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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

HUMBERTO RAMOS DE OLIVEIRA JÚNIOR

Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros:


especificidades do sincretismo das igrejas neopentecostais

São Bernardo do Campo


Dezembro 2013
HUMBERTO RAMOS DE OLIVEIRA JÚNIOR

Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros:


especificidades do sincretismo das igrejas neopentecostais

Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau
de Mestre.

Orientador:
Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth

São Bernardo do Campo


Dezembro 2013
FICHA CATALOGRÁFICA

Oliveira Junior, Humberto Ramos de


OL4e Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros :
especificidades do sincretismo das Igrejas neopentecostais /
Humberto Ramos de Oliveira Junior -- São Bernardo do Campo, 2013.
94 fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de


Humanidades e Direito, Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo
Bibliografia

Orientação de: Lauri Emílio Wirth

1. Sincretismo (Religião) 2. Religião – Afro Brasileiro I. Título


CDD 299.60981
A dissertação de mestrado sob o título “Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros: especificidades do

sincretismo das igrejas neopentecostais”, elaborada por Humberto Ramos de Oliveira Jr foi apresentada e

aprovada em 16 de dezembro de 2013, perante banca examinadora composta pelos professores Doutores Lauri

Emilio Wirth (Presidente/UMESP), Leonildo Silveira Campos (Titular/UMESP) e Breno Martins de Campos

(Titular/PUC-Campinas).

__________________________________________
Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura

Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais


AGRADECIMENTOS

Não há jornada que seja absolutamente solitária. Qualquer empreendimento humano bem-
sucedido se dá mediante a contribuição direta e indireta de mentores, para nos guiar, de amigos e
amigas, para nos motivar e, muitas vezes, amores, para nos inspirar.

Comigo não seria diferente. Expresso, então, minha gratidão àqueles que de uma forma ou de
outra estiveram envolvidos no processo de confecção dessa dissertação, sem os quais eu não sei
se teria conseguido.

Ao meu professor e orientador, Lauri Emílio Wirth, por contribuir com a elaboração dessa
pesquisa, pelos conteúdos ensinados em sala de aula e pela paciência demonstrada para comigo
nos momentos em que eu já não a esperava.

A Maryuri Mora Grisales, por ser minha amiga, irmã, conselheira e professora nas horas vagas,
ajudando-me com as dúvidas e motivando-me quando estava sem forças.

Ao Carlos Beltrán, pela amizade, pelos bons momentos que passamos nesse período de estudo e
pelas muitas risadas que demos juntos.

A Sueli Machado, pela generosa disposição em me acompanhar em um dos mais difíceis


momentos da minha caminhada pessoal.

Ao meu pai e à minha mãe, Humberto e Fátima, pelo apoio e amor sempre demonstrados com
palavras e gestos.

Aos meus sogros, Fábio e Eliane, pelo incentivo e suporte oferecidos desde sempre.

A Priscila Emerich, pela ajuda com a língua inglesa e Leonardo Ostronoff, por se mostrar sempre
disposto em contribuir.
A Isa Mara Fernandes, por ter sido sempre tão solícita e prestativa ao me atender na Biblioteca
Central.

A Thais Brito, pelas conversas descontraídas em sua casa e o esforço em me fazer enxergar a
pesquisa acadêmica como algo menos complicado.

Aos meus queridos irmãos e irmãs da Igrejinha, em especial a Tais e Keila Machado, a quem sou
grato por oferecer a mim e à minha companheira momentos de deliciosa comunhão durante nossa
estadia em São Paulo.

Aos queridos amigos e amigas do Grupo de Estudos do Protestantismo e Pentecostalismo, da


PUC-SP, coordenado pelo professor Dr. Edin Sued Abumanssur.

De modo muito especial, à minha querida Jacqueline, minha companheira de todos os momentos,
a quem devo minha maior gratidão por não me deixar desistir em momento algum nessa jornada
e segurar minhas mãos em dias tristes e cinzentos, sem ela não seria quem sou nem estaria onde
estou. Com você me sinto mais forte!

A CAPES, pelo financiamento da pesquisa e a todos os/as professores/as e colaboradores/ras da


Universidade Metodista de São Paulo, por oferecerem totais condições para o desenvolvimento
dessa pesquisa e que, sem dúvida, são responsáveis por fazer com que eu tenha me sentido
acolhido nessa Instituição.
OLIVEIRA JR, H. R. Entre o protestantismo e os cultos afro-brasileiros:
especificidades do sincretismo das igrejas neopentecostais. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP). São Bernardo do Campo, 2013.

RESUMO

Este trabalho teve como escopo analisar o sincretismo característico das igrejas evangélicas
neopentecostais, abordando suas especificidades e algumas de suas consequências para o campo
religioso brasileiro. Optou-se por enfatizar a relação do sincretismo neopentecostal com a cultura
brasileira, com destaque para as religiões de matriz africana. A hipótese central é a de que o
neopentecostalismo, devido ao seu perfil sincrético, apresenta-se como uma atraente opção entre
protestantismo clássico e os cultos afro-brasileiros e a religiosidade popular brasileira. Esta
hipótese foi testada tendo como foco principal a Igreja Universal do Reino de Deus. Para tanto,
trabalhou-se com as obras de pesquisadores de referência sobre o tema, com bibliografia
produzida por alguns líderes desse movimento e também com material videográfico disponível na
internet, contendo discursos e práticas neopentecostais relevantes para esta pesquisa. Desse
esforço, considerou-se que o neopentecostalismo constitui uma via intermediária entre a tradição
protestante e a religiosidade afro e popular brasileira, havendo marcantes rupturas em relação à
sua matriz de origem bem como muitas continuidades; o que faz desse movimento a expressão do
protestantismo que mais se adequou à realidade brasileira.

Palavras-chave: Igreja Universal do Reino de Deus; Sincretismo; Neopentecostalismo;


Protestantismo; Afro-brasileiro; Religiosidade.
OLIVEIRA JR, H. R. Between the Protestantism and the Afro-Brazilian services:
syncretism specificities of Neo-pentecostal churches. Dissertation. Program of Post-
Graduation in Science of Religion. University Methodist University of São Paulo
(UMESP). São Bernardo do Campo, 2013.

ABSTRACT

This study was intended to analyse the characteristic syncretism of the neo-pentecostal
evangelical churches by addressing their specificities and some consequences to the Brazilian
religious filed. In this work it was chosen to emphasize the relationship of neo-pentecostal
syncretism with Brazilian culture and also with the religions of African origin. The main
hypothesis is the Neo-pentecostalism, due to its syncretic profile, presents itself an attractive
option between the classical Protestantism and Afro-Brazilian services and the popular Brazilian
religiosity. This hypothesis was tested with the main focus the Universal Church of the Kingdom
of God. For that, it was worked with reference researchers’ job on the topic, with literature
produced by some leaders of this movement and with videographic material available on internet
containing neo-pentecostal speeches and practices relevant to this study. From this effort, it was
considered that the Neo-pentecostalism is a middle way between the Protestant tradition and the
African and popular Brazilian religiosity, with notable ruptures in relation to its origin as well as
many continuities; what makes this movement the expression of Protestantism that most suited
the Brazilian reality.

Keywords: Universal Church of the Kingdom of God; Syncretism; Neo-pentecostalism;


Protestantism; Afro-Brazilian; Religiosity.
Sumário
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I .......................................................................................................................................................... 15
1 SINCRETISMO E NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL .......................................................................... 15
1.1 Sincretismo: conceitos .................................................................................................................................. 15
1.1.1 A Religiosidade brasileira: potencialmente sincrética? ............................................................................. 18
1.2 Neopentecostalismo ...................................................................................................................................... 21
1.2.1 Neopentecostalismo no Brasil: classificações ........................................................................................... 22
1.2.2 A versatilidade neopentecostal: rupturas e continuidades com o .............................................................. 25
Protestantismo histórico ..................................................................................................................................... 25
CAPÍTULO II......................................................................................................................................................... 33
2 O SINCRETISMO NA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS ............................................................ 33
2.1 Breve histórico da IURD .............................................................................................................................. 33
2.1.2 Expansão ................................................................................................................................................... 36
2.2 IURD: um reflexo da contemporaneidade .................................................................................................... 39
2.2.1 O perfil da sociedade contemporânea e suas influências na religião ......................................................... 40
2.2.2 Uma igreja Hipermoderna? ....................................................................................................................... 43
2.2.3 Sincretismo iurdiano: uma estratégia exitosa ............................................................................................ 48
CAPÍTULO III ....................................................................................................................................................... 57
3 PECULIARIDADES DO SINCRETISMO IURDIANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O CAMPO
RELIGIOSO BRASILEIRO .................................................................................................................................. 57
3.1 Um sincretismo de inversão ......................................................................................................................... 58
3.2 Consequências do sincretismo iurdiano no campo religioso brasileiro ........................................................ 64
3.2.1 Neopentecostalismo e intolerância religiosa: o cenário atual .................................................................... 65
3.2.2 A humilhação dos demônios pela exposição dos fiéis ............................................................................... 71
3.2.3 Neopentecostalismo: uma atraente opção entre o protestantismo e os cultos mediúnicos ........................ 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................. 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................... 89
10

INTRODUÇÃO

Embora o pentecostalismo tenha surgido nos Estados Unidos no início do século XX, seu
crescimento vertiginoso garantiu sua presença em todo o globo terrestre, de modo que pode ser
encontrado desde a América Latina, África, Ásia até a Oceania (ROBBINS, 2004, 117). No
Brasil, esse grupo constitui o maior dentre as denominações não-católicas. E entre esses, os
neopentecostais, embora não sendo numericamente superiores às igrejas pentecostais chamadas
clássicas, estabelecem-se como o grupo de maior exposição e impacto exercido na esfera
religiosa, tendo em vista seu forte aparato midiático e seu investimento sistemático no universo
da política partidária (CAMPOS, 2010, p. 179).
No que diz respeito à visibilidade, pode-se dizer que os evangélicos no Brasil estão na
“crista da onda”. Nunca antes esse grupo esteve tanto na mídia quanto hoje, tampouco tiveram
tão significativo poder político como o que têm alcançado por meio da conhecida Bancada
Evangélica. Suas aparições nos noticiários se devem a fatos diversos, desde o embate ideológico
com “outras minorias” até escândalos pessoais de seus líderes. Nesse bojo, novamente destacam-
se os neopentecostais, cujo poder midiático parece aumentar a cada dia, proporcionando ainda
mais poder político-religioso aos seus líderes.
Esses líderes, de forma especial, chamam ainda mais a atenção, seja pelos mega-templos
ou pela compra de horários nobres em diversas emissoras de TV, mas principalmente pelas
características peculiares contidas em seus discursos e práticas religiosas. Aliás, desde sua
emergência, os neopentecostais têm provocado significativa repercussão no campo da religião e
até mesmo da cultura brasileira devido a suas práticas agressivas (MELO, 2012).
Diante disso, a pretensão deste trabalho é a de contribuir para a reflexão a respeito do
segmento do protestantismo evangélico denominado de neopentecostalismo, dando especial
ênfase no tipo de sincretismo apresentado por esse grupo. Não obstante esse movimento já tenha
sido discutido amplamente na academia, e apesar de sua visibilidade na sociedade brasileira, a
complexidade de suas relações com outros segmentos evangélicos e também os de confissão não-
cristã, torna necessário voltar a atenção sobre ele outra vez mais; especialmente no que tange às
especificidades do seu sincretismo e suas consequências tanto para si quanto para os grupos
11

acerca dos quais ele se vale para formular esse sincretismo. Assim sendo, importa averiguar as
características do sincretismo neopentecostal e questionar quais são seus efeitos.
Trata-se de um movimento extremamente dinâmico, que requer a todo momento a
tentativa de releituras, novas discussões e novas considerações a respeito de sua atuação na
sociedade brasileira. Não se considerou aqui como sendo importante propor novas
classificações, mas apenas compreender os rumos tomados por esse grupo. Até porque, dada a
complexidade do tema, tratar da classificação por si só já requereria a elaboração de uma
dissertação à parte.
Nesse sentido, é oportuna a análise de Edin Sued Abumanssur (2011, p. 402):

Três textos marcaram esse momento [de pesquisas do neopentecostalismo na década


de 1990]: de Paul Freston (FRESTON, 1996), Breve história do pentecostalismo
no Brasil; de Leonildo Silveira Campos (CAMPOS, 1997), Teatro templo e
mercado; e de Ricardo Mariano (MARIANO, 1999), Neopentecostais:
sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. O texto de Freston, um artigo
elaborado a partir de sua tese de doutoramento, foi a mais bem-sucedida
tentativa de pôr ordem no universo pentecostal. O paradigma das ondas de
implantação do pentecostalismo perdura ainda nos dias de hoje, apesar das
tentativas de superação dessa abordagem. Os dois textos seguintes, o de Campos
e o de Mariano, tiveram o condão de dar uma cara a um novo tipo de
pentecostalismo que ganhava visibilidade ofuscante. O termo
neopentecostalismo ficou pespegado indelevelmente às novas igrejas
pentecostais a ponto de tornar-se uma categoria êmica.

Então, optou-se aqui pelas categorizações clássicas já sedimentadas: a metáfora das ondas,
de Paul Freston, e o termo neopentecostalismo, utilizado pelos mais proeminentes pesquisadores
do pentecostalismo no Brasil.
Para a execução desse trabalho, a metodologia escolhida foi primordialmente a da
pesquisa bibliográfica e o método teórico-crítico. Lançou-se mãos de material acadêmico
produzido por outros pesquisadores, alguns livros de autoria de líderes neopentecostais, material
disponível na internet acerca do objeto de pesquisa e também alguns vídeos – também situados na
internet – com conteúdo de discursos e práticas de líderes neopentecostais.
12

A expectativa inicial da pesquisa tendia para a hipótese de que o neopentecostalismo


brasileiro não pertencesse ao protestantismo evangélico brasileiro. Suas constantes inovações na
forma e conteúdo o teriam distanciado de tal forma de suas matrizes que, apesar de serem
vinculados aos protestantes e evangélicos pelas pesquisas estatísticas e, especialmente, pelo
Censo do IBGE, suas rupturas seriam mais significativas do que suas continuidades.
Entretanto, no decorrer da pesquisa, por meio da leitura de especialistas em
pentecostalismo, diálogos com o orientador e outros pesquisadores, pareceu por bem não seguir
essa perspectiva. Conforme poderá ser visto no desenvolvimento da dissertação, os
neopentecostais possuem, sim, rupturas em relação à sua origem protestante, porém também
sustentam importantes continuidades. Ainda que seja um segmento altamente mutante, também
se trata de um grupo relativamente jovem dentro do campo protestante, especialmente
considerando-se que o pentecostalismo por si só ostenta oficialmente pouco mais de cem anos de
surgimento.
Assim sendo, preferiu-se focar nas especificidades do sincretismo que vem sendo
apresentado e suas consequências para o campo religioso brasileiro, mais detidamente para sua
própria existência e também para com os grupos afro-brasileiros e a religiosidade popular.
Levando-se em conta o quão competitivo o mercado religioso têm se mostrado, o sincretismo
favorece sua sobrevivência nesse cenário? E o que dizer dos conflitos existentes entre
neopentecostais e fiéis dos cultos de herança afro-brasileira, qual a razão?
Para responder a tais perguntas, fez-se necessário, antes de mais nada, abordar o conceito
de sincretismo, esforço contido no Capitulo I. A razão para tal tarefa estava na preocupação de
evitar quaisquer confusões a respeito desse termo. Assim, procurou-se apresentar qual o
entendimento deste pesquisador acerca da expressão sincretismo, o que também contribuiu para
orientar os caminhos a serem seguidos mais adiante. Além disso, procurou-se abordar a riqueza
da cultura brasileira, enfatizando sua pluralidade e ecletismo. Com isso, foi explorado o lugar
social no qual o movimento neopentecostal viria a surgir, o contexto a partir do qual ele emerge e
com o qual se relaciona intimamente em constante tensão.
Posteriormente, a atenção é voltada para o neopentecostalismo em si. É quando se aborda
a origem da terminação tão corriqueiramente usada na academia e fora dela, apresentando
detalhes do seu surgimento e também oferecendo uma breve explanação sobre as classificações
acadêmicas acerca desse grupo religioso. Tendo então base para abordar sua versatilidade,
13

crescimento e principais características. Não escapando desse tópico a discussão a respeito das
rupturas sofridas e continuidades entre neopentecostais e protestantes e evangélicos.
Já no Capítulo II, decidiu-se por certo afunilamento, proporcionando mais objetividade
ao falar do movimento. Assim, tomou-se a Igreja Universal do Reino de Deus 1 como
denominação paradigmática, por meio da qual se pode estudar o fenômeno neopentecostal. Isso
porque a história de suas origens, formação e consolidação se confunde com a gênese e
desenvolvimento do movimento neopentecostal brasileiro, visto que seu surgimento é tido como
referência para a pesquisa e estudo dos neopentecostais. A influência desse grupo é decisiva para
espalhar práticas, discursos e comportamentos entre diversas outras igrejas. Não apenas
influenciou, mas também deu origem a outras importantes denominações neopentecostais.
A título de exemplo, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Mundial do Poder
de Deus (ROMEIRO, 2005, p. 53; BLEDSOE, 2012, pp. 53-54), respectivamente, surgiram de
cisões originadas de tensões de importantes lideranças com a figura do bispo Edir Macedo, um
dos fundadores e hoje líder máximo da IURD. Entretanto, outras pequenas igrejas Brasil afora
surgiram da própria IURD ou inspiradas por ela. Essas pequenas igrejas, por sua vez, deram
origem a outras igrejas e assim por diante. Um perfil recorrente no protestantismo, talvez bem
mais recorrente no cenário religioso brasileiro do que o revelado por pesquisas até o momento.
Para tanto, é oferecido um sucinto histórico dessa denominação, abordando a sua
expansão e refletindo sobre sua adequação às demandas de seu tempo. E, nesse sentido, o
sincretismo mostra-se não apenas como um modo de manter-se de pé diante da concorrência mas
também como importante estratégia de expansão, sendo importante questionar qual o preço para
esse crescimento. Quais os resultados?
Em resposta a esse questionamento, o Capítulo III aborda o tipo de sincretismo encenado
pela IURD, enfatizando suas peculiaridades. Daí em diante, procura-se tratar de modo mais
acurado a relação conflituosa entre neopentecostais e fiéis de cultos de tradição afro. Tal ênfase
justifica-se, pois esta igreja protagoniza, em seus cultos e programas televisivos, um verdadeiro
confronto direto com as religiões de matriz africana e, indiretamente, com as crenças da
religiosidade popular.

1
Para fins de comodidade e estética, a Igreja Universal do Reino de Deus também poderá ser chamada
nesta dissertação de IURD ou apenas de Universal.
14

Portanto, são abordados os efeitos dessa tensão. Aqui o foco principal é tema da tolerância
religiosa, mas não apenas isso, também será levantado um questionamento acerca da clara
exposição (e o tipo de exposição) dos frequentadores dos cultos, quando da prática do exorcismo.
Prática essa bastante enfatizada por alguns neopentecostais e que assume importante lugar na
liturgia da IURD.
Por fim, ainda nesse último capítulo, com base na tensão existente entre neopentecostais e
africanistas, será lançada a reflexão sobre o potencial atrativo desse grupo evangélico no mercado
religioso nacional como opção entre o protestantismo e as religiões mediúnicas. Em outras
palavras, ao que parece, igrejas como a IURD oferecem, por meio do seu sincretismo, uma
espécie de síntese entre uma religião racional, aceita socialmente, que a cada dia ocupa mais
espaço na sociedade e um outro grupo, anteriormente hostilizado e que ainda sofre preconceitos,
místico, de enorme riqueza simbólica acerca do mundo sobrenatural.
Assim, a dissertação se conduz para seu final, quando serão levadas em conta as
considerações finais, fruto da reflexão sobre o que fora abordado em cada capítulo, visando
responder a hipótese central, a de que o neopentecostalismo surge com uma atraente oferta entre
a tradição protestante e os cultos afro e populares, as religiões mediúnicas em geral.
15

CAPÍTULO I

1 SINCRETISMO E NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL

Para se falar de sincretismo, é preciso antes conceituá-lo minimamente a fim de orientar


nossos passos e evitar qualquer equívoco a respeito da expressão. Afonso M. L. Soares (2002, p.
45) comenta que “a palavra sincretismo é hoje bem aceita, desde que esclarecidas algumas
distinções internas ao termo”. Assim sendo, faz-se necessário abordar as qualidades da expressão
“sincretismo”; especificamente definir o conceito com o qual se irá trabalhar a fim de permitir um
diálogo claro sobre o assunto.

1.1 Sincretismo: conceitos

Ao se dizer que determinado grupo religioso é sincrético, ou se tornou sincrético, poderia


supor que se esteja dizendo, de forma pretensiosa ou mesmo inocente, que haja algum grupo
religioso puro. Este grupo religioso puro teria resistido a influências culturais de toda sorte. Desta
forma, estar-se-ia diante de uma religião absolutamente original. Contudo, falar de religião é falar
do ser humano. E falar do ser humano implica reconhecer sua complexidade e a diversidade de
fatores bio-psico-sócio-espirituais que influenciam sua vida em todas as esferas, em todos os
tempos e lugares.
Assim sendo, importa dizer que a pessoa religiosa (o crente), em sua prática e vivência,
pode se dar ao luxo de acreditar que sua fé constitui um sistema de crenças puro, livre de
influências externas às suas fontes originárias. Não obstante, esse jamais poderá ser o caminho
seguido pelos sociólogos e cientistas da religião. Visto que o próprio desenvolvimento da
humanidade, desembocando na exposição de indivíduos a outros indivíduos antes totalmente
estranhos, grupos a outros grupos, tribos de diferentes cantos e tradições, per si contribui para
que sofram consideráveis modificações. Em outras palavras, ao se defrontarem umas com as
16

outras, por esse mero contato, já transformam a realidade alheia e a sua própria de modo
indelével.
Assim, sabe-se que não há grupo religioso privilegiado pela pureza doutrinal. Bem como
parece mais aceitável a ideia que reconhece a possibilidade de enriquecimento das religiões
quando de seus encontros. Entretanto, se a mistura é por si só inevitável, como falar de
sincretismo? Como avaliar que esta e aquela religião mixam elementos uma da outra e vice-
versa?
Nesse sentido, é pertinente atentar para as características assumidas, idealizadas pelos
fiéis e líderes religiosos e, a partir daí, investigar as possíveis consequências do encontro de
crenças, tradições e práticas muitas vezes diametralmente antagônicas. E, por antagônicas, quer-
se indicar o contexto no qual há razões (claras ou mesmo não tão claras) para que não houvesse
confluência entre essas fés. É pertinente dizer que essa confluência é mais do que a viabilização
do diálogo entre diferentes, mas na verdade a adição de elementos outros que, até dado momento,
não faziam parte de seu sistema de crenças e significados já sedimentado.
Para Sérgio F. Ferreti (1995, p. 91),

O sincretismo acontece na religião, na filosofia, na ciência, na arte, e pode ser de tipos


muito diversificados. Nas religiões afro-brasileiras podemos localizar vários tipos,
conforme o aspecto que se esteja estudando ou a ênfase do estudo. Para evitar mal-
entendidos e confusões, é preciso explicar exatamente o sentido que se quer dar ao
termo que está sendo utilizado. Apesar dos aspectos pejorativos que prevalecem,
sincretismo é um fenômeno que existe em todas as religiões, está presente na
sociedade brasileira e deve ser analisado, quer gostemos ou não.

