Você está na página 1de 4

ANEMIA SECUNDÁRIA À DOENÇA RENAL CRÔNICA EM CÃES:

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Stéfani dos Santos Torres1, Rúbia Schallenberger da Silva1, Natalia Pegoraro Garlet1,
Guilherme Lopes Dornelles2

Palavras-chave: Azotemia. Inflamação. Eritropoietina. Toxinas.

1 INTRODUÇÃO
A Doença Renal Crônica (DRC) é uma afecção diagnosticada com frequência em cães
e gatos, caracteriza-se por lesão renal existente há pelo menos três meses e pela perda
irreversível de massa funcional de um ou de ambos os rins. O diagnóstico é realizado através
do histórico do animal, anamnese, exame físico e exames laboratoriais (KOGIKA et al.,
2015). Os principais sinais clínicos incluem poliúria, polidipsia, letargia, vômito, perda de
peso, diminuição do apetite, baixo escore de condição corporal, palidez de mucosas e
ocasionalmente pode-se observar edema devido a proteinúria grave e em casos de hipertensão
pode haver cegueira aguda. Nesse sentido, a presença e a intensidade de sinais clínicos
dependem do estágio da DRC.
É uma doença de curso clínico lento e progressivo, na qual a anemia é uma das
consequências mais graves (SEGEV, 2018; BRUM 2012). Dessa forma, a anemia geralmente
é classificada como normocítica normocrômica e arregenerativa (TORRES et al., 2017). Por
muito tempo acreditou-se que a redução na produção da eritropoietina (EPO) era o único
mecanismo envolvido com o desenvolvimento da anemia. No entanto, atualmente sabe-se que
ela possui caráter multifatorial, podendo ocorrer por diferentes mecanismos, os quais incluem
a deficiência de eritropoietina, diminuição da meia vida dos eritrócitos, redução da resposta
medular a eritropoietina e hemorragias causadas por úlceras urêmicas no trato gastrointestinal
(SCOTT; STOCKHAM, 2011). Ainda, em humanos, os quadros de intensa inflamação
exercem um dos papéis mais importantes na fisiopatologia da anemia em casos de DRC,
devido a ação da hepcidina associada a distúrbios no metabolismo do ferro (SANTOS-SILVA
et al., 2019; SILVEIRA, 2013). Assim, este trabalho tem por objetivo revisar a literatura
acerca da ocorrência de anemia em caninos com DRC, descrever os principais mecanismos

1 Discentes do curso de medicina veterinária, da Universidade de Cruz Alta - Unicruz, Cruz Alta, Brasil. E-mail:
stefanistorres@hotmail.com, ruschalle@gmail.com, nataliapgarlet@hotmail.com
2 Docente do curso de Medicina Veterinária, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI,

Erechim, Brasil. E-mail: guilhermelopesd@gmail.com


1
PRÓ-REITORIA DE PÓS- GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
FONE: (55) 3321.1606 I 3321.1545 | EMAIL: pesquisa@unicruz.edu.br ; extensao@unicruz.edu.br
Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães - Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 –
Parada Benito. CRUZ ALTA/RS - CEP- 98005-972 I UNICRUZ.EDU.BR
envolvidos no desenvolvimento da anemia, como é realizado o diagnóstico e estadiamento da
DRC e os respectivos marcadores renais utilizados.

