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DADOS DE ODINRIGHT

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Mais uma Produção Exclusiva


das Divas & Lord’s FOREVER 
Mais uma Produção Exclusiva
das Divas & Lord’s FOREVER 
 
 
 
 
 
 
 

Traduzido do Inglês e Espanhol por


Fãs
Disponibilizado por: *Janiele
Tradução e 1ª Revisão: *Bia Divas
2ª Revisão: *Netero Hunter
Leitura Final e Formatação:
*Bia Divas e *Divas Rosa
 

Ferro e Magia
(The Iron Covenant #1)
Ilona Andrews
Copyright © Jun 2018

Nenhum dia é comum em um mundo onde Tecnologia e Magia


competem pela supremacia... Mas não importa qual força esteja
vencendo, no apocalipse, uma espada sempre funcionará.
 

Hugh d'Ambray, Preceptor dos Cães de Ferro, Senhor da Guerra do Construtor


de Torres, serviu apenas um homem. Agora, seu imortal, quase onipotente
mestre, o abandonou. Hugh é uma sombra do guerreiro que ele era, mas
quando descobre que os Cães de Ferro, soldados que o seguiriam em qualquer
lugar, estão sendo caçados e assassinados, ele deve fazer uma escolha:
desaparecer ou ser o líder que nasceu para ser. Hugh sabe que precisa criar um
novo lugar para si e para seu povo, mas eles não têm dinheiro, abrigo e comida,
e os necromantes estão se aproximando. Rápido.
Elara Harper é uma criatura que não deveria existir. Seus inimigos a chamam
de abominação; seu povo a chama de Senhora Branca. Encarregada pela
proteção de seu povo, ela está encurralada entre os pesos pesados da magia,
prestes a colidir e mergulhar o estado de Kentucky em uma guerra que os
humanos não têm poder para impedir. Desesperada para proteger seu povo e
seu modo de vida simples, aceitaria a ajuda até mesmo do próprio diabo, e
Hugh d'Ambray se encaixa perfeitamente no cargo.
Hugh precisa de uma base, Elara precisa de soldados. Ambos são conhecidos
por trair seus aliados, então como eles podem criar uma aliança verdadeira para
enfrentar o desafio de seus inimigos?
Como o profeta diz: ‘É melhor casar do que queimar.’
Hugh e Elara podem fazer as duas coisas.

Algumas questões sobre Iron


and Magic
(Ferro e Magia)
 

Tecnicamente, este livro é derivado da série Kate


Daniels; no entanto, pode ser lido como um trabalho
independente.
Para os fãs de Kate Daniels: embora essa história seja a
primeira da trilogia da Aliança de Ferro e toda a trilogia
ocorra antes dos eventos de Magic Triumphs (livro 10 KD),
na verdade ela foi escrita para ser lida na seguinte ordem:
 
Aliança de Ferro 1: Ferro e Magia (livro 9.5 da série Kate
Daniels)
Triunfos Mágicos (livro 10 e último da série Kate Daniels)
Aliança de Ferro 2
Aliança de Ferro 3

Você não precisa esperar que a história completa de


Hugh seja publicada para ler o livro 10 da Kate. Se o fizer,
não será tão divertido, porque há algumas revelações no
Aliança de Ferro 2 que são melhores a serem descobertas
após Magic Triumphs.

Introdução a série
 

O mundo sofreu um apocalipse mágico. Nós levamos o


progresso tecnológico longe demais, e agora a magia voltou
em vingança. Ela vem em ondas, sem aviso prévio, e
desaparece tão repentinamente quanto aparece. Quando a
magia está em alta, os aviões caem do céu, os carros param
e a eletricidade morre. Quando a magia se vai, as armas
funcionam e os feitiços falham.
É um mundo volátil e arruinado. A magia se alimenta de
tecnologia, roeu arranha-céus até que a maioria deles
tombou e caiu, deixando apenas cascas esqueléticas para
trás. Monstros rondam as ruas em ruínas, todo tipo de
metamorfos perseguem suas presas. Mestres dos Mortos,
necromantes movidos por sede de conhecimento e riqueza,
pilotam com suas mentes vampiros loucos por sangue.
Nesta nova Era, os seres antigos despertam, trazidos de
seu sono pela magia. Um deles é Nimrod, o Construtor de
Torres, o homem cujo nome aterrorizava os antigos reinos
1
do Golfo Pérsico há milhares de anos.
Possuindo um poder inimaginável, Nimrod acorda com
um novo nome, Roland, e começa a dar vida à sua visão do
futuro. Para construir um novo reino, é preciso primeiro
destruir o antigo. Roland necessita de um novo Senhor da
Guerra, um líder que forje e lidere seu exército, alguém de
grande poder e crueldade ainda maior. Roland assegurará,
com seu próprio sangue e magia antiga, a lealdade do
escolhido destruindo cada pingo de dúvida que ele tiver.
Quando se precisa transformar um humano em uma
arma, o melhor é que se comece ainda na infância ...
 

Prólogo
— Acorde!
Ele sentiu o chute atravessando seu sono e se enrolou
em uma bola. Desta vez não doeu tanto. Émile não estava
realmente tentando.
— Você tem um cliente.
Ele rolou e ficou em pé, piscando. Deveria ter se
escondido mais fundo no barril que era seu abrigo. O barril
estava de lado e era longo o suficiente para que Émile não
conseguisse lhe alcançar com um chute. Mas o dia estava
tão agradável e ensolarado que acabou adormecendo nos
trapos na entrada do barril.
Olhou para Émile e o homem ao seu lado. O homem
tinha olhos escuros. Havia aprendido a observar os olhos.
Rostos mentiam, bocas mentiam, mas os olhos sempre
diziam se o homem batia e com quanta força. Este homem
era grande. Mãos grandes. Ombros poderosos. Ao lado dele,
Émile parecia magra e fraca, e Émile também percebeu a
diferença entre eles, porque não ousou zombar do homem.
Todo mundo da rua chamava Émile de ‘o Patife’, por causa
da sua mania de zombar dos outros, mas só a chamavam
assim quando ela não podia ouvir. Émile era cruel. Ela
andava pela rua e quando alguém tentava enfrentá-la,
ficava furiosa e batia na pessoa com uma pedra ou uma
vara de metal até que o coitado parasse de se mover.
Émile apontou o dedo na direção do homem. — Cure-o
O homem estendeu o braço esquerdo e puxou a manga
da jaqueta de couro.
Um corte serpenteava desde o pulso até o cotovelo.
Raso, apenas através da camada superior da pele. Fácil de
curar. Ele olhou para Émile. Na maioria das vezes, Émile o
fazia dizer palavras inventadas e sem sentido e prolongar o
tempo que ele levava para curar alguém o máximo possível,
dessa forma pareceria misterioso, mas o homem o
observava atentamente e isso parece ter deixado Émile
desconfortável.
Ele estendeu a mão e tocou o braço do homem,
deixando a magia fluir. O corte se fechou. O homem apertou
o antebraço, verificando o local onde a ferida costumava
estar.
— Viu? Eu te disse. —Émile arreganhou os dentes.
— Quanto custa? —O homem perguntou. Sua voz tinha
sotaque.
— Quanto custa o quê?
— Quanto custa o menino?
Seu coração acelerou. Ele se meteu profundamente no
barril, onde mantinha uma faca escondida sob seus trapos.
Sabia o que acontecia com os meninos que eram vendidos.
Sabia o que os homens faziam com eles. Rene foi vendido.
Rene era seu único amigo. Rene era rápido e, quando
roubava das bancas do mercado, ninguém conseguia pegá-
lo. Ele curou uma queimadura nas costas de Rene e desde
então Rene compartilhava tudo com ele. Eles se escondiam
2
em seu barril e comiam pão ou pierogi que Rene tinha
roubado e fingiam que estavam em outro lugar.
Duas semanas atrás, um homem levou Rene embora.
Émile o havia vendido. Três dias depois, ao anoitecer, viu o
mesmo homem levando Rene acorrentado como um
cachorro enquanto eles entravam em uma casa. Rene
estava usando um vestido rosa e ele tinha um olho roxo.
Émile prometeu não vendê-lo. Esse era o acordo. Ele
curava os clientes e Émile lhe dava comida e o protegia.
— Não está à venda, —disse Émile.
O homem enfiou a mão na jaqueta de couro. Um
envelope saiu. Uma pilha de dinheiro atingiu o chão na
frente de Émile. Uma pilha grossa. Mais dinheiro do que
jamais tinha visto. Os olhos de Émile ficaram grandes.
Outra pilha.
Ele estava preso no barril. Não havia para onde correr.
Outra.
Émile lambeu os lábios.
— Você prometeu! —Gritou.
— Cale a boca. —Émile olhou de soslaio para o homem.
— Ele é um garoto mágico.
Outra pilha.
— Pegue-o, —disse Émile.
O homem o alcançou. Ele se encolheu, a mão
segurando a faca escondida sob o cobertor imundo. Não iria
andar em uma corrente.
O homem deu um passo em sua direção, de costas para
Émile.
— Largue a faca, —disse o homem.
Atrás dele, o rosto de Émile ficou feio. Émile se lançou
com uma adaga apontada para as costas do homem. O
homem virou-se rápido. A mão dele apertou o pulso de
Émile. Émile gritou e largou a adaga. O homem o puxou.
— Pegue-o! —Émile gritou. — Pegue-o!
— Tarde demais.
O homem trancou a mão esquerda na garganta de
Émile e apertou. Émile agarrou o braço do homem com a
mão livre, agitando-se, tentando fugir. O homem continuou
apertando.
A magia disse a ele que o osso na garganta de Émile
quebrou. Isso o incomodou, como uma coceira irritante. Ele
teria que consertar o osso de Émile para fazer essa irritação
desaparecer, mas o homem continuava apertando, cada vez
mais forte.
Os olhos de Émile reviraram em seu crânio. O zumbido
irritante de magia desapareceu. Ninguém pode consertar os
mortos.
O homem soltou e Émile caiu, mole.
Ele se enrolou, os braços abraçando as pernas, tentando
se tornar menor.
O homem agachou na entrada do barril. — Eu não vou
te machucar.
Ele apontou sua faca para o homem. O homem pegou
sua mão, arrancou a faca dele e depois o puxou para a luz
do sol, colocando-o em pé.
O homem olhou para a faca. — É uma lâmina afiada. —
Ele estendeu a faca para ele. — Tome. Segure a faca. Isso
fará você se sentir melhor.
Ele pegou a faca da mão do homem, mas já sabia a
verdade. A faca não o ajudaria. O homem poderia matá-lo a
qualquer momento. Ele teria que esperar um pouco e fugir.
O homem pegou as pilhas de dinheiro, pegou a mão
dele e, juntos, saíram do beco para o mercado. O homem
parou em uma banca, comprou um pierogi quente e o
entregou. — Coma.
Comida de graça. Ele a pegou e mordeu, o doce recheio
de maçã quente o suficiente para queimar sua boca. Engoliu
o pedaço semi mastigado e deu outra mordida. Poderia
tentar fugir mais tarde. Eventualmente, o homem desviaria
o olhar e ele aproveitaria para fugir. Até lá, se o homem lhe
comprasse comida, ele a aceitaria. Apenas um idiota não
aceitava comida de graça. Comia e comia rápido antes que
alguém lhe desse um soco e roubasse a sua comida.
Eles caminharam pelo mercado, passando pelas ruínas
de prédios altos destruídos pela magia. Magia chegava em
ondas. Um momento ela estava aqui e depois ia embora. Às
3
vezes, ele ia a Sainte-Chapelle no dia do culto para pedir
esmola na porta. Todos que saíam da igreja diziam que o
mundo estava acabando e que somente Deus os salvaria.
Sempre pensou que se Deus viesse, viria durante a magia.
Ele e o homem continuaram andando até o parque,
onde um homem estava sentado em um banco lendo um
livro.
— Eu o encontrei, —disse o homem de olhos escuros.
O homem no banco levantou a cabeça e olhou para ele.
Ele esqueceu a comida. O pierogi meio comido caiu de
seus dedos.
O homem queimava com magia dourada, tanta magia
que quase brilhava. Essa magia o alcançou e o tocou, tão
caloroso e acolhedor, tão gentil. Enrolou-se em torno dele, e
ele congelou, temendo que se movesse essa magia poderia
desaparecer.
— Onde estão seus pais? —O homem perguntou.
De alguma forma ele respondeu. — Mortos.
O homem inclinou-se para ele. — Você não tem família?
Ele balançou sua cabeça.
— Quantos anos você tem?
— Eu não sei.
— Difícil dizer por que está desnutrido, —disse o homem
de olhos escuros. — Talvez seis ou sete.
— Você é muito especial, —disse o homem. — Olhe para
essas pessoas a nossa volta.
Ele não queria desviar o olhar do homem, mas não
queria decepcioná-lo ainda mais, então virou a cabeça e
olhou para as pessoas no mercado.
— De todas as pessoas por aí, você é o que mais brilha.
Eles são vaga-lumes, mas você é uma estrela. Você tem um
dom.
Ele levantou a mão e estudou os dedos, tentando ver a
luz sobre a qual o homem estava falando, mas não viu
nada.
— Se vier comigo, prometo que ajudarei sua luz a
crescer. Você vai morar em uma bela casa. Vai comer muita
comida boa. Treinará muito e crescerá para ser forte e
poderoso. Ninguém será capaz de machucá-lo. Gostaria
disso?
Ele nem precisava pensar. — Sim.
— Qual é o seu nome? —Perguntou o homem.
— Eu não tenho um.
— Bem, isso não é bom, —disse o homem. Você precisa
de um nome. Um nome forte, do tipo que as pessoas
conhecerão e respeitarão. Você sabe onde estamos?
Ele balançou a cabeça novamente.
— Estamos na França. Sabe quem é esse homem? —Ele
apontou para a estátua de um homem montado em um
cavalo. O homem tinha uma espada e usava uma coroa.
— Não.
4
— Esse é Hugh Capet . Ele foi o fundador da dinastia
Capet. O reino da França começou com seu reinado. Os
descendentes de sua linhagem sentaram-se no trono da
França por quase novecentos anos. Ele era um grande
homem e você também será um grande homem, Hugh.
Você gostaria de ser um grande homem?
— Sim.
O homem sorriu. — Bom. Todas as coisas existem em
equilíbrio, Hugh. Tecnologia e Magia. Este mundo nasceu
para ter os dois. A civilização que seus pais construíram
fortaleceu e alimentou a Tecnologia até que o desequilíbrio
se tornou muito grande, e agora a Magia voltou a equilibrar.
Inunda o mundo em grandes ondas, esmagando as
maravilhas tecnológicas e gerando criaturas maravilhosas.
Ele inaugura uma nova Era do início do apocalipse. Nossa
Era, Hugh, minha e sua. Nesta Era, você vai me chamar de
Roland.
— Sim, —concordou Hugh. Ele sabia a verdade agora.
Deus o encontrou. Deus o salvou.
— O mundo está caótico agora, —disse Roland. — Mas
eu trarei ordem a isso. Um dia governarei este mundo, e
você será o meu Senhor, da Guerra, liderando exércitos em
meu nome para restaurar a paz e a prosperidade. Hoje é um
dia especial porque nos conhecemos. Existe algo que eu
possa fazer por você neste dia especial? Qualquer coisa? Me
peça qualquer favor.
Hugh engoliu em seco. — Meu amigo. O nome dele é
Rene. Ele tem cabelos escuros e olhos castanhos. Foi
vendido a um homem.
— Você gostaria que ele fosse encontrado?
Hugh assentiu.
Roland olhou por cima da cabeça para o homem de
olhos escuros. — Encontre este Rene e traga-o para mim.
O homem de olhos escuros inclinou a cabeça. — Sim,
Sharrum.
O homem foi embora.
Roland sorriu para Hugh. — Venha, sente-se ao meu
lado.
Hugh sentou-se aos pés do homem. A magia o envolveu
e ele sabia que, a partir desse momento, tudo daria certo.
Nada o machucaria novamente.
 

Um
Deus estava morto.
Não, não era bem isso. Hugh estava morto.
Não, não era isso também.
Vozes o puxaram, recusando-se a deixá-lo afundar na
escuridão entorpecente.
— Hugh?
Ele estava deitado em algo duro e molhado. O cheiro de
vômito azedo e excesso de álcool atingiu seu nariz.
Estava bêbado. Sim, era isso. Bêbado, mas o efeito da
bebida estava acabando, deixando-o cada vez mais sóbrio,
o que significava que precisava encontrar algo para beber
ou desmaiar novamente antes que o vazio, onde Deus
costumava estar, o engolisse por inteiro.
Líquido frio o encharcou.
— Levante-se. —Era uma voz masculina familiar, mas
para identificar o interlocutor, teria que buscar
profundamente em sua memória. Pensar o aproximava do
vazio.
— Isso é inútil. —Outra voz que conhecia, mas também
não quis se lembrar.
— Olhe para ele.
— Levante-se, —a primeira voz insistiu, tranquila, firme.
— Nez está ganhando. Ele está nos matando um por um.
Algo mexeu dentro dele. Algo parecido com lealdade,
obrigação e ódio. Tentou se afundar mais profundamente no
estupor. Deus não o queria mais, mas a escuridão ficava
feliz em recebê-lo.
— Ele não se importa, —disse a segunda voz. — Você
não percebe? Ele está perdido. Poderia estar morto e
apodrecendo, seria um favor que nos faria.
— Homem de pouca fé, —disse uma terceira voz mais
profunda.
— Levante-se desse chão, caralho!
Dor aguda perfurou seu crânio. Alguém o chutou.
Considerou brevemente fazer algo a respeito, mas ficar no
chão parecia a melhor opção.
— Bata nele novamente, e eu vou te dividir ao meio. —
Quarta voz. Fria. Conhecia essa também. Essa raramente
falava.
— Pense. —A terceira voz. Concentrado, razoável,
pingando desprezo. — Agora, ele está bêbado.
Eventualmente, ficará sóbrio. A bebedeira irá passar. Mas se
chutá-lo na cabeça, correrá o risco de machucar o cérebro
dele. E então ele nos servirá para que? Já temos um imbecil
com lesão cerebral. Não precisamos de outro.
Um ... dois ... três ... A contagem emergiu das
profundezas confusas de sua mente. Costumava contar
assim para ver quanto tempo o insulto levaria para
atravessar a casca dura que era o cérebro de Bale.
Quatro ...
— Eu vou te matar, Lamar! —Bale rosnou.
— Calem a boca, —disse a primeira voz.
Sim. Todos eles precisavam calar a boca e deixá-lo em
paz. Estava razoavelmente certo de que não havia acabado
com a garrafa de sua bebida de quinta categoria. Tinha que
estar em algum lugar ao seu alcance.
— Levante-se, Preceptor, —insistiu a primeira voz.
Stoyan, sua memória forneceu o nome. Só podia ser.
Stoyan sempre foi um filho da puta persistente.
— Precisamos de você, —disse Stoyan, com a voz calma
e firme. — Os Cães precisam de você. Landon Nez está nos
matando. Estamos sendo expurgados.
Eventualmente eles iriam embora.
— Ele não se importa, —disse Bale.
— Me passe a sacola, —disse Stoyan.
Alguém se ajoelhou ao lado dele.
— Não vai adiantar, —rosnou Bale. — Está todo fodido.
Está deitado aqui em seu próprio mijo e vômito. Você ouviu
aquele idiota na entrada. Ele está neste buraco há semanas.
Hugh ouviu um zíper sendo aberto. Algo foi colocado na
frente dele. Sentiu o cheiro de sangue podre e
decomposição.
Bale continuou falando. — Quando começa a ficar
sóbrio, rasteja de volta para uma garrafa e se embebeda
até desmaiar novamente.
Hugh abriu os olhos. Uma cabeça decepada olhava para
ele, as íris marrons cobertas por uma mancha leitosa.
Rene.
— Ele não se aguenta em pé. O que vamos fazer,
amarrá-lo a um pedaço de pau e segurá-lo?
O mundo ficou vermelho.
— Para o inferno com isso. —Bale se inclinou para trás,
se preparando para um chute.
A raiva o levantou antes que o pé de Bale se conectasse
com a cabeça decepada. Ele trancou a mão em volta da
garganta de Bale, o puxou para cima e bateu com força na
parede mais próxima. As costas de Bale atingiram a
madeira com um baque alto.
— Aleluia, —disse Lamar.
Bale agarrou seu braço, os músculos de seus bíceps
grossos inchados. Hugh apertou.
Felix apareceu à sua direita, tentando o agarrar. Hugh
deu um soco no nariz do grandalhão com a mão esquerda.
Cartilagem triturou. Felix tropeçou para trás. O rosto de Bale
ficou roxo, seus olhos brilharam e seus pés se sacudiram no
ar.
Stoyan travou os braços no bíceps direito de Hugh e
colocou todo o seu peso em cima do braço dele. Felix pulou,
vindo do lado esquerdo e se trancou no braço esquerdo de
Hugh, tentando forçar uma chave de braço.
O mundo ainda estava vermelho, e ele continuava
apertando a garganta do homem.
Água gelada o encharcou, lavando a névoa vermelha.
Ele se sacudiu, rosnando e viu Lamar segurando um balde.
— Bem-vindo de volta, —disse Lamar. — Solte o homem,
Preceptor. Se você matá-lo, não haverá ninguém para
liderar sua vanguarda.
********
O vazio tomou conta dele, um grande buraco onde a
presença de Roland costumava preencher. Hugh cerrou os
dentes e forçou a se concentrar na cabeça decepada em
cima da mesa à sua frente.
— Quando? —Ele perguntou.
— Seis dias atrás, —disse Stoyan.
— O que ele fez?
— Nada, —disse Stoyan. — Ele não fez nada.
— Rene não estava mais lá, —disse Lamar. — Ele e
Camilla foram embora depois que você foi forçado a sair.
Tornou-se um civil comum. Rene conseguiu um emprego,
professor de francês em um colégio de ensino médio em
5
Chattanooga .
— Ele não era uma ameaça para ninguém, —disse
Stoyan. — Eles o mataram de qualquer maneira. Fui
procurá-lo, queria convencê-lo a vir conosco atrás de você,
acabei encontrado o corpo dele. Eles o deixaram
apodrecendo no chão de sua própria cozinha.
Sua cabeça latejava, tornando-se difícil pensar. — E
Camilla?
Stoyan balançou a cabeça.
A esposa de Rene não sobreviveu. A dor esfaqueou
Hugh, alimentando sua raiva. Rene não tinha sido um
grande soldado. O coração dele nunca quis essa vida, mas
Rene tentou. Ele sempre falava de fazer algo melhor. De
viver a vida depois que se aposentasse.
— Ele e Camilla não foram os únicos, —disse Stoyan.
— Caroline?
— Morta, —disse Bale.
— Purdue, Rockfort, Ivanova, todos mortos, —
acrescentou Stoyan. — Dos Capitães, somos o que sobrou.
Hugh examinou os quatro homens. Stoyan, de cabelos
escuros e olhos cinzentos, na casa dos trinta anos, parecia
6
abatido, como uma espada gasta. Felix, um dominicano
enorme, baixava a cabeça para trás, tentando impedir uma
hemorragia nasal. A ponta do nariz torcido para a direita.
Quebrado. Bale estava de mau humor no canto. Tinha cerca
de cinquenta e oito, cinquenta e nove anos, com cabelos
ruivos escuros, Bale era quase tão largo quanto alto, todo o
seu corpo formado por ossos e placas de músculos pesados
e grossos. Lamar empoleirou-se na borda da mesa, à
extrema direita. Alto, negro, com um corpo que parecia
trançado por cabos de aço, Lamar estava chegando aos
cinquenta anos e a idade o tornava mais difícil de matar.
Seu cabelo estava cortado curto. Uma barba arrumada
traçava sua mandíbula. Ele era seu Oficial de inteligência e
nunca perdia a calma. Um par de óculos finos de armação
de metal montava seu nariz.
O segundo em seu comando, um assassino silencioso,
7
um berserker e um estrategista. Isso era tudo o que
restava dos líderes de suas tropas.
— É assim que as coisas estão agora, —disse Stoyan.
— Nez está passando pela lista dos Cães de Ferro e
riscando os nomes, —disse Lamar. — Ninguém está seguro.
Somos todos farinha do mesmo saco.
Os Cães de Ferro. Seus Cães de Ferro, o exército de elite
que ele construiu para Roland. O nome o fez estremecer por
dentro. O vazio se abriu mais ainda, arranhando seus ossos.
Hugh liderou os Cães de Ferro, e Landon Nez liderava a
Legião Dourada, os necromantes que controlavam vampiros
irracionais, pilotando-os como carros de controle remoto. Os
Cães de Ferro e a Legião Dourada, as mãos direita e
esquerda de Roland. Ele odiava Nez, e Nez o odiava, e era
assim que Roland gostava.
Hugh planeja encontrar uma maneira de matar Nez,
mas não teve tempo. Roland o expurgara.
A memória o socou, quente e furiosa: Roland de pé
diante dele, desprovido de toda a vida e calor. Naquele
momento, Hugh se contentaria com raiva, fúria, tristeza,
qualquer coisa. Mas não havia nada. Roland estava diante
dele, indiferente.
As palavras de Roland o rasgaram. ‘Você falhou comigo,
Hugh. Não tem mais utilidade para mim’.
Ele se lembrava de cada som. Lembrou-se de puxar o ar
com força para os seus pulmões e depois sentiu o fio da
magia viva, que o ancorava ao homem que o puxara das
ruas, desaparecer. O vazio se abriu e tudo se tornou dor. O
vazio que o mordia agora, com suas presas, rasgando sua
alma.
Seu propósito, seu mestre, seu pai adotivo, tudo o que
era certo e verdadeiro neste mundo fodido se foi. A vida não
tinha sentido. E ele nem sequer entendia completamente o
porquê.
Os quatro homens estavam olhando para ele.
— O quanto isso é ruim? —Perguntou Hugh.
— Temos agora trezentos homens conosco, —disse
Stoyan.
Alguns meses atrás, Hugh havia deixado cinco
batalhões dos Cães de Ferro, quatrocentos e oitenta
soldados cada batalhão. Ele os forjou em uma força
disciplinada, treinada e de elite, o tipo de soldados que
qualquer chefe de Estado cortaria seu braço para ter.
— Deve haver mais por aí, —disse Stoyan. — Alguns
estão escondidos, outros vagando sem nenhuma direção.
Nez tem patrulhas de vampiros. Eles estão nos caçando.
O que diabos aconteceu desde que ele foi banido? —
Por quê?
— Por sua causa! —Bale rosnou do canto.
Hugh olhou para Lamar.
— Roland descobriu um fato desagradável, —disse
Lamar. — Nós não seguimos as ordens de Roland. Somos os
seus soldados, Hugh, seguimos você. Você é o nosso
Preceptor. Somos vistos como indignos de confiança.
Idiotas. Hugh olhou para eles. — Vocês fizeram um
juramento.
— Juramentos seguem nos dois sentidos. Mostre-lhe os
braços, —disse Lamar.
Stoyan puxou as mangas para cima. Cicatrizes
irregulares marcavam seus antebraços.
— É aquela mesma velha história, —disse Lamar. —
Roland queria uma área de terra que já era ocupada. Ele
ofereceu dinheiro à comunidade, donos da terra, mas eles
se recusaram a vender.
— Ele me disse para matar todos da comunidade, —
disse Stoyan. — E pendurar os civis inocentes nas árvores
para enviar a mensagem de que ninguém podia lhe
contrariar. Eu disse a ele que era um soldado, não um
açougueiro. Ele crucificou toda a comunidade e me
pendurou na cruz, em frente a eles. Trinta e duas pessoas.
Eu os assisti morrer por três dias. Eu morreria lá.
— Como se salvou? —Perguntou Hugh.
— Daniels me salvou. Ela me puxou da cruz e me
libertou.
O nome cortou como uma faca. Isso deve ter aparecido
no rosto dele porque Stoyan deu um passo atrás.
Kate Daniels, a filha perdida e recém-encontrada de
Roland. A razão do seu banimento.
Hugh tirou o nome da mente e concentrou-se no
problema em questão. Roland sabia que Stoyan recusaria a
ordem de massacrar civis. Não era isso que os seus
soldados regulares faziam. A tropa especial dos Cães de
Ferro, conhecidos como Estripadores, que varreria a
comunidade da face do planeta sem questionar, não existia
mais. Roland estava dolorosamente ciente disso. A ordem
fora um teste de lealdade e Stoyan falhou. Roland não
exigia apenas lealdade, ele exigia devoção inquestionável.
Quando percebeu que não teria esse tipo de devoção vindo
dos seus soldados, decidiu eliminar todos eles, seu próprio
exército.
Um desperdício, Hugh pensou. Havia passado muitos
anos construindo os Cães de Ferro, e Roland os jogou fora
como lixo.
Muito parecido com o que Roland fez com ele. Não, ele
não foi jogado fora. Eu era a mão direita dele. Ele me
cortou. Que tipo de homem corta sua própria mão antes de
entrar em uma batalha?
Esse novo pensamento contraditório estava em seu
cérebro, queimando e recusando-se a desaparecer.
Hugh procurou a fluxo da magia para banir a incerteza,
mas encontrou apenas o vazio, afundando suas presas em
sua alma. O vínculo invisível que o conectava a Roland,
mesmo quando a magia estava em baixa e a tecnologia em
alta, sempre estivera lá. Esse vínculo os ligava desde o
momento em que Roland compartilhou seu sangue com ele.
Mas agora se foi.
O vazio rasgava o interior de seu crânio, os novos
pensamentos agudos queimavam a mente de Hugh, e ele
não tinha como se equilibrar. Um desejo de gritar e esmagar
algo tomou conta dele. Ele precisava beber e muito.
Os quatro homens o observavam. Conhecia cada um há
anos. Ele os selecionou, treinou, lutou com eles e agora
esse homes esperavam algo dele. Eles não o deixariam em
paz.
— A menos que façamos alguma coisa, nenhum de nós
estará vivo até o ano acabar, —disse Felix.
— O que querem que eu faça? —Hugh já sabia, mas
perguntou mesmo assim.
— Queremos que você nos guie, —disse Stoyan. Os
Cães o conhecem. Eles confiam em você. Se souberem que
você está vivo, eles virão para você. Podemos atrair aqueles
que estão fugindo ou perdidos e junto enfrentaremos Nez.
— Vocês não sabem o que estão me pedindo. —Ficar
acordado, sóbrio, ancorado na realidade, com o vazio
mastigando-o, o deixaria louco.
— Eu não estou pedindo. —Stoyan ficou na frente dele.
— Confiei em você. Segui você. Não a Roland. Roland não
me fez promessas. Você fez. Você me convenceu a essa
ideia de pertencer a algo melhor. Os Cães de Ferro são mais
do que um emprego. ‘Somos uma irmandade’, foi o que
você disse.
— Uma família, onde cada um de nós representa algo
maior, —disse Lamar.
— Se um de nós caísse, o resto iria protegê-lo, —disse
Bale.
— Bem, por Deus, estamos caindo, —disse Stoyan.
Merda.
A cabeça decepada de Rene olhava para Hugh da mesa.
Hugh salvou Rene quando eram crianças, há muitos anos,
em Paris. Ele o salvou de novo várias vezes em batalha. No
mar de merda e sangue que Hugh fazia, isso foi a única
coisa boa que ele fez. Nez havia matado Rene por uma
única razão: machucá-lo. Não importa o que ele faça a partir
de agora, Hugh sempre carregaria a morte de Rene em suas
costas.
Rene está morto agora. Por minha causa. Porque eu não
estava lá. Ao invés disso, estava aqui, afundando-se em
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autopiedade e tentando destruir o torno quente que
apertava seu crânio.
Hugh estudou a cabeça decepada, guardando todos os
detalhes na memória e jogou a imagem dentro do vazio. Os
velhos tempos se foram. Ele teria que encher o buraco sem
fundo com ódio, caso contrário enlouqueceria. De qualquer
maneira, não fazia diferença.
— Você sabe o porquê ainda está vivo? —Perguntou
Lamar. — Todo dia, toda semana, um de nós se vai, mas
você ainda continua respirando. Se te encontramos, Nez
também poderia ter te encontrado. Aposto que ele sabe
exatamente onde você está.
— Estou vivo porque ele quer que eu seja o último, —
disse Hugh. — Ele quer que eu saiba.
Nez queria que ele observasse enquanto seus
necromantes destruíam tudo o que Hugh havia construído e,
quando nada restasse, ainda encontraria uma maneira de
fazer Hugh lamentar muito mais. Nez o queria acordado e
sóbrio. Não era divertido perseguir um cachorro que não
corria. Bem. Ele estava acordado.
Lamar sorriu.
— O que temos? —Perguntou Hugh.
— Trezentos e dois homens, incluindo nós, —disse
Stoyan.
— Armas?
— Tudo o que cada um de nós costumamos carregar, —
disse Bale.
— Suprimentos?
— Nenhum, —disse Lamar. — Estamos perto de
morrermos de fome.
— Base?
Felix balançou a cabeça.
A mente de Hugh percorreu as possibilidades. O fundo
do poço era o pior lugar para começar, e os Cães que
conseguiram permanecer vivos eram provavelmente os
mais inteligentes ou mais fortes. Ele tinha trezentos
assassinos treinados. Poderia ser pior.
— Temos os barris, —disse Stoyan.
— Quantos?
— Todos eles.
A vida o chutou, depois mandou um beijo para ele. —
Bom.
Hugh foi até a porta e a abriu. O ar fresco o
cumprimentou. Uma pequena cidade feia estava à sua
frente, pouco mais do que uma rua com alguns prédios e
estradas rurais que se estendiam e desapreciam entre
alguns campos. Um pôr-do-sol brilhava no horizonte,
morrendo lentamente, e as três lâmpadas da rua já haviam
se acendido, derramando luz elétrica fosca no trecho da
estrada à sua frente. Lembrou-se do calor opressivo que
sentiu esses dias, mas o ar estava mais frio agora.
— Outono ou primavera? —Ele perguntou.
— Setembro, —disse Lamar.
— Que cidade é essa?
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— Cornersville , Tennessee, —disse Stoyan.
A última cidade que ele lembrava de ter passado foi
10
Beaufort , Carolina do Sul.
— Onde está Nez?
11
— Em Charlotte , —disse Lamar. — Ele estabeleceu
uma base permanente lá.
Longe o suficiente para manter-se fora de Atlanta e das
terras vizinhas. Elas pertenciam a Daniels agora. Mas não
tão longe caso Roland ficasse insatisfeito com a sua
preciosa filha e decidisse atacá-la usando a Legião Dourada
de Nez.
Estabilize trezentos Cães de Ferro, arme-os e encontre
uma base para mantê-los vivos. Simples de visualizar,
complicado de executar. Acima de tudo, precisava
convencer Nez de que continuar caçando os Cães de Ferro
não era vantajoso para ele. Se ele conseguisse manter os
Cães vivos durante o inverno, na primavera teria pessoas
suficientes treinadas.
A garrafa de bebida chamou por ele. Ele não precisava
se virar para saber exatamente onde ela estava, tentando-o
a fazer o que braços e penas cortados faziam, murchar e
apodrecer. E enquanto ele apodreceria, seu povo morreria
um por um.
Não. Nez precisava pagar pelo que fez. Ele era Hugh
d'Ambray, Preceptor dos Cães de Ferro. Os Cães sempre
cobravam o que lhe deviam.
Magia rolou sobre a terra. Hugh não podia vê-la, mas
sentiu uma onda emocionante que o atravessou, lavando a
dor de cabeça que latejava na base do crânio. As lâmpadas
elétricas piscaram e tubos de vidro trançados de lanternas à
gás brilharam em vida com uma estranha luz índigo.
Ele levantou a mão e deixou sua magia fluir. Um brilho
azul pálido banhou seus dedos. Felix grunhiu quando o seu
nariz voltou para o lugar certo.
Hugh levantou a cabeça de Rene. Eles o enterrariam
hoje à noite.
— Encontre algumas roupas para mim. E ligue para Nez.
Diga a ele que quero conversar.
 

Dois
O Estábulo Black Fire ocupava quase mil
metros quadrados de área e ficava a cerca de duas horas a
cavalo a leste de Charlotte. A grande casa ficava no meio do
terreno, na encosta de uma colina, com estábulos de um
lado e uma pista de equitação coberta do outro. A
tecnologia estava em alta e o interior da casa brilhava com
luz elétrica quente. A grama verde e delicada se estendia ao
longe, até a margem da floresta, sombreada aqui e ali por
12
pinheiros , suas agulhas cobriam o solo em um tapete
marrom. Rosas vermelhas e róseas floresciam no portão.
Um galo estava empoleirado em cima do muro. Enquanto
Hugh entrava, o galo inclinou a cabeça e deu a ele e aos
homens atrás dele um olhar cruel.
Resolveu trazer Stoyan, Lamar e Bale com ele. Precisava
da opinião de Lamar sobre o exército de Nez, e do machado
de Bale para cortá-lo se as coisas dessem errado. Ele enviou
Felix para encontrar o que restava dos Cães de Ferro. Teria
sido melhor se tivesse também enviado Stoyan com Felix,
mas isso significava ouvir Bale e Lamar brigando um com
outro todo o caminho, e não teria ninguém para controlá-
los, exceto ele. Havia um limite que ele podia aguentar.
Hugh parou sua montaria diante do portão. A égua
emprestada que Stoyan havia encontrado em algum lugar
não serviria, especialmente não com Nez. Eles tinham que
parecer fortes. Precisava de um cavalo, um garanhão de
guerra. O problema era que ele não tinha dinheiro.
Até alguns meses atrás, o dinheiro era um conceito
abstrato. Ele entendia os preços, pechinchava de vez em
quando, mas nunca se preocupava de onde o dinheiro
vinha. Era algo que ele trocava por bens e serviços e,
quando precisava de mais, simplesmente pedia e, em
poucos dias, estava lá, na conta apropriada ou na mão.
Agora todas as suas contas foram cortadas. Não tinha um
centavo em seu nome. Deve ter ganhado dinheiro de
alguma forma para se manter bêbado, e lembrou-se
vagamente de brigar. A memória, todos esses meses entre
seu banimento e a cabeça decepada de Rene, havia
desaparecido na escuridão de uma névoa alcoólica.
A porta da casa se abriu. Matthew Ryan saiu apressado,
baixo, careca, com um grande sorriso no rosto largo, como
se nada tivesse mudado. O passado esfaqueou Hugh. Você
era alguma coisa. Agora não é nada.
— Entre, entre. —Ryan abriu o portão. — Maria acabou
de arrumar a mesa. Entre!
Eles foram até a casa, desmontaram e entraram.
Durante o jantar lembranças do passado se misturaram
com a realidade agora. Lembrou-se que já havia vindo a
este estábulo três vezes e a cada vez foi convidado para
jantar. Todas as vezes comprou um cavalo. A lembrança foi
embora, tentou focar na realidade e ficou lá, assistindo seus
homens atacar purês de batatas como lobos famintos. A
realidade estava facilmente escorregando por entre os seus
dedos.
Depois do jantar, ele e Ryan sentaram-se na varanda
13
dos fundos da casa, cervejas na mão, assistindo os Frisão
correrem pelo pasto. O frisão era sua raça favorita: preto
azeviche, fortes, mas ao mesmo tempo leves, rápidos, e
vigorosos. Ele comprou seus três últimos garanhões nesses
estábulos. Pagou um bom dinheiro por eles também. Os
frisões eram a sua marca, cavalos pretos ferozes com
crinas.
Na extrema direita, um garanhão fazia um círculo
preguiçoso em volta de seu pasto, crina negra fluindo, seu
pelo brilhante como seda polida, marcha firme ... Fogo
negro em movimento. Sim, esse serviria.
— Eu preciso de um cavalo, —disse Hugh.
Ryan assentiu.
Agora vinha a parte que ele detestava. — Não posso
pagar agora. —As palavras tinham um gosto sujo em sua
boca. — Mas sabe que sou confiável.
— Nós ficamos sabendo o que aconteceu. Terrível
negócio, isso, —disse Ryan. — Trabalhe para um homem por
anos e no final saia de mãos vazias. Que vergonha é isso.
Uma maldita vergonha.
Hugh bebeu sua cerveja. Ele não imploraria, e Ryan
sabia que não deveria provocá-lo. O silêncio se estendeu.
— Não tenho garanhões no momento. Nada além dos
14
nossos reprodutores . O mercado está lento.
Besteira. Ryan criava cavalos de guerra, grandes e
cruéis. No mundo pós-Mudança, onde a tecnologia e a
magia se revezavam, um bom cavalo valia mais que um
carro porque o animal sempre funcionaria. As pessoas que
comprava cavalos com Ryan não vinham atrás de um cavalo
15
castrado e a demanda sempre era boa.
Ryan olhou para ele e se encolheu diante do olhar de
Hugh. Uma pequena gota de suor se formou na têmpora do
homem.
É isso aí. Lembre-se com quem está falando.
— Eu quero te mostrar uma coisa. —Ryan se virou e
gritou para dentro de casa.
— Charlie, traga Bucky para fora. E diga ao Sam para vir
aqui.
Hugh tomou outro gole de cerveja.
O filho mais velho de Ryan também era baixo e tinha as
mesmas feições do pai, pareciam que foram feitos da
mesma forma. O rapaz correu até o celeiro à esquerda.
Um garoto saiu para a varanda. Magro, loiro. Muito
jovem, dezoito anos. Tinha os ombros largos do pai, mas as
semelhanças com Ryan paravam por aí. Deve ter puxado o
lado da família da mãe.
As portas do celeiro se abriram e um garanhão saiu para
o pequeno pasto.
— Que diabos é isso? —Hugh colocou sua garrafa de
cerveja no chão, ao lado de sua cadeira.
16
— Esse é o Bucky. Bucephalus .
Bucky se virou, o sol da tarde tocando seu pêlo. Ele era
cinza, se aproximando de um branco puro. Praticamente
brilhava. Como um maldito unicórnio.
— Ele não é um frisão, —gritou Hugh.   
17
— Cavalo normando espanhol , —disse Ryan. — Um
18 19
cruzamento de Percheron e andaluz . O adquiri em
leilão. Ele é grande do jeito que você gosta. Um metro e
setenta de altura.
Hugh se virou e olhou para ele.
Ryan se contorceu em seu assento.
— Você está tentando me dar um cavalo de sangue
20
frio ? —Perguntou Hugh, sua voz calma e casual.
— Ele é um sangue quente. —Ryan levantou as mãos. —
Olhe para a marcha. Olhe para suas características. São
características de um Andaluz. O pescoço é longo e as
pernas ...
Oh, conseguia ver as características do andaluz, tudo
bem, mas também via característica de um Percheron, no
tamanho e no grande traseiro. Os Percherons eram sangue
frio demais para lutar debaixo de uma sela, todos aqueles
músculos volumosos e lentos diminuíam o tempo de reação.
Eles eram difíceis de se enfurecer, lentos para obedecer a
um comando e pesados. Tudo o que ele não queria.
Hugh olhou para Ryan.
Ryan engoliu em seco. — Ele aceita perfeitamente ser
montado. Confie em mim nisso. Depois de todo esse tempo
só montando frisões, seu traseiro vai agradecer. Não tem
pêlos longos na crina, portanto, menos trabalho. Ele pula
21
como um puro-sangue . Olhe para as linhas da cabeça.
Essa é uma cabeça bonita.
— Ele é branco.
— Ninguém é perfeito, —disse Ryan.
Em sua mente, Hugh estendeu a mão e apertou o
pescoço de Ryan até o rosto do fazendeiro ficar vermelho e
sua cabeça explodir.
Maria, a esposa de Ryan, veio até a porta e congelou. O
garoto estava completamente parado, esperando e
observando o rosto de Hugh.
— Eu o comprei para reproduzi-lo. Pensei em
diversificar, entende? —Ryan estava balbuciando agora. —
Tinha uma égua em mente, mas o plano fracassou. Ele é um
bom garanhão. Poderoso e rápido. Mal-humorado. Já me
mordeu várias vezes e mordeu o cuidador dos estábulos.
Hugh olhou para ele.
Suor começou a pingar na testa de Ryan. As suas mãos
tremiam e as palavras começaram a sair muito rápido da
boca do homem.
— Vocês dois vão se dar bem. Ele é como você.
— Como?
— Um filho da puta grande e cruel que ninguém quer. —
Ryan percebeu o que deixou escapar. O rosto dele ficou
branco.
Um silêncio atordoado tomou conta da varanda.
— Eu não quis dizer isso ... —Ryan disse.
Uma constatação fria tomou conta de Hugh, sufocando
toda a raiva. Ele ficaria com cavalo. Não tinha escolha.
Ele não tinha escolha.
Parecia que Hugh havia caído de algum lugar alto e se
chocado de cara em um chão de pedra. Um ano atrás, Ryan
desfilaria todos os seus garanhões na frente dele e ele só
teria que escolher.
Hugh levantou-se devagar, desceu os degraus,
atravessou o gramado, aproximou-se do pasto e saltou por
cima da cerca. Bucky girou no lugar e olhou para Hugh. Uma
cicatriz cruzava a testa branca do cavalo. Alguém o cortou
com algum tipo de lâmina. Bucky soprou o ar pelas narinas,
os olhos cor de âmbar fixos em Hugh. Uma posição
dominante. Bom.
Hugh olhou de volta.
O garanhão arreganhou os dentes.
Hugh mostrou os próprios dentes e mordeu o ar.
Bucky hesitou, inseguro.
Depois que um cavalo decidia morder, não havia como
pará-lo. Mais cedo ou mais tarde quem lida com cavalos
será mordido, especialmente se o cavalo for um mordedor
habitual. As vezes o animal morde por ciúmes, outras por
querer demonstrar descontentamento ou querer atenção.
Cavalos, cães e crianças, seguiam o mesmo princípio:
qualquer atenção, mesmo negativa, continuava sendo
atenção e, portanto, valia a pena.
Já um garanhão de guerra morde para dominar. Uma
vez que o cavalo o mordesse, não havia como voltar. Hugh
tinha que demonstrar que não seria dominado. Gritar, bater
no cavalo ou mordê-lo de volta, como um cara que ele
conhecia costumava fazer, não tinha efeito. O objetivo era
evitar ser mordido a qualquer custo. Era preciso tratar um
garanhão de guerra com respeito e o abordar como se
fossem iguais.
Bucky olhou para ele.
— Vamos lá, —disse Hugh, sua voz calma,
tranquilizadora. Palavras não importavam, mas o tom da
voz dele importava. Quando se tratava de humanos, os
cavalos confiavam mais na audição do que na visão.
Bucky bateu a pata com força no chão.
— Estamos perdendo tempo. Vamos.
O garanhão olhou para ele novamente. Nos seus anos,
22
Hugh tinha visto todos os tipos de cavalos. Os Árabes que
preferem morrer a pisar em um pé humano, os cavalos
23
rigorosos e malvados das estepes Russas   que davam
tudo de si, mas não perdoavam nada, os hanoverianos
24
alemães que da mesma forma que aceitam a proximidade
humana também podem rejeitá-la, parecidos com ... com o
que esse cruzamento era, ele não sabia dizer o que diabos
iria conseguir com este animal, mas montava cavalos desde
os dez anos, todas aquelas longas décadas atrás, para
desistir fácil assim.
Seus olhares travaram. Havia um fogo dentro daquele
cavalo, que brilhava em seus olhos. Um filho da puta cruel
que ninguém queria. Você vai me aceitar. Seu lugar é
comigo.
— Venha aqui. Não tenho o dia todo.
Bucky suspirou, levantou as orelhas e se aproximou.
Hugh deu um tapinha no pescoço quente, sentindo os
músculos tensos por baixo, tirou do bolso o cubo de açúcar
que roubara da cozinha de Ryan e deixou que os lábios
quentes do animal o tirasse da palma da mão. Bucky
triturou o açúcar.
— Eu sabia, —disse Ryan por trás da cerca. O garoto
atrás dele revirou os olhos. Bucky virou a cabeça e mostrou
a Ryan os dentes.
Hugh acariciou o pescoço do garanhão. — Quanto você
irá querer por ele?
— Um favor, —disse Ryan.
O homem realmente não sabia quando parar de
provocá-lo. — O que quer?
Ryan acenou com a cabeça para o filho mais novo. —
Leve Sam com você.
Que diabos? — Acabei de lhe dizer que não posso pagar
pelo cavalo, e quer que eu leve seu filho comigo. Você sabe
quem eu sou. Sabe o que eu faço. Seu garoto estará morto
em um mês.
— Eu não posso mantê-lo aqui. —A dor torceu o rosto de
Ryan. — Ele não está certo da cabeça.
Hugh fechou os olhos por um momento. Era isso ou ele
realmente estrangularia o homem. Abriu os olhos e olhou
para o garoto.
— Quantos anos você tem?
— Dezessete, —disse o garoto, o rosto sem expressão.
Os olhos dele estavam sem brilho. Levar o garoto seria uma
irresponsabilidade na melhor das hipóteses, uma dor na
bunda na pior das hipóteses.
— Qual o seu nome?
— Sam.
— Você tem problemas mentais?
— Não.
— Eu não quis dizer isso. —Ryan fez uma careta. — Ele
não consegue agir como pessoas normais. Sam não sabe
quando parar. No mês passado pegou um ladrão de cavalos.
Veja bem, uma pessoa normal pega um ladrão de cavalos,
bate nele até dizer chega. Todo mundo entende isso. É
assim que as coisas são feitas. Agora, a pessoa pegar uma
corda e tentar pendurar o homem pelo pescoço. Se fosse eu
que tivesse o encontrado tentando fazer isso era uma coisa,
o problema é que foi o xerife que o flagrou.
Hugh ergueu as sobrancelhas para o garoto.
— Ele roubou de nós, —disse Sam, sua voz neutra.
— Ele tinha a corda amarrada na árvore, pronta, ali
mesmo no meio da maldita estrada, à vista de todos. Por
que enforcar o homem na estrada, eu pergunto?
— Um aviso só faz efeito se tiver exposto para todo
mundo ver, —disse Hugh.
Sam olhou para cima, surpresa brilhando em seus olhos
e depois voltou a olhar para baixo. O garoto não era tão
sombrio quanto fingia.
— Ele sempre foi assim. Quando começa a lutar não
sabe quando parar. O xerife me disse que deixaria passar
aquela vez, mas esse idiota não acha que fez algo errado.
— Ele roubou de nós. —Uma nota áspera surgiu na voz
de Sam. — Se uma pessoa roubar e não fizermos nada, eles
continuarão roubando.
— Viu? —Ryan estendeu a mão e bateu na nuca do
garoto. A cabeça de Sam estremeceu com o golpe. Ele se
endireitou.
— O xerife disse que se ele fizer de novo, vai acabar em
uma cadeia pelo resto da vida ou eles podem também
enforcá-lo, poupando a todos de problemas. Sam
simplesmente não foi feito para a vida no rancho. Não é isso
que ele quer. Indo com você terá uma chance de algo
diferente. Você leva Bucky e Sam e estaremos quites.
Hugh olhou para o garoto. — Você quer morrer rápido?
Sam deu de ombros. — Todo mundo morre.
O vazio vasculhou a alma de Hugh com dentes afiados.
— Pegue sua merda, —disse Hugh. — Estamos indo
embora.

********
A magia ainda estava em baixa.
Os altos e brilhantes edifícios de escritórios que se
erguiam orgulhosamente no centro de Charlotte caíram há
muito tempo, reduzidos a montes de escombros pela magia.
As ondas de magia continuariam triturando os escombros,
moendo-os em pó até que nada restasse. A magia lutava
contra qualquer tecnologia e odiava as grandes estruturas,
derrubando-as uma a uma, como se tentasse apagar a
pegada da civilização tecnológica da face do planeta.
Como os equipamentos de construção só funcionavam
quase metade do tempo e os suprimentos de combustíveis
eram limitados e caros, a remoção de milhares de toneladas
de entulho se mostrou uma tarefa impossível, e Charlotte
fez o que a maioria das cidades decidiu fazer na mesma
situação: ela se adaptou. E mais ou menos por cima da
antiga rua Tryon a cidade esculpiu uma estrada, com colinas
de concreto e vigas de aço retorcidas ao redor, como as
paredes de um desfiladeiro, e isso foi tudo o que se pôde
fazer. Barracas surgiam aqui e ali, agrupadas por onde a
estrada se alargava, vendendo todo o tipo de itens de luxo
que o mundo pós-Mudança tinha para oferecer: ‘carne’ que
cheirava a carne de rato, armas antigas que travavam no
primeiro tiro e poções mágicas, que seguia a comprovada e
antiga receita de noventa e nove por cento de água da
torneira e um por cento de corante alimentar. Era início da
manhã, apenas meia hora depois do nascer do sol e a
maioria dos vendedores ainda estavam montando suas
barracas. Em mais meia hora, começariam a gritar e a
incomodar os viajantes, tentando vender seus produtos,
mas, por enquanto, a estrada estava alegremente quieta.
Não importava, porque pela primeira vez depois de
muito tempo Hugh não estava de ressaca. Ontem, depois de
deixarem o Black Fire para trás, passaram a noite ao ar
livre, em um antigo acampamento. Ele queria beber, mas
lembrou que o dia seguinte não se sentiria bem, então ficou
sóbrio. Seu humor azedou da noite para o dia e, pela
manhã, quando encontrou Sam esperando com o resto, a
irritação esquentou até um ódio fervente.
Ele odiava Charlotte. Odiava a aparência, o cheiro, os
escombros, o horizonte torturado da cidade. Odiava o
garanhão branco embaixo dele e o vazio esperando logo
além da fronteira da consciência, pronto para engoli-lo.
Pensou em descer deste maldito cavalo, encontrar um
buraco dentro dos escombros, deitar e se deixar ser comido
pela terra até que não restasse mais nada de sua alma. Mas
ele tinha a sensação de que os quatro homens andando
atrás dele o puxariam para fora, o colocariam de volta no
cavalo e o forçariam a continuar. Não havia mais nada além
de ruminar seu próprio ódio.
— Amigos. —Bale sorriu e deu um tapinha no machado.
Hugh olhou para cima. Uma figura cadavérica estava
agachada no topo da parede do desfiladeiro, na extrema
esquerda. Magro, um esqueleto amarrado a músculos, uma
pele cinza azulada e sem pêlos, a criatura estava agachada
de quatro como se nunca tivesse andado de pé. Estava
muito longe para se conseguir ver com nitidez o rosto, mas
Hugh viu os olhos, vermelhos e brilhando com uma fome
que consumia tudo. Sem pensamentos, sem consciência,
nada além de sede de sangue, envolto em magia que
revirava seu estômago. Um vampiro.
Não está solto. Os sugadores de sangue soltos
massacravam tudo que pulsava com vida a sua frente,
alimentando-se até que nada restasse. Não, este estava
pilotado por um Navegador. Em algum lugar, dentro dos
aposentos seguros da base de Landon Nez, um necromante
estava sentado, provavelmente bebendo seu café da
manhã, pilotando telepaticamente o quadro em branco que
era a mente dos mortos-vivos. Quando o vampiro se movia,
era porque o Navegador comandava. Quando falava, era a
voz do Navegador que saía da boca. Ele nunca gostou dos
mortos-vivos e não gostava dos Navegadores também.
— Um comitê de boas-vindas, —disse Stoyan.
— É bom ser reconhecido, —brincou Lamar.
— Você encontrou alguma base para nós? —Perguntou
Hugh.
— Encontrei várias, —disse Lamar. — Nenhuma quer nos
receber.
— Qual é o problema? —Exigiu Bale.
— Nós somos o problema, —disse Lamar. — Temos
bagagem além de uma história rica e variada.
— Sobre o que você está falando? —Perguntou Bale.
— Ele quer dizer que somos conhecidos como traidores,
—disse Stoyan. — Ninguém quer Nez como inimigo, e
ninguém quer se arriscar a ser esfaqueado pelas costas.
— Precisamos encontrar alguém desesperado e disposto
a ignorar nossos pecados passados, —disse Lamar. — Isso
levará tempo.
Hugh desejou que algo acontecesse. Alguma ação para
liberar um pouco de energia. Alguém para matar.
Bucky levantou a cauda e cagou na estrada.
— Você vai limpar isso? —Uma voz masculina o
desafiou.
Obrigado. Muito obrigado por ter se voluntariado.
Hugh tocou as rédeas. Bucky virou-se.
Um homem alto, de cabelos escuros, estava do lado da
estrada. Boa forma. Roupas largas o suficiente para se
mover, mas não para agarrar, postura leve, espada simples,
sem frescura. Olhos planos. Havia emoção na voz, mas
nenhuma nos olhos. Ele não estava bravo ou irritado. Atrás
dele, outro homem e uma mulher esperavam, o homem
25
mais baixo e mais robusto, segurando uma clava leve, a
mulher armada com outra espada simples. Longos cabelos
loiros.
Profissionais.
Este era um teste. Nez queria ver se os meses de
bebida haviam o danificado. A decepção cortou Hugh. Ele
não demoraria para terminar. Teria que fazer isso rápido.
Hugh desmontou e estendeu a mão. Stoyan puxou a
espada e a colocou na palma de Hugh. Hugh foi em direção
aos três lutadores.
— Devemos ... —Sam começou.
— Cale a boca, —disse Bale.
O lutador mais alto deu um passo à frente. O homem se
movia bem, leveza nos pés, apesar do tamanho. Hugh girou
a espada em um círculo preguiçoso, aquecendo o pulso. O
homem mais baixo seguiu à direita, a mulher se moveu para
a esquerda com graça de um felino.
Ele esperou até que todos se posicionassem. — Estão
prontos?
O mais alto atacou, sua espada movendo-se tão rápido
que era um borrão. Hugh desviou, deixando a lâmina cortar
o ar a um centímetro de sua bochecha. Ele socou o rosto do
atacante que girou com a força do seu soco. A lâmina da
espada de Stoyan encontrou o pescoço do mercenário no
meio do giro e cortou em um corte diagonal. A cabeça do
homem rolou de seus ombros. Hugh se virou e bloqueou a
espada da mulher, desviou da clava do homem mais baixo e
desceu a sua espada em um corte devastador. A lâmina
pegou no ombro da mulher e esculpiu até o peito. Ela
tropeçou para trás, os braços pendendo ao lado do corpo.
Hugh a esfaqueou, deslizando a espada entre as quintas e
sexta costelas do lado esquerdo, puxou a espada e girou. O
lutador com a clava já havia começado o golpe em sua
direção. Hugh se inclinou, desviando, pegou o cabo da clava
no alto com a sua mão livre, jogando sua força e peso
contra o homem e passou a lâmina de sua espada do fígado
ao coração do atacante. O lutador da clava foi o único a
perceber que estava prestes a morrer. Seus olhos se
arregalaram quando a espada perfurou seu intestino. A luz
dos olhos se apagou. Hugh o empurrou para trás, libertando
a sua lâmina com um puxão afiado, e se virou.
A mulher ainda estava viva, mas por pouco. Ela
sangraria por mais trinta segundos. A morte por perda de
sangue era relativamente indolor. A mulher fecharia os
olhos e dormiria.
Hugh se agachou ao lado dela. A respiração da mulher
estava vindo em pequenos goles rasos. Ele limpou a espada
com os belos cabelos loiros dela, levantou-se e devolveu a
lâmina a Stoyan. Sam olhou para ele, com o rosto frouxo.
Hugh montou.
— Estou aqui pensando, acho que você não pareceu
suficientemente cruel para uma apresentação de chegada,
—disse Bale.
— Eu não faria muito disso se fosse você, —disse Lamar.
Hugh cutucou Bucky, e o garanhão branco começou a
descer a estrada.
— Fazer o que?
— Pensar. Não é seu ponto forte.
— Um dia te pego, Lamar, —rosnou Bale.
O vazio tomou conta de Hugh. Ele fechou os olhos por
um longo momento, tentando empurrá-lo. Quando os abriu,
ainda estava em Charlotte, ainda cavalgava um cavalo
branco, e o ar ao seu redor cheirava a sangue.