E ao afirmar que o fenômeno deve ser estudado “quer gostemos ou não”, qual a razão? É
pertinente, no caso deste trabalho, as peculiaridades do sincretismo de um grupo específico e suas
consequências no campo religioso. Nesse caso, analisar-se-á essa característica específica do
movimento neopentecostal, tendo como modelo paradigmático a Igreja Universal do Reino de
Deus, que, devido às características manifestas, apresenta-se como um grupo evangélico, surgido
do pentecostalismo e que assumiu um perfil marcadamente sincrético.
Porém, para tal, ainda importa seguir na conceituação do termo. Ao que parece bastante
oportuno o esforço de Ferreti (idem, p. 91), ao selecionar um grupo de palavras que viessem a dar
17

conta de explicar a expressão. Assim, ao partir da hipótese – mera hipótese a fim de amparar seu
raciocínio – da “ausência de sincretismo”, caracterizado por “separação”, “não sincretismo”
(hipotético), elegeu:

1- mistura, junção, ou fusão,


2- paralelismo ou justaposição
3- convergência ou adaptação

O mérito de tal esforço talvez esteja na objetivação do conceito, evitando a psicologização


e divagações subjetivas acerca das razões pelas quais o grupo religioso ou o devoto assumem
práticas sincréticas. Com peculiar sobriedade, continua:

Podemos dizer que existe convergência entre ideias africanas e de outras religiões,
sobre a concepção de Deus ou sobre o conceito de reencarnação; que existe
paralelismo nas relações entre orixás e santos católicos; que existe mistura na
observação de certos rituais pelo povo-de-santo, como o batismo e a missa de sétimo
dia, e que existe separação de rituais específicos de terreiros, como no tambor de
choro ou axexê, no arrambam ou no lorogum, que são diferentes dos rituais das outras
religiões. Nem todas estas dimensões ou sentidos de sincretismo estão sempre
presentes, sendo necessário identificá-los em cada circunstância. Numa mesma casa e
em diferentes rituais, podemos encontrar assim separações, misturas, paralelismos e
convergências (ibidem, p. 91).

É especialmente atraente a definição acima pois compreende a complexidade de se definir


algo tão intrigante, que se dá por diversos meios e por vários fatores. Aliás, conquanto haja
distintas definições do fenômeno, sua complexidade é ponto indiscutível entre os pesquisadores.
Sendo perceptível até mesmo nas elaborações que esses forjam a fim de conceituar o dado e
poder manipulá-lo com mais acuidade. José Bittencourt Filho, para fundamentar sua tese de uma
Matriz Religiosa Brasileira, também trabalhou a expressão, afirmando que

(...) o sincretismo é um processo que se propõe solucionar conflitos e problemas num


dado contexto cultural. O sincretismo possui como característica a mescla, a fusão e a
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simbiose de elementos culturais. Tal simbiose acontece como resultado de uma nova
fisionomia cultural, na qual se combina e se soma, em maior ou menor intensidade, as
marcas de culturas originárias. Por intermédio de fusões e interpretações, os
indivíduos e os grupos assimilam atitudes, sentimentos e tradições de outros
indivíduos e de outros grupos e, de alguma maneira, partilhando suas respectivas
experiências e histórias, terminam como que incorporados numa mesma vivência
cultural (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 63).

No caso específico dos ameríndios e também dos africanos (trazidos como escravos),
subjugados pelo europeu, cristão, católico, esse processo se deu em termos de resistência. Uma
opção, especialmente para os negros, a fim de que toda a riqueza (vale dizer) de distintas culturas
da África, incluindo, sobretudo, suas características religiosas, fosse aniquilada em solo
brasileiro. Para tanto, analisando caso a caso, poder-se-á perceber diferentes modos de
manifestação desse fenômeno. De modo que, qualquer definição, por mais elaborada que fosse,
não chegaria a dar conta da totalidade e grandeza do tema.
Outra situação, talvez completamente distinta, é a que será examinada mais adiante,
quando for abordada as peculiaridades do sincretismo presente no neopentecostalismo. Ora,
exatamente por se tratar de indivíduos, grupos e tradições distintos, é que se torna inviável
sustentar esse ou aquele conceito como sendo suficiente para exaurir o tema. Ainda assim, com
toda a complexidade reconhecida, muitos autores parecem dizer as mesmas coisas apenas
utilizando expressões diferentes. Pois, no que diz respeito ao resultado final, o que se percebe em
grupos que tenham sofrido transformações significativas em dado momento histórico, por conta
do sincretismo, é a existência simultânea de elementos distintos num mesmo grupo ou indivíduo.
Certamente, assumidos de forma peculiar em acordo com as peculiaridades dos grupos e pessoas
envolvidos.

1.1.1 A Religiosidade brasileira: potencialmente sincrética?

É sabido que o povo brasileiro tem constituição profundamente eclética. O colono


português – posteriormente outros povos europeus –, os indígenas e os negros advindos de
19

diferentes tribos africanas contribuiriam juntamente para a formação dessa nação culturalmente
tão rica. As marcas dessas misturas podem ser vistas no multiculturalismo reinante em nosso
território. Sendo que cada região possui tradições ligadas a músicas, danças, comidas e
religiosidades específicas. Essa mistura viria a contribuir para o perfil de uma religiosidade
tupiniquim.
No clássico Casa grande e Senzala, Gilberto Freyre aborda a formação do povo brasileiro
referindo-se a ela como um processo de equilíbrio entre antagonismos, dada a imensa
diversidade:

Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A


europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia e a agrária e a
pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O
bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e
o mascate. O grande proprietário e o pária. O Bacharel e o analfabeto. Mas
predominante sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o
senhor e o escravo (2000, p. 125).

É certo que esse equilíbrio não se deu sem dolorosos encontros. A hegemonia da Igreja
Católica submeteria as vivências religiosas tradicionais tanto dos povos originários quanto dos
africanos a profundas transformações. Especialmente o negro sofreria pela imposição e
perseguição às práticas de culto trazidas de seu continente de origem. De forma que a
subsistência de suas crenças se deu especialmente pela força interior que marcaria sua resistência.
Afonso M.L. Soares destaca que:

Mesmo sobrepondo-se à religião africana durante o período colonial, o sistema


que lhe cai de paraquedas da Europa não consegue substituí-la. Assim, algo de
não-católico sobreviverá como se o fosse. Constitui até hoje um tema
controvertido saber se tais práticas sincréticas serão somente acomodatícias
(justaposição dos santos católicos aos orixás africanos), ou, em vez, se haverá
uma mais profunda assimilação (modificação do sistema africano no núcleo
mesmo de sua experiência interna). Todavia, independente da palavra final dos
cientistas da religião, o fato é que o africano encontra analogias, ao menos no
20

nível dos significantes, entre as suas crenças e aquelas portuguesas (2002, p.


48).

O vínculo de tempos imemoriais com suas crenças resultou em práticas sincréticas como
uma saída criativa para a proibição da vivência destas. Assim, o negros assimilaram semelhanças
entre o panteão de Santos Católicos e seu próprio panteão de orixás. Desse modo, os Santos
Católicos não somente passam a representar seus orixás como também, com procedimentos desse
gênero, os negros reinterpretam inúmeras festas católicas:

Exu é festejado no dia de São Bartolomeu; Xangô, no dia de São João; Ogum divide as
comemorações com São Jorge; Omolu, com São Sebastião; os Ibejis (orixás da
infância), na festa de Cosme e Damião; Oxalá brilha nos festejos do ano novo (na
Bahia, na festa do Senhor do Bonfim); e Iansã, no dia de Santa Bárbara . Mas, as datas
e as correspondências santo-orixá não são iguais para todas as regiões do Brasil. Xangô
é São Jerônimo na Bahia, o Arcanjo São Miguel no Rio de Janeiro, e São João em
Alagoas. Exu é o diabo na Bahia (talvez, por causa de seu caráter trickster), Santo
Antônio no Rio de Janeiro, São Pedro no Rio Grande do Sul (aqui entendido como
porteiro e mensageiro dos deuses) (SOARES, 2002, p. 50).

Essas e outras facetas concederam aos africanos manterem vivas suas tradições religiosas
e, mais que isso, contribuíram decisivamente para que o próprio Catolicismo sofresse
transformações devido a influência das crenças dos negros. De modo que o catolicismo popular é
marcado pela existência de superstições, rituais, rezas e benzedeiras que a priori pouco ou nada
têm a ver com a religião formal, clerical, dominada por brancos europeus.
Por essa intersecção de elementos religiosos de grupos aparentemente “antagônicos”, e as
intrigantes “soluções” encontradas para a sobrevivência/coexistência de ambos, é que talvez
possa-se dizer que o “caldo cultural-religioso” brasileiro é predisposto ao sincretismo. Ou seja, no
cotidiano práticas conceitualmente distantes, até mesmo opostas, coexistem na experiência
pessoal de indivíduos. Certamente, extrapolando a individualidade, tomando forma em grupos e
ajuntamentos de fieis em diversas partes.
21

Observando essa realidade, José Bittencourt Filho sustenta a tese de uma Matriz Religiosa
Brasileira, peculiar, característica desse povo e que se percebe na maneira como se experimenta a
fé nessas terras. Em um trecho de sua obra, explana:

(...) formas, condutas religiosas, estilos de espiritualidade, e condutas religiosas


uniformes evidenciam a presença influente de um substrato religioso-cultural
que denominamos Matriz Religiosa Brasileira. Esta expressão deve ser
apreendida em seu sentido lato, isto é, como algo que busca traduzir uma
complexa interação de idéias e símbolos religiosos que se amalgamaram num
decurso multissecular, portanto, não se trata stricto sensu de uma categoria de
definição, mas de um objeto de estudo. Esse processo multissecular teve, como
desdobramento principal, a gestão de uma mentalidade religiosa média dos
brasileiros, uma representação coletiva que ultrapassa mesmo a situação de
classe em que se encontrem. (...) essa mentalidade expandiu sua base social por
meio de injunções incontroláveis (...) para num determinado momento histórico,
ser incorporada definitivamente ao inconsciente coletivo nacional, uma vez que
já se incorporara, através de séculos, à prática religiosa (BITTENCOURT
FILHO, 2003, p. 42ss).

Para tanto, depois de lançar a reflexão sobre sincretismo, e posteriormente apontar para os
traços característicos do povo brasileiro, importa dizer que o ponto nevrálgico não é, como
sustentam muitos, a de que esse povo seja essencialmente sincrético, e sim que, mais que isso, é
profundamente aberto/inclinado/permeável a esse tipo de comportamento religioso.

1.2 Neopentecostalismo

Os neopentecostais já há algum tempo encontram-se no centro de diversas pesquisas


relativas à religião. Dada sua constante mutação, faz-se sempre necessário manter certa atenção
nesse grupo a fim de buscar novas conclusões a seu respeito ou mesmo sedimentar aquelas que,
há tempos atrás, já foram apresentadas. Não só isso, acompanhar as atividades desse movimento
também pode ser bastante relevante para compreender seu constante desenvolvimento. Isso se
22

justifica pela relevância conquistada por eles desde que se tornaram o maior segmento entre as
religiões não católicas no Brasil.
Seus aspectos mais interessantes talvez estejam ligados ao uso de recursos do marketing
empresarial, o investimento na tecnologia rádio-televisiva e o forte envolvimento com a política
partidária. Assim, o neopentecostalismo vem destacando-se como um dos mais atraentes grupos
dentro do cenário religioso atual. Sua versatilidade, sua habilidade em se aculturar, sendo
portador de um discurso fortemente palatável e atraente ao seu público potencialmente
consumidor é bastante notória e, devido à velocidade com que consegue isso, admiravelmente
interessante.
O crescimento e consolidação desse grupo em termos numéricos, financeiros e políticos,
sendo possuidores de emissoras de rádio e televisão, dentre outros veículos de comunicação, faz
com que constitua um grande desafio às igrejas protestantes históricas, católica, religiões afro
(sobre as quais muitas vezes direcionam seu discurso bélico) e, obviamente, aos estudiosos da
religião.
As constantes aparições de lideranças e personalidades que fazem parte desse grupo em
programas de televisão não religiosos revelam sua crescente influência e poder de interação com
a cultura vigente, solidificando-se como uma opção cativante àqueles que procuram experimentar
a religião hoje.

1.2.1 Neopentecostalismo no Brasil: classificações

Não obstante às igrejas históricas tenham sido as primeiras a “fincar” suas bandeiras no
Brasil, a face mais conhecida do protestantismo no país hoje é, sem dúvida, a do pentecostalismo;
representado especialmente pelas Assembleias de Deus e Congregação Cristã do Brasil, as duas
maiores denominações evangélicas do país.
No início do movimento pentecostal as relações entre a religião e a cultura brasileira
continuam bastante controvertidas, não muda muita coisa em relação às primeiras igrejas
históricas a serem implantadas aqui. A principal diferença está na sua origem e como ela
influenciaria na proclamação de sua mensagem.
23

O pentecostalismo se espalha no mundo a partir dos acontecimentos da Rua Azuza, no


início do século XX, tendo como figura exponencial o filho de ex-escravos J.W. Seymor. No
Brasil, fora trazido por imigrantes europeus (que também haviam tido contato com o
pentecostalismo negro nos Estados Unidos) também de origem marginal. Como não poderia ser
diferente, o movimento teve grande êxito entre os mais pobres (ALENCAR, 2010, pp. 29-31).
O pentecostalismo brasileiro tem sido classificado já há algum tempo com base na linha
proposta pelo sociólogo inglês radicado no Brasil, Paul Freston (1994, p. 70), que o identificou
por meio da metáfora das ondas: primeira, segunda e terceira onda de implantação do
pentecostalismo brasileiro. De modo que cada onda estava relacionada a uma ênfase específica
das igrejas por elas representadas. É importante reconhecer que, como qualquer classificação
teórica, ela não compreende o movimento em toda a sua complexidade, contudo ainda constitui
ferramenta bastante pertinente a fim de se compreender o desenrolar do pentecostalismo no
Brasil.

Primeira Onda – Congregação Cristã (1910) e Assembleia de Deus (1911)


Segunda Onda – Igreja do Ev. Quadrangular (1953), O Brasil para Cristo (1955),
Deus é amor (1962), Casa da Benção, dentre outras
Terceira Onda – IURD (1977), Internacional da Graça (1980), Cristo Vive (1986),
Renascer em Cristo (1986), etc.

De acordo com Freston:

A ênfase primeira da primeira onda pentecostal foi o batismo com o Espírito


Santo certificado pelas línguas, a da segunda onda foi a cura, e a da terceira é a
libertação, pelo exorcismo, da possessão maligna relacionada principalmente
com os cultos mediúnicos (1994, p. 139).

A partir do trabalho de Ricardo Mariano, as igrejas da terceira onda passaram a ser


denominadas com maior frequência e aceitação como “neopentecostais”. Contudo a utilização do
termo é controversa e nunca cessou de haver questionamentos acerca da pertinência de sua
utilização. Nos Estados Unidos, por exemplo, chama-se de neopentecostais “as pessoas com
24

mentalidade pentecostal, mas que se consideram adeptas de uma ‘renovação espiritual’ dentro
dos próprios quadros denominacionais a que pertencem” (MARIANO, 1995, p.33).
A despeito da classificação, este é o movimento que mais se alinha ao ethos brasileiro. No
que tange à musicalidade, por exemplo, lançaram mão da percussão, permitem a utilização de
instrumentos musicais variados em seus cultos, tornaram sua liturgia mais leve e solta,
substituíram o terno e a gravata por trajes mais informais (em alguns casos até mesmo para os
oficiantes das celebrações, como na Renascer e na Bola de Neve Church, por exemplo).
O mais importante fator de diferenciação entre o neopentecostalismo e sua matriz de
origem pentecostal/protestante é o afrouxamento 2 ético. Sobre isso, Gedeon Alencar afirma:

(...) uma religião liberal nos costumes, com espaços eticamente mais elásticos,
onde a classe média, que ironicamente é também a mais atraída para o
candomblé, pode se sentir “bem” sem o policiamento típico as igrejas
pentecostais e o conservadorismo das chamadas igrejas protestantes (2005, p.
85).

O neopentecostalismo não apenas se adequou ao perfil brasileiro, mas também se adequou


ao mercado de consumo, de modo que o êxito de seus empreendimentos e crescimento não se
explica apenas pelo “jeito de ser” assumido por esse grupo. Aderir a uma lógica de mercado fora
decisivo para atrair maior número de fiéis/consumidores. E para tanto, tiveram de aceitar e jogar
com as regras do jogo.
Desse modo, as igrejas neopentecostais, embora sendo igrejas e realizando suas
celebrações em templos, assemelham-se em muito a supermercados nos quais se vende quase de
tudo. Nesse caso, supermercados da fé, disputando a clientela disponível no extenso e promissor
mercado religioso brasileiro.
Nesse jogo, não se traz uma teologia pronta que os pregadores oferecerão ao povo. Ao
contrário, ela é elaborada na relação direta com o fiel/cliente. Daniel Garlindo (2009, 15), autor
de um artigo que analisa a competitividade entre os evangélicos, comenta que “antes de
comunicar, faz-se necessário chamar a atenção do fiel.” Isso implica em reconhecer a máxima
empresarial de que o marketing deve começar com o consumidor, e não com o processo de

2
O mesmo argumento – o da frouxidão ética – também fora utilizado muitas vezes a fim de justificar a
aceitação social do candomblé (PRANDI, 1991).
25

produção, que neste caso será sempre sujeito ao gosto do cliente, em prol da maior e melhor
satisfação (GARLINDO, 2009, p.19).
Assim, as igrejas neopentecostais não apenas aderiram à lógica da sociedade de consumo,
com todas as consequências da globalização, como também investiram em uma propaganda que
apresenta um produto já assimilado pelo “paladar do freguês”. Empenharam-se essencialmente na
elaboração de pontos de intersecção entre as crenças populares (especialmente das religiões afro e
catolicismo popular) e apresentando certa proximidade com o universo simbólico-religioso do
povo brasileiro (essencialmente místico e desejoso por manifestações sobrenaturais).

1.2.2 A versatilidade neopentecostal: rupturas e continuidades com o


Protestantismo histórico

Antes de tudo, é importante ressaltar que a religião não apenas se relaciona com a cultura
como também faz parte dela, constituindo-se em uma subcultura dentro de um ambiente cultural
maior. Isto é, um sistema simbólico-cultural inserido em um contexto cultural – mais amplo – e
que com ele se relaciona, influenciando e sendo influenciado por este.
Para tanto, é pertinente notar que o protestantismo, de onde se desenrola – em última
instância – o movimento neopentecostal, quando implantado no Brasil, enquanto religião
estrangeira (portanto, carregada de características culturais alheias à do povo brasileiro),
apresentava-se como um grupo que pouco ou nada tinha a ver com as características culturais
locais.
O protestantismo de emigração era marcadamente étnico, portanto restrito aos grupos e
colônias de estrangeiros que se dirigiam ao Brasil; o protestantismo de missão, profundamente
proselitista, não tinha intenção de interagir com a vida social mas apenas cooptar para si maior
número de fieis; por sua vez, os protestantismo pentecostal, intensamente escatológico, possuía
uma teologia que na prática constituía um desenrolar do proselitismo do protestantismo de missão
aliado a uma exagerada ética ascética extramundana, que visava salvar as pessoas da sociedade
(mundo).
De acordo com Antônio Gouvêa Mendonça, pesquisador do protestantismo, advindo de
uma matriz cultural distinta,
26

(...) o protestantismo que se espalhou pelo mundo no século XIX encontrou


culturas diferentes às quais se ajustou com dificuldade ou mesmo nunca se
amoldou. O protestantismo que veio para a América Latina, por exemplo,
encontrou a cultura da latinidade já firmemente instalada sobre os pilares da
Igreja Católica (MENDONÇA, 2008, p. 96).

A religião protestante, dotada de um conteúdo ético rigoroso, encontraria resistentes


barreiras culturais no Brasil, como, por exemplo, costumes sexuais, o modo como se exercia o
comércio e o trabalho. O forte trunfo da religião protestante em solo brasileiro se daria por meio
do seu sistema de educação, que não somente causou boa impressão nas elites liberais como
também conquistou adeptos através da conversão. Ainda assim, a dificuldade de adequação
cultural e, por conseguinte, de conquistar seu espaço no seio da sociedade fez com que os rumos
dessa religião no Brasil fossem diversos daqueles tomados em seus locais de origem.
Segundo Mendonça (2008, p. 97):

O conversionismo protestante teve, então, de percorrer caminho inverso: em


seus lugares de origem o convertido era um instrumento enviado pela religião
ao mundo para mantê-lo ou aperfeiçoá-lo; aqui, o convertido é um indivíduo
tirado do mundo para que se salve na religião, o que quer dizer na Igreja. Esta
inversão poderia ser assim resumida: aqueles salvam-se na cultura e estes
salvam-se da cultura.

Em outras palavras, pode-se dizer que em sua relação com a cultura local, o
protestantismo abandonou a ética ascética intramundana, analisada por Max Weber em suas
pesquisas, para assumir em terras tupiniquins outro perfil, com uma ética monástica – ou seja,
isolacionista, sectária. Assim, a espiritualidade protestante deveria se restringir à vivência das
comunidades de fé. De tal modo, sua relação com a cultura tornou-se bastante controversa, não
havendo interesse em sua regeneração ou manutenção, conforme acima mencionado, mas sua
negação (a da cultura) pela negação do mundo.
A negação da cultura local significaria, por conseguinte, a exaltação (ou sacralização) de
uma cultura alheia, nesse caso a estadunidense. Os protestantes brasileiros passariam a se
27

identificar com a cultura dos missionários que vinham dos Estados Unidos, passando a ostentar a
carga de etnocentrismo transmitida juntamente com a pregação do evangelho, marcadamente
dominada pela ideologia do “destino manifesto” 3.
De modo que, mesmo em um clima tropical e das altas temperaturas aqui vigorantes,
vestir-se de terno tornou-se algo essencial ao cristão protestante; embora não fossem os
instrumentos mais populares entre os brasileiros, o piano e o órgão eram os únicos dignos de
fazerem parte dos cultos, rejeitando com todas as forças, especialmente, qualquer instrumento de
percussão; o corpo, sempre importante nas manifestações culturais brasileiras, deveria ser
domesticado e assumir uma austeridade “britânica”, refletida em cultos sóbrios, com liturgia
rígida e discurso racional – não havendo qualquer espaço para manifestações emocionais.
Nem mesmo os mais tendenciosos críticos do neopentecostalismo chegam a negar sua
herança protestante. Sua árvore genealógica possui a mesma raiz que as demais igrejas
pentecostais que, assim como as protestantes históricas, são herdeiras da Reforma. Não obstante,
sua acomodação cultural e adaptação às demandas da sociedade de consumo acentuam seu
distanciamento das demais igrejas protestantes.
Ricardo Mariano, ainda no final década de 90 escreveu um artigo no qual contrapunha a
ideia, anteriormente apregoada, de que na América Latina estaria ocorrendo uma nova Reforma
Protestante, isto é, que em um continente no qual vigora forte catolicismo popular, o
protestantismo estaria alcançado considerável guarida. Para Mariano, em O futuro não será
protestante, ao apresentar sua tese, afirmava que o grande responsável pelo crescimento do
protestantismo entre os povos latino-americanos é o pentecostalismo, porém esse se distanciava
cada vez mais de um “rosto protestante”. Ora, não que com isso quisesse afirmar que as igrejas
pentecostais não coubessem mais debaixo da classificação “protestantismo”, contudo assinalava,
enfatizando importantes transformações desse grupo, seu contínuo distanciamento de sua matriz.

