pele. A
subsequente regeneração dos órgãos linfoides leva à recuperação dos
subgrupos de linfócito T duplo-negativos. Os números de células positivas para
CD5 e imunoglobulinas continuam baixos, e os cães que se recuperam ainda
apresentam imunossupressão profunda (TIZARD, 2023)
Após a invasão no Sistema Nervoso Central, o vírus desencadeia alterações
neurológica, sendo comum entre elas: ataxia, convulsão e mioclonia, levando a um
prognóstico reservado/ruim (Gebara et al., 2004b).

- Sinais clínicos

Diversos fatores podem levar a uma variação na manifestação dos sinais clínicos na cinomose,
tais como as condições ambientais, a idade, a cepa viral e o estado imunológico do hospedeiro.
(Freitas-Filho et al., 2014)

Apesar de nenhum sinal clínico ser característica única da cinomose e podendo-se manifestar
de formas isolada, a aparição multissistêmica facilita o diagnóstico da doença (APPEL &
CARMICHAEL, 1979). Alterações neurológicas multifocais acompanhados de febre, secreções
nasais e oculares, diarréia, vômitos, anorexia, hiperqueratose naso-digital e/ou dos coxins,
mioclonias, coriorretinite e história de não vacinação são indicativos de cinomose (FARROW &
LOVE, 1983; BRAUND, 1994; SUMMERS et al., 1995).

Os animais acometidos acabam demonstrando encefalomielite não supurativa aguda de forma


exacerbada. Logo após, um processo de desmielinização da bainha de mielina pode ocorrer e
causar danos neurológicos que irão causar sequelas irreversíveis (Jericó et al., 2015; Zachary et
al., 2012). Esta encefalite aguda, que ocorre na fase inicial no decorrer da infecção em animais
de até três meses ou não vacinados, é caracterizada por lesão direta às células do SNC (Mangia
et al., 2012). Sendo assim, de acordo com a região do SNC afetada pelo CDV os sinais
neurológicos variam, entretanto, as mioclonias, convulsões, paralisia dos membros pélvicos,
nistagmo, ataxia são os mais decorrentes em cães com a sintomatologia neurológica da
enfermidade (Silva et al., 2005; Amude et al., 2007; 2012;).

Devido à característica da evolução da doença, podendo ou não causar sintomatologia


neurológica, testes laboratoriais são solicitados para realizar o diferencial de doenças que
possam provocar sinais de dano do sistema nervoso central (Macedo et al., 2016). Em
contrapartida, infecções secundarias podem ser observadas como a parvovirose, além de
infecções bacterianas no TGI e respiratório (Silva et al., 2007).

- Diagnóstico

Por se tratar de uma doença de fator multisistêmica, o diagnóstico clínico da cinomose ainda é
um desafio para os médicos veterinários. O conhecimento dos parâmetros laboratoriais da
doença pode orientar no diagnóstico e prognóstico. A maioria dos diagnósticos são baseados
em: anamnese, sintomatologia e achados hematológicos consistentes (NELSON & COUTO
2010).

O exame de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) é sensível a identificação do


vírus comparado a outros tipos de amostras, sendo utilizadas amostras sanguíneas ou
urina, entretanto, o teste não diferencia a cepa da vacina com a cepa do ambiente,
ocorrendo um falso positivo. Outra possibilidade diagnóstica inclui a sorologia por
imunofluorescência indireta e ou ELISA, porém, se o resultado for positivo, deve-se
avaliar a condição imunológica do animal e levar em consideração se houve vacinação
recente (Gutiérrez et al., 2015).

O CDV pode ser diagnosticada através de exames laboratoriais por visualização de corpúsculos
de inclusão de Lentz em esfregaços sanguíneos, no líquor e em impressões das mucosas nasal,
prepucial, vaginal e principalmente conjuntival. Visto que o encontro destes corpúsculos de
Lentz é um achado para diagnostico diferencial de cinomose (GELATT, 1981; GREENE, 1984;
CHRISMAN, 1991).

- Tratamento

Atualmente não existe nenhuma terapia realmente eficaz que combata o vírus, por isso a
importância do tutor manter a carteira de vacinação em dia. O tratamento é sintomático e,
portanto, deve ser avaliado de acordo com a evolução da doença (Crivellentin & Borin-
Crivelletin, 2015).