********
O desfiladeiro de escombros se ampliou. Lojas e
restaurantes apareciam aqui e ali, evidências da cidade
lutando contra as ruínas. Todos os prédios eram pós-
Mudança, novas construções: paredes grossas, formas
simples e barras nas janelas.
— Esse vampiro era da Nação? —Sam perguntou.
— A Legião Dourada, —disse Stoyan.
— Isso é como a Nação?
— Os necromantes que trabalham para Roland se
autodenominam de Nação, —explicou Stoyan.
— Eles se chamam assim porque sentem que são
únicos. O resto de nós somos mortais inferiores, —disse
Lamar.
— A Nação tem etapas na sua hierarquia interna, —
disse Stoyan. — Eles começam como aprendizes, tornam-se
Navegadores e, finalmente, Mestres dos Mortos. Os cem
melhores Mestres compõem a Legião Dourada. A Legião é
liderada pelo Legatus, o idiota que estamos indo encontrar.
Cada Mestre dos Mortos na Legião pode pilotar mais de um
vampiro. Um Mestre dos Mortos pode acabar com um
pelotão do Exército dos EUA com um único morto-vivo.
— Dependendo do tamanho do pelotão, —disse Lamar.
— A quantidade regular por pelotão é entre dezesseis e
quarenta soldados. Quarenta dariam conta de um sugador
de sangue. A Legião precisaria de pelo menos dois, talvez
três vampiros, se o pelotão for bem treinado.
— A questão é, —disse Bale, — quando encontrarmos o
Legatus, você será surdo e mudo, Sam, você me entende?
Se eu ouvir um chiado vindo de você, vai voltar para o
rancho e para as garras do xerife do qual seu pai tem tanto
medo.
— Como vou saber quem é o Legatus? —Sam
perguntou.
Hugh pensou em se virar e derrubá-lo do cavalo para
calá-lo, mas seria preciso muito esforço.
— Porque ele se parecerá com o que o resto da Nação
se parece, —disse Stoyan. — Idiotas vestidos em um terno.
— Isso é redundante, —ressaltou Lamar.
— Quem é Roland? —Sam perguntou.
— Alguém que você precisa evitar, —disse Stoyan.
— Um mago imortal com um complexo megalomaníaco,
que quer governar o mundo, —disse Lamar.
— Por que ele nos quer mortos? —Sam perguntou.
— Tudo o que você precisa saber agora é que ele nos
quer mortos, —rosnou Bale. — Agora cale a boca, ou vou
contar seus dentes com o meu punho e então você estará
ocupado catando-os na terra.
O caminho virou. À frente, à esquerda, havia um salão
26
viking de hidromel na esquina. Construído com madeira
grossa, com um telhado de telhas de madeira, o salão de
hidromel parecia um barco invertido. Uma placa do lado
27
proclamava: Bem-vindo a Valhalla .

Ao lado, uma varanda coberta oferecia várias mesas de


madeira, ladeadas por bancos curtos. Landon Nez estava
sentado à mesa do canto, à vista da rua.
Aí está você.
Nez não havia mudado nos últimos meses. Ainda magro,
como se feito de fios de aço. Os mesmos olhos afiados. Seus
cabelos escuros caíam ao redor do rosto. Ele usava um
terno sob medida na cor carvão. Bom tecido, sem
estofamento nos ombros, ajustado na cintura, corte
28
inglês . Cerca de três mil, decidiu Hugh.
O Legatus da Legião Dourada. O mais poderoso Mestre
dos Mortos que Roland poderia encontrar, além de si
mesmo e de sua filha.
Nez acenou para ele. Hugh acenou de volta. Eles
tentaram se matar durante a maior parte da última década.
O desejo de pegar emprestada a espada de Stoyan e descer
em Landon foi quase demais.
29
— Ele é nativo-americano ? —Sam perguntou
calmamente.
30
— Navajo , —disse Stoyan baixinho. — Seu povo o
expulsou por pilotar vampiros.
Hugh virou o cavalo em direção a Landon. Bucky
agradeceu.
— Irá se juntar a mim? —Nez levantou uma xícara de
café.
— Por que não? —Hugh se levantou da sela, jogou as
rédeas no gancho no parapeito, subiu os dois degraus
curtos e sentou em um banco em frente a Nez.
Pelo canto do olho, viu Stoyan e o resto dos seus
homens se virarem e pararem do outro lado da rua em uma
31
lanchonete com a imagem de um taco na parede.
— Café? —Nez perguntou.
— Não. Tentando parar de beber.
— O que anda fazendo no meu lado da floresta?
— Eu já disse que você é péssimo em tentar parecer um
autêntico nativo-americano?
Parecer um autêntico Navajo não era algo natural para
Nez. Ele se esforçava muito, treinava como um animal de
circo forçado a se apresentar contra sua vontade. Nez havia
escolhido representar o papel de um autêntico índio
americano, tinha que parecer genuíno. Landon Nez havia
saído da Povo Navajo sem nada e muito jovem. Chegou
sozinho a um doutorado em Harvard e ao topo da cadeia de
comando da Nação. O homem preferia se esfaquear nos
olhos, a ter que ser confundido com uma pessoa comum.
Nez levantou as sobrancelhas.
— Somos só nós dois aqui. —Hugh deu a ele um largo
sorriso. — Vá em frente e fique a vontade de mostrar o
esnobe que você é.
— Por que está aqui, d’Ambray?
— Vim ver um homem sobre a compra de um cavalo.
Nez olhou para Bucky. — Seus cavalos parecem ficar
cada vez maiores e ... mais brancos? Parece que agora
encontrou um que combina com você, não acha?
— É hora de mudar um pouco de estilo. Como a vida
tem sido para você, Landon?
Nez deu de ombros. — O mesmo de sempre. Pesquisas.
Gestão. Mortos-vivos são coisinhas exigentes.
Levará apenas um segundo. Estique a mão, quebre o
pescoço. Acabe com todo esse fardo.
Hugh não faria isso. Nez nunca viria aqui desprotegido.
— E você? —Landon perguntou. — Planejando novas
batalhas?
Olha só, procurando por fraquezas. — Estabelecendo-
me, —disse Hugh.
— Você?
— Há tempo e lugar para tudo. —Hugh se recostou. —
Eu escolhi um lugar legal. Bons suprimentos, boas defesas.
Árvores.
— Árvores? —Nez piscou.
Hugh assentiu. — Eventualmente, um homem precisa
criar raízes. Estou ansioso para sentar na minha varanda,
beber uma cerveja gelada. —Nez olhou para ele por um
segundo demais. Entendi.
O Legatus bebeu seu café. — Você ouviu alguma notícia
estranha do Norte?
Estranha. — Sempre há notícias estranhas do Norte.
Uma sombra de alarme passou pelos olhos de Nez. O
Legatus fez uma careta e assentiu. — Essa é uma verdade.
Eles se entreolharam em silêncio.
— Sente falta dele? —Nez perguntou em voz baixa.
O vazio abriu a boca, tentando engolir Hugh. Falta?
Somente lembrar de tudo que perdeu o fazia se sentir
despedaçado. A clareza de um propósito, o brilho quente da
aprovação, o fluxo de magia entre eles ... A certeza.
— Há mais na vida do que ser um cão na coleira. —
Hugh se levantou. — Tenho que ir agora. Lugares para
visitar, pessoas para matar.
— Sempre um prazer, Preceptor.
Hugh agarrou as rédeas, pulou sobre o parapeito de
madeira, montou no cavalo e começou a descer a rua.
Alguns momentos depois, seu pessoal o alcançou.
Cavalgaram em silêncio por mais dez minutos.
— Como foi? —Perguntou Lamar.
— Ele nos atacará na primeira chance que tiver, —disse
Hugh. — Parece que há algo no Norte que o preocupa, por
isso ainda não nos matou. Nez é um idiota cauteloso, que
gosta de conhecer todas as cartas que seu oponente está
segurando. Eu coloquei uma dúvida em sua cabeça. No
momento, ele não tem certeza se temos uma base
permanente ou não, então acha que pode esperar mais um
pouco para nos matar. Somos fáceis de encontrar e não
vamos a lugar algum.
Quando Felix voltasse teria que pedir a ele que enviasse
alguns batedores ao Norte e descobrir o que estava
acontecendo de ‘estranho’ ao ponto de preocupar Nez.
A dor de cabeça estava voltando, ameaçando partir seu
crânio. Um lembrete de todas essas semanas que passou
bebendo. Hugh rangeu os dentes. — Encontre-me uma
base, Lamar. Alguém em algum lugar precisa que algo seja
protegido ou morto.
— Tudo depende do preço que estaríamos dispostos a
pagar, —disse Lamar.
— Eu não ligo para o preço. Faça o que tiver que fazer.
Precisamos conseguir uma base, ou então a Legião nos
matará como porcos no inverno.

********
O murmúrio veio do centro da coluna. — Foda-se,
chega de correr.
Hugh parou e se virou.
32
— Companhia , descansar! —Lamar rugiu.
Ao lado de Hugh, a longa coluna de Cães de Ferro parou,
bufando e ofegando, oitenta soldados dispostos em duas
33
filas. Quando ele chegou a Split Rock , onde Felix reuniu os
restantes dos Cães de Ferro, encontrou trezentos e trinta e
três pessoas que costumavam ser soldados. Estavam
esfarrapados, cansados, famintos, e o ânimo deles era uma
merda.
Todos os militares eram tribais, inclusive os dele. Para
34
cada Cão de Ferro, o Batalhão era sua tribo, a Companhia
35
dentro do Batalhão era sua vila e o Pelotão dentro da
Companhia era sua família. Em uma batalha, os Cães de
Ferro eram uma força unificada. Eles voltavam à essência
fundamental da natureza humana: quem ataca minha
família deve morrer.
Costumava haver uma competição bem-humorada
dentro dos Pelotões, das Companhias e dos Batalhões, e
Hugh incentivava, porque unia os soldados. Mas agora, as
Companhias estavam fragmentadas em suas mãos e ele
precisava transformá-los em uma nova unidade. Ensinar um
homem a lutar o transforma em um guerreiro. Ele não
precisava de guerreiros. Precisava de soldados. Para fazer
um soldado, era preciso colocá-lo com outros soldados em
potencial e fazê-los passar pelo inferno e voltar juntos,
confiando um no outro.
Todos eles tinham lembranças de andar entre o sangue
e fogo com seus antigos companheiros de pelotão. Ele tinha
que substituir essas memórias por novas e, por isso, fez a
única coisa que podia fazer para eliminá-las. Separou a
equipe de batedores de Felix e formou com o restante seu
exército, trezentos e dezenove soldados, em um único
Batalhão, que ele dividiu em quatro Companhias, oitenta
pessoas nas primeiras três e setenta e nove na última.
Stoyan, Lamar, Bale e Felix, cada um era o Capitão de uma
Companhia. E então Hugh os levou de cansados e famintos,
à exaustão. Ele os forçou até que os braços de seus homens
não pudessem mais suportar seus próprios pesos. Ele os
impediu de dormir. Fez tudo isso, revezando a cada dia os
seus Capitães entre as Companhias. O respeito tinha que
ser conquistado.
O tempo conspirava contra ele. O clima estava quente
como o inferno novamente. As barracas que o pessoal de
Felix ‘adquiriu’—ele não pediu detalhes—faziam o mínimo
necessário para protegê-los do clima e de insetos.
Estavam na terceira semana de treinamento. Olhando
agora para os olhos cheios de raiva do seu segundo
Capitão, Hugh estava razoavelmente certo de que todos o
odiavam profundamente, o que significava que o seu
objetivo estava sendo alcançado dentro do prazo.
— O que disse, Barkowsky? —Retrucou Lamar,
aproximando-se de um Cão alto e musculoso com o cabelo
recém-cortado.
— Eu disse, chega de correr. —Barkowsky tinha cerca de
uns cinco centímetros de altura a mais que Lamar e ele se
aproveitou desse detalhe ao máximo, mas Lamar era mais
forte e os dois sabiam disso.
— É mesmo? —Lamar começou.
— Você acabou com a corrida? —Perguntou Hugh.
— Sim. —Barkowsky levantou o queixo no ar. O homem
estava procurando por uma briga nos últimos três dias.
— Então vá embora. —Hugh virou as costas.
— O quê? —Perguntou Barkowsky, sua voz vacilante.
— Você vê muros, Cão? —Lamar rugiu.
Os velhos hábitos tirou o melhor de Barkowsky e ele
voltou a atenção. — Não, Capitão!
— Você vê guardas?
— Não, Capitão!
— É livre para ir embora a qualquer momento que
decidir sair, não é, Cão?
— Sim, Capitão!  
36
— Nós não somos os SEALs . Não há um sino para
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alcançar anunciando qual bandeira ganhou , —disse Hugh.
— Quando ficar muito difícil e quiser desistir, pare. Pegue
seu equipamento e vá embora. Eu preciso de soldados, não
de desistentes.
— Avante, —disse Lamar, no tom de voz tipicamente
conhecido dos Capitães e Sargentos de qualquer lugar. —
Marchem!
Hugh começou a correr novamente. As duas linhas da
segunda Companhia se moveram com ele. Pelo menos
estavam em sintonia, disse a si mesmo. Pelo canto do olho,
viu Barkowsky voltar para seu lugar e acompanhar o ritmo
da marcha.
Em um mundo perfeito, teria feito isso por mais três
semanas, mas como não estava trabalhando com jovens
recrutas e sim com soldados experientes, seis semanas, oito
no máximo, seriam o suficiente para Hugh conseguir
alguma aparência de força de combate unificada. Logo
porque, ele não tinha mais três semanas. A comida que os
batedores de Felix trouxeram e o pouco que conseguiram
comprar com o restante do dinheiro eram suas únicas
fontes de alimento. Ele não podia colocar seus homens em
uma batalha sem alimentá-los. Os Cães estavam
consumindo o suprimento de comida como fogo através de
um mato seco. Uma vez que os grãos e as batatas
acabassem, eles não teriam nada além de carne de veado e
coelho. Precisavam mais do que isso para seguirem em
frente.
A floresta acabou. Eles entraram correndo para um
campo aberto, indo em direção às altas paredes feitas de
troncos de árvore que seus homens levantaram ao redor do
acampamento deles. Acima do simples e improvisado forte,
o pôr-do-sol estava começando, pintando o céu de vermelho
e amarelo.
Três minutos depois, eles alcançaram os portões.
— Companhia, pare, —retrucou Lamar.
As duas filas da segunda Companhia pararam.
— Meia volta volver.
Os Cães suados e exaustos se viraram para Hugh.
Lamar não parecia muito melhor que os outros.
— Digam a seu Preceptor 'obrigado' pelo adorável
passeio pelas belas paisagens.
— Obrigado, Preceptor, —rugiu a segunda Companhia.
Uma onda de magia rolou sobre eles. Hugh sentiu o
poder familiar e concentrou-se.
— Companhia, descansar.
As duas filas se desfaziam enquanto os Cães passavam
por ele, em direção às tendas. Um leve brilho azul emanava
de Hugh, tocando cada um dos seus soldados, curando as
suas bolhas, cortes e contusões em uma fração de segundo
e em troca eles murmuravam seus agradecimentos.
— Obrigado, Preceptor.
— Obrigado, Preceptor.
— Obrigado, Preceptor.
O último Cão entrou em sua barraca.
O estômago de Hugh doeu. Ele os curava todos os dias,
mas o alimento que comia eram apenas o suficiente para
mantê-lo vivo. Logo Hugh cruzaria o limite onde seu corpo
ficaria sem reservas para compensar.
Lamar parou diante dele. Seus olhos olhando para algo
além de Hugh.
— O que foi? —Perguntou Hugh.
— Ele está fazendo aquilo de novo.
Hugh se virou. No pequeno curral diante de sua tenda,
Bucky brilhava. Uma luz prateada emanava dos flancos do
garanhão, como se cada pêlo do animal estivesse
embainhado de luar líquido.
Hugh rangeu os dentes. A próxima vez que visse Ryan, o
mataria.
Bucky empinou no curral.
— Para um unicórnio só falta o chifre, —disse Lamar,
sua voz cheia de fingida reverência.
— Você tem algo a relatar, ou vai ficar aí me
provocando?
— Boas ou más notícias?
— Más notícias, —disse Hugh.
— Temos comida só para cinco dias.
Em cinco dias, eles estariam em problemas. Os soldados
precisavam mais do que apenas carnes; consumiam muita
38
energia para treinar e seus corpos exigiam carboidratos .
Milho, grãos, arroz. Não havia como conseguir esses
alimentos. Estavam sem dinheiro e, a menos que
recorressem ao assalto, o que colocaria a polícia em suas
costas, estariam em apuros.
Stoyan emergiu da tenda da primeira Companhia e
fingiu estar vagando. Bale se juntou a ele. Do outro lado,
Felix apareceu e decidiu se interessar muito por Bucky, que
ainda brilhava como uma tempestade. Eles estavam
tramando algo.
— E as boas notícias? —Perguntou Hugh.
— Encontrei uma base.
— Onde?
39 40
— Berry Hill, Kentucky , no Knobs , ao lado do
41
Bluegrass .
Berry Hill. O nome parecia algo tirado de um desenho
animado para crianças. Hugh procurou no cérebro, tentando
lembrar o que sabia sobre Kentucky. A parte oriental do
42
estado, onde ficava a Eastern CoalFields , eram
principalmente colinas arborizadas divididas por vales
estreitos. Fluía para a região de Bluegrass na parte norte e
central do estado, onde colinas suavemente ofereciam
campos perfeitos para cavalos. Ao sul de Bluegrass, ficava
43
Pennyroyal , uma enorme planície calcária cheia de
buracos e cavernas. Nos limites de Bluegrass, em uma área
semicircular que ia de Pennyroyal até os Eastern CoalFields,
ficavam os Knobs, centenas de colinas íngremes e isoladas,
como cones colocados para delimitar uma fronteira. Após a
Mudança, essa região estava se afogando em florestas.
— Lado Leste ou Oeste?
— Oeste, —disse Lamar. — A cidade mais próxima é
Sanderville, com cerca de dez mil habitantes, mais ou
menos. Berry Hill é uma boa comunidade, cerca de quatro
mil pessoas, principalmente famílias com crianças.
Excelente terra agrícola, rica em suprimentos. A vila é
margeada por um lago.
— Hum. —Por que ele tinha a sensação de que havia um
44
'mas' vindo? — Alguma milícia ?
— Não o suficiente para protegê-los. Eles são
principalmente magos da natureza. Algumas bruxas, alguns
druidas perdidos.
O sentimento ficou mais forte. — Por que eles precisam
de proteção?
— Landon Nez está atrás da terra deles. Roland quer
uma espécie de região magicamente saturada. Landon não
pode atacá-los diretamente, porque foi avisado pelos
federais de que a apropriação de terras não será tolerada,
então Landon recrutou um político imbecil de Sanderville
para assediá-los a vender suas terras para a cidade.
Sanderville está aumentando a pressão sob eles, e eles não
querem um conflito direto.
Bucky trotou. Hugh estendeu a mão e deu um tapinha
na bochecha do garanhão.
— Por que não?
— Porque o líder deles parece fazer um tipo de magia
que deixa o velho e bom cidadão comum em pânico, —disse
Lamar. — Essa comunidade está tentando criar raízes, mas
não querem que as pessoas da cidade comecem a caçá-los
com forquilhas e tochas em uma caça às bruxas. Eles estão
desesperados.
— E eles acham que adicionar trezentos soldados
treinados a sua comunidade será suficiente para impedir.
— Em poucas palavras, sim.
Parecia perfeito. A comunidade já tinha um problema
com Nez. Não possuíam milícia eficiente, o que significava
que haveria muito pouco conflito. E eles tinham suprimentos
que manteriam seus homens alimentados.
Stoyan e Bale se aproximaram o suficiente para ouvir a
conversa e estavam olhando para ele.
— Qual é o problema? —Perguntou Hugh.
— Eles não confiam em nós, —disse Lamar. —
45 46
Abandonamos Patterson . E Willis . Justamente quando
mais precisavam de nós. Qualquer um agora que sabe de
nossa reputação acha que os trairemos.
— Estávamos seguindo ordens, —disse Hugh.
— Ainda assim foi uma traição.
Hugh ficou intrigado com isso. Roland os ordenou que
fossem embora dessas cidades, não queria estar envolvido
nesses conflitos, então Hugh tirou seus homens de lá.
Tentou se lembrar se havia argumentado contra essa
decisão de Roland. Queria pensar que sim, mas suas
lembranças estavam nubladas. A lembrança precisa dos
acontecimentos deslizou por seus dedos como se ele
estivesse tentando pegar água em seu punho. Lembrava-se
somente de ter retirado suas tropas e de que seus ex-
aliados, sem a proteção de seus soldados, morreram
massacrados pelo inimigo. Um eco de culpa surgiu das
profundezas de suas memórias, mas ele o afastou.
Eu o questionei sobre essa decisão?
Sim. Ele fez. Lembra de ter ligado para Roland e o
questionou sobre ter que abandonar Willis. Hugh tinha
certeza disso.
As coisas pareciam ser muito mais simples naquela
época. Hugh não precisava se perguntar se o que estava
fazendo era certo. Roland queria que fizesse, portanto,
estava certo. Ele ansiava por essa simplicidade, mas ao
mesmo tempo, um pensamento aquecido e raivoso surgiu
em seu cérebro. Ele não cumpriu à sua palavra com os seus
aliados. A palavra dele não valia nada. Hugh deveria ser
capaz de dizer ‘eu farei isso’ e a sua palavra ser garantia
suficiente para validar uma aliança.
— A fama deles não é muito melhor, —disse Lamar. —
Parece que tinham um acordo com uma cidade na Virgínia
47
Ocidental e acabaram os abandonando três anos atrás.
Antes disso, pularam de cidade em cidade, iam embora
porque não gostavam do lugar ou porque eram expulsos
pelos moradores. As informações são conflitantes.
— Por que continuam se mudando?
— Existem alguns rumores desagradáveis sobre o tipo
de magia que eles praticam. —Lamar hesitou.
— Desembucha.
— O boato é que esses pacíficos magos da natureza
48
tiveram algumas divergências com alguns covens na
49
Louisiana . Os covens decidiram acabar com eles e se
uniram durante um Flare. Não foi esse último Flare, nem o
penúltimo. Parece que foi a quatro Flares atrás.
Um Flare era uma onda superpoderosa de magia. Vinha
uma vez a cada sete anos. Durante um Flare, a magia
reinava por vários dias. Merdas estranhas rastejavam para
fora de seus esconderijos, deuses andavam pela terra e
coisas impossíveis se tornavam possíveis.
Durante o último Flare, Roland destruiu Omaha.
— Os Covens da Louisiana se autodenominavam o Pacto
Arcano. Quando o Flare chegou, eles invocaram algo, uma
horda de lobos ou demônios terríveis, ninguém sabe, —
continuou Lamar. — O Pacto Arcano deveria ter varrido os
magos da natureza da face do planeta, mas eles estão
ainda aqui, vivos e prosperando, enquanto o Pacto Arcano
está morto e enterrado. Os boatos dizem que houve
sacrifícios humanos.
— Ótimo. —De toda a magia fodida, o sacrifício humano
era o único limiar que Roland não cruzaria. Esse tipo de
magia abria a porta para antigos poderes primordiais que
ninguém queria ressuscitar.
— Ninguém tem provas de que isso realmente
aconteceu, —disse Lamar. — Mas faz deles suspeitos para
qualquer tipo de aliança. O que sei é que tanto nós quanto
eles estão desesperados, e Nez espera que a gente quebre
a aliança e fuja quando as coisas ficarem complicadas.
Hugh se apoiou na cerca do curral. Isso era um
problema. A única maneira de impedir Nez era projetar uma
demonstração de força. A aliança com essa comunidade
tinha que parecer inquebrável, caso contrário Nez esperaria
que Hugh e seu exército não cumprissem com a sua palavra
e quebrasse a aliança com eles, atacando-os depois disso.
Lamar estava certo. Eles tinham que resolver esse problema
de não ter uma base. Tinham que parecer completamente
unidos.
— Existe um método infalível de fazer uma aliança
parecer segura, —disse Lamar com cuidado.
Hugh olhou para ele.
— Uma união, —disse Lamar, como se preocupado que
a palavra cortasse sua boca.
— União?
— Uma união civil, Preceptor.
— Do que diabos você está falando?
Lamar respirou fundo.
— Casamento! —Bale gritou.
Hugh olhou para Lamar. — Casamento?
— Sim.
Eles tinham que estar loucos. — Quem iria se casar?
— Você.
O entendimento o atingiu como uma tonelada de tijolos,
e ele disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça. — Quem
se casaria comigo?
— Você é bonito, uma figura grande e imponente, e ...
—Lamar procurou por palavras. — E eles estão
desesperados.
— Que diabos você está fumando? Estou sem dinheiro,
eLivros, não possuo nada e sou ...—Hugh não completou
seu raciocínio.
— Um alcoólatra em recuperação. —Lamar assentiu. —
Sim, mas novamente, eles estão desesperados. E estamos
ficando sem comida.
Hugh fechou os olhos por um longo momento. O mundo
estava deslizando para o lado, e ele realmente precisava se
controlar.
— Com quem eu iria me casar?
— O líder deles.
Os olhos de Hugh se abriram. — Você quer que eu case
com um homem?
— Não! —Lamar sacudiu a cabeça vigorosamente. — É
uma mulher. Uma mulher! Não um homem. Ela é conhecida
como a Bruxa Branca.
Graças a céus pelos pequenos favores. Ele não
conseguiu esconder o sarcasmo de sua voz. — Bem, estou
aliviado por não precisar chegar a isso.
— É um acordo comercial antes de mais nada, —disse
Lamar rapidamente. — Mas se você e a líder se casarem,
isso consolidará a aliança. Você disse a si mesmo, disse a
Nez que estava pronto para se estabelecer. Ele acreditará
no casamento.
— Eles têm um castelo, —disse Stoyan. —
Aparentemente, um cara rico comprou um antigo castelo na
Inglaterra antes da Mudança, desmontou-o e o trouxe para o
Kentucky.
— Você gosta de castelos, —disse Bale.
— É um bom lugar defensável, —disse Felix.
— Pelo menos conheça a mulher, —disse Lamar.
— Cale a boca, —disse Hugh.
Eles ficaram em silêncio.
— De onde você tirou essa ideia idiota? —Exigiu Hugh.
— Foi um esforço conjunto entre mim e o representante
dessa comunidade, —disse Lamar. — Se ajuda saber, sua
futura noiva também precisará ser convencida para esse
casamento.
— Perfeito. Simplesmente perfeito.
Ele revisou suas opções. Não tinha nenhuma. Poderia se
casar com a mulher e alimentar suas tropas, ou poderia
deixá-los serem massacrados. Que diabos! Já tinha feito
coisas piores em sua vida.
— Vou vê-la, —disse ele.
— É tudo o que pedimos, —disse Lamar.
 

Três
O vento parou. As árvores estavam quietas, as folhas
50
largas dos plátanos e as folhas com bordas irregulares dos
51
carvalhos pendiam imóveis no calor do início da noite.
Nada se mexia.
Elara apoiou-se nas pesadas pedras cinzentas do
parapeito e enviou sua magia adiante. Um sentimento
doentio fluiu de volta para ela, uma mancha desagradável e
suja na face reconfortante da floresta, como um
derramamento de óleo na superfície de um lago cristalino.
Aí está você.
Rook pegou seu pequeno caderno, escreveu uma
mensagem e passou para ela.
O achou?
— Sim. Está sozinho.
O espião loiro assentiu, um olhar impassível em seu
rosto bronzeado. A lógica dizia a ela que o espião deveria
sentir emoções, mas, se as sente, elas estavam enterradas
tão profundamente que nenhuma dica chegava à superfície.
— Obrigada, —disse Elara.
O caderno desapareceu no bolso oculto de sua jaqueta
de couro macia. Ele atravessou a muralha até a borda
52
interna das ameias , pulou no parapeito com a graça fácil
de um acrobata, pulou novamente e desapareceu de vista.
O vampiro permaneceu onde estava, debaixo de uma
53
figueira , escondido. Mas agora ela sabia que ele estava lá.
Não haveria escapatória.
Um morto-vivo aqui, apenas algumas dezenas de
metros do castelo e do povoado do outro lado. Uma criatura
pilotada por um Mestre dos Mortos, capaz de invadir e
destruir sua comunidade.
Ao lado dela, Dugas se mexeu, afastando um inseto
persistente de seus cabelos grisalhos. O homem mais velho
era muito alto e magro a ponto de ser quase esquelético.
Uma cicatriz cruzava seu rosto, abrindo caminho na testa,
no olho esquerdo cego e na bochecha até desaparecer na
barba curta. Tanto a barba quanto os cabelos estavam
brancos há muito tempo, mas suas sobrancelhas
mantinham alguns fios pretos, recusando-se teimosamente
a envelhecer. Ele estava vestindo sua túnica branca hoje.
Combinava com ele muito melhor do que o traje habitual de
bermuda e camiseta.
O druida acariciou sua barba. — Eles estão ficando mais
ousados a cada dia.
— Parece que sim. —Um morto-vivo tão perto do castelo
significava um Navegador com capacidade de pilotar ao
longo alcance. Provavelmente um dos Mestres dos Mortos
da Legião Dourada de Nez.
— Vou chamar os caçadores, —ofereceu Dugas.
— Não. Eu cuidarei disso.
— Eles devem chegar a qualquer minuto.
— Mais uma razão para lidar com isso sozinha. —Ela
sorriu para ele. — Serei mais rápida do que os caçadores.
Não queremos que os mortos-vivos amedrontem nossos
delicados convidados.
O druida sorriu, alisando sua barba. — Tenho a sensação
de que esses convidados não se assustam tão facilmente.
— Espero que esteja certo. Não se preocupe. Volto logo.
Ela libertou sua magia. Soou como um chicote invisível
e ricocheteou contra o tronco de um carvalho branco. Ela
inalou, deu um único passo em direção à âncora e deixou o
ar sair.
O mundo se moveu.
Estava na floresta agora. A muralha do castelo ficou
para trás a cinquenta metros dela. Árvores maciças
espalhavam seus galhos acima de sua cabeça. As ondas de
magia destruíam a tecnologia, mas nutriam a vegetação. A
floresta ao seu redor parecia ter meio milênio. Alguns
metros à esquerda, havia restos de casas em ruínas,
completamente enterradas na vegetação.
O vampiro correu.
Ela ainda não tinha visualizado a criatura, mas sentiu
que ele atravessava o mato, correndo para longe.
Oh não, você não vai escapar.
Elara correu atrás dele, ancorando e se movendo, cada
um de seus passos engolindo quinze metros. Podia se
mover mais rápido, mas gastar magia custava um preço.
Teria que repor essa magia perdida e pensar nisso revirava
o seu estômago.
Pensar nos ‘convidados’ também revirava o estômago.
Elara deveria ter esperado os caçadores para lidar com o
vampiro, mas a tensão fervia nela, muito perto da
superfície. Precisava deixar sair o vapor da panela de
pressão ou não seria capaz de se sentar durante a reunião.
O morto-vivo corria rapidamente, ricocheteando nos
troncos das árvores. A fome dentro dela despertou. Elara o
perseguiu, acelerando ainda mais. O vampiro saltou sobre
uma enorme árvore caída, e ela finalmente capturou uma
rápida visão das costas da criatura, que um dia teve a pele
de um humano comum, mas agora sua pele era algo
esticado e pálido.
Pegue-o.
À frente, fitas vermelhas brilhantes amarradas aos
troncos de árvores anunciavam o fim de suas terras. Ela
havia corrido quase sete quilômetros.
O morto-vivo corria para a segurança das fitas, visando
o espaço entre duas árvores.
Elara soltou sua magia com pressa, entrou na frente do
vampiro e pegou a abominação pelos ombros. Seu poder a
apertava. A fome arranhava Elara por dentro. Ela
escancarou a mandíbula, expondo os seus dentes.
Os olhos vermelhos do morto-vivo brilharam com um
fogo novo e intenso, o Navegador que controlava o vampiro
havia soltado a mente da criatura. A morte repentina de um
morto-vivo poderia transformar o seu Navegador em um
vegetal humano. Aqueles que alcançavam o posto de
Mestre dos Mortos sabiam o momento certo de soltar suas
mentes.
O morto-vivo se debateu, mas era tarde demais. Elara
encontrou a pequena faísca quente de magia dentro da
criatura e a engoliu. Ela quase podia sentir o gosto em sua
língua, como se fosse um pedaço delicioso de carne, e por
um longo momento o saboreou.
O vampiro ficou mole. Elara abriu os braços, e o saco de
carne e ossos secos que antes eram um corpo humano,
depois um morto-vivo, e agora não era nada, caiu no chão
da floresta.
Muito pouco, a fome uivou dentro dela. Mais. Mais!
Elara acorrentou a fome novamente com um esforço
brutal de vontade e a forçou a voltar ao lugar escuro em
que a guardava.
Cavalos.
Elara se virou. Estava a poucos metros da estreita faixa
da estrada que atravessava a floresta. Correr ou dar uma
espiada? Havia mesmo uma escolha?
Ela recuou uma dúzia de metros, atrás de um amplo
carvalho velho, subiu nos galhos baixos e se acomodou
acima do solo, se escondendo nas sombras entre a
folhagem, como se fosse uma delas.
Cavaleiros se aproximaram.
O líder era alto e moreno. Correspondia à descrição de
Dugas.
A magia dela se espalhou, escondendo-a entre a
floresta, camuflando-a.
Não me veja.
O homem parou seu grande cavalo branco e virou-se
para ela.
Elara não conseguia ver o rosto dele a essa distância.
Também não conseguia sentir direito a magia dele, mas
sabia que ele tinha um pouco, tinha certeza disso.
Não me veja.
Elara não podia ver os olhos dele, mas todos os seus
sentidos diziam que ele estava olhando diretamente para
ela. Um arrepio de excitação percorreu sua espinha.
Era uma completa idiota, decidiu. Sentada aqui, me
escondendo como uma criança com medo de ser pega.
Bem, pelo menos era bom assumir que era uma idiota.
Ele deu outra olhada longa na floresta e seguiu em
frente.
Elara desceu da árvore e correu de volta para o castelo.
Alguns minutos depois, ela passou pelos portões, ajeitou
o longo vestido verde e verificou os cabelos. Algo deslizou
sob seus dedos. Elara puxou um longo fio enrolado em seu
pescoço. Uma aranha. Ela saiu pelos portões e gentilmente
colocou aranha na grama.
A aranha escapou. Desejou poder também. A ansiedade
a inundou. Nervosismo, disse a si mesma.
Subiu os degraus até a parede e tocou o ombro do
druida. Ele se virou, seus olhos castanhos sombrios.
— Eu te disse que voltaria logo.
Ele balançou sua cabeça. — Sei que não quer fazer isso
...
— Não quero. Mas farei pelo meu povo.
O povo dela. Conhecia cada um deles. Ela era a razão
pela qual eles subiam de desciam pelo país, tentando
desesperadamente encontrar um lugar para chamar de lar,
só para depois terem que fugir. Eles mereciam um lugar.
Haviam encontrado este lugar. Esta era a terra deles, e ela
tinha que fazer tudo ao seu alcance para protegê-los. Talvez
o d’Ambray não seja um problema tão grande assim.
— Poderíamos …
— Pegar nossas coisas e fugir novamente? Não. —Ela
balançou a cabeça. — Você mesmo disse que já estamos
aqui há muito tempo. Estamos em casa agora. Não vou
arrancá-los de seus lares de novo. Não por isso.
Não fugiriam mais e não deixaria Nez vencer.
Um grupo de cavaleiros saíram da proteção da floresta e
entraram em um galope na estrada em direção aos portões.
Ela apertou as mãos. Isso era ridículo. Não tinha nada com
que se preocupar. Poderia desistir a qualquer momento.
Os cavaleiros se aproximaram.
Elara assentiu para o líder no cavalo branco. — É ele?
— Sim.
Hugh d'Ambray era enorme. O garanhão debaixo dele
era enorme, mas o homem combinava com o cavalo. Ele
tinha que ter mais de um metro e oitenta de altura. Ombros
largos. Membros longos. Magro. Quase como se ele devesse
ter a uns quinze quilos a mais do que tinha agora. Dugas
disse que eles estavam morrendo de fome. Faminto ou não,
o homem parecia capaz de segurar a ponte levadiça de um
castelo sozinho.
De repente, a realidade brilhou em sua mente. Eu não
quero fazer isso.
54
— Você quer que eu me case com Conan, o Bárbaro ?
—Uma gota de escarnio deslizou em seu tom.
— Um bárbaro atraente, —apontou Dugas.
— Suponho que sim, se olharmos de um ponto de vista
puramente animalesco.
Dugas riu.
— O cavalo dele está brilhando? —Ela apertou os olhos
para o garanhão. Se olhasse atentamente podia-se ver uma
sugestão de algo saindo da testa do cavalo, como um brilho
de ar quente.
— Parece que sim.
Eles faziam uma imagem impressionante, ela admitiu. O
cavalo que brilhava prateado e o cavaleiro, todo de preto,
seus cabelos escuros caindo sobre os ombros. Mas ela não
estava interessada em admirar imagens.
— Ele está aqui há dois minutos e já está andando como
se fosse dono de tudo o que vê.
— Provavelmente sempre anda dessa maneira. Homens
como ele projetam confiança. É o que faz os outros os
seguirem para a batalha.
— Outros violentos.
— Concordamos que precisávamos de soldados
violentos qualificados com costas largas, —disse Dugas. —
As costas deles parecem serem largas o suficiente.
A amplitude das costas de d’Ambray não era o
problema.
Elara olhou por alguns momentos para os homens que o
acompanhavam. Dois homens cavalgavam atrás dele, um
alto e negro, com óculos no nariz e o outro atlético e
branco, com cabelos castanhos curtos e um rosto atraente e
inteligente. O cavaleiro atrás deles era apenas um garoto,
loiro e bronzeado. Por que trazer um menino?
Lobos estão chegando à sua porta.
Os cavaleiros chegaram aos portões. D'Ambray levantou
a cabeça e olhou para cima. Seus olhos eram de um azul
escuro profundo, e eles a encararam. Ela sustentou o olhar
dele.
A maioria das mulheres o acharia bonito. Ele tinha um
rosto forte, predominantemente masculino, sem nenhum
indício das linhas grosseiras que ela esperava. Sua
mandíbula era quadrada e forte, as linhas de seu rosto
definidas, mas não afiadas ou frágeis, e acima de seus olhos
sobrancelhas grossas e negras pareciam ardilosas e frias
demais para o conforto dela. Seus olhos a avaliavam com
cálculos gelados.
Ela estava prestes a compartilhar a autoridade sobre
seu povo com este homem. Alarme a contorceu. Esta era
uma má ideia. Uma péssima ideia.
D'Ambray passou pelo portão e ficou fora de vista.
— Eu não deveria fazer isso, —Elara sussurrou para si
mesma.
— Você quer que eu os mande embora? —Dugas
perguntou em voz baixa.
Se ela dissesse que sim, ele faria.
Elara precisava se controlar. Tinha que mostrar a d
´Ambray quem ela era. A Bruxa Branca. A Imunda. A
Amaldiçoada. A Abominação. Eles iriam chegar a esta mesa
de reunião como iguais e, se escolhessem uma aliança, ela
tinha que se certificar de que sairiam como iguais.
A onda de magia foi embora do mundo sem sequer um
sussurro, levando seu poder. Isso era bom. Ela não
precisava de magia para fazer Hugh d’Ambray entender
como as coisas seriam.
— Vamos esperar para expulsá-los quando ele rejeitar
nossos termos.
— Você os quer no grande salão? —O druida perguntou.
— Não. —Ela estreitou os olhos. — Coloque-os na sala
verde. Ao lado das cozinhas.
********
O ar cheirava a pão fresco, acabado de sair do forno, com
uma crosta dourada. A boca de Hugh encheu de água,
enquanto seu estômago implorava. Garota esperta.
Uma vez, ele fez uma mulher passar fome à beira da
morte, tentando quebrá-la. Justiça poética, refletiu.
— O castelo está em boa forma, —disse Stoyan baixinho
atrás dele.
O castelo estava em excelente forma. Era construído
com pedra marrom acinzentada. A parede de contenção de
55
dez metros de altura, o imenso barbacã e a guarita que
protegia a entrada, eram fortes, assim como as duas torres
56 57
de bastiões nos cantos e as duas torres de flanco . O
pátio, o espaço aberto dentro das paredes, era limpo e bem
conservado. Ele não viu um poço, mas eles deviam ter um.
A estrutura interna consistia em um conjunto de edifícios
abraçando a torre principal, uma torre quadrada de trinta
metros de altura. Ele vislumbrou os estábulos e uma oficina
de motor, instalados à parede leste. As lâmpadas elétricas
sugeriam que eles tinham um gerador funcionando. O lugar
era enorme. Precisava de um fosso. Algo que ele teria que
providenciar.
58
Um grande cão molosser entrou trotando pela porta
aberta, abanando o rabo branco e desgrenhado. Ele tinha
visto três até o momento em que subiram e atravessaram o
pátio, cada cão com mais de cinquenta quilos. Os animais o
59
lembraram dos cães de Karakachan que ele encontrou
60
nos Bálcãs . O cachorro andou até ele e Hugh bateu na sua
cabeça desgrenhada. Karakachans eram assassinos de lobo.
Se Lamar estivesse certo sobre o tamanho de rebanhos
dessa comunidade, os cães faziam sentido. O castelo e a
cidade anexados à margem do lago estavam envoltos em
uma densa floresta. Haveria lobos lá.
O interior do castelo era tão bem cuidado quanto o
exterior. A sala onde agora estavam sentados, em uma
grande mesa rústica, era simples, as paredes de pedra sem
decoração, mas limpas, sua cadeira era confortável e a
temperatura ambiente era pelo menos dez graus mais frio
que lá fora. Paredes grossas agradáveis.
Tudo o que Hugh tinha que fazer agora era convencer a
dona do castelo a deixá-lo compartilhar. Ele a vislumbrou
quando entrou. O cabelo dela era completamente branco.
Não um loiro claro ou platinado, mas branco. Seus olhos
castanhos eram afiados, e ela olhou para ele como se
tivesse visto um lobo em sua porta. Ele não era um lobo.
Era algo muito pior, mas precisava desse castelo e do pão
delicioso dela.
Hugh tentou descobrir a idade da mulher, mas os
cabelos brancos o impossibilitou. O rosto dela parecia
jovem, mas ele não viu nada além de um vislumbre.
Hugh se inclinou para trás. Ela o estava fazendo
esperar. Isso era bom. Ele poderia ser paciente.
Atrás dele, o estômago de alguém roncou.
Havia sentido algo na floresta, no caminho para cá. Algo
que levantou os cabelos na parte de trás do seu pescoço.
Hugh se deparou com todo os tipos de poderes nos três
continentes por onde andou, mas o que quer que estivesse
na floresta disparou todos os seus alarmes. Então a coisa se
moveu em direção ao castelo e ele acelerou Bucky para um
galope, tentando segui-la.
Seu olhar parou em um grande mapa pintado à mão
acima da porta lateral, mostrando Berry Hill no centro, à
beira do lago Silver River, com o castelo na colina vizinha. À
direita e um pouco acima, a nordeste, ficava Aberdine, outra
pequena comunidade pós-Mudança, próxima a uma Linha
61
Ley . Mais alto ainda, depois da floresta, diretamente ao
norte, estava Sanderville. Acima, na distância à esquerda,
estava Lexington.
Hugh olhou para Aberdine. No mundo pós-Mudança, a
magia fluía pelo mundo em correntes, as linhas Ley
ofereciam uma maneira rápida de viajar e enviar coisas.
Andar na correnteza da magia dessas linhas cortaria suas
pernas, então era preciso colocar alguma barreira entre seu
corpo e a magia, um carro, uma caixa de madeira, qualquer
coisa serviria. Uma vez dentro, a linha Ley transportaria seu
passageiro até chegar a um outro ponto da linha Ley, onde
a corrente mágica era interrompida e as linhas deixavam
seus passageiros para o mundo real.
Havia apenas uma estrada que ligava o castelo e aquela
linha Ley e ela atravessava Aberdine. Essa aliança tinha que
acontecer de qualquer maneira.
A pesada porta de madeira se abriu e a mulher entrou,
seguida por um homem mais velho cego de um olho em
uma túnica branca, uma mulher negra de quase quarenta
anos em um terninho e uma loira pequena.
Hugh inclinou a cabeça e olhou para a sua futura noiva.
Ela tinha entre vinte e cinco e trinta anos. Vestida em um
vestido verde solto que ia quase até o chão, escondendo
seu corpo. Belos seios cheios. Pernas longas. Traços bonitos,
olhos grandes, boca pequena, sobrancelhas mais escuras do
que os cabelos, castanho claro, provavelmente desenhados
ou tingidos. Pele bronzeada, quase dourada. Um rosto
interessante. Não é exatamente linda, mas feminina e
formosa.
Uma expressão fria estampava seu rosto, uma pitada de
arrogância, algum orgulho e muita confiança. Havia algo de
realeza nela. Rainha do castelo.
Ela seria uma dor enorme na bunda.
Vamos acabar com isso.
Hugh levantou-se. Ela estendeu sua mão.
— Elara Harper. —Sua voz combinava com ela, fria e
precisa.
Ele agarrou seus dedos nos dele e apertou sua mão. —
Hugh d'Ambray.
— Prazer em conhecê-lo. —Ela sentou na cadeira em
frente a ele.
Seus acompanhantes se organizaram atrás dela.
— Você já conhece Dugas, —disse ela.
Ele não conhecia, mas Lamar disse que o druida era seu
representante, ‘uma voz da razão’. Alguém havia cortado o
rosto do homem mais velho. Hugh encontrou seu olhar.
Dugas sustentou seu olhar e sorriu. Uma noz difícil de
quebrar.
— Esta é Savannah LeBlanc.
A mulher negra assentiu para ele. Roupas caras,
formais, bem arrumada, os cabelos escuros e naturais
puxados para trás do rosto e enrolados em um coque
elegante. Ela parecia uma advogada. Hugh encontrou seu
olhar. Uma bruxa, uma poderosa. Ele não conseguia sentir a
magia dela com a tecnologia, mas interagiu o suficiente
com bruxas para reconhecê-las de qualquer forma. Más
notícias.
— Ela é a bruxa líder dos nossos Covens, —continuou
Elara.
Covens. Plural. Interessante.
— Esta é Johanna Kerry.
A loira sorriu para ele. Ela devia estar na casa dos vinte
anos, mas para ele, a garota parecia muito jovem, quase
uma adolescente. Tinha mal um metro e meio de altura,
esbelta, usava óculos. Loiras pequenas e inteligentes eram
a criptonita de Stoyan.
A mão dela voou até a testa, o polegar pressionado
contra a palma da mão em uma espécie de saudação. —
Olá.
Ela era surda ou muda. Possivelmente ambos. O
conhecimento de Hugh na linguagem de sinais americana
estava enferrujado. A linguagem tinha suas próprias regras
e gramática, mas ele se lembrava do básico.
Ele levantou as mãos e sinalizou. — Dia agradável.
As sobrancelhas de Johanna se levantaram. —
Interessante.
Interessante era a palavra certa. Ele teria que praticar
mais um pouco.
Hugh apresentou seus homens. — Stoyan, Capitão da
Primeira Companhia. Lamar, Capitão da Segunda
Companhia. E Sam. Ele está aqui para cuidar dos cavalos.
Savannah mudou-se para o lado, para que Johanna
pudesse manter os dois à vista dela e sinalizou para a
garota enquanto ele falava. As mãos de Savannah se
moveram rápido. Ela claramente não precisava de prática.
Outra mulher loira de jeans e camiseta entrou na sala
pela porta lateral. Ela era jovem e bonita, e olhou para ele
por tempo demais.
— Posso pegar alguma coisa para vocês?
— Chá gelado, por favor, Caitlyn, —disse Elara.
— Sim, senhora.
A mulher saiu pela porta.
— Você precisa de um exército, —disse Hugh. —
Precisamos de uma base.
Ela assentiu. — Você tem um exército, e eu tenho uma
base.
Até agora eles estavam de acordo.
— Vamos falar dos termos? —Ela perguntou. — O que
você precisa de nós?
— Meu pessoal precisará de quartéis, comida e
equipamentos, —disse ele.
— Isso é razoável, —disse ela.
— Eles não são agricultores. Não poderão cuidar dos
campos ou ordenhar vacas. Não ajudarão seu pessoal nas
tarefas diárias, a menos que seja uma emergência.
Ela levantou as sobrancelhas. — Então, o que vão fazer
o dia todo?
— Patrulharão o local. Irão treinar, executar TF reparar e
fortalecer o castelo e cuidar de todas as ameaças externas
que nós enfrentaremos.
Ele colocou o ‘nós’ propositalmente na frase. Quanto
mais cedo ela os visse como aliados, mais cedo ele
alimentaria seus homens.
— TF? —Ela perguntou.
— Treinamento físico. Você está nos contratando como
funcionários para trabalhos específicos. Devemos ser livres
para fazer esses trabalhos.
— Estou imaginando trezentas pessoas deitadas,
comendo minha comida e bebendo minha cerveja o dia
todo, —disse Elara.
— Somente quando estiverem de folga. Patrulharão o
castelo e o perímetro externo em turnos e, se optarem por
beber cerveja fora do horário de trabalho, pagarão por isso.
O que me leva a outro ponto. Eles precisarão ser pagos.
Elara se recostou. — Você espera que eu os alimente, os
vista, os equipe e os pague?
— Sim. Espero também que eles se ponham entre você
e o perigo.
— Se pagarmos a cada um de vocês US $ 500 por mês,
a conta chegará a US $ 150.000 por mês. Se tivéssemos
essa quantia disponível, eu contrataria mercenários. Não
precisaria me rebaixar para essa farsa de casamento.
Rebaixar? Sério. — Quando Nez chegar aqui e
massacrar seu povo como gado, e você caminhar entre os
cadáveres deles, inalando o cheiro do sangue deles, deverá
dizer isso a eles.
Elara recuou. — Cuidei do meu povo até agora. Cuidarei
de Nez sem você.
— Eu posso tomar este castelo com vinte dos meus
homens, —disse Hugh. — Posso queimá-lo até o chão, ou
posso matar todos vocês e ficar com ele.
Ela se inclinou para frente, os olhos fixos nele, gelados
de raiva. — Tente.
Ele se inclinou na direção dela. — Posso fazer isso,
porque meus homens são soldados profissionais. Você os
tratará como soldados.
— Nós não precisamos de vocês.
— Sim, você faz. Eu vi Nez há um mês. Ele está vindo.
A loira Caitlyn apareceu na porta. Savannah pegou a
jarra com as mãos, acenou para ela e pôs o chá na mesa.
Os olhos de Elara se estreitaram. — E eu devo acreditar
na sua palavra?
— Sim.
— A palavra de um homem que trai seus aliados?
— A palavra de um homem que está disposto a casar
com você apesar de toda a sua reputação. Não vejo uma fila
de pretendentes do lado de fora desta porta, vejo?
Ela recuou. — Como sei que não está trabalhando para
Nez?
— Ele é o Preceptor dos Cães de Ferro! —Stoyan rosnou
atrás dele.
Hugh levantou a mão. Stoyan fechou a boca.
— Nez não se incomodaria com subterfúgios, —disse
Hugh. — Vocês não valem a pena. Vocês são presas fáceis.
Ela abriu a boca.
— Quantos de seu pessoal podem matar um vampiro
individualmente?
Ela não respondeu.
— Cada um dos meus pode. Eles foram treinados para
matá-los, porque Nez e eu passamos uma década tentando
matar um ao outro. Ele me enviou a cabeça do meu amigo
de infância e depois eu e ele tomamos café em Charlotte
uma semana depois. Esse é o tipo de homem que Nez é.
Então reclame de tudo o que quiser, princesa. Mas irá se
casar comigo, porque não tem escolha. Os seus agricultores
não venceram essa luta com Nez. Você precisa de um
bastardo frio e cruel como eu, e eu sou o único aqui.
Eles se entreolharam em silêncio.
— Por enquanto só posso oferecer comida,
equipamentos e dormitórios, —disse ela. — É pegar ou
largar.
— Eu vou pegar. Em troca, me permitirá fazer
modificações e reparos neste local, como achar melhor.
Você financiará as obras, se necessário.
— Vamos discutir cada modificação individualmente, —
disse ela.
— Não.
— Eu posso não ter o dinheiro.
— Bem. Discutiremos o orçamento de cada modificação
com o entendimento de que meus pedidos de materiais e
mão-de-obra devem receber prioridade.
— Tudo bem, —ela falou. — Nós não toleramos crimes
aqui. Enquanto estiverem na comunidade, eles obedecerão
às leis. Se um deles assassinar ou estuprar um dos meus,
você matará o soldado culpado. Se não, eu mesma irei. E
acredite, eles desejarão que tivesse sido feito por você.
Ela cedeu nos seus termos. Hugh tinha que lhe dar algo.
— De acordo. Vou precisar de quinze cavalos. Eram
dezessete montarias, mas os cavalos eram muito caros para
manter.
— Feito.
Merda. Deveria ter pedido vinte.
— E só para ficar claro, —disse Elara. — Este casamento
é apenas no nome.
— Doçura, você não poderia me pagar o suficiente.
Rubor tocou suas bochechas bronzeadas. — Se você nos
trair, vou fazê-lo sofrer.
— Ainda nem nos casamos e já estou sofrendo.
— Temos isso em comum, —ela retrucou.
Os dois se recostaram ao mesmo tempo. Ele estava se
casando com uma harpia de gelo.
Fantástico. Simplesmente fantástico.
Dugas deu um passo à frente, inclinou-se e falou no
ouvido de Elara.
— Preciso inspecionar suas tropas, —disse Elara, com a
voz precisa. — Precisamos saber exatamente o que estamos
comprando com a nossa comida.
— Tudo bem. —Ele deu um sorriso preguiçoso. — Meus
homens precisarão inspecionar seus cavalos e nossos
aposentos no castelo.
— Coloque suas tropas à nossa disposição primeiro.
Hugh se serviu de um copo de chá e acenou com a
cabeça para a porta. — Olhe para fora de suas paredes.

********
Estrangularia este homem. Não, ela faria pior.
Elara andou a passos largos do lado de fora do portão
até o topo da colina onde ficava o castelo. Soldados saíram
da floresta correndo, organizados em três filas. Eles usavam
uniformes pretos, alguns de armadura, outros sem camisa.
Cada um carregava uma mochila grande, um colchonete e
armas. Moviam-se em uníssono, os pés batendo no chão ao
mesmo tempo.
Ela não os sentiu na floresta, o que significava que eles
deviam estar muito longe. Os soldados começaram a formar
um bloco, oito soldados em cada fila. Todo esse
equipamento tinha que pesar pelo menos dez quilos.
Provavelmente muito mais.
— Há quanto tempo eles estão correm? —Ela perguntou
e desejou não ter feito a pergunta. Qualquer manifestação
de interesse era uma abertura, e d’Ambray enfiaria seu
grande ombro idiota na abertura e a manteria aberta.
D'Ambray encolheu os ombros, aparecendo ao lado
dela, uma escuridão em forma de homem enorme. — Desde
Aberdine.
— Dezesseis quilômetros?
— Sim. —Ele se virou para ela, seus olhos azuis escuros
tranquilos. — Você gostaria que eles corram de volta para
Aberdine e depois voltem aqui de novo?
Ele estava completamente sério, ela percebeu.
— Não.
D’Ambray se virou para encarar os soldados. Eles
formaram quatro blocos separados de oito por dez soldados
cada bloco e congelaram, como estátuas sombrias contra a
grama verde do gramado.
— Quer que eles morram? —Ela perguntou.
— Vocês estão cansados? —D’Ambray rugiu ao lado
dela, sua voz se espalhando através do campo. Ela quase
pulou.
As trezentas e vinte pessoas rugiram de volta em uma
única voz. — Não, Preceptor!
— Eles estão prontos para sua inspeção, —disse Hugh.
Elara tinha que admitir, eles pareciam impressionantes.
Culpa a beliscou. Não tinha nada que se preocupar com os
soldados de d’Ambray, lembrou a si mesma. Sua
responsabilidade era manter seu povo seguro. Se d’Ambray
colocava suas tropas em risco, era problema dele.
O rangido de uma carroça veio detrás deles. Devagar,
com cuidado, George, Saladin e Cornwall apareceram,
62
segurando Dakota, uma enorme Clydesdale , que puxava a
carroça para frente. Uma lona marrom escondia o conteúdo.
Ela sabia exatamente o que estava na carroça.
Elara se afastou para deixar a carroça passar. D’Ambray
não parecia preocupado.
Os três homens conduziram a carroça morro abaixo,
lentamente, como se fosse de vidro. Dugas andou atrás
deles, em silêncio. Cada um dos homens carregava uma
espingarda.
A carroça parou. Saladino desamarrou Dakota e os três
homens se afastaram, voltando para o castelo.
Elara levantou a cabeça. — Você disse que cada um de
seus homens podem matar um vampiro.
Dugas puxou a lona da carroça. Um morto-vivo estava
sentado em uma gaiola de metal. No momento em que a
lona foi tirada, ele se lançou sobre as barras de metal, os
olhos brilhando com sede de sangue insana.
— Prove, —disse Elara.
D'Ambray acenou com a cabeça para seus soldados. —
Escolha.
Elara olhou para as fileiras de soldados. Estava prestes
a condenar um deles à morte. Um humano, mesmo um
humano habilidoso, tinha muito pouca chance contra um
morto-vivo. Mas Elara tinha que fazer o trabalho dela. Hugh
provavelmente colocou as pessoas mais fortes na frente e
atrás, então ela tinha que escolher alguém do meio. —
Quarta fila à minha esquerda, —disse ela. — Terceiro
soldado.
— Arend Garcia, —ordenou d’Ambray, sua voz rolando.
— Passo à frente.
O terceiro homem na quarta fila deu um passo para
trás, virou-se e marchou para a beira da fila, virou-se,
marchou em direção a eles, virou-se novamente ... Um
homem morto andando. Ele tinha mais de vinte anos,
cabelos escuros cortados, olhos claros. Como todos eles,
estava magro, quase desnutrido. Uma cicatriz cruzava seu
rosto no lado direito, passando pelo nariz, descendo e
cruzando a boca. Este homem estava prestes a morrer, mas
se ela demonstrasse alguma apreensão, d’Ambray se
aproveitaria para sair deste teste.
Arend Garcia parou.
Ela verificou o rosto de d’Ambray. Poderia muito bem ter
sido esculpido de uma rocha.
— Mate o vampiro, —ordenou d’Ambray, com a voz
calma.
Garcia largou o saco de dormir e a mochila, deu um
passo à frente, de frente para a gaiola, estendeu a mão
pelas costas e puxou uma faca de aparência brutal. Parecia
uma versão menor de um facão, sua lâmina preta.
Dugas pegou a corrente presa a uma barra de metal
pesado que segurava a fechadura do alçapão na gaiola e
recuou. Garcia assistiu, impassível. O morto-vivo se batia
contra as barras.
Droga. — Você vai deixar seu homem encarar um
morto-vivo com uma faca?
D’Ambray olhou para ela. — Você queria que ele o
matasse com as próprias mãos?
— Não. —Ela mal conhecia d’Ambray, mas já o odiava.
— Pelo menos lhe dê uma espada.
— Ele não precisa de uma espada.
Dugas puxou a corrente. A fechadura deslizou livre.
O morto-vivo escancarou a gaiola rapidamente, e
atacou Garcia. No último momento, o magro homem se
afastou, gracioso como um matador, e golpeou com a sua
faca. A lâmina cortou o pescoço do morto-vivo. A cabeça do
vampiro rolou na grama. O corpo correu mais três metros e
tombou para a frente, o toco do pescoço cavando a grama.
Elara percebeu que estava prendendo a respiração e
soltou o ar.
Garcia puxou um pano do bolso da calça, limpou a
lâmina, a enfiou de volta na bainha e parou no seu lugar na
fila.
— Você está satisfeita? —Perguntou d’Ambray.
— Sim. —A palavra tinha um gosto amargo em sua
boca. Ela deveria estar feliz. Queria tropas de choque e as
conseguiu. Elara forçou uma expressão calma no rosto como
uma máscara. — Obrigada, Preceptor.
Ele sorriu. D’Ambray estava claramente aproveitando
cada segundo disso. — Qualquer coisa para a minha noiva.
Ela quase deu um soco nele.
D’Ambray acenou para Garcia. O homem puxou uma
faca pequena da bainha no cinto. Uma mulher saiu das
fileiras e correu até ele. Juntos, se ajoelharam junto ao
corpo do morto-vivo caído.
— O que eles estão fazendo?
— Colhendo o sangue. Permanece viável por um bom
tempo quando armazenado adequadamente. Preciso ver as
acomodações agora.
— Por aqui. —Elara se virou e o levou para dentro do
castelo.
— Sobre este casamento, —disse ele.
— Eu quis dizer o que disse.
— Bom, porque gostei da loira que nos trouxe chá.
Audácia. — Meu povo não é escravo, Preceptor. Mas se
Caitlyn quiser deitar em sua cama, é problema dela.
— Excelente. Vou ter um quarto próprio ou vamos
revezar o seu?
Ele estava provocando-a. Tinha que ser.
— Você terá seu próprio quarto, Preceptor.
— Esplêndido.
Ela não podia matá-lo. Precisava das tropas dele. Mas
realmente queria.
— Uma última coisa. O castelo tem um nome?
— Baile. —Ela pronunciou da maneira certa, em gaélico
irlandês, Balyeh.
Hugh sorriu. — Lar. Acho que vou gostar daqui.
— Faremos o possível para que se sinta bem-vindo,
Preceptor.
 

