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Evolução Biológica

3 – METODOS MANUAIS DE CONSTRUÇÃO DE CLADOGRAMAS

1 - MÉTODO ORTODOXO DE HENNIG

Vamos agora conhecer como aplicar métodos manuais para construção de cladogramas
iniciando pelo método ortodoxo de Hennig. Este método consiste em plotar os caracteres em
seus estados apomórficos na politomia formada pelas espécies do grupo taxonômico em estudo, a
partir dos caracteres de maior generalidade, ou seja, a partir dos caracteres cujos estados
apomórficos estejam presentes no maior número de espécies e assim sucessivamente, até que
todos os caracteres estejam plotados e o cladograma construído. Se os caracteres ao serem
plotados determinarem conflitos (homoplasias), devemos então trabalhar com múltiplos
cladogramas até que encontremos o(s) cladograma(s) mais parcimonioso(s), que determinará(ão)
as relações de parentesco entre as espécies.
A figura 53 é um desenho de uma mariposa (Lepidoptera) extraído do sítio
http://www.entomology.umn.edu/museum/links/Interactive%20Key%20Gallery/source/lepidoptera.htm e que
serviu de modelo para compormos as sete espécies utilizadas neste exercício, portanto todas as
espécies são fictícias. Essas espécies foram incluídas em um gênero, também fictício, Bolzerella.
O gênero tem como caráter diagnóstico uma mancha circular amarela sobre a região
dorsal do segundo segmento do abdome, que o difere de todos os demais gêneros que lhes são
adjacentes. Os caracteres a serem explorados neste exercício estão destacados na figura 53 e
todas as sete espécies, inclusive a espécie do grupo externo, estão representadas na figura 54.

Olho
Antena

Mesonoto Região central das


asas anteriores
Margem lateral externa
das asas posteriores
Região central das
asas posteriores
Abdome composto
por 8 segmentos
Tarso mediano
composto por 5
tarsômeros.
Tarso posterior
composto por 5
tarsômeros.

Figura 53 - Caracteres morfológicos de um espécime de mariposa (Lepidoptera)

Primeiro passo: para cada um dos caracteres destacados na figura 53, devemos
verificar quais os estados presentes em cada uma das sete espécies (figura 54). Em seguida
devemos descrevê-los, polarizá-los no grupo externo e codificá-los. Como faremos isso? Vamos
assumir que o aspecto da antena é o primeiro caráter a ser analisado. Verificamos dentre as sete

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espécies que a espécie Bb tem a antena sem cerdas enquanto que as espécies Ba, Bc, Bd, Be,
Bf, Bg têm antenas com cerdas. Logo, antena sem cerdas e antenas com cerdas, são os dois
estados presentes para esse caráter nas espécies de Bolzerella, mas qual o estado apomórfico
(derivado) e qual o estado plesiomórfico (primitivo)? Decidimos isso comparando os dois estados
com o estado presente no grupo externo.
Como regra, o grupo externo é composto por espécies de táxons diferentes daquele que
estamos analisando, porém próximos. Como já sabemos (UNIDADE 5.2.2 e 5.2.3) o estado de
caráter presente no grupo externo é interpretado como o estado primitivo. Logo, como as antenas
presente no espécime do grupo externo de Bolzerella são sem cerdas este será o estado
plesiomórfico, sendo as antenas com cerdas o estado apomórico. Também como regra,
codificamos o estado plesiomórfico com zero (0) e o apomórfico com (1) (quadro 6).
Assumindo que a cor dos olhos é o segundo caráter a ser analisado observamos que
dentre as espécies de Bolzerella existem espécies com olhos pretos (Ba, Bb, Bd, Bf, Bg) e
espécies com olhos vermelhos (Bc, Be). Observando o estado do caráter presente no grupo
externo concluímos que olho preto é o estado plesiomórfico, que codificaremos com (0), e olho
vermelho o estado apomórfico, que codificaremos com (1). Fazendo esse mesmo procedimento
para os demais caracteres obteremos a listagem conforme quadro 6.

Quadro 6 – Caracteres para as espécies de Bolzerella, com seus respectivos estados


polarizados no grupo externo: plesiomórfico (0), apomórfico (1).

caracteres e estados de caracteres codificados.


1 Aspecto das antenas: sem cerdas (0) com cerdas (1).
2 Cor dos olhos: preto (0) vermelho (1).
3 Aspecto do mesonoto: sem mancha (0) com mancha escura triangular (1).
4 Região central das asas anteriores: sem manchas (0) com manchas circulares
concêntricas, negras e amarelas (1).
5 Região central das asas posteriores: sem manchas (0) com mancha circular
negra (1).
6 Margem lateral externa das asas posteriores: sem manchas (0) com manchas
circulares amarelas (1).
7 Base do 2º. tarsômero das pernas medianas: sem cerdas (0) com cerdas (1).
8 Base do 2º. tarsômero das pernas posteriores: sem cerdas (0) com cerdas (1).
9 Região dorsal do 2º. segmento do abdome: sem manchas (0) com mancha
amarela (1).
10 Região dorsal do 4º. segmento do abdome: sem manchas (0) com mancha
amarela (1).