Tendo em conta as acomodações promovidas pelo neopentecostalismo e o


processo de dessectarização das vertentes pentecostais precedentes, o que cresce
e se firma entre nós é uma religião que cada vez mais deita raízes em nossa
sociedade e é por ela influenciada num processo de assimilação mútua. A
assimilação da cultura ambiente, não obstante sua rivalidade com outras

3
Pensamento teológico estadunidense que alega serem os Estados Unidos escolhidos por Deus para atuar
no mundo.
28

religiões e as contínuas importações teológicas dos Estados Unidos, constitui o


processo pelo qual está passando o pentecostalismo brasileiro, que, com isso,
vai adquirindo fisionomia cada vez menos “protestante.” (MARIANO, 1999, P.
110).

Difícil também é negar as modificações sofridas por essas igrejas. No entanto, vale
perguntar: Até que ponto vai esse distanciamento? Seria o caso de, quatorze anos depois da
reflexão apresentada pelo eminente pesquisador, dizer que os neopentecostais caminham para
uma ruptura total com o protestantismo?
Certamente, não é a maior preocupação aqui avaliar, de forma abrangente, as razões desse
distanciamento. Nem tampouco ousar reclassificar esse movimento dentro do campo religioso
brasileiro. Isso fugiria do escopo desta pesquisa. Por outro lado, importa examinar, ainda que
brevemente, o que caracteriza esse deslocamento e, obviamente, o que há de continuidade entre o
neopentecostalismo e o protestantismo clássico.
Importante contribuição nesse sentido é oferecida por Paulo Siepierski, cujos
trabalhos ressaltam a importância de vincular as crenças teológicas às práticas sociais desse
movimento a fim de poder examinar o fenômeno pentecostal. Na sua perspectiva, enfatiza o
abandono de uma teologia pré-milenarista característica dos primeiros grupos pentecostais para
uma teologia pós-milenarista.

Tais diferenças teológicas são conseqüência de uma mudança na escatologia e


representam um distanciamento substancial dos novos pentecostalismos em
relação aos precedentes. Tal distanciamento salta aos olhos quando percebemos
que, paralelamente ao desenvolvimento, e de certa forma provocando-os, do
conceito de guerra espiritual, da teologia da prosperidade e do abandono dos
sinais externos de santidade, houve uma alteração escatológica importantíssima,
tênue no princípio, mas agora já bastante perceptível. A roda da história girou
novamente, provocando um paulatino abandono do pré-milenarismo e um lento,
porém seguro, retorno ao pós-milenarismo. Tamanho distanciamento indica que
o fenômeno não é simplesmente uma nova forma de pentecostalismo, um
neopentecostalismo, mas de um pós-pentecostalismo. (SIEPIERSKI, 2004, p.
78).
29

Se outrora os pentecostais apresentavam uma ética de contracultura (traço herdado do


protestantismo de missão que aqui aportou), com posturas ascéticas e boa dose de sectarismo
(MARIANO, 1999, p. 100), embasados na esperança conformista da manifestação do Reino de
Deus, agora abandonam essa postura a fim de conquistarem aqui e agora o Reino por meio de
uma ideologia “reconstrutivista” e um projeto de religião hegemônica. Tal projeto pode ser visto
especialmente no forte investimento na política partidária, buscando assumir posições
estratégicas na estrutura social com vistas a impor seus valores à sociedade.
Por isso, Sierpierski, que já apontava para um distanciamento do pentecostalismo em
relação ao protestantismo clássico, sustenta que o neopentecostalismo, que ele denomina pós-
pentecostalismo, é “genealogicamente protestante, mas não o é teologicamente” (1997, p. 52).
Conquanto seja bastante importante a contribuição desse pesquisador, parece um tanto complexo
falar em teologia neopentecostal. Isso porque as igrejas encaixadas nesse perfil dificilmente
possuem uma teologia sistematizada. Obviamente, sua cosmovisão pode ser apreendida pelas
mensagens apregoadas, rituais, simbologia e literatura publicada. Contudo, tais elementos não
facilitariam a vida mesmo do observador mais atento, visto que são incrivelmente mutantes.
Essa flexibilidade teológico-doutrinária não apenas insere esses grupos no perfil
mercantilista como também os distancia de sua matriz religiosa. Uma vez que o importante
mesmo é oferecer o produto, não importando qual seja, a fim de se adaptar às circunstâncias e se
manter no mercado, as igrejas neopentecostais abrem mão da tradição transmitida a séculos pelas
igrejas protestantes históricas e, até certo ponto, também mantida pelas igrejas pentecostais
clássicas.
A fim de avaliar se de fato há um distanciamento da tradição protestante, que pode até
mesmo resultar na conclusão de que tal grupo já não tem mais a ver com sua matriz religiosa, faz-
se necessário conceituar o que vem a ser protestantismo. Tarefa nem um pouco fácil, visto que o
protestantismo, devido às suas características de origem e constituição, apresenta-se hoje bastante
plural e com muitas ramificações.
As várias denominações existentes desde a reforma, as posturas teológicas distintas e
conflitantes entre uma e outra, e por vezes existentes dentro de um mesmo grupo
denominacional, aliada à enorme quantidade de igrejas e grupos religiosos que surgem de tempos
em tempos, muitos deles formados por dissidentes de igrejas protestantes, contribuem para que
30

haja certa complexidade ao analisar e distinguir quais grupos fazem ou não parte do movimento
protestante histórico, identificado com a Reforma Protestante do século XVI.
O próprio Mendonça assume que

“Não há conceito mais confuso do que o do protestantismo. Vemos essa


confusão nos meios de comunicação, em especialistas e nas teses acadêmicas.
São colocados no mesmo espaço classificatório grupos que se excluem
mutuamente assim como o próprio conceito generalizado de protestantes.”
(2008, p. 78).

Em sua exposição sobre as confusões oriundas da tentativa de classificação dos segmentos


cristãos não católicos que possuem alguma identificação com a reforma, ele também comenta que
“a confusão aumenta mais se nos lembrarmos de que nos países de tradição protestante o termo
evangélico (evangelical) designa a ala mais conservadora do protestantismo.” (MENDONÇA,
2008 , p. 78).
Já no Brasil, tem-se a prática de denominar como sendo evangélicos a maioria dos novos
grupos religiosos não católicos e que apresentem certa semelhança ou assumam sua identificação
com as igrejas evangélicas, especialmente com as igrejas pentecostais. Mendonça, além de ter
sido um veemente questionador de tal critério, apresentou o que poderia ser entendido como
protestantismo:

“(...) todo conjunto de instituições religiosas surgidas em consequência da


Reforma religiosa do século XVI nas suas principais vertentes que são a luterana
e a calvinista e que procuram manter os princípios básicos que formam o
princípio protestante de liberdade: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre
exame e o sacerdócio universal dos crentes” (2008, p. 79).

Tal definição, no entanto, não deve restringir a nomenclatura de protestantes apenas aos
grupos originados diretamente da reforma. É evidente que há outras ramificações oriundas de
dissidências desses grupos e que preservam as tradições protestantes.
O que de fato Mendonça quer dizer com esta alegação pode ser compreendido nesta sua
outra fala:
31

“Os posteriores movimentos, que têm recebido o nome genérico de


neopentecostalismo, representam uma ruptura final com o protestantismo.
Qualquer observador atento e conhecedor do protestantismo sabe que nesses
movimentos a Bíblia foi relegada a espaço secundário, e, pelo “livre exame”,
passou a ser usada de forma mágica, e assim por diante. Surgiram práticas
mágicas, objetos com poderes especializados, correntes espirituais e mesmo
alguns deuses estranhos ao cristianismo como, por exemplo, o “deus da corda”,
ou do “nó”, especializado em amarrar ou neutralizar os poderes malignos (os
demônios)” (2008, p. 102).

No entendimento do insigne professor, enquanto o pentecostalismo já dava alguns sinais


de afastamento da tradição protestante, devido sua ênfase na repetição da experiência do
Pentecostes, nas profecias extáticas e na cura divina, o neopentecostalismo não seria de modo
algum um meio termo entre o protestantismo e pentecostalismo, ao contrário, significaria de fato
uma ruptura final com a tradição da reforma.
Conquanto as considerações de Mendonça e Sierpierski sejam bastante oportunas,
acredito ser ainda cedo para endossar tal posicionamento. E, para fins práticos, nas estatísticas do
IBGE (dentre outros institutos de pesquisa) o neopentecostais, pentecostais e protestantes
continuam debaixo do “guarda-chuva” denominado faz algum tempo como “evangélicos”. Essa
vinculação dos neopentecostais com os protestantes e evangélicos talvez ainda se dê comumente
pela manutenção por parte dos primeiros de símbolos que marcam a existência do protestantismo
no Brasil, como, por exemplo, a ênfase na figura de Jesus Cristo 4 e a Bíblia como instrumento
pelo qual se vence o “mundo”, havendo apenas uma resignificação desses símbolos a fim de
adequá-los às necessidades de nossa cultura imediatista, utilitarista e individualista; enfim, ao
dinâmico mercado da fé – que dentre outras coisas, reflete a cultura capitalista.
Evidentemente, não se pode deixar de afirmar a velocidade com que tal movimento vem
rompendo com suas origens. Não apenas isso, suas constantes mudanças e o êxito alcançado
decorrente delas, têm exercido forte influência sobre as demais igrejas, inclusive as ditas
históricas ou clássicas. O que faz com que até mesmo igrejas protestantes e pentecostais

4
A IURD, por exemplo, anuncia na fachada de todos os seus templos, dentro e fora do Brasil, que “Jesus
Cristo é o Senhor”.
32

historicamente tradicionais lancem mão de um modus operandi bastante semelhante ao das


denominações neopentecostais, diante da necessidade de se manterem “vivas” no mercado
religioso. Daí talvez a razão pela qual alguns pesquisadores falem de um “Brasil Neopentecostal”
(ROMEIRO, 2005). Esse fato, contudo, não nos cabe analisar aqui, é matéria para outra
oportunidade.
Diante da complexidade desse campo e os movimentos nele existentes, algumas coisas
não mudam entre os evangélicos em geral, como há tempos atrás, continuam crescendo, assim
como também se mantém seu ethos proselitista, que leva muitas dessas denominações a
investirem em toda forma de comunicação pela qual possam transmitir a sua mensagem, de modo
que “a visibilidade, para eles, tem mesmo um sentido religioso, como expressão do testemunho
das Boas Novas recebidas” (FERNANDES, 1996, p. 03).
O proselitismo, esse, sim, talvez seja o traço mais forte e pelo qual mais se aproximam as
igrejas neopentecostais das suas concorrentes protestantes históricas ou pentecostais clássicas.
Ambos os segmentos carregam em si a firme convicção de que sua fé é a resposta para os
problemas do mundo, e que qualquer um que a ela abraçar terá, certamente, sua vida
transformada.
33

CAPÍTULO II

2 O SINCRETISMO NA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

A maioria dos trabalhos versando sobre pentecostalismo, em determinado momento acaba


dedicando – alguns menos, outros mais – certo número de laudas à fundação e desenvolvimento
da Igreja Universal do Reino de Deus. Tal fato se dá devido à importância que essa denominação
alcançou em âmbito nacional. E aqui não poderemos fugir desse padrão, especialmente em um
trabalho acerca do movimento neopentecostal, cujo “produto institucional mais famoso”
(FRESTON, 1994, p. 131), 36 anos depois de sua fundação, ainda é exatamente a IURD.
Certamente, uma igreja padrão (inspiração) para centenas de novas denominações surgidas a cada
ano no Brasil.

2.1 Breve histórico da IURD

Para falar da gênese dessa denominação, faz-se necessário comentar, ainda que
brevemente, acerca de suas origens mais remotas. Isso porque, antes de fundar a IURD, Edir
Bezerra Macedo, converteu-se, aos 19 anos, ao ouvir uma pregação do evangelista Robert
McAlister (TAVOLARO, 2007, p. 81-82). O referido pregador, antes missionário canadense de
tradição pentecostal, viria a se radicar no Brasil depois de percorrer alguns países em missão. No
Brasil, após servir durante algum tempo a igreja Assembleia de Deus e também realizar
pregações em tendas da Cruzada Nacional de Evangelização (gênese da Igreja do Evangelho
Quadrangular), decidiu iniciar um projeto denominacional pessoal na cidade do Rio de Janeiro.
As primeiras atividades de McAlister seguiram o molde das primeiras ações da Igreja do
Evangelho Quadrangular, com a realização de eventos evangelísticos conhecidos como cruzadas.
A própria IEQ, devido a esses eventos, ainda hoje é conhecida em algumas cidades como
Cruzada Nacional de Evangelização. Os cultos eram realizados em tendas ou estabelecimentos de
grande porte alugados eventualmente, havendo ministrações com forte ênfase na “conversão” e
orações em prol de curas e milagres. Era bastante comum, como ainda o é em muitas igrejas de
34

hoje, a imposição de mãos, na cabeça ou no local da enfermidade. Portanto, havia bastante


proximidade entre o ministro e as pessoas participantes dos cultos.
Com esse perfil, na linha das denominações tipificadas como sendo da segunda onda do
pentecostalismo, o McAlister alugaria o auditório da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) no
Rio de Janeiro. Onde, em 1960, realizaria suas primeiras atividades com a Cruzada de Nova Vida
(MARIANO,1999, p. 52). O início desse trabalho se deu por possuir convicções pessoais que
destoavam do rigor e engessamento comportamental das igrejas pentecostais. Para ele, esse
aspecto resultava na dificuldade de estender a mensagem evangelística às camadas mais
“favorecidas” da população. Isto é, da classe média e média baixa. Posteriormente, ao
fundar sua denominação ainda naquele ano, não obtêm o êxito desejado. Porém, diferente das
outras denominações pentecostais, sua igreja acaba por atingir um estrato social distinto daquele
comumente presente em igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã e Deus é Amor
daqueles dias. Conforme Mariano, tal “fenômeno só viria a se repetir, noutras igrejas e
localidades, a partir da década de 80” (1999, p. 52).
O relaxamento quanto aos usos e costumes, o perfil mais erudito (de formação teológica
mais avançada) e notável capacidade de administração do líder, certamente foram fatores
importantes para o crescimento da recém-formada igreja. Investiu também em programas
radiofônicos e, posteriormente, em programas tele-evangelísticos. Tornou-se, portanto, pioneiro
desse tipo de programação de cunho religioso, hoje tão difundido entre diversas igrejas
evangélicas, e até mesmo entre católicos.
A Igreja de Nova Vida, sob a liderança do bispo Roberto McAlister (como passaria a ser
conhecido), seguiria uma linha de atuação com ênfase nas curas físicas e na libertação espiritual
(ROMEIRO, 2005, P. 45), sendo, obviamente, prática comum a de “expulsão” de demônios,
maneira como geralmente são chamadas as práticas de exorcismo em igrejas evangélicas.
Em 1968, publicou um livreto intitulado "Mãe-de-Santo: História e testemunha de Georgina
Aragão dos Santos Franco - a verdade sobre o candomblé e a umbanda", em que contava a
trajetória de D. Georgina, dos cultos afro-brasileiros até à fé evangélica. Daí pode-se notar a
origem do perfil “antiafro” das igrejas neopentecostais posteriores.
Sendo mais taxativo, nas palavras de Ricardo Mariano:
35

Já na Vida Nova encontramos de forma embrionária as principais características


do neopentecostalismo: intenso combate ao Diabo, valorização da propriedade
material mediante a contribuição financeira e ausência do legalismo em matéria
comportamental (1999, p. 51).

É certo que, ao se referir a “legalismo em matéria comportamental”, Ricardo Mariano


acena para os tradicionais e conhecidos “usos e costumes” das igrejas pentecostais clássicas,
como Assembleia de Deus, por exemplo. É importante esclarecer tal ponto, visto que a INV
manteve posicionamentos comuns aos demais protestantes e evangélicos no que se refere a
comportamento sexual, relações de gênero e literalismo bíblico.
Já Edir Macedo, advindo do catolicismo e com passagem rápida pela umbanda,
permaneceria membro da INV durante doze anos. Até que, “farto do elitismo desta Igreja e sem
apoio para suas atividades evangelísticas, consideradas agressivas, decidiu partir para voos mais
altos.” (MARIANO, 1999, P. 55). Sairia juntamente com Romildo Ribeiro Soares e Roberto
Augusto Lopes para formar outra denominação. A título de informação, três importantes figuras
iniciaram sua vida religiosa na INV e posteriormente fundariam suas próprias igrejas. A saber:
Edir Macedo (IURD), R.R. Soares (Internacional da Graça) e Miguel Ângelo (Cristo Vive).
Antes de iniciar os trabalhos com o nome de Igreja Universal do Reino de Deus, Edir
Macedo, seu cunhado, Romildo Soares e Roberto Lopes organizaram a Cruzada do Caminho
Eterno, que não “prosperou”. Em seguida, iniciam a IURD, no salão de uma antiga funerária no
bairro da Abolição. Passado algum tempo, Romildo Soares e Macedo, por desentendimentos,
haveriam de se separar. Daí a formação, em pouco tempo, da Igreja Internacional da Graça de
Deus. Esse se tornaria um padrão – as cisões – que contribuiria para a expansão das igrejas
pentecostais e neopentecostais em tão pouco tempo. Desse modo, as incontáveis disputas por
poder, os desacordos a respeito de crenças teológicas, aliados à forte noção da necessidade de
evangelizar espalharam evangélicos pentecostais sobre todo o território nacional (ALMEIDA,
2009, 37).
36

2.1.2 Expansão

O crescimento de igrejas evangélicas em geral se dá essencialmente pela difusão


geográfica de seus templos. Cada denominação tem sua forma de encarar esse projeto ou missão.
Possuir templos em grandes capitais, cidades de médio porte e em boa localização proporciona
grandes expectativas de implantação de outros templos ao redor dessas cidades e também no
interior dos estados. Nesse sentido, a expansão da IURD impressiona desde o seu início. Como
enfatiza Mariano (2004), nenhuma “outra denominação evangélica cresceu tanto em tão pouco
tempo no Brasil”.
Seus dados realmente impressionam:

Em 1985, com oito anos de existência, já contava com 195 templos em catorze
Estados e no Distrito Federal. Dois anos depois, eram 356 templos em dezoito
Estados. Em 1989, ano em que começou a negociar a compra da Rede Record,
somava 571 locais de culto. Entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu
2.600%. Nos primeiros anos, sua distribuição geográfica concentrou-se nas
regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador. Em
seguida, expandiu-se pelas demais capitais e grandes e médias cidades. Na
década de 1990, passou a cobrir todos os Estados do território brasileiro, período
no qual logrou taxa de crescimento anual de 25,7%, saltando de 269 mil (dado
certamente subestimado) para 2.101.887 adeptos no Brasil, de onde se espraiou
para mais de oitenta países. Em todos eles, conquista adeptos majoritariamente
entre os estratos mais pobres e menos escolarizados da população (MARIANO,
2004).

O investimento pesado em telecomunicações (rádio e tv), que proporciona à IURD ampla


exposição midiática, o envolvimento na política partidária e em atividades diversas do mercado
empresarial, a constitui como uma das mais fortes igrejas brasileiras (com cerca de 1. 873. 243 de
fiéis); no entanto, ainda encontra-se numericamente menor do que as Assembleias de Deus (12.
314. 410), a Congregação Cristã do Brasil (2.289.634) e, por fim, a Igreja Batista (3.723.853),
segundo dados do último Censo do IBGE (2010).
37

Não obstante, dessas mencionadas, pode-se dizer que somente a Congregação Cristã do
Brasil sirva de paralelo para uma comparação sólida com a IURD. Isso porque desde sua
fundação, a CCB mantém-se quase inalterada em seus costumes e tradições e, mais importante
para nós, em seu sistema de governo. Já as Assembleias de Deus constituem, na verdade, um
conglomerado de redes de igrejas/ministérios que compartilham do mesmo nome (como um
sistema de franquia) 5 em função de uma identificação com o tipo específico de pentecostalismo;
e os Batistas, por sua vez, subdividem-se entre os da Convenção Batista Brasileira, Convenção
Batista Nacional (Renovados) e Aliança de Batistas do Brasil (isso sem falar nas pequenas igrejas
independentes que se consideram batistas mas não se encontram filiadas em nenhum desses
grupos). A partir dessa análise, a IURD, enquanto denominação coesa, una, encontra-se apenas
atrás da CCB.
Mesmo assim, essa posição no ranking talvez ainda seja insatisfatória para seus líderes,
mais exatamente para “o cabeça” da instituição, Edir Macedo. Leia-se o nome da denominação.
Aliás, esse é um ponto interessante, o “espírito” de expansão das denominações neopentecostais
pode ser notado em seus próprios nomes (Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Mundial
do Poder de Deus, Igreja Cristã Mundial, dentre outros mais peculiares). E, de fato, a IURD está
espalhada por toda a América Latina e também fora dela. Em seu site, a igreja se gaba de estar
presente em cerca de 200 países 6 e em um dos portais de internet pertencentes ao grupo
empresarial de Edir Macedo, o R7, uma nota sobre o aniversário da igreja a enaltece por possuir
fieis advindos das “diferentes classes sociais, como médicos, juízes e trabalhadores mais
humildes.” 7
Acerca disso, Freston havia comentado que, desde a sua fundação, a denominação já
havia conseguido “em pouco mais de uma década o que levou gerações para outros grupos
pentecostais: a diversificação substancial de sua base (1994, p. 135)”. Tal conquista pode ser
atribuída a diversos fatores, dentre eles o diversificado “cardápio” oferecido nos cultos da

5
Para conhecer mais sobre as Assembleias de Deus e suas estruturas, bastante oportuna é a leitura da tese
de doutorado (PUC-SP) de Marina A. dos Santos Corrêa (2012), A operação do carisma e o exercício do
poder: A lógica dos Ministérios das igrejas Assembleias de Deus do Brasil. Certamente um trabalho de
fôlego, que ousou esmiuçar esse complexo aspecto de um dos mais importantes grupos pentecostais
brasileiros.
6
<http://www.arcauniversal.com/institucional/noticias/vai-viajar-para-fora-do-brasil-visite-a-iurd-no-
exterior-10616.html> visitado em 25 de agosto de 2013, às 01h59min.
7
<http://noticias.r7.com/brasil/noticias/expansao-da-igreja-universal-pelo-mundo-ja-atinge-quase-200-
paises-20120818.html> visitado em 25 de agosto de 2013, às 02h05min.
38

Universal. Havendo ministrações voltadas para a resolução de questões amorosas, doenças físicas
e problemas financeiros. Independente da necessidade dos fiéis, na visão iurdiana, o problema é
sempre de ordem espiritual. Daí a IURD se constituir basicamente em um “supermercado” da fé.
E não só na oferta de bens de acordo com a demanda, mas também em sua estratégia de ocupação
dos espaços geográficos dos locais em que pretende se instalar.
No geral, igrejas pentecostais e protestantes clássicas iniciam seus trabalhos
evangelísticos em “pontos de pregação”, os quais frequentemente consistem em residências de
pessoas que já se converteram à religião evangélica ou mesmo gente simpatizante das atividades
em questão. Posteriormente, conforme a comunidade de fé começa a se estabelecer, é que se
inicia a movimentação para o aluguel ou construção de um templo a fim de comportar os fiéis.
Não se dá assim com as grandes denominações neopentecostais,

primeiro é instalado o templo para depois se obter adeptos. E, ao contrário das


paróquias católicas, que fundam centralidades locais, os templos da Universal
são construídos em lugares com intensas dinâmicas urbanas já estabelecidas.
Não por acaso eles se encontram próximos a terminais de ônibus e pequenos
centros comerciais (ALMEIDA, 2009, p 54).

A Universal já raramente investe em um estabelecimento nos moldes do pequeno salão


em que o Bispo Edir Macedo iniciou suas atividades religiosas,

Sua estratégia de localização (...) e a arquitetura dos templos (catedrais com


amplos salões e poucas subdivisões espaciais) sugerem uma prática religiosa de
fluxo e massa bastante adequada à dinâmica urbana. Seus templos, assim como
os da Igreja Católica, permanecem com as portas abertas durante todo o dia, e
neles são realizados de três a cinco cultos diariamente. A qualquer momento é
possível recorrer com facilidade a um templo da Universal e ao seu “socorro
espiritual” (ALMEIDA, 2009, p 55).