Quatro
O vazio finalmente o agarrou. Hugh ficou parado na
janela, enquanto o vazio o perfurava com os dentes afiados
e o rasgava, arrancando uma fina camada de cada vez. Ele
conhecia a dor. Havia sido baleado, cortado, queimado,
quebrado, torturado, mas isso era diferente. Era a mesma
dor que sentiu quando Roland o enviou para o exílio.
Estava no quinto andar do castelo. Era meio da tarde,
três ou quatro horas, não tinha certeza. O céu estava azul,
sem um pingo de nuvem. O vento esfriava sua pele. O sol
brilhava nas paredes de pedra. Abaixo dele, uma longa
queda prometia uma rápida viagem até o pátio de pedra. Se
ele pulasse agora, mesmo que vivesse por alguns segundos
e tentasse desesperadamente se curar através de sua
magia, isso não o salvaria. Além disso, a tecnologia estava
em alta. Sua capacidade de curar mal estava presente.
Se jogar resolveria todos os seus problemas. Sentiria um
breve lampejo de dor em comparação com o que sentia
agora, e tudo terminaria.
Se Hugh se virasse, abrisse a porta de madeira e aço
reforçada e seguisse pelo longo corredor, chegaria ao
quarto de sua noiva. Ela estava lá, se preparando. Eles iam
se casar hoje. Nenhum deles queria adiar o casamento.
Ficaram na garganta um do outro durante toda a semana
que se passou depois do primeiro encontro deles, mas havia
uma coisa com que ambos concordavam: eles tinham que
se casar rapidamente e tinha que ser um casamento real,
com bolo, flores, vestidos e uma recepção depois.
Contrataram um fotógrafo de casamento e um cinegrafista,
porque planejavam colocar as fotos em todos os lugares
que pudessem. Por isso o casamento tinha que acontecer
hoje, enquanto a tecnologia estava funcionando. O
casamento tinha que ser de verdade, porque sem a
cerimônia a aliança não valia as quarenta e tantos folhas de
papel que eles assinaram quando seus conselheiros
terminaram de negociar uns com os outros sobre os termos
exatos.
Hugh se inclinou no parapeito da janela. Ele nunca
esperava se casar. O pensamento não lhe ocorreu em
nenhum momento. A necessidade do casamento surgia
quando um homem percebia que estava ficando velho e
queria começar uma família ou quando precisava provar sua
intenção em se comprometer com uma mulher ou obter um
dela. Durante décadas de sua vida como Senhor da Guerra,
a magia de Roland o sustentou. Ele não envelhecia. Naquela
época, Hugh tinha séculos pela frente. Hugh sempre esteve
no auge de sua juventude, se queria uma mulher, conseguia
uma. Houve algumas que resistiram no começo, mas ele
tinha paciência e experiência, sabia ouvir e o que dizer
quando era de seu interesse, e o poder era um inferno de
um afrodisíaco. Ele era o Senhor da Guerra de Roland, o
Preceptor dos Cães de Ferro. Eventualmente, ele as
conquistava e elas acabavam em sua cama.
Hugh achou que em algum momento perderia o
interesse pelo sexo, mas isso nunca aconteceu. Um novo
dia, uma nova mulher interessante. Eventualmente, a sua
experiência o fez perceber que a diferença entre um bom
sexo e um ótimo sexo era a paixão. Ótimo sexo era raro,
mas ele não tinha nenhum problema em viver com um bom
sexo.
O casamento nem estava em seu vocabulário. Ainda
assim, se Hugh se casasse, esperaria que a mulher
estivesse ansiosa por isso. Animada.
A harpia do outro lado do corredor agia como se ele
fosse uma criatura repugnante que se arrastasse sob uma
rocha úmida. A mulher o deixava louco.
Hugh alternava entre querer estrangulá-la e tentar não
rir enquanto ela lutava contra seus golpes verbais. Fazê-la
rosnar de frustração era a única coisa que tornava a
situação tolerável.
Ele era mortal agora. Eventualmente, iria envelhecer.
Morreria. O pensamento transformou o sangue de Hugh em
gelo. Ele nem conseguia se lembrar de quantos anos tinha.
Morreria e logo. Sua magia o manteria vivo por um tempo,
mas ele não duraria muito mais do que outros oitenta anos.
Talvez cem.
O fantasma de Voron apareceu em suas memórias.
Quando Hugh era criança, Voron era maior que a vida para
ele. Alto, poderoso, imparável. Um homem diferente olhava
para ele agora, velho, grisalho, de alguma forma mais baixo,
desgastado, como se a idade pingasse da cor de seus
cabelos e pele.
O fantasma levantou a espada.
Vá embora, velho.
Hugh deixou a memória de lado. O seu passeio pelo
caminho da imortalidade tinha terminado. Ele não tinha
mais o para sempre.
As pedras do pátio se tornaram ainda mais convidativas.
Em vez de pensar no que fazer com o que restava de sua
vida útil, poderia apenas acabar com os dois, sua vida e seu
pensamento.
— Humm, —veio um baixo ruído feminino da cama.
Ele se virou. Caitlyn da cozinha não retornou o seu
interesse, estava muito preocupada com o que ‘a Senhora
Branca’ pensaria, então ele mudou seus avanços para
Vanessa. Uma morena, com seios grandes, pernas longas,
uma bunda pequena e muito entusiasmo, ela trabalhava no
castelo como auxiliar de assuntos jurídicos. Ela também não
era muito exigente.
Vanessa virou de lado e descansou a cabeça no cotovelo
dobrado, expondo os seios e oferecendo a ele uma visão
melhor. Hugh havia estabelecido as regras básicas desde o
início, apesar de duvidar que ela as cumprisse. Vanessa era
uma oportunista.
Ela o mediu com o olhar, parando em sua virilha nua. —
Vamos continuar fazendo isso depois que você se casar?
— Com medo de Elara?
Ela balançou a cabeça. — Se a Senhora não me
quisesse aqui, ela me diria. A senhora sabe tudo. Sabe
exatamente o que estou dizendo agora.
Interessante. Hugh se inclinou contra o peitoril da
janela, estudando-a. — Como?
Vanessa acenou com os dedos para ele. — Magia.
— A tecnologia está em alta.
— Não importa. Ela sabe.
— Por que você a chama de Senhora?
Vanessa encolheu os ombros. — Isso é exatamente o
que ela é. Ela não é como o resto de nós.
— O que a torna especial?
— Se você esperar o suficiente, ela o mostrará.
— Isso não é uma resposta.
— Ela nos protege, —disse Vanessa.
— De quem?
63
— De todos. Dos mortos-vivos. Dos Remanentes .
Ele se inclinou para frente. — Quem são os
Remanentes?
— Começamos juntos, depois nos separamos, —disse
Vanessa. — Chamamos aqueles que ficaram para trás de
64
Remanentes. Eles nos chamam de Desertores .
— Por que vocês se separaram?
Vanessa bocejou. — É longo e complicado.
— Você tem medo de Elara.
— Não, eu simplesmente não sou estúpida.
Hugh foi em direção à cama, inclinou-se sobre ela e
fixou-a com seu olhar.
Ela se encolheu. Alarme brilhou em seus olhos.
Ele olhou para a porta e depois para ela. Vanessa
escorregou da cama, pegou as roupas, vestiu o vestido e
saiu apressadamente, quase correndo, com a calcinha nas
mãos.
Ela voltaria. Tinha certeza.
Vanessa tinha o espírito de um lacaio. Ela temia Elara,
mas também sentia desprezo pela sua futura noiva, ou não
teria subido na cama dele para testar Elara. Sua noiva deve
ser muito gentil com Vanessa. Isso era um erro.
Conheceu muitas pessoas como Vanessa, o suficiente
ao longo dos anos para reconhecer o tipo
instantaneamente. Seu tipo de gente respeitava força e
demonstrações abertas de poder. Eles proclamavam em voz
alta seu apoio aos policiais, tiranos locais e qualquer pessoa
disposta a mostrar força bruta. Vanessa respeitava a
autoridade que a fazia temer.
Enquanto ele a aterrorizasse, ela o obedeceria e tentaria
agradar, mas nunca poderia ser confiável. Se Elara a
assustasse o suficiente, Vanessa contaria seus segredos.
Vanessa era o tipo de pessoa que se experimentasse algum
poder de verdade, seria mesquinha e cruel.
Hugh virou-se para a janela. O dia estava calmo. Supôs
que deveria tomar banho e se vestir. Ele estava se casando,
afinal. E com o seu casamento compraria comida e
segurança para os Cães. Além de conseguir um castelo
como dote.
65
Uma vez que o fosso foi feito ...
O fosso. A tecnologia estava em alta, era meio da tarde
e ele havia ordenado que a construção fosse iniciada esta
manhã. Onde estavam as malditas escavadeiras?

********
— É um lindo vestido, —disse Nadia.
— Muito bonito, —Beth concordou, escovando os seus
cabelos.
Elara escondeu um suspiro. Elas estavam fazendo o
possível para fazê-la se sentir melhor. Não era assim que
imaginava o dia do casamento. No lugar dele teria uma
caricatura de casamento.
Elara lembrou que estava fazendo isso pelas razões
certas. Prometeu proteger seu povo e as tropas de
d’Ambray os protegeriam. Os Cães de Ferro quase não
pareciam humanos, mas estavam dentro das paredes só por
uma semana, então não podia ainda julgá-los.
Eles assumiram patrulhas. Corriam e faziam
quantidades infinitas de flexões. Eram infalivelmente
educados com seu povo. O castelo foi construído com um
quartel, mas não havia espaço suficiente para todos eles no
prédio, então ela teve que colocá-los em tendas no pátio
enquanto a ala esquerda era reformada. Não houve um
sussurro de reclamação.
Quase não tinham suprimentos, exceto o que podiam
carregar e uma carroça coberta. Eles trouxeram a carroça e
descarregaram duas dúzias de barris de plástico selados,
que arrastaram para dentro e trancaram em uma sala no
quartel. Nenhuma espionagem que seu pessoal havia feito
conseguiu descobrir o que havia nos barris. Não era
dinheiro. D'Ambray estava sem dinheiro, tão sem dinheiro,
que o contrato que assinaram especificava providenciar
roupas para cada Cão de Ferro. Eles nem tinham roupas
íntimas sobressalentes.
Esta noite ela teria que se casar com aquele idiota
insuportável.
Algumas meninas sonhavam em se casar e planejavam
o casamento. Elara nunca sonhou. Mas, quando pensava
nisso ocasionalmente, sempre imaginava se casar com
alguém que a amava.
— Você decidiu o que fazer com o cabelo, minha
Senhora? —Eve perguntou por trás.
Ela desistiu de tentar fazê-los parar de chamá-la assim.
Pelo menos na sua frente, eles pararam de se referir a ela
como a Senhora Branca. Ter as pessoas fingindo que ela era
uma rainha medieval era melhor do que ter as pessoas a
adorando, Elara lembrou a si mesma. A adoração tinha que
ser evitada a todo custo.
— Ainda não.
Seu cabelo, a marca de sua maldição, caia em torno de
seu rosto em ondas suaves depois de ter sido torcido na
nuca durante o dia inteiro. Se ela os esticasse, os longos fios
brancos alcançariam sua bunda. O cabelo era um incomodo.
Elara quis cortá-lo por anos, mas se tornou um símbolo de
sua magia, e ela aprendeu há muito tempo que símbolos
eram importantes.
— Nós poderíamos enrolá-lo em cima da nuca, —Beth
ofereceu. — Colocar um arranjo com flores. Poderíamos
fazer uma trança folgada.
— Ou uma trança de cachoeira, —disse Nadia.
Elara mordeu outro suspiro. Quase disse a elas que não
se importava, mas isso machucaria os sentimentos delas.
— Nós poderíamos deixar solto, —Eve sugerida. — Você
quase nunca o solta.
Elara quase não soltava os cabelos porque o odiava.
Ainda se lembrava de seus cabelos reais, os cachos
castanhos escuros e chocolate. Três anos atrás, logo depois
que eles deixaram a Virgínia Ocidental, Elara comprou dois
frascos de tinta para cabelos e pintou os fios brancos.
Manteve o produto até o couro cabeludo começar a coçar.
Quando saiu do chuveiro, seu cabelo ainda estava branco.
Nem um único fio foi pintado pela tinta.
— Deixe-me pensar sobre isso.
— Só faltam duas horas, —Eve murmurou.
— Tenho certeza que ninguém iniciará o casamento sem
mim.
Uma batida suave ecoou pela sala. Rook.
Eve abriu a porta. — Ela está ocupada.
— Deixe-o entrar.
Elara colocou a túnica branca fina em volta de si
mesma, escondendo a camisola branca translúcida que
usava por baixo. A porta se abriu. O espião entrou, seu
cabelo escondido pelo capuz que sempre usava. Ela esperou
que Rook apresentasse um relatório, mas ele apenas ficou
lá. O espião deve ter trazido algo particular para ela.
— Dê-nos um minuto, —disse ela. — Chamo vocês de
volta quando terminarmos aqui.
As três mulheres deixaram a sala, com Beth fechando a
porta atrás dela. Rook se aproximou e estendeu um pedaço
de papel.
Vanessa e Hugh:
V: Vamos continuar fazendo isso depois que
você se casar?
H: Com medo de Elara?
V: Se a Senhora não me quisesse aqui, ela me
diria.
Elara leu o resto da conversa. Dificilmente
surpreendente. Essa era a única coisa que sempre a irritou
em relação a Vanessa. A mulher não tinha um pingo de
lealdade nela. Ainda assim, Vanessa fazia parte do seu
povo.
— Onde ele está agora?
Ele vestiu a calça e correu para a equipe de construção.
Isso significava que ele estaria na porta dela em um
minuto.
— Obrigada.
Rook assentiu e deslizou para fora da porta. Elara a
trancou e se sentou em sua penteadeira. Precisava fazer
alguma coisa com o cabelo. Não ligava para como esse
cabelo teria que ficar, mas o casamento tinha que parecer
genuíno. Elara tinha que manter as aparências. Faria essa
farsa parecer real pelo o bem do seu povo.
Alguém bateu na porta dela.
— Vá embora. —Elara mergulhou os dedos em um
pequeno pote de creme.
— Abra a porta.
Havia algo nessa voz que fazia as pessoas quererem
obedecer. Uma qualidade interessante. Provavelmente
muito útil no meio da batalha.
— Vá embora. Não estou vestida e você não pode me
ver antes do casamento.
— Abra a porta.
— Não. —Ela colocou um pouco de creme no rosto e no
pescoço, depois espalhou na pele.
A porta bateu com um baque forte. Era uma porta
pesada de madeira, reforçada com aço, mas os poucos dias
que ela passou com d’Ambray convenceram-na de que ele
podia ser extremamente obstinado.
— Se quebrar a porta, o dinheiro para a substituição
sairá do seu orçamento discricionário.
Elara levantou os cabelos, prendendo-os na nuca. Ugh.
— Você realmente quer resolver esse problema com a
porta fechada?
— Eu não quero resolver nada.
— Você cortou o combustível para as minhas
escavadeiras.
— Sim eu fiz.
— Por quê?
— Porque é caro.
Um silêncio furioso caiu. Ela o imaginou do outro lado da
porta fumegando e sorriu.
— Eu preciso do combustível.
— Todos nós precisamos de alguma coisa.
— Elara! Nós precisamos permanecer vivos. O fosso nos
manterá vivos.
Fosso, fosso, fosso … Fosso? Fosso. Fosso! Ugh.
— Você quer cavar um buraco com três metros de
profundidade e vinte metros de largura. Isso é ridiculamente
grande.
— Tem que ser muito grande para funcionar.
Elara suspirou e pegou uma sombra. Que tal ouro rosa?
— Como você está planejando preenchê-lo?
— Com água do lago.
— Você está planejando fazer a água subir até a colina?
— Não, eu vou bombeá-la.
Ela baixou as pálpebras e começou a aplicar a sombra.
— Você quer bombear a água para aquele buraco enorme?
Tem alguma ideia de quanto combustível será necessário?
Iremos pagar por esse combustível também?
— É necessário.
— A água simplesmente não se infiltra do chão?
— Vamos alinhar o fundo com concreto.
— Se usarem concreto a magia irá destruí-lo.
— Não, a magia não vai destruí-lo, porque usaremos
concreto romano misturado à mão.
A sombra ouro rosa estava ficando bom. — Você não
precisará de cinzas vulcânicas para concreto romano?
Outro silêncio. Ela teve uma discussão detalhada com o
Cão que ele designou como capataz antes de liberar o
combustível deles. E não era seu primeiro projeto de
construção.
— Onde vai conseguir cinzas vulcânicas? —Ela
perguntou.
— Vou trazê-lo de Asheville.
— Eu não sabia que Asheville havia brotado de repente
vulcões. —Aplicou uma sombra mais escura acima da
sombra ouro rosa, no vinco de seus olhos.
— Asheville teve uma manifestação vulcânica há cinco
anos. Eles têm uma montanha inteira de cinzas vulcânicas e
podemos comprá-las mais barato.
— Mais dinheiro.
— Elara, —ele rosnou.
— Você está consumindo um poço de dinheiro, exceto
que não é um poço, é um fosso. Por que não apenas coloca
o dinheiro enfileirado e toca fogo nele quando os vampiros
vierem?
— Não queimaria o suficiente. Você vai me dar esse
fosso. Estou tentando manter todos neste lugar vivo. Você
pode colocar um preço na segurança do seu povo?
— Sim eu posso. O custo operacional total de um único
trator é de duzentos e trinta e sete dólares por hora. Temos
que levar em consideração o uso de instrumentos pesados
no solo que não foi perturbado por pelo menos dez anos.
Gasolina, lubrificante, ajuste do material rodante para
impacto, abrasividade e assim por diante, reserva de
reparo, peças e mão de obra; e custo do operador, já que as
pessoas não trabalham de graça. Agora temos que calcular
o número de metros cúbicos de solo que precisamos
remover e transportar para outro lugar. Com base nas
dimensões de seu fosso ...
— Dê-me o fosso ou o casamento acabou.
Por um momento, ela literalmente viu vermelho. Elara
ficou de pé e abriu a porta. Ele estava do outro lado,
vestindo nada além de jeans e botas.
— Não acredito em você! Colocaria em perigo este
casamento por seu fosso estúpido?
Hugh se elevou sobre ela, seus olhos azuis escuros. —
Aqui está um pouco de matemática para você. Sua
comunidade abriga quatro mil e quarenta e sete pessoas,
das quais quinhentas e três são crianças menores de
dezoito anos. Quando Nez vier, e ele virá, você terá três
opções. Pode evacuar, o que significa que Nez nos
perseguirá e matará todos. Pode se esconder no castelo
com os adultos e mandar as crianças embora, dando a Nez
uma manada de reféns em uma bandeja de prata. Ou pode
esconder todos no castelo, que é a única opção real que
você tem.
Ele se inclinou para mais perto, seu rosto cruel. — Este
local foi projetado para receber um grupo de trezentas
pessoas. Ele pode acomodar confortavelmente quinhentas.
Você terá que empurrar quatro mil pessoas aterrorizadas,
metade delas pais e filhos, aqui dentro como sardinhas. O
saneamento será o primeiro a falhar. O esgoto começará a
retornar. A água será a próxima. Seu poço ficará seco. Você
tentará conservá-lo, enquanto Nez atira pedaços de
cadáveres que seus espalhadores de peste semearam com
doenças no seu muro, mas isso não importa. De qualquer
maneira, o poço ficará seco dentro de algumas semanas.
Seu povo começará a morrer. As crianças e os enfermos
estarão na frente da fila. Você os observará morrer um por
um.
Ela piscou.
— Não podemos suportar um cerco. Temos que acertar
Nez com tanta força e rapidez em sua primeira tentativa de
nos atacar, que ele decidirá que nos cercar é muito caro.
Para fazer isso, precisamos de defesas que funcionem
contra mortos-vivos. O fosso é uma defesa. Sem ele, este
lugar é uma armadilha mortal. Sei que não entende, mas
você não é o responsável por nossas defesas. Eu sou.
Gelo branco explodiu dentro de Elara. — Você tem
coragem, —ela rosnou. — Seu fosso cortará meu orçamento
em um terço!
— Nosso orçamento.
— Ainda não, não é! Eu tenho que financiar a escola
para este ano. Tenho que alimentar trezentas pessoas
extras que não ganham dinheiro. Dinheiro não cresce em
árvores. Roland não lhe explicou o conceito de dinheiro
quando ele pagava sua mesada?
Os olhos de Hugh se estreitaram. — Não sei se você é
estúpida demais para entender, ou se abusa do poder que
acha que tem, por isso vou simplificar tudo: me dê o fosso
ou vou levar meu pessoal e partir. Não morrerei aqui porque
você é uma idiota.
— Estúpido arrogante!
— Harpia estridente.
— Idiota.
— Cadela.
A fome a arranhou por dentro. Levou cada gota de sua
força de vontade para impedir que ela o rasgasse. Elara
realmente tremia de raiva.
— Você quer partir? Vá.
— Cuidado com o que deseja, —ele avisou.
— Pegue seu pessoal e vá embora.
Um golpe os fez se virar em direção ao corredor.
66
Johanna bateu a mão com a letra E na linguagem dos
sinais na palma da outra mão e depois a moveu pelo
comprimento dos cabelos, indicando o seu nome: — Elara.
Johanna não usava o sinal que ela inventou para o seu
nome com frequência, e quando o usava normalmente era o
suficiente para fazer Elara se acalmar, mas estava muito
irritada.
— O que foi? —Ela rosnou.
— Sei que estão em um momento importante de luta, —
disse Johanna. — Mas os diretores da Guarda Vermelha de
Lexington e do Colégio de Magos de Louisville estão lá
embaixo. —Ela apontou para o chão.
Hugh virou-se para ela. — Por quê?
Johanna afastou os cabelos loiros. — Nós os convidamos
para o casamento para formarmos boas relações e ter
testemunhas. Não seja estúpido.
Ela moveu os dedos, seus gestos rápidos.
— Precisamos de testemunhas. Muitas, muitas
testemunhas. Se controlem. Bata um no outro, se precisar. E
depois vistam-se. Não se importem comigo. —Ela deu um
passo para trás. — Eu vou esperar cinco minutos.
Hugh estava olhando para ela. Elara percebeu que seu
roupão estava aberto, exibindo a fina camisola branca que
deixava a maioria de seus seios nus e mal cobria metade de
sua bunda. De repente, Elara percebeu que Hugh estava
seminu e muito perto. Ela fechou o roupão e olhou de volta
para ele.
Ele não exalava mais raiva. Claramente, mudando de
estratégia.
— Vamos negociar, —disse ele. — Qual a matéria prima
de maior necessidade para vocês?
— Metal, —disse ela. — Precisamos de ferro e aço.
— Existem várias cidades menores por aqui que foram
engolidas pela floresta. Há metal lá. Carros usados, fábricas
em Brownsville e assim por diante.
— Essas não são florestas amigáveis. Muitos desses
lugares estão infestados de criaturas mágicas. É muito
perigoso.
— Não é para o meu pessoal. Vou começar a fazer o
resgate desse material e você autorizará o combustível para
o fosso.
Elara fechou os olhos. — Tudo bem. Você terá
combustível suficiente por três dias. Terá mais quando a
primeira carga do material que resgatarem chegar, e os
nossos ferreiros aprovarem.
— Pode haver esperança para você ainda.
— Apodreça no inferno, d’Ambray.
— Eu também te amo, doçura.
Elara virou-se para Johanna e sinalizou. — Nós nos
entendemos.
Johanna deu um sorriso brilhante para os dois. — Bom
trabalho.
Johanna se virou e desceu as escadas.
Elara não bateu a porta. Ela a fechou com muito
cuidado, caminhou até a penteadeira, sentou-se e fechou os
olhos, tentando controlar sua fúria que insistia em sair do
seu esconderijo escuro.
Sabia exatamente por que Vanessa se deitara com ele.
De perto, Hugh era esmagador. Seu tamanho, a largura dos
ombros, seus músculos, seu estômago duro. Poder.
Masculinidade e força brutal. E ela odiava cada centímetro
dele. Se pudesse empurrá-lo para fora da janela do
corredor, o faria. Ele se esborracharia nas pedras abaixo, e
ela sorriria de satisfação.
Esse era um pensamento errado. Ela se corrigiu.
Uma batida hesitante veio.
— Entre, —disse sem se virar. — Decidi o que fazer com
o meu cabelo.
— Sim, minha Senhora? —Beth perguntou.
— Vamos deixá-lo solto, —disse Elara.

********
Hugh parou no altar, embaixo de uma treliça em
67
arco, enfeitada de flores clematis brancas . Uma fragrância
suave apimentava o ar. O castelo erguia-se atrás dele,
ligeiramente para a esquerda. A colina se nivelava aqui
antes de rolar para baixo, e a bela paisagem rural de
Kentucky se espalhava à sua frente: as colinas e pastagens
verdes-azuladas, com densas florestas invadindo-as como
ondas de uma maré crescente e, ao longe, mais colinas,
cada uma mais alta do que a seguinte, desapareciam no
início do que prometia ser um inferno de um pôr-do-sol.
Ele se virou um pouco. Bancos haviam sido montados
em frente ao altar, com uma passarela entre eles, e
estavam cheios. Do lado de Elara, havia mulheres vestidas
em tons claros e homens de terno ou jeans. Do lado dele
todos estavam vestidos de preto. Os Cães usavam seus
uniformes, assim como ele usava o preto do Preceptor. Era a
única roupa formal que seus soldados tinham. Eles
guardaram suas armas embaixo dos assentos e estavam
sombrios e quietos. Hugh não arriscaria que Nez estragasse
seu casamento. Olhou para as fileiras dos Cães de Ferro.
Eram toda a família que ele precisava.
— Onde ele está? —Bale rosnou ao lado dele.
— Está vindo, —disse Lamar calmamente.
— É melhor que venha mesmo, —disse Bale.
As pessoas da comunidade ficaram sem cadeiras e
formaram um grupo solto, de pé ao lado dos bancos. Eles
esperavam, murmurando e se movimentando. As crianças
corriam umas atrás das outras. Havia flores por toda parte.
Olhando pelo corredor central, podia ver a grande tenda
branca à direita, onde Elara esperava, provavelmente
cercada por suas mulheres, mexendo em cada centímetro
de seu cabelo e vestido. Atrás da barraca, as mesas haviam
sido arrumadas com um bolo preto e branco de três
andares, no centro.
Stoyan abriu caminho pela multidão. Uma cicatriz
estreita e fresca cruzava seu pescoço.
— Falando do diabo ... —disse Lamar murmurou.
Stoyan correu pelo corredor até eles, enfiou a mão no
bolso e ofereceu uma pequena caixa preta a Hugh.
— Algum problema? —Perguntou Lamar.
— Nada que eu não consegui lidar.
Hugh abriu a caixa. Um anel de ouro branco jazia
68
dentro, um modelo meia-eternidade com uma pedra de
água-marinha azul claro cintilante entre duas fileiras de
69
pequenos diamantes . Parecia mais ou menos o modelo
que ele descreveu para Stoyan. Um joalheiro em Lexington
lhe devia um favor há mais de vinte anos. Hugh se lembrou
disso três dias atrás, durante um de seus momentos de
clareza entre tentar acalmar seu pessoal, brigar com Elara e
foder Vanessa para manter o vazio à distância.
Há um ano, se ele tivesse escolhido um anel de
casamento, seria uma obra de arte com diamantes,
mergulhado em magia e custando uma fortuna. Este não
poderia valer mais do que três mil, mas o metal era branco
como o cabelo dela e algo sobre o fogo puro de água-
marinha e diamantes o fazia lembrar de Elara. O anel
mostraria consideração, algo que as mulheres valorizavam.
Um gesto de paz.
Eles odiavam as entranhas um do outro, mas não havia
motivo para não conviverem, pelo menos até que a ameaça
passasse. Hugh não tinha vontade de lutar até a morte com
ela por tudo. E Elara lutaria até o fim. Embora se ela
insistisse em brigar quase nua com ele de novo, estava
razoavelmente certo de que poderia tolerar isso por alguns
minutos. Apesar de Elara não ser a mulher mais bonita do
castelo, gostou do que viu.
Ela também confirmou algo que ele suspeitava quando
discutiu as providências para o casamento. Elara não queria
que ele a visse no vestido de noiva. Era uma tradição
estúpida, mas estava apegada a essa tradição. Era o
primeiro casamento dela, Hugh tinha certeza, e como a
maioria das mulheres, provavelmente planejou desde a
infância, da música de entrada até o lançamento de
pombas.
O vazio o mordeu. Ele bloqueou.
A harpia do castelo queria um momento especial. O anel
demonstraria que ele a levou em consideração. Pelo que
conhecia dela, Elara jogaria o anel na cara dele. Seu olhar
se voltou para o cinegrafista que filmava a multidão. Talvez
não na frente das câmeras.
Stoyan tomou seu lugar à sua direita. Bale entregou-lhe
a espada de Hugh e Stoyan a segurou na frente dele,
apontou para baixo. Uma tradição de longa data entre os
Cães de Ferro, estabelecida por Voron, o Senhor da Guerra
anterior de Roland, que iniciou a Ordem. Outra mordida do
vazio. Voron, o homem quem o criou.
O fantasma olhou para ele em suas memórias.
Eu matei você porque Roland ordenou.
Hugh afastou as lembranças, concentrando-se na arma
para mantê-las trancadas. Ele sentia falta da espada antiga,
mas a que Stoyan estava segurando para ele agora não era
ruim. A lâmina tinha oitenta e cinco centímetros de
70
comprimento, com uma guarda cruzada simples e um
cabo de onze centímetros em cordão. Pesava um pouco
mais de um quilo, era para ser usada montando um cavalo,
mas era vigorosa o suficiente para ele usá-la em qualquer
situação.
Ele olhou para o lado de Elara. Johanna estava no local
da Dama de Honra em um vestido rosa claro, segurando um
buquê de lindas flores brancas. Ela sorriu para ele e acenou
com a mão livre.
Ele encolheu os ombros.
Johanna colocou o buquê debaixo do braço. Os dedos
dela se moveram. — Assustado?
Ele imitou o riso.
As abas da tenda se abriram. A música veio dos alto-
falantes. Parecia vagamente familiar, mas não era a marcha
nupcial que ele esperava. Hugh franziu a testa. Já havia
ouvido essa música antes ...
71
Walking in My Shoes de Depeche Mode .
Lamar sorriu.
— Ideia sua? —Perguntou Hugh.
— Foi um esforço conjunto entre mim e Dugas. Você
disse para escolher algo apropriado.
Elara saiu.
Ela usava um vestido branco simples que embalava
seus seios e abraçava sua cintura antes de se alargar em
uma saia comprida. Os cabelos brancos caíam sobre os
ombros em ondas soltas. Uma tiara de prata cravejada de
pedras brilhantes enfeitava sua cabeça.
Ele viu o rosto dela.
Uau.
Elara deslizou pelo corredor, feminina e graciosa. Régia.
Andou sozinha, e Hugh percebeu o significado disso. Elara
estava se entregando por vontade própria. Não havia pai.
Ninguém tinha o direito de acompanhá-la pelo corredor.
Cada olhar a seguia. Enquanto Elara se movia entre o
seu pessoal e o dela, o mal-estar desapareceu nos Cães.
Eles a observavam do jeito que assistiam a um claro nascer
do sol após uma tempestade noturna. Elara sorriu para eles,
e eles sorriram de volta.
É por isso que as pessoas a seguia, Hugh percebeu. Era
isso.
Elara caminhou até o altar, linda como uma visão. Ele
estava se casando com uma rainha de um conto de fadas.
Hugh estendeu a mão para ela. Elara colocou os dedos
nos dele e juntos subiram três degraus até o altar. Ela sorriu
para ele, e algo em seu peito se moveu.
Ele tinha que quebrar o encantamento, então fez sua
boca funcionar. — Ninguém para te levar pelo corredor?
Elara não olhou para ele, com os olhos fixos no pastor o
respondeu. — Não preciso que ninguém me leve ao altar.
Ele precisava provocá-la um pouco mais. Ainda estava
bonita demais, régia demais, demais.
— Você não deveria ter crianças correndo na sua frente
jogando flores? Ou as sacrificou no caminho?
O rosto dela estremeceu. — Sim eu fiz. E devorei as
almas delas.
Lá estava ela. — Bom saber. O fotógrafo está tirando
fotos. Diga X, doçura.
Elara deu a ele um sorriso brilhante e feliz. — X, idiota.
Ele fez o possível para parecer um noivo que estava
ansioso para se casar com essa criatura e que não podia
esperar para tirá-la desse vestido hoje à noite. — Harpia
raivosa.
— Bastardo.
O pastor, um homem de trinta e poucos anos com
cabelos e óculos escuros, olhou para eles, a boca aberta.
— Comece a cerimônia, —disse Hugh, colocando
alguma ameaça em sua voz.
— Antes que nos matemos, —disse Elara.
O pastor pigarreou. — Caros amados ...
Elara virou-se para Hugh, com o rosto brilhando de
felicidade. Se ele não a conhecesse melhor, pensaria que
era real.
— ... o matrimônio é um compromisso que deve ser
honrado ...
Hugh entrou na farsa, olhou para ela com o mesmo
carinho e viu uma cintilação de dúvida em seus olhos. Há.
— ... essas duas pessoas decidiram viver suas vidas
como um só.
— Deuses me livre, —ele murmurou.
— Cale a boca, —ela respondeu com o mesmo sorriso
deslumbrante.
— Se alguém souber de uma justa razão pela qual esses
dois não devem se unir, fale agora ou mantenha o silêncio
para sempre.
Silêncio. Bom. Talvez ele passasse por isso sem matar
ninguém.
— Hugh d'Ambray, você, com seus amigos e familiares
como testemunhas, se apresenta por sua própria vontade
para se unir ao casamento?
— Sim.
— Elara Harper, você, com seus amigos e familiares
como testemunhas, se apresenta por sua própria vontade
para se unir ao casamento?
Houve uma pequena pausa, então ela disse: — Sim.
— Hugh, repita comigo. Eu, Hugh d'Ambray, recebo
você, Elara, para ser legalmente minha esposa. Prometo
ficar ao seu lado na doença e na saúde, na alegria e na
tristeza. Prometo amar você, confortá-la e apreciá-la acima
de todos os outros.
Ele repetiu as palavras, infundindo-as com a mesma
sinceridade que o permitiu convencer as pessoas repetidas
vezes a confiar nele, apesar de seu melhor julgamento.
— Com este anel, eu te dou meu coração. A partir deste
dia você não irá mais andar sozinha. Serei seu abrigo na
tempestade da vida.
Ela estendeu a mão e ele deslizou o anel em seu dedo.
Os olhos dela se arregalaram. É isso aí. A surpresa foi boa.
Conseguiu desequilibrá-la agora.
— Elara, repita comigo ...
Ele a ouviu jurar amá-lo. Então estendeu a mão e ela
deslizou um anel em seu dedo, uma faixa branca com uma
trança de preto e prata correndo ao longo de seu
comprimento. Combinava com ele. Ela pensou nele
também. Por alguma estranha razão, gostou disso.
— Agora os declaro marido e mulher. Podem se beijar.
Hugh deu um passo em sua direção. — Tente
demonstrar que isso será bom.
— Farei o possível para não vomitar na sua boca.
É assim, não é? Certo. Ele passou a mão na parte de
trás da cabeça dela, sentindo os fios sedosos deslizarem por
entre os seus dedos, inclinou-se para a frente e a beijou. Ela
ofegou um pouco em sua boca, e ele a beijou do jeito que
beijaria uma mulher que estava tentando seduzir, atraente,
promissor, reivindicando-a. Ela tinha um sabor fresco e
doce. O que ele esperava? Veneno e cinzas.
As pessoas aplaudiram. Elara cravou as unhas no braço
dele. Ele mordeu o lábio dela antes de soltá-la.
Com certeza ela tinha arrancado sangue do seu braço.
Ele se virou para a multidão, sua mão agarrada na dela,
sorriu e acenou. Elara se virou com ele, sorrindo como se
hoje fosse o dia mais feliz da sua vida, e acenou. Ele tinha
que admitir. A mulher poderia se controlar.
A onda de magia bateu e os inundou. Sua respiração
ficou presa na garganta, o poder se espalhando por ele.
Uma mulher chamou sua atenção. Ela estava
completamente imóvel no meio da área de recepção, longe
da multidão. Meia-idade, cabelo loiro e sujo.
Ele ouviu Elara inalar profundamente.
A mulher levantou uma faca com as duas mãos e a
enterrou no próprio estômago, torcendo a lâmina. Magia
explodiu no meio da área de recepção. Hugh não viu, mas
sentiu a explosão. Ele pegou sua espada da mão de Stoyan.
Quando a explosão de magia se transformou em um
redemoinho agitado de escuridão, Hugh já estava se
movendo.
A multidão correu na direção oposta. O povo de Elara
agarrou as crianças e fugiu para trás, para o altar. Ele não
precisava olhar para saber que atrás dele os Cães estavam
se preparando.
A escuridão rachou. Uma fera apareceu. Elevava-se
acima da recepção, com dez metros de altura, uma coisa
peluda de longos pêlos emaranhados, pele e ossos.
Inclinava-se de quatro, seus membros desproporcionais e
longos, quase nivelados com a cabeça enquanto se
agachava. Seu longo crânio terminava em mandíbulas
semelhantes a cavalos, segurando uma fileira de presas
tortas. Acima dos dentes, dois pequenos olhos negros
olhavam para o mundo, e acima deles o pelo se
transformava em uma crina escura entre dois chifres de
72
gnus . O fedor tomou conta de Hugh, o cheiro azedo de
73
estrume podre. Um tikbalang . Não a versão moderna dos
metamorfos, mas a criatura primordial e antiga dos
pesadelos das Filipinas.
A magia do tikbalang encharcou Hugh. Não era como a
sua magia ou a magia sofisticada e fria de Roland. Isso era
sujo e selvagem, um golpe certeiro. A magia das bruxas
ficou corrompida.
O tikbalang gritou. Oito versões menores do animal
surgiram em torno dele, cada uma do tamanho de um carro.
Eles viram a multidão em fuga e começaram a persegui-los.
Uma das criaturas saltou sobre a mesa em direção a
Hugh. O bolo de casamento explodiu e o corpo escuro se
lançou em sua direção. Ele contornou e balançou, colocando
todo o poder e peso no balanço. A espada cortou o pescoço
do tikbalang. A cabeça da fera saiu. Sangue vermelho
grosso jorrou do toco em uma torrente, como se a criatura
fosse uma cantina cheia dele. O fedor virou seu estômago.
Hugh saltou sobre a mesa. Outro animal correu para ele
de lado. Ele contornou e cortou um corte no ombro da
criatura enquanto ela passava.
Os Cães passaram correndo por ele, mirando o animal
maior.
Seu tikbalang menor virou-se e o atacou. Hugh se
esquivou e golpeou um corte nas pernas direitas, cortando
os tendões. A fera enorme gritou novamente e deu um tapa
em alguém vestido de preto. Uma mulher passou voando
por Hugh. Gina. Ele libertou sua magia de cura, curando as
costelas quebradas de Gina antes que ela pousasse,
esquivou-se novamente, girando e enterrou sua lâmina
entre as costelas da besta. Ele sentiu a breve resistência
quando a espada deslizou no músculo duro do coração da
criatura, depois o músculo se rompeu e ele puxou sua
espada. Sangue espirrou nele. O tikbalang caiu a seus pés
com um gemido.
Ao redor de Hugh, a batalha começou. Os efeitos do
treinamento apareceram, como sempre acontecia, e o
campo de batalha ficou claro como cristal. Ele viu todos
eles, sua mente catalogando onde cada um de seu povo
estava em campo.
Os Cães se dividiram em equipes, cobrindo as seis
bestas restantes. Na extrema direita, Bale lutava com uma
clava, enquanto sua equipe usava facas. À esquerda,
Barkowsky bateu palmas e disparou raios contra outra
criatura, enquanto Beth, uma das mulheres de Elara,
circulava, com uma katana sangrenta na mão. Na beira,
Savannah estava em pé, com as mãos levantadas, cantando
algo baixinho. Videiras grossas brotavam do chão sob seus
pés e enrolavam em torno do animal mais próximo,
mantendo-o imóvel enquanto seus Cães o atacavam.
Stoyan e cerca de trinta Cães de Ferro estavam atacando a
maior criatura. O animal sangrou, encharcando a grama,
mas não diminuiu a velocidade. Era muito grande e não
seria fácil abatê-lo. Eles não conseguiram derrubá-lo com
um só golpe, então cortaram-no em pedaços,
metodicamente e com cuidado, até sangrar.
Hugh correu para o gigante, lançando magia ao redor do
campo para curar as pessoas mais próximas a ele.
Os Cães cortaram e se abaixaram, se aproximando da
fera para cortar as pernas e braços do animal. O tikbalang
bateu no chão com suas garras, tentando agarrá-los.
Hugh chegou lá no momento em que o enorme monstro
entrou em outro ataque. Os Cães se espalharam para fora
do caminho. À sua esquerda, Sam escorregou no sangue.
Dedos com garras se fecharam sobre ele. Isso exigiria
precisão. Hugh investiu contra a mão do animal e cortou a
carne áspera do antebraço peludo. A mão caiu aberta,
dedos com garras moles. Havia conseguido cortar os
tendões.
O tikbalang gritou.
Sam caiu no chão. Hugh o agarrou pelo ombro e o
empurrou para trás, fora do caminho.
O tikbalang deu-lhe um golpe com a costa da mão.
Hugh voou, enrolando-se em uma bola e bateu na grama. O
impacto sacudiu suas costelas. Sangue da poça na grama
espirrou em seu rosto. Hugh se levantou.
Quatro das seis criaturas restantes estavam mortas. O
gramado da recepção era uma bagunça infernal de sangue
e cadáveres, e quando ele viu a figura de vestido branco,
quase não a reconheceu. Elara caminhava em direção ao
tikbalang. O sangue brilhava em um alarmante carmesim,
encharcando a bainha do vestido de noiva, subindo no
tecido branco enquanto ela passava.
Hugh correu para ela.
Elara caminhou entre os seus soldados e parou na
frente da fera enorme.
O tikbalang mergulhou na direção dela, mandíbulas
abertas.
A magia saiu de Elara, atacando os sentidos de Hugh,
uma torrente poderosa e diferente de tudo que ele havia
sentido antes.
A fera tentou abortar o ataque de Elara, mas já era
tarde demais. O poder dela o tocou. A criatura colossal
empinou, como se atingida, balançou e caiu de lado, imóvel.
Os dois tikbalang restantes caíram mortos.
Hugh parou atrás dela. Elara virou-se, com o rosto
ilegível, pegou a saia ensopada de sangue com a mão
direita e caminhou através do campo de sangue de batalha
até a tenda.
O silêncio reinou.
Elara entrou em sua barraca. Ao redor deles, o povo
dela encarava a carnificina. Ele viu dor em alguns rostos,
medo, tristeza, mas não viu surpresa.
— Comecem a limpeza, —ordenou Hugh. — Guarde o
que pudermos tirar das criaturas, colete amostras de
sangue e tecido, queimem os restos sólidos, salgue o
sangue e manuseie essa bagunça. E nos arranje outro
maldito bolo. Teremos a recepção no castelo.
Sua voz os tirou do choque e, quando chegou à tenda,
todos estavam se movendo.
Hugh entrou. A tenda estava vazia. Um vestido
manchado de vermelho estava no chão. Ele captou uma
sugestão de movimento atrás de uma tela à sua direita e
chegou mais perto.
— O seu pessoal se machucou? —Elara perguntou de
trás da tela.
— Nada que não possa ser consertado. Quer me falar
sobre isso?
— O que quer saber? —Ela parecia cansada.
— Quem fez isso, o por quê e se isso acontecerá
novamente.
— Os Remanentes. Eles acham que é um casamento
real.
— E?
— Eles temem que eu possa ter um filho. —Ela deu uma
risada curta e amarga. — Farão tudo o que puderem para
impedir isso. Então, sim, isso acontecerá novamente e,
quando acontecer, eu cuidarei disso. Nós dois temos um
passado, Hugh. Você tem Nez e eu tenho os Remanentes.
Elara ficou em silêncio. Hugh ficou ao lado da tela,
sentindo algo que não conseguia identificar. Um novo
sentimento perturbador que o atraiu. Ele sentiu uma
vontade de consertar as coisas de alguma forma, e isso o
irritou por não poder. Olhou para o vestido ensanguentado e
isso o irritou ainda mais.
Alguns anos atrás, teria gostado da luta. Algo divertido
para terminar uma cerimônia chata. A essa altura, estaria
comemorando uma vitória, no meio do seu primeiro drinque
com uma garota no colo. Em vez disso, estava parado aqui,
tentando entender o que diabos estava sentindo.
O vazio abriu um caminho através de seus ossos.
— Foi um bom casamento.
— Foi? —Ela perguntou baixinho.
— Foi.
Ele saiu da tenda. Ela era uma maldita harpia, mas
acabou de se casar com um homem que odiava e teve que
atravessar um campo coberto de sangue e matar em vez de
cortar o bolo de seu casamento. Ela precisava de alguns
momentos de privacidade, e ele daria isso a ela. Mesmo ele
não era tão bastardo.
 

Cinco
Algo estava errado com essa floresta, Hugh
percebeu. A magia acelerava o crescimento das árvores.
Esse era um fato aceito. Uma árvore de cinco anos parecia
ter vinte. A floresta engolia qualquer propriedade
abandonada, e as pessoas nas cidades ao redor das
florestas passavam boa parte do tempo tentando impedir
que a vegetação invadisse. Mas este lugar era outra coisa.
Uma floresta aparentemente antiga se espalhava pelos
dois lados do caminho. Carvalhos brancos maciços com
caules que precisariam de três pessoas para circulá-la.
74
Tsugas que se elevavam a dez metros acima do chão da
75 76
floresta. Rododendros e louros-da-montanha tão
espessos que ele precisaria cortá-los para passar. Esta
floresta parecia velha e perigosa, encharcada por profundas
correntes de magia.
A vida prosperava entre os galhos. Esquilos corriam
debaixo da cobertura das árvores, os pássaros cantavam, e
gatos selvagens e rápidos deslizavam pelo mato. Aqui e ali,
um par de olhos brilhantes piscava para eles das sombras
enquanto o grupo cavalgava pelo que antes era uma
estrada rural de duas faixas e agora era pouco mais que
alguns metros de asfalto, suficientemente largo para os
cavalos e o caminhão atravessar.
O caminhão de dois motores queimava gasolina durante
a tecnologia e água encantada durante a magia. Como
todos os motores encantados, fazia barulho suficiente para
acordar os mortos e sua velocidade máxima seria de cerca
de setenta quilômetros por hora, mas a segunda opção era
carregar o material de resgate no braço, então Hugh decidiu
77
que caminhão dado não se olha os dentes . O veículo lento
estava a cerca de duzentos metros atrás deles,
transportando a maioria de seu pessoal, mas seu rugido
distante não ia muito longe. A floresta o sufocava, como se
estivesse ofendida pelo barulho.
Bucky amou a floresta. O garanhão continuava tentando
pular e saltitar, com o rabo erguido no ar. Hugh o deteve.
Ele não estava com vontade de pular.
Ontem, depois do casamento, em vez de ficar bêbado e
comemorar, caminhou pelo local improvisado da recepção,
que as pessoas de Elara rapidamente instalaram dentro das
muralhas do castelo, tranquilizando, curando aqueles que
precisavam e esperando outro ataque. Elara apareceu, em
um vestido limpo e com o cabelo ainda perfeito, como se
nada tivesse acontecido, e fez o mesmo, movendo-se pela
área de recepção, sorrindo e perguntando às pessoas sobre
seus filhos. Passaram um pelo outro como dois navios à
78
noite , unindo-se brevemente para cortar o segundo bolo,
uma cópia idêntica do primeiro, que confirmou o que ele já
suspeitava: Os Desertores esperavam problemas.
O vazio se aproximou com a noite e, quando a tranquila
celebração finalmente acabou, encontrou Bale que o
chamou para beber e comemorar. O desejo de beber o roeu
com dentes afiados e gelados. Hugh sabia que no momento
em que a bebida tocasse seus lábios e ele sentisse o fogo
rolar pela garganta, não pararia. A atração da fuga
entorpecente do álcool, onde o vazio seria uma lembrança
distante, era muito forte. Mas Hugh precisava se manter
afiado, então disse não a Bale. Ele foi dormir sozinho.
Vanessa ainda estava chateada, e ele não se importou o
suficiente para procurá-la. Sete horas depois, ao nascer do
sol, Hugh estava montando em seu cavalo e fora dos
portões do castelo. Não haveria fosso sem o resgate do
material que Elara precisava.
À frente, os dois guias que Elara enviou com ele
pararam seus cavalos. Hugh os alcançou, Sam atrás dele.
Ele preferiria que apenas um guia fosse com eles, Darin,
com pouco mais de vinte anos e, obviamente lisonjeado por
ter sido escolhido para guiar pela floresta vinte Cães, não
seria muito difícil convencer Darin a revelar os segredos de
Elara, e foi provavelmente por isso que sua adorável esposa
enviou também Conrad, um homem na casa dos cinquenta
anos e que tinha aquela qualidade inabalável de
agricultores e comerciantes mais experientes: Ele seria um
osso duro de roer.
— Está vendo? —Conrad perguntou em voz baixa.
Hugh examinou a floresta. A alguns metros de distância,
do lado de uma castanheira caída, um grande lobo felpudo
o encarava. Era do tamanho de um pônei, cinza, com olhos
dourados que capturavam a luz, brilhando suavemente com
79
magia. Um lobo pré-histórico .
O lobo se virou e seguiu para a floresta, desaparecendo
nas sombras verdes.
— Garoto bonito, —murmurou Conrad.
— Eles chegam perto do castelo? —Perguntou Hugh.
Darin acenou com a cabeça escura. — A floresta está
cheia deles. Há três matilhas na última contagem.
Três matilhas de lobos pré-históricos significavam que
havia muitas presas para caçar.
— Algum outro predador?
— Há todo tipo de predador na floresta, —disse Conrad.
— Ursos, pumas. Criaturas desconhecidas.
— Temos veados, —Darin pulou. — Dois metros de
altura, com chifres muito grandes. Parece que há uma
80
árvore inteira na cabeça deles. E hipogrifos . Temos
hipogrifos.
Cada vez melhor. Os hipogrifos caçavam apenas em
florestas antigas.
— Devemos continuar, —disse Conrad. — Não está
longe agora.
Hugh mudou seu peso e Bucky dançou para frente.
Hugh o deixou dançar por alguns passos e depois o
controlou.
— Conte-me sobre esse lugar para onde estamos indo,
—disse ele.
— Antigo Mercado, —respondeu Conrad. — Cerca de
quinhentas pessoas moravam lá antes da Mudança. Não
havia muito por lá: uma mercearia, correios, um posto de
gasolina. Típica cidade pequena, com uma rua e uma igreja.
Apesar de ser pequena era um centro comercial para as
pessoas das regiões ao redor, então eles tinham uma loja
decente de ferragens e mercearia, que é para onde estamos
indo. Deve haver um bom material para ser resgatado lá.
— Quando foi destruída? —Perguntou Hugh.
— Cerca de quinze anos atrás. —Conrad fez uma careta.
— Em um Flare. A floresta simplesmente explodiu. Surgiram
coisas que ninguém nunca tinha visto antes. Foi quando
muitas cidades pequenas por aqui acabaram. Pessoas se
mudaram para as grandes cidades. Acham que estarão mais
seguras em lugares mais povoados.
— E o castelo? —Sam perguntou. — Quando foi
construído?
— Isso foi antes da Mudança. Um cara chamado Mitch
Bradford construiu para Becky Bradford, sua esposa. Sua
segunda esposa. —Conrad fez uma pausa para obter um
efeito dramático. — Bradford fez fortuna com vinhos e
depois se expandiu para o comércio internacional. Ele
chamava Becky de sua princesa, e Becky gostava de
81
castelos, então foi buscar um para ela no Velho Mundo em
algum lugar. Após a Mudança, sua empresa não sobreviveu.
Depois, houve alguns desastres naturais. Incêndio na ala
esquerda, mau encanamento, esse tipo de coisa. Quando
chegamos aqui há três anos, seu filho praticamente
implorou a todos que ele conhecia que tirassem o castelo de
suas mãos. Precisava de muitos reparos, mas consertamos
a coisa velha e problemática. Agora é nossa casa.
— Onde era a casa de vocês antes disso?
— Ah, moramos em todos os tipos de lugares, —disse
Darin.
— Por que saíram desses lugares e vieram para cá? —
Hugh perguntou, olhando para Darin.
— Por causa dos Remanentes, —disse Darin. — Eles ...
— Darin, por que você não segue em frente, —disse
Conrad. — Verifique se não há nada nos esperando mais à
frente.
Darin fechou a boca e seguiu em frente.
Conrad virou-se para Hugh. — Eu sei o que está
fazendo. Se a Senhora quisesse que você soubesse, ela lhe
diria. Deixe o garoto em paz.
Hugh considerou amarrar Conrad pelos tornozelos e
deixá-lo mais ou menos uma hora com o sangue descendo
para a cabeça. Queria ver se assim o guia mais velho não
cantaria uma bela canção cheia de todos os seus segredos.
Hugh ainda estava decidindo se iria fazê-lo, quando Darin
voltou andando pela curva.
— Um assentamento! —Ele relatou. — Parece vazio.
Hugh olhou para Sam e acenou com a cabeça para a
coluna atrás deles. — Chame Sharif.
O garoto virou o cavalo e voltou. Meio minuto depois,
Sharif veio montado no cavalo de Sam. O batedor magro de
cabelos escuros estava cobrindo a retaguarda da comitiva.
Sam o seguia.
Hugh tocou nas rédeas, e eles seguiram em frente. O
82
caminho fez uma curva. Uma paliçada de estacas afiadas
de madeira se erguia em um lado da estrada, um cerco de
troncos de árvores afiados a três metros de altura. Uma
guarita destruída estava à direita, do lado de dentro dos
muros da paliçada, com vista para a estrada. Um sino
pendia do teto. O portão da paliçada estava aberto. A
estrada fazia uma curva para a esquerda, alargando-se para
o que costumava ser a Rua Main. Uma velha casa de dois
andares pré-Mudança, tombada de um lado, e um trailer do
outro, ambos comidos principalmente pela floresta. Ele
conseguia distinguir a ponta afiada de uma torre de igreja
na distância entre as novas árvores.
A paliçada estava em silêncio. Sem sentinelas. Nenhum
movimento.
Hugh olhou para Conrad.
— Isso é novo, —disse o guia mais velho. — Não estava
aqui nove meses atrás.
Sharif desmontou. A luz rolou sobre suas íris escuras e
brilhou verde. Ele inalou profundamente, agachou-se e
cheirou a estrada.
— Não tem ninguém aqui, —disse ele calmamente.
Hugh desmontou e encarou Conrad com seu olhar. —
Fique aqui com o garoto.
Se algo acontecesse com aqueles dois idiotas, Elara
gritaria com ele por dias. Hugh entrou nos portões. Três
grandes casas de madeira aguardavam lá dentro, duas à
esquerda e uma à direita. Nos fundos, um curral estava
vazio. O vento trouxe uma pitada de cheiro de carniça.
— A estrada tem um cheiro estranho, —disse Sharif em
voz baixa.
— Humano, animal?
— Nenhum dos dois. Nada que eu já tenha sentido
antes. —Ele estendeu o braço. Os pêlos dele estavam em
pé. — Eu não gosto disso.
Os metamorfos tinham uma memória de cheiro
estranhamente forte e, entre todos os metamorfos, os lobos
eram os melhores. Eles não tinham nenhum problema em
sentir o cheiro de sangue e eram capazes de identificar, no
meio de milhares de outros cheiros, o cheiro específico de
um cara com quem eles haviam compartilhado uma bebida
uma vez há dois anos. Sharif estava com ele há cinco anos.
Se ele não tinha cheirado antes, tinha que ser um inferno de
uma criatura rara ou algo novo.
Novo. Hugh sorriu. — Bem, isso é interessante, não é?
Sharif revirou os olhos por meio segundo antes de
recolocar suas feições em uma expressão perfeitamente
neutra.
Hugh virou-se para a casa mais próxima, subiu as
escadas de madeira para a varanda e tocou a porta. Ela se
abriu sob a pressão das pontas dos dedos. Um simples piso,
plano aberto com a cozinha e a área de jantar à esquerda e
o espaço da sala à direita. O jantar estava colocado sobre a
mesa. Ele se moveu pelo chão com os pés silenciosos em
direção à mesa. O cheiro de comida podre o fez querer
vomitar.
Um mofo azul felpudo florescia na comida abandonada.
Parecia carne assada de alguma coisa com purê de batatas
ao lado e uma porção de vegetais. Um garfo estava ao lado
do prato mais próximo, com os dentes cobertos de mofo. Ele
se agachou e olhou embaixo da mesa. Um prato quebrado.
Sam estava pairando nas proximidades. Hugh apontou
para o prato. — O que acha que aconteceu aqui?
— Algo aconteceu no meio do jantar?
Hugh assentiu. — Há uma passarela construída ao longo
da paliçada e uma torre. O que havia embaixo?
Sam piscou.
— Vá olhar.
O garoto decolou.
Sharif cruzou os braços. — Eu não gosto disso.
— Eu ouvi a primeira vez que você disse isso.
Sam voltou. — Um prato quebrado.
— O que isso lhe diz?
— Havia um guarda de plantão. Quem estava na casa
levou o jantar para ele.
— E?
— Algo o matou tão rápido que ele não conseguiu
acionar o alarme. —Sam fez uma pausa.
— Ele foi baleado?
— Sem respingos de sangue, —disse Sharif. — Mas há
isso. —Ele deslizou o dedo pela moldura de madeira. Quatro
longos arranhões sangrentos arrancaram a madeira.
— E isso. —Ele se agachou e apontou para o chão.
Uma unha humana ensanguentada.
O rosto de Sam ficou pálido. — Algo os arrastou para
fora daqui.
Hugh girou para a direita. Uma fileira de armas e
espadas na parede, perto da porta. Levaria menos de um
segundo para percorrer a distância entre a mesa e a parede.
— Algo inteligente e rápido.
— Vampiros? —Sam perguntou.
— É possível.
— Eu não sinto o cheiro dos mortos-vivos, —disse Sharif.
— Mas sente o cheiro de alguma coisa. Nez não
recorreria a raptar pessoas comuns para transformar em
sugadores de sangue. —Hugh se endireitou.
— Por que não? —Sharif perguntou.
— Esta é uma boa pergunta.
O vampirismo surgia como resultado de uma infecção
pelo Patógeno Vampirus Immortuus. O patógeno matava
seu hospedeiro humano e o ressuscitava após a morte.
Como todo vampiro solto massacrava tudo o que pudesse
conseguir, os humanos comuns achavam a ideia de
vampiros aterrorizante. Mas para Roland, os mortos-vivos
eram uma ferramenta eficaz. Ele fez seu primeiro vampiro
acidentalmente, milhares de anos atrás, e os achou
extremamente úteis. Desde então, Roland semeou seus
Mestres dos Mortos em todas as grandes cidades. Eles eram
seus espiões e seu arsenal secreto.
Para atingir esse objetivo, Roland tinha que implantar a
Nação como uma empresa com um histórico impecável,
benéfico para a comunidade. Eles se apresentavam como
uma instituição de pesquisa com foco em mortos-vivos,
financiada por cassinos e outros locais similares, e
ofereciam um serviço valioso. Eles removiam e
neutralizavam qualquer morto-vivo que a comunidade os
relatava, gratuitamente, e ofereciam aos moribundos a
chance de garantir uma renda para suas famílias. Se
alguém estivesse em estado terminal de alguma doença e
optasse por doar seu corpo para infecção voluntária pelo
patógeno Vampirus Immortuus, a Nação depositaria uma
quantia substancial na conta de sua escolha. A Nação agia
como uma instituição acadêmica, vestia-se como advogados
e executivos e tratava o público em geral com a máxima
cortesia. Toda essa estratégia funcionava. As pessoas
felizmente esqueciam que cada Mestre dos Mortos, armado
com apenas um vampiro, poderia destruir dez quarteirões
da cidade em menos de uma hora.
Isso era uma das maiores armas de Roland. Ele faria
tudo para preservá-lo. Se as pessoas suspeitassem que os
Mestres dos Mortos começaram a raptar pessoas para
transformá-los involuntariamente em vampiros, elas
entrariam em pânico, e toda a rede cuidadosamente
construída dos escritórios da Nação entraria em colapso.
Roland ficaria furioso e os culpados morreriam antes que
tivessem a chance de se arrepender de seus pecados.
Mas o padrão do ataque neste local se encaixava com o
ataque dos Navegadores. Cirúrgico rápido e furtivo.
O que está planejando, Nez? Será mesmo você? Ou
outra pessoa?
Hugh precisava de mais informações. Ele foi em direção
à porta.
— Há sugadores de sangue que foram transformados
contra sua vontade? —Sam perguntou atrás dele.
— Você não tem ideia, —Sharif disse a ele.
As outras duas casas mostraram o mesmo padrão de
ataque. Nos animais, ossos e pedaços de pele e pêlo
apodrecido contavam a história de um massacre de cabras.
— Um puma, —disse Sharif. — Voltou mais de uma vez.
Escalou a parede aqui e aqui.
Os invasores não estavam interessados em animais.
Somente em pessoas.
Hugh saiu da paliçada. Seu comboio chegou e esperou
na estrada.
— Williams e Cordova, percorram as casas. Não toquem
nas armas ou em objetos de valor. Apenas identifique-os.
Desenhem e coloque-os de volta.
Os dois Cães que eram seus melhores desenhistas se
afastaram e correram para a paliçada.
— Vamos tirar o material que precisamos e saír daqui.
Quanto menos tempo passarmos aqui, melhor.
Os Cães se mexeram. Hugh virou-se para Conrad. — A
partir de agora, ninguém sai sozinho, e ninguém entra mais
que um quilômetro na floresta sem uma escolta. Passe
adiante.
Conrad engoliu em seco e assentiu.
Hugh olhou para a paliçada uma última vez e seguiu o
comboio para o Antigo Mercado. Isso estava realmente
ficando interessante.

