LIGA ACADÊMICA DE
NEUROCIÊNCIAS APLICADAS
MENINGOENCEFALITES
Definição
Meningoencefalite é a presença de um processo
inflamatório nas meninges do encéfalo, associado
a uma evidência clínica de disfunção cerebral,
com comprometimento também do parênquima.
É importante diferenciar de Encefalopatia, que
por definição é o termo utilizado para definir
qualquer doença difusa cerebral com alteração da
sua estrutura ou de sua função.
Encefalites
Histopatologia
A base histopatológica da encefalite é a tríade
de dano ao parênquima, gliose reativa e
infiltração celular inflamatória. Estes dados
clássicos são exemplificados na maioria das
encefalites virais que consistem em:
Danos às células nervosas, seguidas por
morte das células nervosas e neuronofagia,
bem como proliferação focal/nodular de
astrócitos e micróglia, seguido de infiltração
focal/nodular por linfócitos, eventualmente
macrófagos. Assim, os nódulos encefalíticos
clássicos são compostos pela mistura de
micróglia, astrócitos e linfócitos, geralmente
ao redor dos neurônios afetados.
Quadro Clínico
O quadro clínico de uma encefalite é apresentando-se para atenção médica com
caracterizado por:
• Cefaleia e febre >38ºC
• Disfunção cognitiva: como alterações de
memória aguda, afasia ou orientação
• Disfunção comportamental: como
alucinações, psicose, agitação ou
mudança de personalidade
• Déficit focal – como anomia, disfasia e
hemiparesia
• Crises convulsivas.
Um fator importante no diagnóstico de
encefalites é a história da paciente. Se o paciente
estiver rebaixado, é crucial perguntar sobre a
história para o acompanhante, bem como a
localização geográfica do paciente e viagens
recentes. Além disso, a ocupação e histórico de
mordida de animais podem ajudar a definir alguns
diagnósticos diferenciais.
Epidemiologia
As encefalites têm prevalência de,
aproximadamente, 1,4 casos a cada 100.000
habitantes, sendo que de 20-50% dos casos tem
origem viral. Além disso, houve um aumento de
76,92% das internações por encefalites nos
últimos anos (2010-2019). Crianças de 1-4 anos
possuem maiores prevalências, podendo chegar a
16 casos a cada 100.000 habitantes.
Diagnóstico
Para chegar ao diagnóstico de encefalite,
precisamos analisar a história do paciente e
realizar exames que comprovem alguns achados
característicos. O Consórcio Internacional de
Encefalite criou alguns critérios para se
estabelecer o diagnóstico:
Critério Maior (obrigatório): Pacientes
estado mental alterado (definido por diminuição
ou nível de consciência alterado, letargia ou
mudança de personalidade) durando mais de 24h
sem causa identificável.
Critérios menores (2 para possível e maior igual a
3 para provável):
• Febre documentada maior ou igual a 38 ºC
dentro de 72h antes ou após a
apresentação
 • Crises generalização ou parciais não
atribuídas a alguma desordem epiléptica
• Novo início de achados neurológicos focais
• Contagem de WBC no líquor > 5
• Anormalidade no parênquima cerebral ou
neuroimagem sugestiva de encefalite
• Anormalidade no EEG que seja consistente
com encefalite e não atribuída a outra
causa
Ao realizar exames de sangue em pacientes com
encefalite viral, é comum achar linfocitose e uma
diminuição na taxa de sedimentação de
eritrócitos. Esses dados, porém, são
inespecíficos. No exame de líquor, podemos
encontrar Pleocitose com linfocitose, presença
de eritrócitos e proteinorraquia.
Nos exames de imagem, sempre utilizados em
pacientes com suspeita de encefalites, podem
exibir envolvimento assimétrico bilateral do
sistema límbico, incluindo os lobos temporais
mediais, córtices insulares e lobos frontais
inferolaterais e giros cingulados. A preservação
dos gânglios da base é uma característica
fundamental, que também ajuda na
diferenciação do infarto da artéria cerebral média
na ponderação de difusão imagem (DWI).
Padrões atípicos, se observados, geralmente
afetam a população mais jovem, com
envolvimento dos hemisférios cerebrais e,
raramente, do mesencéfalo e da ponte.
Continuando o caminho para o diagnóstico, pode
ser feito testes virológicos e sorológicos. Os
testes virológicos identificam o vírus ou parte
dele no corpo do paciente. O padrão ouro para
diagnóstico antigamente era a isolação viral em
cultura celular. Esse exame, porém, vem sendo
substituído pela Reação de Cadeia da Polimerase
(PCR). Os vírus mais associados a encefalites
virais são: Herpes Simples (1 e 2), CMV, EBV, JCV,
Arbovírus e Enterovírus. Tais testes virológicos
podem ser feitos em amostras de sangue e,
principalmente, líquor.
