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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


BACHARELADO EM DIREITO
DIREITO CIVIL V

TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO ACERCA DA


FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO DAS COISAS

DISCENTE: Victor da Silva Morais

Natal-RN
SETEMBRO/2020
Antes de se adentrar na seara do debate acerca da importância da função social no
direito das coisas, vale antes introduzir acerca do que se conceitua como função social,
principalmente no âmbito do Direito em si. Destaca-se inicialmente que o Direito
constitui-se como um sistema social (remetendo até mesmo ao antigo brocado que diz
que onde há sociedade também há o direito – “ubi societas ibi jus”) que tem como função
principal a solução dos conflitos de interesses surgidos no decorrer do convívio,
adentrando também em outra conceituação típica dos cursos de Introdução ao Estudo do
Direito que indica a solução dos conflitos como dar ao indivíduo aquilo que é dele,
constituindo-se assim o direito em seu sentido material.

No entanto, há um debate geral em torno de qual função a ciência do direito estaria


orbitando, de forma que em geral, esse gira em torno de um objeto específico, a norma
jurídica, sendo, via de regra, escrita (nesse caso, aplicado à ciência do direito brasileiro,
tipicamente escrito). Todavia, para alguns doutrinadores, tal definição acaba por limitar
a ciência e, por conseguinte, a própria função do Direito. Como diz Rizzato Nunes (2006)
“é necessário pensar abertamente na função social do direito”, uma vez que ele não se
formula apenas com a norma jurídica escrita, mas por instrumentos jurídicos e,
obviamente, as condições sociais as quais está inserido. Tal contexto é pouco analisado,
sendo uma problemática que é nascida nos estudos universitários e que é amplificada no
ambiente acadêmico e profissional do Direito, se tornando uma bola de neve sem
resolução.

É de suma importância entender esse debate antes de adentrar na função social do


direito das coisas, já que como destacado por Orlando Gomes (2000) “o direito das coisas
é a parte do direito civil que trata da propriedade”. A função social, portanto, perpassa as
fronteiras do definido pelo estudo jurídico e atinge outras esferas de relação social, bem
como outras áreas do conhecimento. Consequentemente, a função social atinge também
a ordem econômica, social e, até mesmo, política, devendo o direito servir como ponte
para integração entre essas áreas de forma equidistante. Assim faz valer frases como a de
Arnold Wald (2000), de que o operador do direito deve sair de sua torre de marfim e agir
como soldado, buscando se integrar e se adaptar ao que a problemática apresenta.

Vale destacar que desde a Constituição Federal de 1988, os próprios diplomas


jurídicos visam reduzir a distância existente entre a função social da ciência jurídica que
reside o direito das coisas com a função social, econômica e política que a cerca. Um
exemplo claro é o do inciso XXIII da Constituição que indica que a propriedade deverá
atender sua função social. Obviamente, tal conceito é juridicamente aberto, entretanto, é
justamente para complementar que o Código Civil de 2002 traz em seu texto normativo,
no capítulo referente ao tema, a regulação desses efeitos, abordando no art. 1.228, de que
o proprietário deve exercer seu direito em consonância as finalidades econômicas e
sociais, de conformidade principalmente como meio ambiente e os patrimônios históricos
e artísticos que o rodeiam.

Se observa claramente que a função social no âmbito do direito das coisas se


constitui como um contrapeso ao direito de propriedade. No entanto, essa tem a finalidade
de tornar um bem maior mais fácil de alcançar. O artigo que regula tal tema no Código
Civil, o art. 1.228, deixa bem claro ao indicar no seu parágrafo 3º que o proprietário pode
ser privado da coisa por necessidade ou utilidade pública ou interesse social (por
desapropriação) ou no caso de perigo público iminente (caso de requisição). Tais
institutos confirmam que o legislador fez o uso da função social justamente no intuito de
proteger o bem jurídico coletivo, bastante presente na natureza da Constituição Federal
de 1988 e que seria um dos pilares para a formulação do Código Civil de 2002.

Portanto, ao retomar a discussão no âmbito da ciência jurídica aplicada a prática


da função social, demonstra que o jurista deve ter em mãos não apenas o conhecimento
jurídico-legal em mãos para que se aplique o direito das coisas da forma mais correta. Seu
estudo deve abranger situações que perpassam de forma distante o direito, tal como
situação econômica, ambiental, política, social e em determinados casos, áreas que pouco
ou nada teriam a ver com direito como uma requisição por saída de propriedade por
desastre climático ou com desapropriação gerado pela engenharia de uma rodovia.

Dessa forma, não há a possibilidade de se trabalhar o direito das coisas


desvinculado do conceito de função social da propriedade, principalmente após a
Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, que mesmo ainda centrando o
debate em torno da norma jurídica, trazem para si outras esferas e obrigando o operador
do direito sair do lugar comum da norma jurídica escrita, abrangendo o caso concreto
para a correta abordagem da função social em cada caso.

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