********
Às vezes, matar um homem não era um ato de raiva
ou punição. Era um serviço público. Um que ela ficaria feliz
em realizar, refletiu Elara enquanto o senador estadual
Victor Skolnik marchava pelos portões de Baile. Magro,
cerca de dois centímetro ou três acima de um metro e
oitenta, Victor Skolnik esforçava-se para personificar sua
função: cabelos escuros cortado no modelo ‘estou-indo-
para-o-escritório’, nem muito longo nem muito curto,
mandíbula lisa, olhos cinzentos levemente sonolentos e um
sorriso forçado demais.
Ela sabia muito sobre o homem. Ele tinha quarenta e
oito anos, era casado e tinha dois filhos. Ganhava dinheiro
com imóveis, orgulhava-se de correr maratonas e usava sua
religiosidade como arma. Ele também fez um acordo com
Landon Nez. Ela não sabia os detalhes do acordo, mas
envolvia expulsá-los de suas terras, para que Nez pudesse
obtê-las.
Skolnik passou os últimos seis meses visitando as
congregações das maiores igrejas de Sanderville e Aberdine
e encheu os ouvidos das igrejas com todo o tipo de boato
sobre a comunidade de Elara, tentando virar a maré da
opinião pública contra eles e dessa forma romper seus
acordos comerciais. Skolnik não fez muito progresso. Tanto
Sanderville quanto Aberdine passaram a confiar no leite,
queijo, cerveja, e especialmente nos remédios produzidos
por sua comunidade. Ah, o povo da cidade não gostava
dela, mas não estavam prontos para invadir o castelo com
tochas e forcados
Contrariado, Skolnik resolveu mudar de tática, tentando
comprar o castelo Baile, e contestava a legalidade da nossa
posse. O dono anterior do castelo havia deixado o Estado há
muito tempo e se recusava a voltar da Califórnia para
participar do esquema de Skolnik.
Agora, o senador recorreu ao assédio e estava ficando
cada vez mais ousado, tentando provocá-la. No momento
em que Elara usasse sua magia, ele voltaria às igrejas com
histórias de horror, e então a opinião pública se voltaria
contra eles.
Ela tinha acabado de sair da torre lateral quando ele
apareceu. Normalmente, ela descia os dez degraus de
pedra para cumprimentar um visitante, mas agora estava a
uns dois metros e meio mais alta do que ele e era assim que
ela gostava.
— Boa tarde, senador, —disse Elara.
Ele a ouviu e virou-se para ela, estampando seu sorriso
falso nos lábios. Do seu ponto de vista, ela podia ver o
quintal inteiro. Enquanto ele caminhava em sua direção, o
pessoal de Hugh se espalhou ao seu redor. Stoyan, o
segundo em comando de Hugh, vagava casualmente por
um caminho que o colocaria no caminho de Skolnik assim
que o senador alcançasse as escadas. Todos no quintal
pararam o que estavam fazendo e se aproximaram, unindo-
se instintivamente contra o inimigo comum.
Stoyan chegou primeiro às escadas e parou a um metro
de distância, um sorriso agradável em seu rosto de menino.
Skolnik olhou para ele e parou.
— Boa tarde, —disse Skolnik.
— O que posso fazer por você, senador?
— Ouvi dizer que você se casou. Parabéns.
— Obrigada.
Skolnik olhou em volta. — Então, seu marido está por
aí? Eu gostaria de conhecer o homem.
— Ele saiu, —disse Elara. — Posso lhe ajudar com algo?
— Você pode reconsiderar minha proposta. —Skolnik
levantou o queixo.
— Obrigada, senador, mas o castelo não está à venda.
— Acho que vou ter que conversar com seu homem
sobre isso então. Tenho certeza que ele entenderá o motivo.
Sim, deixe-me contar sobre o fosso dele ... — Como eu
disse, ele está fora.
Skolnik olhou em volta, erguendo a voz em um tom
praticado, como se estivesse fazendo um discurso diante de
uma multidão adoradora. — Você percebe que, se o castelo
for vendido, todos vocês ganharão muito dinheiro.
Este era o mesmo discurso que ele fez da última vez
que veio aqui. Alarme a beliscou. Ele estava tramando algo.
— O suficiente para garantir que estejam endinheirados
pelo resto da vida.
Sim, exatamente o mesmo discurso.
— Vocês poderão se estabelecer em qualquer outro
novo lugar ...
— O castelo não está à venda, —disse Elara, afundando
gelo em suas palavras.
— Se sua líder é cega demais para entender, vocês
precisão usar suas cabeças e pensar por si mesmos.
O alarme floresceu em um pavor generalizado. Algo
ruim estava para acontecer. Elara desceu as escadas.
Precisava tirar o homem do castelo agora.
D'Ambray atravessou os portões em seu cavalo enorme,
uma mancha de escuridão em um uniforme preto. Um dos
Cães correu até ele e disse algo em voz baixa.
D'Ambray virou Bucky para ela e sorriu, um enorme
sorriso contagiante. Ela quase sorriu de volta, e quase
levantou a mão para acenar.
Que diabos estou fazendo?
Elara pegou a mão de volta. Como ele faz isso? Como
que esse filho da puta cruel pode sorrir assim e parecer
como se fosse a melhor esperança do mundo? Hugh sorria e
todos ao seu redor queriam ser o único a fazê-lo feliz.
D'Ambray respirou fundo e rugiu. — Lar Doce Lar!
Skolnik virou-se para olhar. O garanhão o atacou e o
senador deu um passo involuntário para trás. D'Ambray
desmontou, subiu correndo os degraus e a puxou para ele,
apertando-a contra seu peito duro. — Beije-me.
Ela o mataria. Ele não mostrava sinais de soltá-la, então
Elara roçou seus lábios nos dele o mais rápido que pôde.
D'Ambray estava olhando para ela com adoração. —
Você está com saudades de mim?
— Contei cada segundo desde que você saiu. —Com
alegria. Ela os contou com alegria, esperando que durassem
para sempre.
D´Ambray finalmente a soltou e se virou para Skolnik. —
Quem é nosso convidado?
— Senador estadual Victor Skolnik, —disse Elara.
D'Ambray sorriu para Skolnik. Seu rosto praticamente
irradiava uma atitude bem-humorada e de bom moço.
D’Ambray pareceu impressionado. — Senador estadual?
Bem. Vejam só? Estamos ficando importante. Doçura, você
não ofereceu ao senador uma xícara de chá ou uma outra
bebida?
O que?
Os olhos de Skolnik se iluminaram. — Peço desculpas
por impor sua hospitalidade.
— Não há o que se desculpar. —D'Ambray desceu os
degraus. Elara o seguiu, tentando manter a raiva fora do
rosto.
— Senador estadual, —disse Hugh, claramente
impressionado. — Quantos de vocês estão no Senado, uns
cem em todo o estado?
Skolnik visivelmente relaxou, a tensão escorrendo dele
com cada palavra.
— Trinta e oito.
— Uau. Trinta e oito. Diga-me, já conheceu o governador
Willis?
— Na verdade, conheci. —Skolnik assentiu. — Jantamos
juntos durante a última sessão.
— Bem, que tal isso, doçura? —D'Ambray virou-se para
ela.
— Incrível, —disse ela.
— Diga, ouvi dizer que o governador tem uma bela
esposa, —observou d’Ambray.
Skolnik sorriu para ele e se inclinou para mais perto. —
Não seria apropriado da minha parte comentar, mas sim,
ela é uma mulher bonita, se é que você me entende.
Hugh riu e Skolnik sorriu.
D'Ambray estava fingindo ser um idiota e a fazia
parecer uma idiota também, no processo. Elara se esforçou
para não cerrar os dentes. Sua magia enrolava e
desenrolava dentro dela, um fogo gelado e inquieto.
Stoyan se afastou deles, movendo-se até a parede
oposta do castelo.
— Então, o que o trás aqui, senador? —Perguntou
d’Ambray.
— Negócios.
— Um homem que pensa como eu. —D'Ambray apertou
a mão no ombro de Skolnik. — Existem apenas duas
conversas importantes neste mundo. A primeira é do tipo
que se ganha dinheiro e a segunda é do tipo que não
mencionamos na frente de senhoras.
Um grande sorriso de cavalo novamente. Ela tinha um
desejo irracional de dar um soco nele.
— Então, de que tipo de negócio estamos falando?
Skolnik abriu a boca.
— Pensando bem, —d´Ambray levantou a mão. — Eu
odeio ser rude, mas há um pequeno problema que preciso
resolver antes de começarmos, se você não se importa. Eu
gostaria de lhe dar toda a atenção.
— Claro, claro. —Skolnik deu-lhe um aceno magnânimo.
— Excelente. —D'Ambray olhou para Stoyan. O Cão de
Ferro levantou a mão e fez um movimento, ordenando que
trouxessem algo.
Quatro Cães de Ferro deram a volta na torre, arrastando
dois homens entre eles.
Skolnik congelou por um momento. Logo sua expressão
voltou a ser afável novamente, mas ela viu, e o breve gosto
do alarme que viu em seu rosto foi delicioso.
Os Cães arrastaram os dois homens para frente. O
esquerdo era mais alto, com a cabeça raspada e os olhos
duros, com o rosto irritado. O da direita, magro e loiro,
usava uma expressão blasé como se fosse apenas mais um
dia e ele não estivesse sendo carregado por dois Cães de
Ferro.
Profissionais, ela percebeu. Mercenários de algum tipo
ou segurança privada.
— Peguei esses dois tentando pular o muro. —Stoyan se
aproximou e entregou algo para o d’Ambray. D’Ambray o
segurou contra o sol. Um tubo longo e fino de vidro selado
com plástico com três pedaços de pano dentro mergulhados
em pó parecidos com areia.
D’Ambray olhou de soslaio para o tubo. — Nojento. —Ele
estendeu o tubo para ela.
Ela pegou e concentrou-se. Traços de sua magia
envolveram o tubo. O pó no tecido se moveu em resposta e
rastejou pelo tecido, acumulando-se no vidro. O que quer
que estivesse lá dentro estava vivo e com fome.
Sua magia tocou.
Uma doença viva, impulsionada pela magia, uma
doença que se espalharia como fogo e mataria em poucas
horas. Os minúsculos pêlos da nuca se ergueram. Ela cuspiu
a palavra. — Cólera.
— Hum, —disse d´Ambray. — Nossos novos amigos
planejavam deixar um presente em nosso poço. O que acha,
doçura, seis horas e todos no castelo estariam mortos e o
vetor da doença saltaria para a nossa comunidade e depois
para o lago? Ou acha que seriam umas oito horas?
Ela estava muito focada para responder, envolvendo
sua magia em torno do frasco, contendo-o.
Os dois mercenários o encararam, o primeiro ainda com
raiva, o segundo ainda entediado.
Ela terminou de encasular o tubo com a sua magia e
falou: — Emily! Chame Malcom e Gloria!
Emily saiu correndo.
Elara segurou o frasco suavemente. Eles teriam que se
desfazer dessa coisa adequadamente, com muito ácido e
fogo.
O olhar dela caiu sobre Skolnik. Tinha que ser ele. Ele
sabia que, quando entrasse no castelo, todos se reuniriam
ao seu redor, porque ele era uma ameaça. Enquanto o
observavam, os dois mercenários escalariam a parede e
infectariam o poço. Os dedos de sua mão livre se curvaram
como garras.
D'Ambray encarou os dois homens, ainda sorrindo.
— Apenas terminem com isso, —o mais baixo dos
homens disse.
— Boa atitude. —D'Ambray puxou uma faca. Era uma
lâmina perversa, afiada, com trinta centímetros de
comprimento, com uma ponta afilada e ligeiramente
curvada. O metal refletiu o sol e brilhou na mão de Hugh. —
Solte-o e dê uma faca ao homem, pelo amor de Deus.
Os dois Cães libertaram o mercenário e deram um
grande passo para trás em uníssono.
Um deles puxou uma lâmina preta de trinta centímetros
e a jogou. A faca bateu no chão aos pés do mercenário. Ele
a agarrou e sorriu, ficando em uma posição de luta.
D'Ambray ficou imóvel, parecendo refletir sobre o
homem mais baixo.
Elara apertou o punho. D'Ambray era forte, mas
também era grande, e em uma luta de facas a força não
contava e ser grande era uma desvantagem. Os
combatentes de facas eram rápidos e pequenos, e o
mercenário parecia ter nascido com uma lâmina na mão. Se
d´Ambray perdesse ...
Se ele perdesse, ela resolveria o assunto com suas
próprias mãos, Skolnik presenciando ou não.
D'Ambray deslizou para a frente com graça predatória.
Sua faca brilhou, quase rápida demais para ver. A frente da
camisa escura do homem ficou escura. Ele piscou. A
mancha aumentou, e ela vislumbrou os pedaços de
intestinos rosados através do corte. Era tão chocante que
não parecia real.
D’Ambray cortou novamente. O mercenário tentou se
opor, mas a faca passou pelas defesas do homem e ele
uivou. Sangue derramou de onde costumava estar a orelha
esquerda do mercenário. D’Ambray parou, franzindo a testa,
como um pintor examinando uma tela, segurando a faca
como um pincel. O mercenário atacou. D'Ambray desviou e
cortou a outra orelha do homem. O mercenário se virou e de
alguma forma d’Ambray estava lá. Um homem do tamanho
de d’Ambray não deveria se mover tão rápido, mas ele se
movia. A faca piscou novamente, cortando um corte na
bochecha do homem, alargando a boca.
— Que porra é essa? —O outro mercenário gritou.
D'Ambray deu um passo à frente, seus movimentos
maravilhosamente fluídos. Sua mão esquerda pegou o pulso
do mercenário. D'Ambray puxou o braço do homem direito e
esfaqueou a parte interna do cotovelo, torcendo a lâmina. O
braço do homem saiu na mão de d´Ambray. Sangue
derramou.
D’Ambray desossou o mercenário como uma galinha!
Isso não está acontecendo, não pode ser real, é horrível
demais para ser real ...
D’Ambray jogou o antebraço do homem para o lado.
O mercenário caiu de joelhos, os olhos arregalados e
tombou. Seus intestinos caíram em uma massa.
O mundo se transformou em um pesadelo e ela deslizou
através dele, atordoada e petrificada.
— Olhem para isso, —disse d’Ambray. A voz dele
congelou o sangue nas veias dela. — Ele está entrando em
choque. Isso não pode acontecer. De modo nenhum.
D'Ambray estendeu a mão. Uma corrente de magia azul
clara derramou dele, banhando o homem.
O mercenário tossiu.
— Agora sim, —disse d’Ambray. — Levante-se. Ainda
não terminamos.
O sangue sobre o toco coagulou, selando-o. O
mercenário tentou se levantar.
— Vamos. Quase lá. Vamos recuperar suas entranhas.
Os intestinos voltaram ao estômago do homem. Ele se
levantou, estremecendo e segurando a faca com a mão
restante.
— Muito bom, —disse d´Ambray.
A corrente de magia azul morreu.
O mercenário atacou, tentando golpear d´Ambray. Ele
desviou e cortou as costas do homem, parando pouco antes
da espinha. O mercenário se virou, rasgando a ferida do
estômago. As entranhas saíram novamente. Elas estavam
penduradas nele como uma espécie de grinalda grotesca. O
ar cheirava a sangue e ácido.
Elara finalmente viu a multidão ao seu redor,
silenciosos, seu povo estava horrorizado, os Cães de Ferro
impassíveis. Skolnik olhava, seu rosto completamente sem
sangue. O outro mercenário tremia como uma folha,
segurado com força pelo pessoal de d'Ambray.
— Vamos continuar, —disse d’Ambray.
— Hugh, —ela chamou.
Ele parou. — Sim, doçura?
— Por favor, pare.
Hugh olhou para os restos desfigurados que
costumavam ser um homem. — Minha esposa quer que eu
pare. Nós vamos ter que acabar com isso.
O mercenário tropeçou em sua direção. Hugh deu um
passo à frente, segurando o homem como se estivesse em
um abraço, e deslizou a faca entre as costelas do
mercenário em um impulso suave e preciso. O mercenário
estremeceu, mantido em pé pela força de Hugh. Os olhos
dele embotaram.
Hugh deu um passo para trás, libertando a faca, a
limpou na camisa do homem e deixou o cadáver cair.
Alguém na multidão vomitou. Ninguém se mexeu.
Hugh virou-se para o outro mercenário. O homem ficou
mole. Uma mancha molhada se espalhou na frente de suas
calças.
— Traga-me um par de algemas e uma grande sacola
plástica, —disse Hugh.
Um Cão saiu correndo.
— Hugh, —ela chamou novamente, odiando a nota
implorante em sua voz.
— Minha esposa tem coração mole, —disse Hugh. — É
por isso que eu a amo. Vocês vieram até aqui para
assassinar minha linda esposa gentil e nosso povo. Famílias.
Crianças.
O mercenário fez um pequeno ruído estrangulado.
O Cão voltou com algemas e um saco plástico.
— Solte-o, —ordenou Hugh.
Os Cães soltaram o mercenário. Ele caiu de joelhos.
Hugh deixou cair a sacola na frente dele. — Pegue o que
sobrou de seu amigo.
O homem engoliu em seco, pegou os pedaços de carne
ensanguentada e as jogou na sacola, um por um.
— Não esqueça a orelha ali.
O mercenário rastejou em suas mãos e pés.
Hugh pegou seu olhar e piscou para ela. Ela nem
conseguia se mexer.
O homem pegou a bolsa e se endireitou. Apenas o corpo
permaneceu. — Ele não vai caber, —ele murmurou com os
lábios trêmulos.
— Tudo bem. O que você pegou é bom o suficiente.
Algeme-o.
Dois Cães agarraram os braços do mercenário, forçando
seus pulsos juntos. Um terceiro o prendeu com as algemas.
Hugh pegou a sacola da mão do mercenário e a pendurou
no pescoço do homem algemado.
Hugh deu alguns passos, circulando o mercenário
lentamente. O homem se virou em resposta. Skolnik estava
diretamente atrás dele agora. Hugh flagrou o mercenário,
olhando para o senador.
— Você vai voltar para o homem que o contratou. Vai
dar a ele essa sacola e dirá que se eu o vir ou a qualquer
outra pessoa dele por aqui de novo, entrarei em sua cidade.
Matarei todo homem que ficar no meu caminho. Mataremos
sua esposa, seus dois lindos filhos, seus animais de
estimação e incendiaremos sua casa. Vamos pendurá-lo na
árvore mais próxima pelos braços e depois iremos embora.
Ele ficará ali olhando as cinzas de sua casa e implorando
por ajuda, e as pessoas de sua cidade passarão por ele
como se ele fosse invisível, porque elas sabem que se
alguém o ajudar, voltaremos. Você memorizou tudo?
O mercenário assentiu.
— Bom homem. Vá.
O mercenário não se mexeu.
— Vamos. —Hugh acenou para ele. — Você está
perdendo a luz do dia.
O mercenário girou e correu para os portões.
— Enterre o lixo em algum lugar, —disse Hugh,
acenando com a cabeça para o cadáver. — E limpe o
gramado. Fogo, sal, o de sempre. —Ele se virou para
Skolnik. — Senador? Você ainda tem algum negócio a tratar
conosco?
Skolnik abriu a boca. — Estou indo.
— Não entendi? —Hugh inclinou a cabeça.
— Eu tenho que ir embora. Agora. —Skolnik entrou pela
multidão. As pessoas se separaram para deixá-lo passar. Ele
caminhou até os portões em um caminhar acelerado.
Hugh o observou até desaparecer. O rosto dele estava
duro. — Acredito que o senador Skolnik não nos visite tão
cedo. Tudo bem, o show acabou. Temos um caminhão cheio
de metal para descarregar. Vamos lá pessoal. Cada hora que
não trabalhamos é mais uma hora sem um fosso.

********
Hugh gostava de lugares altos, mas o preço da
altura era medido em escadas, e hoje ele não sentia
vontade de escalá-las. Não havia outra maneira, então as
subiu. No momento em que todo o metal foi descarregado e
avaliado pelos ferreiros, o cansaço se estabeleceu em seus
ossos. Ele precisava de um banho e sossego.
Pelo menos a maior parte do que resgataram era bom
material. Os ferreiros ficaram com tudo, exceto a máquina
de karaokê, que ele guardou nos esconderijos dos Cães de
Ferro no quartel. Quando a tecnologia chegasse, eles
descobririam se a máquina ainda funcionava.
Hugh atravessou o longo corredor do quarto, abriu a
porta e entrou. Ele nunca a trancava. Não havia nada de
valor no quarto. O item mais caro que possuía era sua
espada, e geralmente a carregava com ele.
Como caíam os poderosos.
Precisava lavar a floresta e o sangue. Tirou as botas e as
jogou no canto. Suas meias foram as próximas. O chão era
agradável e fresco sob seus pés. Melhor agora.
Tirou o casaco, depois a camiseta e o cinto. Ele estava
prestes a tirar as calças, quando a porta atrás dele se abriu.
Não precisava se virar para saber quem era. Reconheceu o
som dos passos. Saltos altos eram raros entre o povo de
Elara.
— Hoje não, —disse ele.
Vanessa entrou no quarto. O show no pátio deve tê-la
excitado. Ela o queria. Ele não a queria.
— Eu disse, hoje não.
Vanessa encostou-se na parede. Usava um vestido
branco justo e sapatos vermelhos. Ela lambeu os lábios.
— Nós ainda não ficamos juntos desde que se casou.
Por acaso você deu suas bolas para Elara no casamento?
Ele captou um leve tremor na voz dela, medo e emoção
envoltos em luxúria.
Vanessa estava tentando provocá-lo. Ele sabia
exatamente o que ela queria. Queria que ele a agarrasse
pelos cabelos, a batesse contra a parede e a fodesse. Ela
queria provas de que o homem no pátio e o homem no
quarto eram os mesmos. Ele estava muito cansado, e não
tinha interesse de mostrar isso a ela.
Hugh se virou e olhou para a mulher.
Ela se contorceu, depois jogou os braços para o lado. —
O que foi? O que foi?
Alguém bateu na porta. Não foi uma batida de
‘emergência’. Era rápida e irritada, o que significava que era
Elara.
Bem, não demorou muito. Pelo quanto viu que Elara
ficou enojada por ele ter cortado as orelhas do mercenário,
achou que ela tiraria a noite de folga. Felicidade de pobre
dura pouco ...
— Hoje não, —ele gritou.
A porta se abriu. Elara entrou, com o rosto cheio de
raiva e magia. Elara não se incomodou em olhar para
Vanessa. — Saia.
Vanessa abriu a boca. Algo estalou em seus olhos. —
Não.
Elara virou-se para ela. A tempestade que sentiu vindo
de dentro dela crepitava, ansiosa para começar, e Vanessa
acabara de se nomear como um para-raios. Isso seria
interessante.
Hugh sentou em uma cadeira e recostou-se, a cabeça
apoiada nos dedos entrelaçados das mãos. Ele desejou
tomar uma cerveja.
— Eu não vou embora, —disse Vanessa. Quem vai
embora é você. Você é que está interrompendo.
— Não tenho tempo para isso, —disse Elara. — Depois
que eu terminar, você pode voltar e divertir o Preceptor
quanto quiser. Mas agora, preciso que vá.
Vanessa se virou para ele. — Diga a ela que eu vou ficar.
— Eu já mandei você ir embora, Vanessa —disse ele.
Vanessa se empurrou da parede. — Vou ficar.
Ela estava jogando para valer.
— Está chateada, porque ele não quer você, —disse
Vanessa.
E agora ela decidiu cavar um buraco.
— Ele quer uma mulher de verdade, —disse Vanessa. —
Não um cubo de gelo.
Duplicando a aposta.
— Entendo por que isso é perturbador, mas não me
importo. Ele gosta de mim, este é o quarto dele e você está
se intrometendo. Vá embora. Você não é desejada ou
necessária aqui.
Há-há-há.
Elara olhou para Vanessa por um longo momento. Ela o
83
lembrou do gato-bravo-de-patas-negras que ele vira na
África Austral em uma longa viagem para recuperar um dos
artefatos de Roland. Eles precisavam procurar em uma área
ampla e, todas as noites, quando voltavam para o
acampamento, ele fazia as rondas ao redor, e a pequena
felina deixava sua toca para procurar comida para seus dois
gatinhos. Ela esgueirava-se para os pássaros e roedores,
alinhava seu salto, esperava, imóvel, calculando a distância
e o vento, e pulava no momento certo para quebrar o
pescoço da presa. Ela era implacável e matava com uma
precisão que ele nunca tinha visto em grandes felinos.
Agora ele via o mesmo cálculo nos olhos de Elara. Ela
estava prestes a pular em uma matança.
— Eu daria tempo para você se desculpar, mas não
tenho escolha, —disse Elara. — Primeiro, o Preceptor não
vai ajudá-la. Ele está aqui, neste castelo, porque é
responsável pelo bem-estar de seu pessoal, assim como eu
sou responsável pelo bem-estar do meu povo.
Conquistamos às nossas posições de poder, porque
aprendemos a liderar e a nos comprometer. Nós nos
odiamos, mas estamos cientes do fato de que precisamos
trabalhar juntos para nossa sobrevivência mútua e ambos
sacrificamos muito de nossas vidas pelo bem dessa
parceria. Há muito mais em jogo aqui do que gratificação
sexual. Em uma discussão entre você e eu, o Preceptor
sempre estará do meu lado. Eu sou uma ameaça maior do
que você. Tudo o que você pode fazer é ameaçá-lo com
greve de sexo, enquanto eu posso me divorciar dele e
expulsar seus soldados do castelo.
Vanessa estreitou os olhos.
— Antes de falar, lembre-se de que você também é uma
das minhas. Seu bem-estar é importante para mim, —disse
Elara. — É essencial para sua segurança que você entenda
isso: ele não é apaixonado por você, Vanessa. Hugh
d’Ambray é um bastardo frio e calculista. O amor não está
no vocabulário dele. Você não tem nenhum poder sobre ele
e se o irritar o suficiente, ele a substituirá por um corpo
quente diferente. Vanessa aprenda, nunca aposte sua
segurança no hipotético apego dele a você. Não há
nenhum.
Vanessa virou-se para ele.
— Ela está certa, —disse Hugh. — Eu te disse isso
quando começamos.
Vanessa abriu a boca.
— Eu não terminei, —disse Elara, com a voz fria. — De
acordo com sua avaliação de desempenho e o testemunho
de seus colegas de trabalho, você está trabalhando com a
impressão equivocada de que fazer sexo com o Preceptor a
isenta de seus deveres. Contando com a noite passada, tem
faltado esses últimos nove dias. Você se dirige aos seus
colegas com desrespeito, se coloca de modo a achar que é
melhor que eles e discute com seu supervisor. Um de seus
colegas descreveu seu comportamento como tóxico.
— Eu faço meu trabalho!
— Devo pedir a Melissa que venha aqui e lhe dê um
relatório detalhado das tarefas que você não concluiu? —
Elara perguntou.
— Ela está mentindo.
Elara fez uma careta. — Por favor. Não perca tempo,
Vanessa. Você decidiu que está em uma posição superior
aos outros por causa do seu relacionamento com o
Preceptor e fez questão de que todos ao seu redor
soubessem. Nesta comunidade, a posição de cada um é
baseada no mérito, não na escolha de parceiros de cama.
Fazer sexo com o Preceptor não lhe dará benefícios
adicionais e também não irá receber adicional de
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insalubridade .
Adicional de insalubridade?
— Estou de dando uma semana para atualizar suas
tarefas. Você não será paga até que sua lista de pendências
seja cumprida.
Vanessa abriu a boca.
— Além disso, irá se desculpar com seus colegas e com
Melissa por sua conduta, —continuou Elara.
— Não vou não, —rosnou Vanessa.
O rosto de Elara era impiedoso. — Se não quiser mais
trabalhar para nós como auxiliar jurídica, poderá procurar
outro emprego. Você conhece nossa regra: se não contribui
da melhor forma possível, não recebe suporte. Se não
gosta, sabe onde estão os portões.
Um rubor vermelho irritado aqueceu o rosto de Vanessa.
Por um momento, ele pensou que Vanessa a contestaria. Em
vez disso, ela girou nos calcanhares e saiu do quarto. A
porta se fechou atrás dela.
Elara olhou para ele. — Alguma ideia do que a fez
pensar dessa maneira?
— Ela acha que o equilíbrio de poder mudou a meu
favor, —disse ele. — Agora, o que diabos é tão importante?
— Você encontrou uma paliçada abandonada.
Ele se levantou, derramou água da jarra que estava
sobre a mesa em um copo e bebeu.
Hugh sentia falta do vinho, não do álcool, mas do gosto.
Percebeu que ela estava esperando ele responder. —
Sim.
— Estava pensando em me dizer?
— Não.
— Como assim não?
Algo surgiu de dentro de Elara. Algo frio e letal, um
poder correndo através do corpo dela. Seu cabelo estava
solto novamente e flutuava sobre ela como uma cortina de
prata. O vestido azul era decotado, deixando o pescoço
delicado exposto.
— Isso não diz respeito a você.
— Isso me preocupa.
— É uma questão de segurança. Não há ameaça
imediata. Se houvesse uma, eu falaria sobre isso com você.
— Temos que denunciá-lo.
Ele franziu a testa. — Denunciar para quem?
— Os xerifes. O condado.
— Não. —A harpia era insana.
Ela se virou, andando de um lado para o outro. — Você
não está me entendendo. Algo estranho aconteceu na
floresta na fronteira de nossas terras. Se não denunciarmos,
seremos considerados suspeitos, vão nos culpar.
Ele cruzou os braços. — Quem irá nos culpar?
— As autoridades.
Ela estava realmente nervosa. Isso era meio divertido.
Ele decidiu provocá-la um pouco mais para ver o que
acontecia.
— Essa paranoia é recente ou é algo que você tem há
algum tempo? —Elara parou no meio do caminho e virou-se
para ele, a saia longa do vestido arrastando no chão.
— Somos sempre culpados. Estou falando por
experiência própria. Sempre que alguma coisa estranha
acontece, as pessoas ao redor de nossa comunidade
apontam para nós e nos culpam.
— Eles não vão saber.
Ele sentiu falta do sarcasmos na ênfase de Elara. — Elas
vão. Elas sempre sabem. Temos que denunciá-lo. Você
deveria ter enviado alguém para denunciá-lo no momento
em que o encontrou.
— Você confia no seu povo?
— O quê? —Ela inclinou a cabeça, expondo a delicada
linha de sua mandíbula até o pescoço. Ele se perguntou
como ela seria por baixo do vestido.
— Você precisa se reportar regularmente às
autoridades, porque seu pessoal fala o que não deve com
pessoas de fora da comunidade. Te digo uma coisa, eu não
toleraria isso se fosse você.
— Hugh! Você não pode ser tão estúpido. Não, meu
pessoal não fala com pessoas de fora.
Ela usou o primeiro nome dele. Bem, bem. — O meu
também não. Então, quem vai contar?
— Vão descobrir. Sempre descobrem. Alguém irá
verificá-los ...
— Verificar três famílias de separatistas que vivem
sozinhos no meio da floresta?
Elara parou. — Os separatistas ainda negociam, Hugh.
Eles ainda precisam de suprimentos.
— Tente fazer com que isso passe pelo seu crânio duro:
as famílias abandonaram a sociedade, construíram uma
paliçada no meio de uma floresta perigosa e foram mortos.
Isso acontece o tempo todo e nunca ninguém se esforça
para investigar.
— Segundo o seu pessoal, desta vez é diferente. Você
nem sabe o que os matou.
Hugh sentiu a irritação aumentar. — Eu saberia se
tivesse acesso a um mago forense. Não consigo entender
como uma comunidade como a sua não tem um único mago
forense?
Elara cruzou os braços sobre os seios. — Não
precisamos de magos forenses. Temos muitos outros magos
que podem fazer tudo que um mago forense pode fazer,
ainda melhor.
— Então, por que você não pega alguns desses
lendários magos e analisa a cena?
— Certo, dessa forma quando a equipe forense do
escritório do xerife chegar, eles encontrarão uma vila vazia
e a nossa assinatura mágica por todo o lado? Brilhante. Por
que não pensei nisso?
— Esquece isso. Se você mexer o caldeirão, seu amigo
Skolnik voltará aqui com tochas e forcados. É isso que quer?
Elara estreitou os olhos. — Sabe de uma coisa? Não se
preocupe. Eu vou cuidar disso sozinha.
A irritação de Hugh se transformou em fúria total. Sua
voz virou gelo.
— Você não vai.
— Sim, eu vou.
— Eu proíbo.
— Que bom que eu não precise da sua permissão.
— Sim, você faz.
— Quem disse?
— O contrato que nós dois assinamos. Ou você
esqueceu a parte em que eu pedi autonomia nas decisões
relacionadas à segurança e você estabeleceu que todas elas
devem ser aprovadas em conjunto por você e eu? Isto vale
para os dois lados, doçura.
A magia de Elara fervia logo abaixo da pele. Os olhos
dela brilhavam. Não gostou disso, não é?
— Faça, —ele ousou. — Quebre o contrato. Me dê uma
desculpa para me ver livre de você.
As mãos de Elara se fecharam em punhos. Suas
bochechas coraram. Ela estava muita brava.
Deus, o sexo com ela agora seria incrível. Ele a jogaria
na cama e ela gritaria, o chutaria e o açoitaria com sua
magia. Seria muito quente.
— Eu te odeio, —ela resmungou.
— O mesmo que você, doçura. —Hugh beijou o ar.
O rosto dela estremeceu. Um chiado desconhecido rolou
pela sala, como o estalar de um chicote no ar. Elara girou,
sua magia parecia véus translúcidos prateados saindo de
dentro dela e ele pôde ver algo desconhecido escondido
entre esses véus. Ela saiu do quarto, batendo e sacudindo a
pesada porta de madeira.
Foi incomodado duas vezes em uma noite. Teria que
substituir a porta se isso continuasse.
Hugh se serviu de outro copo de água. Por alguns
segundos, enquanto ela estava no quarto gritando com ele,
se sentiu vivo. Agora não mais e já podia sentir o vazio se
aproximando, mas sentiu o gostinho da liberdade nesses
momento fugazes com Elara e queria mais.

********
Elara andava de um lado para o outro em seu
quarto. Partes de sua magia escapando dela, banhando seu
corpo. O brilho suave das lanternas à gás banhava a sala
com um suave brilho amarelo-amanteigado, mas seu
temperamento precisava de muito mais do que alguma luz
ambiente para se acalmar.
Aquele idiota.
Aquele desgraçado.
Quando insistiu na cláusula de decisão conjunta do
contrato que assinaram, ela estava pensando em limitar o
poder dele. Na época, parecia uma escolha perfeitamente
razoável. Elara fechou os olhos e sussurrou, projetando sua
voz para o espaço. — Savannah.
O eco de seu poder voou através do castelo,
encontrando seu alvo. Savannah estava a caminho.
Elara queria voltar para o quarto de Hugh e esmagá-lo
com o poder dela até que ele rastejasse e arrancasse
aquele sorriso presunçoso de seu rosto.
Ela parou e respirou fundo. Sua magia girou e uma
projeção da imagem de Hugh apareceu em seu quarto,
exatamente como ela se lembrava dele, uma cópia perfeita
do homem. Uma lanterna acesa estava atrás da projeção
deixando-a um pouco transparente.
Ela o circulou, examinando os ombros largos e
poderosos, os braços esculpidos, a barriga musculosa, as
pernas que pareciam troncos de árvores ... construídas para
esmagar qualquer coisa. O homem emanava uma confiança
predatória. Se ele dissesse que mataria alguma coisa, a
coisa morreria. Ela tinha certeza disso agora.
Um rastro de cicatrizes fracas marcava seu peito, não
mais que linhas leves no peitoral esquerdo, sobre o coração,
costelas e laterais. Elara o sentiu curar seu povo. Ele tinha
que ser capaz de se curar, ou teria muito mais cicatrizes.
Que tipo de dano foi grave o suficiente para resistir à
sua cura?
Algo para pensar.
Os metamorfos às vezes irradiavam um poder
predatório também. Esse poder vinha da agressividade
natural de suas expressões, a maneira como se portavam,
prontos para entrar em ação, nunca ficavam cem por cento
relaxados, sempre esperando um ataque. Hugh tinha um
tipo de poder predatório diferente. Os metamorfos nasciam
com esse tipo de poder. Hugh o conquistou. Seu corpo foi
treinado e afiado, e a arrogância vinha da experiência.
Ela olhou nos olhos azuis dele. Havia algo mais lá, no
fundo dos olhos. Um cansaço profundo como se algo o
roesse, e não importa o que acontecesse, nada podia o
alcançar. Ela viu o mesmo olhar nele enquanto ele cortava o
mercenário. Não havia raiva, nem satisfação. Apenas
precisão metódica. Hugh decidia que tinha que ser feito,
então fazia.
Seria muito mais fácil se ele fosse um idiota, mas não.
D'Ambray era afiado e manipulador. Ela não podia confiar
em uma única palavra que saísse da boca dele. Ele seria
capaz de fingir ser o melhor amigo de um homem, depois o
esfaquearia pelas costas e seguiria em frente. Ele dizia uma
coisa, fazia outra, e achava sempre que estava certo. Elara
não tinha ideia de como lidar com ele. E, para completar,
eles se chocavam como fogo e gelo.
Hugh ainda não tinha tentando manipulá-la. Por quê?
Será que ele pensava que ela não valia o esforço?
Nenhuma resposta arrancaria de seus olhos. Elara deu
um passo para trás e olhou para ele novamente.
— Belo espécime, —disse Savannah da porta.
— Ele é.
— Vanessa certamente pensa isso também.
— Vanessa gosta de se envolver com homens perigosos.
—Elara deu de ombros.
— Diga-me que você está de olho neles.
— Eu conheço cada sussurro que passa entre eles. O
que você acha dele?
— Brutal. Eficiente. Encrenca. Escolha o melhor adjetivo
que quiser. Devemos sempre vigiá-lo. —A mulher mais velha
entrou no quarto. A luz da lanterna trouxe à tona o tom
avermelhado em sua pele. Normalmente, uma touca verde
escondia seus cabelos encaracolados, mas agora estavam
soltos, flutuando sobre sua cabeça como uma nuvem de
tempestade. O poder emanava de Savannah, vibrante e
forte. Muito forte.
— O que precisa de mim? —Perguntou a bruxa líder.
— A paliçada, —disse Elara.
— Conrad me disse.
— Ainda compramos suprimentos daquele comerciante,
Austin Dillard?
— De vez em quando.
— Na próxima vez em que ele aparecer, alguém poderá
mencionar que há uma paliçada perto do velho mercado
que precisa de suprimentos, mas que não ouvimos falar
deles há um tempo.
— Alguém irá mencionar isso. Você quer uma
adivinhação?
Elara sacudiu a cabeça. — Conrad não trouxe nada de lá
que pudesse ancorar a visão, e não estou enviando
ninguém para pegar nada. O que atacou aquelas pessoas
pode ainda voltar. Além disso, quem quer que fosse
deixariam as assinaturas de sua magia e seu cheiro no
local, e eu não quero arriscar. Já basta o que d’Ambray fez.
Ela olhou para Hugh um pouco mais.
— Nós podemos envenená-lo se quiser, —disse
Savannah.
— Hugh?
— Hum-rum. Algo rápido e tranquilo. Ele adormecerá e
nunca mais acordará. Nem vai saber o que o atingiu.
Elara fez uma careta. — Nós não podemos. Precisamos
do exército dele.
— Homens.
— Sim. Não podemos viver com eles, mas não podemos
matá-los. —Elara cruzou os braços.
— O que está incomodando-a? —Savannah perguntou.
— Ele me deixa com raiva, Savannah. Ferozmente
furiosa.
— A magia dele chama você?
— A magia de qualquer um me chama. —Elara suspirou.
— Você se preocupa em se manifestar?
— Eu me preocupo que ele possa me fazer perder o
controle.
— Você já pensou em seguir o caminho mais
inteligente? —Savannah perguntou. — Quando se oferece
oposição aos homens, eles aceitam isso como um desafio.
Às vezes, uma abordagem mais suave é melhor. Um pouco
de bajulação aqui e ali, um apelo ao seu orgulho, um
momento de desamparo. Você sabe.
Claro que Elara sabia. Ela já havia feito isso antes,
quando era necessário, e era boa nisso. — Isso exigiria
muito ... esforço. Além disso, se eu pudesse manipulá-lo
dessa forma, já teria feito. Ele abre a boca e eu quero matá-
lo. Na verdade, eu tenho fantasiado em arrancar a cabeça
dele, Savannah.
A bruxa mais velha olhou para ela por um longo
momento.
— O que foi?
— Não faça isso na frente dos Cães dele.
— Espero que eu nunca precise. Se as coisas ficarem
ruins, vou me divorciar dele.
— Quanto antes melhor. As pessoas não são bolinhas de
gude. Você não pode mantê-las separadas pela cor do
uniforme que usam. Quanto mais tempo seus soldados
ficarem conosco, mais laços nós forjaremos.
— E será mais difícil purgar os Cães de nós. Eu sei.
— O que irá fazer com Vanessa? —Savannah perguntou.
— Nada. Eu já lidei com isso. As escolhas dela são dela.
— A traição deve ser punida, Elara.
— Por que eu a puniria, Savannah? Más escolhas?
Confie em mim, Hugh já é uma punição suficiente para ela.
Savannah assentiu e saiu do quarto.
Elara levantou a mão e tocou o peito de Hugh, traçando
a linha dos músculos duros sob a pele com os dedos. A
projeção ondulou como se fosse líquida.
É uma pena ... Se fosse qualquer outro ...
Ela riu baixinho do absurdo e descartou a projeção com
um aceno de dedos.
 

Seis
Hugh abaixou as mãos e respirou fundo. O suor
escorria de sua testa. Ele treinou por quase uma hora,
alternando entre o saco de soco e os pesos com a prática de
armas. Seu corpo finalmente percebeu que a comida era
mais uma vez abundante e ele estava começando a
reconstruir os músculos que havia perdido. Ele precisaria
desses novos músculos.    
Ao lado, Lamar se apoiou contra a parede de pedra da
fortaleza. Hugh se inclinou ao lado dele e começou a
85
desdobrar as bandagens de proteção dos punhos . Na
frente deles, o extremo oeste do pátio se estendia, cheio
até a borda com tendas. Fazia três semanas e ainda mais da
metade de seu pessoal estava acampando ao ar livre.
Ele deixou a reforma do quartel para Elara. Ela insistiu e
ele abriu mão para evitar mais um atraso no fosso. Sua
esposa estava arrastando os pés com as reformas. Nesse
ritmo, eles ainda estariam em tendas quando chegasse a
primeira geada.
— O que você descobriu? —Perguntou Hugh.
— Praticamente o que já suspeitávamos. —Lamar
manteve a voz baixa. — Elara está no topo da cadeia de
comando. Abaixo dela estão os dois conselheiros. Savannah
supervisiona os Covens, a infraestrutura e as questões
administrativas internas. Ela também chefia o
departamento jurídico. Dugas lida com logística,
importação, exportação, acordos comerciais e assim por
diante. Seus poderes são parecidos, então eles dividem uma
mesma posição na cadeia de comando. Elara vê os dois
como seus pais. Não tenho ideia do que aconteceu com sua
verdadeira família.
Em uma guerra contra Elara, a bruxa e o druida seriam
alvos prioritários.
— E Johanna?
— Pesquisa e desenvolvimento. Existem outros
administradores. O contador principal, por exemplo. Mas
nenhum deles detém o poder que esses três possuem. A
maioria das decisões importantes são tomadas por eles e
por Elara. Elara tem o poder de anulá-los, mas quase nunca
o faz. Há uma quinta pessoa envolvida também.
— Quem?
— Eu não sei, —disse Lamar. — Mas algumas pessoas já
o viram. Ele se move muito rápido e parece desaparecer no
ar. Nós não sabemos o que ou quem ele é. Não
conseguimos arrancar nada dos moradores da comunidade.
Eles são todos agradáveis e amigáveis até começarmos a
fazer perguntas importantes sobre Elara e os Remanentes.
— Continue investigando. Existem milhares de
Desertores entre o castelo e a comunidade. Alguém vai
falar.
— Eles estão realmente interessados em nossos barris.
— Era de se esperar.
Uma tenda próxima desabou. Iris rastejou para fora,
xingou e chutou.
Lamar ficou em silêncio. Hugh olhou para ele. — O que
foi?
O Capitão hesitou.
— Lamar?
— Nenhum operador de escavadeira apareceu para
trabalhar hoje de manhã.
A fúria começou a crescer nele. — Por quê?
— Segundo o capataz, eles e seus tratores têm algo
mais importante a fazer. Estão cavando no lado norte.
Hugh se forçou a parecer calmo. — Estamos devendo
material de resgate?
— Não. Segundo os ferreiros, ainda temos três dias de
trabalho pagos.
— Você disse isso ao capataz da escavadeira?
— Eu disse. —Lamar assentiu. — Ele disse que as
ordens vieram de Elara. Diz que não tem permissão para
falar conosco sobre isso.
Hugh jogou as bandagens na parede e marchou para a
fortaleza.

********
Elara resolvia a maior parte de seus negócios na
pequena sala do seu aposento, onde mantinha uma mesa,
um computador que podia acessar durante a tecnologia e
arquivos em papel. Hoje ela estava sentada atrás dessa
mesa, de cabeça baixa, olhando alguns papéis. Hugh entrou
pela porta. Um robusto homem latino estava parado ao lado
dela, apontando para um papel na sua frente. Ela e o
homem olharam para ele.
Hugh tencionou os maxilares. — Saia.
O homem pegou seus papéis e saiu correndo. Hugh
esperou até ele descer as escadas e se virou para Elara.
— Pois não? —Ela perguntou.
— Você tirou as escavadeiras do fosso.
Ela se recostou. — Sim, tirei.
Seu temperamento ameaçava galopar como um cavalo
correndo sem parar, mas Hugh fez um valente esforço para
segurá-lo. — Por que razão?
— Porque eu quis.
Ele olhou para ela. Elara o olhou de volta.
Hugh escolheu as palavras, pronunciando-as com
exatidão gelada. — Nosso acordo foi: eu resgato o material
que seus ferreiros precisam e você nos deixa com as
escavadeiras. Ainda tenho três dias de crédito de resgate.
— Sim, mas não especificamos quando as escavadeiras
estariam disponíveis para você. Não há nada nesse acordo
sobre qualquer tipo de data marcada para você usar as
escavadeiras. Não se preocupe, elas voltarão para você. Só
não agora.
Ele não poderia matá-la. Se ele a matasse, teria que
matar todo mundo nesta maldita comunidade. Sua raiva
estava fervendo e ele a destilou em uma única palavra. —
Quando?
— Quando eu quiser, —ela disse a ele.
Elara estava provocando-o.
Ela estendeu a mão, pegou uma pasta na mesa e a
segurou na frente do rosto dela, deixando apenas seus
olhos visíveis.
— O que está fazendo?
— Esperando sua cabeça explodir. Não quero perder
esse momento, mas também não quero que o sangue
espirre em mim.
Ele estendeu a mão, arrancou a pasta dos dedos dela e
largou-a sobre a mesa. — Eu expliquei o motivo do fosso. É
um assunto urgente. Estamos aqui há três semanas e meu
pessoal ainda está em tendas. Seus salários não foram
pagos.
Elara cruzou os braços sobre o peito. — Nada do que
você disse indica que estou violando nosso contrato. Ele
especifica que os quartos para seus soldados serão
fornecidos em um tempo razoável. Não posso evitar que
minha definição de razoável seja diferente da sua.
— Elara!
— Eles são soldados, Preceptor. Estão acostumados a
dormir no chão. Agora, então, tenho duas pilhas de papéis
para analisar. Por que não vai socar aquele saco pesado de
areia um pouco mais? Relaxe.
Já chega. Ele precisava pegar seu pessoal e ir embora.
— Para mim chega, —Hugh disse a ela.
— Excelente. Por favor vá. E enquanto você estiver por
aí exalando sua raiva, se está tão interessado no que a
equipe de escavadeiras está fazendo, por que não pergunta
a eles e para de desperdiçar meu tempo?
Hugh foi embora. Uma névoa de fúria flutuou ao redor
dele. Ele entrou no pátio. A luz do sol queimava seus olhos.
Caminhou até o portão, chamou com gestos das mãos um
grupo de Cães de Ferro mais próximos. Os cães marcharam
atrás dele. Caminharam para fora dos muros, virou-se e
seguiu para o norte.
Seria simples: Removeria a equipe que estava usando
as escavadeiras, confiscaria as escavadeiras e colocaria seu
próprio pessoal nelas.
A maquinaria pesada estava imóvel no lado norte da
colina. A equipe, uma mulher e três homens, incluindo Jay
Lewis, o capataz, sentava-se na encosta gramada, bebendo
de garrafas térmicas e comendo sanduíches. Na
aproximação de Hugh, Lewis se levantou. Ele tinha cerca de
cinquenta anos, mais ou menos um metro e oitenta de
altura, com a pele do rosto avermelhada, culpa dos genes
do norte da Europa e de passar muito tempo ao ar livre sob
o sol quente.
Hugh assentiu, e os Cães de Ferro formaram uma linha
entre a equipe e os quatro tratores. Ele fixou Lewis com seu
olhar.
O capataz engoliu em seco.
— O que vocês estão fazendo aqui?
— Hum, o problema, Senhor, é que não posso lhe dizer.
Hugh afundou ameaça em suas palavras. — Você tem
medo de mim, Lewis?
O capataz assentiu várias vezes.
— Vê minha esposa em algum lugar por aqui
— Não, Senhor.
— Está certo. Ela não está aqui, mas eu estou. Nós nos
entendemos?
Lewis assentiu novamente.
— Diga-me por que estão aqui.
Lewis abriu a boca, hesitou e finalmente falou. — Uma
86
fossa séptica .
— Explique-se.
— Nas últimas semana dobramos a quantidade de
pessoas no castelo e a fossa séptica não era projetada para
lidar com tanto volume. Tivemos um problema, mas tudo
está resolvido agora, entende? —Lewis acenou com a mão
para um pedaço de terra recém virada. — Vai ficar ótimo.
Vocês vão apreciar.
A fossa séptica tinha prioridade. Eles não iriam querer
se afogar no esgoto. Elara poderia ter dito isso a ele. Mas
não, a harpia se divertiu o provocando. Ele se lembraria
disso.
— Termine o seu almoço, —disse ele a Lewis. — Quando
terminar, espero que vocês voltem para o trabalho no fosso.
— Sim, senhor.
Uma caminhada de volta aos portões levou mais cinco
minutos. Os Cães de Ferro que o seguiam caminharam em
silêncio.
Hugh atravessou os portões e parou. As tendas estavam
desarmadas. Os Cães de Ferro lotavam as portas da ala
esquerda. Seu olhar se deparou com um ponto azul claro no
meio da multidão vestidos de preto. Elara acenou para ele.
Ela estava segurando uma tesoura gigante.
Havia uma fita azul amarrada nas portas da ala
esquerda do castelo. Tinha um arco gigante nele.
Hugh continuou, atravessando a multidão.
— Você fará as honras, Preceptor? —Elara estendeu a
tesoura para ele.
Ele mataria essa mulher.
Hugh marchou, pegou a tesoura dela e cortou a fita. A
porta se abriu sob a pressão de sua mão, revelando um
corredor com uma mesa ao lado. E mais corredores à
esquerda e à direita, suas paredes salpicadas de portas. No
meio de cada corredor, placas sinalizavam as escadas.
Diante dele, portas duplas estavam abertas, mostrando
fileiras e mais fileiras de mesas. Ela fez um refeitório para
eles.
— Como vocês já estão aqui a algum tempo, —disse
Elara atrás dele, — percebemos que apreciariam mais o
estilo de dormitórios do que quartos individuais com uma
cama. Existem vinte e oito dormitórios no segundo andar,
cada um contendo quatro camas. Existem dois grandes
banheiros coletivos em cada extremidade do segundo
andar. No primeiro andar, tem mais dez quartos. Quatro
quartos têm quatro camas de solteiro. Outros quatro
quartos são suítes para os seus Capitães. Cada duas suítes
compartilham um banheiro. Os dois grandes quartos
restantes poderão ser usados como acharem melhor.
Acima das portas do refeitório, pendia um ornamento
negro de ferro forjado, com a forma da cabeça de um
cachorro rosnando.
Os Cães de Ferro entraram no quartel.
Hugh ficou parado e olhou para o ornamento. Elara
parou ao lado dele.
Ele não disse nada.
Ela se inclinou para frente para dar uma olhada no rosto
dele. Um sorriso presunçoso curvava seus lábios. Esse
sorriso tocou algo dentro dele, algo novo que não conseguia
entender.
— No que está pensando? —Ela perguntou.
— Estou pensando em cortar sua cabeça com essas
tesouras.
Elara gargalhou e saiu do quartel.

********
Hugh levantou os olhos do contrato de compra das
cinzas vulcânicas. Uma adolescente pairava na porta do
quarto dele. Ele já tinha a visto antes. Onde mesmo? Nos
estábulos.
— Deixe-me adivinhar. Bucky saiu de novo.
Ela assentiu sem palavras.
— Você acorrentou a baia do jeito que eu disse?
Ela assentiu novamente.
— O que aconteceu?
— A corrente estava no chão.
Hugh suspirou. — Bem. Espere por mim lá embaixo.
Ele guardou a papelada. Hugh passou a maior parte de
ontem acomodando seus soldados no novo quartel, depois
voltou para o fosso e, quando finalmente chegou à cama, já
passava da meia-noite. Ele acordou cedo e foi diretamente
analisar as papeladas com acordos de compra. Eram quase
nove da manhã agora. Seu estômago roncou. Depois que
pegasse aquele maldito cavalo, teria que comer algo.
Por mais que tentassem conter Bucky, o garanhão fugia
durante a noite. Se o prendia, ele pulava a cerca. Se o
trancasse nos estábulos, de manhã, a baia estaria aberta e
Bucky teria ido embora. Ele sempre ia ao mesmo lugar.
Hugh desceu as escadas. A adolescente pegou um
pedaço de corda nos estábulos e estava esperando junto à
parede.
— Vamos lá, —ele disse a ela.
Saíram dos portões e curvaram-se para a esquerda,
seguindo o caminho em direção ao pedaço de floresta mais
próximo. O sol brilhava. O céu estava de um azul doloroso.
Seria outro dia quente e ensolarado de outono. Notava os
dias passarem, agora que sabia que os seus dias estavam
contados. A imortalidade tinha suas vantagens, mas seu
vínculo com Roland acabou, então a imortalidade estava
fora de seu alcance.
Interrompeu esses pensamentos antes que eles o
levassem ao vazio.
O caminho os levou até a beira da floresta e mergulhou
sob o dossel de tsugas. Eles atravessaram algumas dezenas
de metros até um vale. Aqui e ali, o sol conseguia
ultrapassar as folhas, cobrindo o chão da floresta com luz
dourada. O ar estava limpo e cheirava a vida.
Hugh assobiou. O som estridente cortou o ar. A menina
do estábulo pulou.
Eles esperaram.
Uma faixa branca ofuscante apareceu entre as árvores e
acelerou em direção a eles.
Cavalo idiota.
O garanhão estava correndo a galope no meio das
raízes e entre as árvores. Qualquer cavalo normal já teria
quebrado as pernas, mas por algum motivo estranho, Bucky
corria pela floresta com a agilidade de um cervo dez vezes
menor do que ele. Nunca tropeçava, nunca errava os pés,
nunca batia nos galhos. Galopava pela floresta à noite, na
escuridão quase completa.
O garanhão atravessou a floresta na direção deles,
deslizou em uma parada dramática na frente deles e
empinou, arranhando o ar com as pastas da frente.
— Você se divertiu? —Perguntou Hugh.
Bucky trotou e o cutucou com a cabeça grande. Hugh
deslizou uma cenoura na boca do garanhão, pegou a corda
e passou-a pela cabeça de Bucky.
— Vamos.
Bucky o seguiu, dócil. A imagem da obediência.
— Há lobos pré-históricos na floresta, —disse a garota
do estábulo.
— Ele não se importa.
— O senhor poderia pegar um outro cavalo, —disse ela.
— A Senhora lhe daria o cavalo que quisesse.
— É mesmo?
A menina assentiu. — Sim. Qualquer cavalo. Ela nos
disse para providenciar o que o senhor precisar, porque o
senhor está nos protegendo.
Ele arquivou essa informação para referência futura.
— Então, poderia trocá-lo por um outro cavalo.
— Não. Ele é meu cavalo. E pronto.
Ela fungou e olhou para ele. — É verdade que você pode
andar de pé na sela?
— Eu não preciso de uma sela para andar de pé em
cima de um cavalo.
Ela apertou os olhos com mais força. — Prove.
Hugh pulou nas costas de Bucky e o cutucou. A menina
o seguiu. Ele levantou as pernas e ficou de pé nas costas de
Bucky.
Ela sorriu. Hugh caiu, girou a perna e montou Bucky de
costas para a cabeça do garanhão, de frente para ela.
— Como aprendeu a fazer isso?
— Prática. Muita e muita prática. O homem que me
criou nasceu no país das estepes. Um lugar com cavalos
malvados. Ele me ensinou a andar quando eu era pequeno.
—Voron havia lhe ensinado muitas outras coisas, mas os
cavalos haviam sido a primeira lição.
— Você pode me ensinar?
— Vamos ver.
Um grito agudo rolou pelo lado direito da floresta. Hugh
pulou de Bucky.
— Socorro! Ele pegou os cachorros! —Um homem
gritou. — Socorro!
Um lobo uivou da floresta, flutuando acima das árvores.
Hugh jogou a corda para a garota e a levantou nas
costas de Bucky. — Vá para o castelo, —ele ordenou. — Diga
a qualquer Cão que encontrar para mandar Sharif e Karen
para mim.
A menina assentiu.
— Não a derrube, —alertou Hugh ao cavalo.
Bucky bufou e partiu em direção ao castelo.