Já os testes sorológicos identificam anticorpos
específicos no paciente. Pode-se usar o
Imunoensaio Enzimático em amostra de líquor ou
soro. Ele consegue identificar pequenas
quantidades de anticorpos no líquor. Quando o
paciente possui quantidade considerável de
anticorpos no líquor, pode ser sugestivo de
quebra da Barreira Hemotocefálica.
Tratamento
O tratamento de encefalites virais é controverso.
Poucos vírus possuem tratamento específico.
Entre os que possuem tratamento específico,
temos: Herpes Simples (HSV-1/2); Varicela-Zóster
(VVZ); Citomegalovírus (CMV); HIV. Vale a pena
citar as encefalites autoimunes, que também
possuem tratamento específico.
Em pacientes infectados com o vírus HSV ou VVZ,
usamos o Aciclovir 10 mg/kg IV a cada 8 h.
Para pacientes com encefalite decorrente de
Citomegalovírus, usa-se Ganciclovir 10 mg/kg IV a
cada 8 h + Foscarnet 60 mg/kg IV a cada 8 h.
Para pacientes com encefalite decorrente do
HIV, trata-se os sintomas e a causa base, com
antirretrovirais.
Já nas encefalites autoimunes, usa-se
corticosteroides, como a prednisona e a
metilprednisolona, bem como a plasmaferese.
Outros vírus não possuem tratamento
específico. Nesses casos, o tratamento baseia-se
em alívio sintomático e suporte de vida. É
importante ressaltar que o alívio de sintomáticos
é utilizado em qualquer etiologia infecciosa.
MENINGITE
Introdução
Definição: "Inflamação da membrana aracnóide,
pia-máter e LCR, se estende por todo espaço
subaracnóide (ESA) ao redor do cérebro e da
medula espinhal, envolvendo os ventrículos.”
Pode ser dividida de acordo com os agentes
causadores em:
 Viral
 Bacteriana
 o A meningite bacteriana por
sua vez divide-se de acordo
com sua cronologia em;
▪ Piogênica aguda;
▪ Tuberculosa crônica
(exclusivamente
causada pelo M.
tuberculosis);
 Causada por outros agentes
o Incluem fungos, bactérias
atípicas e outros parasitas –
possuem forte associação
com a imunodeficiência
Dentre os agentes causadores, a meningite
bacteriana se destaca por seu alto grau de
mortalidade e rápida evolução para
desfechos negativos, enquanto a meningite
viral tende, em sua enorme maioria das
vezes a ser autolimitada. Os casos de
meningite causada por helmintos, bactérias
atípicas, fungos e outros parasitas tendem a
ter evolução insidiosa, e os sintomas podem
passar despercebidos por uma boa parte do
tempo desde que a infecção se inicia.
Quadro Clínico
Os sintomas da meningite são, em sua
grande maioria inespecíficos, exceto por
algumas apresentações pontuais. A tríade
clássica da meningite é composta por
cefaleia, rigidez de nuca e febre, estando
presente em cerca de 50% dos episódios.
A combinação de dois dos seguintes
sintomas; alteração do estado mental,
rigidez de nuca, cefaleia e febre, está
presente em quase 95% dos casos.
Os sintomas mais comum da meningite são;
✓ Cefaleia;
✓ Alteração do estado mental;
✓ Rigidez de nuca;
✓ Febre (tipicamente > 38o C);
✓ Vômito;
✓ Déficit neurológico focal;
✓ Fotofobia;
✓ Rash petequial ou exantematoso;
✓ Crises convulsivas;
Patogênese
Todas as meningites possuem uma
patogênese em comum – acesso pelo germe
ao espaço subaracnóide (ESA) e colonização
desse espaço. A via de acesso pode-se dar
por diversas maneiras, sendo as mais
comuns;
✓ Colonização de via aérea superior;
✓ Via hematogênica;
✓ Ascensão via nervo craniano (teoria);
✓ TCE;
Os pacientes vítimas de TCE, em especial as
vítimas de TCE aberto, são expostos de
maneira mais intensa aos germes e tendem a
desenvolver maiores complicações – para
esses pacientes o esquema de
antibioticoterapia (ATB) é mais agressivo,
utilizando a ATB mais efetiva e ampla
disponível hoje.
Meningite Bacteriana
Espécies Causadoras – os agentes
causadores da meningite bacteriana
dependem, sobretudo, da idade do paciente,
visto que pacientes de diferentes faixas
etárias possuem maior ou menor chance de
exposição a certos patógenos.
Os agentes causadores mais comuns são;
✓ Haemophilus influenzae
✓ S. pneumoniae
✓ Neisseria meningitidis
✓ Lysteria monocytogenese
✓ E. coli – especialmente em neonatos
Doença Meningocóccica
É a meningite causada pela Neisseria
meningitidis, um diplococo gram negativo,
também conhecido como meningococo. A
infecção pelo meningococo é especialmente
grave por conta do seu altíssimo risco de
mortalidade. Cerca de 70 ~ 100% dos
pacientes infectados não tratados vão a
óbito (a literatura aceita que a doença é
quase sempre fatal se não tratada).
