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Encefalites e Meningites:

As doenças infeciosas do SNC podem ser grossamente divididas em


meningites (afetando as meninges) ou encefalites (que atingem o
parênquima). Claro que é possível existir envolvimento de ambas meninge e
parênquima sendo assim chamada de meningoencefalite.

As meningites atingem primariamente as meninges. Existem algumas víricas


que geralmente possuem um curso benigno e não nos preocupam muito mas
por outro lado grande parte são bacterianas e com maior gravidade
associada.

Dentro das bacterianas podemos também classificá-las em causadas por


bactérias clássicas ou por micobactérias (num grupo distinto por diferentes métodos de diagnóstico e tratamento).

Geralmente esta infeção começa por via hematogénea e quando se atingem altos níveis de bacteriemia conseguem penetrar no SNC pela
barreira presente nas meninges (visto que nestas zonas a sua permeabilidade é maior por ser BSLCR). A partir desse momento começa a
proliferação bacteriana e inicia-se uma resposta inflamatória o que acarreta um conjunto de alterações no espaço meníngeo:

• Diminuição da drenagem do LCR devido à menor eficiência das granulações da aracnoide e menor permeabilidade para reabsorção
→ aumento da PIC e redução da pressão de perfusão cerebral;
• Os vasos que penetram, acompanham ou se encontram no espaço meníngeo estão sujeitas a possível vasculite reativa inflamatória
acarretando consigo isquemia e alterações venosas;
• O acúmulo de excessivo de líquido pode causas edema perimeníngeo e na própria pia que, pela proximidade, permite devido à sua
inflamação a passagem de algum fluído rico em citocinas pró-inflamatórias o que inflama o parênquima na proximidade;

Todos estes 3 eventos ocorrem de forma síncrona e culminam numa lesão neuronal secundária.

O que acontece na encefalite é o exato oposto (mecanismo de dentro para fora): temos inicialmente uma infeção no parênquima (nos
neurónios ou, mais raramente, em células da glia) que evolui para destruição neuronal, edema intracerebral e consequente aumento do
volume intracraniano. Para reduzir a inflamação ocorre astrogliose (proliferação de astrócitos local) para formação de uma cicatriz glial.

Quando devemos suspeitar?

• Devemos pensar em síndrome meníngeo se febre, cefaleia e rigidez da nuca estiverem presentes. Pode ou não ser uma meningite
mas até prova em contrário, visto que é uma emergência, deve ser tratado como tal;
o Sinais meníngeos ou meningismo inclui a tríade clássica acima. Em particular a rigidez da nuca é característica pela
resistência que existe ao movimento de flexão da cabeça. Em decúbito dorsal com pescoço totalmente relaxado colocamos a
mão por detrás da cabeça e realizamos a flexão passiva verificando a presença de alguma resistência.
▪ De notar que a rigidez da nuca não afeta o movimento de rotação passiva da cabeça;
• Devemos pensar em encefalite na presença de febre, cefaleia, sinais neurológicos focais e/ou crise epiléticas na ausência de
rigidez da nuca;
o Nestes casos os sinais neurológicos focais e as crises são a evidência que o parênquima está a ser afetado;
• Devemos pensar numa meningoencefalite na presença de todos: febre, cefaleia, rigidez da nuca, sinais neurológicos focais e /ou
crises epiléticas;
• Aplicado a todos os casos referidos a alteração do estado de consciência é um sinal de maior gravidade;
• É evidente que outra sintomatologia nas meningites pode estar presente mas será menos frequente: vómitos, convulsões e sinais
neurológicos focais (relativo à meningoencefalite) e papiledema (edema do disco ótico decorrente do aumento da PIC);
• Um caso de meningite tuberculosa deve ser posto em questão quando, para além do exame do LCR, temos uma meningite arrastada
(crónica), de ínicio insidioso (dias a semanas) com o meningismo, alterações do comportamento, sudorese, fadiga mas sobretudo
sinais neurológicos focais com afetação dos pares cranianos pela sua progressão e o aumento da PIC;
o Nos exames imagiopatológicos podemos também observar lesões granulomatosas na base do crânio;

Como é que fazemos o diagnóstico? Não o fazemos! A partir do momento em que existe suspeita clínica deve ser de imediato iniciado o
tratamento. Uma decisão empírica mesmo antes de saber o agente causador baseada apenas na epidemiologia, comparação entre sinais
de encefalite/meningite e sinais de gravidade porque se trata de uma emergência. Só depois deste passo life-saving é que realizamos
outros exames complementares como hemograma e, sobretudo, punção lombar.

Relativamente a exame do LCR como rotina está incluído sempre nº de células com diferencial, doseamento de glucose comparando com
o seu valor sérico e a quantidade de proteínas. Ainda na rotina podem ser feitas culturas microbiológicas.
Outros exames mais específicos seriam PCR para vírus ou tuberculose, serologia de antigénios capsulares (Haemophilus, Neissseria, Streptococcus), VDRL para
sífilis e tinta-da-china para tuberculose.
O valor de glucose no LCR deverá ser cerca de metade do presente no plasma, ou seja, cerca de 40-45 mg/dL.
Como interpretar o resultado dos exames ao LCR? Devemos atentar sempre para a contagem de leucócitos, a célula predominante e a
quantidade de glucose (em valor absoluto ou relativo ao plasma). Podemos também avaliar as proteínas apesar de não oferecerem tanta
informação.