********
O corpo do cachorro estava jogado debaixo de
um arbusto. O sangue manchava o pêlo marrom e branco.
Ao lado do cachorro, Sharif se agachou, inclinando-se perto
do chão, olhando sem piscar os arbustos esmagados e as
folhas manchadas de vermelho. Karen, a outra metamorfa
de sua equipe, caiu de quatro do outro lado e deu uma
longa tragada.
Ele tinha seus problemas com os metamorfos, mas
nunca concordou com o desdém de Roland por eles. Hugh
entendia bem a posição de Roland e a recitou com paixão
quando a ocasião exigiu, mas quando se tratava de
trabalho, os metamorfos eram bons soldados e isso era tudo
o que importava.
Hugh se preparou para o desconfortável sentimento de
culpa que normalmente aparecia quando ele achava que
Roland estava errado. Mas o sentimento não veio. Em vez
disso, o vazio arranhou seus ossos com os dentes. Certo.
— O cachorro o mordeu, —Karen disse suavemente, sua
voz tingida de tristeza.
— Bom garoto.
Sharif arreganhou os dentes.
O lobo pré-histórico era grande e velho. Um dos
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pastores tirou uma polaroide do lobo duas noites antes,
quando a fera rondava a linha das árvores, estudando as
vacas no pasto. Pelas pegadas e fotos, a fera tinha mais de
um metro de altura e tinha que pesar uns cem quilos, se
não mais.
Os lobos pré-históricos não seguiam a ordem hierarquia
alfa/beta. Essa estrutura estava presente principalmente em
grandes grupos de metamorfos, porque a hierarquia era
uma invenção primata. Em vez disso, os lobos pré-históricos
viviam em grupos familiares, um casal de pais e seus
filhotes, que seguiam seus pais até crescerem o suficiente
para começar suas próprias matilhas. Mas este animal era
solitário. Algo aconteceu com sua matilha ou eles o
expulsaram, e agora ele era um lobo solitário sem nada a
perder. Outra noite, ele tentou atacar uma vaca. Os cães e
armas o afugentou. Então a onda de magia apareceu.
O velho lobo era um bastardo inteligente, inteligente o
suficiente para descobrir que, quando a magia estava em
alta, as armas não funcionavam. Ainda assim, ele ficou
longe do pasto e foi em direção a um alvo mais fácil, uma
menina de dez anos que colhia peras do chão no pomar
enquanto seus pais estavam em cima de escadas colhendo
os frutos mais alto nas árvores.
O trabalho de um cachorro era se colocar entre a
ameaça e o seu humano. Os dois cães pastores fizeram seu
trabalho.
Hugh e os metamorfos haviam encontrado o primeiro
cachorro morto na beira da floresta. O segundo estava aqui.
Agora cabia aos Cães humanos acertar as contas.
— Batimento cardíaco, —Sharif sussurrou.
Hugh estendeu a mão com sua magia. O cachorro
estava uma bagunça, rasgado e mordido, mas um
batimento cardíaco fraco e quase imperceptível tremia em
seu peito. Hugh concentrou-se. Isso seria complicado.
Ele uniu os órgãos, reparando células, selando os vasos
sanguíneos, reparando a carne como se fosse tecido,
músculos e pele. Os dois Cães ao seu lado esperaram em
silêncio.
Finalmente ele terminou. O cachorro levantou a cabeça,
se agitou na vegetação rasteira e se arrastou na direção
deles. Sharif pegou o cão de vinte quilos como se fosse um
filhote. O cachorro lambeu o rosto de Sharif.
— Perda de sangue, —disse Hugh. — Ele não vai andar
por um bom tempo.
— Vou carregá-lo, —disse Sharif. Seus olhos brilhavam,
captando a luz.
— Estamos a apenas um quilômetro de distância. Leve-o
de volta e depois volte, —disse Hugh.
O metamorfo lobo se virou suavemente e correu para a
floresta, silencioso como uma sombra, o enorme cachorro
descansando em seus braços.
Karen assumiu a liderança e eles seguiram a trilha do
cheiro do lobo mais fundo na floresta.
Se ele nunca mais visse outro arbusto de rododendro
até sua próxima vida, seria muito cedo, —decidiu Hugh. A
maldita vegetação sufocava os espaços entre as árvores e
atravessá-la não era exatamente um passeio.
Eles abriram caminho através de um trecho mais
recente da floresta. O rododendro sem fim finalmente
acabou. Bosques velhos se estendiam diante deles, os
carvalhos e tsugas maciços erguendo-se como as grossas
colunas de algum templo antigo, acolchoadas de vegetação.
Uma sombra pulou entre as árvores, arrastando uma
mancha de magia suja. Um morto-vivo.
O dia estava melhorando cada vez mais. Hugh sorriu e
puxou a espada.
O morto-vivo correu para a direita e parou.
Outra mancha apareceu à esquerda. Dois. Se essa era
uma equipe padrão de reconhecimento rápido de Nez,
haveria um terceiro, cada um pilotado por um Navegador
separado.
Karen esperou ao lado dele, sua antecipação quase uma
coisa física pairando na frente dela.
— Feliz caça, —disse Hugh.
Ela soltou o cinto com a bainha da faca, abriu o zíper
das botas e deu um puxão forte na blusa, se despido
rapidamente. Jogou a blusa no chão da floresta. Suas calças
foram as próximas. Uma breve visão de uma humana nua,
então seu corpo rasgou. Novos ossos surgiram da carne,
músculos entrelaçaram em espiral, embainhando o novo
esqueleto, a pele se cobriu de um denso pelo cinza,
surgindo dos novos folículos capilares. A metamorfa loba
abriu suas mandíbulas monstruosas, seu rosto nem lobo
nem humano, tirou a faca da roupa e correu para a floresta
à esquerda.
Hugh foi na direção oposta, em direção à magia suja
que manchava as folhas. A mancha pairou ainda por um
momento, depois mudou-se para o norte. Corra, corra,
pequeno vampiro.
Outro vampiro à extrema direita, se aproximando
rapidamente. Os mortos-vivos se moveram em silêncio. Eles
não respiravam, não faziam nenhum barulho normal que
uma criatura viva faria, mas não conseguiam esconder sua
magia. A mancha suja dos mortos-vivos se destacava contra
a floresta viva como uma mancha escura.
O sugador de sangue da frente fingia se esconder, se
colocando como isca, enquanto o da direita o observava
atentamente, se preparando para atacá-lo. Eles não
reconheceram Hugh. Estes não faziam parte da Legião
Dourada. Os Mestres dos Mortos sabiam quem era ele e
jamais usariam esse tipo de estratégia de ataque com
Hugh. Provavelmente eram aprendizes, pilotando vampiros
mais jovens. Os mortos-vivos eram muito caros, e quanto
mais velhos, maior eram os preços deles.
Não quer arriscar o orçamento, seu mão-de-vaca?  Sinto
muito, mas isso vai te custar.
Hugh correu pela floresta o mais rápido que o terreno
permitia, pulando sobre os galhos caídos. Vamos brincar.
O chão se nivelou. Hugh acelerou.
O sugador de sangue na frente dele entrou e saiu do
mato, chamando atenção. Hugh avançou, fingindo não
perceber o morto-vivo se aproximando pela direita.
Árvores passaram voando. O vampiro da direita estava
quase nele.
O vampiro a sua frente pulou sobre o tronco de uma
árvore caída. Hugh jogou a espada na mão esquerda,
plantou a direita na casca áspera e saltou sobre ela.
O morto-vivo da direita saltou na direção dele antes que
Hugh aterrissasse, como ele havia previsto. O vampiro saiu
voando dos arbustos. Hugh apoiou e enfiou a luva reforçada
na mão direita na boca do sugador de sangue, segurando
todo o peso do vampiro. As presas afundaram no couro e
encontraram o revestimento de aço duro. O sugador de
sangue ficou parado por um precioso meio segundo
enquanto o Navegador surpreso processava o ataque
fracassado. Meio segundo foi apenas o suficiente. Hugh
afundou a espada entre as costelas do morto-vivo, cortando
a cartilagem e os músculos até o coração. O grande saco de
músculos encontrou a ponta afiada da lâmina e estourou,
como sempre acontecia com corações dos mortos-vivos,
derramando sangue dentro da cavidade do corpo do
vampiro. Hugh puxou a espada, levantou o vampiro pela
mão como se fosse um gato selvagem e balançou a espada
novamente. A lâmina cortou em um golpe amplo e
poderoso. A cabeça do morto-vivo rolou para os arbustos. A
coisa toda levou menos de algumas respirações.
Divertido.
Com alguma sorte, o Navegador que pilotava o vampiro
não conseguiu quebrar a conexão com o vampiro a tempo.
Quando um vampiro morria sob o controle de um
Navegador, o cérebro do piloto insistia que era o próprio
Navegador quem morrera. A maioria se tornava vegetais
humanos. Alguns sortudos sobreviviam, mas nunca mais
eram os mesmos.
Atrás dele, a magia do morto-vivo inchou.
Hugh girou, pronto para enfrentar o ataque.
O vampiro atacou, olhos vermelhos brilhando.
Um borrão branco passou entre ele e o morto-vivo e se
materializou em Elara. A mão dela agarrou na garganta do
sugador de sangue.
Que diabos é isso?
O morto-vivo estremeceu nas garras de Elara. A essa
altura o vampiro já teria a rasgado em duas.
Elara olhou nos olhos dele e abriu a boca. — Solte-o.
Os olhos do vampiro brilharam com luz rubi quando o
Navegador soltou a mente do vampiro. Elara o apertou
ainda mais. Ele sentiu o poder de Elara cintilar, um véu
prateado estalando como um chicote. O chicote de magia
saiu pelos dedos dela e se espalhou pela pele do vampiro.
Uma magia antiga lambeu os sentidos de Hugh,
despertando algum instinto esquecido e enterrado sob
camadas de civilização. Os pêlos da nuca dele se
arrepiaram.
O sugador de sangue ficou mole. Ela o soltou, largando-
o no chão. Pegou a saia do seu vestido verde e passou por
cima do cadáver.
Exatamente do mesmo jeito que fez no episódio com o
tikbalang. O pulso de Hugh acelerou. Ele não tinha ideia de
como Elara fez isso, e ele tinha que descobrir antes que ela
acabasse fazendo o mesmo com ele.
Elara inclinou a cabeça. Seu cabelo estava trançado e
enrolado num nó complicado na parte de trás da cabeça.
Fios dispersos escapavam aqui e ali, brilhando quando
pegavam um raio de sol caindo através das folhas.
Hugh se endireitou, apoiando a lâmina da espada no
ombro. — Esposa.
— Marido.
Fazia uma semana desde a última briga. Ela esteve
convenientemente ocupada. Hugh tinha a sensação de que
Elara estava o evitando. A pergunta engraçada era: ela
estava o evitando porque não queria brigar com ele ou
porque olhou para ele, quando estava seminu, meio
segundo a mais do que devia enquanto discutiam na porta
do seu quarto?
— Você veio me ajudar. Que encantador, —Hugh falou
demoradamente.
— Esta sou eu. Deliciosamente encantadora.
Um uivo distante ecoou pela floresta. Karen pegou sua
presa.
— Você precisa de algo? —Ele perguntou.
— Recebemos uma ligação de Aberdine.
Magia era uma coisa engraçada. Às vezes, incapacitava
as linhas telefônicas, outras vezes elas funcionavam
normalmente. Não importava quem fizesse a ligação.
— Estou empolgado com o suspense. O que a ligação
disse?
— Os xerifes do condado estão vindo nos ver. Eu te
disse que eles ficariam sabendo, e ficaram.
Por um segundo, Hugh viu vermelho, depois se
controlou com um esforço de vontade. — O que você fez?
— Eu não fiz nada, —disse Elara, sua voz amarga. —
Agora somos suspeitos da morte daquelas pessoas. Eles
esperam conversar conosco. Tente me acompanhar.
Ela ficou turva e desapareceu em um borrão. Ele girou e
a viu, uma silhueta pálida a cinquenta metros de distância.
Uma voz flutuou pela floresta e sussurrou em seu ouvido,
fria e zombeteira. — Muito devagar, Preceptor.
Ele embainhou a espada e partiu atrás dela. Ela estava
mentindo para ele. Quando Hugh a alcançasse, a
estrangularia com as próprias mãos.

********
Elara esperou na beira da floresta. A essa altura
Hugh já deveria ter saído de lá. Ao Norte, contra o pano de
fundo da colina alta e as linhas severas do castelo, as
famílias Waterson, Garcia e Lincoln estavam colhendo peras
do pomar. As peras produziam um bom vinho e o modo
como os pássaros atacavam as frutas, mostrava que elas
estavam no auge da maturação. Mais alguns dias e eles
colheriam purê de pera em vez de frutas.
— Se eu cortar sua cabeça, ela voltará a crescer?
Elara se virou e quase esbarrou em Hugh. Ele pairava
sobre ela, seus olhos escuros, seu rosto frio. Um homem tão
grande não deveria se mover tão silenciosamente.
— Eu não sei, —disse ela, mantendo a voz gelada. —
Poderíamos fazer um experimento. Você tenta cortar minha
cabeça e eu tento cortar a sua. Vamos ver quem fica de pé.
Uma faísca brilhou nas profundezas de suas íris azuis. —
Tentador.
— Não é? Só precisa me dizer qual a cabeça que você
quer que eu corte, a de cima ou a que você costuma usar
para pensar.
— Faça sua escolha.
Elara estreitou os olhos. — Talvez mais tarde. Estamos
sendo vigiados.
Ele olhou para as duas garotas acenando para eles do
pomar. Elara acenou de volta.
— O que faz pensar que ser observado por crianças me
pararia?
Ela odiava ter que olhar para cima e encontrar o olhar
dele. — Você me mataria na frente das crianças?
— Em um minuto.
— Mas você curou o cachorro.
— Como sabe?
— Eu sei de tudo.
— Você viu Sharif correndo para fora da floresta.
Hugh se inclinou para ela meio centímetro. Elara lutou
contra o desejo de recuar. O homem poderia projetar
ameaça como um touro furioso.
Ela se forçou a ficar parada e olhar de volta para ele. —
A questão é que um homem que salvaria um cachorro
geralmente não faria algo para assustar crianças pequenas.
— Uma conclusão completamente arbitrária.
— Salvar um cachorro implica um certo conjunto de
ética.
— Eu não ligo para as crianças.
Elara deu de ombros. — Nesse caso, devemos continuar
tentando nos matar ou caminharmos de volta para o
castelo. Os xerifes estarão aqui em breve.
Por um momento, Hugh pareceu vacilar, depois indicou
o caminho para o castelo com um elegante movimento de
mão. Ela caminhou e ele caminhou ao lado dela.
As meninas no pomar acenaram novamente.
— Acene de volta, Preceptor. Seu braço não vai quebrar.
Hugh virou-se para o pomar com um grande sorriso
amigável e soprou um beijo para as meninas. Elas se
dissolveram em risos e fugiram. Ele se virou para ela e ela
quase estremeceu com a expressão dele.
— Tínhamos um acordo. Você o quebrou.
O homem se concentrava em detalhes cruciais como
um tubarão sentindo sangue na água.
— Eu não falei com as autoridades. Não pedi a ninguém
que informasse o condado. Você deixou perfeitamente claro
que estamos no mesmo barco e tomamos as mesmas
decisões.
— Alguém contou, porque você queria que contasse.
Elara suspirou. — O que queria que eu fizesse?
Amordaçasse todos ao nosso redor?
— Eu esperava que você permanecesse fiel ao espírito
do nosso acordo. Sei que não fez.
— Vamos recapitular. Eu fui até você, porque queria ir às
autoridades. Você exigiu que eu não fizesse. Eu te disse que
era uma decisão estúpida. Eu disse a você que esse tipo de
coisa sempre acaba sendo descoberto. Você não aceitou e
bateu o pé em sua decisão.
— Eu não acredito em você.
— Espere. —Ela levantou a mão. — Deixe-me verificar
se eu me importo.
Hugh olhou para ela.
— Não, —ela disse. — Aparentemente, não. É bom que
isso fique claro. —Ela caminhou pelo caminho, subindo a
colina em direção ao castelo. Ele não teve problemas para
acompanhá-la.
— A propósito, Vanessa foi embora. —Elara não
conseguia esconder uma pitada de tristeza em sua voz. —
Fez as malas e foi embora ontem à noite.
— E isso te deixa triste por quê?
— Vanessa era uma das minhas.
— Suponho que você esteja me culpando por isso?
— Não. Ela é a única responsável pelas próprias
decisões.
Uma Cão de Ferro emergiu das árvores montada em um
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cavalo roan , com um chapéu de cowboy na cabeça. Irina,
Elara reconheceu. Uma dos batedores de Felix. Isso
significava que os xerifes não estavam muito atrás. Aí vem
o condado.
— Pegue meu braço, —disse Hugh.
— Ugh. —Ela descansou a mão no antebraço dele e
diminuiu a velocidade. Eles caminharam em direção aos
portões.
— Por que curou o cachorro?
— Porque ele fez o trabalho dele. A lealdade deve ser
recompensada. —Havia um toque de frieza na voz de Hugh.
— E há considerações práticas.
— Tais como?
— O outro cachorro morreu na floresta. Este cachorro
não fugiu. Ele perseguiu o lobo sozinho, tentou matá-lo e fez
um trabalho decente o suficiente lutando. Precisamos usá-lo
para procriar. O cachorro fará bons cães de guerra.
— Cães de guerra? Para atacar as pessoas?
— E mortos-vivos.
Sim, mas o fato era que Hugh não salvou o cão para
criar filhotes de cães de guerra. Era sobre lealdade. Ela
conhecia a história: Hugh d'Ambray serviu como o Senhor
da Guerra de Roland, depois brigaram, Roland exilou Hugh e
agora o necromante de estimação de Roland caçava os
Cães de Ferro. E isso era tudo que alguém sabia. Elara
tentou descobrir os detalhes e o motivo da expulsão, mas
tudo era muito bem escondido.
A maneira como ele disse a palavra ‘lealdade’ sinalizou
que havia muito mais em toda essa história. O que
aconteceu entre eles deixou cicatrizes profundas em Hugh.
Isso era um ponto fraco nele. Se Elara pudesse cavar fundo,
descobrir os segredos dele, teria uma vantagem para usar
contra ele. Conheça seu inimigo. Esse é o melhor caminho.
Os xerifes apareceram, um pequeno grupo de quatro
pessoas montadas em cavalos e um cavalo extra de carga.
Os dois primeiros cavaleiros carregavam rifles e arcos. O
terceiro tinha um cajado amarrado ao cavalo.
O outro xerife apareceu na retaguarda.
— Três xerifes e um mago forense, —avaliou Hugh. —
Feliz agora?
— Eu não os convidei. Mas eles estão aqui agora. E são
a lei.
— Eles são a lei no território deles. Aqui nós somos a lei.
— É mesmo?
— Xerife, guardas estaduais e policiais são para pessoas
normais. Pensei que você já soubesse disso.
Ele jogou a palavra ‘normal’ lá casualmente, mas Elara
sabia que Hugh estava observando a reação dela,
procurando um ponto fraco em sua armadura. Ele não
encontraria um.
— Ninguém quer que sejamos a lei, Hugh.
— Você foi pelas minhas costas, esposa.
— Essa é a segunda vez que me chama de esposa no
espaço de uma hora sem que estejamos em público. Você
ultrapassou sua cota, Preceptor.
— Eu vou lembrar disso. Sua conta está ficando cada
vez maior. Na próxima vez que precisar de algo de mim,
lembrarei.
— Meu coração não aguentará de emoção.
— Quem me dera. Pronta?
Ela estampou um sorriso acolhedor no rosto. — Como
nunca estarei.
— Casal feliz em três ... dois ... —Hugh sorriu e acenou
para o grupo. Ela acenou também, lutando contra a
sensação de medo repentino subindo por sua espinha.

********
Uma olhada no xerife Armstrong e ficava claro que
ele era algum tipo de homem da lei, refletiu Elara. Ele
estava na casa dos trinta, baixo, mas forte e duro, com
cabelos loiros curtos, uma mandíbula quadrada com a barba
feita e olhos afiados. O homem se portava de uma maneira
descontraída, quase casual, mas Elara não tinha dúvida de
que, se surgisse uma ameaça, ele agiria rápido e
provavelmente sem pensar.
A outra xerife, cerca de quinze anos mais velha, de
cabelos grisalhos e branca, estava começando a demostrar
os sinais físicos da idade, mas tinha o mesmo tipo de olhar
do xerife Armstrong: calma, mas alerta. O mago forense, um
negro de vinte e poucos anos, parecia um pouco entediado.
Veteranos. O único discrepante no grupo era o terceiro
xerife, um homem em seus vinte e poucos anos, claramente
muito inexperiente.
E Hugh os manipulou como se fossem manteiga.
— Não, não sabemos notícias deles, —disse ele, com o
rosto adequadamente preocupado. — Eu nem sabia que
havia um assentamento nessa área, mas sou novo aqui.
Doçura?
— Às vezes, as pessoas se mudam para a floresta para
fugir do mundo, —disse Elara. — Você disse que era um
pequeno assentamento?
— Foi o que o comerciante disse, —confirmou o xerife
Armstrong. — Ele não entrou, mas podia ver algumas casas
da estrada. Os portões estavam abertos.
Ela se virou para Hugh, com preocupação no rosto. —
Não foram os lobos pré-históricos. Haveria corpos.
Hugh fez uma careta. — Eu não gosto disso. Essa não é
uma floresta comum. Há uma magia forte lá.
Então ele notou. Elara não sabia por que isso a
surpreendeu. Já deveria imaginar que alguém com o tipo de
poder que ele tem sentiria o ar misterioso dentro da
floresta.
— Vou lhe dizer uma coisa, xerife, —disse Hugh. —
Deixe-me enviar reforços com vocês. Não gosto da ideia de
vocês andando por lá sozinhos.
Armstrong pensou nisso por três segundos inteiros. —
Se está oferecendo, eu não vou recusar.
Bem pensado. — Eu também irei, —disse Elara. —
Temos curandeiros e alguns bons videntes. Se encontrarmos
sobreviventes, podemos administrar os primeiros socorros.
Hugh lançou um olhar tão apaixonado que ela quase se
beliscou. — Excelente. Nos dê quinze minutos, xerife. Nós
estaremos prontos rapidamente.
********
— Então vocês são recém-casados? —Perguntou
Dillard, a xerife.
— Sim. —Elara assentiu.
Eles já estavam andando há duas horas. O Antigo
Mercado não ficava longe, mas o terreno acidentado
diminuía a velocidade dos cavalos. Hugh e Armstrong
avançaram alguns metros e estavam conversando sobre
algo. Ela se esforçou para ouvir, mas apenas captou
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palavras aleatórias. Algo sobre as vantagens das balistas .
Chambers, o mais novo dos quatro, os seguia e se apegava
a cada palavra.
Atrás deles, vinte Cães de Ferro e oito de seu povo
cavalgavam em uma fila dupla, dois lado a lado. Sam, em
seu novo uniforme dos Cães de Ferro, cavalgava
diretamente atrás dela. Ele seguia Hugh como um filhote de
cachorro perdido que finalmente encontrou alguém para
amar, e ela não tinha dúvida de que tudo o que saíam da
boca do garoto tinha relação ao marido, palavra por
palavra.
— Você tem um bom homem.
Elara quase engasgou com a própria respiração. — Sim,
tenho. Ele é um bom homem.
— Ele olha para você como se estivesse flutuando. A
xerife Dillard sorriu. — Com sorte esse olhar durará o
primeiro ano.
— Você é casada?
— Estou no meu segundo. Meu primeiro marido morreu.
— Sinto muito por ouvir isso.
— Ele era um bom homem. Meu segundo marido
também é um bom homem. Mas ele não me olha assim.
Hugh se mexeu na sela. Bucky virou-se e foi até ela.
Hugh o virou novamente, combinando com o passo do
cavalo de Elara. — Ei.
— Ei para você também.
— Senti sua falta, —disse ele.
Rápido, diga algo meloso de volta ... — Eu também senti
sua falta.
— Talvez eu possa roubar você da xerife Dillard um
pouco?
— Oh, vamos lá, fiquem a vontade, pombinhos. —A
xerife Dillard acenou para eles.
Elara cutucou Raksha, e a égua escura avançou com
uma elegância fácil que apenas os cavalos árabes
possuíam. Bucky bateu no chão ao lado dela, claramente
tentando impressionar.
Hugh estendeu a mão em direção a ela. A fila inteira
estava atrás deles, observando-os. Ela cerrou os dentes e
colocou a mão na dele.
— Oh, veja, minha pele não está queimando, —Hugh
murmurou.
— Você está exagerando nas demonstrações de afeto.
— Somos recém-casados. Se eu jogasse você por cima
do meu ombro e a arrastasse para a floresta, isso seria
exagero.
A imagem passou diante dela. — Tente. Eles nem vão
encontrar seus ossos.
— Oh, doçura, acho que você não terá problemas para
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encontrar meu osso .
Ela tentou puxar sua mão da dele, mas ele estava
segurando-a com força e ela não podia arrancar os dedos
sem fazer uma cena. — Com certeza. Mas terei que
providenciar uma lupa.
Ele levantou a mão dela e beijou seus dedos.
— Você pagará por isso, —ela exclamou.
— Hum, você vai me punir? Garota pervertida.
Insuportável. Elara deixou um fio de sua magia deslizar
dos dedos e lamber a pele dele. Ele não a soltou.
Eles alcançaram Armstrong e Chambers. Chambers
estava olhando para eles de olhos arregalados.
— Não se preocupe, xerife, —Hugh piscou para ele. —
Estou apenas provocando a paciência da minha esposa com
demonstrações públicas de afeto.
— Ignore-o, —disse ela, sorrindo. — Ele não tem limites.
— Eu sou apenas humano, —disse Hugh.
Sim você é.
Uma forma escura correu pela floresta e Sharif emergiu
no caminho, seus olhos cintilando com o brilho revelador
dos metamorfos. O xerife Chambers agarrou um frasco no
cinto.
— A estrada está limpa, —relatou Sharif. — Paliçada
vazia. Os aromas são antigos.
Chambers soltou o frasco e ela vislumbrou a substância
amarela desbotada dentro. A cor estava quase acabando.
Oportunidade de negócios à vista.
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— Seu acônito perdeu a validade, meu amigo, —disse
Hugh, soltando-a.
Ah! Ele também percebeu.
Chambers se assustou.
— Ele está certo, —disse ela, estendendo a mão. —
Deixe-me ver.
Chambers tirou o frasco da cintura e a entregou. Ela
desenroscou a tampa e sentiu o cheiro. Quase nenhum odor.
— Sharif, você se importaria?
O metamorfo lobo pegou o frasco e o segurou no nariz.
— Faz cocegas.
— Obrigada, —disse ela, pegando o frasco de volta.
— Um acônito potente o faria espirrar sem parar, —
disse Hugh. — Pó de acônito potente tem uma cor laranja
forte.
— Ele deve ser armazenado em um recipiente escuro
em local frio, —acrescentou Elara. — Até que você precise
usá-lo.
— Infelizmente, o material que eles nos mandam é esse,
—disse Armstrong.
— Somos o maior produtor de acônitos potentes da
região, —disse Elara.
— Podemos fazer negócios, não é, doçura? —Perguntou
Hugh.
— Tenho certeza de que podemos. —Teriam prejuízo,
mas isso não importava. Ter contato e a boa vontade com
os xerifes dos condados ao redor valiam mais do que todos
os seus acônitos juntos. — Quanto estão pagando pelo
grama do acônito?
— Pagamos quinhentos por duzentos gramas, —disse
Armstrong.
Ela acenou com a mão. — Nós podemos fazer melhor do
que isso. Forneceremos a vocês um acônito de qualidade
premium a seiscentos por meio quilo.
Armstrong piscou. — Não queremos tirar vantagem.
— Chame isso de desconto para as instituições da
aplicação da lei, —disse Elara.
— Vejam, —disse Hugh, com o rosto sombrio. — Um dia
coisas ruins podem acontecer, e talvez eu não esteja aqui.
Minha esposa poderá estar em perigo. Meus futuros filhos.
Meu povo. Quando esse dia chegar, conto com vocês para
vir aqui como estão fazendo agora e defender a lei. Vocês
não podem fazer isso se estiverem mortos. Estamos dando
esse bom desconto para vocês. É o mínimo que podemos
fazer para ajudar.
Uau, ele era bom. Se ela não o conhecesse, acreditaria
em cada palavra. Que ‘bom homem’ eu tenho. Elara quase
revirou os olhos.
— Vou ter que passar a proposta pela cadeia de
comando, —disse Armstrong.
— O acônito estará pronto quando vocês quiserem, —
disse Elara.
A estrada fez uma curva. A paliçada vazia apareceu à
frente.

********
Hugh observava o mago forense ler a impressão
do escaneador mágico. Os m-scanners detectavam a magia
residual e as imprimiam como cores: azul para humanos,
verde para metamorfos, roxo para vampiros. Os m-scanners
eram, na melhor das hipóteses, imprecisos e desajeitados,
na pior das hipóteses, equivocados. Ele olhou para o papel
também, as impressões não faziam sentido e, pelas linhas
tênues no papel, essa máquina não era muito confiável. O
ataque tinha ocorrido a algum tempo. A assinatura mágica,
do que quer que tenha levado essas pessoas, já tinha
evaporado. Era mais fácil chamar alguns druidas para abrir
uma galinha preta e estudar seu fígado.
Falando em druidas. Ele se virou discretamente para
observar os magos de Elara esperando pacientemente fora
da paliçada. Os magos usavam os trajes típico de
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neopagãos , roupas leves com capuz, muito parecidas com
qualquer outra roupa usada por outros tipos de usuários de
magia. Vestidos dessa forma era difícil de dizer o que eles
eram. Poderiam ser qualquer coisa: bruxos, druidas ou
adoradores de algum deus grego.
Oito pessoas. Não era suficiente para ser considerado
um Coven.
O olhar de Hugh deslizou para a harpia. Havia algo de
bruxa em Elara. Quando ele a instigou a liberar sua magia,
sentiu algo estranho, um toque de bruxa, um toque
feminino, e uma grande quantidade de outra coisa, afiada e
fria. Sentiu algo parecido com Daniels, ela tinha um pouco
de bruxa, mas principalmente sua magia parecia sangue
fervente. Elara era gelo.
O vazio abriu a boca para ele. Pensar em Daniels
sempre o colocava à beira do abismo. Se ele demorasse
muito tempo pensando no pai dela, o vazio o engoliria
novamente.
O mago saiu.
Aí vem: ‘as assinaturas mágicas são muito antigas, há
muita interferência, blá blá blá ...’
— As assinaturas mágicas são muito antigas e fracas
para uma leitura clara, —disse o mago a Armstrong.
O xerife suspirou. — Há algo que você possa me dizer?
— Não foi um animal, —disse o mago. — Os animais
teriam deixado mais evidências. Não foi um morto-vivo e a
cena não é indicativa de um ataque de Loup.
Quando os metamorfos não conseguiam manter seus
animais internos à distância, eles se tornavam Loups. Loups
eram mentalmente desequilibrados e completamente
irracionais. Quando eles atacavam uma vila, despedaçavam
os humanos, geralmente enquanto os estupravam, ferviam
crianças vivas e se divertiam com toda perversão em que
podiam pensar até que alguém os tirasse de sua miséria. A
única cura para o loupismo era uma bala no cérebro ou uma
lâmina na garganta.
Armstrong suspirou novamente. — Alguma ideia?
— Não.
— Algo entrou nesse lugar, atacou dezesseis pessoas e
não deixou vestígios de si mesmo.
— Em poucas palavras, é isso. —O mago encolheu os
ombros.
Armstrong olhou para ele por um longo momento.
— O que você quer, Will? —O mago abriu os braços. — A
cena tem três semanas. Não faço milagres.
— Talvez possamos tentar? —Elara perguntou, seu tom
gentil.
— Você terminou de processar a cena? —Armstrong
perguntou ao mago forense.
O mago assentiu. — Podem tentar. A essa altura duvido
que consigam alguma coisa.
Armstrong olhou para Elara. — É todo seu.
— Obrigada.
Elara caminhou em direção aos portões. Quando queria,
ela se movia como se estivesse planando. Mas geralmente,
caminhava pisando como uma cabra irritada.
As oito pessoas a seguiram e formaram um semicírculo
irregular.
— Vamos, —disse Hugh a Armstrong. — Queremos um
assento na primeira fila para o show.
Eles andaram pelos portões. O mago forense os seguiu.
O pessoal de Elara puxou o capuz do manto, cobrindo
suas cabeças e rosto, de modo que apenas o queixo ficou
visível. Um cântico baixo surgiu deles, insistente e
impregnado de poder.
Elara ficou de costas para eles, aparentemente alheia à
magia atrás dela.
O canto acelerou. Eles derramaram uma enorme
quantidade de magia, mas essa magia parecia inerte.
Hora de ver o que você realmente é, esposa. Hugh se
firmou, concentrando-se no prisma de seu próprio poder. O
mundo se abriu para ele, cristalino, um lago de magia
fervente submergia dos oito cantores. Sentir magia foi uma
das primeiras habilidades que ele aprendeu com Roland.
Mostre-me o que pode fazer, doçura.
Elara levantou os braços para os lados e esperou, com
os olhos fechados. O lago de magia fluiu na direção dela,
como se uma represa se abrisse de repente.
Isso a encharcou.
Mas Elara não tocou, não absorveu, não usou, não
canalizou. A magia, vindo dos seus magos, apenas ficou lá
ao seu redor.
Elara abriu os olhos. Magia chicoteou dentro dela, e
para a visão aprimorada de Hugh ela brilhava de dentro
para fora.
Hugh percebeu que os magos estavam ali para distrair a
atenção. A cantoria e todo o resto do show era para fazer
parecer que Elara havia canalizado o poder de seus magos.
Mas ela não precisava deles. O que estava prestes a
acontecer era só fruto da magia dela.
Sua adorável esposa não queria que ninguém soubesse
o quão poderosa ela era. Garota esperta.
Elara se ajoelhou, pegou um punhado de terra e a
deixou passar pelos seus dedos, cada partícula do solo
brilhando suavemente.
O canto aumentou com uma nova intensidade, rápida e
afiado.
Um pulso de magia explodiu de Elara, afogando a
paliçada. Por meio segundo, cada folha da grama
permaneceu perfeitamente reta e imóvel. Ela derramou
uma quantidade grande de energia nesse pulso.
Uma névoa prateada se elevou do chão em finos fios
espiralados, engrossando no meio da clareira, fluindo juntos
e projetando uma forma humana, translúcida, mas visíveis.
A projeção mostrava um homem de um metro e oitenta de
altura, ombros largos. Um bastardo grande. Longos cabelos
loiros trançados longe de seu rosto. Pele clara. Uma
tatuagem de um desenho geométrico marcava sua
bochecha direita, uma espiral fechada com uma lâmina
93
afiada no final. Ele usava uma armadura de escama
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escura e havia uma insígnia dourada próximo ao ombro.
Hugh vasculhou seu catálogo mental procurando alguma
armadura que correspondesse a essa, todas, desde a
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romana Lorica segmentada até japonesa Gyorin kozane .
Ele nunca viu nada assim.
As escamas de metal escuro estavam próximas ao
corpo do homem, não era uniforme, mas variavam em
tamanho, menores na cintura onde o corpo tinha que se
dobrar, mais largas no peito. Quem fez essa armadura não
tinha em sua mente fazê-la de modo mais fácil. Foi criada
para parecer viva. Seu criador estava olhando para uma
cobra em busca de inspiração.
Os olhos do homem brilharam com fogo dourado. Ele
empurrou a mão esquerda para frente. A névoa subiu em
espiral em cinco pontos diferentes, fundindo-se e projetando
criaturas quase invisíveis de tão transparentes. Estavam de
pé sobre as duas pernas, curvadas para a frente, grandes
olhos de coruja sem piscar, a boca tomando quase todo o
rosto.
Ele sentiu uma pequena faísca remanescente de
humanidade, enterrada nas profundezas das estranhas
criaturas castanhas, uma sugestão familiar quase
imperceptível. Essas criaturas já foram humanas.
As bestas dispararam para a casa mais próxima. Uma
porta fantasmagórica se abriu e o primeiro animal arrastou
para fora da casa um corpo, uma mulher, a cabeça
pendendo do pescoço torcido.
Outra besta carregando um homem apareceu. O homem
era grande, pelo menos cem quilos. A criatura o jogou por
cima do ombro como se não pesasse nada.
Uma discussão entre eles, depois uma besta surgiu com
uma adolescente, seus longos cabelos varrendo o chão. O
sangue escorria de sua mão. As unhas da garota
arrancadas.
Outras bestas apareceram, um carregava um menino de
cerca de cinco anos, o outro um bebê. Ambos mortos.
As bestas colocaram os corpos em fila e dispararam
para a casa seguinte. O homem assistia, impassível.
— Filho da puta, —Armstrong falou.
A arrumada fila de cadáveres cresceu. Dezesseis
pessoas seguidas, seus corpos fantasmagóricos brilhando e
desaparecendo na névoa.
Hugh estudou os cadáveres. Morte rápida e eficiente.
Levava apenas um momento para quebrar um pescoço
humano. Hugh fez isso o suficiente de vezes para
reconhecer a habilidade praticada. É por isso que ninguém
disparou o alarme. As bestas os mataram quase que
instantaneamente.
O desconhecido homem de armadura virou-se para os
portões abertos e saiu, desaparecendo à beira do feitiço de
Elara. As bestas agarraram os cadáveres e correram atrás
dele. As projeções tremularam até que tudo despareceu.
— Você pode trazê-lo de volta? —Perguntou Hugh.
— Eu posso segurá-lo um pouco mais. —Elara
concentrou-se. Desta vez, ele sentiu o poder afundar no
chão em uma explosão controlada. O homem de armadura
voltou, congelado no meio do movimento.
Hugh o circulou. As escamas da armadura não tinham
brilho polido, e o metal não era preto, mas azul e marrom
com manchas verdes, como concha de tartaruga. Um corte
na armadura. Foi o que ele pensou.
O mago pegou um bloco de desenho e desenhou
freneticamente. Hugh olhou para se certificar de que seu
próprio pessoal estava desenhando. Estavam.
— Quem é esse cara? —Dillard rosnou, com o rosto
contorcido. — Ele parece familiar para alguém?
Armstrong resmungou. — A questão é: ele é um
maníaco aleatório ou faz parte de algo maior?
Hugh teria que explicar. Eles não perceberam. Hugh
puxou a espada, deu um passo atrás e balançou. A lâmina
se alinhou perfeitamente com o corte quase imperceptível
nas escamas.
Armstrong se agachou ao lado dele, então seu rosto
estava a centímetros da espada e inclinou a cabeça. — Ele
foi golpeado.
— E sobreviveu. —Isso eram más notícias. O corte não
tinha ângulo suficiente para ser um golpe de raspão. Não,
alguém cortou o meio desse imbecil e provavelmente
enterrou a espada nele.
— Como sabe que ele sobreviveu? —Chambers
perguntou. — Talvez ele tenha roubado a armadura de um
homem morto.
— A armadura não está danificada, —disse Sam
calmamente. — E foi feita sob medida para ele.
O garoto estava aprendendo.
Hugh manteve a voz baixa. — Está vendo esse símbolo
dourado no ombro?
Armstrong estudou a estrela dourada gravada na
armadura, oito raios emanando do centro com uma faixa
dourada brilhante embaixo.
— Insígnia? —Ele adivinhou.
— Não há outra razão para usar um símbolo na
armadura.
Armstrong olhou para ele. — Você acha que há mais
deles.
— Ele é um soldado. Os soldados pertencem a um
exército. —Hugh embainhou a espada. — A insígnia é uma
classificação, uma identificação. Ele está barbeado, seu
cabelo está arrumado, a armadura não é ornamentada. Isto
é um uniforme. Coloque-o na floresta, e ele será quase
invisível. Este homem faz parte de uma tropa. Se tivermos
muita sorte, é apenas uma tropa e não um exército.
Armstrong levantou-se e examinou a floresta ao seu
redor. — Nós terminamos aqui, —disse ele. — Vamos voltar
antes que algo mais apareça.
A névoa se dissolveu. Elara estava do outro lado.
Parecia ... com dor. Não, não era dor. Preocupação.
O mesmo sentimento irritante que o inundou quando ele
olhou para o vestido de noiva ensanguentado tomou conta
dele. Ele queria consertar, fazer desaparecer essa
preocupação que cobria o rosto dela.
Hugh caminhou até ela e disse, um pouco acima do
sussurro: — Você reconhece esse homem ou essas
criaturas?
— Não. —Ela olhou para ele, e uma pequena faísca de
esperança iluminou seus olhos. — E você?
— Não.
A faísca morreu. Hugh sentiu uma súbita onda de raiva,
como se tivesse falhado com ela de alguma forma.
Se eles fossem atacados no caminho de volta, ela
entraria na luta. Elara tinha muito poder e não ficaria
parada só olhando enquanto eles lutavam. Se ele a
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perdesse, sua cabala , seus adoradores da natureza se
revoltariam. Goste ou não, tudo em Baile e a comunidade
giravam em torno de Elara.
— Fique perto de mim enquanto voltamos.
Surpresa bateu no rosto dela, mas logo transformou em
fria arrogância. — Preocupado com a minha sobrevivência?
— Não quero perder a oportunidade de usá-la como um
escudo corporal.
— Que gentil da sua parte.
— Fique perto de mim, Elara.
Ele se afastou antes que ela pudesse lhe responder de
volta com algo inteligente
 

Sete
Elara se inclinou contra a mesa. Estavam no andar
de cima, no quarto designado como seu ‘escritório’, mas
que ela nunca usava. Preferia a pequena sala do seu
aposento. O escritório continha uma grande mesa de
madeira, ladeada por cinco cadeiras de cada lado, que
ninguém as ocupava agora, exceto ela e Johanna, que
estavam sentadas de pernas cruzadas sobre a mesa,
misturando reagentes em pequenos copos de vidro.
Depois da mesa, uma área aberta oferecia quatro
cadeiras macias em volta de uma pequena mesa de café,
com cadeiras menores espalhadas aqui e ali pelas paredes.
Hugh sentou em uma das cadeiras macias. Stoyan, Lamar e
Felix escolheram assentos ao longo da parede. O berserker,
Bale, não foi chamado para a reunião porque estava de
plantão na vigília. Melhor assim.
Do lado dela, Savannah sentava em uma cadeira macia,
enquanto Dugas estava encostado na parede.
Hugh estava de mau humor. Durante a última semana
tiveram três dessas reuniões. Depois de tentarem resolver
as coisas só os dois, onde as discussões terminavam em
uma enxurrada de insultos, resolveram que seria melhor
chamar outros de ambos os lados, com cabeças mais frias
do que a deles para participar das reuniões. Ela já o viu
irritado antes, até enfurecido, mas isso era novo. Seu olhar
estava focado, seus olhos escuros. Hugh sentava em uma
grande poltrona de descanso, sacudindo uma faca na mão,
ponta, cabo, ponta, cabo. A princípio, assistiu, esperando
que ele se cortasse, mas depois dos primeiros dez minutos
ela desistiu. Algumas pessoas passeavam, Hugh fazia
malabarismos com uma faca afiada com a mão direita. Ora,
esse é o homem com quem se casou.
Ugh.
Elara tentou afundar um pouco de sarcasmo nesse ‘ugh’
interno, mas não conseguiu se enganar. Hugh estava
preocupado. Nunca o viu preocupado antes. Ele sempre
tinha tudo sob controle e o olhar sombrio em seus olhos a
deixava tensa. Hugh estava vestindo jeans e camiseta, mas
parecia um rei cujo reino estava à beira de uma invasão. E
ela era sua rainha.
Ugh.
O que estava passando pela cabeça dele? Elara tinha a
sensação de que se abrisse o crânio de Hugh e de alguma
forma libertasse seus pensamentos, eles seriam ecos dos
próprios pensamentos de Elara: ‘O que eram aquelas
criaturas? Por que o guerreiro os assistiu matar aquelas
pessoas? O que ele fez com os corpos? Como nos
protegeremos contra eles?’ E os pensamentos mais altos de
todos, que vinham insistentemente à tona: ‘O que eu não vi
que deveria ter visto? O que mais eu poderia ter feito?’ Isso
a estava deixando louca.
— Próximo item da pauta, —disse Dugas. — Rufus ...
Ela se afastou da mesa. — Devemos enviar pessoas
para as vilas mais próximas.
Savannah estendeu a mão, tocou o ombro de Johanna e
sinalizou, dizendo através da linguagem de sinais o que
Elara tinha acabado de falar.
Hugh lançou-lhe um olhar sombrio. — Por quê?
— Para avisá-los. E para definir Proteções mágicas de
perímetro.
— O que faz pensar que as Proteções os segurariam? —
Perguntou Hugh.
Johanna colocou o copo para baixo e sinalizou. — Elas
não segurariam, mas quando eles as quebrarem farão
barulho. Um sistema de alerta precoce. —Ela pegou o copo,
o levantou, sacudiu o líquido verde escuro nele e o largou
novamente. — Temos solo da paliçada onde ele estava.
Podemos criar um feitiço para ele. Não ficaria dispendioso.
Hugh olhou para ela por um longo momento.
— Não muito. —Johanna deu um encolher de ombros se
desculpando.
— Eu preciso da sua aprovação, Hugh, —disse Elara. —
É uma medida de segurança.
— Seu pessoal precisará de escolta, —disse ele.
— Sim.
— Quantas vilas você quer visitar?
Ela olhou para Savannah.
— Sete, —disse ela.
— Tudo bem, —disse Hugh. — Vamos fazê-los um por
dia.
— Isso vai levar uma semana.
— Parabéns, você sabe contar.
Ela cruzou os braços. — Hugh, isso é importante.
Quanto mais demorarmos, mas riscos as pessoas correm de
morrer.
— Vou ter que enviar pelo menos vinte soldados com
cada equipe sua. Um número menor do que isso será um
convite a nos atacar.
— Então qual é o problema? Sete vezes vinte é cento e
quarenta.
— Exatamente. Você quer que eu envie quase metade
do meu exército para a floresta ao mesmo tempo. Isso
arrisca a vida dos meus soldados e nos deixa vulneráveis, e
eu não o farei. Então será uma vila por dia.
Ela cerrou o maxilar.
Ele a acertou em cheio. — O que faz pensar que enviar
um grupo de vinte soldados armados e algumas bruxas faria
essas vilas a confiar em nós? Muitas dessas pessoas são
separatistas paranoicas. Eles nos verão como uma ameaça.
— Temos que tentar, —disse ela. — Eles mataram as
crianças, Hugh.
— Tudo bem, —disse ele, com o rosto ainda sombrio. —
Mas um de cada vez.
Isso era tudo que ela conseguiria. Elara poderia discutir
o dia inteiro, mas a verdade, é que Hugh estava colocando o
bem-estar do seu pessoal em primeiro lugar. Elara
realmente não podia culpá-lo por ser cauteloso.
— Obrigada, —se obrigou a dizer.
— De nada.
O silêncio reinou na sala. Ela relaxou um pouco. O
restante dos itens da pauta da reunião eram rotineiros.
Dugas pigarreou. — Como comecei a dizer, Rufus
Fortner está chegando aqui nesta sexta-feira.
— O chefe da Guarda Vermelha de Lexington, —disse
Elara.
— Eu lembro, —disse Hugh. — Ele estava no nosso
casamento.
— Ele está procurando um fornecedor de RMD. O
Remédio, —disse Savannah.
O Remédio ou RMD é uma pomada anti-magia para
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todos os fins, da mesma forma que a Neosporin era uma
pomada antibiótica para todos os fins. Era particularmente
útil na esterilização de infecções infligidas por vampiros. O
patógeno Vampirus Immortuus era fraco no início da
infecção e poderia ser morto com álcool, se fosse o caso,
mas o Remédio era um agente esterilizante estabelecido e
comprovado.
— Qual o tamanho da encomenda? —Perguntou Hugh.
— Esperamos receber mais de cem mil no primeiro ano,
—disse Dugas.
— Provavelmente duas, três vezes mais, se eles
gostarem do produto e fizerem pedidos adicionais.
— O que sabemos sobre esse cara? —Perguntou Hugh.
— Ele é um bom moço, —disse Lamar. — Neo-viking. É o
tipo ‘trabalha duro, joga duro, mas se der a ele cerveja,
pode matar qualquer um’.
— Ele está vindo e quer conhecê-lo melhor, —disse
Elara. — O homem ficou terrivelmente impressionado com a
luta na nossa recepção de casamento e ficou curioso,
porque você tem uma reputação. Ele quer ficar bêbado com
o Preceptor dos Cães de Ferro e trocar histórias de guerra.
Hugh deu de ombros. — Certo, vamos continuar
impressionando-o. Precisaremos de um banquete e um
barril de cerveja.
Ela piscou. — Um barril? Não fabricamos cerveja em
barris. A nossa cerveja é fabricada em grandes tambores.
— Tudo bem, vamos derramar a cerveja em um grande
barril de madeira. Eu vi isso em um filme antigo uma vez, —
disse Hugh. — Confie em mim, isso nunca falha.
Ela acenou para ele. — Será como você quiser. Nós
precisamos desse cara. Estamos tentando conquistar a ele e
a Associação dos Mercenários de Lexington e Louisville há
mais de um ano e eles nunca nos deram uma chance até
você aparecer.
Hugh assentiu. — Estamos a um passo desse cara. Se
conseguirmos conquistá-lo, convenceremos o resto.
Ela sorriu. Essa era uma coisa que nunca teve que se
preocupar. Hugh era insuportável em vários aspectos, mas
quando via uma oportunidade sabia agarrá-la.
Dugas verificou suas anotações. — Última coisa. A
primeira escolta do Bando chega amanhã para pegar as
duas famílias de metamorfos. Não prevemos nenhum
problema, mas por via das dúvidas ...
A faca parou na mão de Hugh. — Que Bando?
— O Bando, —disse ela. — O Bando de Atlanta. O Bando
das Feras Livres de Atlanta.
Seu pessoal se endireitou. O rosto de Stoyan ficou
ilegível como uma parede.
— Explique isso para mim novamente, —disse Hugh,
sua voz enganosamente calma.
O que diabos havia de errado com ele? — O Kentucky
aprovou uma lei que proíbe a formação de pequenos bandos
em seus municípios, —disse Elara. — Temos um acordo
permanente com o Bando de Atlanta. Qualquer metamorfo
que quiser se mudar para o território do Bando pode se
instalar temporariamente aqui. Nós os abrigamos e os
alimentamos, até que o Bando envia uma escolta para
buscá-los. Eles nos reembolsam as despesas e pagam uma
boa taxa pelo abrigo.
— Não, —ele disse.
— Por que não? É um acordo mutuamente benéfico. É
porque eles são metamorfos? Você tem metamorfos em
suas fileiras.
— Eu não tenho problemas com metamorfos. Eu tenho
um problema com esse Bando em particular. Conheço
Lennart. Sei como ele opera. Nós não faremos mais
negócios com ele.
— Curran Lennart não está mais no comando do Bando
de Atlanta, —disse Savannah.
Hugh olhou para ela, depois se virou para Lamar. —
Você pensou em mencionar isso?
— Não tive oportunidade, —disse Lamar se
desculpando. — Ele se afastou para começar uma família.
Hugh olhou para ele por mais um segundo, depois riu,
um som frio e amargo.
— O idiota largou tudo por ela. Quem diria uma merda
dessa. Quem está no comando agora?
— James Shrapshire, —disse Lamar.
Elara tinha que agarrar esta oportunidade. — Está
vendo? Não é mais o Bando de Lennart.
— Lennart está morto? —Perguntou Hugh.
— Não, —disse Dugas.
— Então ainda é o seu Bando. —Hugh se inclinou para
frente. — Lennart é um Primeiro. Seus ancestrais fizeram
um acordo por seu poder com deuses animais que vagavam
pelo planeta quando os humanos corriam em peles de
animais e se escondiam dos raios nas cavernas. Não
importa quem está encarregado do Bando. Quando ele
rugir, todos os metamorfos o seguirão, e não faremos
negócios com ele. Este assunto está encerrado.
Isso foi o suficiente. — Não, não está. O Bando é um dos
nossos maiores clientes. Eles estão produzindo panaceia, o
que ...
— Eu sei o que a maldita panaceia faz, —ele rosnou.
... — reduz significativamente as ocorrências de
loupismo espontâneo em recém-nascidos e adolescentes
metamorfos, —continuou ela. — As substâncias ativas da
panaceia perdem o efeito rapidamente, então eles precisam
de grandes quantidades de ervas, algumas das quais
crescem apenas na floresta daqui. Eles pagam quantias
excelentes pela matéria-prima.
— Eu não ligo.
— Você deveria ligar, porque é o maldito dinheiro do
Bando que está alimentando e abrigando seus Cães.
— Você não entende? Não vou trabalhar com o Lennart.
Elara, você é estúpida ou tem deficiência auditiva?
— Devo ser estúpida, porque casei com um idiota que
anda por aí e faz birras como uma criança mimada! O que
diabos esse Curran fez com você? Matou seu mestre,
roubou sua garota, queimou seu castelo? O que?
Hugh se recostou, seus olhos brilhando. Oooh, ela tocou
em uma ferida. Ataque certeiro.
Ela se virou para Stoyan. — Deixe-me adivinhar, era a
garota.
— E o castelo, —disse Felix calmamente.
— É por isso que você quer o fosso, Hugh? Então Curran
não vai queimar este castelo? —Ela soube no momento em
que disse que havia o provocado demais.
Hugh recostou-se na cadeira, com um olhar de
sofrimento no rosto. — Você sabe qual é o seu problema? —
Ele perguntou, sua voz entediada.
— Por favor, diga.
— Você deveria foder.
Elara olhou para ele.
— Isso te manteria dócil e razoável. Para o bem de
todos nós, encontre alguém para foder você, dessa forma
poderá resolver as coisas como um adulto, porque estou
cansado de suas histerias.
Oh! Uau!
Ninguém se mexeu. Ninguém sequer respirou.
— Adorável. Esse acordo é anterior ao nosso casamento,
—disse Elara no silêncio repentino, pronunciando cada
palavra claramente. — De acordo com o contrato que você
assinou, ele está isento de sua contribuição. Não preciso da
sua permissão. As transações com o Bando irão continuar
acontecer. E se você se lembrar de que é um adulto casado,
responsável pelo bem-estar de mais de quatro mil pessoas,
irá superar qualquer desavença, encontrar um par de calças
grandes e vesti-las. Se eu posso controlar em não me
encolher toda vez que você me toca em público, você pode
fingir ser civilizado. Supere e, se não puder, se esconda no
seu quarto enquanto eles estiverem aqui.
A raiva em seus olhos era quase demais.
— Você assinou a linha pontilhada, —disse Elara. — É
um homem de palavras ou não é, Preceptor?
Hugh levantou-se da cadeira, virou-se e saiu. Seu
pessoal saiu atrás dele.
Ela caiu contra a mesa. — Bem, isso acabou bem.
— Nós deveríamos envenená-lo, —disse Savannah.
— Por que você sempre quer envenenar as pessoas? —
Dugas perguntou a ela.
— Eu não quero envenenar as pessoas. Quero
envenenar o d’Ambray.
— Ele vai repensar, —disse Elara. — D’Ambray está sob
muita pressão, por causa dessa paliçada. Está tentando
descobrir como nos manter a salvo de um inimigo que ele
não entende e isso está o roendo.
Todos os três olharam para ela.
— Está me roendo também, —disse ela. — Vamos
reforçar nossas Proteções.
— Já fizemos.
— Vamos fazer de novo.
Savannah assentiu e ela e Dugas foram embora.
Elara virou-se para Johanna. — Encontrou algo?
— O guerreiro é humano, —sinalizou a bruxa loira.
— Tem certeza?
— Noventa por cento. Fiz tudo o que posso, mas a
impressão é muito fraca. Mas humano é a única coisa que
faz sentido.
Seria muito mais fácil se o homem de armadura fosse
uma criatura. Pode-se criar uma Proteção para barrar uma
criatura. Pode-se pesquisar e explorar suas fraquezas. Mas
um humano ... Isso era muito pior. O castelo e a cidade
estavam cheios de humanos magicamente poderosos. Ela
não podia proteger todos.
Elara suspirou. A ironia do insulto adorável de Hugh era
que ele estava certo. Ela precisava transar. Poderia usar um
bom orgasmo como um consolo.
— Me dê um pouco dessa terra, —ela sinalizou.
Johanna colocou um pequeno tubo de ensaio na mão.
— Eu vou dar uma olhada nisso. Talvez eu possa ver
alguma coisa.
Quando se tratava de pesquisa, Savannah era mais
instruída que ela e Johanna era mais talentosa. Mas Elara
tinha que tentar.
Elara pegou seu tubo de ensaio e saiu da sala.
Hugh era um idiota teimoso. O problema dos idiotas
teimosos é que, uma vez que colocavam algo na cabeça,
iam até o fim, que se danasse a lógica e o pensamento
racional.
Elara não podia deixar as coisas ficarem como ficaram
na reunião. Ela tinha que falar com ele sobre isso. Se não
fizesse, ele poderia atacar a delegação do Bando amanhã e
arruinar um acordo comercial cuidadosamente construído
no qual passou meses trabalhando.
Elara atravessou o primeiro lance de escada, quando
ouviu passos leves correndo. Um momento depois, Stoyan
contornou o patamar.
Ele a viu e parou. — Senhora.
— Ele está lá em cima? —Ela perguntou.
— Não.
— Onde ele está?
Stoyan abriu a boca.
— Stoyan, —ela avisou. — Onde ele está?
— Ele saiu.
— Em que direção?
— Ele precisa de ... espaço, —disse Stoyan.
O que d’Ambray precisava era de um golpe duro na
cabeça e um transplante de personalidade.
Johanna saiu do corredor e acenou para eles. — Olá.
O olhar de Stoyan a encarou por meio segundo a mais.
Bem. Isso foi interessante.
— Stoyan, para onde ele foi? Eu vou descobrir de
qualquer maneira. Seu Preceptor não vai escapar, mas você
me pouparia alguns minutos.
— Ele foi até o ferreiro Radion, —disse Stoyan.
— Obrigada.
Elara colocou o tubo no bolso do vestido e desceu as
escadas correndo.