Os grupos de maior risco para doença
meningocócica são crianças no primeiro ano
de vida e indivíduos que vivem em
ambientes fechados (dormitórios, prisões,
asilos etc.).
A transmissão do vírus se dá por aerossóis
infectados com gotículas contendo o
meningococo que então colonizam a via
aérea superior do paciente e então acessam
as meninges por meio dos vasos sanguíneos.
Quadro Clínico: é o mesmo da meningite
bacteriana típica, mas destaca-se pelo rash
petequial que se desenvolve nos pacientes,
sobretudo no dorso e nas pernas.
✓ Rash petequial – microhemorragias
internas que causam manchas
avermelhadas/violetas na pele, não
desaparecem com a preensão, ao
contrário das manchas de exantema
comuns na meningite viral.
Meningococcemia: é a forma mais grave de
doença meningocócica, e se instala quando
o meningococo ganha a corrente sanguínea
causando uma forte septicemia.
O maior risco da meningococcemia é a
coagulação intravascular disseminada
(CIVD). Por conta da intensa inflamação
causada pelos antígenos bacterianos e
enzimas liberadas pelas próprias bactérias,
ocorre destruição do endotélio dos vasos,
causando um desbalanço na hemostasia.
Pacientes podem desenvolver hemorragias,
ou, mais frequentemente, cóagulos
disseminados pelo corpo. Nesses casos o
prognóstico não é favorável, mesmo com a
introdução de ATB adequada. A
meningococcemia possui forte correlação
com a falta de vacinação.
Exame do LCR
O LCR é o padrão ouro para o diagnóstico da
meningite, junto com a hemocultura. É feita
a análise citoquímica do LCR e a coloração
de Gram para visualizar diretamente os
patógenos no LCR.
Uma análise quimiocitológica do LCR que
sugere meningite bacteriana pode se
manifestar da seguinte forma;
o Celularidade aumentada – com
predomínio de neutrófilos;
o Contagem excessivamente
alta de células deve levar a
hipótese de rotura de
abscesso cerebral
o Pressão de abertura > 20 ~ 30 cm
H2O;
o Proteínas elevadas;
o Glicose reduzida;
o A glicorraquia normal
geralmente é de entre 1/3 a 2/3
da glicemia sanguínea.
o Visualização de bactérias na
coloração de Gram;
OBS – Em pacientes com déficits
neurológicos focais, com suspeita de
aumento da pressão intracraniana ou
pacientes imunossupressos, é imprescindível
a realização de exame de imagem antes da
punção liquórica, por risco de herniação – no
entando o exame de imagem nunca deve
atrasar o início da antibioticoterapia.
TRATAMENTO
ATB Empírica: baseada nos patógenos mais
comuns e na faixa etária dos pacientes.
O esquema mais comum de ATB empírica é o
seguinte;
✓ Ceftriaxona (2g) – EV de 12 / 12 horas; Referências:
o A ceftriaxona é substituída por
Cefotaxima em pacientes com Viral meningoencephalitis: a review of
idade < 01 mês diagnostic methods and guidelines for
o A dose de 2g é mais alta que management,2010
as habituais para outros tipos
de infecção pois necessita de Herpetic meningoencephalitis associated
maior volume para penetrar with acute anticonvulsants intoxication,2017
no ESA.
✓ Dexametasona (0,15 mg/kg) – EV de 6
/ 6 horas; Herpes simplex encephalitis: unusual
o Deve ser iniciada 20 minutos Imaging,2016
após a primeira dose de ATB Bertolucci, Paulo H., F. et al. 2011.
ou simultaneamente
✓ Ampicilina (300 ~ 400 mg/kg/dia) – EV Incidência da Encefalite Viral no Brasil de 2010
de 6 / 6 horas; a 2019
o Iniciada caso os pacientes
sejam grupo de risco ou risco Magnetic Resonance Imaging Findings in Viral
aumentado para Lysteria Encephalitis: A Pictorial Essay ,2018
monocytogenes GOLDMAN, L. Goldman-Cecil Medicina, 26a
edição,,2018
ATB Específica: Baseada nas hemoculturas e
no estudo do LCR, é a terapia específica para Loscalzo, J, et. Al. Medicina Interna de
o agente etiológico. Harrison, 21ª edição, 2023.
✓ N. meningitidis;
o Ceftriaxona ou Penicilina G
✓ Pneumococco
o Penicilina G ou Vancomicina
ou Ceftriaxona
✓ H. influenzae
o Ceftriaxona
✓ Mycobacterium tuberuclosis
o Esquema RIPE por 10 meses
▪ Rifampicina
▪ Isoniazida
▪ Pirazinamida
▪ Etambutol (não
utilizado em crianças)

Os esquemas de ATB são continuados até

melhora completa do paciente, em que
exames do LCR podem ser repetidos para
acompanhar a infecção. A vacinação e
profilaxia secundária continuam sendo
imprescindíveis.