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GE Ba

Bb Bc

Bd Be

Bf Bg

Figura 54 – Espécies de Bolzerella (Ba, Bb, Bc, Bd, Be, Bf, Bg) e Grupo Externo (GE).
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Segundo passo: consiste na construção da matriz de caracteres, onde as linhas são os


táxons em análise e as colunas os caracteres com seus respectivos estados polarizados no grupo
externo. Após a análise de todos os caracteres presentes nas sete espécies de Bolzerella temos a
matriz abaixo (quadro 7).

Quadro 7 – Matriz de caracteres polarizados: (0) plesiomórfico, (1) apomórfico.


Caracteres
Táxons 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0
GE 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ba 1 0 1 1 0 1 0 1 1 0
Bb 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Bc 1 1 0 0 0 0 1 0 1 0
Bd 1 0 1 1 0 1 0 0 1 0
Be 1 1 0 0 0 0 1 0 1 1
Bf 1 0 1 0 0 1 0 1 1 0
Bg 1 0 0 0 1 1 0 1 1 0
Generalidade 6 2 3 2 1 4 2 3 7 1

Terceiro passo: consiste na construção do cladograma que inicia-se com a plotagem


dos caracteres a partir do caráter de maior generalidade (última linha do quadro 7), ou seja, o
caráter 9(1), o qual passa a ancorar uma hipótese de ancestralidade comum para as espécies do
gênero, porém as relações internas entre as espécies são desconhecidas e isso está expresso na
politomia da figura 55 (cladograma A). Em seguida, plotamos na politomia o caráter 1(1), que
passou a ser o caráter de maior generalidade. Quando fazemos isso, observamos que a espécie
Bb fica fora da politomia anterior e assume a posição de táxon mais basal do gênero (Cladograma
B). A posição de Bb dá a esta espécie a condição de grupo-irmão de todas as demais espécies do
grupo. Note, ainda, que as sinapomorfias (9(1) e 1(1) são eventos angenéticos, e suas posições
na filogenia nos permite inferir eventos de cladogênese, representados pelo símbolo (▼).
politomia politomia

cladogênese

Figura 55 – Construção de cladograma. Plotagem dos caracteres 9(1) e 1(1).

Seguindo a generalidade dos caracteres o caráter 6(1) é o próximo a ser plotado na


politomia. Após fazermos essa operação, observamos que as espécies Bc e Be ficaram fora da
politomia e assumiram uma posição mais basal em relação às espécies Ba, Bd, Bf e Bg, que

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passam a compor um grupo monofilético, com base no compartilhamento do caráter 6(1) (figura
56 A). Seguindo a generalidade dos caracteres observamos que os caráteres 3(1) e 8(1) têm a
mesma generalidade (3 táxons). Se plotarmos primeiro o caráter 3(1) e em seguida o caráter 8(1)
(figura 56 B), teremos que admitir dois surgimentos para o caráter 8(1), que passa a ser
interpretado como homoplástico. Porém, se plotarmos primeiro o caráter 8(1) e em seguida o 3(1),
teremos que admitir dois surgimentos para o caráter 3(1), que passa então a ser o caráter
homoplástico (figura 56 C). Sabemos que existe apenas uma história para cada filogenia e neste
momento temos duas (figura 56B e 56C). Isto decorre dos caracteres 3(1) e 8(1) estarem em
conflito, ou seja, apenas um deles é sinapomórfico, sendo o outro homoplástico. Mas qual deles?

6 passos
evolutivos

6 passos
evolutivos

Figura 56 – Construção de cladogramas. B - Caráter 3(1) sinapomórfico e 8(1)*


homoplástico. C - Caráter 8(1) sinapomórfico e 3(1)* homoplástico.

Como podemos observar, os dois cladogramas têm o mesmo número de passos


evolutivos, seis e isso nos informa que os dois cladogramas são igualmente parcimoniosos e,
portanto, devem ser usados conjuntamente na plotagem dos demais caracteres.
Caracteres homoplásticos podem ser otimizados e isso equivale a buscar outra
generalidade para os caracteres no cladograma. Existem dois tipos de otimização: Actran e
Deltran. A otimização denominada Acctran (Accelerates the transformation of characters on a
tree) aplica-se aos caracteres homoplásticos antecipando seu surgimento, ou seja, transformando-
os em sinapomorfias e consequentemente aplicando uma reversão á condição plesiomórfica na(s)
espécies que não têm o caráter na condição apomórfica.
Na figura 57 A exemplificamos a aplicação de procedimento Acctran no caráter
8(1)*(condição homoplástica). As setas indicam o local de antecipação de surgimento do caráter,
agora na condição sinapomórfica. Note que a espécie Bd não tem o caráter na condição
apomórfica, logo com a aplicação da otimização Acctran a condição em Bd será interpretada
como uma reversão (figura 57 B). Após a aplicação da otimização Acctran a condição
homoplástica que determinava a reunião de Ba com Bf (figura 57 A) deixa de existir e uma
tricotomia é formada para as espécies Bd, Ba, Bf (figura 57 B).
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Tricotomia
A B
Figura 57 – Aplicação de otimização do tipo Acctran.