********
Elara saiu fora dos portões. A comunidade ficava atrás do
castelo de Baile, abraçando a margem do lago em uma
forma irregular de lua crescente. A ferraria de Radion estava
na extremidade leste da comunidade. Uma estrada
bifurcada se estendia diante dela. Hugh tinha duas opções.
Ele podia ter virado à direita na bifurcação do caminho,
contornar o castelo e seguir pela rua Sage para o leste, o
que o faria passar próximo as lojas e casas. Ou poderia
seguir em linha reta e caminhar pelo Herbário, um trecho de
bosques cuidadosamente administrado que abraçava o lado
norte da cidade e era usado para o cultivo de ervas
medicinais.
Para onde iria um homem furioso e de mau humor? Não
era difícil descobrir.
Ela decidiu e caminhou rapidamente pelo caminho
através do Herbário. Um, dois, três, quatro …
Hugh andava no caminho de paralelepípedos. Ele
estava sem uniforme, vestido em jeans gasto e desbotado e
calçando botas pretas. Os ombros largos esticavam o tecido
de uma camiseta branca, solta em volta da cintura. Cedric,
o cachorro grande que ele curou, corria ao seu lado, com a
língua de fora. Desse ângulo, Hugh quase parecia um cara
normal passeando com o seu adorado cão.
Isso era tão estranho, Elara pensou. Por todos os
direitos, Hugh d'Ambray era um ser humano desprezível,
mas por alguma razão os cães gostavam instantaneamente
dele. Cavalos também. Bucky praticamente era tomado de
alegria todas as manhãs quando Hugh iam escová-lo e
cuidar dos cascos dele.
Supôs que algumas mulheres também gostavam dele.
Cedric olhou para ela por cima do ombro. Elara correu
para alcançá-los, sem fazer nenhum esforço para se mover
em silêncio. Cedric trotou até ela. Ela o acariciou.
— Você é louco se acha que ele será um bom cão de
guerra. Seus filhotes serão como ele, patetas.
Hugh a ignorou.
Elara caminhou ao lado dele. Árvores altas estendiam a
copa sobre eles, afastadas o suficiente para deixar passar
alguns raios isolados do sol. O mato ao redor de suas raízes
se foi. Em vez disso, plantações de ervas cuidadosamente
cultivadas coloriam o chão dos dois lados do caminho. As
99 100
plantas eram nativas e estrangeiras: sálvia , artemísia ,
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banana nanica, ginseng , botão-de-ouro , erva-de-são-
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cristovão e muito mais. Estar aqui acalmava os nervos
de qualquer um, e ela frequentemente percorria esse
caminho. Mais ainda desde que Hugh chegou. Elara
precisava de muita calma nos dias de hoje.
— Como posso me livrar de você? —Perguntou Hugh.
— Se divorcie.
— Assim que eu puder, —ele jurou.
Elara deixou que ele tivesse um minuto de silêncio. —
Conte-me.
Ele deu a ela um olhar pensativo.
— Conte-me sobre Lennart e por que o odeia.
Exasperação estendeu o rosto. Ele olhou para cima,
como se procurasse o céu.
— Nosso casamento é uma farsa, mas nossa aliança não
é, —disse ela. — Precisamos um do outro. Quando as
pessoas olham para você, elas veem um carniceiro
assassino que traiu seus aliados. Quando olham para mim,
veem uma abominação que lidera um culto e se alimenta de
sacrifícios humanos. Mas agora estamos casados e de
repente todos nos veem como pessoas recém-casadas.
Assumem que deve haver algo que eu vi em você, alguma
qualidade redentora que me fez amá-lo e casar com você.
Quando olham para mim, veem uma mulher casada.
Certamente, eu não poderia ser tão abominável.
— Ou eu não teria casado com você, —ele terminou.
— Sim. Portas que estavam fechadas anteriormente
estão começando a abrir. O cara da Guarda Vermelha
aceitou conversar com a gente depois de nos ignorar há
meses. Os xerifes do condado pensam que somos um casal
adorável. Explique o problema com o Bando, para que eu
entenda.
— Não.
— Não estou pedindo seus pensamentos e segredos.
Apenas os fatos. Eu os descobrirei de qualquer maneira. Em
outros tempos, pegaria essas informações e exploraria
como fraquezas suas, mas agora eu só quero que os nossos
negócios com o Bando continuem bem. Trabalhei muito duro
para isso. Enfrentei uma batalha de licitação por três meses,
quatro viagens ao Bando para conquistá-los, quase dez mil
em ervas extras plantadas.
— Você foi até o Bando para conquistá-los?
Ela riu. — Por que? Sou uma mulher doce e
encantadora.
Ele deu a ela um olhar sombrio. — Seu povo come na
sua mão.
— Eles são meu povo e eu os amo. Provaram sua
lealdade além de qualquer coisa que eu tivesse o direito de
pedir. Não há limite para o quão baixo afundarei para
mantê-los seguros.
— Escolha interessante de palavras.
Ela o encarou. — Se for preciso. Farei qualquer coisa por
eles.
— Bom. —Seu sorriso era como a lâmina de uma faca.
— Usarei isso contra você mais tarde.
Ela revirou os olhos. — Estou com tanto medo. Vou ter
que encontrar alguém para foder imediatamente, só assim
posso me manter calma. Diga-me, como tudo isso
começou?
Ele não respondeu. Ela caminhou ao lado dele.
— Roland descobriu que tinha uma filha, —disse Hugh.
— Fiquei sabendo dessa história, —disse ela. — O mago
imortal acordou depois de hibernar através dos séculos da
tecnologia, pouco antes da Mudança. Ele começou a
reconstruir seu império a partir das ruínas do nosso mundo
moderno. Reuniu necromantes e os transformou na Nação.
Construiu um exército e estabeleceu um Senhor da Guerra
para liderá-los. E ele jurou não ter mais filhos e isso eu não
sei o porquê.
— Os filhos de Roland sempre se voltaram contra ele, —
disse Hugh.
Assim como você? Talvez Hugh tenha se voltado contra
Roland. Talvez não. Havia algo melancólico na maneira
como ele dizia o nome de Roland.
— Ele se apaixonou, apesar de tudo, —continuou Elara.
— E teve uma filha, mas sua esposa fugiu.
— Ele tentou matar a criança no útero da mãe, —disse
Hugh.
Ela parou e olhou para ele. — O que?
— Não deu certo. Daniels é difícil de matar.
Elara se recuperou. — E então sua mãe a levou e fugiu
com o Senhor da Guerra de Roland.
— O homem que me criou, —disse Hugh.
— O Senhor da Guerra?
— Sim. O nome dele era Voron. Ele me treinou desde
que me encontraram na França. Então Kalina, a mãe de
Daniels, decidiu que precisava da ajuda dele, e tudo
acabou. Um dia ele simplesmente se foi. Esse era o poder
dela. Se ela quisesse, poderia fazer qualquer um amá-la.
Então, seu pai adotivo o abandonou para fugir com a
esposa de seu chefe e a filha deles. Isso tinha que doer.
— A fuga não durou, —disse Hugh. — Roland os
localizou eventualmente e matou Kalina. Voron escapou
com a criança. Eu pensei que Voron voltaria depois que a
magia de Kalina desaparecesse, mas ele nunca voltou.
— Depois que Voron foi embora, o que aconteceu com
você?
— Eu me tornei o Senhor da Guerra. Mais tarde, Roland
descobriu que sua filha havia sobrevivido.
— Como?
Hugh deu de ombros. — Ela começou a usar sua magia.
Daniels não é o tipo sutil de pessoa. Eu poderia tê-la levado
para ele, mas ele queria que ela o procurasse
voluntariamente, o que era muito mais complicado. A essa
altura, Daniels havia decidido que Curran Lennart era o seu
companheiro. Enquanto eles estivessem juntos, dentro da
Fortaleza da Bando, eu não conseguiria fazer nenhum
progresso. Precisava que eles saíssem de lá.
Hugh estava descrevendo isso de maneira natural, em
uma voz desapegada.
— Você os atraiu para fora da Fortaleza? —Ela
adivinhou.
— Sim.
— Como?
— Panaceia. Eu queria que eles se distanciassem o
máximo possível da Fortaleza, então fui para a Europa, para
o Mar Negro. Eu tinha um castelo lá, uma base tranquila
para operações no Oriente Médio. Existem muitas potências
antigas na Arábia. Melhor ficar fora do caminho deles e
escolher algum lugar nos arredores.
— Lennart e Daniels foram?
Hugh assentiu.
— Como foi conhecê-la? —Elara perguntou. — Como ela
é?
— Você queria apenas os fatos, lembra?
— Você conseguiu convencê-la?
— Não. Nós duelamos uma vez. Espadas.
— Ela é boa?
— Sim.
— Melhor que você?
— Mais rápida. Voron ensinou a nós dois. Foi como lutar
contra mim mesmo. Ela é uma assassina. Se tirar a espada
dela, usará uma pedra. Se tirar a pedra, matará com as
próprias mãos. Daniels mira e não solta até tudo acabar.
Admiração reprimida escorregou em suas palavras.
Elara sentiu um aperto desconfortável.
— Além da luta contra Voron, provavelmente foi a minha
melhor luta, —disse ele.
— Você lutou com Voron?
— Eu o matei.
Ela olhou para ele. — Por quê?
— Roland o queria morto.
Então, seu segundo pai adotivo ordenou que ele
matasse seu primeiro pai adotivo. E ele obedeceu. Ou ele
era realmente um monstro ou ...
— Doeu quando você o matou?
— Ele não estava exatamente no auge. —Hugh sorriu,
mas seus olhos não. Doeu, ela percebeu. Doeu e ainda o
assombrava.
— Voron estava ligado a Roland da mesma maneira que
eu, —disse ele.
— Como?
— Roland tirou o sangue do meu corpo, misturou com o
dele e colocou de volta.
Ela olhou para ele. — Como isso é possível?
— A magia de Roland é antiga. Ele é capaz de
maravilhas. O sangue traz consigo certos poderes. Armas de
sangue. Proteções de sangue. Longa vida. A cura é a minha
própria magia. Eu nasci com esse dom. E algumas coisas
que aprendi como qualquer outro mago podem aprender.
Mas os poderes do sangue vêm de Roland. Quando Roland
matou sua esposa, ele esperava que Voron voltasse. Todos
nós esperávamos. Quando ele não voltou, Roland o
expurgou da maneira que ele me expurgou.
— O que isso significa? —Ela perguntou.
— Quando eu encontrei Voron, ele era um homem velho.
Ele envelheceu. Não podia mais fazer uma espada de
sangue. Ele não podia usar magia. Ainda tinha suas
habilidades, mas seu corpo o traiu. Esperei muito tempo
para encontrá-lo. Havia algumas coisas que eu queria
perguntá-lo. Mas ele não quis falar comigo, e eu o matei
rapidamente, porque doía olhar para ele.
É isso o que aconteceria com Hugh? — Você não
envelhecerá?
Ele sorriu para ela. — Dei-me tempo.
Eles andaram um pouco mais.
— Eu sabia como aquela maldita viagem ao Mar Negro
terminaria desde o início, —disse Hugh. — Violência, magia
e fogo. Um poder antigo se envolveu e abriu a montanha
sob o castelo para liberar a magia de um vulcão
adormecido. Derreteu o castelo de dentro para fora. Pedra
sólida corria como um rio brilhante. Bonito, de certa forma.
— O que aconteceu?
— Eu sabia que tinha que matar Lennart, ou Daniels
nunca o abandonaria. Lutamos. Quebrei as pernas dele. Ele
quebrou minha coluna e me jogou no fogo. A coisa toda foi
uma grande estupidez.
Fogo vulcânico alimentado por magia que derreteu
pedra. Ele deveria ter sido queimado instantaneamente. —
Como você sobreviveu?
— Eu me teletransportei para fora. Tinha uma âncora de
água em um frasco em volta do meu pescoço. Não havia
muito de mim. Roland me colocou dentro de um ovo de
fênix por três meses. Levei mais dois para recuperar minhas
forças.
Ele passou três meses com dores excruciantes. E
contava isso casualmente, como se não fosse nada.
— Se não fosse Lennart, eu poderia tê-la convencido.
Daniels hesitou.
— Não acho que ela hesitou.

********
Hugh virou-se para ela. Não queria ter começado a
falar sobre isso em primeiro lugar, mas de alguma forma
Elara conseguiu arrancar essa história dele, uma vez que
agora começou a falar, não podia parar.
O vazio estava rasgando-o, mas ele ainda falou.
— Você disse que ela era uma assassina, —disse Elara.
— Uma órfã. O verdadeiro pai dela era um mistério. O pai
adotivo a fez se esconder.
— Onde quer chegar? —Ele perguntou.
Elara inclinou a cabeça para olhar para o rosto dele. —
Roland cuidou de suas necessidades. Provavelmente te
ensinou, certo? Forneceu-lhe dinheiro? Você era o braço
direito dele.
— Tudo o que eu tinha, foi conquistado, —disse Hugh. —
Eu trabalhei e sangrei por isso. Tudo o que ele pediu, eu fiz.
Não importa quanto custou.
Daniels foi o único grande fracasso de Hugh. Ele nunca
podia imaginar que não lhe seria permitido fracassar
nenhuma vez.
— Mas você sempre teve o que desejou, não foi?
— E daí?
— Daniels era uma órfã, vivendo em fuga,
provavelmente com fome, miserável, sem poder confiar em
ninguém. Você era exatamente como ela, mas depois que
foi adotado teve tudo, e ela continuou não tendo nada.
Hugh, você é um homem astuto e experiente. Coloque-se
no lugar de Daniels. Vocês dois foram treinados por Voron.
Viveram suas vidas na sombra de Roland. Você o adorava, e
ela o temia. De todas as pessoas neste planeta, vocês dois
são os únicos que realmente sabem como é ser filho de
Roland.
— Exceto que eu não sou filho dele.
Daniels odiava o pai. Ela lutava com Roland a cada
passo, enquanto ele passou décadas o servindo. Mas
Daniels era sua filha de sangue e isso importava mais para
Roland do que qualquer coisa que Hugh fizera. Como uma
criança pródiga, quando Daniels foi encontrada, sem ela
mesmo querer, eclipsou as décadas de seus serviços
simplesmente porque era filha de Roland e ele nunca seria
seu filho.
— Tente pensar como ela por um momento, —disse
Elara. — Você conheceu o pai dela de um jeito que ela
nunca conheceu. Você conheceu Voron e provavelmente o
teve por mais tempo do que ela. Vocês têm muito em
comum. Então você matou Voron, a quem ela amava,
tentou matar Lennart, a quem ela ama, e depois tentou
forçá-la a voltar para o pai que ela odeia, mesmo que você,
de todas as pessoas, soubesse exatamente o que a
esperava lá. A traição seria catastrófica.
Hugh sentiu um vago desconforto. O vazio girou em
torno dele, tornando mais difícil pensar. Ele empurrou para o
lado e focou. Uma lembrança veio em sua mente: Daniels e
ele duelando no castelo no Mar Negro. Ela venceu a luta e o
prendeu entre a espada dela e a parede. Ele teve que se
render e disse ‘Acabou’. Mas havia uma dica de algo lá,
quando eles duelaram. Raiva derramou fora dela, poderosa
e sedutora. Aquela raiva fervente em brasa. Isso o excitou.
Ele queria continuar lutando com ela. Não teria parado até
que um deles estivesse morto, e ela sabia disso.
Lembrou-se da expressão no rosto dela. Daniels parecia
horrorizada diante da excitação descarada de Hugh. E então
ela quase fugiu.
A lembrança o perturbou. Ele procurou a velha conexão
com Roland, aquela sensação de segurança que esclarecia
todas as suas dúvidas, mas não estava lá. Ele estava
sozinho.
Hugh trancou os dentes, examinando suas memórias,
passando pelas expressões faciais de Daniels. Lembrou-se
melhor da última, quando a fez passar fome, tentando
forçá-la a se submeter ao pai. Ela tinha esse olhar de
resignação em seu rosto, como se tivesse desistido de
convencê-lo a algo.
Ela nunca o viu como homem. Nunca esteve interessada
nele, ele sabia disso desde o início. Ele era uma extensão de
Roland ou ...
A realidade o atingiu como uma tonelada de tijolos.
Daniels o via como um irmão. Ela provavelmente nem
percebeu o interesse dele nela.
Em algum nível, Hugh sempre soube. Não era a mulher
que ele queria. Era o que Daniels representava. Ele queria a
aceitação dela. Queria que Roland admitisse o quão bom ele
era. Hugh tentou seduzi-la só para esfregar sua conquista
no rosto de Roland. De um jeito ou de outro, o bastardo
tinha que reconhecer o seu valor.
Reconhecimento. Tão simples.
No Mar Negro, Lennart havia precisado fingir estar
interessado em outra mulher para proteger Daniels. Era
uma tática imbecil, que sempre saía pela culatra, mas Hugh
se aproveitou e foi preciso muito trabalho para forçar
Lennart a continuar fingindo. Hugh gostou muito de vê-lo
sofrer na época. Parecia estranho, quando Hugh pensava
nisso agora, como se tivesse acontecido com outra pessoa.
Daniels estava desesperada. Isso a deixou vulnerável.
Como diabos ele calculou tão mal? Agora era
dolorosamente óbvio.
— Eu deveria ter interpretado o papel de irmão. —Ele
não percebeu que havia falado em voz alta até ouvir sua
própria voz.
— Usar o apelo ‘volte para a sua verdadeira família?’ —
Elara perguntou.
Ele assentiu. — Teria sido muito mais fácil também:
‘Veja, Daniels tudo o que sacrificou por Lennart, e aqui está
ele, farejando a primeira atraente metamorfa que sacudiu
os cílios para ele. Você não pertence a eles, mas pertence a
nós. Nós somos sua verdadeira família. Ele nunca vai
entendê-la, mas nós vamos. Eu vou. Eu sei exatamente
como é. Venha comigo, e terá um pai e um irmão que a
amam acima de todos os outros.’ Eu poderia tê-la
convencido.
Elara não disse nada.
— Por que diabos eu não vi esse caminho?
— Porque você queria algo dela, Hugh, —disse Elara,
sua voz suave. — E isso te fez cego. O que você queria?
— Não importa agora.
Ele queria reconhecimento. Se não estava vindo de
Roland, então teria que vir dela. Ele nunca teria isso agora,
e quando pensava sobre isso, a bola de neve conflitante que
esses pensamentos arrastavam em seu rastro era muito
complicada para lidar.
— Eu deveria me preocupar com Daniels vindo aqui
para te matar? —Elara perguntou. — Se eu fosse ela, te
caçaria até os confins da Terra.
Hugh lutou por um momento com o paradoxo de ter
alguém se preocupando com ele. — Não. As mãos dela
estão atadas. Daniels reivindicou Atlanta como seu território
na noite em que Roland me exilou. Se ela sair, ele atacará.
— Então ela sacrificou a vingança por seu povo.
— É assim que ela é.
— Você ainda a quer?
Elara fez a pergunta muito casualmente, perfeitamente
neutra. Hugh olhou para ela.
Ela olhou para a estrada à frente, com o rosto relaxado,
mas era tarde demais. Ele captou uma pequena nota de
ciúmes feminino na voz dela.
A Rainha intocável do castelo. As maravilhas nunca
cessariam?
Elara virou-se para ele. — Hugh? O que eu quis dizer é
se você vai se vigar dela se tiver uma chance.
Claro que quis. Você não deveria ter mostrado sua mão,
amor.
— Não importa agora. Está no passado.
— É isso? Roland está no passado?
O vazio abriu a boca e o engoliu inteiro. Por um
momento ele nem conseguiu falar, então a força que o
levava à batalha ergueu sua cabeça e ele se libertou.
Ela estava esperando por uma resposta.
Perceptiva e inteligente, sua perigosa harpia. Sua
adorável esposa. Elara sentia algo por ele. Havia uma faísca
lá. Tudo o que Hugh precisava fazer era soprar e alimentar
essa faísca, e ele a pegaria. A julgar pelo fogo que eram as
suas brigas, algo mais entre eles seria um inferno de um
bom tempo.
— Roland não importa mais, —ele mentiu.
— Se Roland e Daniels não importam, o Bando também
não.
A floresta terminou. Eles viraram a rua em direção ao
ferreiro.
— Seu esforço para me impedir de estragar seus
negócios com o Bando é admirável. Tenho que reconhecer,
você realmente tentou. Bom show.
Ela sorriu largamente para ele. — Se você brigar com o
Bando amanhã, vou te matar e te enterrar naqueles
canteiros de ervas lá atrás.
— Essa é minha doce harpia. Vamos, deixe-me ver essas
garras.
— Estou falando sério, Hugh.
— Agora é Hugh? Não é Preceptor?
Ela olhou para ele. — Vou voltar a chamá-lo de
Preceptor quando terminar suas birras infantis.
Ele riu.
Elara olhou nos olhos dele, seu olhar procurando. — Pelo
o que você luta, Hugh d'Ambray? —Ela perguntou.
Ele procurou por uma falsa resposta. Isso o iludiu por
um momento. — Diversão e mulheres disponíveis.
Elara revirou os olhos e olhou para o ferreiro. — O que
estamos fazendo aqui, afinal?
Ele enfiou a mão no bolso e tirou o desenho do guerreiro
de armadura. — Vamos perguntar ao seu melhor ferreiro se
ele consegue replicar o padrão das escamas dessa
armadura.
Ele já sabia a resposta, mas queria confirmação de
qualquer maneira.
Ela suspirou.
— Vamos, esposa. Faça uma cara feliz.
— Ugh. —Ela estendeu a mão e deslizou os dedos na
dobra do cotovelo.
— Bom Deus, controle-se, mulher. Nós estamos em
público. Pelo menos espere até estarmos no quarto.
— Do seu cadáver enterrado irá brotar um adorável
botão-de-ouro.
Ele riu de novo e a acompanhou até a ferraria.

********
Hugh parou na frente da janela do quarto, encostado
no peitoril da janela. A noite respirou em seu rosto, fresca e
suave após o calor do dia. O início de outubro estava
surpreendentemente quente. Ele deixou as janelas e porta
de seu quarto abertos, e a brisa noturna passava por ele em
direção a porta, pelo corredor e para as profundezas do
castelo.
As coisas costumavam ser simples. Muito simples.
Ele era um homem que matou seu primeiro pai adotivo,
falhou com o seu segundo pai e deixou um rastro de
destruição pelos quatros continentes que passou. Quando
olhava para trás, via corpos, mas isso nunca o incomodou
antes. Sentia uma vaga pontada de culpa, mas nunca sentiu
o que estava sentido agora.
Aquele sentimento de desprezo com as coisas que fazia
não era natural dele. Essa era a única explicação. Se ele
estava sentido toda essa merda agora, deveria ter sido
capaz de sentir quando estava sob o comando de Roland.
Ele deveria ter se incomodado com tudo que fez por Roland.
A capacidade de sentir foi apagada dele e não foi ele quem
apagou.
Um desejo absurdo de encontrar Nez tomou conta dele.
Será que o Legatus se sentia assim? Será que Nez tem mais
liberdade do que ele teve? Será que é permitido a Nez sentir
culpa?
Pelo o que você luta, Hugh?
Foda-se se eu sei.
Ele queria beber hoje à noite. Mais nada. Queria ficar
bêbado e esquecer tudo.
Ouviu passos atrás dele. — Você chamou? —Perguntou
Lamar.
— Entre.
O homem alto e magro aproximou-se e encostou-se na
mesa.
— Diga-me o que aconteceu depois do meu exílio.
— Eu pensei que não queria saber.
— Quero agora.
Lamar tirou um pequeno pedaço de tecido, tirou os
óculos do rosto e limpou as lentes com o tecido. — Na
mesma noite em que Roland o exilou, ele foi para Atlanta.
Houve uma negociação. Lennart desistiu do Bando. Em
troca, Roland concordou em cem anos de paz com Daniels.
— Ele a separou de sua base de poder.
— Sim. Depois que eu fui embora, ele começou a
exterminação sistemática dos Cães de Ferro. Qualquer
pessoa leal a você se tornou um alvo.
— E Atlanta?
— Roland começou a cercar os limites da cidade.
— Estava provocando-a, —disse Hugh. — Ele não
conseguiria se manter longe.
— Por um tempo Roland foi o pai do ano, mas Daniels
nunca confiou nele. Finalmente, ele sequestrou uma das
pessoas dela, um polimorfo chamado Saiman. Ela foi visitar
Roland no forte que ele estava construindo e exigiu que ele
devolvesse Saiman. Ele recusou. Eles gritaram um com o
outro na linguagem do poder. Ela o chamou de usurpador.
Stoyan estava lá na cruz. Ele não entendeu a maior parte do
que eles falaram, mas disse que o dia estava claro e
ensolarado quando ela chegou e, no final, o céu estava
negro e os raios atingiram o chão. Quando terminaram, ela
quebrou a cruz de Stoyan, o soltou e o carregou para fora
dali.
Parecia algo que Daniels faria. Sutil como um trator em
fuga.
— Ela também te defendeu, —disse Lamar.
Hugh virou-se para ele.
— Você disse que queria saber. Stoyan memorizou essa
parte e escreveu. Ele pensou que você gostaria de saber um
dia. —Lamar enfiou a mão no bolso e tirou um pedaço de
papel.
— Leia para mim.
 

‘Você era tudo para ele. Hugh


cometeu todo o tipo de atrocidade para
você, e você o desnudou de seu amor, a
coisa com a qual ele mais se
importava.’
‘Hugh viveu mais do que merecia. Se
não fosse por mim, teria vivido de maneira
simples, acabou se tonando o meu Senhor
da Guerra.’
Um simplório. Era assim que ele me via. E ela entendeu.
‘Você o arrancou da rua. Ele foi
criado exatamente para ser o que você
queria que ele fosse.’
‘Ele era como uma estrela caída, um
meteoro brilhante. Eu o derreti e o forjei em
uma espada. Você está certa, não é
realmente culpa dele, mas o fato
permanece, o mundo está se tornando mais
complexo, não menos. Algumas espadas
devem ser forjadas apenas uma vez. E
então é melhor forjar uma nova em seu
lugar.’
 

O vazio virou fogo ao seu redor.


Eu sou uma espada uma arma. Certo. Mas você me
transformou em uma espada muito afiada e eu sei como
cortá-lo.
Lamar deu um passo para trás e engoliu. — Você está
bem?
— O que aconteceu depois?
— Roland invadiu com um exército. Não foi com o seu
exército principal, ele usou as divisões secundárias que
estavam espalhadas ou redor daquela região. Daniels tomou
a Nação de Atlanta.
— Claro que ela fez. Ghastek é o Legatus dela?
— Sim. Como você …?
— Ghastek tem pavor da morte e Daniels pode conceder
imortalidade, —disse Hugh. — O que aconteceu com a
batalha?
— Eles brigaram. Roland atacou a Fortaleza. Foi o
ataque mais malfeito conhecido pela humanidade.
— Não me diga que ele formou suas tropas e
simplesmente as marchou para a Fortaleza.
— Fez exatamente isso.
Imbecil.
A palavra cortou seus nervos como uma lâmina em
brasa. Acabou de chamar Roland de imbecil em sua cabeça.
A dor ecoou através dele, mas o mundo continuou girando.
— As forças combinadas de Atlanta massacraram o
exército de Roland, —disse Lamar. Daniels e Lennart
tentaram matá-lo. E ele fugiu.
Seu cérebro capturou as palavras tentando entendê-las.
— Ele fugiu?
— Sim, fugiu. —Lamar sorriu. — Teletransportou-se para
fora.
Uma chance. Daniels teve uma chance de matar Roland.
Sua mente doía, se recuperando da dor em brasa.
— Daniels está grávida, —disse Lamar em voz baixa.
— É de Lennart? —Ele já sabia a resposta.
— Eles são casados e ela não parece ser do tipo que
trai.
— O maior medo de Roland, —pensou Hugh em voz alta.
— Por quê? —Perguntou Lamar.
— A magia de Roland é como uma ciência. É
sistemática, é lógica e tem leis. Ela suporta todos os pilares
do método científico: a observação, quantificação,
experimentação, conclusão e formação de teoria. Ele vê isso
como uma forma de sofisticar e civilizar a magia. O poder
dos metamorfos é antiga e selvagem. Depende do instinto.
Isso antecede a abordagem sistemática de Roland. Ele o
despreza como primitivo, mas ele teme e se sente atraído
porque não entende. Roland é fascinado por bruxas. A filha
dele é metade bruxa e agora ela concebeu um filho
metamorfo.
O entendimento brilhou nos olhos de Lamar. — Ele teme
que o neto o supere.
Hugh assentiu. — Roland fará qualquer coisa para pôr
as mãos nesse garoto. Só que ele está mirando na geração
errada. Não é com o bebê que Roland precisa se preocupar.
É com a mãe do bebê.
— O que isso significa para nós ... —Lamar franziu a
testa.
— Minha esposa nos aliou ao Bando. O Bando é aliado
de Daniels. Isso nos move da posição de ‘Diversões Pessoais
de Nez’ para ‘Inimigo enfraquecido de Roland.’ Temos duas
opções: podemos romper toda as relações com o Bando ou
podemos nos declarar abertamente seus aliados.
Lamar esfregou a parte de trás da cabeça. — O
momento pede para escolher o inimigo.
— Trair o Bando nos dará mais tempo. —E tornará a sua
relação com Elara insustentável. — Ficar contra Roland
agora complicará as coisas. Amanhã o pessoal do Bando
está chegando. Nez nos forçará a tomar uma decisão. É
assim que ele pensa.
— O que você quer que eu faça? —Perguntou Lamar.
— Sua Companhia estará com o turno amanhã.
— Sim.
— Vamos fazer uma repetição de Fort Smith.
Lamar piscou. — Certo. Quantos você quer no castelo?
— Dê-me vinte e cinco.
— Vai dar. —Lamar sorriu. — Bale esta com o turno da
noite. Isso vai matá-lo.
— Ele vai sobreviver. Isso é tudo, —disse Hugh.
Lamar assentiu, caminhou até a porta e se virou. —
Preceptor?
— Sim?
— Se Roland o quiser de volta, o que vai fazer?
Estar de volta à luz da magia novamente. Tudo
perdoado. Todas as dúvidas esquecidas. Ter a aprovação de
Roland era como entrar na luz do sol depois de uma noite
fria e interminável. Ele ansiava por isso como uma droga.
— Eu não sei, —disse ele.
Lamar assentiu e saiu.
 

Oito
O sol da manhã brilhava através dos arcos abertos
da passarela. A ponte curta entre duas torres tinha um
telhado, mas sem janelas. Em vez disso, grandes arcos
foram cortados em suas paredes, abertos ao vento e ao sol.
Elara passou pela ponte. Ela gostava daqui, acima do
castelo, longe do trabalho e das obrigações. Mas olhar
através dos arcos as vezes sentia um leve arrepio de
alarme. Sentiu esse alarme agora, parou, olhou por alguns
segundos torturantes o chão bem abaixo dela.
Era uma longa queda.
Devagar, deliberadamente, Elara deu um passo atrás
para a segurança da ponte. Sentiu um alívio familiar. Ela
sorriu. Precisava disso depois da noite passada. Seis horas
de pesquisa e predição e não descobriu nada.
Também teve tempo de sobra para odiar mais um pouco
Hugh d'Ambray. Ontem, na ferraria, ele foi insuportável. Pelo
menos descobriram uma coisa útil: Radion não conseguia
replicar o padrão das escamas da armadura e não conhecia
ninguém que pudesse.
Rook emergiu da outra torre, movendo-se rapidamente.
— O que foi?
Ele enfiou a mão no bolso, tirou uma pequena esfera de
vidro e a rolou na direção dela. Com a magia em alta, ele
não precisava de papel.
A pequena esfera de vidro parou aos seus pés e a
imagem de Hugh, balançando sua espada, saiu projetado de
dentro da esfera.
Ela pulou para trás por puro instinto, mas não rápido o
suficiente. A espada passou por ela e a atravessou
inofensivamente, porque a projeção era apenas a memória
de Rook.
Na imagem, Elara pôde ver Hugh torcendo-se como um
tigre selvagem e atacando repetidamente, rápido, afiado,
afundando tanta força e velocidade em seus movimentos
que cortariam pela metade qualquer um que estivesse em
seu caminho. O poder bruto, temperado pela habilidade, era
hipnotizante. Ele não estava vestindo uniforme ou
armadura. Usava uma camiseta, calça escura e botas. Não
estava realmente lutando com alguém. Estava treinando,
mas definitivamente não era um treino de rotina. Algum
demônio interior prendeu Hugh e o levou a um frenesi
controlado, porém devastador.
Ele era estranhamente bonito, da maneira que os
atletas parecem ser seres superiores enquanto empurram
seus corpos ao limite. Ainda não parecia ter se recuperado
totalmente do período que passou fome, mas seu corpo era
um exemplo do que um corpo humano poderia fazer. A
maneira como o sol refletia na lâmina de sua espada
adicionava um toque quase místico a ela, como se todo
esse esforço não fosse somente um treino, mas um
sacrifício de suor e habilidade a algum deus cruel da guerra.
No sol? Treinando? Ao ar livre?
Você ... seu bastardo. — Onde ele está?
Rook apontou para baixo. Ela se inclinou para fora do
arco mais próximo.
Hugh girava abaixo, golpeando e cortando oponentes
invisíveis. Ao lado dele, cerca de vinte pessoas estavam
fazendo a mesma coisa, algumas emparelhadas em lutas
práticas, outras sozinhas, fazendo os exercícios. No pátio
principal. Bem na frente dos portões.
Rook levantou a mão. Ela olhou na direção dos dedos
dele. Seis cavaleiros subindo a estrada. A delegação do
Bando. Eles iriam direto para o meio da onda de
treinamento de Hugh.
Maldito homem.
Elara virou-se e correu para a torre.
Saiu da torre em direção ao patamar no momento em
que os representantes do Bando cavalgavam até os portões.
Dugas já estava lá, assistindo.
Hugh não mostrava sinais de diminuir o ritmo. Tinha
pelo menos duas dúzias de soldado treinando com ele e
ordenou que os cavalos fossem trazidos do estábulo
também. Os animais aguardavam ao lado, já selados e
amarrados ao corrimão na parede. No meio dos outros
cavalos, Bucky se destacava com os seus pêlos prateados e
o seu grande porte.
— O que ele está fazendo? —Ela resmungou.
— Não ficando no quarto dele como você ordenou, —
disse Dugas. — Suponho que o homem não gosta de ficar
de castigo.
O primeiro cavaleiro entrou pelos portões. Ele era
surpreendentemente jovem, talvez dezoito anos, cabelos
escuros, olhos escuros e surpreendentemente bonito. Ele
viu Hugh. Um brilho vermelho rolou sobre seus olhos.
Ela suspirou. Não havia como impedir isso.
Atrás dele, o segundo cavaleiro viu Hugh e parou.
O primeiro cavaleiro disse alguma coisa e foi em direção
a Hugh, lentamente.
Dugas virou-se para ela.
— Se eu descer lá agora e me colocar dramaticamente
entre ele e Hugh, isso destruirá a credibilidade de Hugh e
me fará parecer uma idiota.
— Sim, —disse Dugas.
Elara lançou um sorriso no rosto. — Então eu vou andar
devagar até lá e torcer que eles não se matem. —Ela cruzou
os dedos e desceu os degraus.
O garoto chegou primeiro do que ela.
Hugh abaixou o braço com a espada, tirou um pedaço
de tecido do bolso, limpou a espada, a enfiou no porta-
armas e pegou um balde.
— Surpresa encontrá-lo aqui, —disse o garoto.
— Olá, —disse Elara. — Presumo que você é Ascanio
Ferara. Vejo que conhece meu marido.
— Sim, conheço. A última vez que nos encontramos, ele
me torturou, —disse Ascanio.
Ele o que? Isso poderia ficar pior?
— Você ainda está vivo, —disse Hugh. — Claramente,
não fiz o meu melhor. —Ele levantou o balde e derramou
água sobre a cabeça.
— Ele o torturou? —Ela perguntou.
— Ele estava chantageando minha amiga, forçando-a a
sair de uma jaula, para que pudesse levá-la ao pai dela, —
disse Ascanio. — Então ele me curou, só para depois me
quebrar, depois me curou novamente. Não me lembro
muito, mas ouvi histórias maravilhosas sobre isso. Seu
marido é um homem de muitas realizações.
Ah, não havia dúvida disso.
— Veja, o pessoal dele matou a alfa do meu Clã, ele
quebrou as pernas do Senhor das Feras, sequestrou a
companheira do Senhor das Feras, a jogou em um poço
cheio de água imunda dentro da prisão de seu pai e quase a
matou de fome. Estes são apenas os destaques. —O garoto
riu, uma gargalhada estranha.
Um bouda, Elara percebeu. Um metamorfo hiena. Eles
eram notoriamente rápidos, temperamentais e loucos. E
Hugh não mencionou o sequestro de Daniels. Manteve isso
para si mesmo.
Ela não podia acreditar que isso realmente a
incomodava.
Esses novos sentimentos precisavam parar, Elara
lembrou a si mesma. Arrancar as informações de Hugh era
apenar para entender seu inimigo, não alimentar
inseguranças.
Hugh olhou para o metamorfo, com o rosto um pouco
entediado. — Você vai fazer algo sobre isso?
— Hummm, deixe-me pensar ... —Ascanio se inclinou
para frente, seu rosto bonito assumindo uma expressão
ponderada. — Eu ataco você, você me mata, eu início uma
guerra, envergonho o Clã Bouda, e minha mãe nunca se
esquecerá disso enquanto viver. Sem mencionar que ela
ficaria triste. Tentador, mas não. Estou aqui para recuperar
as duas famílias e é exatamente isso que vou fazer. A
questão é: você fará algo a respeito?
Ela prendeu a respiração.
— Não, —disse Hugh. — Eles estão prontos para partir,
Elara?
— Sim, eles estão.
Hugh olhou para Ascanio. — Seu pessoal foi bem
tratado. Se chegar mais, serão tratados da mesma forma.
Nós os manteremos em segurança até vocês buscá-los.
O bouda apertou os olhos para Hugh. — Só isso?
— Isso. —Hugh deu as costas para Ascanio.
Elara sentiu vontade de se sentar. Em vez disso, sorriu
para Ascanio. — Precisa de provisões para a viagem de
volta?

********
Hugh esticou os ombros. O pequeno grupo de
metamorfos já havia atravessado cerca de dois terços do
caminho até o início da floresta. Eles estavam se movendo
lentamente, os pertences das duas famílias carregados em
duas carroças grandes. Planejavam pegar a linha Ley por
Aberdine. Na linha Ley, transfeririam os móveis e as roupas
para a plataforma de embarque, embarcaria e deixariam a
magia arrastá-los para o leste. Quando chegassem perto o
suficiente de Atlanta, provavelmente carregariam os
pertences em caminhões, mas as carroças agora eram uma
decisão prudente para a estrada que serpenteava pela
floresta. Qualquer caminhão que funcionasse com água
encantada faria barulho suficiente para acordar os mortos, e
Ferara claramente queria atravessar a floresta em silêncio.
Eles tinham apenas vinte quilômetros para percorrer e,
nessa ocasião, ser lento e silencioso seria a melhor escolha.
Uma mulher da comunidade veio buscar Elara quinze
minutos atrás. Algo sobre uma criança. Sua esposa mal-
humorada finalmente se convenceu que ele não faria nada
contra a caravana do Bando e foi embora.
As carroças avançavam mais devagar que melaço. Os
metamorfos estavam expostos como patos lá fora.
Perfeito.
Hugh subiu na sela de Bucky e foi até os portões. Os
vinte e cinco Cães a cavalo formaram uma coluna atrás
dele.
Dugas caminhou até ele. — Garoto interessante.
— Ele será o próximo alfa bouda.
E seria um dos bons. Ele se lembrou dos arquivos de
Raphael e Andrea Medrano, que administravam o Clã agora.
Na idade de Ferara e em circunstâncias semelhantes,
Raphael atacaria Hugh no momento em que o visse.
Boudas perdiam muitos filhos para o loupismo,
especialmente homens. Costumavam estragaram os
meninos sobreviventes além da razão. Que Ferara teve a
presença de espírito de deixar de lado o orgulho e a história
pessoal para preservar a aliança não foi nada menos que
um milagre. O garoto era astuto.
Seria prudente matá-lo agora, antes que ficasse mais
velho.
Dugas se aproximou dele. — O que pensa que vai fazer?
Atacá-los agora, depois de fazê-los achar que estavam
seguros?
Hugh se virou e sustentou o olhar do velho. — Afaste-se.
Dugas piscou e se afastou.
— Eles estão a cinquenta metros do início da floresta, —
Liz gritou de cima do muro.
Longe o suficiente.
Hugh puxou a magia para ele e se inclinou para a frente
na sela. — Atacar.
Bucky disparou através dos portões. Atrás deles, os
Cães de Ferro saíram de Baile, partindo a galope.
Uma sirene soou das muralhas do castelo, uma dura
declaração de guerra.
Ascanio virou o cavalo. Hugh não conseguiu ouvir as
palavras dessa distância, mas não era preciso um gênio
para ler a expressão do garoto. Ascanio gritou.
Eles entrariam juntos na florestas a pé, ou se
espalhariam, cada metamorfo por si mesmo ou fariam
resistência ao ataque. De qualquer maneira, Hugh
conseguiria o que queria, mas resistir ao ataque os tornaria
mais fáceis de conter.
Bucky acelerou a galope. Hugh tinha esquecido disso,
esquecido da emoção de uma corrida. As lembranças
voltavam agora. Ele costumava viver para isso.
Os metamorfos jogaram as crianças nas carroças.
Táticas de Lennart. Permaneçam juntos e vivam ou morram
juntos.
Hugh levantou a mão. Atrás dele, a coluna de soldados
em seus cavalos se espalhou.
Os metamorfos se transformaram todos de uma vez,
pêlos, garras e bocas rosnantes cheias de presas.
A sirene soou das muralhas.
Hugh puxou magia para ele. Não tinha tentando fazer
isso desde que foi eLivros. Esta não era a sua magia natural,
ele aprendeu isso quando criança com Roland. Não tinha
ideia se o poder ainda estava lá e se funcionaria. Começou
a sussurrar o encantamento, preparando o caminho para o
lançamento.
Ascanio ergueu duas facas curvas de trinta centímetros
de comprimento, seu rosto uma mistura de hiena e humano,
olhos em chamas. Seu povo se aglomerava ao redor das
carroças, protegendo as quatro crianças lá dentro.
Vinte e cinco metros para as carroças.
Vinte.
Quinze.
Ele inclinou Bucky. Seus soldados se dividiram ao meio,
passando fluidamente pelas carroças como um rio. Viu o
rosto de Ferara rapidamente enquanto passava por ele, a
boca cheia de presas aberta de surpresa. As árvores da
floresta apareceram à frente.
Agora. Ele alcançou as manchas de magia suja.
— Ranar kair!
O poder jorrou de Hugh, canalizado através das Palavras
de Poder, tão antigas que moldavam a própria natureza da
magia.
‘Venham para mim’.
A agonia o rasgou, tão nítida que parecia a morte, e por
um momento Hugh sentiu uma centelha de esperança de
que morreria. O mundo rodou e voltou a focar.
O tremor das Palavras de Poder rasgou as árvores. A
floresta tremeu e expulsou oito mortos-vivos.
Previsível, Nez. Tão previsível.
Os vampiros giraram, voltando-se para as árvores, longe
do ataque de seus soldados.
Cinquenta Cães de Ferro saíram de dentro da floresta,
movendo-se em uma linha, pressionando os vampiros entre
as duas tropas.
O primeiro sugador de sangue apareceu na frente de
Hugh, ainda atordoado pelo impacto das Palavras de Poder.
Hugh passou correndo, balançando a espada. A cabeça do
morto-vivo rolou de seus ombros. As duas tropas se
aproximavam dos vampiros como uma tesoura se fechando.
Uma estranha gargalhada rolou pelo campo de batalha, os
metamorfos se juntaram à luta.
Hugh colocou Bucky em um amplo círculo e pulou de
suas costas. Lutar contra os mortos-vivos a cavalo só
mataria o garanhão.
— Todas as equipes! —Uma voz masculina estalou entre
a linha de mortos-vivos. — Ataquem o inimigo. Façam o que
for necessário. Façam o que for necessário. Alfa Dois, Alfa
Três, comigo. Peguem o Preceptor.
Três mortos-vivos se separaram e o atacaram. Hugh os
deixou vir, segurando sua espada com as duas mãos na
frente dele, com o objetivo de empalar o sugador de sangue
da frente. Os mortos-vivos atacaram, olhos ardendo em
vermelho. A verdadeira luta não estava aqui. Era com o
homem por trás do vampiro, e esse homem havia treinado
nas táticas de Nez até que elas se tornassem uma segunda
natureza.
Hugh também.
No último momento, o vampiro torceu para a esquerda,
usando sua rápida velocidade. O morto-vivo esperava que
Hugh se lançasse para cima dele. Se houvesse feito isso, a
lâmina de sua espada teria perdido o sugador de sangue
por poucos centímetros, deixando seu próprio lado esquerdo
completamente exposto. Em vez disso, deu um passo à
frente com o pé direito e virou à esquerda, recuando e
dirigindo a lâmina com todo o seu peso. Sua espada pegou
o vampiro logo acima da clavícula, cortando o pescoço.
Hugh deu meia-volta, erguendo a lâmina e abaixou a
espada, cortando a cabeça do segundo vampiro como um
melão maduro.
O terceiro morto-vivo desviou, girando para longe de
sua espada, ricocheteou no chão e saltou para ele. Hugh se
esquivou. Garras roçaram seu ombro. Hugh levou o golpe e
esmagou a parte de trás de sua espada na base do crânio
do vampiro enquanto passava por ele. O morto-vivo
tropeçou para a frente. Hugh o chutou nas costas, batendo
com força na espinha. O vampiro se esparramou no chão, e
Hugh jogou sua espada diretamente para baixo,
atravessando as costas e atingindo o coração. Peguem isso.
A coisa toda levou menos de dois segundos.
Seu coração batia muito rápido. O mundo ficou claro
como cristal. Isso, isso. Sentia-se vivo.
Hugh libertou a lâmina com um puxão afiado. À sua
volta, a batalha fervia. Os cães atacaram os vampiros. Dois
boudas prenderam um sugador de sangue de lados opostos
e o rasgaram como uma boneca de pano cheia de sangue.
Ele sacudiu o sangue da lâmina e mergulhou na carnificina,
procurando algo para matar.

********
Hugh examinou o campo. Nenhum morto-vivo se
movia. As manchas de magia suja haviam desaparecido.
Nove tinham ferimentos mais graves, dois quebraram
membros, mas ninguém morreu do lado deles. Seu pessoal
tinha o elemento surpresa e magia ao seu lado. Tudo,
exceto os mortos, poderia ser consertado.
Um bouda sujo de sangue caminhou em sua direção,
com um metro e oitenta de altura e coberto com músculos
poderosos sob os pêlos esparsos. Eles realmente pareciam
um inferno em forma de guerreiro. Parte da razão pela qual
Roland os detestava, suspeitava Hugh. A mistura da forma
humana e animal não era graciosa. Este a sua frente, pelo
menos, era mais coeso do que a maioria.
O bouda abriu as mandíbulas. — Fiiiilho-da-puutaa, —
Ascanio rosnou.
A maioria dos metamorfos não conseguia falar na forma
de guerreiro. Suas mandíbulas não se encaixavam juntas
corretamente. Hugh estava certo. Era melhor matar esse
garoto agora e evitar complicações futuras.
— Você nos usou como isca!
— Cale a boca, —disse Hugh. — Você ainda está
respirando.
— Como sabia?
— Eu sabia porque sou um Senhor da Guerra há mais
tempo do que você está vivo. —Hugh assentiu com a
cabeça para uma nova tropa de Cães subindo até eles. —
Eles serão a é sua escolta até a linha Ley.
— Poderia ter nos avisado!
— Você não teria acreditado em mim. Quando chegar
em casa diga a Shrapshire que não tenho nenhum problema
com ele.
Ascanio se elevou sobre ele.
— Vai ficar o resto do dia aqui na minha frente? Você
está perdendo a luz do dia.
O garoto se virou, rosnando ordens baixinho.
Observou as carroças dos metamorfos passarem por
ele, os metamorfos em formas de guerreiro correndo pelas
laterais, os cavalos presos atrás. Uma garotinha, com não
mais de dois ou três anos, olhou para ele da segunda
carroça, seus grandes olhos escuros redondos e
aterrorizados em seu rosto castanho.
Ela chegaria onde precisava chegar. Ele e seus soldados
fariam isso acontecer.
Por alguma estranha razão, esse pensamento trouxe
satisfação a Hugh. Ele ficou intrigado com isso. Não deveria
ter se importado. Ela era uma criança aleatória. Não
pertencia a nenhuma das pessoas dele. Ele e a criança não
tinham conexão um com o outro e nunca mais a veria.
— Preceptor, —disse Lamar ao lado dele.
Hugh apoiou a espada no ombro e se virou.
Uma figura em um vestido verde estava na muralha do
castelo. Ele não podia ver o rosto dela, mas ela estava com
os pés plantados no chão e os braços cruzados.
Hugh rosnou baixo na garganta.
— Você precisa de apoio? —Lamar perguntou em voz
baixa.
— Não. —Elara era sua esposa. Lidaria com ela. Por
enquanto a deixaria esperar um pouco.
Hugh demorou a supervisionar o carregamento dos
corpos dos mortos-vivos em uma carroça. A essa altura, um
grupo de pessoas de Elara apareceu com sacos de sal e
jarros de água e gasolina, e começou a limpar os vestígios
de sangue dos mortos-vivos.
Quando Hugh realmente não tinha mais nada a fazer,
ele assobiou para Bucky e o cavalo o levou de volta ao
castelo, os Cães e a carroça carregados de mortos-vivos
viam logo atrás dele.
Chegaram lá no momento em que Bale saiu correndo do
castelo, meio vestido, com os cabelos despenteados.
— Vampiros! —Bale berrou e apontou para trás deles. —
Vocês lutaram com vampiros e não me levaram?
Os Cães riram. Hugh abriu um sorriso.
— Foi uma batalha gloriosa, —disse Lamar. — Você
dormia enquanto tudo acontecia.
Bale olhou para Hugh, incrédulo. — Você levou Lamar?
Lamar em vez de mim?
— Não se preocupe, —disse Lamar. — Vou lhe contar
tudo.
Bale agitou os braços e uivou para o céu. — Não há
justiça no mundo!
Os Cães riram. Hugh riu, desmontou e levou Bucky para
os estábulos. Tinha sido bom. Todos eles precisavam de
uma vitória depois desses último oito meses. E esta era só
deles. Os metamorfos ajudaram, mas a vitória pertencia aos
Cães.
Hugh estava colocando Bucky em sua baia quando
ouviu passos leves. Ela veio atrás dele.
— Uma palavra em particular, Preceptor.
— Não agora, —ele disse sem se preocupar em olhar
para o rosto dela.
— Sim, agora. Você colocou crianças em perigo. Não me
informou o que pretendia fazer. Eu poderia ter ajudado. Nós
poderíamos ter matado todos os vampiros sem colocar os
metamorfos em risco.
Ele se virou para ela. A fúria iluminava seus olhos. Sua
boca era uma linha estreita e plana. Elara estava cerrando
os dentes. Não estava apenas com raiva, estava furiosa.
— Primeiro, eu vou cuidar do meu cavalo. Então, vou
trocar de roupa e lavar o sangue do meu rosto. Se eu quiser
falar, então, você pode vir e discutir qualquer coisa. Ou
pode fazer uma cena histérica bem aqui nos estábulos onde
todos podem nos ouvir. Sua escolha.
Ele se virou para Bucky. Quando olhou para trás, Elara
havia ido embora.

********
Hugh abriu seus olhos. Um quarto quadrado estava
diante dele, as paredes de pedra iluminadas pelo brilho
suave das lâmpadas elétricas. Uma piscina quadrada
ocupava quase todo o andar, uma calçada de um metro de
largura ladeava ao longo das paredes. Cinco degraus
levavam à piscina. A água estava calma, refletindo a luz das
lâmpadas. O aroma suave de lavanda e jasmim flutuava no
ar.
Como diabos ele chegou aqui? Olhou por cima do
ombro, atrás dele tudo estava envolto em escuridão. A
última coisa que lembrava foi de ter subido para o seu
quarto. Tomou banho, pediu a cozinha que preparasse um
bife, comeu tudo, acompanhado com um pouco de cerveja e
desmaiou na cama.
Risos femininos flutuaram até ele. Ele se virou. Três
mulheres na piscina. Uma estava sentada na borda à sua
direita, chutando os pés suavemente na água, seus longos
cabelos loiros se derramando sobre a pele macia e
brilhante. Uma morena mergulhada em frente, seus seios
rechonchudos levantados levemente pela água. À esquerda,
uma ruiva estava sentada, meio submersa nos degraus, os
cabelos compridos rodopiando na água.
Um sonho. E um dos bons. Uma mudança bem-vinda no
roteiro de merda que ele sempre sonhava. Seja lá o que
colocaram naquela cerveja, ele precisaria de mais.
A morena levantou as mãos e se levantou, os braços
abertos, expondo os seios com belos mamilos rosados. —
Hugh!
— Junte-se a nós, —a loira riu.
Olhou para si, estava nu e excitado. Hugh entrou na
piscina. A água quente. O aroma de lavanda ficou mais
forte. A ruiva se enrolou ao redor dele, os olhos azuis em
seu rosto sardento rindo dele. A loira pulou na água e
apareceu perto dele. A morena massageou seus ombros. Ele
puxou a loira para mais perto, sua pele lisa contra a dele,
seu corpo flexível sob os dedos. Ai sim. Sim, isso será bom.
— Divertindo-se? —Perguntou Elara.
Ela estava nos degraus. Seu cabelo solto, uma cascata
macia e sedosa. Usava um vestido branco simples que
deixava seus ombros nus. Uma fenda subia pela saia,
revelando uma perna com um tornozelo esbelto e coxa
arredondada.
Melhor ainda. — Entre na piscina, —disse Hugh.
Ela balançou a cabeça. — Ganancioso, ganancioso,
ganancioso.
Ele tinha que colocá-la na água. — Venha aqui, Elara.
Ela o ignorou. O vapor subiu da água. Havia algo de
bruxa nela, misteriosa e feminina. Ele tiraria esse vestido
dela.
— Conte-me sobre o garoto?
— Qual garoto?
— O garoto metamorfo que você torturou. —Elara
caminhou ao longo da piscina à esquerda.
— Chegue mais perto e eu vou lhe dizer.
— Diga-me e eu pensarei sobre isso.
Hugh levantou-se e começou a andar pela água até ela.
As três mulheres penduraram nele e ele as derrubou,
arrastando-as para frente.
Elara se inclinou para frente, seus olhos castanhos
brilhantes. — Você vai me perseguir?
— Você quer?
Ela mergulhou o pé na água. — Você usou crianças
como isca hoje.
— Elas não estavam em perigo.
— Conte-me sobre Ascanio.
Hugh estava andando na água, mas não avançando. —
Bem. O que quer saber?
— Você realmente torturou uma criança?
— Sim. Ele tinha dezesseis anos na época. Eu estava
perseguindo Kate pela cidade e ela não queria se entregar.
Ele se aproximou. Enquanto continuava falando, a
distância entre eles diminuía.
104
— Usei um wendigo para encurralá-la, porque sabia
que ela era inteligente o suficiente para procurar por abrigo.
O garoto estava com ela e ele tentou lutar contra a criatura.
Isso o rasgou.
Se ele pudesse agarrar seu tornozelo, conseguiria puxá-
la para dentro da piscina.
— O que aconteceu depois?
Kate correu para o prédio da Ordem da Ajuda
Misericordiosa e, em seguida, os Cavaleiros a colocaram em
uma jaula. Eu matei todos os Cavaleiros.
— Você matou os Cavaleiros da Ordem da Ajuda
Misericordiosa?
— Sim. —Elara estava quase ao alcance. — Kate estava
furiosa. O último que matei era seu amigo. Ela me viu matá-
lo.
— Por que fez isso na frente dela?
— Ele não me deu uma escolha. Foi uma morte difícil.
Roland queria sua filha. Nada importava, exceto levá-la até
ele. Nada mais existia.
Hugh se esforçou para explicar a pressão implacável e a
finalidade nos olhos de Roland quando ele deu a ordem. E
Hugh obedeceu a essa ordem com uma espécie de
determinação doentia que agora parecia mais como
desespero. Ele não conseguiu encontrar as palavras.
— Eu tinha que tirá-la da jaula, ela estava com raiva e
eles deixaram Ascanio deitado em uma mesa. Seu
estômago estava em tiras. O wendigo esmagou suas
costelas e ossos. O vírus metamorfo o manteve vivo até
aquele momento, mas o garoto estava morrendo. Os
Cavaleiros não o trataram, porque ele era um bouda.
O tornozelo de Elara estava ao seu alcance. Mais dois
passos e ele a agarraria. Havia coisas que ele precisava
fazer com ela.
— Então o que fez?
— Eu o curei.
— O que mais?
— O vírus fundiu de maneira irregular alguns dos ossos
quebrados. Tive que quebrá-los novamente para consertar
seu tórax. Eu a fiz pensar que estava alternando entre
matar e curar. Ela prometeu sair da jaula se eu o curasse,
mas alguém interferiu.
— Você teria matado o garoto para pegá-la?
— Sim.
— Mas ele era uma criança.
— Naquele momento nada importava, exceto levar Kate
para o Sharrum.
— O que essa palavra significa, Sharrum?
— Rei. Deus. Tudo. Tudo o que sou foi moldado por
Sharrum. Ele é sabedoria e propósito. Ele é vida.
— Nem tudo.
Hugh pulou para frente, mas o pé dela saiu do alcance
dele. Ela desapareceu.
Hugh virou-se e a viu na escada.
— Chega de falar, —ele disse a ela. — Venha aqui, Elara.
Ela riu baixinho.
— Eu disse para vir aqui. —Ele afundou ordem em sua
voz.
— Você não tem poder sobre mim, —disse ela. — Eu não
obedeço às suas ordens.
A água ferveu na frente dele. Uma cabeça branca e sem
face apareceu, sem olhos e sem nariz, uma boca larga e
monstruosa aberta, cravejada com dentes afiados, e
mordeu sua virilha, rasgando sua carne.
A agonia atravessou Hugh. Ele se levantou e viu a
escuridão. Suor frio encharcava seu rosto. Estava sentado
em sua cama. Seu corpo estremecia de dor. Hugh puxou o
lençol para o lado e apalpou suas partes íntimas. Tudo ainda
estava lá. Ele estava intacto.
Uma voz fantasmagórica sussurrou em seu ouvido. — A
próxima vez que eu quiser falar com você, esteja disponível.
Maldita puta. Hugh saltou da cama. Sua porta se abriu
sob a pressão da mão, revelando o corredor iluminado por
lanternas à gás. Ele atravessou o corredor e bateu na porta
dela que se abriu sem resistência. Caminhou pelo quarto
dela.
A grande cama de madeira com dossel estava vazia,
mas uma entrada de pedra na parede oposta à porta de
entrada brilhava com um brilho amarelo-amanteigado. Hugh
atravessou e parou.
A piscina quadrada no quarto quadrado do seu sonho.
Ela estava nela, cabelos brancos compridos rodopiando,
vapor e água escondendo tudo dela, exceto seu rosto. E
estava sorrindo.
— Fique fora dos meus sonhos.
— Aaaa. Você não gostou das garotas? Eu deveria tê-las
feito com o rosto de Vanessa? —A água ao seu redor
brilhava com uma luz clara como se algo muito maior e
brilhante se movesse por baixo.
— Estou falando sério, Elara. —Hugh não queria entrar
na água. A dor ainda era muito real. Todo instinto que havia
nele gritou quando vislumbrou a coisa brilhante na água.
Faria quase qualquer coisa para evitar a piscina.
— Você já matou uma criança, Hugh? —Sua voz era
completamente séria.
Ele sentiu uma poderosa compulsão para responder. —
Não diretamente.
Elara olhou para ele, com o rosto preocupado.
— Nunca matei uma criança com minha espada. Mas
liderava um exército. Lutamos. Pessoas morreram. Você não
pode controlar a guerra, Elara. Ninguém saia dela com as
mãos limpas.
Ela inclinou a cabeça, estudando-o.
As luzes na parede eram elétricas. A iluminação do lado
de fora do corredor vinha de lanternas à gás, mas aqui as
lâmpadas elétricas brilhavam com luz dourada. Ele ainda
estava sonhando. Ela ainda estava fodendo com a cabeça
dele.
— Você quer ver dentro da minha mente, Elara? —Ele
entrou na água. O pânico o mordeu, mas ele o esmagou.
Magia banhou suas pernas. — Vá em frente e olhe.
Hugh abriu suas memórias para ela. Imagens das
mortes no fio de sua navalha, uma após a outra, a
interminável cadeia de mortes que ele causou, o sangue, a
dor, visões das mortes de seus amigos, os gritos, o clamor
do metal contra metal das espadas, o disparos de armas,
falhando, se ferindo, se queimando, levantando-se de novo
e de novo, e matando ... Tudo o que costumava ignorar e
que agora assombrava seus pesadelos, ele mostrou tudo.
Assumia a sua culpa por tudo isso. Recebeu ordens, foi
elogiado quando conseguia e não importava, porque cada
gota de sangue, cada último suspiro, tudo era sua culpa.
O sangue se espalhou dele através da água, grosso e
vermelho. Ela se encolheu, mas manchou sua pele e
cabelos.
A piscina desapareceu.
Hugh abriu os olhos para a escuridão bem-vinda de seu
quarto. Desejou não estar sozinho, mas estava. Estava
deitado na escuridão, ouvindo seu coração bater muito
rápido e esperando que as lembranças desaparecessem o
suficiente para o sono chegar.

Nove
Elara andava de um lado para o outro. O cheiro de
pão fresco e carne assada enchia o grande salão à sua
frente. Longas mesas de madeira cobertas com panos
brancos haviam sido arrumadas em forma de ferradura com
intervalos entre elas para que os convidados e a equipe que
serviria o jantar passassem. No centro da ferradura, havia
um enorme barril de madeira, no qual os funcionários da
Cervejaria Honeymead derramavam cerveja dos grandes
barris de metal.
Rufus Fortner, chefe da Guarda Vermelha de Lexington,
deveria chegar em menos de uma hora. O plano inicial era
para ele trazer um casal de ‘companheiros’ com ele. No
último telefonema, de um casal foi para quinze pessoas,
incluindo Rufus. Não parecia muito, mas ela viu o que Hugh
podia fazer só com vinte Cães de Ferro.
A Guarda Vermelha era a melhor em segurança privada.
Cinco guardas pareceriam convidados, mas quinze parecia
um ataque. Talvez Fortner quisesse se exibir para o Senhor
da Guerra de Roland. Poderia ser outro motivo. De qualquer
forma, quando os convidados chegassem aqui, eles tinham
que oferecer o tipo de banquete que nunca esqueceriam.
Os Cães de Hugh penduraram armas e estandartes nas
paredes. O lugar parecia um salão viking ou a câmara de
algum rei medieval.
Ela se virou para Hugh, que estava parado ao lado dela.
— Essa é uma boa ideia?
Ele olhou para ela. Seus olhos estavam muito azuis e
claros esta noite. Eles quase não se falaram nos últimos três
dias após o sonho. Não por ela ter feito algum esforço
consciente para evitá-lo. Elara estava ocupada oferecendo
proteção às cidades próximas e processando as raízes de
105
selo-de-salomão que ela colheu, enquanto ele
supervisionava as entregas das cinzas vulcânicas para a
produção da argamassa que impermeabilizaria o fundo do
fosso. Ambos não tiveram total sucesso com os seus
afazeres. Das cinco vilas visitadas até agora, apenas uma
aceitou a oferta das Proteções. Eles deixaram a vila de
Aberdine por último, já que era a mais próxima. A equipe
que ela havia enviado chegaria a qualquer momento.
Por outro lado, a argamassa de Hugh se recusou a se
fixar nas paredes, e ninguém sabia o porquê. Enquanto
Elara examinava as solicitações de orçamento o viu pela
janela no fosso, misturando a argamassa repetidamente. Ela
tomou café da manhã, depois almoçou, depois jantou, e ele
ainda estava lá. Hugh finalmente entrou, atravessando a
casa em um humor sombrio. Ele passou dezesseis horas
naquele fosso, depois saiu com uma equipe de resgate de
material pela manhã. Os Cães de Ferro estavam invadindo
as ruínas da floresta, resgatando todos os pedaços de
qualquer material valioso que conseguiam encontrar e o
arrastando para cá, para compensar os custos do fosso e as
106
novas armas de cerco que montaram nas torres.
Os dois estavam muito ocupados e não tinham motivos
para interagir. Até agora.
— As armas e a cerveja, —explicou ela. — É uma boa
ideia ter ambos disponíveis para o pessoal da Rufus?
— As armas foram soldadas na parede, —disse Hugh. —
Se tentarem arrancá-las, não conseguirão. Não sou idiota,
não armaria bêbados.
Bem, pelo menos ele era sensato.
Cinco mulheres entraram no corredor e se alinharam na
frente deles, todas jovens e bonitas, com flores nos cabelos
e usando vestidos decotados com estampa floral, curtos o
suficientes para mostrar um pouco das pernas sem sugerir
nada.
As tatuagens de Kelly e Irene estavam aparecendo, um
crânio com letras misteriosas acima do peito esquerdo de
Kelly e um lobo rasgando um coração humano no ombro
direito de Irene, mas não havia como esconder essas
tatuagens.
— O que é isso? —Perguntou Hugh.
107
— Jovens servas . Para a sua cerveja.
Hugh apertou os olhos. — Irene? Serana?
As Cães de Ferro reclamaram. — Preceptor!
— Você roubou minhas especialistas de combate corpo
a corpo, —disse Hugh.
— Peguei emprestado.
Ele olhou para as outras mulheres. — O que vocês
fazem?
Kelly apontou para si mesma e depois para as outras
duas mulheres. — Bruxa, bruxa, pagã com um shichidan no
108
judô . Isso é um ...
— Sétimo Dan, faixa preta, —disse Hugh. — Certo,
vocês vão servir.
— Lembrem-se, precisamos do dinheiro deles, —disse
Elara. — Não mutilem ninguém, se puderem evitar.
As Jovens servas tomaram posições ao redor do barril.
— Onde você irá colocar Fortner? —Perguntou Hugh.
— Você e eu vamos sentar no meio da mesa principal,
comigo à sua esquerda. Ele se sentará à nossa frente com o
pessoal que irá trazer. Estou mantendo Dugas e Johanna do
meu lado. O resto é com você.
Ele assentiu. — Vou colocar os Capitães à minha direita.
— Você quer que o pessoal de Fortner fiquem na nossa
mesa, para que os atiradores atirem mais facilmente? Acho
que não podemos encaixar todos eles.
Ele considerou. — Não, vamos dividi-los entre as três
mesas.
Elara inspecionou o salão. Estava quase pronto. O barril
de cerveja estava cheio, os lugares prontos, a comida
estava quase cozida. Tudo tinha que correr sem problemas.
Se eles não conquistassem Rufus, perderiam a chance de
contatos comerciais em Lexington. Precisavam dos
contatos, dinheiro e influência.
— Comida, decoração, cerveja, —ela esfregou a testa. —
O que estou esquecendo?
— Amostras de ervas, —disse ele.
— Nós as temos prontas na sala Flórida. Acredito que
ele não olhara para essas amostras até amanhã de qualquer
maneira. Você dobrou as patrulhas?
— Sim. E coloquei atiradores extras na varanda.
Ela olhou para onde uma varanda estreita corria ao
longo de uma parede da sala.
Maravilha. Fortner estaria sentado de costas para eles.
Se alguma coisa desse errado ...
Se alguma coisa desse errado, eles estariam tão prontos
quanto deveriam estar.
Uma comoção irrompeu nas portas. Johanna entrou,
ladeada por três Cães e Sam. Uma linha de sangue se
estendia do couro cabeludo de Sam, descendo de seus
cabelos e escorrendo pelo seu rosto.
Hugh e Elara se moveram ao mesmo tempo.
— O que aconteceu? —Elara perguntou.
— A vila de Aberdine não quer nossa ajuda, —relatou
Johanna.
— Eles nos pararam na estrada, —relatou uma Cão de
Ferro mais velha. — Fizeram um bloqueio.
— Policiais? —Perguntou Hugh.
— Civis, —disse Sam. — Nos disseram que Aberdine é
uma boa cidade cristã e não precisam da ajuda dos
adoradores do diabo.
De todos os idiotas ... — O que aconteceu com sua
cabeça? —Exigiu Elara.
— Alguém jogou uma pedra. —Sam deu de ombros.
— Nós nos retiramos, —disse a Cão de Ferro. — Era isso
ou matar o grupo que nos recebeu.
Hugh olhou para Sam. — Você vai viver. Da próxima vez
que alguém jogar uma pedra, desvie. —Hugh levantou as
mãos e sinalizou. — Você está machucada?
— Não. Sam tomou a pedra que era para mim. Ele se
moveu na minha frente, então foi atingido, —Johanna
sinalizou.
A raiva ferveu em Elara. — Marcus!
Marcus virou-se para ela. — Sim?
— Pare todos os envios de mercadorias para Aberdine.
— Tudo bem, —disse Marcus.
Ela se virou para Sam. — Não se preocupe. Ninguém faz
isso com o nosso povo. Eles estarão rastejando para nós em
uma semana.
— Duvido que eles acabem com o chá de tosse em uma
semana, —disse Hugh.
— Eles vão precisar tomar muito chá a partir de agora,
—ela disse a ele. — Porque somos nós que fornecemos todo
o vinho que consomem e a maior parte da cerveja. A partir
de hoje, Aberdine será uma vila seca. Eles voltarão com os
rabos dentro das pernas. Apenas espere.
Nicole correu para o corredor. — Os convidados estão
chegando!
Hugh virou-se para ela e sorriu. — É hora do show.