O “socorro espiritual” é oferecido nos moldes da sociedade de consumo. Os templos,


como fora dito por Almeida, salões amplos abertos durante a maior parte do dia, podem muito
bem ser equiparados a “supermercados”, neste caso, supermercados da fé. Os “produtos”
39

oferecidos, ainda que de apelo espiritual, são compatíveis com as demandas do mundo
contemporâneo, geralmente são bênçãos materiais. O que não difere, em geral, do histórico de
outras denominações. Afinal, como asseverou Weber, fazendo menção ao verso 3 do capítulo 6
do livro de Efésios: “A ação religiosa ou magicamente motivada, em sua existência primordial,
está orientada para este mundo. (...) ‘para que vás bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face
da Terra.’” (1991, p. 279).
Para tanto, observaremos mais adiante o perfil neopentecostal iurdiano em relação ao seu
tempo. Como ela interage com as demandas de uma sociedade de consumo ávida por conquistas
imediatas, utilitárias e que permita ao indivíduo encontrar a realização pessoal aqui e agora.

2.2 IURD: um reflexo da contemporaneidade

Com as alterações que se dão no seio da sociedade de geração em geração, evidencia-se o


engessamento de determinadas instituições que permaneceram estacionadas em suas práticas e
crenças sem conseguirem se adaptar às novas demandas da vida. Arcaicas, caducas ou
petrificadas, essas e outras expressões costumam ser utilizadas a fim de denominar aquelas que
não resistiram à força das eras.
Entretanto, há que se dizer que, no campo religioso, grupos e movimentos novos surgem
de tempo em tempo saídos das instituições em que se originaram. Propondo renovação, e muitas
vezes, a fim de se mostrarem legitimados pela história, fazendo releituras do passado, ao qual
certamente estão ligados por um elo invisível que os torna filhos e filhas de um mito fundante,
que justificaria a sua própria existência.
Não seria diferente no protestantismo. Especialmente nele, que, pelos ideais da Reforma,
proporcionou a possibilidade de cisões de todo tipo, viabilizadas pelo livre exame das escrituras e
o sacerdócio universal, que às vezes pode resultar na crença da liberdade diante de Deus e das
instituições em relação à sua fé. No Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus é uma das formas
de expressão mais característica desse fenômeno. E, de modo bastante peculiar, têm conseguido
dialogar não somente com o passado do qual faz parte (o movimento protestante evangélico)
como também aparenta grande habilidade em dialogar com seu tempo.
40

2.2.1 O perfil da sociedade contemporânea e suas influências na religião

Conquanto a religião tenha preenchido, em algum momento, o vazio do ser humano e


conseguido atuar como uma força que lhe permitia suportar e vencer as dificuldades da existência
(DURKHEIM, 1989, p. 493), hoje existe outras realidades, fenômenos e até objetos que
cumprem a função que outrora era tarefa da religião. O mundo contemporâneo está pronto para
produzir respostas, ainda que improvisadas e provisórias, para os questionamentos do ser
humano, que, ao que nos parece, continuam girar em torno da busca pelo significado e o sentido
da vida. Como advertia Rubem Alves,

O que ocorre com frequência é que as mesmas perguntas religiosas do passado


se articulam agora, travestidas, por meio de símbolos secularizados [...]
Promessas terapêuticas de paz individual, de harmonia íntima, de liberação da
angústia, esperanças de ordens sociais fraternas e justas, de resolução das lutas
entre os homens e de harmonia com a natureza, por mais disfarçadas que estejam
nas máscaras do jargão psicanalítico/psicológico, ou da linguagem da sociologia,
da política e da economia, serão sempre expressões dos problemas individuais e
sociais em torno dos quais foram tecidas as teias religiosas. (ALVES, 1999, p.
12)

Faz-se necessário reconhecer no ser humano uma condição de busca, de necessidade e de


carência, uma preocupação com o sentido último das suas ações, assim como o medo diante do
desconhecido, daquilo que foge ao seu controle. Mas, também há de se reconhecer que, na
sociedade atual, esta busca de sentido tem sido redimensionada (suscitada), sendo mais o
resultado dos parâmetros que tal sociedade estabeleceu como valores do que, de fato, uma
necessidade propriamente decorrente da condição humana. Nesse sentido, a própria sociedade
contribui para a construção de novos vazios e novas necessidades para as quais ela também provê
as respostas – praticamente, um círculo vicioso. Porém, sabe-se que seu tempo de validade é
relativamente curto (LIPOVETSKY, 2005, 2007), tornando o ser humano escravo de uma busca
incessante.
41

A mídia apresenta-se como um bom exemplo dessa substituição da função religiosa; é ela
que hoje parece sustentar os imaginários e os ideais de vida das pessoas, e por sua mediação é
que se idealiza outro mundo, uma outra realidade e que se continua a sonhar (também sonhos
efêmeros). Porém, mais do que um sonho como ato positivo que gere fé no futuro, assim como
motivação para agir além de sua realidade particular, o ser humano na sua existência
“midiatizada”, ocupa-se a sonhar em alcançar os padrões absurdos e insustentáveis de poder,
beleza ou fama, os quais aumentam sua frustração, seu egoísmo e sua solidão.
Acerca dessa relação entre o religioso e o ser humano de nossos dias, Jean Paul Willaime
afirma, ao falar especificamente da privatização do religioso, que há um enfraquecimento do
suporte comunitário – outrora tão evidente e, ao mesmo tempo, tão valorizado – da vida religiosa
na medida em que a mídia permite acolher em seu seio um pregador, sem que seja necessário
reagrupar-se com outras pessoas nos bancos de uma igreja (2002, p. 53). As formas de
experimentar o sagrado parecem estar em constante movimento graças a uma forma de vida cada
vez mais midiatizada.
Enquanto o sujeito hodierno, herdeiro da Modernidade, estabelece as ligações religiosas
que respondam à sua necessidade particular, a instituição se depara hoje com a tarefa de
“fidelizar” os seus adeptos, no intuito de assegurar sua continuidade e, assim, sua própria
existência. Diante das múltiplas instituições produtoras de sentido que concorrem entre si na
sociedade contemporânea, a instituição religiosa se defronta com o desafio constante de melhorar
a cada dia (o mais rápido possível) sua oferta religiosa num mercado cada vez maior. De modo
geral poderíamos afirmar que a religiosidade que o ser humano experimenta e assiste nessa era
tem as características afirmadas por Marcel Gauchet:

[...] una religiosidad difusa que no se preocupa de darse una forma o de


encuadrarse en el marco de las religiones históricas constituidas. Ése podría ser
de manera amplia el rostro futuro del fenómeno religioso. Pasamos de la edad
política de las religiones a su edad antropológica (2009, p 296)

Para tanto, pode-se arriscar em dizer que a religião que hoje é experimentada constitui-se
em produto de um processo histórico bastante complexo. Curiosamente, essa mesma realidade é
que também a torna imprevisível. Assim sendo, afirmar categoricamente o que ela será no futuro
pode ser um equívoco. Mais que isso: uma desconsideração da sua natureza, do seu caráter
42

profundamente humano. Em meio a um tempo no qual a religião perde sua plausibilidade política
e social, mas que ainda consegue se manter e até aumentar as crenças individuais, esporádicas e
diversificadas nos sujeitos, é preciso nos situar na função que ela desempenha na sociedade atual
para tentar conceber o rumos e suas consequências mais imediatas para a sociedade.
Na verdade, o poder de determinar a função dos sistemas religiosos está hoje no sujeito e
não na religião institucional. Sendo o sujeito quem determina até que ponto a religião que ele
pratica, ou na qual ele acredita, funciona para si e em que medida. Isso, considerando que a
religião na sociedade contemporânea converteu-se um bem de consumo, uma das tantas coisas
que se acham no mercado; ela tornou-se produto e, como tal, pode ser trocado muitas vezes de
acordo com a necessidade, ou melhor, com o gosto e o desejo do cliente. Não obstante, a religião
ainda é procurada para legitimar as ações e os estilos de vida de muitas pessoas, ela ainda
consegue influenciar e até regular, não de uma maneira total, mais significativa, os cotidianos dos
sujeitos religiosos. Quer dizer, ela ainda é uma matriz provedora de significações para os
indivíduos, e por isso, conserva certa relevância na sociedade.
É importante frisar também que na atualidade, ainda que possa parecer um paradoxo, há
um fortalecimento dos fundamentalismos religiosos, quer dizer, uma preocupação de parte das
instituições por manter o poder religioso através da recuperação da tradição e do reforço dos
dogmas e doutrinas. Em decorrência disto, para Cupitt, a religião se assemelha a um incomodo
sobrevivente do passado, “uma forma local e tradicional de simbolizar, atuar e combativamente
afirmar a própria identidade étnica distinta e pessoal, diante de ameaça de assimilação pelo
anonimato abrangente da nova cultura global” (1999, p. 9). As implicações da nova realidade
global estão levando muitas pessoas a procurarem refugio no canto seguro de um sistema
religioso autoritário, que possa lhes oferecer uma alternativa absoluta “diante das agonias da
escolha numa cultura cada vez mais plural” (DA SILVA, 2007, p 12).
A dimensão religiosa é uma realidade hoje “reduzida” à consciência humana, não deveria,
portanto, afetar a realidade objetiva, mantendo-se no âmbito da subjetividade e na intimidade da
prática individual e esporádica dos sujeitos, que nem sempre se consideram religiosos. Os
símbolos religiosos e mesmo as doutrinas não tem o mesmo significado nem os mesmos usos que
na antiguidade, eles são constantemente (re)significados e usados junto a um sem-número de
outros símbolos tomados daqui e dali para satisfazer o sentimento religioso, que parece
prevalecer.
43

Conforme mencionado, a religião é hoje uma realidade reduzida à consciência humana,


não devendo então afetar a realidade objetiva. Porém, ela resiste, adapta-se à realidade vigente e
mostra-se poderosamente mutante, negando-se a partir. Nesse contexto, novos movimentos
religiosos e novas roupagens de grupos outrora já existentes parecem não apenas surgir, mas
também florescer. Nesse cenário religioso encontram-se, dentre outras tantas, o
neopentecostalismo enquanto movimento religioso característico desse tempo. De tal forma que,
para seguir adiante avaliando seus aspectos e suas características específicas, de modo particular
o sincretismo, importa aprofundar a reflexão sobre a contemporaneidade e, por conseguinte,
como este se conjuga a ela a fim de se manter vivo diante do diversificado mercado religioso
existente – tarefa esta que será realizada logo adiante.

2.2.2 Uma igreja Hipermoderna?

Há várias teorias a respeito do tempo presente, da era em que vivemos. Pós-modernidade


(LYOTARD), modernidade líquida (BAUMAN), ultramodernidade, ou mesmo modernidade
como processo inacabado (HABERMAS), dentre outras tentativas. Cada uma delas objetiva
esmiuçar as características desse período que, pelo menos nisso parece haver certa concordância,
difere-se substancialmente do período da história denominado Modernidade.
Por outro lado, conforme afirma Paulo Dario Barreira (1999, p. 185), não há divergências
acerca do que representou a Modernidade para as sociedades ocidentais. Segundo o pesquisador,
especificamente após a revolução industrial, há uma “ruptura radical” entre um perfil de
sociedades tradicionais (nas quais a vida em todas as suas esferas fundamentava-se e encontrava
sentido a partir da orientação religiosa) para um tipo de sociedade baseada na racionalidade
humana. Dentre os fatores que contribuíram para que as sociedades caminhassem nessa direção,
estão o surgimento e expansão do protestantismo – sobretudo o luteranismo e o calvinismo – este
último com seu pensamento religioso fortemente mundano (intramundano, como diria Max
Weber) e a ascensão do capitalismo.
Acerca desse período atual, contudo, há diversos questionamentos e alegações. Dentre
esses, alguns pensadores afirmam uma ruptura com a Modernidade enquanto outros, por sua vez,
44

acreditam que esse tempo é caracterizado especialmente pela radicalização (GIDDENS, 1991,
1999) ou exacerbação das características da Modernidade (LIPOVETSKY, 2004).
Nesse sentido, o filósofo Gilles Lipovetsky tem sua contribuição, argumentando em favor
da ideia de transição na qual há tanto ruptura quanto continuidade, sobretudo de uma
continuidade maximizada de grande parte das características da sociedade Moderna; para tanto, o
estudioso prefere usar o termo Hipermodernidade ao se referir aos tempos hodiernos. Como já
mencionamos acima a respeito da ideia de exacerbação, o prefixo “hiper” pretende justamente
apontar para esse aspecto.
Para Lipovetsky, contudo:

Longe de decretar-se o óbito da modernidade, assiste-se a seu remate,


concretizando-se no liberalismo globalizado, na mercantilização quase
generalizada dos modos de vida, na exploração da razão instrumental até a
"morte" desta, numa individualização galopante. Até então, a modernidade
funcionava enquadrada ou entravada por todo um conjunto de contra- pesos,
contra-modelos e contra-valores. O espírito de tradição perdurava em diversos
grupos sociais: a divisão dos papéis sexuais permanecia estruturalmente
desigual; a Igreja conservava forte ascendência sobre as consciências; os
partidos revolucionários prometiam outra sociedade, libertação do capitalismo e
da luta de classes; o ideal de Nação legitimava o sacrifício supremo dos
indivíduos; o Estado administrava numerosas atividades da vida econômica. Não
estamos mais naquele mundo (2004, p 55).

O processo de secularização, resultante dos valores apregoados pela Modernidade, chega


a seu ápice nas sociedades ocidentais. Encerrando à vida privada valores tradicionais antes
sustentados por nações inteiras. Não que o tradicional, o religioso, em especial, tenha
desaparecido. Ao contrário, a privatização de determinados aspectos da vida cotidiana antes
tomados como públicos e de senso comum favoreceu que pululassem as mais diversas crenças
religiosas, uma vez que a hegemonia da religião cristã, notadamente a Igreja Católica e o
protestantismo, deixa de existir.
É nesse contexto que se dá o surgimento das denominações neopentecostais, nas quais se
pode notar os elementos que Lipovetsky aponta como sendo típicos desses tempos
45

hipermodernos. Em outras palavras, igrejas moldadas para atender ao padrão consumista


resultante de uma economia global capitalista, fortemente utilitária, individualista (acima de tudo
o bem-estar do indivíduo), de valores e busca efêmeras, cuja flexibilidade e superficialidade dos
vínculos e relações parecem permear a sua existência.
Dentre as várias considerações já feitas a respeito do êxito da Igreja Universal no Brasil e
em determinados países estrangeiros, talvez o mais importante seja reafirmar que ela pode ser
vista como um empreendimento religioso que se comunica com seu tempo. É claro que no geral,
suas crenças não revelam nada de muito novo em termos de religião, posto que sustentam
dogmas tradicionais do cristianismo conservador. Mas a transposição de suas crenças para a vida
cotidiana, e os discursos a respeito delas, apresenta-se como uma reedição de velhas narrativas,
que, entretanto, estão de total acordo com o espírito do tempo.·.
Em outras palavras, o neopentecostalismo iurdiano em geral oferece uma forma de
religião cristã, oriunda do protestantismo, mas que põe Deus à disposição do indivíduo e as
demandas geradas pela sociedade de consumo. Portanto, a IURD oferece-se como solucionadora
dos maiores anseios da mulher e do homem deste tempo: as curas acontecem em dias específicos
da semana, devem ser imediatas, a saúde e bom emprego não podem faltar ao crente e à crente
fieis e, por fim, dentre tantas necessidades prementes que precisam basicamente ser atendidos de
imediato, a satisfação emocional, leia-se, da vida amorosa.
Ricardo Mariano chegou a referir-se às práticas da IURD em termos de
“institucionalização da magia”, poderia, entretanto, ter dito “mercantilização da magia”. A razão
para tal afirmação, os pastores ensinam seus fiéis a manipularem o poder divino através de
rituais, práticas e palavras de poder. Quando a IURD surgiu com a famosa frase “colocar Deus na
parede” e outras igrejas neopentecostais, como a Internacional da Graça, por exemplo, seguiu
seus passos falando sobre “exigir” de Deus, com base em seus Direitos, inaugurou um novo perfil
de espiritualidade entre os evangélicos. O poder de Deus em favor das demandas do século XXI.
O antropólogo Wagner Gonçalves da Silva, ao comentar esse aspecto da IURD, aponta
para a substituição do conceito de Graça – de fato, um conteúdo teológico caro ao protestantismo,
segundo o qual tudo o que é concedido ao devoto o é pela vontade absoluta de Deus, e não por
critérios de merecimento – por uma expressão religiosa com ares jurídicos, de barganha. Em
certo modo um “toma lá, dá cá”, no qual o fiel contribui (em geral) financeiramente e,
fundamentado nessa ação, exige que Deus cumpra sua parte. Esse conteúdo é encontrado nas
46

pregações de diversas igrejas neopentecostais e, também, no famoso livro O perfeito Sacrifício,


de autoria do Bispo Macedo; também em Exija seus Direitos, de autoria de R.R.Soares.
As palavras a seguir refletem o pensamento de Edir Macedo a respeito da vida de um
cristão genuino,

Todas as conquistas da vida têm o preço do sacrifício. Tudo tem o seu preço. Se
o objetivo que eu quero alcançar é muito alto, então alto também será o preço do
sacrifício que terei de pagar. Quanto maior é a conquista, maior também será o
sacrifício para consegui-la (2001, p. 22).

Já R.R. Soares, vai além, afirmando que a palavra “pedirdes”, no texto bíblico que diz “E tudo
quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho”, de João 14:13,
fora traduzida erradamente, pois deveria ser entendida como “exigirdes” ou “determinardes” (2000, p. 42).
Para Soares, "continuar orando, pedindo, suplicando por algo que já é seu é declarar que a Palavra do
Senhor pode não ser a verdade" (2000, p. 45). Diferente dos primeiros pentecostais, que exortavam uns
aos outros a fim de suportarem resignadamente o sofrimento desta vida, sugere que tal sujeição pode dar
lugar ao diabo (2000, p. 78).
A combatividade desses termos (exigir, determinar, pagar o preço) reflete a gana de uma
sociedade sujeita aos valores do capital, na qual a agressividade e perspicácia na busca pelo
sucesso impõem-se como fundamental. E, diante disso tudo, convém lembrar das palavras do
teólogo R. Niebuhr, quando afirmou que “a vida religiosa é tão entrelaçada com as circunstâncias
sociais que a formulação da teologia é necessariamente condicionada por elas” (1992, p. 18).
Nessa sua declaração, Niebuhr contribui a fim de que estudioso algum se deixe levar
ingenuamente pela ideia de que as transformações e posturas assumidas pelas religiões se deem
meramente por questões de convicção teológica, sendo profundamente necessário conhecer e
avaliar o tempo e lugar em que tais posturas passam a ser sustentadas.
Isso posto, não é de se admirar que em um período de grandes transformações sociais,
econômicas, culturais, uma denominação evangélica como a IURD encontre êxito em suas
atividades. Na verdade, encontra um terreno existencial propício para sua implantação,
crescimento e, talvez, até estabilização – em um cenário de rápida transformação e criticamente
mutante, portanto instável.
47

De um lado, o processo de racionalização faz diminuir cada vez mais a


ascendência da religião sobre a vida social; de outro, ele, com seu próprio
movimento, recria exigências de religiosidade e de enraizamento numa
“linhagem crente”. Também aqui, evitemos identificar as novas espiritualidades
a um fenômeno residual, uma regressão ou arcaísmo pré-moderno. Na realidade,
é do próprio interior do cosmo hipermoderno que se reproduz o religioso, na
medida em que esse cosmo gera insegurança, confusão referencial, extinção de
utopias seculares, ruptura individualista do vínculo social. No universo incerto,
caótico, atomizado da hipermodernidade, cresce também a necessidade de
unidade e de sentido, de segurança, de identidade comunitária - é a nova chance
das religiões. De todo modo, o avanço da secularização não leva a um mundo
inteiramente racional em que a influência social da religião declina
continuamente. A secularização não é só a irreligião; ela é também o que
recompõe o religioso no mundo da autonomia terrena, um religioso
desinstitucionalizado, subjetivado, afetivo (LIPOVETSKY, 2004, p. 55).

É importante destacar aqui o termo “desinstitucionalizado”, visto que não se aplica às


igrejas neopentecostais. São elas rigidamente organizadas, possuindo uma estrutura institucional
muito bem definida e engendrada. Apesar disso, apresenta uma grande flexibilidade em sua
relação com a membresia, de modo que alguns até cheguem a dizer que não possua um rol de
membros sólido 8. Assim, diferente das igrejas pentecostais clássicas, o trânsito (entrada e saída)
de fiéis é constante. Por isso, é plausível que, para encarar o aspecto precário dessa realidade – o
trânsito religioso –, a IURD lance mão de práticas sincréticas, dentre outros recursos, a fim de
atingir o maior número possível de pessoas.

8
Apesar disso, pode-se notar, mais nos últimos anos, uma tentativa da IURD de apresentar uma
membresia que teria passado por diversas fases da igreja (pratas da casa). O que pode caracterizar um
período de transição da igreja, na qual busca consolidar-se enquanto instituição possuidora de tradições e
raízes sólidas, o que, sabe-se, conferiria a ela mais respeitabilidade social. Outros aspectos sustentam essa
tese, como, por exemplo, a construção, no Bairro do Brás, do Templo de Salomão, ou as literaturas
biográficas acerca da trajetória de Edir Macedo (O Bispo, história revelada de Edir Macedo; e a série em
vários volumes Nada a Perder). Com o avanço da idade de seu líder-mor, parece haver uma tentativa
deste de transmitir, de modo explícito, um legado objetivo aos seus herdeiros espirituais. Pode-se
encontrar nesse endereço eletrônico testemunhos de bênçãos de membros e obreiros que aderiram a IURD
em seus primórdios: <http://www.arcauniversal.com/noticias/obreiros/noticias/prata-da-casa-testemunhos-
de-fe-e-perseveranca-dos-primeiros-membros-da-iurd-9496.html> Visitado em 25 de agosto de 2013, às
12h30min.
48

E no Brasil, assim como na América Latina em geral, não apenas encontra um solo fértil
para tal especificidade como também beneficia-se do espírito dessa época (já analisado aqui
anteriormente), isto é, um tempo marcado pela fluidez dos valores e crenças; de uma sociedade
utilitarista orientada em boa parte pelas diretrizes do capitalismo selvagem, segundo as quais
pouco importa o conteúdo e a origem dos bens oferecidos, desde que sejam funcionais. Nesse
sentido, para os fieis torna-se bem menos importante a forma e a procedência dos elementos
contidos nas mensagens dos bispos e pastores neopentecostais do que o resultado satisfatório que
essas podem lhe conferir.