O protocolo terapêutico no decorrer da abordagem da doença é de suporte, no qual inclui


fluidoterapia, antibioticoterapia, utilização de vitaminas, imunoestimulantes,
anticonvulsivantes (no caso de convulsões), anti-eméticos em caso de sinais gastrointestinais e
analgésicos (Crivellentin & Borin-Crivelletin, 2015; Greene & Vandevelde, 2015). Em casos de
sinais no TGI, é indicado que alimentos de fácil digestão e de consistência pastosa sejam
administrados, sabendo-se que o animal encontra-se geralmente anoréxico, será necessário
que a alimentação seja feita por AF (alimentação forçada) e/ou via nasoesofagica/nasogastrica.
E para suporte terapêutico, sugere que seja administrado escopolamina, metoclopramida ou
ondasentrona, sendo que o uso associado de ranitidina ou cimetidina favorece a proteção da
mucosa gástrica. Neste caso, a fluidoterapia deve ser considerada e instituída. O uso de
vitaminas do complexo B visa à estabilidade do metabolismo de neurotransmissores no animal
acometido, além de agir na mielopoiese, estimular o apetite e ser analgésico. Em decorrência
da formação de radicais livres, recomenda-se o uso de antioxidantes, tais como vitaminas C e
E, para proteção do sistema nervoso (Azevedo, 2013; Gutiérrez et al., 2015; Spinosa et al.,
1999).

Durante os sintomas respiratórios, pode-se utilizar ampicilina (Greene & Vandevelde, 2015).
Estudos apontam a alta taxa de utilização de antimicrobianos de amplo espectro, tais como
ampicilina, cloranfenicol, ceftiofur, fluorquinolonas, amoxicilina associada ao ácido clavulânico,
cefalosporinas, e aminoglicosídeos e recomenda que a nebulização ou o uso de expectorantes,
como Acetilcisteina e bromexina, sejam associados (Mangia & Paes (2008) e Azevedo (2013). A
ribavirina é um antiviral utilizado durante o tratamento. Acredita-se que seu mecanismo de
ação atua interferindo na síntese de mRNA viral e inibe a formação de inosina monofosfato.
Seu uso pode provocar aumento de bilirrubina, ferro e ácido úrico (Spinosa et al., 1999).
Animais com ribavirina em seu protocolo apresentaram queda acentuada na concentração de
hemoglobina. Atualmente a ribavirina tem sido associada ao uso do dimetil-sulfóxido (DMSO)
de forma intravenosa, diluído em solução de cloreto de sódio (NaCl) a 0,9%, ambos por 15
dias, sendo que desta forma, permite que ocorra maior difusão tecidual do fármaco, além de
potencializar a ação antiviral da ribavirina (Torres & Ribeiro, 2012; Viana & Teixeira, 2015).

A acupuntura e fisioterapia são uma das mais antigas formas de tratamento clínico, e vem
sendo empregadas para melhora da qualidade de vida dos animais acometidos pelo CDV,
sendo assim, se é indicado principalmente para o tratamento de sequelas neurológicas que
podem permanecer após o animal se recuperar da infecção (MORAES,2013).
- Prevenção (se houver)

As medidas de controle para interromper a contaminação pela cinomose são desinfecção do


local onde mantinha-se o animal contaminado, isolamento do animal infectado e o principal
seria a vacina contra a cinomose canina, sendo o melhor método para a prevenção do
acometimento da doença, uma vez que a ausência de vacinação pode aumentar
exponencialmente a ocorrência da infecção em cães. (MARTINS; LOPES; FRANÇA,2009).

Prefere-se a administração de vacinas em que o vírus encontra-se vivo e polivalentes para a


prevenção da cinomose, sendo que a mesma possui agentes que previnem outras doenças,
como leptospirose (a vacina polivalente V10 protege contra quatro subtipos de leptospirose),
parvovirose, hepatite infecciosa canina, coronavirose, adenovirose, parainfluenza canina.
Deve-se atentar ao estado imunológico do paciente, uma vez que a vacinação pode não ter
resultado caso existam anticorpos maternos ainda presentes ou tenha ocorrido falha vacinal
(Gutiérrez et al., 2015). O neonato que recebe colostro da mãe tem imunidade entre uma a
quatro semanas, devendo-se iniciar o protocolo de vacinação após esse período. Geralmente a
primeira dose da vacina é realizada entre 6 a 8 semanas de vida, com aplicação de reforço com
mais duas doses após 3 a 4 semanas após a primeira aplicação (Greene & Vandevelde, 2015).

A imunidade da vacinação contra cinomose é longa e duradoura, mesmo que casos como falha
vacinal possam ocorrer, recomendam-se reforços de vacinação a cada um a três anos,
dependendo do nível do risco de exposição e conduta veterinária (BICHARD, SHERING,2003).

- Referências Bibliográficas

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