2 MATERIAIS E MÉTODOS
O resumo consiste em uma revisão de literatura, enfocando a ocorrência de anemia em
pacientes renais crônicos, os principais mecanismos fisiopatológicos envolvidos nesse
processo, como é realizado o diagnóstico e estadiamento da DRC e os respectivos marcadores
renais utilizados. Para a realização deste trabalho foi realizada uma busca de artigos
publicados em língua portuguesa e inglesa na base de dados do Google Acadêmico, PubMed,
ScienceDirect e Scielo – Scientific Eletronic Library Online, utilizando os termos “anemia”,
“caninos”, “doença renal crônica”, “cães” e “insuficiência renal crônica”, também foi utilizada
a International Renal Interest Society (IRIS) – Educational Topics.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
De acordo com o estudo de Brum et al. (2012), pode-se observar a evidenciação da
anemia conforme a progressão da DRC, em que os cães com azotemia grave apresentaram
valores de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito inferiores aos cães com azotemia leve e
moderada, havendo diferenças significativas entre os grupos. Ainda, o grupo de cães com
azotemia grave apresentou a maior porcentagem (68%) de animais anêmicos, sendo a anemia
normocítica normocrômica a mais prevalente, já no grupo com azotemia leve e no grupo com
azotemia moderada 50% e 53 % dos cães, respectivamente, não apresentaram anemia
(BRUM, 2012). Além disso, no trabalho de Torres et al. (2017) também foi observado que os
parâmetros da série vermelha, exceto o volume corpuscular médio (VCM) e a concentração de
hemoglobina corpuscular média (CHCM), declinaram conforme a DRC progredia,
caracterizando anemia normocítica normocrômica em 84% dos cães.
Dessa forma, como na doença renal crônica há perda de parênquima renal, a síntese de
EPO diminui e o estímulo para a produção de eritrócitos fica comprometido, justificando a
presença de anemia arregenerativa nos pacientes renais crônicos. Além disso, nos casos de
inflamação crônica as citocinas pró inflamatórias, como IL-6, IL-1, fator de necrose tumoral
alfa (TNF-α) e interferon tornam as células da origem eritroide refratárias a EPO, reduzindo a
resposta medular a eritropoietina (SCOTT; STOCKHAM, 2011). Ainda, a inflamação é capaz
de diminuir a produção de EPO, principalmente, através de IL-1 e TNF-α (THRALL et al.,
2017). Outros fatores que também contribuem para o desenvolvimento da anemia na DRC são
as perdas de sangue devido a presença de úlceras urêmicas no trato gastrointestinal e a

2
PRÓ-REITORIA DE PÓS- GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
FONE: (55) 3321.1606 I 3321.1545 | EMAIL: pesquisa@unicruz.edu.br ; extensao@unicruz.edu.br
Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães - Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 –
Parada Benito. CRUZ ALTA/RS - CEP- 98005-972 I UNICRUZ.EDU.BR
diminuição da meia vida dos eritrócitos devido a retenção de substâncias que deveriam estar
sendo excretadas pelos rins (SCOTT; STOCKHAM, 2011).
O diagnóstico da DRC comumente é bastante tardio, já que a presença e intensidade
dos sinais clínicos dependem do estágio da doença e podem estar ausentes nos estágios
iniciais (SEGEV, 2018; SYME, 2019). Dessa forma, os exames laboratoriais assumem um
papel muito importante no diagnóstico, dentre eles pode-se citar a urinálise, em que a
densidade específica urinária (DEU) é considerada um marcador precoce em relação a
elevação creatinina, pois quando há perda de aproximadamente 66% dos néfrons funcionais
ela já se encontra isostenúrica, devido a perda da capacidade renal em concentrar a urina
(THRALL et al., 2017), relação proteína creatinina urinária (UCP) elevada e ausência de
sedimento urinário ativo, já a creatinina e ureia séricas se encontram elevadas apenas quando
há perda de aproximadamente 75% ou mais da função renal, devido a um aumento dos
compostos nitrogenados no sangue (GRAUER, 2019; KOGIKA et al., 2015).
A anemia é uma das complicações que mais contribui para o aumento da morbidade e
mortalidade dos animais portadores de DRC e se torna mais evidente nos estágios 3 e 4 da
DRC (IRIS, 2019; TORRES, 2017). Assim, para estabelecer um tratamento adequado e o
acompanhamento do paciente, deve-se realizar o estadiamento da DRC através da
classificação internacional proposta pela IRIS, que atualmente divide a doença em quatro
estágios. Esse estadiamento é baseado inicialmente na creatinina sanguínea em jejum ou na
concentração de dimetilarginina simétrica (SDMA) sanguínea ou, ainda, pela avaliação de
ambas, que deve ser realizada em pelo menos duas ocasiões em um paciente hidratado e
estável. Então, posteriormente, o subestadiamento do paciente pode ser feito a partir da
avaliação da proteinúria e da pressão arterial (IRIS, 2019). Assim, no estágio 1 encontram-se
os caninos com ausência de azotemia, valores de creatinina (< 1,4 mg/dl) e SDMA normais ou
leve aumento de SDMA; no estágio 2 pode-se observar creatinina normal ou levemente
aumentada como a SDMA, discreta azotemia (1,4 – 2,8 mg/dl) e o canino pode apresentar
sinais clínicos leves ou ausentes; no estágio 3, a creatinina encontra-se aumentada (2,9 – 5
mg/dl), moderada azotemia e o canino pode apresentar diversos sinais clínicos, ao final desse
estágio as manifestações passam a ser graves e pode haver a perda de mais de 75% da função
renal, caracterizando a Insuficiência Renal Crônica (IRC); no estágio 4, observa-se a
creatinina maior que 5 mg/dl, indicando uma severa azotemia com sinais clínicos sistêmicos
graves e risco crescente de crises urêmicas (IRIS, 2019).