2.2.3 Sincretismo iurdiano: uma estratégia exitosa

Dos grupos religiosos ocorrentes no Brasil, os evangélicos têm sido os que mais estão
expostos à sociedade brasileira. Desses, os neopentecostais são os que sobressaem, basicamente
em decorrência de sua atuação na mídia – televisão, rádio e jornal, respectivamente de acordo
com a importância desses veículos para as maiores denominações – e presença massificada na
sociedade. Entretanto, não apenas por essas razões, mas também pela intensidade (ou seria mais
adequado dizer “agressividade”?) com que se valem desses instrumentais.
A IURD, modelo e padrão para inúmeras outras igrejas menores, possui predicados
bastante extravagantes. Já em 1994, Paul Freston elencava algumas de suas muitas facetas nesse
sentido:

Em uma só página da Folha Universal, lemos a respeito dos seguintes símbolos:


o Pão da Fartura, a Maçã do Amor, a Rosa Consagrada, o Nardo Ungido, a Sarça
dos Milagres, o Sabão em pó Ungido e uma mesa de frutas simbolizando a
prosperidade. Sem falar na reunião da Paz (“os participantes comparecerão
vestindo uma blusa branca e carregando uma rosa branca”) e na Vigília do
Clamor de Jonas (“os participantes se concentrarão dentro da representação
simbólica de uma baleia”) (p. 138).
49

De lá para cá essa feição da IURD não se alterou, apenas se diversificou. Até porque a
demanda da “clientela” está sempre ávida por novidades. Enquanto o discurso de denominações
como a Universal e Internacional da Graça mostra-se sempre bastante repetitivos, lidando com
problemas sempre tão corriqueiros e oferecendo evidentemente um parecer de cunho espiritual,
lançando a culpa sobre os demônios, “O que varia são as formas dos rituais, bem como o modo
de participar deles e o sacrifício (a quantia em dinheiro) exigido para o fiel habilitar-se a receber
as bênçãos desejadas ou propostas” (MARIANO, 1999, p.134).
Esse segmento do movimento evangélico brasileiro parece não ter tido dificuldade em se
delinear e forjar pontos de intersecção entre as crenças, o jeito de ser e, principalmente, entre
religiosidade popular brasileira e à fé que se lhes propõem ser seguida: a evangélica. Isso pode
ser evidenciado nos elementos apresentados, dessa vez por Ricardo Mariano, e que podem ser
encontrados nos trabalhos realizados em denominações neopentecostais como a IURD, dentre
outras:

(...) Universal e Internacional, mediante o pagamento de ofertas espirituais,


distribuem aos fiéis rosa, azeite do amor, perfume do amor, pó do amor,
saquinho de sal, arruda, sal grosso, aliança, lenço, frasquinhos de água do Rio
Jordão e de óleo do Monte das Oliveiras, nota abençoada (xérox de cédula
benzida), areia da praia do Mar da Galiléia, água fluidificada, cruz, chave, pente,
sabonete. Tal como na umbanda e no catolicismo popular, recomenda-se que
eles sejam ora guardados na carteira, carregados no bolso e daí por diante (1999,
p34).

Obviamente, essa conduta é assumida objetivando arrebanhar fiéis. Aproveita-se então da


mentalidade e elementos simbólicos disponíveis no campo religioso brasileiro, facilitando-se
assim a aceitação de sua mensagem. Assim, na ânsia de conquistar devotos do catolicismo
popular e participantes de cultos afro, é comum a realização de atividades paralelas às realizadas
por esses cultos. As balas ungidas entregues nos cultos em dias de São Cosme e Damião, as
práticas evangelistas em cemitérios no dia de Finados ou a entrega de rosas no Domingo de
Ramos a fim de ajudar a superar as saudades das palmas levadas nas procissões católicas são
exemplos disso (MARIANO, 1999, 135).
50

Em se tratando do panorama nacional, pode-se dizer que desde cedo, ao passo em que se
erigia uma sociedade peculiarmente brasileira – um povo resultante de uma série de misturas
étnicas, culturais e religiosas –, a fé cristã (especificamente a Católica Romana) teve de duelar
com crenças de diversos matizes. Conquanto a cristianização do Brasil tenha sido inicialmente
agressiva, solapando a cultura e as crenças dos índios e, logo depois, dos negros trazidos para
trabalharem como escravos, não se pode falar em vencedor neste duelo. Basta olhar para o
cenário religioso brasileiro para perceber a existência de dois tipos de catolicismo. O catolicismo
clerical, teologicamente elaborado e dogmatizado, e o catolicismo popular, eivado de
superstições e elementos originários dos cultos afro-ameríndios 9.
Sem dúvida, houve uma absorção dos elementos das crenças indígenas e africanas,
fundindo-se com o catolicismo português (que já veio com sua parcela de sincretismo). Para
verificar tal afirmação, vale a pena dar atenção às celebrações religiosas dos povos do norte e
nordeste brasileiro – não que nas outras regiões também não ocorra o sincretismo, contudo nos
Estados que compõem essas regiões nota-se mais fortemente a mistura religiosa ocasionada dessa
interação.
Na Umbanda, Cristo é Oxalá e Satanás, Exu; São Jorge (Santo Católico), tido como
Ogum. Iemanjá e a “Nossa Senhora” (apenas Maria para os protestantes) compartilham o mesmo
altar que uma série de divindades. Ao olhar fervoroso dos fiéis, não há menor incompatibilidade
entre tais personagens da fé. O tipo de análise – purista – que aponta para uma essência ou raízes
puras da religião no cristianismo frequentemente é oriunda de teólogos e leigos conservadores e
reflete um olhar, como já fora dito, ingênuo ou pretensioso. Do lado protestante, entretanto, o
segmento que mais se abriu ao sincretismo foi o movimento pentecostal.
Propagando-se entre as camadas mais pobres da população, assim como o catolicismo, o
pentecostalismo absorveu certos elementos das religiões anteriormente seguidas pelos seus
adeptos convertidos. A título de exemplo, manteve forte ênfase em operações miraculosas e
crença na intervenção sobrenatural por meio dos próprios membros da comunidade de fé,
instigou a busca por revestimentos sobrenaturais, abriu espaço para uma liturgia que comportasse
orações em voz alta e gestos extravagantes, liberdade para pular e saltar nas reuniões da igreja,

9
Para aprofundar no assunto, recomendo o livro de Afonso. M.L. Soares, Interfaces da Revelação,
pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso no Brasil.
51

orações marcadas pela glossolalia 10 e êxtases, práticas antes impensadas aos protestantes
tradicionais. Certamente, representa a manifestação mais latinoamericana do cristianismo, um
protestantismo de perfil bem mais emocional que aquele de formas mais rígidas e com ênfase no
racional.
Dentre os grupos que foram surgindo dentro do movimento pentecostal, os
neopentecostais seriam os que mais encarnariam esse perfil. Mais claramente, essas igrejas
maximizariam as práticas antes assumidas por pentecostais e ultrapassariam os limites antes não
transpostos por estes. De forma que amuletos, objetos sagrados, flores, água benzida (orada ou
ungida, na terminologia que utilizam) seriam características sempre presentes nessas
denominações. Além disso, do legado pentecostal, reforçariam a concepção dualista do bem e do
mal, e elaborariam uma teologia superficial 11 sem muitas implicações no âmbito social, mas que
na dimensão individual funda-se na relação de troca com o divino. De forma que, contribuindo
financeiramente com a Igreja, a benção será concedida (comparecendo sete sextas-feiras em
determinada campanha, o sonho será realizado). Uma olhada nos programas neopentecostais na
mídia televisiva basta para se ter uma noção de como se tem desenvolvido essa nova
manifestação religiosa.
As liturgias sempre mutantes, em tons de encenações, profundamente simbólicas e a
mistificação de palavras, gestos e objetos, destoam por completo do caráter iconoclasta das
igrejas protestantes tradicionais. O aspecto visivelmente crítico dessa ação da Igreja Universal
está basicamente na agressiva rivalidade claramente assumida em relação aos cultos afro.
Ocorrendo em diversas de suas atividades exorcismos com vistas a destruir o “mal” que atua na
vida dos participantes das concentrações, realizados em detrimento do respeito às crenças alheias.
Invocando-se os chamados “maus espíritos”, conferindo-lhes nomes tipicamente pertencentes ao
rol de entidades dos cultos afro, por exemplo, para depois de entrevistá-los e submeter a pessoa
“possessa” a uma vexatória exposição pessoal para, só então, expulsá-lo.

10
Crença pentecostal que acredita na ação do Espírito Santo concedendo a homens e mulheres da igreja a
capacidade de orar em línguas estranhas àquela falada pelos fiéis e sem a necessidade de serem
aprendidas, portanto espontaneamente.
11
A palavra superficial aqui quer indicar, na verdade, a fluidez e flexibilidade da teologia apresentada por
esses grupos, sem a ocorrência de Confissões de Fé tão elaboradas como a das igrejas ditas históricas ou
maiores preocupações com as tradicionais ideias de discipulado e formação teológica de seus membros.
Obviamente, tais características se justificam pelo estilo altamente criativo e mutante das estratégias
utilizadas em discursos e práticas das igrejas.
52

Conforme Mariano, o neopentecostalismo “rearticula sincreticamente crenças, ritos e


práticas dos adversários. Tal reapropriação sincrética é intencional, estudada, encerra claro
propósito proselitista”. A seu ver, “A liderança da igreja tem plena consciência da eficácia dessa
estratégia. Há até mesmo quem a explicite de modo apurado, o que revela seu caráter pragmático,
para não dizer claramente manipulativo” (MARIANO, 1999, 135). Essa questão, a do
enfrentamento entre iurdianos e outras crenças populares, entretanto, será realizada mais adiante,
no próximo capítulo, tendo em vista sua importância e complexidade.
Ainda que haja este aspecto questionável da estratégia neopentecostal, o fenômeno de
absorção em si, como já vimos anteriormente, não é novo nem tão surpreendente. Pierre Sanchis
(1994, p.43) afirma que “qualquer religião, ao se implantar num espaço social, adquire alguma
propriedade sincrética...”. Parece ser comum às religiões tentarem se amoldar de acordo com as
características da sociedade na qual se encontram, de forma especial às crenças e aos signos
religiosos aos quais os fiéis em potencial estão habituados.
A título de exemplo: Alejandro Frigerio (1997, pp.153-173), em seu texto no livro
“Globalização e Religião”, comenta o esforço de grupos afro-brasileiros para se consolidarem em
Buenos Aires, Argentina. Ele explica que tal esforço se deu pela tentativa de fazer um
alinhamento entre marcos interpretativos das crenças dos africanistas e das do catolicismo
popular argentino. Em outras palavras, esse alinhamento se dá sempre pela tentativa de apresentar
ao público-alvo pontos semelhantes, conceitos paralelos, elementos parecidos ou mesmo
idênticos em suas crenças distintas.
Talvez uma dentre as principais consequências deste esforço neopentecostal para angariar
fieis e se adequar cultural e religiosamente à sociedade brasileira – oferecendo-se como uma
alternativa bastante familiar aos frequentadores dos cultos afro – seja o seu substancial
distanciamento das características mais marcantes da tradição na qual esse movimento tem sua
origem, em última análise: o protestantismo.
Entretanto,

(...) não há religião pessoal totalmente original. O pensador mais independente


vive de ideias tradicionais. Fato social, em seguida, porque os fenômenos
religiosos, mitos e ritos, subsistem independentemente dos indivíduos, como
realidade sui generis. Um mesmo ato, por exemplo, o ato sacrifical, pode ser
justificado por motivos diferentes (BASTIDE, 1990, p. 6).
53

E por falar em protestantismo, especialmente o latino-americano, temos que pensar numa


realidade complexa. Se, por uma parte, os protestantismos latino-americanos são oriundos de
sociedades religiosas exógenas (BASTIAN, 1994, p.27), isto é, no sentido de elas serem trazidas
e difundidas majoritariamente por estrangeiros de origem europeia e norte-americana, por outra
parte, a origem desse protestantismo que chega a America Latina no século XIX tem uma grande
distancia em relação à reforma protestante da qual “deveria” ser fiel herdeiro; como afirmou
Rubem Alves, na introdução ao livro Religião e Repressão 12: “Por mais de um século, ser
evangélico era sinônimo de ser protestante. Hoje, os grupos conhecidos como evangélicos
nenhuma 13 relação têm com o protestantismo clássico” (2005, p. 12).
Esta distância com as tradições da reforma é decorrente da própria natureza plural e
ambígua do protestantismo, assim como da influência da passagem do protestantismo pelos
Estados Unidos, pelos despertares religiosos ocorridos nos séculos XVIII e XIX, entre os que se
encontram o puritanismo, o pietismo e os avivamentos que condicionaram as missões
protestantes para o resto do continente americano. Portanto, faz-se impossível falarmos em um só
protestantismo, ou em uma linhagem pura dessa tradição; considerando que o que nós temos na
America Latina hoje é um protestantismo atomizado em centenas de diferentes grupos. No Brasil,
isso talvez se agrave.
Assim sendo, como abordar a relação entre o movimento neopentecostal e o
protestantismo tradicional? Parece não haver um consenso sobre o tema. E exatamente pela
questão do sincretismo, houve e ainda há “Alguns evangélicos [que] negam que a IURD seja
evangélica, vendo-a como sincrética. Alegam que ela não aceita a doutrina e a ética
comportamental clássicas do pentecostalismo” (FRESTON, 1994, p. 136). Ora, é evidente que

12
O titulo original do livro de Rubem Alves era Protestantismo e Repressão, mas depois de 30 anos
transcorridos, ele sugere a mudança do titulo por Religião e Repressão sob o argumento de que aquilo que
foi dito no livro sobre protestantismo poderia muito bem ser aplicado a outras religiões. Entretanto, há que
se cogitar que, devido à singularidade de cada grupo religioso (e seus respectivos subgrupos), a mudança
do título desta importante pode ter sido um equívoco. Especialmente se se trouxer à baila às religiões
orientalistas, cuja estrutura diverge profundamente da fé cristã ocidental. Sobre a alteração do título da
obra, ver artigo de Campos, O discurso acadêmico de Rubem Alves sobre "protestantismo" e "repressão":
algumas observações 30 anos depois (2008).
13
Obviamente, uma frase constante no prefácio de livre, escrita a fim de justificar a redefinição do título
de um livro lançado aproximadamente três décadas antes, não é provida de rigor academio. Sendo mais
claro, nota-se a herança protestante ainda presente na forma de o autor analisar o cenário religioso
brasileiro ao dizer que “nenhuma relação têm com o protestantismo clássico”.
54

tais alegações partem de líderes que a analisam a partir de uma perspectiva teológica
confessional. Sendo assim, é natural que haja contestações nesse sentido em prol da ideia de uma
“sã doutrina” e padrões específicos dentro dos quadros religiosos dos quais são parte constituinte.
Além disso, o surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus significou para muitas outras
denominações um grande desafio, uma concorrente de peso.
Nesse sentido, é preciso afirmar que perspectiva confessional não nos serve enquanto
argumento, contudo não significa que não deva ser levada em conta para fins de uma avaliação
mais acurada. Até porque as posições assumidas por outras denominações e lideranças
evangélicas a respeito dos neopentecostais nos fornece dados para compreender como se dá a
relação desse grupo com as demais igrejas no campo religioso. Nesse sentido, damos voz aqui ao
bispo anglicano Dom Robinson Cavalcanti 14, que em um artigo intitulado “Pseudo-pentecostais,
nem evangélicos nem protestantes”, pronunciou-se com veemência, dizendo:

Um grande equívoco cometido pelos sociólogos da religião é o de por sob a


mesma rubrica de “pentecostalismo” dois fenômenos distintos. De um lado, o
pentecostalismo propriamente dito, tipificado, no Brasil, pelas Assembléias de
Deus; e do outro, o impropriamente denominado “neopentecostalismo”, melhor
tipificado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Um estudioso propôs
denominar essas últimas de pós-pentecostais: um fenômeno que se seguiu a
outro, mas que com ele não se conecta, pois “neo” se refere a uma manifestação
nova de algo já existente. Correntes de sociologia argentina já os denominaram
de “iso-pentecostalismo”: algo que parece, mas não é... (CAVALCANTI, 2011).

Já Leonildo Silveira de Campos, respeitado pesquisador do neopentecostalismo, em um


ensaio sobre a identidade protestante e a hegemonia da “família” pentecostal no Brasil, elabora as
seguintes perguntas a respeito dos neopentecostais:

Esses novos integrantes da família se destacaram tanto que exigiu de seus


analistas o emprego de termos como “neopentecostais” ou “pentecostalismo
autônomo”. Continua, no entanto, a discussão para melhor defini-lo. Seria

14
Não deixa de ser irônico um bispo anglicano, isto é, de uma Igreja tão marcada pela pluralidade, abordar
acerca da Igreja Universal do Reino de Deus tomando-a como um desvio dos “padrões” da fé cristã
reformada.
55

“neopentecostalismo” o melhor termo? O que há de novo que nega o velho e


com ele rompe? O que há de velho no que pretende ser novo? (CAMPOS, 2008).

Sobre isso, importa dizer que quase já não é percebido um relacionamento de proximidade
entre as denominações protestantes históricas e pentecostais com as igrejas neopentecostais.
Nota-se que até mesmo entre os próprios neopentecostais não há muitos contatos; como, por
exemplo, congressos, celebrações conjuntas entre igrejas, cooperação em projetos sociais, etc.
Como se pode observar, o sincretismo característico da IURD não apenas lhe confere
certa peculiaridade, como também faz com que seja alvo das mais diversas indagações. Havendo,
obviamente, divergências a esse respeito tanto entre religiosos quanto entre os próprios
estudiosos da religião. Gedeon Alencar, perspicaz estudioso do pentecostalismo, ousou chamar o
movimento neopentecostal como “a expressão mais brasileira do protestantismo” (2005, p. 84), o
professor Leonildo Silveira Campos também já havia considerado “o neopentecostalismo como à
fase mais recente de integração do pentecostalismo à sociedade latinoamericana e ao sistema de
mercado” (1997, p. 45)
O sociólogo Paul Freston 15 também deixou seu parecer a respeito do assunto, afirmando
que:

De fato, a IURD é vista como evangélica pela grande maioria dos evangélicos.
Seus estatutos afirmam o princípio protestante da autoridade da Sagrada
Escritura somente. Por trás do sensacionalismo, vemos as ênfases típicas do
pietismo. As histórias de conversão são contadas em linguagem tradicionalmente
evangélica. A receita de Macedo para uma vida convertida é “oração, comunhão
constante com Deus e a leitura da Bíblia, aliada a uma vida de pureza e
integridade cristã” (1994, p. 137).

Para tanto, importante aqui não é trabalhar com as classificações do protestantismo e


movimento neopentecostal, a fim de propor uma solução ao imbróglio, mas sim levar em conta as
rupturas e continuidades encontradas no segundo em relação ao primeiro. Isso a fim de fomentar
o debate e gerar novas reflexões a seu respeito. E nesse sentido, se o seu aspecto sincrético a
distância das demais igrejas protestantes e pentecostais, não lhe é nem um pouco prejudicial no

15
Em diálogo com o autor, via e-mail, este me afirmou ter as mesmas convicções a respeito da IURD e
neopentecostalismo em geral.
56

sentido de que esse perfil a favorece diante de grande parte da população brasileira. Visto que,
em maior ou menor grau de envolvimento, já está acostumada com os símbolos e a linguagem
utilizada pela denominação em seus trabalhos.
Outra dimensão importante, contudo será examinada posteriormente, refere-se à ideia do
neopentecostalismo como uma “terceira via”, por meio da qual o movimento neopentecostal pode
ser visto como uma opção confortável entre o protestantismo e os cultos afro. Veremos isso mais
adiante assim como também será analisada as peculiaridades do sincretismo iurdiano.
57

CAPÍTULO III

3 PECULIARIDADES DO SINCRETISMO IURDIANO E SUAS


CONSEQUÊNCIAS PARA O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO

No drama O Pagador de Promessas 16, de Dias Gomes, a personagem principal, Zé-do-


Burro, protagoniza o empenho de um humilde sertanejo do nordeste brasileiro a fim de cumprir
uma promessa à Iansã, carregando uma pesada cruz para depositá-la no interior da Igreja de Santa
Bárbara, na cidade de Salvador, Bahia. A devoção de Zé-do-Burro representa um tipo de
sincretismo característico do catolicismo popular brasileiro, assim como Riobaldo Tatarana, em
O grande sertão: Veredas, para quem uma só religião é pouca e talvez não lhe baste; a
personagem do romance de João Guimarães Rosa não demonstra, no decorrer da trama, qualquer
receio de participar desta e daquela atividade religiosa, ao contrário, sabe que “muita religião” é a
receita para “desendoidecer”.
Esses traços ficcionais não representam meros devaneios de mentes imaginativas. Embora
obras da literatura, refletem a cultura brasileira e a forma como ela se relaciona com a religião.
Revela a diversidade de nosso povo e como ela influencia na religiosidade. Esse perfil permeia a
religiosidade popular brasileira. Enriquece as experiências individuais e coletivas e viabiliza a
existência de pontes que podem até mesmo conduzir ao diálogo.
É relevante ter consciência disso a fim de notar que, no que tange especificamente ao
fenômeno neopentecostal, esse perfil assume contornos um tanto distintos. Há peculiaridades no
sincretismo observado em igrejas como a Universal do Reino de Deus, um discurso que, em certo
sentido, destoa bastante dessa ideia de complementaridade verificada em boa parte da devoção
popular brasileira. Embora se possa dizer que, oficialmente, a Igreja Católica evidentemente
também não seja favorável às expressões sincréticas assimiladas pelos seus fieis, é quase
imperceptível hoje uma repressão a essas práticas vinda de sua parte. Parece haver uma tolerância
devido à acomodação ocorrida por meio das sínteses engendradas no decorrer dos séculos pelos
fiéis. Assim, talvez essa tolerância seja uma estratégia resultante da conclusão de que é melhor
aceitá-los – assim como estão – do que perdê-los.

16
Peça teatral de Dias Gomes, tornou-se filme em 1962 tendo como diretor Anselmo Duarte.
58

No chão da vida, distante das elucubrações teológicas oficiais, é um tipo como o Zé-do-
Burro que realiza o sincretismo, ainda que rejeitado pelo representante oficial da Igreja, porém
intimamente convicto de sua experiência pessoal. Uma figura que reflete a insurreição que parte
de baixo pra cima, subvertendo o que é apresentado como já definido e inexorável. Em vista
disso, ressalta-se aqui o que já fora mencionado anteriormente: que entre os evangélicos
neopentecostais o uso de elementos de outras crenças se dá como algo consciente, fazendo parte
de uma estratégia que visa ao êxito para se angariar fiéis.
Em vista disso, uma vez já mencionado e abordado o caráter sincrético do
neopentecostalismo, partiremos aqui para avaliar as peculiaridades desse sincretismo. Tal
aprofundamento temático implicará, mais à frente, em aferirmos as consequências que tais
particularidades geram no campo religioso brasileiro. Por hora basta dizer, a título de informação,
que não apenas o cenário da religião no Brasil se vê influenciado pelos traços do
neopentecostalismo, em especial o iurdiano, mas também tantos outros países latino-americanos,
visto que essa denominação, como o próprio nome sugere, sempre portou aspirações
expansionistas (universais) e está presente por todo o continente, carregando aonde quer que vá
seu estilo “abrasileirado” (ALMEIDA, 2009, p. 125) e também as mesmas estratégias aqui
utilizadas para prosperar.