• Portanto é de esperar que em meningites víricas estejam presentes poucos leucócitos (<1000/mm2), glucose normal (>45 mg/dL) e
que o tipo primário de célula seja mononuclear (linfócitos).
• Nas meningites bacterianas verificamos uma elevadíssima contagem de leucócitos (>1000/mm2), glucose diminuída (<45 mg/dL,
porque as bactérias, ao contrário de vírus, são vivas e consomem-na) e o tipo primário de célula será as polimorfonucleares (PMN,
neutrófilos).
• No caso específico da tuberculosa devido à sua fisiopatologia característica de RHS IV veremos baixo nº de leucócitos (<300/mm2),
baixos níveis de glucose (>45 mg/dL) e o tipo principal de célula será a mononuclear (linfócito). Algo que também permite distinguir
esta da vírica é que, neste caso, a PIC geralmente está aumentada.
• Relativamente a proteínas podem estar presentes em maiores quantidades nas bacterianas/tuberculosa o que deixará o LCR com
cor amarelada e muito viscoso.

Focando agora na etiologia… Na meningite bacteriana é possível afirmar que grande parte dos casos se devem a S. pneumoniae, N.
meningitidis e H. influenza B (75-80%) embora outros como S. agalactiae, bacilos entéricos, L. monocytogenes, S. aureus e P. aeruginosa
também devem ser considerados baseado no contexto.
Contexto esse que passa logo pela idade visto que L. monocytogenes é um agente a suspeitar abaixo dos 5 anos e novamente acima dos
60, ou seja, em pacientes imunocomprometidos. Portanto devemos também incluir aqueles que não participam naquela gama de idades
mas possuem fatores de risco como alcoolismo, uso de drogas endovenosas e casos de diabetes não controlado .
Outras situações especiais passam por neurocirurgia/TCE que expõe as meninges e permite a sua invasão por bactérias da pele como S.
aureus ou colocação de um shunt em que podemos pensar em Staphylococci algumas bactérias gram – . Mas devemos sempre relembrar
que a grande parte dos casos, entre os 5 e 60 anos de idade são causados essencialmente por S. pneumoniae e N. meningitidis.

Partindo agora da etio/epidemiologia passamos à terapia antibiótica empírica que deve ser sempre o primeiro passo perante suspeita. Na
maioria dos casos, 5-60 imunocompetentes, é usado ceftriaxone e nos restantes casos (<5 e >60 ou imunocomprometidos), pelo perigo de
L. monocytogenes acrescentamos ampicilina. Cefotaxima é uma opção ao ceftriaxone mas não é de toma única diária. Perante as
situações especiais acima referidas devemos acrescentar também a vancomicina.
Assim, perante um paciente em que temos suspeita de meningite, que tem 65 e teve uma neurocirurgia recentemente o tratamento seria
ceftriaxone + ampicilina + vancomicina.
No tratamento dirigido, ou seja, após conhecermos o agente etiológico será variável

Muito importante também, ao mesmo tempo ou um pouco antes do tx empírico de meningites, sempre que haja critérios de gravidade
(alteração do estado de consciência, sinais neurológicos focais [já estamos a avançar para meningoencefalite] ou disfunção multi-
orgânica) deve ser administrado uma dose de dexametasona porque permite melhor prognóstico.
O objetivo do uso do corticosteroide é evitar o dano neuronal secundário da fisiopatologia ao diminuir a resposta inflamatória causada
pela lise das bactérias por sua vez causada pelo uso do ATB.

Um aspeto importante das meningites é que sempre que existe infeção confirmada por N. meningitidis ou H. influenza é obrigatório
comunicar ao delegado de saúde porque é necessário rastreio e quimioprofilaxia dos contactos: no caso da meningite meningocócica
seria usado a ciprofloxacina ou azitromicina pela toma única e na causada por H. influenza seria usada rifampicina.

Relativamente aos agentes causadores de meningites víricas podemos dizer que são variados mas que grande parte causa uma doença
de curso mais benigno até que, nos casos não complicados sem sinais de gravidade, habitualmente não tratamos. Passa mais por uma
vigília do paciente.

Quanto ao tratamento da meningite tuberculosa tal como as restantes deve ser corrigida antes do diagnóstico mas apresenta uma maior
mortalidade em comparação. A terapia dirigida é baseada no RIPE de duração prolongada (cerca de 18 meses). De forma semelhante
deve ser usada corticoterapia se existir atingimento do parênquima, HIC ou hidrocefalia e cirurgia pode ser realizada se necessário.

Saltando para as encefalites podemos dizer que são de etiologia maioritariamente vírica em especial por Herpes simplex visto que outros
agentes são raros. HSV apresenta neurotropismo por isso causa uma doença mais grave. A encefalite herpética tem predileção pelo
lobo temporal. Manifestações passam por febre, cefaleias, alterações do comportamento, défice de linguagem, crises epiléticas e
edema/hipodensidade do lobo temporal (o que pode comprimir o tronco cerebral e levar à morte ou sequelas). O tratamento consiste em
aciclovir durante 14 a 21 dias. Por isso, suspeito de encefalite começo logo aciclovir.

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