********
— E então! —Stoyan acenou com a caneca, fingindo
estar mais bêbado do que estava de fato. — Então o
Preceptor grita: 'Para o inferno, vamos queimar'.
A mesa caiu na gargalhada estrondosa.
Hugh abriu um sorriso. Elara sorriu também, assistindo
Rufus Fortner. Ele era um homem grande, um pouco mais
de um metro e oitenta, pesando pelo menos uns cem quilos.
Estava na casa dos cinquenta anos, mas o tempo não o
amoleceu, apenas o fez grisalho. Seus ombros mal
passaram na porta. Caucasiano, com a pele bronzeada pelo
sol e pelo tempo, Rufus tinha um daqueles rostos
masculinos que pareciam excessivamente exagerados:
queixo quadrado e saliente, mandíbula maciça, nariz curto e
largo, sobrancelhas proeminentes, estreitos olhos azuis. O
bigode, que ele mantinha aparado, ainda estava vermelho,
mas os cabelos e a barba eram grisalhos.
Já havia bebido sua quinta cerveja e parecia estar se
divertindo.
Rufus levantou sua caneca. — Cerveja para mim!
Corrigindo, a sexta.
Irene mergulhou uma jarra no barril de cerveja, deslizou
por cima e encheu a caneca novamente.
— Obrigado, doçura.
Irene saiu do caminho dele.
Elara olhou ao redor da mesa. Os seis Guardas que
Fortner trouxera e estavam sentados à mesa deles eram
muito diferentes um do outro. Cinco homens e apenas uma
mulher. Eles bebiam e comia relaxados.
— É um lugar agradável que vocês tem aqui, —disse
Rufus.
Algo chamou a atenção de Elara.
— Não posso reclamar, —disse Hugh.
109
— Já trabalhamos em um castelo. Em Cincinnati , —
um dos Guardas disse.
— Ah, sim, Cus ... Cos ... Qual era o nome do camarada?
—Rufus franziu a testa.
— Cousteau, —a solitária Guarda feminina forneceu.
— Isso mesmo.
Sentiu novamente, um leve puxão.
— Com licença. —Elara levantou-se da mesa.
Hugh pegou a mão dela. — Onde está indo, abóbora?
Lançar um feitiço de morte que arrancará seus olhos
das órbitas. — Em algum lugar que você não pode vir
comigo. —Ela piscou. — Para o quarto no final do corredor
com a palavra SENHORAS na porta.
Ele soltou. — Não demore muito.
— Eu não vou.
Elara se afastou. Atrás dela, Rufus disse no que
provavelmente pensava ser sua voz confidencial: — Você é
um homem de sorte, Preceptor. Com todo o respeito.
— Oh, eu sou, —disse Hugh. — Eu sou.
Ela tinha cem por cento de certeza de que ele a estava
observando enquanto se afastava. Elara mexeu um pouco
mais os quadris. Morra de vontade.
No corredor, virou à esquerda, passou por uma porta e
110
subiu correndo a escada de pedra até um mezanino
escondido. Savannah estava nas sombras, observando o
salão de jantar. Do chão, essa área era praticamente
invisível.
— O que é isso? —Savannah perguntou.
— Eu não sei. Algo ... eu preciso de um minuto.
Lá embaixo, Hugh bateu no ombro de Rufus e riu.
— O d’Ambray desempenha bem seu papel, não é? —
Observou Savannah.
— Sim. Ele é um camaleão. Se torna aquilo que a
ocasião exige. —Encontrar o verdadeiro Hugh era que era o
problema.
— Vocês dois estão se evitando.
Esconder coisas de Savannah era impossível. — Eu
atravessei seus sonhos. Ele me pegou.
— Elara!
— Eu sei, eu sei.
Sonhos eram tecidos de emoções, dos desejos mais
básicos, dos desejos mais fortes, dos medos mais aguçados.
A lógica e a razão não existiam lá, exceto como sombras
distorcidas de si mesmas. Andar por eles era perigoso. Ela
entrou no mundo interior de Hugh. Elara havia invadido e
ele sabia disso. Ele a faria pagar de um jeito ou de outro.
— Por quê? —Savannah balançou a cabeça. —
Desperdiçando seu poder? Deixando ele ver você?
— Você não estava nas muralhas quando ele lutou
contra os vampiros. Eu estava. Ele usou um feitiço,
Savannah. Não era como a magia natural dele. Hugh puxou
para ele e depois a alterou, moldando-a em outra coisa.
Disse duas palavras. Ele estava sozinho do outro lado do
campo, perto das árvores, e eu as senti das muralhas. Não
eram apenas poderosas, eram precisas. Ele puxou os
mortos-vivos para o campo aberto, seus soldados já
estavam escondidos dentro da floresta e não foram
afetados.
— Palavras de Poder, —disse Savannah. — Eles chamam
Roland de O Construtor de Torres. Talvez haja uma razão
para isso.
— Você acha que essa é a linguagem da Torre de
111
Babel ?
— É o que dizem os rumores. A linguagem que comanda
a própria magia.
— E foi isso o que aconteceu. Então não tive escolha,
entrei nos seus sonhos. Precisava saber o que mais ele é
capaz de fazer.
Elara ficou em silêncio. Lá embaixo Hugh riu, mostrando
dentes brancos.
— O que você descobriu? —Savannah perguntou.
— É um monstro. Como eu.
— Tivemos essa conversa, —disse a bruxa mais velha
em voz baixa.
— Sou o que sou. Você, de todas as pessoas, sabe disso.
—Elara se abraçou.
— Você deveria ter o ouvido falar sobre Roland.
— O que ele disse?
— Que Roland era seu rei, seu deus, sua vida. Hugh
acredita que tudo o que ele é veio de Roland.
— E já que não há Roland agora, —disse Savannah, —
não há Hugh.
— O exílio deveria tê-lo destruído. Eu não entendo como
sobreviveu, mas ele conseguiu. Ele é extremamente
perigoso, Savannah. Há coisas que vi no passado dele ...
— Coisas? —Savannah perguntou.
— Matar é uma segunda natureza para ele. É como
respirar. Uma vez que Hugh decide que alguém tem que
morrer, não há como escapar. Não há chance.
— Já lidamos com assassinos antes, —disse Savannah.
— Não como esse. —Ela não estava explicando bem,
boa parte de sua concentração estava ocupada em tentar
diminuir o pressentimento que a trouxe aqui. — Hugh tem
mais magia do que deixa transparecer e é muito habilidoso.
Ele treinou além de tudo que eu já vi.
Savannah levantou uma sobrancelha para ela.
— Ele me expulsou de seus sonhos.
Elara vislumbrara algo naqueles sonhos. Um turbilhão
torcido dentro de Hugh, feito de culpa, vergonha e dor. Ele
se abriu para ela e mostrou suas memórias.
Savannah se assustou. — Não deveríamos ter feito essa
aliança.
— Nós não tivemos escolha. Não importa agora. As
cartas foram jogadas. Agora só precisamos garantir que ele
permaneça do nosso lado. Nós ...
Elara, ó gloriosa, ó iluminada, tem piedade de mim na
minha hora de necessidade.
Um influxo de energia fluiu para Elara. Ela estremeceu
como se estivesse sendo queimada.
— O que é isso? —Savannah interrompeu.
Estou morrendo. Ouça o meu apelo. Ouça minha oração.
— Elara?
Ela levantou a mão, silenciando Savannah.
Elara havia proibido isso, mas aqui estava, uma oração,
estendendo-se para ela como uma tábua de salvação quase
inexistente.
Por favor, nos salve. Por favor. Eu farei qualquer coisa.
Elara alcançou a linha da vida. Isso a levou para a
floresta na noite escura, onde um homem desesperado
fugia para salvar sua vida.
Eu imploro, ó iluminada. Por favor nos ajude. Por favor,
não deixe que eles nos levem.
Alex. Alex Tong. Ele estava correndo pela floresta, parte
norte. Ela o viu, uma forma suavemente brilhante, tão fraca.
Ele estava sangrando. Não resistiria muito.
Eles mataram todos nós. Todo mundo está morto.
Uma visão a atingiu, quente e furiosa. Filas de corpos
dispostos na rua, criaturas de pesadelo fugindo e soldados
com armaduras de escamas olhando por cima de tudo. Cem
pessoas abatidas. O cheiro de sangue e medo, um terror
cego que a torceu por dentro. Ela se afastou da visão antes
que a arrastasse.
Por favor me ajude. Estou assustado. Eles estão vindo, e
eu não quero morrer.
Alex Tong morava em Redhill, uma das vilas que
rejeitaram a oferta das Proteções. O pessoal de Elara havia
os visitado anteontem.
Elara voltou à realidade, segurando o fio frágil de magia
com sua mente.
— Redhill foi atacado.
— Quando? Quem?
Balançou a cabeça e desceu as escadas correndo. Eles
tinham muito pouco tempo. Se ela fosse atrás de Alex, o
alcançaria, mas ele não sobreviveria. Ela tinha que chamar
Hugh e tinha que tirá-lo daquele maldito jantar sem
despertar nenhum alarme. Não sabia o que estava
perseguindo Alex, embora tivesse um bom palpite. Serem
atacados agora cortaria as chances de qualquer relação
com Rufus.
Elara respirou fundo e se forçou a caminhar lentamente
pelo o corredor. O jantar estava terminando. Ela deu a volta
na mesa, aproximou-se de Hugh e se colocou sobre ele,
certificando-se de esmagar os seios no ombro dele.
— Oi. —Hugh olhou para ela e sorriu. Era o tipo de
sorriso que faria soldados de um exército corarem.
Ela se aproximou e deu um beijo na boca dele. Seus
lábios estavam quentes e secos. A mão dele alcançou os
cabelos dela. Ela se afastou um pouco. — Será que eu posso
lhe roubar por alguns minutos?
Ele pegou uma mecha do cabelo dela entre os dedos. —
Acho que podemos providenciar isso.
Ela sorriu para Rufus e os guardas. — Com licença,
senhores.
Hugh piscou para Rufus e a deixou levá-lo para fora do
corredor à mão. Atrás deles, o líder da Guarda Vermelha riu.
— Recém-casados.
Elara o puxou para o corredor. Assim que eles
desapareceram, ele a girou. — Quem morreu?
— Morrendo. Redhill foi atacada.
Os olhos de Hugh ficaram escuros. — Os filhos da puta
da armadura de escamas?
— Sim. Eles massacraram a vila. Um homem escapou.
Um garoto. Ele era aprendiz de Radion, mas gostava de uma
moça em Redhill e foi embora com ela.
Os olhos de Hugh ficaram mais escuros. — Onde ele
está?
— Correndo pela floresta em nossa direção. Eu posso
alcançá-lo, mas não posso curá-lo. Está muito machucado.
Se esperarmos mais, não conseguirá.
Hugh já estava indo para a saída.

********
Elara ancorou sua magia e se transportou, seguindo
a linha fraca da oração de Alex. Ele ainda estava
sussurrando para ela, implorando, sua voz desaparecendo.
Elara passou voando pelos troncos das árvores.
Atrás dela, Bucky avançava pela floresta por uma trilha
estreita. O cavalo gigante não deveria ser capaz de correr
na floresta no escuro, mas Bucky corria como se fosse um
112
cervo . Um brilho suave cobria seus pêlos. Bucky brilhava
prateado.
Ela fez uma pausa, esperando que eles a alcançasse.
Gastar magia rapidamente lhe custaria, mas por enquanto
apenas Alex importava.
Hugh alcançou. Ela continuou se movendo, ancorando
de tronco em tronco.
A linha da oração que a ligava ao homem desapareceu.
Ela deu um passo novamente, rápida e desesperada, na
direção de onde tinha vindo. Arbustos, rododendros, troncos
grossos, chão da floresta, todos mergulhados em sombras.
Onde ele estava? Ele tinha que estar em algum lugar
por aqui. Antes de senti-lo silenciar, poderia sentir que
estava quase em cima dele.
— Alex, —ela sussurrou, enviando sua voz em um pulso
amplo pela floresta. — Estou aqui. Eu ouvi você. Fale
comigo…
Nada. Bucky saiu dos arbustos ao lado dela e Hugh o
parou. O cavalo grande girou em círculo, enquanto Hugh
examinava a floresta.
— Fale comigo ...
— ... ó iluminada ...
Ele estava bem na frente dela. Elara mergulhou através
de uma moita de rododendro, forçando o caminho pela
vegetação, e explodiu do outro lado. Carvalhos se
estendiam do chão da floresta, grossos demais para abraçá-
los. A lua brilhava acima e o ar entre as árvores brilhava
levemente com uma névoa azulada.
Alex estava caído pelas raízes da árvore mais próxima.
Ele sempre foi magro, com uma leve constituição, mas
agora parecia apenas um menino, catorze em vez dos
dezoito.
Ele não se mexia. Seus olhos estavam fechados, a
cabeça caída para o lado. Ela caiu de joelhos. O sangue
encharcava suas roupas, o tecido uma massa sólida de
vermelho.
Onde estava a ferida? Ela mal podia vê-lo, muito menos
a lesão.
Hugh se ajoelhou junto a ela. Um brilho azul o envolveu.
Já havia visto um vislumbre de sua magia antes na luta,
mas agora podia ver de perto, um azul denso e rico, quase
turquesa, a magia dentro dele viva e forte, como um rio. Os
olhos de Hugh brilharam com o mesmo azul intenso.
O brilho se estendeu da mão de Hugh, revestindo o
corpo de Alex.
Ela sentiu movimento e olhou para cima. Sombras se
moveram através da névoa azul entre as árvores. Sombras
humanoides.
Eles massacraram Redhill. Mataram todos lá, homens,
mulheres, crianças. Agora estavam vindo atrás de um dos
seus.
Não.
— Você os sentiu? —Perguntou Hugh.
— Sim, —ela disse entre dentes. — Deixe comigo.
Ela se levantou e caminhou pela floresta em direção às
formas que avançavam, sem fazer nenhum esforço para se
esconder. Criaturas deslizavam através da vegetação nos
dois lados dela.
Um guerreiro saiu da névoa a vinte e cinco metros de
distância. Tão alto quanto Hugh, usava armadura de escama
113
e um elmo que deixava só o seu rosto exposto.
Tatuagens marcavam sua bochecha. Seus longos cabelos
ruivos caíam em um rabo de cavalo através de uma
abertura no elmo e caíam pelas costas.
Ele era uma distração. Uma isca. Elara olhou para ele,
esperando. Se ele tivesse um arco e atirasse, ela poderia
desviar das flechas. Mas uma flecha de besta viajava muito
mais rápido do que de um arco simples e seria um desafio
desviar.
Uma criatura a atacou da direita, impossivelmente
rápida. Elara trancou a mão na garganta dele. A besta ficou
pendurada na mão dela, mole. A coisa um dia foi um
humano, mas agora a corrupção o inundava, distorcendo
sua própria essência. Não era o cheiro fétido de um
vampiro, reanimado após a morte. Isto era uma alteração
viva e seja lá o que aconteceu com esta besta, ainda o
deixou com um vestígio de humanidade escondido no
fundo. Elara agarrou a faísca quente de magia dentro do
corpo da criatura e a engoliu. Tinha um sabor delicioso,
como apenas um humano poderia ter. O saco sem vida de
ossos e músculos caiu no chão.
Olhou ao redor, agora havia três guerreiros. A mesma
armadura, os mesmos elmos, as mesmas espadas nas
bainhas dos quadris. Todos os três homens grandes, o mais
baixo tinha só alguns centímetros a menos do que Hugh.
Eles a observavam, mudos. Sem arcos então. Melhor ainda.
Elara sorriu, mostrando os dentes.
As criaturas saíram dos arbustos de uma só vez, com as
mãos em garras, prontas para rasgá-la. A floresta ganhou
vida com sombras. Elara deixou cair a máscara que usava e
libertou sua magia. O primeiro roçou os dedos nela e
desabou. O segundo tocou a garra em seu ombro e caiu no
chão. Elara arrancou a magia deles e se alimentou.
O círculo de corpos ao seu redor cresceu e eles
continuavam vindo.
A última besta caiu aos seus pés.
Os três guerreiros ainda a olhavam.
Aparentemente, eles não iriam até ela. Não se
preocupem. Eu irie até vocês. Elara pegou o vestido, pisou
cuidadosamente no cadáver da criatura na frente dela e
atravessou dois corpos em direção aos três guerreiro.
A magia se foi. Um momento estava lá, e no outro
desapareceu como a chama de uma vela apagada por um
sopro. Seu poder desapareceu, um carvão fraco queimando
profundamente dentro dela, em vez de um fogo intenso.
Os três homens de armadura avançaram como um só,
desembainhando suas espadas.
Ela se afastou, circulando os corpos.
O primeiro guerreiro a atacou, seus olhos claros, fixos
nela, sem piscar, focado com um predador.
Uma mão pousou em seu ombro e a puxou de volta.
Hugh se jogou no espaço que ela ocupava meio segundo
atrás e enfiou a espada no homem. A lâmina afundou no
guerreiro com um chiado de metal contra metal logo abaixo
do esterno.
O guerreiro ofegou.
Hugh libertou sua espada com um puxão brutal, girou a
lâmina enquanto a tirava do corpo do seu oponente. Outro
guerreiro alto se aproximou pela esquerda. O oponente
ferido caiu sobre um joelho. Sangue derramou de sua boca.
O guerreiro alto atacou Hugh pela esquerda, mas Hugh
se esquivou, girou e rebateu a espada do terceiro guerreiro.
Os três se afastaram, recuando e por alguns segundos se
encararam. Os dois guerreiros atacaram Hugh, o mais alto à
direita e o mais baixo à esquerda.
Ela precisava de uma arma.
O lutador ferido à sua frente respirou rouco. Elara tentou
arrancar a espada da mão dele. Poderia muito bem ter
tentado arrancá-la da pedra sólida que seria a mesma coisa.
Ele apertou a espada com mais força e bateu nela com a
mão esquerda. Ela desviou do golpe, quase tropeçando em
uma pedra. Perfeito. Elara agachou-se e arrancou o pedaço
de arenito do chão da floresta.
Atrás do guerreiro ferido, Hugh recuou mais um passo.
O lutador da direita golpeava com velocidade
desconcertante. Hugh bloqueou a lâmina e deu um soco no
rosto do homem com a mão esquerda. Cartilagem triturou.
O outro guerreiro cortou as costelas de Hugh. O Preceptor
se desviou, mas não rápido o suficiente. A lâmina rasgou a
pele e saiu ensanguentada.
Hugh não pareceu surpreso. Ele deve ter percebido que
o homem o cortaria. Calculou a coisa toda e decidiu que
tomar um corte valia a pena.
Elara tinha que ajudá-lo.
Ela apertou a pedra e bateu no rosto do lutador ferido.
Ele gritou. Sangue respingou. Bateu no rosto dele
novamente e uma terceira vez, transformando suas feições
em maldito mingau. O elmo dele caiu e ele deixou cair a
espada. Ela soltou a pedra e tirou a lâmina do chão. Estava
molhada de sangue fresco humano. Elara levantou a espada
e a deixou cair, atingindo o lutador. A lâmina ultrapassou a
gola de metal de sua armadura e cortou seu pescoço. Não
cortou completamente, mas ele entrou em colapso.
Elara agarrou a espada e a puxou.
Hugh estava à sua direita, os dois lutadores à sua
esquerda. O mais próximo a ela sangrava do nariz, os olhos
inchando em fendas. Hugh atacou o lutador com o nariz
quebrado. ‘Nariz Quebrado’ o cortou em um golpe rápido e
selvagem. Hugh desviou-se e a espada de ‘Nariz Quebrado’
cortou o ar. Antes que ele pudesse se recuperar, Hugh
cortou o braço esticado do lutador. O homem soltou um
breve uivo gutural. Sua espada caiu no chão. Seu braço
direito estava mole, inútil. O guerreiro agarrou o braço
ferido com a mão esquerda e tropeçou para trás. O outro
lutador cortou as costas de Hugh. Hugh se virou, segurou
com a sua espada o próximo golpe e atacou, empurrando o
homem mais baixo para trás.
Elara deu três passos à frente e enfiou a espada nas
costas blindadas de ‘Nariz Quebrado’.
Não penetrou.
O lutador se virou e tentou pegar a sua espada que
estava no chão. Elara bateu nele, jogando todo o peso dela
em seu braço sangrando. Ele tropeçou e caiu de costas no
chão. Ela enfiou a espada diretamente no peito dele e se
jogou sobre ela.
A lâmina afundou alguns centímetros, rangendo contra
a armadura. O lutador gritou e agarrou a saia do vestido
dela com a mão boa. Elara colocou toda a força que pôde,
enfiando os pés no chão. Desejou ainda ter a pedra, para
poder martelar a espada no corpo do homem.
O homem gritou, olhando diretamente para ela. Sangue
derramou de sua boca em uma jorrada vermelha grossa. O
fedor metálico a atingiu. Ela tinha que terminar. Elara
colocou as últimas gotas de força que tinha. Algo estalou no
peito do homem e a lâmina deslizou. Ele tremeu uma última
vez e ficou imóvel.
Elara se endireitou. Sangue escorria de suas mãos.
Hugh e o outro homem dançavam entre as árvores,
suas espadas um borrão. Aço tinia. Ela mal podia ver as
lâminas. Como no mundo Hugh estava aparando isso?
As armas se chocaram, os dois homens lançaram toda a
sua força e velocidade em seus ataques. A magia estava em
baixa, mas Hugh se movia com uma precisão insana:
rápido, flexível, forte, antecipando os movimentos de seu
oponente.
O guerreiro o atacou em um golpe elaborado. Hugh
desviou e atacou, chovendo golpes em seu oponente. O
guerreiro mais baixo recuou. Sua lâmina dançava,
bloqueando, mas sua mão tremia toda vez que ele segurava
os golpes. Hugh estava batendo nele com selvageria
metódica. Profissional. Matar era um trabalho, algo que
precisava ser feito, e Hugh era um especialista nisso. Ele
faria isso. O outro homem não duraria muito.
O guerreiro deve ter percebido seu destino. Ele lançou
um contra-ataque, trazendo sua espada em um amplo arco
da esquerda, incrivelmente rápido. Hugh aparou antes que
a espada pudesse tocar sua lateral. O guerreiro reverteu o
golpe e o cortou da direita. Hugh entrou, bloqueando o
balanço, a espada apontando para baixo. O guerreiro
investiu contra ele, diminuindo a distância. Os dois homens
lutaram, trancados, cara a cara, com a espada de Hugh no
topo da lâmina do guerreiro, ambos empurrando um ao
outro, imóveis.
Hugh plantou os pés e empurrou.
O guerreiro recuou.
Hugh cortou o braço do oponente da esquerda para a
direita. O guerreiro recuou e colocou a mão esquerda sobre
o ombro. Sangue escorria entre seus dedos.
Ele passou a espada para a mão esquerda e deu um
leve golpe, os olhos fixos em Hugh.
Uma forma peluda saiu dos arbustos. O guerreiro tentou
se virar, mas era tarde demais. Cinquenta quilos de cão o
atingiram no peito. Dentes caninos brilharam e morderam.
O guerreiro tombou com Cedric em cima dele, rosnando e
mordendo.
— Droga, —Hugh xingou.
O sangue molhou a boca do cachorro. Ele mordeu o
homem novamente, arrancando pedaços de carne da
garganta arruinada.
— Chega, —ordenou Hugh.
Cedric o ignorou, rasgando o corpo como se estivesse
furioso.
— Eu disse chega! —Hugh agarrou o cão pela coleira e o
puxou de volta.
Cedric esticou, rosnando, espuma ensanguentada
pingando de suas mandíbulas. Ela nunca viu o cachorro tão
furioso.
Cedric desistiu de rosnar e uivou.
Hugh o empurrou na posição vertical, olhou nos olhos
dele e disse calmamente: — Cale a boca.
O cachorro enorme lutou mais um momento, depois
fechou a boca e recostou-se.
Os três cadáveres estavam no chão da floresta, com
suas armaduras idênticas.
— Você estava certo, —disse ela. — Existe um exército
lá fora.
E eles acabaram de matar três de seus soldados.
Alguém os viria procurar.
Eles se moveram ao mesmo tempo. Hugh desapareceu
atrás da árvore onde deixaram Alex, o pegou como se ele
não pesasse nada e assobiou. Bucky saiu de trás da
vegetação.
Elara pegou a espada do homem caído. O pescoço do
homem parecia hambúrguer cru. Ácido disparou em sua
garganta. Ela o engoliu de volta e foi até o primeiro cadáver.
Elara derrubou a espada em um golpe cortante. A lâmina
cortou o fino fragmento de músculo e pele que ainda ligava
a cabeça ao corpo. A cabeça caiu com um baque. Ela a
pegou, com o elmo e tudo. Se o exército viesse recuperar os
corpos, pelo menos eles teriam alguma coisa. Pode se fazer
muito com uma cabeça e um pouco de magia.
Hugh jogou Alex por cima da sela.
Um pensamento perdido veio a ela. Elara congelou.
— O que foi? —Perguntou Hugh.
— ‘Nos’. Quando ele ... rezou para mim. — Ele disse ‘nos
salve.’
Hugh se virou, estudando a floresta. Arbustos tremeram
para a direita. Hugh estalou em direção os arbustos. Elara
colocou a mão no braço dele, segurando-o, e deu um passo
à frente.
— Está tudo bem, —ela disse suavemente. — Nós
protegeremos você. Vamos mantê-lo seguro. Você não quer
ficar aqui no escuro sozinho, não é?
Os arbustos pararam.
— Está tudo bem, —disse ela. — Tudo vai ficar bem.
Algo se moveu dentro dos arbustos.
Elara se adiantou e gentilmente separou os galhos. Uma
criança, sete ou oito, coberto de lama e sangue. Ela a
alcançou e a pegou nos braços. Era difícil dizer se era um
menino ou menina. Olhos arregalados a encaravam, sem
piscar. Como um bebê coelho assustado se fingindo de
morto.
Hugh pegou a criança de seus braços. A menina, ela
imaginou que fosse uma menina, agarrou-se a ele por puro
instinto. Ele era enorme, assustador e estava coberto de
sangue, mas ela precisava de um protetor. Hugh a abraçou
por um longo momento e a colocou na sela de Bucky. —
Segure-se em Alex.
A criança apenas olhou.
— Segure-o, —disse Hugh, sua voz calma e
tranquilizadora. — Então ele não irá cair.
A garota estendeu a mão e apertou a camisa de Alex.
Eles correram da clareira, Cedric na liderança.
— Ele vai sobreviver? —Elara perguntou baixinho.
— Sim.
— Você vai?
— Sim.
— Não morra agora, Preceptor. —Ela perguntou o
provocando um pouco.
— Estou tocado por você se importar.
— Não ligo, —ela disse a ele. — Estou preocupada que
seus Cães se revoltem se você não voltar para casa.
— Então é melhor você cuidar bem de mim. Nós vamos
correr agora. Tudo bem?
— Sim. Deixa comigo.
— Bom. Se cansar, me diga.
Eles começaram a correr.

********
Elara cambaleou da floresta para o pátio do
castelo. Baile apareceu diante deles, iluminado pela luz da
lua, sua torre principal alta e tranquilizadora. Ela se inclinou.
O fogo encharcava seus pulmões, pontos de dor em brasa
atingiram seu lado direito e seu estômago estava tentando
se esvaziar, convencido de que fora envenenada. Uma dúzia
de pequenos cortes cobriam suas pernas. Se ela nunca mais
visse o interior da floresta, seria muito cedo. Uma mão
quente descansou em suas costas. — Quase lá, —disse
Hugh. — Mais um pouco e chegaremos lá. Você consegue.
Ela se endireitou e mordeu um gemido ao meio.
A criança ainda estava segurando Alex, os nós dos
dedos brancos, mesmo sob a camada de sangue e terra. Se
a menina podia aguentar, Elara tinha que fazer o mesmo.
Eles correram pelo campo gramado até a estrada e
subiram a colina. Ela nunca percebeu antes o quão longe as
primeiras árvores da floresta estavam das muralhas do
castelo.
Os portões do castelo se abriram na frente deles e uma
dúzia de Cães de Ferro saíram, Stoyan e Felix na liderança,
seguidos por Savannah, Dugas, Beth e meia dúzia de seu
povo. Alívio passou por Elara em uma corrida refrescante.
Eles conseguiram.
Savannah correu e tirou a criança da sela. — Micah,
Rodney, tire, o rapaz do cavalo. Beth, chame Malcom. —A
bruxa virou-se para ela. — Você está machucada?
— Não.
Os olhos de Savannah brilharam. — Falo com você mais
tarde. —Ela se virou e correu em direção ao castelo. Micah a
seguiu, carregando Alex por cima do ombro.
— O que aconteceu? —Stoyan perguntou baixinho.
Hugh puxou o alforje da sela de Bucky e marchou pelo
quintal. Ela lutou para acompanhar. Todos seguiram,
olhando para eles, esperando por respostas.
— Redhill foi atacada, —disse Hugh. — Podemos ser os
próximos.
Stoyan assentiu tranquilamente, como se Hugh tivesse
dito a ele que eles estavam comendo sanduíches de
mortadela no almoço.
— Como estão nossos convidados? —Perguntou Elara.
— Dormindo na ala esquerda, —disse Dugas. —
Colocamos vários guardas em torno deles. Eles não irão
fazer nada sem que saibamos.
— Bom, —disse Hugh.
Eles chegaram ao canil. Hugh abriu a porta. Um longo
corredor se estendia diante deles, com jaulas de cachorro
de cada lado. Os cães olhavam para ele. Ele jogou a bolsa
no chão. A cabeça do guerreiro rolou para fora.
Os cães arreganharam os dentes em uníssono.
Rosnados cruéis se levantaram. Os cães atacaram as grades
da jaula, mordendo o ar.
— Duplique as patrulhas, —ordenou Hugh a Stoyan. —
Aqui e na comunidade. Leve os cachorros.
Stoyan saiu correndo.
— Felix, pegue uma pequena tropa e recupere os corpos
dos guerreiros na floresta, —disse Hugh. — Leve acônito e
tudo o que encontrar que cubra os cheiros no local. Fiquem
seguros. Se encontrarem tropas dos inimigos, os atraiam
para o castelo. Nós vamos lidar com eles aqui. Não vale a
pena morrer por cadáveres.
Felix assentiu.
— É ao norte de Squirrel Hollow, —disse Elara a Dugas.
— Vá com eles, por favor.
Dugas assentiu e ele e Felix foram embora. Hugh
levantou a cabeça cortada, a jogou de volta na bolsa e a
entregou. Ela empurrou para Johanna. A bruxa loira assentiu
e saiu correndo.
Hugh se virou.
— Para onde pensa que está indo? —Elara perguntou a
ele. — Você está sangrando.
— Eu tenho coisas para fazer.
— Não. Não há mais nada que possa fazer agora. Você
me pediu para correr, eu corri. Agora você virá comigo e
cuidaremos desses ferimentos.
Pela primeira vez, Hugh não discutiu.

********
A água escorreu do corpo de Elara, primeiro vermelha,
depois rosa e finalmente limpa. Desligou o chuveiro, saiu e
se envolveu em uma toalha branca. Ela limpou o sangue e a
floresta da pele. Suas pernas foram cortadas em uma dúzia
de lugares, nada mais que arranhões, a dor mais irritante
que aguda, e agora elas queimavam. Todo o seu corpo doía.
Toda vez que fechava os olhos no chuveiro, via os três
homens correndo pela floresta em direção a ela. Se
lembrava nitidamente dos olhos azuis dos assassinos, eles
não piscavam
Aqueles homens a matariam hoje à noite. Elara não
tinha ideia de como sabia, mas sentia isso com absoluta
certeza. Lembrar do que aconteceu levantou os pêlos da
nuca. Costumava treinar com armas e com armas brancas.
Não levou nenhuma delas.
Pegou uma calcinha limpa, a vestiu e depois vestiu um
vestido azul escuro. Escovou os cabelos no piloto
automático.
Eles quase a mataram.
Percebeu o quanto era frágil. Um momento estava cheia
de poder. No seguinte, a tecnologia surgiu e todos o seu
poder foi embora. Foi muito irresponsável. Nunca havia
deixado a segurança de seu povo sem uma arma.
Foi a oração. Isso tinha atrapalhado seu pensamento.
Elara abriu a porta e entrou no quarto.
Hugh estava sentado em uma cadeira, nu até a cintura.
Um corte de dez centímetros percorreu seu lado, curvando-
se em direção a sua espinha. Outro corte, com cerca de
cinco centímetros de comprimento, esculpia suas costas,
sobre a omoplata. Nadia e Beth já haviam lavado suas
feridas. Agora Beth estava sentada ao lado dele. A mulher
viu Elara, pegou o porta-agulha e arrancou o envoltório de
plástico da agulha cirúrgica.
As mãos de Beth tremiam. Ela era uma pessoa gentil
apesar de ser capaz de atacar um monstro e o matar com
sua espada, mas quando se tratava de humanos, Beth mal
conseguia se defender e d'Ambray a assustava. Elara nunca
testemunhou Hugh a maltratado de alguma forma, mas
havia algo nele que profundamente perturbava a jovem.
— Obrigada, Beth. —Elara entrou, limpou as mãos em
uma toalha e pegou a agulha dela. — Por favor, verifique a
criança e Alex por mim.
Beth se retirou para o corredor e partiu.
Os cortes de Hugh não foram tão ruins. Ela tinha muita
prática em suturar feridas. Desta vez não seria diferente.
Nadia entrou pela porta, carregando uma bandeja com
um copo de líquido esverdeado. Ela ofereceu o copo a Hugh.
— Beba, —disse Elara.
Hugh estudou o copo. — O que há nele?
— Antídoto para todos os fins.
— Não existe tal coisa.
— Você foi esfaqueado e não temos ideia do que havia
nessa espada. Isso ajudará a combater vários venenos
comuns.
Ele olhou de soslaio para o copo.
— Sei que pode curar todos os seus ferimentos quando
a magia chegar, mas não sabemos quando será, então
beba. Eu tenho que mantê-lo vivo até a onda de magia
chegar.
Ele provou o líquido. — É nojento.
Sua voz era fria e desconectada. — Não seja um bebê,
Preceptor.
Hugh esvaziou o copo.
— Alguma novidade sobre Alex? —Perguntou Elara.
— Ele ainda está dormindo. Malcom disse que seu
estado é estável.
Nadia pegou o copo vazio e saiu da sala. Eles ficaram
sozinhos.
— Levante os braços, —disse Elara. Já haviam tentado
fazer Hugh deitar na maca, mas ele recusou. O olhar nos
olhos deles disse a ela que não havia vida inteligente lá.
Hugh levantou os braços, prendendo-os na parte de trás
da cabeça. Seus grandes bíceps flexionaram. O músculo
definido e esculpido em seu peito se destacava sob a pele
bronzeada. Seus olhos azuis escuros estavam quentes e
convidativos. D’Ambray estava pensando em sexo e a
observava como se ela estivesse nua. Era perturbador como
o inferno e ele sabia disso, e era exatamente por isso que
fazia.
Elara sentou-se em um banquinho baixo, levantou
delicadamente a borda da ferida com uma pinça
esterilizada, perfurou a borda com a agulha e girou a mão
para deslizar a agulha através da pele e dos músculos.
Ele não se mexeu. Sem grunhidos, nenhuma indicação
de que algo doloroso estava acontecendo. Ela se concentrou
em fazer na sutura.
— Teve dificuldade em esfaquear aquele cara através da
armadura? —Perguntou Hugh.
Elara não respondeu.
— Acontece com os melhores de nós.
Ela estava quase terminando.
— Na próxima vez, aponte para a parte de trás do
pescoço ou para o interior das coxas.
— Eu o matei.
— Sim, —ele disse, um leve sorriso em seus lábios. —
Sim, você os matou.
— O que foi?
Hugh apenas olhou para ela.
— O que é tão engraçado?
— Você e sua farra assassina. Seu pessoal sabe que é
uma sedenta de sangue?
Elara cortou o último pedaço de fio. — Não acha que
temos coisas mais urgentes para discutir? Como quem são
eles? O que eles querem? Por que estão matando pessoas?
— Essas são boas perguntas. Na verdade, eu pretendia
obter respostas para essas perguntas, o problema é que
você matou as pessoas que as tinham.
Elara parou. — Eu estava tentando ajudá-lo a
permanecer vivo, seu idiota ingrato.
— Parecia que eu precisava de ajuda?
Ela olhou para ele e depois moveu o olhar para o
ferimento dele.
— O que achou que eles fariam comigo?
Babaca. — Deixa-me lembrar, quem de nós saiu de lá
cortado?
— Tudo bem, —disse Hugh, — vou aceitar o cara que
estava com o nariz quebrado, os olhos inchados e a mão
direita pendurada por um fio. Ele ainda tinha a mão
esquerda. Poderia ter me acertado com a mão boa no meu
peito enquanto eu o arrastava. Mas por que matar o cara
com o fígado cortado? Ele estava de joelhos mergulhado em
seu próprio sangue.
O entendimento brilhou em sua mente.
— Eu planejei ferir esses caras o suficiente para que
pudéssemos questioná-los depois, mas toda vez que eu
deixava um respirando, você o matava.
Ela os matou. Isso foi uma coisa idiota. Uau, isso foi
idiota. Com certeza não foi um dos seus momentos mais
brilhantes.
Hugh levantou uma sobrancelha para ela. — O que
aconteceu com aquela minha esposa fria e calculista? Você
estava realmente tão preocupada comigo que não
conseguiu pensar direito?
Ele estava zombando dela abertamente.
Elara levantou-se e inclinou-se para perto. Mesmo ele
sentado e ela em pé, Elara estava só um pouco mais alta
que ele. — Sim. Eu estava preocupada. Matei catorze
criaturas. Você só teve que cuidar de três homens, e eu tive
que terminar dois para você e o pobre Cedric teve que
ajudá-lo com o terceiro. Essa luta não foi muito boa para
você, não é?
— Realmente? Vai apelar com esse argumento?
— Se você morresse enquanto estava sozinho comigo
na floresta, seu povo assumiria que eu te matei. Eles não
sabem que não preciso de um pedaço bruto de metal para
tirar sua vida. Se eu quisesse você morto, eu comeria sua
alma. O gosto seria amargo e podre, mas sacrifícios devem
ser feitos.
Hugh arreganhou os dentes com um sorriso feroz. —
Que tal agora? Dê uma pequena mordida na minha alma,
apenas por diversão.
Elara fechou os olhos por um segundo e olhou para
cima, pedindo forças aos deuses. — Por favor, me dê forças
para não matar esse homem. Por favor.
— Por que não tenta? —Hugh ofereceu. Um calor
convidativo iluminou seus olhos. — Pode ser divertido.
Oh, seria divertido. Ele parecia muito bem à luz, cada
linha de seu tronco forte, cada músculo definido. Elara
gostava de tudo, seus loucos olhos azuis, a barba por fazer
em sua mandíbula quadrada, seus ombros largos, seu peito,
seu estômago liso ... Ela gostava do tamanho dele, da
maneira arrogante que ele se espalhava em sua cadeira, do
poder de seu corpo, e mais ainda, do poder em seus olhos.
Tudo nele dizia força e ela precisava de força hoje à noite.
Ela o desejava, ansiava por ele, por estar envolvida nele.
Elara lembrou-se da maneira como ele a olhara no
sonho, com uma necessidade quase feroz.
Não. Não esse homem. Qualquer um menos ele. Não
somente por ele ser muito perigoso, mas ela mal podia
suportar estar no quarto com ele.
E se sentiria estúpida depois. Seria um problema. Um
minuto depois que tudo acabasse, ambos se sentiriam
estúpidos.
— Bem, —Elara falou, finalizando a conversa anterior. —
Eu os matei. Mas e você? Poderia ter me avisado, não é?
Passos rápidos se aproximaram, e Felix apareceu na
porta. Cedric entrou atrás dele e sentou-se na porta.
— Em toda aquela deslumbrante exibição de espadas,
você não encontrou dois segundos para rosnar
masculinamente: ‘Precisamos deles vivos?’ Ou ‘Não o
mate?’ Como faz para liderar seus soldados? Grita a eles as
ordens ou transmite telepaticamente sua estratégia de
batalha?
Hugh olhou para ela.
— Vamos perguntar a Felix, —disse ela.
O grandalhão assustou-se.
— Felix, como sabe quando Hugh quer que você faça
alguma coisa?
— Ele me diz, —disse Felix.
— Ah! —Ela bateu palmas. — Ele fala. Imaginei isso.
Então você é capaz de se comunicar com palavras reais, em
vez de grunhidos e rosnados. O que aconteceu? Por que não
me disse que os queria vivos depois que eu matei o
primeiro? Levei três minutos para deslizar a espada naquele
segundo cara. Eu tive que me deitar nele.
Hugh fez um barulho baixo na garganta. Se os humanos
pudessem rosnar, soaria assim.
Ela deu um sorriso doce. Tão doce que se poderia
espalhá-lo na torrada.
— Use suas palavras.
— Eu não falei, porque não me ocorreu que você seria
tão estúpida.
— Então esperava que eu pensasse claramente depois
de matar quatorze monstros misteriosos e ver três homens
correrem para mim com espadas? Já lhe ocorreu que eu
poderia estar muito focada em matá-los?
— E, —continuou Hugh, — porque ainda estava lutando
com o terceiro cara.
— Esse não fui eu. Foi o seu cachorro. Não sou
responsável pelas ações de seu cachorro leal.
— Ele não é meu cachorro.
Ela apontou para Cedric. — Diz isso a ele.
Hugh virou a cabeça. Cedric entendeu como um sinal de
que não havia problema em entrar no quarto e enfiar a
cabeça no colo de Hugh. Hugh parecia que queria matar
alguma coisa. Ou alguém. De preferência ela.
— Veja, até Cedric decidiu que você precisava de ajuda.
Hugh levantou a mão e deu um tapinha no cachorro. —
Você queria alguma coisa? —Ele perguntou a Felix.
— Nós recuperamos os corpos, —disse Felix.
Hugh levantou-se. — Adoraria ficar e brincar de médico,
amor, mas o dever me chama. —Ele se dirigiu para a porta.
Brincar de médico? — Imbecil.
— Harpia.
— Obrigada por me salvar na floresta, —disse ela de
costas. — E por curar Alex.
— De nada. Vejo você lá embaixo em dez minutos.
Ele saiu.
Um momento depois, Rook entrou no quarto dela e
estendeu o bloco de anotações.
Hugh precisava de ajuda?
— Não, —disse Elara. — Ele foi espantoso.

Dez
A criatura de cerca de um metro e oitenta e cinco
estava esticada na superfície de metal brilhante da mesa de
autópsia. Finos pêlos castanhos, mais parecidos com a
pelagem de um cavalo do que a de um cachorro, o cobriam.
Os pêlos engrossavam atrás dos braços e na virilha.
Músculos duros e definidos envolviam seu esqueleto.
Provavelmente era incrivelmente forte, decidiu Hugh. Dedos
dos pés e das mãos alongadas, fortes e inclinadas com
garras triangulares em forma de gancho. Sem cauda.
Orelhas grandes com tufos de pêlos nas pontas.
O rosto era um pesadelo. Os olhos eram
suficientemente humanos, anormalmente grandes, quase
parecidos com corujas, cercados por rugas profundas, como
se empurrasse a carne ao seu redor para abrir espaço. Um
focinho curto substituía o nariz. Seu lábio superior era
dividido como o de um gato ou um cachorro. A boca
atravessava seu rosto, larga demais para ser humana.
Pinças cirúrgicas abriam os lábios no lado direito, exibindo
presas longas e cônicas.
Ao lado de Hugh, Felix fez uma careta. Hugh olhou para
ele. Felix acenou com a mão na frente do rosto. O mau
cheiro. Tem razão. O cheiro forte e amargo tinha que ser um
inferno no nariz do metamorfo. Bale, por outro lado, parecia
completamente sossegado. Hugh trouxe esses dois com ele.
Stoyan e Lamar estavam encostados na parede.
Elara trouxe Savannah, Dugas e Johanna. Eles estavam
do outro lado, em uma outra mesa. A bruxa líder franzia o
rosto com nojo. Dugas parecia pensativo.
Estavam em um grande laboratório no porão da torre
principal. Três grupos de pessoas agrupados em torno de
três mesas. A primeira mesa, onde ele estava, apoiava o
corpo autopsiado de uma besta, na segunda mesa estava
um guerreiro autopsiado da mesma forma, e a terceira,
onde os ferreiros discutiam em silêncio, apoiava pedaços da
armadura do guerreiro.
Hugh tinha que admitir. O pessoal de Elara era eficiente
e bem treinado, e seus espaços de trabalho estavam
sempre em boas condições, não importa se era uma loja de
cerâmica ou uma enfermaria.
O médico legista, um homem mais velho, de pele
morena e olhos escuros e afiados, cruzou as mãos.
— Essa coisa já foi um humano, —disse o médico
legista.
Elara levantou as mãos e sinalizou para Johanna.
Hugh examinou os órgãos internos. Coração, fígado,
pulmões. Os de sempre. Alguns dos órgãos estavam
deformados, mas ainda pareciam funcionais.
— Como explicar isso, —começou o legista, claramente
tentando encontrar uma versão compreensível. — Hum.
Bem, para simplificar ...
114
— Postura ortógrada , —disse Hugh. — Nenhum dos
outros vertebrados bípedes mostram a mesma adaptação.
Os pinguins são bípedes, mas sua biomecânica é
completamente diferente. Vertebrados como avestruzes,
cangurus e outros não exibem uma coluna ortógrada
durante a locomoção. A curva S da coluna vertebral com
lordose lombar é exclusiva para os seres humanos. Outros
primatas mostram uma curva C.
Ele moveu a mão para apontar o quadril da besta. — O
exame da cabeça do fêmur provavelmente indicará um
115
tamanho grande do fêmur e um ângulo valgo típico dos
seres humanos. —Ele moveu a mão em direção ao pé da
116
criatura. — Evidência de arcos longitudinais . Embora
117
exista oposição ao hálux , a estrutura do pé indica
adaptação à locomoção bípede. Não há razão para um
animal símio predador exibir essas características.
O silêncio caiu.
— Ele é um curador, Saladin, —disse Elara calmamente,
depois sinalizou para Johanna.
— Bem, isso facilita as coisas, —disse Saladin.
— Hálux? O que diabos é isso? —Bale perguntou.
— Dedo do pé oponível, —traduziu Saladin. — Como em
um macaco.
— Eles são bons escaladores, —disse Dugas.
Felix se inclinou para frente, examinando os pés. — E
bons corredores. Calos.
— Então são como homens das cavernas, —disse Bale.
Todo mundo olhou para ele.
— Peludos, fortes, estúpidos. Trogloditas. —Bale olhou
em volta. — O que? Temos que chamá-los de algo.
Ele estava certo.
Johanna sinalizou algo que ele não entendeu.
Hugh virou-se para Elara.
— O que ela disse?
Johanna bateu o pé e moveu os dedos devagar.
— Mrogs? —Ele perguntou.
Elara fez uma careta. — Sim.
— O que é um mrog? —Perguntou Stoyan.
— Monstros mágicos assustadores que vivem na
escuridão, —disse Dugas. — É uma história que contamos
às crianças para alertá-las sobre os perigos de magias
desconhecidas. A maioria das crianças tem um instinto
quando se trata de magia. Eles sabem quando as coisas não
parecem certas. Quem não escuta esse instinto sabe que os
mrogs esperarão no escuro por aqueles que cruzarem os
limites.
— Isso, —disse Hugh. — Mrogs é isso.
— E aqueles idiotas de armaduras? —Perguntou Bale.
— Mestres Mrogs? —Sugeriu Dugas.
— Soldados Mrogs, —disse Elara.
— O que foi feito para transformar um humano em ...
hum ... mrog foi feito ainda na infância, —disse Saladin. —
Não há evidência de características de um morto-vivo ou
atrofia típica de vampiros. Mas as anormalidades nos órgãos
são suficientemente graves para que um ser humano
normal não sobreviva à transformação, a menos que tenha
sido um processo gradual que ocorreu quando o
crescimento do corpo ainda estava em seu ponto mais alto.
Ou que estejamos lidando com algum tipo de vírus
regenerativo como o Lyc-V.
O vírus Lycos era responsável pela existência de
metamorfos e trazia efeitos colaterais interessantes.
Também deixava evidências irrefutáveis de sua presença no
corpo humano.
— Existe alguma evidência de regeneração recente? —
Elara perguntou. — Pedaços de tecidos novos nos ossos?
Dentes novos?
— Não nos três que abrimos até agora. Avisarei se a
encontrarmos.
— Você conhece o protocolo para lidar com vampiros? —
Perguntou Hugh.
Saladin parecia ofendido. — Sim.
— Use esse protocolo para eles até termos certeza que
não irão se regenerar e ressuscitar.
— Não somos amadores, —disse Saladin.
— Se eu acreditasse que fossem, já teria colocado meu
pessoal aqui, vigiando-os.
Felix se aproximou e olhou para o rosto do mrog.
— O que foi? —Hugh perguntou.
— Olhos grandes, nariz mais comprido, orelhas maiores,
—disse Felix.
— Todos os sentidos são exagerados, —Elara murmurou.
— Predadores, —disse Savannah.
Predadores mansos, como cachorros. Treinados para
fazer o que seus mestres lhes ordenar.
— Mais alguma coisa? —Perguntou Hugh.
Saladin balançou a cabeça. — Quando a magia voltar,
talvez possamos descobrir mais.
— Vamos ver o humano, —disse Elara.
Eles foram para a segunda mesa. Um homem grande
estava deitado na superfície de aço, seu tórax aberto ao
meio, exposto para que todos pudessem ver. Tatuagens
geométricas cobriam sua pele, mas apenas no lado
esquerdo. Uma mulher indiana de trinta e poucos anos
estava ao lado dele, com as mãos enluvadas levantadas. Ele
já a viu antes, lembrou Hugh. O nome dela era Preethika
Manohari e ela dirigia a clínica pediátrica na comunidade.
— Ele é humano, —disse ela. — O coração dele é cerca
de 25% maior que a média. Os pulmões também são
maiores. Nada fora do âmbito dos padrões humanos, mas
com esses corações eles podem bombear volumes muito
maiores de sangue e seu VO2 max, que é o volume máximo
de oxigênio que os pulmões podem ingerir, é muito maior.
Os outros dois são iguais.
— Então eles são mais fortes? —Perguntou Bale.
— Eles têm alta resistência, —disse Preethika. — Parte
disso é genética, parte é treinamento. Olhem aqui. —Ela
pegou a mão direita do homem e a levantou. — Calos do
uso de espadas. Cicatrizes aqui e aqui. —A médica traçou as
linhas finas de velhas cicatrizes. — Todas feitas por armas
de lâmina. Exceto essa, parece ser uma queimadura de
ácido. As cicatrizes são de diferentes idades.
— Um veterano, —disse Hugh.
Ela assentiu. — A mesma história com os outros dois.
Esses homens lutaram por anos. Mas há algo que não
encontrei.
— Ferimentos de bala, —disse Dugas.
— Sim. Todos os três estão na casa dos trinta e são
soldados profissionais. A maioria dos homens dessa idade
que são soldados profissionais foram baleados. É possível
que esses três tenham tido sorte. Outra coisa interessante.
—Preethika usou uma pinça para levantar o lábio superior
do homem. — Nenhuma evidência de trabalho odontológico
em nenhum deles. Seus dentes do siso ainda estão aqui.
Sem cicatrizes cirúrgicas. Sem cicatrizes de inoculação. Sem
piercings. Além disso, há algo interessante com as
tatuagens deles. A maioria das pessoas com tatuagens
tende a escolher pelo menos uma ou duas de referência
cultural. Uma tatuagem deve significar algo para aquele que
a tem. Não há tatuagens de referência cultural moderna
nesses homens.
Ela se afastou e um homem na casa dos quarenta deu
um passo à frente. Ele era branco, com a cabeça cheia de
cabelos cacheados avermelhados, barba esparsa e olhos
azuis claros por trás dos óculos de aro prateado. Parecia
deslocado aqui, como se um professor de inglês tivesse
entrado na autópsia por acidente.
— Este é Leonard, —disse Elara. — Nosso principal
pesquisador druida. Pedi que ele olhasse para as tatuagens,
porque elas parecem vagamente celtas para mim.
Leonard assentiu. — A maioria delas não me é familiar,
mas há algo interessante aqui.
Ele apontou para uma tatuagem na coxa do homem,
onde uma lua crescente ornamentada marcava a pele, as
pontas da lua apontando para baixo. Uma fina linha em
forma de V cruzava a lua, a ponta inferior do V dobrada,
como se alguém tivesse colocado uma flecha logo abaixo da
lua invertida, e a quebrasse ao meio.
Bem, agora isso era interessante.
118
— V-Haste e Lua Crescente , —disse Leonard.
— Eles estão muito longe de casa, —disse Hugh.
— Parece que sim, —disse Leonard.
— É celta? —Elara perguntou. 
— Não. É Pictórico. —Leonard empurrou os óculos pelo
119
nariz. — Não sabemos muito sobre os Pictos e o que
sabemos depende da fonte. Algumas pessoas dizem que os
Pictos eram os habitantes originais da Escócia, anteriores
aos Celtas britânicos e distintos outros grupos como os
Escoceses celtas, Bretões e os Anglos germânicos. Outras
pessoas dizem que eram etnolinguisticamente celtas. Havia
um estudo de DNA feito antes da Mudança e,
aparentemente, sua carga genética era semelhante aos
Bascos espanhóis. Nada disso nos ajuda, e percebo que
estou só divagando. Eles deixaram para trás pedras
esculpidas e a haste em V e Lua Crescente são pinturas
recorrentes. Mas nunca vi um tão elaborado. Os detalhes
desta tatuagem são notáveis. Eu só os analisei por alguns
minutos, então posso dizer-lhes mais quando terminar de
examinar os três corpos com uma lupa. Então me dê tempo
e poderei descobrir mais.
Todas as informações eram boas, mas eles precisavam
descobrir como o vínculo entre os mrogs e os humanos
funcionava.
— Precisamos saber como eles estão controlando os
mrogs, —disse Elara. — Precisamos preservar os corpos até
a magia chegar.
Essa é a minha harpia.
— Vamos colocá-los no gelo, —prometeu Preethika.
— Mais uma coisa, —disse Leonard. — Todos
concordamos com algo: o que foi feito com essas pessoas e
criaturas é permanente e não pertence ao nosso mundo. É
algo diferente.
— O que está tentando dizer? —Elara perguntou.
— Temos certeza de que eles só podem sobreviver em
nosso mundo durante a magia. A tecnologia os mata.
— Eles pareciam sobreviver muito bem à tecnologia, —
disse Hugh.
— Provavelmente por um tempo podem sobreviver, —
disse Preethika. — Uma hora, talvez duas. Eventualmente
irão morrer.
— Você tem certeza? —Perguntou Elara.
— Eu apostaria minha vida nisso, —disse Leonard.
Eles foram para a terceira mesa, onde três pessoas
esperavam: Radion, um homem baixo, musculoso e negro,
que parecia quase tão largo quanto alto, Edmund, um
homem branco de cinquenta e poucos anos que parecia que
a vida havia o atropelado, mas isso apenas o irritou, e
Gwendolyn, uma ruiva alta de cabelos cor de mel e o tipo de
olhos que avisavam aos homens para ficarem longe do seu
caminho. Os três melhores ferreiros do lugar. Um elmo de
120
cota de malha , duas botas e duas luvas estavam na
frente deles.
— Fale, —disse Radion a Gwendolyn.
Ela levantou o queixo. — Não podemos replicá-los, não
sabemos como eles o fizeram ou de que diabos é feito.
Ótimo. — É aço?
— Possivelmente, —disse Radion.
— Não há evidências de ferrugens e não são
lubrificados, portanto podem ser um tipo de aço inoxidável,
—disse Edmund. — Não é magnético, mas isso não significa
nada.
— O aço inoxidável é fornecido em dois tipos,
121 122
austenítico e ferrítico , —disse Gwendolyn. — Tem a
ver com estrutura atômica. Ambos formam cubos no nível
molecular, mas o aço austenítico é formado por redes
123
cúbicas de faces centradas . É um cubo com um átomo
em cada canto e no centro das faces de cada cubo. O aço
124
ferrítico possui uma rede cúbica de corpo centrado , com
um átomo em cada canto e um átomo no centro do cubo.
— O aço austenítico não é atraindo por ímãs, —explicou
Radion.
— Nós pesamos o material, —acrescentou Edmund. — É
muito mais leve que o aço inoxidável.
125
— Depois aterramos , —disse Gwendolyn. — E faiscou
como o aço.
— Também o cortamos, —disse Radion. — É quase tão
duro quanto o aço, mas é flexível.
— E jogamos ácido fosfórico a 45% nele. Não houve
borbulhamento, então definitivamente não é um aço com
baixo teor de cromo, —concluiu Edmund.
Hugh lutou contra a vontade de colocar a mão no rosto.
— Então pode ou não ser aço?
— Sim, —disseram em uníssono.
— É metal? Podem garantir isso?
— Sim, —disse Radion.
— É algum tipo de liga de metal, —disse Gwendolyn.
Fantástico. Bom que esclarecemos isso.
— Como podemos ter certeza? —Perguntou Elara.
— Temos que enviá-lo para um laboratório em
Lexington, —disse Edmund. — Precisa passar por fotometria
126
de chama fotoelétrica ou espectroscopia de absorção
127
atômica .
— Ambos, —disse Radion. — Deveríamos fazer as duas
coisas.
— Eu concordo, —disse Gwendolyn.
Aqui vamos nós. Três, dois, um …
— Quanto vai nos custar? —Elara perguntou.
Bem na hora.
Os três ferreiros deram de ombros.
— Descubram, —disse ela. — Quando souberem, leve o
orçamento ao Preceptor. Ele aprovará ou negará a despesa
e providenciará a segurança da transferência para
Lexington.
Uau. Isso era novo. Aparentemente, a chave da conta
bancária de Elara era salvar crianças de monstros na
floresta escura.
— Nós podemos usar um pássaro de transporte, —disse
Radion. — Eles precisariam de uma amostra muito pequena.
Um pombo-correio deve ser capaz de transportar o material.
— Podemos fazer isso, —disse Elara. — Fale com o
Preceptor quando tiverem algo concreto. —Ela se virou para
ele.
— Vocês têm esta noite para terminar os testes, —ele
disse aos ferreiros. — Amanhã, assim que nossos
convidados forem embora, colocaremos as armaduras em
alvos e nós vamos cortá-las e atirar nelas.
Os três ferreiros respiraram coletivamente. Gwendolyn
empalideceu. Radion lançou-lhe um olhar horrorizado.
— Não precisamos saber como foram feitas, —disse
Hugh. — Precisamos saber como destruí-las.
128
— Mas é como riscar a Mona Lisa , —disse
Gwendolyn.
Tudo bem. Irritar todos os três ferreiros ao mesmo
tempo não seria uma boa ideia.
— Vocês podem ficar com uma, —disse ele. — Quando
descobrirmos como destruí-las, prometo a vocês toda a
armadura que quiserem.
— Podemos ter a armadura destruída depois que você
terminar? —Perguntou Gwendolyn.
Hugh quase suspirou. — Sim.
— Certo, —disse Radion. — Nós podemos viver com
isso.