3.1 Um sincretismo de inversão

O sincretismo, que pode ser entendido como a mistura deliberada de elementos de


determinadas crenças (BURKE, 2003, 47), constitui-se numa estratégia exitosa aos
neopentecostais, pois sua prática funciona como um mediador cultural, como já visto
anteriormente. Ele facilita a inserção das igrejas de características neopentecostais, em especial as
de um perfil iurdiano, em terrenos de difícil penetração do protestantismo clássico. E o modo
como se vale desse mediador cultural revela-se profundamente peculiar, logo também se mostra
bastante intrigante.
Um dos aspectos mais intrigantes é a notável preferência por tirar proveito de elementos
de cultos afro-brasileiros. Desde seu início, a IURD instaurou um tipo de religiosidade que, não
apenas se vale de elementos dessas crenças, como também desenvolveu postura belicosa em
59

relação a elas. Esse aspecto deverá ser analisado mais adiante nas consequências do sincretismo
neopentecostal para o campo religioso brasileiro. Por hora, importa refletir no modo como esse
grupo se relaciona com a religiosidade afrodescendente, relação que desde há muito se percebe
entre os evangélicos neopentecostais.
Sobre esse assunto, Paul Freston relata o contato com um pastor evangélico e sua opinião
acerca do crescimento numérico da IURD: “a IURD se expande onde há ‘macumba’ e famílias
dilaceradas” (FRESTON, 1994, 136). É bastante interessante essa observação, pois sugere que a
denominação alcança sucesso diante de um cenário bastante específico. E convém dizer que na
fala acima, por macumba, pode-se entender toda a variedade de cultos afro existentes em solo
brasileiro, especialmente o Candomblé e a Umbanda. E nisso pode-se notar que a IURD se define
não apenas como uma religião advinda do movimento pentecostal, mas especialmente em
contraponto à religiosidade afro-brasileira. Isto é, define-se a partir do outro, conforme será
apresentado.
A teologia fundante para tal maneira de operar da Universal e que influencia toda uma
gama de igrejas que seguem seu modelo de igreja evangélica pentecostal está contida no livro
Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? O livro, de autoria do Bispo Edir Macedo, fora
escrito em 1997, entretanto suas orientações não se dissolveram com o tempo 17. Ainda orienta e
inspira aos crentes iurdianos – dentre outros evangélicos – a como procederem a respeito das
religiões mediúnicas, com ênfase nas de ascendência africana.
São interessantes as palavras de Macedo logo no primeiro capítulo de sua obra:

Houve, com o decorrer dos séculos, um sincretismo religioso, ou seja, uma


mistura curiosa e diabólica de mitologia africana, indígena brasileira, espiritismo
e cristianismo, que criou ou favoreceu o desenvolvimento de cultos fetichistas
como a umbanda, a quimbanda e o candomblé (2001, p. 13).

Como se pode notar, não titubeia em momento algum ao mencionar os nomes dos grupos
religiosos contra os quais pretende militar. E mais adiante, curiosamente, resume todas as crenças
de vertente mediúnicas ao rótulo de espiritismos (MACEDO, 2001, p. 18). Esse direcionamento

17
Para uma análise mais aprofundada especificamente do discurso contigo nesta obra de Edir Macedo, ver
dissertação de Mestrado de Valdelice Conceição dos Santos, O discurso de Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e
Guias, Deuses ou demônios?: impactos e impasses no cenário religioso brasileiro (2010).
60

indica exatamente os principais alvos da igreja, cultos e práticas mediúnicas. Conveniente,


porque, ainda que muitos brasileiros não tenham tido envolvimento com qualquer prática
mediúnica, visitado um terreiro de Umbanda ou Candomblé ou algum Centro Espírita, esse
“universo” permeia o imaginário da população em geral.
Essa fixação em relação aos cultos afro pode ser observada nos programas de televisão e
rádio da Igreja Universal. Ronaldo de Almeida, em seu trabalho etnográfico realizado em templos
da IURD, faz menção a essa conduta:

O pastor Mauro com certeza é uma pessoa bem habilitada para falar desse
assunto. Ele, assim como boa parte dos fiéis da Igreja Universal, é egresso de
uma dessas religiões. Em seu caso, a mudança ocorreu com maior radicalismo.
Antes de se tornar pastor, ele era pai-de-santo, no Candomblé, sendo Mauro de
Ogum o seu antigo nome de fé (2009, p. 68).

O referido pastor realizava um programa de Rádio apresentado todas as sextas-feiras, na


Rádio São Paulo, denominado Ponto de Fé. E em se tratando da denominação de Edir Macedo,
importa prestar atenção em cada detalhe: boa parte das programações de Libertação espiritual da
IURD se opera na sexta-feira, dia em que comumente muitas atividades são realizadas tanto no
Candomblé quanto na Umbanda; a palavra Ponto, contida no título do programa, também não
deve ser vista de forma ingênua. No Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros, de Olga Gudolle
Cacciatore, a palavra ponto aparece em pelo menos dez expressões de práticas afro-brasileiras:
ponto, ponto cantado, ponto de abertura, ponto de chamada, ponto de defumação, ponto de
descarrego, ponto de encerramento, ponto de segurança, ponto de subida, ponto riscado (1977,
pp. 213-214). Segundo o referido dicionário, a maioria das expressões refere-se a cânticos
litúrgicos realizados em momentos específicos desses cultos.
Para o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva:

O ataque às religiões afro-brasileiras, mais do que estratégia de proselitismo


junto às populações de baixo nível econômico, potencialmente consumidoras
dos repertórios religiosos afro-brasileiros e neopentecostais, parece ser
consequência do papel que as mediações mágicas e a experiência do transe
61

religioso vieram a ocupar na própria dinâmica do sistema neopentecostal em


contato com o repertório afro-brasileiro (2007, p. 193).

Diante disso, e levando-se em conta o crescimento da Universal no território brasileiro,


com um número amplo de templos, pastores e fiéis, talvez não se possa afirmar com tanta certeza,
até que ponto esse perfil iurdiano constitui-se meramente em estratégia a fim de angariar fiéis.
Evidente que tais práticas podem muito bem ter surgido com esse caráter, conforme apresentou
Ricardo Mariano e já fora mencionado anteriormente aqui. Entretanto, é preciso reconhecer que
os processos sociais se dão por meio de funções “conscientes” e “inconscientes”, “as primeiras
são funções conscientes e deliberadas dos processos sociais; as segundas, funções inconscientes e
involuntárias” (BERGER, 1976, p. 51). Em outras palavras, os convertidos no decorrer desses
anos todos em igrejas neopentecostais como a IURD, Internacional da Graça, dentre outras, que
perpassaram todas as etapas de serviço até chegarem a funções de liderança nessas
denominações, podem muito bem assumir tais práticas sincréticas como sendo essencialmente
parte integrante de sua religião e da espiritualidade que vivenciaram e vivenciam.
Todavia, as diferenças entre o sincretismo iurdiano e aquele praticado no catolicismo
popular são evidentes. Enquanto no catolicismo as entidades africanistas e santos da Igreja
Católica se misturem devido à existência – ao menos aos olhos dos fiéis – de “afinidades” ou
“convergências” (BURKE, 2003, p. 27), de modo que, p. ex., Iansã, pelas suas características,
possa se confundir com Santa Bárbara e Ogum com São Jorge, no neopentecostalismo isso se dá
de maneira absolutamente diferente. No final do enredo, a entidade manifesta será identificada
pelos bispos e pastores como sendo nada mais nem menos que o próprio Diabo. Isto é, a
divindade da outra religião é identificada como sendo a contraditória figura do imaginário cristão,
à qual muitos destes (os cristãos) costumam atribuir as causas dos males que atingem a vida
humana.
Logo, assistimos a uma modalidade de sincretismo às avessas, conforme menciona Silva
(2007, p. 123):

Às avessas porque a síntese elaborada buscou no polo negativo da religiosidade


cristã – o diabo – o elemento equivalente às entidades. E é graças a essa síntese
invertida que a Igreja Universal pode ainda manter um discurso proselitista e a
exigência de exclusividade, características tipicamente evangélicas.
62

Com esse contorno, as “entidades afro” manifestam-se na Universal em dias separados


para trabalhos de libertação, praticamente respondendo à invocação por meio de orações dos
líderes. Tal prática está fundada na crença de que é necessário conhecer a origem dos males que
atingem a vida de cada pessoa que ali se apresenta carente de um milagre. E uma vez
manifestada, durante a prática do exorcismo, ocorre um excruciante interrogatório, no qual três
perguntas geralmente são realizadas: “Qual o teu nome?”, “O que você tem feito na vida dela?” e
“Como você entrou na vida dela?”.

Basicamente, a entrevista com os demônios aborda essas três perguntas-chave


que revelam a origem, os males causados e a maneira pela qual o demônio
entrou no corpo do endemoninhado. Convém ressaltar, ainda, que toda a
conversa é realizada publicamente e com forte zombaria das outras religiões. É
muito comum o pastor, durante a entrevista, mandar o demônio colocar o corpo
do endemoninhado de joelhos e aos seus pés. Se a entidade resiste, o pastor, em
interação com o público, pede que todos estendam as mãos para a frente e,
invocando o nome de Jesus, repete várias vezes a ordem até que o
endemoninhado caia de joelho. Posteriormente, ordena que ele “bata a
18
cabeça” no chão três vezes; pois, se o endemoninhado “bate a cabeça” para
uma entidade no espaço do terreiro, na Igreja Universal a entidade deverá “bater
a cabeça” para Jesus (ALMEIDA, 2009, P. 96).

Algumas indagações básicas com fundamento em textos bíblicos poderiam colocar em


cheque esse tipo de exorcismo. O texto do Evangelho segundo João, capítulo 4, verso 44, refere-
se ao diabo como sendo “mentiroso”, em quem não há verdade, o próprio “pai da mentira”. Daí o
questionamento básico de algum crente qualquer poderia ser: “Sendo o Diabo mentiroso, como
pois poderia alguém confiar em suas palavras?” E, de fato, há uma série de blogs e sites com tais
questionamentos relacionando-o exatamente aos interrogatórios realizados em igrejas
neopentecostais. Todavia, essa dúvida nunca fora nem parece ser um problema para Edir
Macedo, que esclarece de forma bastante assertiva a esse respeito:

18
Bater cabeça: cumprimento ritual de respeito realizado ao princípio e fim de sessões públicas
(CACCIATORE, 1977, p. 65).
63

O Diabo é mentiroso, ele é mentiroso, mas Jesus perguntou o nome do demônio


de Gadara, “Qual é o teu nome?”, e ele respondeu “Legião”, quer dizer: quando
nós perguntamos, ele é obrigado a falar a verdade, mas ele é mentiroso, ele é
mentiroso. E nós não vamos fundamentar nossa fé no que ele diz, não, mesmo
falando a verdade. Nós fundamentamos nossa fé na Palavra de Deus, não no que
ele está falando. Ainda que seja verdade 19.

As palavras de Macedo não somente revelam a flexibilidade da elaboração da teologia


iurdiana como também a importância de manter incólume a legitimidade dessa prática. Prática
que, ao mesmo tempo, constitui-se num estágio de importante significância para trajetória de um
indivíduo que se converte na sua denominação. O ritual de “expulsão” de demônios já tinha sua
importância para as igrejas do pentecostalismo clássico, entretanto seu valor se eleva a um papel
central e toma novas formas nas atividades realizadas pelos líderes neopentecostais.
Aqui, uma especial atenção: diferente de outras denominações protestantes e pentecostais,
a IURD não possui Escola Bíblia Dominical nem Reuniões de Estudos ou Cursos Bíblicos
formais e de conteúdo mais profundo. Para tanto, o exorcismo está estabelecido como uma das
vias primordiais pela qual os principais conteúdos da fé neopentecostal são expostos aos fiéis: a)
no mundo existe duas forças contrapostas que se mantém em constante embate, Deus e Satanás
(CAMPOS, 1994, p. 338); nesse cenário severamente maniqueísta b) os indivíduos, por sua vez,
estão divididos entre “aquele que vivem em submissão a Deus, por meio de Seu Filho Jesus
Cristo e vivem na luz, ou se submete ao diabo e seus anjos e vive nas trevas” (MACEDO, 2000,
p. 30); c) a salvação/cura só pode ser conquistada em Deus/Jesus, “médico supremo” (CAMPOS,
1994, p. 354); e, por fim, d) essa salvação é encontrada na Igreja Universal (ALMEIDA, 2007, p.
95).
De acordo com Campos:

Para a Igreja Universal o ser humano vive num caos, provocado pela presença
das forças satânicas. A reorganização do mundo interno de cada um e suas
ligações com o mundo objetivado têm que passar necessariamente por um novo

19
Essa fala pode ser conferida a partir dos 2min32ss, em um vídeo de exorcismo disponibilizado pelo
próprio Edir Macedo em seu site pessoal, datado de 09 de fevereiro de 2012:
<http://www.bispomacedo.com.br/2012/02/09/aviso-aos-incautos/>, visitado em 01 de set. de 2013, às
7h55min.
64

eixo cognitivo e emocional, formado por Jesus/Espírito Santo/Igreja Universal.


Aceitá-lo é interiorizar uma alavanca, que move a desordem e cria condições
para uma nova maneira de reorganizar a vida (1994, p. 350).

Especialmente no ritual de exorcismo, a Universal, trilhando um caminho de


enfrentamento das forças demoníacas, propõe aos seus fieis à restauração da perfeição inicial
conforme afirmava Mircea Eliade acerca da importância dos ritos nas religiões (s/d , p. 111). Ao
libertar as pessoas dos demônios que as escravizam, elas estão em condições de reorganizarem
suas vidas, livrarem-se de seus vícios e até mesmo podem ser curadas.
E, note-se, enquanto igreja visivelmente sincrética, justamente nesse ato litúrgico de
imensa importância é que se percebe o caráter peculiar desse sincretismo. Em outros termos, é
possível compreender por meio dos exorcismos o que está por detrás das práticas sincréticas
iurdianas, isto é, para onde os pastores e bispos desejam conduzir a plateia que assiste aos seus
trabalhos (a conversão) e, por fim, as consequências para o cenário religioso brasileiro advindas
dessa opção por lançar mãos, arbitrariamente, de elementos simbólico-religiosos de outras
crenças – como já afirmado, especialmente da Umbanda e do Candomblé.

3.2 Consequências do sincretismo iurdiano no campo religioso brasileiro

Na medida em que o neopentecostalismo iurdiano se distancia dos protestantes e


evangélicos, assume elementos de outros cultos, em outras palavras, transforma-se no decorrer do
tempo, influenciando e sendo influenciado pelo cenário religioso brasileiro. As consequências
dessas rápidas mutações são diversas, entretanto aqui interessa-nos aquelas diretamente ligadas
com o aspecto sincrético dessa denominação e desse movimento. Esse sincretismo de inversão
tem impacto direto não somente no conteúdo das tradições protestantes ainda presentes no
movimento pentecostal, na relação com outras igrejas evangélicas, mas também em confissões
religiosas não-cristãs que, direta ou diretamente, são atingidas pelo seu discurso religioso.
65

3.2.1 Neopentecostalismo e intolerância religiosa: o cenário atual

Antes de qualquer coisa, recompilo aqui as palavras do Bispo Edir Macedo em seu site
pessoal propagandeando uma vez mais o seu Best-Seller Orixás, Caboclos e Guias, deuses ou
demônios?

Creio ser impossível a um praticante do espiritismo ler este livro e continuar na


sua prática. Acredito também ser difícil a um cristão ler este livro e continuar a
professar uma fé descuidada e estagnada. Todas as áreas do demonismo são
postas a descoberta neste livro; todos os truques e enganos usados pelo diabo e
seus anjos para iludir a humanidade são revelados. O leitor será esclarecido
sobre a origem das doenças, desavenças, vícios e de todos os males que assolam
o ser humano. Este livro deve ser lido com o coração, pois as verdades nele
apresentadas chegam a ser chocantes e inacreditáveis...

Esta exortação se trata de uma reedição do que havia sido dito na introdução do referido
livro, quando do lançamento de sua primeira edição, na qual consta também muito claramente o
público alvo: “Dedico esta obra a todos os pais-de-santo e mães-de-santo do Brasil, porque eles,
mais que qualquer pessoa, merecem e precisam de esclarecimento” e também a “pessoas que
vivem enganadas e entrelaçadas pelos espíritos malignos” (MACEDO, 2000, p.10).
Não seria necessária a leitura da obra toda para notar seu contorno fortemente
contundente, pois, logo de entrada, a hipótese do livro é declarada: as religiões mediúnicas são
obra do “diabo e seus demônios” (MACEDO, 2000, p.10).

Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? Retoma a estrutura e os temas


centrais de Mãe-de-Santo. Porém, pretendendo não deixar nem sombra de
dúvida sobre a “resposta certa” à pergunta do título, apresenta argumentos mais
detalhados, num tom muito mais agressivo de condenação e alerta sobre os
perigos que correm os que cultuam o panteão mencionado (SILVA, 2007, p.
201).
66

Estima-se que mais de 3 milhões de cópias tenham sido vendidas desde seu lançamento.
Não passou sem gerar polêmica, aliás, curiosamente, na edição utilizada nessa pesquisa, 15ª, em
sua ficha catalográfica consta “Literatura polêmica”. No ano de 2005, a juíza Nair Cristina de
Castro, da 4ª Vara da Justiça Federal da Bahia, determinou a suspensão da venda do livro. À
época, a fundamentação para tal posicionamento da justiça era que: " [a obra] se mostra abusiva e
atentatória ao direito fundamental, não apenas dos adeptos das religiões originárias da África e
aqui absorvidas, culturalmente, como afro-brasileiras, mas da sociedade, no seu genérico prisma,
que tem direito à convivência harmônica e fraterna, a despeito de toda a sua diversidade (de
cores, raças, etnias e credos)” 20.
A literatura em questão, somada às práticas costumeiramente realizadas nos trabalhos da
IURD instauraram importante debate acerca da tolerância religiosa no Brasil. O debate talvez
tenha se acirrado especialmente depois do tão conhecido e comentado “Chute da Santa”,
protagonizado pelo Bispo Sérgio Von Helder, que durante o programa O despertar da Fé desferiu
golpes contra uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, justamente na data de 12 de outubro,
quando católicos de todo o Brasil comemoram o dia da padroeira 21. Como bem recorda Ronaldo
de Almeida (2007, p. 140), a imensa repercussão a respeito desse fato se daria mais pela
conveniente exposição da cena pela Rede Globo de televisão, por razões obviamente comerciais
(a Rede Record se fortalecia enquanto emissora de televisão e atualmente tem mantido a posição
de segunda maior emissora do país) do que por apresentar algo novo.
Não era raro a IURD dirigir seus ataques humilhando e zombando das entidades afro-
brasileiras. Todavia, publicizar o ato realizado contra a maior igreja do país seria bem mais
interessante. Essa estratégia beneficiaria diretamente a Globo, por lançar sua rival em
dificuldades, como também à própria Igreja Católica, que assistia a uma enorme perda de fiéis
para as igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais. As consequências de fato foram
bastante drásticas, havendo manifestações por parte de católicas em frente aos templos da

20
A matéria informativa a respeito da suspensão do livro pode ser encontrada aqui:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115122.shtml> Visitado em 04 de set. de 2013, às
12h51min.
21
O fato gerou, anos depois, uma lenda na qual o referido Bispo teria se convertido ao catolicismo após
ser curado por Nossa Senhora de uma estranha enfermidade precisamente na perna com a qual “chutou” a
imagem. <http://www.istoe.com.br/reportagens/28209_O+CONTO+DA+SANTA> Visitado em 04 de set.
de 2013 às 13h22min
67

Universal. Em geral, os evangélicos passaram a gozar de determinada desconfiança por parte dos
católicos, carregando a pecha de “radicais” e “intolerantes”.
Entretanto, em uma atitude estratégica, Edir Macedo pede desculpas pelo ato de seu bispo.
Passados os anos, assim, a IURD consegue superar essa crise. Passa então a direcionar seus
ataques exclusivamente aos cultos africanistas. Parece bastante oportunista, visto que conquanto a
influência dessas crenças sejam forte no país, os devotos dessas religiões não constituem grande
parcela da população. Em parte, certamente, isso se deve àquilo que estudiosos denominam como
“dupla pertença”. Devido ao sincretismo, fiéis católicos não têm problema algum em participar
tanto dos trabalhos no terreiro quanto das missas católicas. Não obstante, ainda hoje, grande parte
desses fiéis, quando perguntados acerca de sua pertença religiosa pelos institutos de pesquisa,
mencionam a religião proeminente no país, o catolicismo.
A demonização das religiões afro-brasileiras presentes no neopentecostalismo já existia
no início do movimento pentecostal, contudo não na intensidade que passaria a ter com o advento
de Igrejas como a IURD e similares, que entre suas posturas mais drásticas já chegou a convocar
fiéis a se empenharem em impedir rituais afro-brasileiros ou mesmo a tentar fechar terreiros
(SILVA, 2007, p. 195). Sobre os pentecostais, é importante dizer que, conquanto possuíssem um
espírito antiafro, diferente da IURD, não se valiam de seus elementos em seus cultos. Isto é, não
apresentavam esse perfil de sincretismo observado nas igrejas neopentecostais.
É raro algum trabalho que aborde o movimento neopentecostal e deixe de lado esse
aspecto dessas denominações, entretanto, alguns autores foram mais corajosos e, ao mesmo
tempo, bastante pertinentes em suas avaliações, sendo, então, oportuno mencionar alguns deles e
suas respectivas falas a fim de prosseguirmos no estudo. Ari Pedro Oro, dentre todos que
abordaram a relação entre neopentecostais versus cultos afro, talvez tenha sido o que usou a
expressão mais incisiva, ao se pronunciar chamando-a de religiofágica “quanto mais ela constrói
um discurso e procede a uma ritualística de oposição às religiões afro-brasileiras, paradoxalmente
mais delas se aproxima e se assemelha” (2005/2006, p. 320). No mesmo artigo, ousado também
em seu título, O Neopentecostalismo “macumbeiro”, prossegue dizendo:

De minha parte, considero-a, sem nenhuma conotação pejorativa, uma igreja


religiofágica; literalmente, “comedora de religião” (...). Isto é, uma igreja que
construiu seu repertório simbólico, suas crenças e ritualística, incorporando e
68

ressemantizando pedaços de crenças de outras religiões, mesmo de seus


adversários (2005/2006, p. 320).

Ronaldo de Almeida se valeria de expressão bastante parecida ao mencionar o mesmo


aspecto, dizendo que “a Igreja Universal em seu processo de constituição, elaborou, pela guerra,
uma antropofagia da fé inimiga” (2009, p. 123). Fazendo coro com Ari Pedro Oro, também sem
nenhuma conotação pejorativa, também nos parece bastante sugestiva (talvez mais adequada)
essas duas expressões ao qualificar a IURD e as igrejas que replicam seus métodos. A preferência
por essas expressões se dá porque encarnam um didatismo que proporciona uma compreensão
muito clara do processo de “sincretização” da IURD. Sendo ela, na prática, uma denominação
“comedora de religião”. Analogamente ao canibalismo, se alimenta do outro a fim de assumir
para si aquilo que há de mais forte nele.
Na sequência de sua avaliação da IURD, Almeida contribui com oportuna reflexão a
respeito da relação entre neopentecostalismo e cultos afro-brasileiros:

Poderíamos concluir, então, que a pregação da Igreja Universal busca o


desaparecimento das próprias religiões das quais se nutrem tanto sua mensagem
de solução do sofrimento quanto os rituais de exorcismo presentes em quase
todos os cultos. Sendo assim, por essa estreita relação, um possível fim das
religiões afro-brasileiras, visando os objetivos espirituais da igreja, de maneira
contraditória implicaria logicamente o esvaziamento da sua mensagem de
libertação, na medida em que o diabo e o sofrimento perderia seu referente
concreto: as entidades. No limite, o pleno sucesso do proselitismo da Igreja
Universal em relação às afro-brasileiras, já alcançado ritualmente, levaria ao seu
fim (2009, p. 124).

