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A Gaivota

2º Ato

NINA – Que estranho ver uma atriz famosa chorar, e por um motivo tão fútil... E não é
estranho que um escritor famoso, o favorito do público, que aparece em todos os jornais,
que vendem seu retrato nas lojas, que é traduzido para línguas estrangeiras, passe o dia
pescando e se fisgar dois bagres fique todo satisfeito? Eu pensava que os homens
famosos fossem orgulhosos, difíceis de chegar perto, que desprezassem as multidões, e
que com o brilho do seu nome, e toda a sua glória, meio que se vingassem do mundo,
pela posição social e o dinheiro terem mais valor que qualquer outra coisa. Mas, olha aí…
ficam chorando, pescando, jogando baralho rindo, e perdendo a cabeça como qualquer
um...

TREPLIOV (entra sem chapéu, carregando uma espingarda e uma gaivota morta) – Você
está sozinha?

NINA – Estou. (Trepliov deposita a gaivota aos pés dela) O que é isso?

TREPLIOV – Hoje eu fui tão baixo a ponto de matar esta gaivota. Eu deixo ela a seus pés.

NINA – Qual o problema com você? (Apanha a gaivota do chão e olha para ela)

TREPLIOV (após uma pausa) – Logo, desse mesmo jeito, eu vou me matar.

NINA – Eu não estou te reconhecendo.

TREPLIOV – Sim, já faz tempo que eu também não te reconheço. Você mudou comigo,
seu olhar é frio, parece que eu estou sempre no seu caminho.

NINA – Você ficou tão irritado nos últimos tempos, e sempre que você fala alguma coisa,
eu não consigo te entender, como se você estivesse falando por símbolos. Acho que essa
gaivota também é um símbolo, só que, me desculpe, eu não entendo... (Deposita a
gaivota sobre o banco) Eu sou simples demais para entender você.

TREPLIOV – Isso começou na noite em que a minha peça fracassou daquele jeito tão
idiota. As mulheres nunca perdoam o fracasso. Eu queimei tudo, tudo, até a última página.
Se você soubesse como estou infeliz! A sua frieza comigo é tão terrível, tão inacreditável,
é como se eu acordasse agora e visse que esse lago de repente secou ou sumiu para
dentro da terra. Você acabou de dizer que é simples demais para me entender. Oh, mas o
que tem para entender?! Você não gostou da minha peça, agora despreza a minha
inspiração e já está me considerando um sujeito medíocre e insignificante, como um
monte de gente por aí... (Bate com o pé no chão) Eu entendo isso muito bem, e como
entendo! É como se um prego estivesse cravado no meu cérebro, maldito seja ele, junto
com o meu orgulho, que me suga o sangue como uma cobra... (Avista Trigorin que se
aproxima lendo um pequeno livro) Aí vem o verdadeiro talento, andando como se fosse
Hamlet, e com um livro nas mãos. (Em tom de zombaria) “Palavras, palavras, palavras...”
Esse sol ainda nem chegou aqui e você já está sorrindo, o seu rosto já está se derretendo
ao calor dos raios. Eu não vou ficar no seu caminho. (Sai apressado)

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