O segundo tipo de otimização é denominada Deltran (Delays the transformation of


characters on a tree) e aplica-se aos caracteres que apresentam reversão (condição
plesiomórfica), interpretando-os como homoplasias. Portanto, se aplicarmos o procedimento de
otimização Deltran ao caráter 8(1) e 8(0)R em Bd (figura 58), teremos o retorno dos surgimentos
independentes de 8(1)* em Bd e (Ba + Bf)), ou seja, à condição homoplástica.

Figura 58– Aplicação de otimização do tipo Deltran.

Após a aplicação dos procedimentos Acctran e Deltran temos quatro cladogramas


igualmente parcimoniosos Figura 59, com os quais trabalharemos a partir de então.

Figura 59 – Construção de cladogramas. Aplicação de otimização de caracteres.


Deltran x Actran. Cladogramas igualmente parcimoniosos.

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Seguindo a generalidade dos caracteres os próximos a serem plotados são os


caractere 2(1), 4(1) e 7(1). Note que os caracters 2(1) e 7(1) não geram conflitos e
resolvem a relação de Bc e Be, porém continuamos com os quatro cladogramas
igualmente parcimoniosos, agora com oito passos evolutivos cada (figura 60).

Figura 60 - Construção de cladogramas. Aplicação de otimização de caracteres.


Deltran x Actran. Cladogramas igualmente parcimoniosos

O próximo caráter a ser plotado é o caráter 4(1), o qual está presente nos
táxons Ba e Bd, conforme a matriz de dados (Quadro 7). Duas questões são colocadas:
quantos passos ele determinará nos cladogramas? De que forma ele promoverá
alterações nas topologias? Nos cladograma A e D da Figura 60, tanto faz otimizar o
caráter 4(1) pelo procedimento Acctran como Deltran, pois ele acrescentará dois passos
ao cladograma, que ficará com 10 passos. No cladograma C, o procedimento Deltran
gera dois passos, totalizando 10, enquanto que no Acctran gera três passos, totalizando
11. Por fim, no cladograma B o caráter 4(1) determina que os táxons Bd e Ba são
grupos-irmão, resolve a tricotomia, e determina outra topologia, acrescentando apenas
um passo, totalizando nove passos. Concluímos, então, que a plotagem do caráter 4(1)
no cladograma B, da figura 60, determina um cladograma mais parcimonioso, com
apenas nove passos.
Finalmente, cabe plotar os caracteres 5(1) e 10(1) que têm a menor
generalidade, pois cada um ocorre apenas em um táxon, respectivamente, Bg e Be e,
portanto, são denominados caracteres autapomórficos. Esse tipo de caráter não
esclarece relação de parentesco, portanto autapomorfias não alteram a topologia dos
cladogramas. Note que esses caracteres acrescentarão dois passos ao cladograma, que
passará a ter 11 passos (figura 61). Assim, finalizamos a construção do cladograma que
estabeleceu hipóteses de relação de parentesco para as espécies do gênero Bolzerella.
A filogenia pode ser representada por (Bb + ((Bc + Be) + (Bg + (Bf + (Bd + Ba))))).

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11 passos
evolutivos

Figura 61 – Cladograma para os táxons de Bolzerella. Comprimento ou


número de passos = 11; Índice de Consistência (IC) = 0,88.

Uma maneira de avaliar a robustez de um cladograma é calcular o seu índice de


consistência, que corresponde a proporção das homoplasias na filogenia. O índice pode ser
obtido pela fórmula IC = m/s, onde m é o número mínimo de passos e s o número efetivo de
passos. No nosso cladograma o número mínimo de passos é 10, que equivale a uma situação em
que nenhum dos caracteres é homoplástico. O número mínimo de passos corresponde ao número
de caracteres utilizados. Já o número efetivo de passos reflete o comportamento real dos
caracteres expresso no cladograma, ou seja, o número total de surgimentos de caracteres que no
nosso cladograma é 11. Assim, a aplicando a fórmula, o índice de consistência será 0,90 ou 90%,
que equivale a dizer que 10% dos caracteres utilizados são homoplásticos. O índice de
consistência varia de 1 a 0, ou seja, de 100% a 0% e cladogramas com baixo índice de
consistência tendem a ser rejeitados.
O índice de consistência pode também ser calculado para cada caráter, seguindo o
mesmo critério de cálculo. Cabe, ainda, esclarecer que as autapomorfias, não sendo estados de
caracteres compartilhados, provocam uma distorção no índice de consistência, elevando-o. De um
modo geral as autapomorfias, como não esclarecem relações de parentesco, segundo algumas
opiniões, deveriam ser excluídas das análises ou pelo menos do cálculo do índice de consistência.
Assim, se adotássemos esse procedimento, o índice de consistência seria 0,88 ou 88%.

TÁ NA WEB

No endereço abaixo você encontra informações interessantes abordando concepções


erradas a respeito da evolução, as quais foram extraídas do livro “Misconceptions about
Evolution”.Consulte! http://umlivrosobreevolucao.blogspot.com.br/p/concepcoes-erradas.html

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