Não dá pra afirmar que os líderes da IURD e outras igrejas neopentecostais esperem de
fato que em um determinado dia os cultos afro-brasileiros deixem de existir. Entretanto, o
exercício de pensar em como ela atuaria diante da mitigação exacerbada desses cultos é bastante
interessante, pois, como vimos, essas igrejas constroem suas identidades a partir de uma
contraproposta – em outras palavras, contrastando-se de outras expressões religiosas.
69

Então, assim como um guarda-chuva perde sua função em um lugar em que não chova,
igrejas como a IURD perderiam sua razão de existir sem a existência dos africanistas. Todavia,
não é prudente subestimar esses grupos e seus líderes, visto que não somente têm se expandido
para fora do Brasil como também, embora com maiores dificuldades, têm se mantido em regiões
nas quais não há forte presença de cultos afro. Parece que, acima de tudo, a IURD “necessita de
fato é dialogar com uma tradição sócio-religiosa na qual seja possível encontrar os sofrimentos e
os espíritos que possam se equivaler à figura do Diabo. De tal maneira que a pergunta ‘Qual é o
teu nome?’ e as demais da entrevista com os demônios possam encontrar nos novos contextos
suas respectivas respostas” (ALMEIDA, 2009, p. 126).
Para Gedeon Alencar, “Talvez o neopentecostalismo esteja criando o samba do teólogo
doido, pois, em tese, toda religiosidade sincrética é tolerante, menos ela. Ela é antiafro” (2005, p.
87). Essa feição do neopentecostalismo desafia o desenvolvimento de uma cultura de paz entre as
mais diversas expressões religiosas existentes no Brasil (não só aqui, mas aqui especialmente).
Num contexto de pluralidade cultural, as religiões representam muito mais do que opções acerca
de como se pode compreender o mundo e a existência, podendo também ser vistas como bens
imateriais de cunho étnico-cultural, isto é, parte das características de grupos de indivíduos que
remetem às suas origens e constituição sócio-cultural.
Tal consciência contribui para que se analise o tema da tolerância com maior cuidado. E
no que diz respeito à tradição afro-brasileira, esta já há muito representa uma cultura de
resistência, de um grupo de indivíduos que não apenas lutou a fim de manterem-se vivos como
também se esforçaram de todos os modos viáveis a fim de resguardarem suas crenças mais
íntimas. Assim sendo, devido ao confronto entre esses dois grupos, neopentecostais e cultos afro,
estamos diante de um litígio bem maior do que ele se apresenta. Um embate de suma importância
visto que as implicações podem culminar no vilipêndio de uma herança cultural profundamente
rica trazida da África e que se perpetuou, como pode, em terras tupiniquins.
Exemplo de como esse confronto extrapola o campo religioso e abrange outros aspectos
da vida 22, pode ser notado nessa fala de Edir Macedo:

Todas as pessoas que se alimentam de pratos vendidos pelas famosas baianas


estão sujeitas, mais cedo ou mais tarde a sofrer do estomago. Quase todas essas
22
Até porque, de fato, conquanto a cultura ocidental tente privatizar a religiosidade e separar esse aspecto
da vida cotidiana como um todo, religião e vida social interpenetram-se inexoravelmente.
70

baianas são filhas de santo ou mães de santo que “trabalham” a comida para
terem boa venda. Algumas pessoas chegam a vomitar as coisas que comeram,
mesmo que isso tenha sido há muito tempo (MACEDO, 1996, 48).

Embora não mencione, certamente trata-se do Acarajé, uma espécie de comida


tipicamente afro, culturalmente comercializada na Bahia e que, em seu aspecto religioso, é
oferecido preferencialmente a Iansã e Obá (CACCIATORE, 1977, 36). Esse tipo de intolerância
pode se desenrolar de modo ainda pior, conforme denunciou o Jornal Extra em uma matéria na
qual expõe à perseguição de adeptos do Candomblé e Umbanda alvos de traficantes convertidos
ao pentecostalismo.

(...) já há registros na Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto


Afro Brasileiro e Espírita de pelo menos 40 pais e mães de santo expulsos de
favelas da Zona Norte pelo tráfico. Em alguns locais, como no Lins e na
Serrinha, em Madureira, além do fechamento dos terreiros também foi
determinada a proibição do uso de colares afro e roupas brancas. De acordo com
quatro pais de santo ouvidos pelo EXTRA, que passaram pela situação, o motivo
das expulsões é o mesmo: a conversão dos chefes do tráfico a denominações
evangélicas 23.

Um dos traficantes mencionados na matéria, Fernando Gomes de Freitas, conhecido como


Guarabu, teria adotado tal extremismo depois de se converter à Assembleia de Deus Ministério
Monte Sinai, em 2006. É preciso dar atenção ao fato de que as Assembleias de Deus não
constituíam um grupo com esse tipo de comportamento, havendo convivência pacífica entre “os
crentes” e frequentadores de terreiros nas periferias brasileiras. Não obstante, há que se
considerar que, não somente há um número sem-fim de Igrejas que se denominam Assembleias
de Deus, com distintos costumes e particularidades entre elas, como também a influência
exercida pelo neopentecostalismo pode ter sido decisiva na disseminação desse tipo de “espírito
antiafro”.

23
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/crime-preconceito-maes-filhos-de-santo-sao-expulsos-de-
favelas-por-traficantes-evangelicos-9868841> Acesso às 18h32min de 11 de set. de 2013.
71

Tais ocorrências não desqualificam apenas a religiosidade afro, pois seria impossível
realizar uma separação da religiosidade afro-brasileira e os aspectos étnicos transmitidos de pais
para filhos entre os povos negros que padeceram a escravidão em solo brasileiro. Além disso,
convém ressaltar, a apropriação 24, a desqualificação e os ataques em geral são dirigidos aos
cultos herdados de povos negros, escravizados e oprimidos durante séculos por uma sociedade
cristã, católica; e que durante boa parte da existência do Brasil enquanto Estado-Nação sofreu
toda sorte de restrições sociais e até mesmo jurídicas 25 que limitavam sua liberdade de expressar
sua fé. Para ser mais claro, parece menos problemático confrontar um grupo que ainda não
alcançou totalmente seu empoderamento social, que ainda milita por meio de grupos e
movimentos sociais a fim de conquistar respeitabilidade e visibilidade social e que se organiza
em prol da eliminação do racismo e preconceitos ainda existentes em nossa sociedade do que
bater de frente em relação à religião hegemônica no país – o catolicismo.
Nesse sentido, enquanto houver esse tipo de embate, a relação neopentecostalismo versus
religiões afro constituir-se-á em uma problemática a ser estudada e discutida não somente pelos
pesquisadores da religião e sociólogos, mas também por juristas, teólogos, psicólogos e
historiadores, dentre outros, a fim de contribuírem com análises e, se possível, propostas
concretas para o convívio pacificado entre esses dois grupos.

3.2.2 A humilhação dos demônios pela exposição dos fiéis

Não é preciso visitar um templo neopentecostal a fim de assistir a um ritual de exorcismo.


Há na internet uma enorme quantia de vídeos nos quais pastores de diversas denominações
evangélicas exibem seu poder sobre os demônios. Não se furtam em nomeá-los inicialmente pelo
nome de entidades dos cultos aos orixás. Dentre os vídeos mais impressionantes estão os da
Igreja Universal do Reino de Deus. Em quase todos os rituais de expulsão os demônios são
entrevistados pelos pastores.

24
Gedeon Alencar (2005, p. 87), com sua verve afiada, denomina-a de “apropriação indébita”.
25
Ver texto de Hélio Silva Jr, Notas sobre o sistema Jurídico e Intolerância Religiosa no Brasil (SILVA,
2007, 303).
72

Sendo um momento importante dos cultos neopentecostais, homens e mulheres possessos,


geralmente à frente do templo, onde recebem orações com vista à solução de seus problemas,
esses fiéis são submetidos a cenas bastante constrangedoras. Por apresentarem gestos
convulsivos, alguns são dominados fisicamente pelos pastores ou obreiros auxiliares, certas vezes
são agarrados pelos cabelos 26. Em um dos exorcismos da IURD, executado pelo Bispo Guaracy
Santos, e que está disponível em um canal do Youtube 27, o endemoniado segura a perna do
pregador, após isso o demônio diz que irá matá-lo se este sair fora do templo; ao que o Bispo
responde de modo bastante prático, segurando a mulher possessa pelos cabelos, guia-a pelo meio
da multidão maravilhada até a escadaria do Templo Maior, 28 numa clara exibição de autoridade.
Depois da demonstração, o demônio fora expulso.
Não obstante, há momentos aparentemente mais degradantes, que ocorrem quando o
exorcista pergunta ao espírito maligno o que está ele fazendo na vida da pessoa. As respostas ao
interrogatório são as mais diversas, dentre as quais não raras vezes o “demônio” confessa levar a
pessoa a adulterar, prostituir ou roubar. Ronaldo de Almeida menciona o discurso de um pastor
segundo o qual uma jovem teria sido influenciada pelo diabo a “perder a virgindade” (2009, p.
83). Esse tipo de exposição nem sempre se encerra com o testemunho de satisfação do fiel. Já
constam dados de pessoas que se sentiram molestadas e humilhadas em tais rituais.
Na cidade de São Paulo, um aposentado acionou a justiça a fim de requerer indenização
por danos contra a IURD por ter sido agredido por pastores desta igreja, quando submetido a um
ritual de exorcismo. O requerente era epilético e teria sofrido a agressão durante o exorcismo
justamente quando passava por um ataque resultante da própria doença. O Tribunal de Justiça de
São Paulo deferiu o pedido, tendo a IURD recorrido sem contudo ter tido qualquer êxito 29.
Uma senhora acionou a Igreja alegando ter fraturado o punho da mão esquerda em uma
sessão de exorcismo. O ministrante do ato a teria afligido com gestos bruscos e até mesmo batido

26
Nessa matéria de Alexandre Mansur e Luciana Vicária, para a Revista Época, pode-se encontrar relatos
e análises de como se dá o exorcismo na IURD em detalhes. Disponível em:
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR57053-6014,00.html> Acesso às 18h32min de 11 de
set. de 2013.
27
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=72FTzhL0bwU&feature=youtube_gdata_player>
Acesso às 18h30min de 11 de set. de 2013.
28
O referido templo está situado na movimentada Avenida João Dias, 1800, em Santo Amaro/São Paulo.
29
Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93208> Acesso às
18h39min em 11 de set. de 2013.
73

com sua mão fraturada em uma cruz fixada no altar. A senhora teria ficado impossibilitada de
retornar à sua atividade profissional como doceira por longo período de tempo 30.
Em um outro exorcismo realizado dentro dos estúdios da Rádio Aleluia, transmitido ao
vivo pela Rede Família e também disponível na internet 31, o bispo Clodomir Santos juntamente
com o bispo Edir Macedo realiza um demorado ritual de exorcismo, durante o qual – como
frequentemente acontece – o possesso fora interrogado. Durante o interrogatório, bispo Clodomir
pergunta ao demônio o que ele teria ganhado para conduzir o jovem ao “homossexualismo”.
Essas declarações renderiam a IURD mais um capítulo polêmico, a ABGLT (Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) pediu ao Ministério Público
de São Paulo que investigasse o caso 32. De acordo com a ABGLT, a homossexualidade não deve
ser tratada como uma doença. Visto que desde 1990 ela não consta mais da Classificação
Internacional de Doenças, da Organização Mundial da Saúde.
Esses são apenas alguns casos malfadados de sessões de exorcismo realizados na IURD.
Contudo, há que se reconhecer que todas as semanas um sem-número de igrejas pentecostais e
neopentecostais realizam essas mesmas práticas Brasil afora. Não sendo difícil encontrar
processos em sites de órgãos jurídicos movidos contra igrejas neopentecostais. A IURD, por
exemplo, consta tanto no polo passivo quanto ativo de ações de todos os tipos. Desde pedidos de
indenização danos morais 33 até questões trabalhistas referentes a ex-pastores e ex-obreiros 34.
É inegável que há uma exposição exagerada das pessoas que se dispõem a receber orações
e acabam possessas. É indiscutível também que essas pessoas não só acabam expostas pelo que
dizem quando estão em transe como também pelos gestos que são levadas a realizar quando do
ato de exorcismo. Com tudo isso, ainda pode-se dizer que, pelo êxito dessas igrejas em suas
atividades religiosas, no geral tais práticas estão longe de ser um problema para os fiéis. Aos
olhos de um cético ou alguém de uma igreja mais tradicional, toda essa demonstração não passa

30
Disponível em: < http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/igreja-universal-pagara-indenizacao-fiel-
lesionada-em-sessao-exorcismo> Acesso às 19h50min de 11 de set. de 2013.
31
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=PN6AXJxJnSs> Acesso às 19h10min de 11 de set.
de 2013.
32
Disponível em: <http://agencialgbt.com.br/bispos-da-igreja-universal-poderao-ser-presos-por-curar-
jovem-homossexual.html> Acesso às 19h15min de 11 de set. de 2013.
33
Disponível em: <
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93208> Acesso às
23h00min de 11 de setembro de 2013.
34
Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/diarios/30190286/pg-1691-tribunal-superior-do-
trabalho-tst-de-01-09-2011> Acesso às 00h00min de 12 de setembro de 2013
74

de um espetáculo catártico. “O povão não tem acesso à psicanálise. As pessoas procuram esses
cultos populares para aplacar seu inferno interior”, é a declaração do Pastor Luterano Mozart
Noronha; “É como se fosse um show em que os pastores exibem o diabo subjugado como se
fosse um animal na jaula”, diz o padre Cleodon de Lima ambos à Revista Época 35.
Conforme o antropólogo Marcelo Tadvald:

Dentro da discursividade da IURD, não se trata de humilhar ou subjugar o


sujeito-fiel, mas antes o sujeito-encosto que se manifesta graças ao poder do
Espírito Santo ali presente. Isto quer dizer que as representações de humilhação
e de vergonha se encontram muito mais presentes na leitura do observador que
aqui escreve do que necessariamente entre as partes do ritual, pastores e fiéis
(2012, p. 6).

Para tanto, apesar das vozes dissonantes, a procura por essas igrejas certamente não se dá
sem que haja algum benefício – ainda que psíquico-emocional – para indivíduos que as procuram
sedentos por um contato com o sobrenatural, objetivando, claro, benefícios dos mais variados,
mas especialmente bênçãos materiais. Os rituais transmitem, de fato, certa tensão, exibem
pastores com tons vocais autoritários manietando homens e mulheres pelos seus cabelos. Porém,
a menos que um e o outro se manifeste em contrário, estão todos ali por livre e espontânea
vontade. De modo que, não se tem outra alternativa a não ser avaliar até que ponto o que é feito
viola a dignidade da pessoa humana, fere a liberdade de crença alheia ou implica de fato em uma
agressão física e moral passível de uma intervenção jurídica.

3.2.3 Neopentecostalismo: uma atraente opção entre o protestantismo e os cultos


mediúnicos

O teólogo americano Richard Niebuhr acreditava que a argumentação a respeito da


origem das denominações protestantes não pode se restringir às diferenças teológicas. Seria
preciso analisar outros aspectos, como, por exemplo, os que dissessem respeito ao contexto social
35
Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR57053-6014,00.html> Acesso às
20h04min de 11 de setembro de 2013.
75

em que essas divergências têm sua origem. Exemplificou comentando que o historiador Josefo
tentou distinguir as divergências entre fariseus e saduceus apenas da perspectiva ideológica, mas
havia outros aspectos importantes, como o das classes sociais às quais cada grupo pertencia – os
fariseus, grupo que primava pela fidelidade racial; os saduceus, grupo de judeus aristocratas que
já havia abraçado o helenismo (1992, p. 17).
O neopentecostalismo não constitui uma denominação exclusivamente, tem sido
entendido como um movimento religioso, incluindo um número expressivo de denominações,
tendo como exponenciais a Igreja Universal do Reino de Deus e a Internacional da Graça,
seguidas de muitas outras. Ainda assim, a avaliação de Niebuhr não se torna inválida. Enquanto
movimento, o neopentecostalismo abriga debaixo de seu “guarda-chuva” igrejas com
características bastante específicas, cujo desenvolvimento de seus principais expoentes se deu em
um mesmo período histórico num contexto social específico ao qual responderam de acordo com
suas possibilidades.
Como afirma Paulo Romeiro, até a década de 1970, grande parte do pentecostalismo
brasileiro cultivava costumes comportamentais rigorosos, uma espiritualidade escapista que
enfatizava o retorno de Cristo e, por conseguinte, a severa separação das coisas “desse mundo”.
A Congregação Cristã no Brasil e as Assembleias de Deus constituem a matriz desse
pentecostalismo que iria nascer, desenvolver-se e desenrolar-se em muitas outras formas de
espiritualidade evangélica em solo brasileira (2005, p. 75). A título de informação, a
Congregação Cristã no Brasil até os dias de hoje sustenta usos e costumes rigorosos, como o uso
do véu pelas mulheres e a separação de homens e mulheres em alas específicas para a realização
dos cultos.
Já com o surgimento da Igreja de Nova Vida o paradigma começa a ser transformado. A
denominação fundada por Robert McAlister em pouco tempo de existência romperia com os
limites que ainda restringiam a difusão da mensagem pentecostal para os diferentes grupos e
classes sociais existentes, conquistando fieis oriundos da classe média. Contudo, para Edir
Macedo, Romildo Ribeiro Soares e seus companheiros de caminhada de fé, a visão ainda era
pequena. Suspeitavam que poderiam alcançar bem mais do que seu líder e pai na fé, o bispo
McAlister.
Egresso de família católica e com passagem pela Umbanda – e talvez por isso mesmo –
76

Edir Macedo tornar-se-ia um dos fundadores e líder da maior e mais controversa denominação
neopentecostal brasileira. Um líder que afirma, em consonância com os princípios reformados,
que o “justo viverá pela fé” (2011, p. 04), mas também, curiosamente, que “a revolta e ódio”
contra o mal são a chave para a vitória diante dos problemas dessa vida. (2011, p. 08).
Ora, é inegável que a IURD e as demais neopentecostais são herdeiras das igrejas
protestantes, ao menos se beneficiam da militância dessas denominações na sociedade brasileira.
Conforme Oriovaldo Pimentel Lopes Júnior:

Enquanto não foi quebrado o monopólio do catolicismo, o Brasil permaneceu à


margem daquilo que se convencionou chamar de modernidade ocidental.
Racionalidade econômica, ordenação jurídica do Estado Laico e democrático,
universalização do ensino, mudanças na estrutura agrária, entre outros elementos
que caracterizam a modernidade, só ocorreram paralelamente às mudanças
próprias do monopólio religioso católico. A insistência pioneira do
protestantismo e do pentecostalismo em quebrar esse monopólio permitiu o
florescimento de um modo alternativo de se pensar a sociedade. Contudo, em
menos de um século a nação caminhou para uma modernidade globalizada e
consumista, na qual a religiosidade das soluções mágicas e imediatas encontrou
larga aceitação (2012, p. 37).

Diante disso, o neopentecostalismo é diretamente beneficiado do longo empreendimento


protestante e pentecostal no Brasil. Surge do seio pentecostal e se emancipa enquanto uma
categoria sui generis, mas que não ousa romper absolutamente com sua matriz. Ao contrário, de
acordo com uma antiga afirmação de Paul Freston, a IURD e seu perfil teológico seria uma etapa
avançada de secularização da ética protestante (1994, p. 146). Entretanto, pelo que fora exposto e
discutido até aqui, se considerarmos as palavras de Freston, podemos dizer então que ela
representa esse avanço (ou seria exacerbação) da ética protestante só que concretizado “à
brasileira”.
Certamente que o neopentecostalismo brasileiro é peculiar. E a IURD não seria como é se
não houvesse surgido nessas terras, nas conjunturas às quais foi exposta e às quais se adaptou a
fim de manter-se viva no mercado religioso local. “(...) a vida religiosa é tão entrelaçada com as
circunstâncias sociais que a formulação da teologia é necessariamente condicionada por elas”
77

(NIEBUHR , 1992, p. 18). Mas qual é mesmo a teologia da IURD? Qual a teologia do
movimento neopentecostal?

Boa parte do movimento não se preocupa com a interpretação científica do texto


bíblico e com as ferramentas necessárias à hermenêutica. Ao longo das décadas,
o pentecostalismo brasileiro até mostrou certa ojeriza pela educação
(ROMEIRO, 2005, p. 117).

Sim, há uma teologia, uma estrutura de pensamento que orienta práticas e discursos. Não
obstante, é mutante, de acordo com as necessidades e conveniências na relação com a demanda e
diante da concorrência. Possui interditos e proibições, isto é, há dogmas a serem sustentados. O
neopentecostalismo, nesse sentido, constitui um fenômeno interessantíssimo que não pode
prescindir de atenção por parte daqueles que se empenham a estudá-lo.
E sobre suas transformações, parece de fato não existir uma fronteira cultural nítida ou
firme entre os grupos sociais, e sim, pelo contrário, um continuum cultural. Peter Burke comenta
que os linguistas há muito tempo vêm defendendo o mesmo ponto de vista a respeito de línguas
vizinhas como o holandês e o alemão, que na fronteira, é impossível dizer quando ou onde o
holandês termina e começa o alemão (2003, p. 14). Será que isso vale também para a análise de
grupos religiosos? Seria aplicável ao neopentecostalismo?
Não que igrejas como a IURD tenham se tornado outra coisa, porém talvez o que mais a
difira de outros grupos pentecostais e protestantes sejam as misturas sincréticas que optou por
fazer. De fato, como vimos, esse sincretismo não fez dela um híbrido de protestantismo e
Umbanda, porém, tornou-a bem mais palatável ao povo brasileiro justamente pela capacidade de
dialogar com os marcos simbólicos presentes nessa cultura. “(...) toda inovação é uma espécie de
adaptação e [que] encontros culturais encorajam a criatividade (BURKE, 2003, p. 17)”.
Inovadora e criativa, sincrética e agressiva em sua mensagem, adapta-se porém sem anular temas
e signos tradicionais da fé cristã protestante.
Jesus Cristo é o Senhor, anuncia cada templo da IURD mundo afora, Deus versus diabo
são uma constante, a ideia de salvação por meio de Jesus e a operação da fé pela ação do Espírito
Santo também estão presentes. Apesar das ênfases em prosperidade financeira e conquistas
materiais, os neopentecostais reproduzem, ainda que fragmentados, conceitos caros aos
evangélicos em geral. É claro que a mistura – o sincretismo aqui abordado – pode implicar e, por
78

certo nesse caso implica, em perdas daquilo que fora transmitido anteriormente. Daí as rupturas e
continuidades.
Assim sendo, ao passo em que se torna um grupo específico caracterizado por rupturas e
também por continuidades em relação à sua matriz, aliado ao sincretismo, não apenas permite ao
neopentecostalismo iurdiano manter-se vivo em um cenário religioso tão competitivo quanto o
brasileiro. Como também, e principalmente, torna-o uma alternativa atraente diante do
tradicionalismo protestante, árido no que diz respeito às manifestações sobrenaturais ansiadas por
muitos e, por outro lado, os cultos afro-brasileiros e mediúnicos em geral (incluindo, por assim
dizer, o espiritismo).
Com seu sincretismo de inversão, “o neopentecostalismo parece se posicionar numa
terceira via entre aquilo que combate e suas próprias origens” (SILVA, 2006, p. 2007). Ao
interrogar o Exu que se manifesta em uma fiel num culto de sexta-feira, o pastor não somente se
vale do repertório afro, mas também o reconhece como real, entretanto o desqualifica a fim de
apresentar sua superioridade diante desses cultos. Seu relacionamento não é complicado apenas
em relação aos cultos de matriz afro, entre os próprios evangélicos neopentecostais ocorre duros
embates.
Em um exorcismo realizado pelo bispo Edir Macedo, durante o costumeiro interrogatório
da entidade manifesta, o espírito chega a mencionar que começou a atuar na vida da pessoa
possuída desde que essa começou a frequentar a Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada pelo
apóstolo Valdemiro Santiago, ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, cuja denominação
fundada tem alcançado significativo êxito no mercado da fé. Tal êxito pode explicar a razão do
exorcismo com menção explícita tanto ao nome de Santiago como também da Igreja Mundial.
Em um só ritual de exorcismo Macedo atinge mais de uma expressão religiosa. Em determinado
momento do interrogatório o líder neopentecostal diz ao demônio que imite o rival (Valdemiro) a
fim de ver se este era de fato “o dono da cabeça dele”. Note-se que o termo “fazer cabeça” é
oriundo do Camdomblé 36, e ao dizer que desejava dialogar com a entidade que era dona da
cabeça de Santiago, ao mesmo tempo combatia a denominação que lhe tem causado incômodos e
também, para variar, às expressões de fé afrodescendentes.
A relação da IURD com outras igrejas evangélicas não durou muito tempo. Quando
tentou fazer parte da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), fora barrado pelo seu presidente