3
PRÓ-REITORIA DE PÓS- GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
FONE: (55) 3321.1606 I 3321.1545 | EMAIL: pesquisa@unicruz.edu.br ; extensao@unicruz.edu.br
Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães - Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 –
Parada Benito. CRUZ ALTA/RS - CEP- 98005-972 I UNICRUZ.EDU.BR
4 CONCLUSÃO
Portanto, a ocorrência de anemia é comumente observada em caninos com doença
renal crônica e o seu mecanismo ainda está sendo elucidado. Sabe-se que diversos fatores
contribuem para o seu desenvolvimento e que a deficiência de eritropoietina não é mais
considerada como um mecanismo exclusivo. Nesse sentido, como a gravidade da anemia está
relacionada a progressão da doença, destaca-se a importância da realização do diagnóstico e
tratamento precoces da DRC, para isso os exames laboratoriais desempenham um papel
fundamental.

REFERÊNCIAS

BRUM et al. Perfil eritrocitário e leucocitário de cães com doença renal crônica em relação à
severidade da azotemia. Vet. Not., Uberlândia, v.18. n. 1, p. 64-73, jan./jun. 2012.

GRAUER, G. F. Utility of Creatinine, UPC, and SDMA in the Early Diagnosis of CKD in
dogs and cats (updated 2019). Disponível em:
<http://iriskidney.com/education/utility_creatine_early_diagnosis_ckd.html>. Acesso em: 22
set. 2020.

IRIS. IRIS Staging of CKD (modified 2019). Disponível em: <http://iris-


kidney.com/pdf/IRIS_Staging_of_CKD_modified_2019.pdf>. Acesso em: 22 set. 2020.

KOGIKA et al. Doença renal crônica. In: JERICÓ, M. M.; NETO, J. P. A.; KOGIKA, M. M.
Tratado de medicina interna de cães e gatos. Rio de Janeiro: ROCA, 2015.

SANTOS-SILVA et al. Hepcidin in chronic kidney disease anemia. In: LITWACK, G.


Vitamins and Hormones. Elsevier, 2019.

SEGEV, G. Biomarkers of kidney disease: potential utilities (2018). Disponível em:


<http://iris-kidney.com/education/renal_biomarkers.html>. Acesso em: 22 set. 2020.

SCOTT, M. A; STOCKHAM, S. L. Fundamentos de patologia clínica veterinária. Rio de


Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

SILVEIRA, A. M. F. Role of hepcidin impairment in chronic kidney disease - implication


for new therapeutics opportunities. Portugal: Faculdade de veterinária. Coimbra, 2013.

SYME, H. CKD Early Diagnosis. 2019. Disponível em:


http://www.iriskidney.com/education/early_diagnosis.html. Acesso em: 22 set. 2020.

THRALL, et al. Hematologia e Bioquímica Clínica Veterinária. Rio de Janeiro: ROCA,


2017.

TORRES, et al. Relation between anaemia and bone marrow features and serum
erythropoietin in dogs with chronic kidney disease. Pesq. Vet. Bras. 2017.

4
PRÓ-REITORIA DE PÓS- GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
FONE: (55) 3321.1606 I 3321.1545 | EMAIL: pesquisa@unicruz.edu.br ; extensao@unicruz.edu.br
Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães - Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 –
Parada Benito. CRUZ ALTA/RS - CEP- 98005-972 I UNICRUZ.EDU.BR

Você também pode gostar