36
Diz respeito ao orixá pessoal, protetor da cabeça do indivíduo (CACCIATORE, 1977, 105).
79

Caio Fábio D’Araújo Filho, então pastor presbiteriano e que, inclusive, se opunha a denominar a
Igreja Universal do Reino de Deus enquanto denominação evangélica. Fora isso, a IURD chegou
a fazer parte do Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB), fundado pelo próprio Edir
Macedo, juntamente com outros líderes pentecostais (permaneceu parte do Conselho enquanto
fora útil aos interesses da IURD) 37.
A IURD, tendo se consolidado como uma das mais fortes estruturas religiosas no Brasil,
não presta contas a quem quer que seja, seus vínculos se dão conforme seja conveniente.
Atualmente, suas principais relações têm-se dado no âmbito da política e de empreendimentos da
Record. Ainda assim, com políticos advindos de seu próprio quadro religioso lhe confere certa
tranquilidade para atuar na política nacional.
Beneficiando-se dessa aparente independência, não necessitando reafirmar-se como
pertencente de nenhum grupo específico, e com o poder político-financeiro resultante do império
edificado (Igreja, Televisão, Rádio, etc.), a IURD pode transitar sem receio em arraiais tão
antagônicos quanto o dos evangélicos até os dos cultos mediúnicos. Muitas vezes desagradando a
ambos. Aos evangélicos, por não ser a expressão fiel daquilo que estes julgam ser o modelo de fé
evangélica herdada do protestantismo, aos cultos afro e espiritismo, pela forma com que faz
menção a esses em suas mensagens e prioritariamente nos rituais de exorcismo.
Para Vagner Gonçalves da Silva, antropólogo, a IURD constitui uma síntese entre o
pentecostalismo e a Umbanda. Em suas palavras:

A novidade que vem transformando esse cenário, desde que foi analisado há
trinta anos por estes atores, é o desenvolvimento do neopentecostalismo, que,
distanciando-se do pentecostalismo clássico e aproximando-se da umbanda e de
outras religiões afro-brasileiras, ainda que seja para negá-las, passou a traduzir
para seu próprio sistema o ethos da manipulação mágica e pessoal, mas agora
sob nova direção, colocando o “direito” no lugar do “favor”. A base sociológica
comum entre pentecostais e umbandistas, que propiciava a “dupla resposta à
aflição”, opostas e distintas, conforme apontada por Fly e Howe, muito
provavelmente possibilitou o surgimento desta “terceira resposta à aflição”, que
se apropria a seu modo das duas anteriores. Ou seja, o neopentecostalismo, ao

37
Informações disponíveis em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/9/21/brasil/45.html> Acesso às
12 de setembro de 2013.
80

“abrandar” o ascetismo, suavizando o estereótipo do “crente” do protestantismo


histórico, passou a valorizar os prazeres terrenos e estimular o consumo de bens
materiais como sinais de salvação. Ao abrir-se para o mundo, para a sociedade
de consumo (incluindo o consumo do corpo), promoveu uma intermediação
importante entre o ethos religioso do pentecostalismo tradicional e o das
concepções afro-brasileiras, marcadas historicamente por sua abertura ao mundo
(onde o sagrado assume a feição do mundano e não o contrário) (2007, p. 206).

Parte importante dessa análise de Silva é sua observação de que o neopentecostalismo


coloca o “direito” no lugar do “favor”. O “favor”, aqui, pode ser traduzido, em boa linguagem
teológica, como o importante fundamento da teologia protestante clássica: a graça; que constitui,
basicamente, a ideia de que a raça humana é essencialmente pecadora e não possui qualquer
direito de revindicar o que quer que seja diante de Deus. Por esse conceito, qualquer dádiva
ofertada por Deus ao fiel constitui-se em um favor imerecido. Nesse sentido, a mistura sincrética
pode ter de fato gerada uma perda daquilo que fora transmitido ao neopentecostalismo pela
tradição protestante. Ainda assim, isso é uma observação precária ou mesmo provisória, tendo em
vista que a qualquer momento tal perspectiva possa ser resgatada pela liderança iurdiana
conforme bem lhe aprouver.
Também conforme já fora observado, por ter deixado para trás o rigor comportamental do
pentecostalismo clássico e o perfil severo do ascetismo protestante, fez-se bem mais cativante
que essas. Porém, entre aquilo que abandonou e aquilo que apropriou tanto do pentecostalismo
quanto dos cultos afro, a manipulação do sagrado pela magia corroborou para agradar ao paladar
de um povo eclético e também ávido pelas dimensões místicas da religiosidade.
Até mesmo a ideia de oferenda/sacrifício dos cultos afro-brasileiros encontra continuidade
ou paralelismo no movimento neopentecostal:

Nessas religiões, por exemplo, a prosperidade também é resultado das doações


que o iniciado faz antecipadamente para as divindades. Sendo as divindades,
como os orixás, forças associadas aos domínios da natureza, quando cultuadas
apropriadamente deslocam os benefícios desses domínios, que as constituem ou
das quais são representantes, para seus filhos. De Oxum espera-se riqueza e
fertilidade; de Ogum, abertura dos caminhos e bons negócios; de Xangô, justiça;
81

Obaluaiê, cura das doenças; de Oxóssi, fartura à mesa. Para tanto, é preciso dar-
lhes comidas, bebidas, fazer os sacrifícios com os animais de sua predileção,
enfim, recebê-los no corpo de seus filhos e vesti-los com suas roupas e insígnias
para que dancem e tragam a esse mundo seu axé38 (SILVA, 2007, p. 213).

Na teologia de Macedo, o sacrifício com dízimos e ofertas possui lugar especial 39. Assim
como nos tradicionais cultos afro, que praticam tranquilamente a barganha ou negociação com as
entidades, também no neopentecostalismo iurdiano isso é comum. O fiel faz sua parte, doa,
oferta, sacrifica-se e, a partir daí, exige que Deus faça a parte dele.
Conforme Silva: “Quanto mais o iniciado gasta com o culto de seu orixá, maior será a
expressão do seu axé. Quanto maior for o “donativo” dado a Deus, maior será o empenho na
benção aguardada” (2007, p. 217). O autor ressalta, contudo, que o alto ônus financeiro do
candomblé se dá em razão de os itens requeridos pelos orixás possuírem preços que seguem a
lógica capitalista do mercado. Não sendo, dessa forma, o valor pago por esses itens no mercado
que alterará a relação de troca com o sagrado (como ele mesmo diz em seu texto, não adianta
oferecer dois galos ao seu orixá se ele “come” apenas um). Já no neopentecostalismo, tal relação
se dá de modo diferente, quanto mais o fiel doar, maior será sua benção, como se constituísse
uma espécie de investimento financeiro (2007, p. 218).
Silva ainda conclui que o hiato visível entre essas duas linhas religiosas é que a aceitação
de pessoas à “margem” da sociedade se dá por diferentes razões:

(...) nas religiões afro-brasileiras aceita-se a “margem” não para transformá-la,


mas para consagrá-la em seu poder contestador (afinal, os próprios deuses
podem ser falíveis, egoístas, malandros, adúlteros, vingativos ou exercitarem
uma espécie de homoerotismo), tudo isso sem culpas a expiar ou desafios a
cumprir. Já no neopentecostalismo abraça-se a todos os estigmatizados e
marginais (alcoólatras, homossexuais, drogados, prostituas, etc.) com a
promessa de libertá-los de seus exus-demônios. Afinal, a conversão da
“margem” valoriza o “centro”: Deus, igreja, bispo... (p. 257).

38
Força ou energia vital, presente em todas as coisas (animadas ou não), que pode ser manipulada com
vistas a manter o equilíbrio dos homens e do mundo ao seu redor.
39
Para Macedo o dízimo, por exemplo, não constitui mero símbolo ou ato de fé, mas representaria “o
próprio Primogênito, Jesus Cristo, (...) que [se] deu à humanidade, a fim de redimi-la para si” (2001, p.
65).
82

Para tanto, diante de tudo o que tem sido exposto, pode-se entender o neopentecostalismo
como uma síntese entre protestantismo, pentecostalismo e religiões afro-brasileiras (inclui-se
aqui, portanto, aspectos do próprio catolicismo e o kardecismo uma vez que estes estão presentes
em determinadas expressões dos cultos afro, como, por exemplo, a Umbanda.
Afora o investimento no marketing, tecnologias radiotelevisivas, como propagandas
massivas, o grande êxito do movimento neopentecostal talvez não se desse sem a impressionante
capacidade de dialogar com esses sistemas simbólicos religiosos ao mesmo tempo; sendo que
mantém símbolos e elementos de sua matriz pentecostal, e, por conseguinte, do próprio
protestantismo, inserindo em sua estrutura, forjada estrategicamente, elementos do universo
religioso simbólico das religiões de matriz afro-brasileiras. Por essa síntese, o neopentecostalismo
se mantém e potencializa sua capacidade de atrair fieis advindos dos mais diversos rincões do
campo religioso.
De modo estratégico, não explicita as rupturas que cria em relação aos sistemas do qual se
origina (ou seja, não se declara em qualquer momento como não-evangélica ou não-protestante).
Na verdade, tenta sustentar de modo tácito certa continuidade em relação a estes, quando na
verdade já promoveu diversas ressignificações de seus sistemas simbólicos.
Diante disso, percebe-se que acaba desagradando os grupos com os quais interage em um
relacionamento conflituoso. Assim, o neopentecostalismo tem sido chamado de “pentecostalismo
macumbeiro”, “pseudopentecostalismo”, “parapentecostalismo”, e por aí vai. Todos esses
“apelidos” tentam adequar/encontrar uma nomenclatura compatível com o que ele tem se
constituído na prática: uma impressionante e imprevisível síntese. Por essas características, pode
haver quem ouse dizer que a IURD e suas filhas neopentecostais não se constituem protestantes,
nem pentecostais, nem tampouco são parte da religiosidade afro-brasileira. Por outro lado, no
entanto, é difícil não reconhecer que, dentre os grupos surgidos entre os protestantes e
pentecostais, as igrejas neopentecostais são as que melhor interagem com o ethos brasileiro.
83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como falar em conclusões em se tratando de uma pesquisa que aborda um grupo religioso
tão mutante como os neopentecostais? Em poucas décadas de existência já impactam o cenário
religioso brasileiro. Aliás, nisso esse grupo não apenas demonstra seu vínculo com o
pentecostalismo surgido no início do século passado, mas também demonstra que carrega em seu
DNA a mesma versatilidade que os pentecostais manifestaram em sua trajetória para se
consolidar no cenário religioso nacional.
Os pentecostais, desde o início de seus trabalhos em terras brasileiras, romperam barreiras
que os protestantes históricos não conseguiram romper em anos de trabalho. Abumanssur, em um
artigo no qual trabalha a conversão de comunidades tradicionais ao pentecostalismo, faz as
seguinte afirmação:

A vantagem que o pentecostalismo leva na conquista dos corações e mentes dos


povos tradicionais é que ele não representa uma total ruptura com o passado
católico popular. O discurso pentecostal, entre quilombolas e caiçaras, cria uma
interface amigável entre o novo e o antigo e a nova realidade vai sendo cozida
lentamente no molho das velhas tradições (ABUMANSSUR, 2011, p.411).

Esse perfil não se restringe ao encontro entre pentecostais e comunidades tradicionais, nas
grandes metrópoles o pentecostalismo também têm alcançado êxito em suas empreitadas. Há
quem sugira que o pentecostalismo constitua uma versão urbana daquilo que fora o catolicismo
popular rural (PASSOS, 2000). Entretanto, para averiguar seu êxito, Alencar (2010, p. 28)
assevera que se faz necessário uma analise “pluricausal” a fim de explicá-lo. Certamente, seu
crescimento e solidificação se dão por vários fatores. Assim como o êxito neopentecostal também
possui várias causas.
Não obstante, para nossa pesquisa convencionou-se enfocar o sincretismo evidenciado
pelas práticas e discursos neopentecostais e seus resultados na expansão do neopentecostalismo; e
também as consequências dessas práticas para o campo religioso mais amplo.
Como hipótese inicial, esperava-se encontrar vestígios de uma nova tradição religiosa
nesse movimento. Entretanto, percebeu-se logo cedo que tal conjectura não prosperaria. Não
84

porque as igrejas neopentecostais não apresentem fraturas em relação ao protestantismo e


movimento evangélico. Conquanto haja rupturas, há também muitas continuidades. Portanto, é
preferível tratar essa movimentação meramente como deslocamentos. É importante ressaltar uma
vez mais a versatilidade desse grupo. E a ela se deve a impressão apriorística de que ele nada ou
muito pouco tem a ver com sua matriz original.
A adição de elementos de outros cultos em suas práticas, a extravagante criatividade das
pregações e espantosas práticas rituais, como, por exemplo, a espetaculosidade com que são
realizados os exorcismos, são consideráveis argumentos para sugerir um imenso distanciamento
da sobriedade e racionalidade contidas na vivência protestante. Porém, um olhar desconfiado e
meticuloso, como o de quem busca enxergar nos bastidores, pode conduzir ao pano de fundo no
qual essas posturas são adotadas.
Adotadas, assumidas, orientadas, são algumas da palavras que podem ser utilizadas. Visto
que, pelo que se pode notar, as posturas de denominações do perfil da IURD são tomadas como
importante estratégia a fim de atingir seu público alvo. Assim, não há necessariamente um
abandono total do que compreendemos como protestantismo tampouco do pentecostalismo. Há,
de fato, uma racionalidade presente. Talvez não há racionalização que os protestantes clássicos
gostariam de ver. E também há, sim, a permanência de características típicas do pentecostalismo.
Pode-se notar, entre os neopentecostais, basicamente, que:
a) no mundo existe duas forças contrapostas que se mantém em constante embate, Deus e
Satanás (CAMPOS, 1994, p. 338);
b) os indivíduos, por sua vez, estão divididos entre “aquele que vivem em submissão a
Deus, por meio de Seu Filho Jesus Cristo e vivem na luz, ou se submete ao diabo e seus
anjos e vive nas trevas” (MACEDO, 2000, p. 30);
c) a salvação/cura só pode ser conquistada em Deus/Jesus, “médico supremo” (CAMPOS,
1994, p. 354);

Fica evidente a visão maniqueísta do mundo, características também de outros grupos


protestantes, marcadamente os movimentos puritanos e de santificação. O mesmo ocorre com a
soteriologia exclusivista, quando afirma que só os crentes fazem parte do povo de Deus e,
necessariamente, só aqueles que têm um encontro com Jesus é que andam na luz da salvação.
85

Creem na trindade, creem no Espírito Santo e possuem uma teologia da queda basicamente
harmonizada com a ortodoxia protestante.
Resumindo, compreendeu-se infrutífera a tentativa de avaliar seu pertencimento ou não ao
grupo dos evangélicos. Sendo muito mais auspicioso aproveitar desses deslocamentos a fim de
explorar a atratividade demonstrada por esse movimento diante de inúmeras outras ofertas
religiosas no cenário brasileiro. Desse modo, pareceu bastante oportuno revisitar o tema do
sincretismo.
Assim, considerou-se que em nenhum momento houve a intenção de contrastar os
neopentecostais com outro grupo qualquer a fim de sustentar uma suposta pureza desse ou
daquele. Entretanto, era importante levar em conta o modo como se constituía essa característica
entre os neopentecostais, revelando-a como uma estratégia, uma forma de agir pensada e
elaborada inteligentemente a fim de poder dialogar com os marcos simbólico-religiosos da
cultura popular religiosa brasileira.
Essa estratégia se mostra eficaz, pois parece plausível, uma vez que na sociedade
brasileira, mesmo quem não tenha sido adepto de cultos de matriz africana certamente já ouviu
expressões como “encosto”, “mal olhado”, “macumba”, “trabalho”, “descarrego” e “exu”, dentre
outras. A utilização desse repertório já sedimentado no imaginário popular – muitas vezes de
modo preconceituoso – permite à IURD e demais igrejas desse perfil manipularem a Bíblia e o
conteúdo evangélico tradicional conferindo-lhe uma roupagem mais palatável. Mais ainda: quiçá
tornem-nos mais relevantes diante das necessidades concretas da vida cotidiana dos fiéis.
Essa perceptível capacidade de transformação de suas práticas e discursos também é
justificável pelas características da contemporaneidade. Numa sociedade regida por valores
capitalistas, competitiva e utilitarista, carente de soluções imediatas, certamente prosperariam
instituições que buscassem atender a tais expectativas. Os evangélicos de hoje já não esperam tão
ansiosamente o celeste porvir (MENDONÇA, 1986), as bênçãos de cunho espiritual. Assim, os
líderes neopentecostais surgem nos canais de televisão e nas rádios oferecendo as bênçãos de
Deus para agora, para já.
Agilidade na prestação dos bens religiosos e versatilidade na transmissão de sua
mensagem, são importantes características de uma igreja prá lá de moderna, que não apenas
sobrevive em seu tempo, mas também se expande e torna-se poderosa, não sem dificuldades, não
sem obstáculos, problemas que, pela natureza de suas ações, seriam inevitáveis. Quanto a isso,
86

deve-se voltar a atenção para o modo como se relaciona com outras fés existentes na sociedade
da qual faz parte.
Daí a importância da análise do tipo de sincretismo elaborado pelos neopentecostais. Teria
alguma semelhança com o sincretismo de sobrevivência praticado pelos cultos afros, que deu
origem especialmente à Umbanda? Assemelha-se ao do Candomblé, que gerou a reunião de
divindades do panteão de diferentes tribos africanas (CACCIATORE, 1977, p. 78) em uma forma
específica de culto? Ou mesmo o sincretismo suportado pelo catolicismo brasileiro, tolerando
aqui e ali expressões populares que mesclam crenças africanas, espíritas e cristãs romanas? Por
enquanto, parece não haver alguma semelhança!
Ao contrário, o modo como a religiosidade popular vivencia o sincretismo é bastante
distante do que se pode ver no neopentecostalismo. Notem-se as palavras desse samba de autoria
do cantor Zeca Pagodinho 40:

Eu sou descendente Zulu


Sou um soldado de Ogum
Um devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre

Sim vou à igreja festejar meu protetor


E agradecer por eu ser mais um vencedor
Nas lutas nas batalhas
Sim vou ao terreiro pra bater o meu tambor
Bato cabeça firmo ponto sim senhor
Eu canto pra Ogum

O sincretismo não apenas é reconhecido, mas também, pelo que se pode notar, enaltecido.
Para o autor da canção intitulada Ogum, parece não haver distinção alguma entre Ogum e São
Jorge. Refletindo sua crença umbandista, as duas entidades, de crenças supostamente distantes,
fundem-se em uma apenas, ao ponto de soar arbitrário afirmar aqui que se tratam de duas
40
Disponível em: <http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/zeca-pagodinho/ogum-com-jorge-ben-
jor/2499861> Acesso às 14h20min de 01 de novembro de 2013.
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entidades, visto que na concepção do fiel ambas as figuras podem simplesmente representar
manifestações distintas da mesmo ser.
Entretanto, quando da realização de um exorcismo neopentecostal, por exemplo, no
púlpito de algum templo da Igreja Universal do Reino de Deus nalgum canto desse país, o exu só
permanece como tal nos primeiros momentos da sessão, transmutando-se, mais adiante, no
decorrer do interrogatório, no famigerado diabo-cristão. Daí o agravamento da crise entre
pentecostais e representantes dos cultos afro-brasileiros. Se antes o pentecostalismo já os
demonizava, o exorcismo neopentecostal protagonizado pela IURD e espalhado Brasil afora
praticamente incita a uma guerra religiosa.
A religião que fala de salvação também fala de confronto e batalha. Entretanto, esse
embate até então simbólico, protagonizado pela figura de Deus versus Diabo, expande-se para a
figura do Deus cristão evangélico que milita contra as forças malignas contidas nos cultos não-
cristãos, especialmente aqueles que historicamente apresentam mais fragilidade social,
constituído como minoria, os cultos afro-brasileiros e, em certo nível, algumas formas de
espiritismo. Tal enfrentamento deixou de restringir-se à dimensão simbólico-religiosa e
transbordou os limites templo-culto, concretizando-se na realidade cotidiana, conforme foi
mencionado no desenvolver desse texto, com o exemplo da favela carioca em que traficantes
convertidos ao pentecostalismo lideraram a expulsão de adeptos de cultos afro.
Se por um lado o sincretismo pode demonstrar a riqueza de uma crença, avolumada por
elementos de distintas tradições, nesse caso essa complexidade tem gerado a intolerância e
discriminação. Isto se torna ainda mais grave quando o alvo dessa discriminação é um grupo que
já padeceu e ainda luta para não padecer o preconceito social ligado à sua opção religiosa e
características culturais – isso porque, reiterando, em se tratando das crenças afro-brasileiras, não
apenas se está falando de uma forma de religiosidade, mas também de todo um conjunto de
tradições sócio-culturais.
Diante dessa realidade, eis aí uma lamentável lacuna deste trabalho, a priori não se
oferece aqui alguma solução para o problema em questão. Enquanto pesquisa acadêmica, esta
dissertação limitou-se a apresentar e explorar esses dados, sem contudo oferecer uma saída, isso
em parte pela complexidade da situação, em parte pelo receio de adentrar na esfera da militância.
Outra importante questão é a da exposição dos fieis no auge das sessões de exorcismo. Se
outrora os pentecostais mostravam-se bastante céleres e objetivos ao expulsar os demônios das
88

pessoas (ALENCAR, 2005, p. 87), os neopentecostais reeditaram a prática conferindo-lhe uma


atmosfera de batalha espiritual, na qual os pastores e bispos medem forças com as entidades
manifestas e realizam interrogatórios – às vezes muito longos. Há uma infinidade de vídeos de
exorcismo com tais características na internet. E qualquer um que visitar um templo da IURD
poderá assistir presencialmente a prática, de modo especial se a visita for realizada em uma sexta-
feira, na Sessão do Descarrego.
Embora o ritual seja controvertido, a menos que o próprio sujeito alvo do exorcismo se
queixe da exposição, este não se configurará em uma espécie de abuso ou dano à dignidade da
pessoa humana. Afinal, o público frequentador desse tipo de reunião certamente sabe o que
ocorrerá ali, e ainda assim – ou talvez por isso mesmo – vão em busca de bênçãos. Aliás, no
sincretismo de inversão praticado pela IURD, talvez até faça sentido que alguns indivíduos
procurem a igreja exatamente para passar pelo ritual, uma vez que, antes, recebiam entidades nos
terreiros, agora, para receberem a libertação, anseiam ficar possessas no púlpito a fim de que o
pastor o expulse de uma vez por todas esse espírito.
Finalizando, o movimento neopentecostal, em sua dinamicidade e complexidade, já fora
classificado de diversas maneiras. Pseudopentecostais? Pós-pentecostais? Pentecostalismo
Macumbeiro? Parapentecostalismo? Enfim, independente da nomeação, por hora basta saber que
todos tratam do mesmo fenômeno. O grupo religioso advindo do seio dos evangélicos
pentecostais e que elabora uma curiosa síntese entre a religiosidade afro/popular da cultura
brasileira e o próprio protestantismo. Instigante, atraente, chamativo, controverso e polêmico,
esses e outros adjetivos caem muito bem a esse grupo religioso que a cada dia mais chama a
atenção do Brasil pelas suas especificidades.
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