********
Elara caminhou pelo corredor. O nervosismo pós-batalha
se transformou em inquietação, depois em pavor absoluto.
A exaustão tomou conta, como se um peso enorme
repousasse sobre seus ombros e continuasse ficando cada
vez mais pesado.
Passos rápidos ecoaram atrás dela.
Era só o que lhe faltava. Elara deu um suspiro antes que
mostrasse sua irritação. Não tinha energia para duelar
verbalmente agora.
Hugh a alcançou.
— Quanto quer gastar em testes? —Ele perguntou,
caminhando em sintonia com ela. — Me dê um valor
máximo.
Elara quase se beliscou. — Quanto precisamos desses
teste?
— Não precisamos, —disse ele. — Não precisamos saber
do que a armadura é feita. Precisamos saber como destruí-
la e isso descobriremos amanhã. Basicamente, quanto
dinheiro você deseja gastar para manter os ferreiros felizes?
Pensar cansada como estava era muito difícil e tomar
uma decisão era ainda mais difícil. — Mil. Mil e quinhentos,
no máximo.
Eles começaram a subir a escada.
— Mais do que eu lhes daria, —disse Hugh.
— Desde quando se tornou um gastador responsável?
— Eu gasto dinheiro para nos manter vivos.
Ela quase gemeu. — Por favor, não comece com o fosso,
Hugh, eu não aguento falar sobre isso agora.
— Implorando? Isso não é você. O que está a
incomodando? —Ele perguntou.
Elara sentia falta de sua magia. Era o escudo e a arma
dela, se sentia nua sem ela. Queria tanto, era quase uma
dor física. Mas estava errado, Elara lembrou a si mesma.
Tentou tirar a necessidade da cabeça, mas ela se recusava a
sair. Os riscos eram altos demais se cedesse aos desejos da
magia. Se o fizesse, seria seu fim.
— Quatorze, —disse ela, tentando uma distração.
— O que?
— Havia três homens e quatorze mrogs. Se cada um
deles tinha o mesmo número de criaturas, onde está o
décimo quinto mrog?
— Talvez um deles tivesse apenas quatro.
— O guerreiro do Antigo Mercado também tinha cinco,
—disse ela.
O rosto de Hugh não mostrou nada, mas seus olhos
disseram que ele não estava feliz. Ela também não estava
feliz com esse pensamento.
Eles chegaram ao terceiro andar e ela se virou para o
corredor.
— Onde você vai?
— Vou verificar Deidre, —ela disse a ele. — A garotinha.
— Ela está sozinha?
— Não. Lisa está com ela, e é boa com armas. Savannah
fez Deidre falar. Ela tem uma tia em Sanderville. Ligamos
para ela e a família virá buscá-la nos próximos dias.
— Vou mandar uma escolta, —ele disse a ela.
— Obrigada.
— É uma hora da manhã, —disse ele. — A criança
provavelmente está dormindo.
— Eu sei. Só quero ter certeza de que ela está bem.
Ele a seguiu. Caminharam juntos pelo corredor sombrio.
Era reconfortante andar assim ao lado dele. Era como
andar ao lado de um monstro, se algo pulasse das sombras,
ele o mataria, não só porque era o trabalho dele, mas
também porque iria gostar. Ele não estava carregando uma
espada, mas isso não importaria. Hugh d'Ambray era um
predador. Ela entendeu isso muito bem. Havia dois monstros
naquele corredor, ele era um e ela era o outro, os dois
terríveis à sua maneira. A visão do sangue se espalhando
através da água clara na piscina a atingiu. Ela estremeceu.
— Frio? —Ele perguntou.
— Não. Hugh, você acha que o que aconteceu em
Redhill foi o mesmo do Antigo Mercado?
— Sim.
— Para onde levam os corpos? —Ela olhou para ele. —
Eles matam essas pessoas, e depois têm quilos e quilos de
peso morto para lidar. Precisam transportá-los para fora,
mas os metamorfos perderam o cheiro na paliçada. Você
precisaria de veículos ou vagões para transportar essa
quantidade de pessoas. Não deixaria apenas um pequeno
vestígio de cheiro, deixaria um grande rastro de quilômetros
de largura.
— Sim.
— Não há rastro. Não há nada. As pessoas e os
guerreiros desapareceram no ar.
— Sim.
— Estamos lidando com um Antigo?
Seu rosto estava sombrio. — Provavelmente.
Ela quase se abraçou. Certas criaturas exigiam muita
magia para sobreviver o vai-e-vem da magia e da
tecnologia. Djinns, Criaturas divinas, Deuses ... Eles só se
manifestavam durante um Flare, um tsunami mágico que
encharcava o mundo a cada sete anos. O resto do tempo
eles existiram fora da realidade, nas brumas, nas cavernas
secretas, nas trevas primordiais. Uma onda sombria de
lembranças surgiu dentro dela, e ela as esmagou antes que
tivessem a chance de arrastá-la para baixo.
Um Antigo poderia abrir um portal para seu reino. Tinha
visto isso acontecer pessoalmente durante um Flare. Seria
preciso muita coragem para se manifestar durante uma
onda normal de magia, porque isso seria infinitamente mais
perigoso para o Antigo. Ninguém pode prever o momento
em que a tecnologia aparece e, se a onda de magia acabar
subitamente, o Antigo provavelmente morreria.
— Precisamos descobrir a natureza do vínculo entre os
animais e os manipuladores, —ela murmurou.
— Pode ser uma navegação telepática, como os
Navegadores —disse Hugh. — Explicaria por que os
guerreiros param enquanto as criaturas trabalham.
Era preciso concentração para navegar. — Mas cinco? A
maioria dos Mestres dos Mortos navega dois vampiros?
Três?
— Depende do Navegador. Daniels pode segurar
algumas centenas.
Elara parou e girou em sua direção. — Algumas
centenas?
— Ela não pode fazer muito com eles, mas pode segurá-
los. Há muito poder nela e ela não usa na maioria das
vezes. Como você. Por que se esconde, Elara?
Excelente hora para escapar. Ela apontou para a porta à
frente. — Cheguei.
— Não está no clima de conversa?
— Boa noite, Preceptor.
Hugh assentiu, virou-se sem dizer uma palavra e
caminhou pelo corredor. Ele a levou até a porta do quarto.
Isso foi quase ... doce.
A única maneira do Preceptor dos Cães de Ferro ser
doce seria se ele estivesse a levando para uma armadilha.
Elara virou-se, olhando as sombras, meio que esperando
algo saltar nela.
Nada. A suave escuridão do corredor estava vazia. O
homem a deixava paranoica em seu próprio castelo. Esse
casamento era um presente que ela continuava ganhando
e, justamente quando pensou que o desvendara, ele a
surpreendeu.
Fora dos muros, um cachorro uivou, seu uivo se
transformando em um rosnado histérico e furioso. Alarme
disparou através dela.
A porta se abriu sob a pressão das pontas dos dedos. A
janela estava aberta, as cortinas brancas ondulando na
brisa da noite. Deidre estava sentada na cama como uma
estátua, com os olhos arregalados e sem piscar. O corpo de
Lisa caído no chão perto da janela, uma espingarda no
tapete, ao lado da cama. Uma criatura agachava-se sobre
Lisa, as garras cravadas em sua carne, mordendo o pescoço
dela, quase o tinha arrancado, ao ponto que a cabeça de
Lisa balançava pendurada, seus olhos castanhos escuros e
vidrados.
A criatura olhou para cima, grandes olhos de coruja
vazios, planos, como os olhos de um peixe.
O sangue manchava suas presas de pesadelo.
Ela tinha que salvar a criança.
A única arma no quarto era a espingarda de Lisa.
Conhecendo-a, estaria carregada. A outra porta do quarto
levava ao banheiro, seria muito frágil para segurar a
criatura e, uma vez que entrassem, ficariam presos. A única
saída era pela porta onde Elara estava. Se a garotinha
corresse para ela, a criatura a pegaria antes.
— Deidre, —disse Elara, sua voz calma. — Rasteje em
minha direção. Venha bem devagar.
A garota engoliu em seco. Lentamente, muito
lentamente, ela se ajoelhou. Elara deu um passo lento e
deslizante de lado na direção da cama e da arma.
A criatura a observou, o sangue de Lisa pingando de sua
boca. Lambeu as presas, passando a língua nos pedaços de
carne humana presos entre os dentes.
Do lado de fora, os cães rosnavam em frenesi.
Deidre rastejou até ela. Um centímetro. Outro
centímetro.
Outro.
Elara deu outro passo.
Três metros entre eles.
Dois e meio. Deidre estava quase na beira da cama.
Dois.
A criatura se inclinou para a frente, abaixando Lisa no
chão, com o olhar bloqueado nelas. Elara levantou a mão,
palma esticada na direção de Deidre.
Eles congelaram.
O monstro olhou para eles.
Elara respirava superficialmente.
Um momento se passou, longo e lento como melaço
frio.
Outro …
A criatura abaixou a cabeça e mordeu o pescoço de
Lisa.
— Deidre, quando eu disser corra, quero que você pule
da cama, corra para fora do quarto e grite o mais alto que
puder. Grite e continue correndo. Não pare. Você entendeu?
—A criança assentiu.
Elara mudou seu peso na ponta dos pés.
A criatura arrancou outro pedaço de carne da garganta
de Lisa, expondo as vértebras mastigadas. Ela o faria pagar.
Sim ela o faria.
Deidre empoleirou-se na beira da cama.
Agora. — Corra!
Deidre pulou da cama e correu para a porta. Elara pulou
para frente e pegou a espingarda.
Um grito penetrante e desesperado atravessou o
castelo. — Hugh! Hugh!
O animal saltou para ela. Não havia tempo para mirar,
então ela enfiou a coronha da arma na cara dele. A criatura
cambaleou. Ela engatilhou a espingarda e apertou o gatilho.
A arma disparou. Projeteis rasgaram o rosto do animal,
derrubando-o.
Elara correu para o corredor, fechou a porta com força e
se jogou contra ela, de volta à madeira. Ela tinha que
ganhar tempo.
A besta soltou um grito atrás dela. Isso açoitou seus
sentidos, chicoteando-a em um frenesi.
— Hugh! —O grito encharcado de terror soou mais
longe. Corra, Deidre. Corra.
A besta bateu na porta do outro lado. O impacto a
sacudiu como o golpe de um martelo gigante. Os pés de
Elara deslizaram. Ela cravou os calcanhares.
A porta estremeceu novamente, quase a jogando. Ele a
quebraria em sua terceira tentativa.
Elara pulou para o lado e engatilhou a espingarda.
A porta se abriu, a criatura bateu na outra parede do
corredor. Elara levantou a arma e disparou.
Baam!
A explosão rasgou a fera. Respingos de sangue caíram
em seu rosto. O monstro saltou na vertical, o rosto uma
bagunça de tecidos ensanguentados, o olho esquerdo
pendurado na bochecha.
Engatilhou. Baam!
A criatura recuou e depois se lançou contra ela.
Engatilhou. Nada.
Elara sacudiu a espingarda, brandindo-a como um taco.
Hugh virou a esquina, correndo a toda velocidade e
avançou contra a besta, desequilibrando-a. Quando o
monstro se levantou novamente, Hugh o agarrou pelo
pescoço, virando-o de frente para ela, segurando-o. O rosto
de Hugh era selvagem enquanto apertava a garganta da
criatura com o seu antebraço. A besta chutou, sacudiu e se
agitou, garras arranhando o ar a apenas um centímetro do
rosto de Hugh, enquanto lutava para se libertar, e por um
segundo, ela duvidou se ele poderia segurar a besta.
Hugh girou a cabeça da criatura com a mão esquerda.
Os músculos poderosos de seus braços flexionaram,
esmagando. Ossos trituravam. A cabeça da fera balançou.
Ficou mole.
Alívio a inundou. Ela abaixou a espingarda.
Hugh largou o animal como um pedaço de lixo e virou-
se para ela.
— Está machucada?
— Não.
— Outros?
Ela fez a boca se mover. — Eu só vi um.
Deidre correu até eles e a abraçou, tremendo
incontrolavelmente.
— Está tudo bem, —Elara murmurou. — Está a salvo
agora. Tudo vai ficar bem.
— E se ele voltar? —A menina sussurrou.
— Se voltar, Hugh o matará. É o que ele faz. Ele nos
protege. Tudo vai dar certo.
Hugh lançou um olhar estranho, mas ela estava
cansada demais para se importar. A exaustão a assaltou
como um cobertor molhado, sufocando seus pensamentos.
O perigo havia passado.
As sentinelas de Hugh haviam falhado e ele levaria esse
ataque para o lado pessoal, o que significava que nem uma
mosca chegaria ao castelo pelo resto da noite. E,
conhecendo Hugh, provavelmente pelo resto de todas as
noites.
Lisa estava morta. A linda e gentil Lisa.
Elara estava tão cansada.
Cães de Ferro, cães de caça e algumas pessoas subiram
as escadas, batendo no corredor. Os cães rasgaram o
cadáver.
Hugh sorriu ironicamente para ela, mostrando dentes
brancos. — Você estava certa. Havia quinze.
Estava tão cansada que não conseguiu pensar em uma
resposta espirituosa. Colocou o braço em volta de Deidre e
caminhou em direção à escada, indo para o quarto.

********
A porta do quarto de Elara estava aberta. Serana
estava de lado, guardando. Ela o cumprimentou quando ele
passou.
Hugh entrou pela porta. Elara estava deitada na cama,
completamente vestida, com os olhos fechados. Sua
respiração estava calma.
Adormecida.
129
Um rifle de assalto estava sobre a mesa de
cabeceira, ao seu alcance. Tinha lavado o sangue do rosto,
mas pequenas gotas vermelhas salpicavam seu vestido. A
criança se aconchegava ao lado dela, dormindo.
Ele se aproximou e sentou na beira da cama. Ela não se
mexeu.
A adrenalina ainda o percorria. Ele veio lhe dizer que a
besta havia atravessado o muro e escalado a torre. A grade
da janela estava solta e arrancada. Seu pessoal verificou as
mãos da criatura e não encontrou sinais de ferimentos. A
prata no metal da grade queimaria a maioria dos seres
mágicos, mas não queimou aquele.
A criatura era rápida e inteligente. Deve ter observado
as patrulhas e aguardado o melhor momento para atacar.
Se aproveitou dos trinta segundos que as sentinelas levam
para trocar de turno. Cronometrou perfeitamente o ataque
e, quando os cães captaram o seu cheiro, já estava subindo
a torre.
A criatura poderia ter os atacado na floresta. Era rápido
o suficiente. Mas deve ter ponderado as probabilidades e
percebido que estava em menor número. Isso
provavelmente significava que não era controlado
telepaticamente por seu mestre. Uma navegação telepática
exigia uma mente vazia, e quando o Navegador que o
controlava morresse, o animal estaria solto na floresta. É
por isso que sugadores de sangue soltos massacravam tudo
à vista. Sem Navegadores para orientá-los, eles agiam por
puro instinto.
Essa criatura os seguiu, esperou o momento certo, e
entrou planejando matar Deidre. Ainda assim, não era
inteligente o suficiente, caso contrário, a presença de Lisa
não o distrairia. Provavelmente precisou matar Lisa para
chegar à criança, mas uma vez que começou a mastigá-la,
não pôde parar. Ele viu comportamento semelhante em
cães selvagens.
Hugh veio dizer a Elara que isso nunca mais
aconteceria. Ela não esperou pelas garantias dele. Confiava
nele o suficiente para adormecer.
Se voltar, Hugh o matará. É o que ele faz. Ele nos
protege.
O mundo estava virado de cabeça para baixo para ele,
até que chegou a esse castelo. Todas os pilares de sua vida
haviam caído: Não havia mais Roland, sua posição como
Senhor da Guerra estava perdida, sua imortalidade
acabada. Mas agora ele tinha um lugar, aqui no castelo, e
um propósito.
Se voltar, Hugh o matará. É o que ele faz. Ele nos
protege. Tudo vai dar certo.
Quando ouviu a criança gritar, ele imaginou o pior. Se
alguém perguntasse a ele hoje de manhã o pior que poderia
acontecer, teria que pensar sobre isso. Agora sabia. O pior
seria Elara morrer.
As brigas, as concessões, as manobras, as provocações,
até deixá-la roxa de raiva e fazê-la se esquecer de segurar
sua magia, de modo que vazava de seus olhos, tudo isso o
divertia. Se ela não estivesse mais aqui, ele não saberia o
que fazer consigo mesmo. Iria embora? Ficaria?
Essa nova vida, era apenas dele. Hugh não devia isso a
ninguém. Estava construindo sozinho, tijolo por tijolo, uma
pá de cimento de cada vez, da mesma maneira que
construíra aquele maldito fosso. Ele estava construindo seu
próprio castelo e, para o bem ou para o mal, a harpia
invadiu seu mundo e se tornou sua torre.
Quando pensou que ela poderia estar morta, o medo o
rasgou. Por um momento, sentiu a dor aguda e gelada do
que deve ter sido pânico.
Mas ela sobreviveu.
Hugh estendeu a mão com cuidado e apoiou a mão no
peito dela, logo acima dos seios, para se assegurar de que
ele não estava imaginando. Estava quente. Seu peito subia
e descia com a respiração.
Ela sobreviveu.
Tudo estava bem. Amanhã voltaria ao normal. A crise
havia passado.
Ele levantou a mão e saiu pela porta.

********
Os olhos de Elara se abriram. Viu as costas largas de
Hugh desaparecerem pela porta.
Ele estendeu a mão e a tocou. Era um toque tão leve,
hesitante, quase terno, como se estivesse se assegurando
de que ela estava bem.
Hugh d'Ambray se importava com a vida dela.
Ele se entregou. Era um erro fatal. Havia tanta coisa que
ela poderia fazer com isso. Agora só tinha que decidir como
usá-lo. O que ela queria de Hugh d'Ambray?
Se ela quisesse Hugh, e nesse momento não sabia dizer
se queria, mas se decidisse que o queria, teria que abordá-
lo com muito cuidado. Amanhã, o homem que a tocou
gentilmente agora, desaparecerá e o velho Hugh d'Ambray
tomará o lugar dele. Aquele homem não responderia a
propostas de paz. Se ela o procurasse, procurando por alívio
ou segurança, ou oferecendo essas coisas a ele, Hugh veria
isso como uma fraqueza e tentaria usar em seu proveito.
Nada do que acontecesse entre os dois seria terno ou
amoroso. Ele teria que render-se a ela ou ela fazê-lo pensar
que se renderia a ele. E se ela o deixasse em sua cama,
também lutaria contra ele lá.
Valeria a pena? Ainda não tinha certeza.
Elara fechou os olhos e foi dormir.
 

onze
Elara passeou pelo solário
130
. Antes, esse espaço
era uma muralha, uma das muitas que se estendia da torre
principal. Quando eles compraram o castelo, as ameias
estavam muito danificadas, então, em vez de repará-las, ela
optou por estender o telhado e instalar painéis de vidro do
chão ao teto. Como em todo espaço disponível no castelo,
logo o solário adquiriu plantas, algumas cultivadas em
grandes recipientes no chão, outras pingando de vasos
131
pendurados. As altas plantas de hibisco ofereciam flores
vermelhas e de cor creme ao lado das delicadas flores
132 133
alaranjadas do carvalho silvestre . O jasmim branco se
134
elevava acima das folhas roxas de oxalis , enviando um
perfume doce ao ar. A cerâmica veio da loja da aldeia e as
crianças as pintaram em tons vívidos. Havia até sol
suficiente para algumas ervas, embora todos concordavam
que as ervas cresciam melhor lá fora. Johanna havia
colocado longos pingentes de vidros coloridos pendurados
em fios no teto. Quando o sol os atingia, o ambiente inteiro
brilhava em turquesa, índigo, pêssego e vermelho. Dugas
encontrou uma enorme mesa de madeira, o suficiente para
acomodar dezesseis pessoas, e o solário estava completo.
Hoje, a mesa continha uma variedade de suas amostras
de ervas. Elara imaginava que para muitos a visão de jarros
garrafas e potes com pós secos pareceria ameaçador. A
maioria das pessoas não tocaria em suas misturas, a menos
que a saúde delas estivesse em questão. Mas estar aqui lhe
trazia uma profunda e silenciosa sensação de alegria. Ela
precisava de conforto depois da noite passada e então veio
aqui.
Um sussurro de movimento a fez se virar. Rufus Fortner
bateu no batente da porta. Atrás dele, Rook esperava,
impassível, ao lado de Johanna.
— Bom dia, —disse Elara.
— Bom dia, —respondeu Rufus. — Posso entrar?
— Claro.
O grandalhão entrou no solário. Atrás dele, Rook entrou
e parou junto à parede, uma sombra silenciosa. Johanna
olhou para ela, uma pergunta em seus olhos. Elara mal
balançou a cabeça. Ela podia lidar sozinha com o
Comandante da Guarda Vermelha. Rook era apoio mais que
suficiente. A bruxa loira se retirou para o corredor.
— Boa coleção, —disse Rufus, olhando as coleções de
potes e garrafas em cima da mesa. — Parece uma farmácia
aqui.
— Não só parece. Somos uma farmácia, uma das
melhores da região.
— Farmácia de ervas. Curas naturais.
— Você sabe do que chamamos as curas naturais que
funcionam, Comandante? —Os lábios de Elara se curvaram
em um sorriso suave. — Chamamos isso de medicina. Por
dois mil e quinhentos anos, as pessoas extraíram
135
salicilina das folhas dos salgueiros brancos e a usaram
para aliviar dores de cabeça e inflamações. Um químico
francês, Henri Leroux, extraiu salicilina em forma cristalina
136
em 1829. Um italiano, Piria , produziu ácido salicílico a
partir dele. Então, em 1853, outro francês sintetizou ácido
137
acetilsalicílico. Finalmente, em 1899, a Bayer empacotou
em comprimidos e colocou nas prateleiras das lojas. Eles
chamaram de aspirina.
— Quem diria? —Perguntou Rufus. Ele pegou um pote
de acônito e olhou para ele. — O acônito tem uma boa cor.
—Ele colocou o pote de volta na mesa e pegou uma
pequena garrafa verde. — O que é isso?
— Um antibiótico para todos os fins, —disse ela. —
Excelente contra infecções do trato urinário.
Rufus balançou a cabeça de um lado para o outro em
apreciação, colocou a garrafa de volta e apontou para um
frasco vermelho em forma de coração cheio de comprimidos
do tamanho de ervilhas.
— Poção do amor?
— Dificilmente. O símbolo do coração vem da semente
138
de uma planta outrora extinta, o silphium , usado pelos
romanos e gregos como uma cura para muitos males. Além
disso, usado também como um contraceptivo para as
mulheres, assim como o conteúdo desse frasco. —Ela
estendeu a mão e pegou um frasco alto de líquido verde
pálido com um conta-gotas no final. — Mas nós também
temos uma espécie de poção do amor. Não se produz mais
139
Viagra . Esta é a melhor opção que se tem hoje em dia.
As sobrancelhas de Rufus se ergueram.
— Três gotas em um copo de água meia hora antes do
encontro. Não misture com álcool. Tem um gosto horrível e
as gotas são difíceis de diluir, e isso é de propósito.
— Por quê?
— Como não existe um homem vivo que não acredite na
filosofia de que seis gotas certamente devem ser melhores
que três, preparemos de modo que os convençam que três
gotas de gosto ruim devem funcionar. Seis vão deixar
qualquer um em uma situação desconfortável e,
possivelmente, provocar uma viagem ao hospital.
Rufus ponderou a garrafa. — Houve algo ontem à noite.
Ela encontrou o olhar dele. — Vivemos no meio de uma
floresta mágica, Comandante. De vez em quando, algo
escala as muralhas a noite e tenta comer crianças. Os Cães
de Ferro cuidaram disso. E então Hugh insistiu que
libertassem os cães para patrulhar. Lamento que os latidos
tenham o perturbado.
Rufus assentiu, o rosto pensativo, e colocou a garrafa de
volta na mesa.
— Algo está o incomodando, Comandante? —Perguntou
Elara.
O grandalhão recostou-se. Na noite passada, no jantar,
que parecia ter acontecido a um mês atrás, ele fez o papel
de homem descontraído e fanfarrão muito bem. Parecia ser
apenas um bom velho, não muito esperto, pacificado com
boa comida e cerveja. Hoje seus olhos eram perspicazes.
Rufus Fortner era muito mais esperto do que ele queria que
as pessoas acreditassem.
— Eu entendo d’Ambray, —ele disse. — Este é um ótimo
lugar. Defensível, bem fornecido e isolado. Não há
instituições da lei para atrapalhar. Nenhuma política
problemática. Ninguém diz a ele o que fazer. Seus homens
são alimentados e alojados. D’Ambray tem tudo o que um
homem poderia querer: um castelo, do qual é senhor e
mestre, um exército e uma linda esposa. Mas o que você
ganha com isso?
Ali estava. Esposa amorosa, ela lembrou a si mesma.
Não quero matar Hugh diariamente. Ele é minha pessoa
favorita. Eu o adoro, e ele faz meus dedos enrolarem. — Ele
é meu marido, —disse ela.
Rufus fez uma careta. — Você precisa saber que o
homem é sanguinário. As pessoas me chamam de homem
áspero. Tenho uma reputação grosseira e a ganhei. Eu fiz
coisas que manteriam boas pessoas acordadas à noite.
Hugh d'Ambray me assusta. Ele é o monstro que homens
ásperos como eu temem. Eu tenho sangue nas minhas
mãos. Hugh está mergulhado até o pescoço.
A lembrança do sangue espesso que se espalhou na
superfície da água a atingiu e ela vislumbrou Hugh
novamente, de pé com os pés em sua piscina, um turbilhão
torcido de dor crua e culpa queimando atrás dele.
— Ele não é mais isso, —disse Elara.
— Um tigre não muda suas listras, —disse Rufus.
— Você não compreendeu. Não quero que ele mude
suas listras. Você mesmo disse que ele é o monstro que os
homens rudes temem. —Ela sorriu para ele, afiada,
prendendo-o com o olhar. — Ele se coloca entre criaturas
malignas e crianças pequenas. Nos protege. Ele é meu
monstro, Comandante. Se algum homem rude vier aqui e
tentar pegar o que é nosso, Hugh d’Ambray o lembrará
disso.
Rufus a estudou. — Vejo que vocês combinam muito
bem.
— Sim, combinamos.
— O que acontecerá quando ele pegar seu exército e for
embora, em busca de novas conquistas?
Elara quase riu. Rufus precisava ter visto as tropas de
Hugh há um mês, quando chegaram aqui e comeram sua
primeira porção de pão fresco em semanas. Os Cães de
Ferro estavam perdidos por muito tempo. Eles sabiam de
onde vinha sua comida. Não estavam com pressa de ir
embora e nem seu Preceptor.
— Este castelo é minha casa, Comandante. Eu não
estou indo a lugar nenhum. Não posso deixar meu pessoal e
Hugh não vai me deixar.
— Você tem certeza sobre isso?
Elara fez um sinal para ele. — Venha aqui.
Rufus foi até onde ela estava na janela. Ela apontou
para o fosso vazio bem abaixo, além das muralhas. — Você
vê aquele homem testando uma massa de concreto ali?
Aquele é ele.
— Como pode dizer a essa distância?
— Eu o conheço. Sei como se comporta. O engenheiro
veio buscá-lo ao amanhecer. —Rook obedientemente
relatou a ela. — Eles finalmente conseguiram fazer o
concreto romano endurecer. Parece-lhe um homem
preocupado em novas conquistas ou lhe parece um homem
obcecado em fortalecer o castelo para o seu povo?
Rufus não respondeu. Abaixo, Hugh se endireitou e falou
com o engenheiro.
Ao lado dele, uma figura muito menor rastejou no
concreto, endireitou-se e pulou para cima e para baixo.
Cedric pulou ao lado dela e caiu de lado.
— Quem é aquela? —Perguntou Rufus.
— Deidre. Ele a resgatou e agora ela não larga do pé
dele. —A garota correu para encontrá-lo na primeira chance
que teve.
Hugh pegou Deidre, a levou até a parede do fosso e a
levantou acima da cabeça. Uma mulher de uniforme dos
Cães de Ferro se inclinou por cima, agarrou as mãos da
menininha e a puxou para fora do fosso. Hugh a seguiu até
os portões do castelo com Cedric seguindo ao lado.
— Você está certo, —disse Elara, — ele está mergulhado
em sangue até o pescoço. Teve todas as conquistas que um
homem poderia querer e mais algumas. Tudo o que ele quer
agora é ficar aqui, viver em paz e lavar um pouco desse
sangue.
— Eu espero que você esteja certa. Pelo bem de todos
nós.
— Eu também, —ela disse a ele e foi sincera. — Então,
fará alguma encomenda, Comandante?
Ele abriu os braços e o ‘ora-bolas-meu-velho-amigo’
estava de volta. — Você me convenceu. Vamos negociar?
Elara olhou uma última vez para Hugh, como uma
mulher que o amava, e virou-se para a mesa. — Eu adoro
negociar.

********
Tirar os guardas vermelhos do castelo provou ser
mais demorado do que Hugh esperava. Ao amanhecer, ele
enviou Stoyan com trinta Guardas Vermelhos para Redhill.
Eles fizeram a viagem de ida e de volta em três horas. O
relatório foi breve: aconteceu o mesmo que à paliçada na
floresta, exceto que desta vez setenta pessoas foram
levadas de Redhill. Hugh ligou para o escritório do xerife.
Will Armstrong não parecia emocionado. Uma paliçada com
algumas famílias era uma coisa. Uma vila como Redhill era
uma coisa completamente diferente.
Eles passaram o resto da ligação lamentando pelo o fato
de que Armstrong não tinha mão de obra para lidar com
isso e ambos sabiam disso. O xerife prometeu enviar um
homem para investigar e entrevistar Alex Tong. Hugh
agradeceu. Disseram algumas palavras educadas de
despedida e desligaram. Seu povo estava por conta própria.
Precisavam terminar o fosso. Hugh estava enrolando um
pouco para voltar para o castelo, mas tinha que almoçar e
trocar gentilezas. Era quase meio-dia, e os Guardas
Vermelhos já estavam prontos para partir. Finalmente, Rufus
140
subiu em seu cavalo belga de um metro e setenta e se
preparou para ir embora.
— Foi um prazer conhecer vocês. —Rufus os presenteou
com um sorriso enorme.
— O prazer é todo nosso, Comandante, —disse Elara e
sorriu como se Rufus e ela fossem amigos íntimos.
Hugh brevemente considerou puxar Rufus de seu cavalo
e jogá-lo sua bunda no chão. Era um desejo estranho. Ele
ponderou de onde veio isso.
— Visite-nos a qualquer momento, —disse Hugh e
estendeu a mão.
Rufus a agarrou. — Viemos para a cerveja e saímos com
negócios feitos. Adoraria fazer isso de novo.
Eles balançaram as mãos.
— Vocês dois formam um casal adorável, —disse Rufus.
— Divirtam-se sem mim, noivos!
— Oh, nós vamos, —prometeu Hugh.
— Bem, vamos embora. —Rufus balançou o cavalo em
direção aos portões. Os Guardas Vermelhos cavalgaram.
Hugh pegou o braço de Elara e caminhou com ela até os
portões.
Os Guardas Vermelhos desceram o caminho. A Guarda
feminina olhou para eles por cima do ombro. Elara sorriu e
acenou. Hugh passou o braço em volta dela e a apertou
contra ele. O sorriso dela aumentou.
No momento em que a mulher voltou a olhar para
frente, Elara tentou pisar no pé dele. Ele esperava por isso e
ela errou. Sua sandália bateu na pedra e ela ficou fora de si.
— Se vai fazer isso, doçura, deve usar saltos.
Ela lançou-lhe um olhar de puro veneno. — Coma terra e
morra.
Oh bom. Ele se inclinou para mais perto dela e
murmurou: — Cuidado. Seu novo melhor amigo ainda não
está fora do alcance da voz.
— Ele não vai ouvir. —Ela deu a ele o olhar malicioso,
depois seus olhos brilharam. — Gostei bastante dele. Ele
veio a mim muito preocupado esta manhã.
— Por quê? —Mais importante, por que ninguém contou
a ele sobre isso?
— Queria me alertar que você é um sanguinário.
— Oh, isso.
— Garanti a ele que eu estava ciente disso.
— Aposto que você fez.
— Sabe de uma coisa, —Elara murmurou, pensativa. —
Até que achei ele bonito. Aquele jeito de homem mais
maduro, veterano grisalho.
Rufus, grisalho? — Desculpe desapontá-la, mas ele é
casado.
— É mesmo?
— Há cerca de trinta anos. Eu soube que Marissa gosta
de dividir as pessoas com seu machado, então pensaria
duas vezes se fosse você.
— Você está inventando isso, —disse ela.
— Vá em frente. Teste as águas. Só não venha correndo
para mim quando ela aparecer aqui, tentando cortar sua
cabeça.
Ela estreitou os olhos. — Eu não correria para você
mesmo que fosse o último homem na Terra.
Ele sorriu para ela, inclinou-se para mais perto e
murmurou: — Você fez ontem.
Elara realmente rosnou. Um rosnado real, baixinho, mas
ainda um rosnado. Ele quase riu.
— Vejo que seu concreto finalmente ficou pronto, —
disse ela.
— Hum.
— Nesse caso, deve considerar ser muito gentil comigo
nos próximos dias.
 — Por quê?
— Precisará de combustível para o seu misturador de
cimento e está acima do seu limite. Novamente.
Mulher sangrenta. — Você está me dizendo que, com
toda aquela cerveja e todo aquele golpe de bater de cílios,
você não conseguiu arrancar daquele velho algum dinheiro?
— Eu não dou golpes! Conduzo os negócios vendendo
um produto de qualidade.
Johanna emergiu da torre e caminhou na direção deles.
— Quanto? —Ele perguntou.
— Ganharemos cerca de oitenta e sete mil dólares
depois das despesas com a ordem da Guarda Vermelha, —
disse Elara. — Mais vinte nos próximos meses, se ele
encomendar mais produtos. E ele vai. Ah, e quinhentos
dólares em produtos pessoais.
— Quinhentos dólares? O que diabos ele comprou?
Os olhos dela se estreitaram. — Você não gostaria de
saber.
— Então fizemos sessenta e sete mil e quinhentos, —
disse ele. — Não foi tão ruim.
— Como assim sessenta e sete mil e quinhentos? 
141
— Comprei dois GAU-19 de Rufus. Dez mil cada.
Ela olhou para ele, atordoada.
Ele se preparou. — Precisamos das armas, Elara.
— E você tomou essa decisão sem mim? —A voz dela
era tão afiada que ele quis olhar se havia sido cortado.
— Um GAU-19 não faz o barulho de um foguete. Parece
uma britadeira, pode disparar até 2.000 projeteis por
minuto. É alimentado por um cinto de munição e transforma
um vampiro em hambúrguer em menos de dois segundos.
— Droga, Hugh.
— Nós dois somos mais fortes durante a magia. Os
canhões garantirão que Nez não ataque o castelo durante a
tecnologia.
Johanna chegou até eles e acenou. Elara virou-se para
ela. — Sim?
— O garoto acordou, —Johanna sinalizou.
O medo passou pelo rosto de Elara. Ela ficou turva e
então em um borrão estava na porta da torre, finas mechas
de magia branca serpenteando pelo espaço que acabara de
passar.
Havia algo que o garoto sabia que Elara não queria que
Hugh soubesse. Hugh começou a correr. Dez segundos para
alcançar a porta, outros vinte para subir as escadas. Ele
irrompeu no corredor e correu para o quarto.
A porta estava aberta. Ele ouviu a voz de Elara, suave,
mas firme.
— ... nunca mais faça isso de novo. Eu entendo por que
você fez. Não estou chateada com você. Mas deve me
prometer que nunca mais fará isso.
— Eu prometo, —uma voz masculina jovem respondeu.
Ele perdeu. Droga.
Hugh atravessou a porta. O garoto estava deitado na
cama, ainda pálido pela perda de sangue. Ele deixou sua
magia deslizar sobre o corpo do garoto. Os sinais vitais
pareciam bons, apesar da gravidade e da complexidade que
havia sido o trabalho de cura na floresta. Elara estava
sentada na beira da cama, observando Hugh verificar o
garoto.
— Você está de olho na minha esposa? —Perguntou
Hugh.
O garoto ficou um pouco mais pálido. — Não, senhor.
— Hugh! —Elara virou-se para o garoto. — Ele está
brincando.
— Conte-me sobre a vila, Alex, —disse Hugh.
Hugh ouviu passos silenciosos no corredor. Deidre. Os
passos pararam.
Alex lambeu os lábios. — Deidre gosta da floresta. Ela
sai algumas vezes e demora a voltar. Ouvimos lobos
terríveis uivando, então quando começou a escurecer e ela
não voltou, Phillip, seu pai, me pediu para ir procurá-la. Sou
melhor em andar na floresta do que ele. Eu não me perco.
— Ela costuma ficar fora depois do pôr-do-sol? —Elara
perguntou.
— Não. Ela sempre voltou antes do jantar, mas desta
vez não, então todo mundo estava preocupado. Levei um
tempo, mas a encontrei. Estávamos voltando, mas ...
Ele ficou calado.
— Não tenha pressa, —disse Elara.
— Deidre não queria voltar. Parou várias vezes. Então eu
tive a sensação de que algo não estava certo. Cada passo
que eu dava em direção à vila era como se uma grande
mão invisível me puxasse para trás. Então, eu disse a
Deidre para esperar, subi em uma árvore e tentei ver
qualquer coisa. —Ele engoliu em seco. — Havia soldados e
monstros na vila. Matando todo mundo. Eles os puxavam
para fora das suas casas, os matavam ali mesmo na rua, e
os empilhavam como lenha. Como se não fossem pessoas.
Eles mataram crianças. Crianças pequenas. Pegaram o bebê
de Maureen e cortaram sua garganta.
Ele parou e olhou para eles.
Isto confirmou o que eles já sabiam.
— O que aconteceu depois? —Elara perguntou.
Sua voz tremia levemente. — Eu disse a Deidre para
subir na árvore e ficar lá, e depois circulei para o norte,
porque o vento soprava do sul. Estava armado só com o
meu arco.
— Qual era o plano? —Perguntou Hugh.
— Eu queria salvar Courtney, —disse ele. — Ela é minha
namorada. Estava escalando o muro quando um monstro
me viu. Eu atirei e ele morreu.
— Onde você atirou? —Perguntou Hugh.
— No olho, —disse Alex.
— Ele é um atirador muito bom, —Elara disse
suavemente.
— Foi um tiro de sorte. Assim que a besta caiu, um dos
soldados tocou uma buzina. Eles não podiam nos ver, mas
de alguma forma sabiam que um deles estava morto. Então
eu corri. Não tentei encontrar Courtney. Apenas corri. Deidre
estava esperando por mim e depois corremos juntos. Eles
nos perseguiram pela floresta e atiraram em nós. Fui
atingido duas vezes e depois não me lembro bem o que
aconteceu. Apenas continuei correndo.
A voz dele sumiu.
— Você salvou Deidre, —disse Elara. — Você sobreviveu.
Alex olhou para ela. — Eu fugi, —disse ele. — Deixei
Courtney lá, para morrer.
— Não, —disse Elara. — Você fez tudo o que pôde.
— Eu corri como um covarde.
Hugh tinha que consertar isso ou perderiam um par de
mãos habilidosas com um arco. O garoto não precisava de
perdão. Ele precisava de direção e propósito.
— Você tem dois dias para se recuperar, —disse Hugh.
O olhar do garoto se voltou para ele.
— Em dois dias preciso de você. Depois de sarar e se
levantar, vá até o quartel e encontre Yvonne Faure. Ela
avaliará suas habilidades com arco e flecha. Se se sair bem,
receberá um arco e será atribuído aos auxiliares. Para cada
bastardo que você abater, outra Courtney viverá.
Ele se virou e saiu. Elara o seguiu.
Deidre estava sentada no chão de pedra no corredor, de
costas para a parede, os braços presos ao redor dos joelhos.
Ela olhou para ele. — Eu quero um arco.
Elara agachou-se ao lado dela. — E sua tia e tio?
Deidre balançou a cabeça. — Eu não quero ir com eles.
Quero ficar aqui.
— Mas eles são sua família.
— Eu não os conheço. Quero ficar aqui. Aqui é seguro.
Você pode fazê-los me deixar ficar?
— Vamos perguntar. —Elara suspirou. — Mas eles não
estão aqui agora, então vamos nos preocupar com isso mais
tarde.
— Eu ainda quero um arco?
— Por que você quer um? —Elara perguntou.
—  Posso matar os monstros se eles vierem aqui.
— Um arco será providenciado, —disse Hugh.
— Você já manipulou um arco? —Elara perguntou.
— Não.
— Não se preocupe. Hugh vai te ensinar. Mas se decidir
que o arco não é para você, venha me ver. Eu também
posso lhe ensinar algumas coisas.
— Desça as escadas e espere por mim, —disse Hugh. —
Vamos ver como você pega em um arco.
A criança ficou de pé e correu pelo corredor. Ele a
observou ir. Havia algo perturbadoramente familiar no olhar
em seus olhos, como um pequeno animal selvagem
encurralado em um canto. Rene costumava parecer assim.
— Não temos direito legal, —disse Elara. — Não
podemos ficar com ela.
— Podemos negociar, —disse Hugh.
Ela olhou para ele. — Você realmente se importa,
Preceptor?
— Não sei o significado dessa palavra, —disse ele.
********
Hugh se inclinou contra o degrau que levava do pátio
superior à fortaleza e assistiu Stoyan investir contra a
armadura em um manequim de teste de madeira. Ou
melhor, ele assistiu Stoyan tentar. O Capitão executou mais
outro belo golpe. A lâmina atingiu e rebateu no peitoral da
armadura. Os dois Cães de Ferro que eram o segundo e o
terceiro de Stoyan o observavam. Lamar se inclinou ao lado
de Hugh.
— Descobriu mais alguma coisa? —Perguntou Hugh em
voz baixa.
— Não. Ninguém fala. —Lamar encolheu os ombros
largos. — Tudo está ótimo, todos são simpáticos e
acolhedores, até o momento em que tentamos fazer
qualquer pergunta importante. Então eles se calam. —Ele se
levantou. — Você já teve a sensação de que tropeçamos em
um culto secreto? Porque eu tenho.
— Enquanto eles nos mantiverem alimentados e
vestidos, podemos lidar com um culto secreto.
Stoyan esfaqueou a armadura, colocando todo o seu
peso atrás dela. A ponta da espada penetrou. Ele se inclinou
para frente, examinou o entalhe e cuspiu.
— E Elara? —Perguntou Hugh. — Alguma coisa sobre
ela?
— Não.
— Existem milhares de pessoas naquela vila e você me
diz que nenhuma delas tem algo a dizer sobre ela?
Lamar sacudiu a cabeça.
Stoyan atacou o lado da armadura, apontando para a
axila.
— Olhe pelo lado positivo, —disse Lamar. — Eles
também não estão tendo muita sorte para descobrir o que
está em nossos barris.
— Eles perguntaram?
— Claro.
Hugh sorriu. Garota esperta.
Stoyan recuou, apoiando a espada no ombro e
examinou criticamente a armadura.
Bale dobrou a esquina.
— Aí vem problemas, —Lamar murmurou.
O berserker caminhou até o porta-armas e puxou uma
clava.
— Talvez por baixo? —Sugeriu uma das pessoas de
Stoyan. — Uma pancada em cima?
— Possivelmente, —disse Stoyan.
Bale atacou.
Os Cães de Ferro saltaram para fora do caminho. O
berserker ruivo esmagou o peitoral da armadura com a
clava, amassando-a.
— Droga! —Stoyan gritou.
Bale continuou batendo com a clava na armadura,
amassando-a a cada golpe. Bam. Bam. Bam.
Stoyan jogou a espada no chão. — Bem, isso é foda.
Parece que é só esmagá-la então. Quebrar tudo.
— Quantas clavas temos? —Perguntou Hugh.
— Não muitas, —disse Lamar.
— Arranje mais.
— Vou providenciar.
********
Uma caminhonete velha atravessou os portões
do castelo, ladeado por dois Cães de Ferro a cavalo, a
escolta que Hugh havia enviado para a proteção. O motor
de água cuspia barulho e guinchava. O motorista saiu sem
desligá-lo. Um mau sinal.
— Chame Hugh, —ela disse a Beth. — Diga a ele que a
família de Deidre está aqui.
Elara colocou um sorriso no rosto e caminhou até o
veículo. O motorista, um homem de tamanho médio, com
cabelos loiros escuros e pele avermelhada devido ao clima,
esperava o outro ocupante do carro sair. Uma mulher de
cabelos pretos, pele branca e magra saiu do veículo.
Os dois caminharam em sua direção, longe do barulho
da caminhonete. Ambos estavam mais perto dos quarenta
do que dos trinta. O homem usava jeans, uma camisa jeans
com as mangas arregaçadas até o cotovelo e um boné de
beisebol em preto e branco. A mulher usava uma camiseta
azul por cima de um jeans desbotado.
— Olá, —disse Elara.
— Estamos aqui por Deidre, —disse o homem.
Direto. Sem cumprimentos. Certo. — E vocês são? —
Elara perguntou.
— Eu sou irmão da mãe de Deidre, —disse o homem.
— Meu nome é Elara, —disse ela e estendeu a mão em
cumprimento.
Nenhum dos dois a pegou.
— Vou precisar de alguma prova de identidade antes de
liberar a criança para vocês, —disse ela.
O homem parecia que estava prestes a dizer algo
desagradável, mas a mulher estendeu a mão e colocou a
mão no braço dele. Ele fechou a boca, tirou uma carteira e
estendeu a carteira de motorista. Wayne Braiden Harmon. O
nome combinava com o que Deidre disse a ela. A mulher
mostrou sua própria carteira de motorista. Jane Melissa
Harmon.
— Lamentamos profundamente sua perda, —disse
Elara.
— Obrigada, —disse Jane.
— Não tenho certeza do quanto lhes contaram, —disse
Elara. — Redhill foi atacada por monstros. Eles mataram
todos os seus moradores. Por acaso, Deidre estava do lado
de fora dos muros, e ela e um jovem escaparam. Um
monstro os perseguiu pela floresta no meio da noite. O
jovem quase morreu.
Jane mordeu o lábio.
— A criança está profundamente traumatizada.
Esperávamos que vocês permitissem que ela ficasse
conosco por alguns dias, apenas para acalmá-la. Ficaríamos
felizes em recebê-los para passar a noite.
— É muita gentileza sua, —disse Jane. — Mas
gostaríamos de levar Deidre para casa agora mesmo.
— Ela vai se estabelecer com a gente, —disse Wayne.
Isso não estava indo bem. — Por favor, reconsiderem, —
disse Elara. — Ela acabou de perder o pai e a mãe.
Hugh deu a volta na torre, puxando Bucky. Deidre
estava andando nas costas do enorme garanhão. Ela viu a
tia e o tio e ficou imóvel como um filhote de coelho pego em
campo aberto.
O coração de Elara se revirou no peito.
Hugh foi até eles, pegou Deidre, gentilmente a tirou do
cavalo e a pôs de pé.
— Oi, querido, —Elara lançou-lhe um sorriso. Me ajude,
Hugh. — Estes são Wayne e Jane Harmon. Este é meu
marido, Hugh. Foi ele quem salvou sua sobrinha.
— Olá. —Hugh ofereceu seu sorriso encantador e
estendeu a mão. Wayne Harmon encontrou o olhar de Hugh
e o segurou por um longo momento. Hugh não mostrou
sinais que recuaria a mão. Finalmente, a força absoluta de
sua presença venceu e Wayne apertou sua mão. A
esperança vibrou nela.
— Sua sobrinha é muito corajosa, —disse Hugh.
A sobrinha corajosa parecia que estava prestes a fugir a
qualquer segundo.
— Eu estava explicando que Deidre não está em
condições de viajar, —disse Elara.
Wayne a ignorou e se agachou. — Oi, Deidre. Lembra de
mim? Sou eu, tio Wayne.
Deidre não se mexeu.
— Vai ficar tudo bem, —Jane disse a ela. — Tudo vai ficar
bem agora. Você vai com a gente para casa.
Deidre balançou a cabeça. — Não. Eu quero ficar aqui.
— Você não pode ficar aqui, —disse Wayne. — Tem que
vir conosco. Se lembra de Michelle, sua prima? Ela está
esperando por você. Temos um grande cachorro amarelo
chamado Tyler. Você vai gostar dele. Ele é grande e fofo.
Vamos, querida.
Deidre ficou completamente imóvel.
— Por que não almoçamos? —Perguntou Hugh. — Nos
conheceremos melhor e conversaremos com mais
tranquilidade sobre isso.
Wayne se endireitou e se ergueu a toda a sua altura. —
Nós já os conhecemos. Sabemos quem são vocês. Sabemos
o que fazem.
Ele deu um passo em direção a Hugh. D'Ambray se
elevou sobre ele e Wayne teve que olhar para cima.
— Você é um assassino e um criminoso. Sua esposa é
uma feiticeira. Esta criança vem de uma boa família cristã.
Se o pai dela soubesse onde ela estava agora, ele lutaria
com cada um de vocês para tirá-la daqui.
Ah não.
— Então, não, não vamos compartilhar uma refeição
com vocês. Não há um homem piedoso vivo em oitenta
quilômetros que deixaria sua carne e sangue em qualquer
lugar perto de vocês. Nós sabemos os motivos que querem
que a menina fique aqui. Bem, não irão ficar com ela. No
que vocês a transformaria se eu a deixasse aqui?
O rosto de Hugh se fechou. A máscara encantadora
desapareceu e apenas o Preceptor dos Cães de Ferro
permaneceu.
— O que irão fazer quando os monstros forem atrás
dela? —Ele perguntou, sua voz puro gelo.
— Nós vamos lutar com eles, —disse Jane. — E se ela
morrer, morrerá como cristã.
Wayne se aproximou e pegou Deidre.
A criança gritou como se tivesse sido cortada. — Não!
Hugh ficou entre eles. Wayne trancou os dentes.
Não seria uma luta justa. Hugh o mataria com o
primeiro golpe e então Deidre veria o resto de sua família
morrer.
Um choque elétrico de alarme atravessou Elara. Pego a
criança primeiro? Paro Hugh? Paro Wayne?
Hugh olhou para Deidre. — Eu sei que você quer ficar
aqui, —disse ele. — Mas você tem uma família. Seu tio te
ama. Se eu tentasse mantê-la aqui, seu tio lutaria por você.
Ele não tem chances contra mim. Ele sabe disso, mas está
disposto a lutar de qualquer maneira. Você é muito
importante para ele. Eu não quero matar seu tio. Ele não fez
nada de errado. Você tem que ir com ele.
Elara se moveu, deixando sua magia sair dela. Wayne a
viu e tropeçou para trás, com as mãos levantadas. Ela
levantou Deidre e gentilmente limpou as lágrimas do rosto
da menina com os dedos.
— E se ele te maltratar, —disse Elara. — Se ele ou sua
tia baterem em você ou a machucarem, tudo o que precisa
fazer é me chamar. Ouvirei e irei. —Ela beijou a testa de
Deidre. Sua magia tocou a pele da criança, deixando uma
bênção oculta.
Elara deu três passos e colocou Deidre nos braços de
Jane. — Levem-na agora. Vão embora. Rápido, antes que eu
e meu marido mudemos de ideia.
Os Harmons correram para a caminhonete, carregando
Deidre. Ela observou o carro girar e seguir, ciente de Hugh
parado ao lado dela como uma tempestade pronta para
quebrar.
O caminhão saiu dos portões.
Hugh se virou e se afastou sem dizer uma palavra.
 

Doze
Elara inclinou-se para a frente, dobrando o corpo
142
para baixo, e cheirou o solo sob o pé de estramônio
murcha. Cheirava úmido, orgânico e vivo. Ela sentou-se e
ponderou sobre as plantas espinhosas. Ainda ontem, o
canteiro estava em boa saúde, os caules retos, espalhando
as folhas dentadas e embalando flores brancas e roxas em
forma de trombeta. Hoje, as hastes haviam enrugado e
encolhido, curvando-se. Era como se toda a água tivesse
sido sugada para fora da planta e estivesse morrendo no
final de uma longa seca. Mas o solo estava úmido.
Ao lado dela, James Cornwell torcia as mãos. Um
homem branco na casa dos quarenta, ele tinha estatura
média, mas seus braços e pernas pareciam muito longos,
seus ombros muito estreitos e seu corpo esbelto. Usava um
chapéu de palha e costumava brincar que as pessoas o
confundiam com um espantalho. Ele era o guardião das
ervas venenosas. Se a planta era venenosa e eles a
cultivassem, James estava no comando. Normalmente era
um homem otimista, mas agora a agitação o dominava.
— Nunca vi nada assim, —disse James.
— Você desenterrou uma? —Ela perguntou.
Ele se virou, arrancou uma planta do carrinho de mão
com a mão enluvada e a segurou na frente dela. A raiz,
normalmente grossa e fibrosa, havia encolhido, tão
ressecada que parecia a cauda de um rato.
— O que poderia fazer isso? —James perguntou.
— Eu não sei, —disse ela.
— Perdemos a colheita inteira.
Ele estava certo. O estramônio, Datura stramonium, não
era uma de suas plantas mais valiosas. A planta produzia
um poderoso alucinógeno, e pertencia ao grupo de plantas
cultivadas à sombra, compartilhando ancestralidade com
tomates, batatas e pimentas, mas também com
143 144
beladona e mandrágora . Foi muito usado como
remédio contra loucura e convulsões, a toxicidade da planta
mostrou-se muito alta e foi abandonada assim que foram
encontradas alternativas mais seguras. Agora, a maioria era
colhida para induzir visões. Eles vendiam uma pequena
quantidade todos os anos para lojas especializadas e se
certificavam de que fossem embaladas com etiquetas de
aviso brilhantes. Não era uma perca financeira significativa,
mas o secamento repentino das plantas era preocupante. 
Elara olhou para a esquerda, onde um pé de
145
meimendro florescia com flores amarelas. O Hyoscyamus
niger, também venenoso e alucinógeno, vendia bastante,
principalmente para os neopagãos alemães e nórdicos. A
146
planta era sagrada para Balder , filho de Odin e Frigg.
Balder era famoso principalmente por seu mito da
147
ressurreição, detalhado em Edda em prosa , mas o texto
medieval destacava um detalhe importante: Balder não era
um mártir. Ele era um Senhor da Guerra, proficiente em
todas as armas conhecidas pelos povos antigos. Os
neopagãos oravam a ele antes de todos os principais
obstáculos, e o meimendro era uma parte crucial dessas
orações. O meimendro era muito tóxico para ser cultivado e
colhido por amadores, por isso era vendido por um preço
alto.
Se o que matou o estramônio pulasse para o
meimendro, eles tomariam um grande prejuízo.
— O que você quer fazer? —Ela perguntou.
— Eu quero isso isolado com Proteção.
— O meimendro?
Ele assentiu. — Vou colocar plástico também, mas me
sentiria melhor com uma Proteção.
— Tudo bem, —disse ela. — Vou chamar Savannah.
James torceu as mãos um pouco mais.
— Você quer que eu faça a Proteção? —Ela adivinhou. —
Agora?
— Pode ser? —Ele perguntou.
— Certo.  
— Obrigado! —Ele alcançou o carrinho de mão e retirou
148
um maço de varas de olmo .
O barulho rápido de um cavalo galopando soou através
das árvores. Elara fez uma careta. Um cavaleiro deu a volta
na curva, emergindo das árvores. Sam, vestindo a sua roupa
preta de Cães de Ferro.
Ele diminuiu a velocidade do cavalo, parando a égua na
frente deles. — Surgiu um problema.
Ela ficou de pé.
— O que foi?
— Algumas pessoas do Bando estão aqui. O cara que
esteve aqui antes e mais dois, um homem e uma mulher.
Eles disseram que são os alfas do Clã Bouda.
Era só o que faltava. — Onde está o Preceptor?
— No fosso, do outro lado. Ainda não dissemos a ele.
Clã Bouda, Clã Bouda ... O que o garoto bouda disse
antes? O pessoal dele matou a alfa do meu clã.
Ah não. — Mantenha o Preceptor longe do pátio. Faça o
que tiver que fazer. Não fique aí parado, vá! Ande!
Sam virou o cavalo e voltou por onde veio. Ela se
concentrou nas árvores ao longe.
— Mas o meimendro? —James gemeu.
— Eu voltarei.
Elara deu um passo. Passou pelas árvores em um
borrão. Deu um passo novamente, se transportando para o
castelo, queimando magia muito rápido. Três dias se
passaram desde que Deidre foi embora do castelo e Hugh
entrou dentro de si. Ele não queria brigar com ela. Quando
precisou falar com ela, foi curto e rápido. Hugh passava o
tempo todo terminando o fosso. Ela entrou nos sonhos dele
ontem à noite e encontrou fogo e morte, ruínas cheias de
cadáveres, e ele, um monstro aterrorizante atravessando
esse horror, entre um coro de gritos e assassinatos, um
turbilhão de fogo atrás dele tão grande que subia e
desaparecia no céu. Ela não sabia dizer se era um pesadelo
ou uma lembrança distorcida dele.
Antes que ele se virasse e saísse enquanto a família de
Deidre ia embora do castelo, ela tinha visto os olhos dele.
Até aquele momento Hugh não havia percebido o peso de
seu legado. Ele sabia o que era, sabia que era um assassino,
deixava que isso o atormentasse, mas dentro das muralhas
do castelo estava protegido de todo o impacto de suas
ações. Os Cães de Ferro o admiravam, seu povo olhava para
ele em busca de proteção. Consciente ou não, Hugh se
apoiava na rede humana para continuar a viver. Ele se via
forte, violento e cruel, mas também se via como alguém
que protegia e liderava. Ele era temido, mas respeitado e
até invejado.
Hugh nunca parou para pensar em como as pessoas de
fora de seu povo o viam. Não havia nenhum pingo de
respeito nas palavras que Wayne Harmon proferiu. Apenas
desprezo e repulsa.
Para o mundo lá fora Hugh era um homem que não se
podia confiar na presença de crianças. Um criminoso. Um
sanguinário sem uma única qualidade redentora para ele. E
ela era uma feiticeira, amante do Satanás, uma criatura
maligna, enganadora e profanadora, digna de ser
apedrejada até a morte. As palavras do homem não a
afetaram. Elara estava acostumada a isso. Cresceu com
isso.
Conhecia da gentileza ao desprezo total. Uma igreja
batista havia abrigado ela e seu povo uma vez, sabendo o
que eram, porque estavam com fome e não tinham para
onde ir. Na cidade seguinte, a apenas dezesseis quilômetros
da estrada, outro grupo de cristãos fizeram fila ao longo da
estrada com espingardas carregadas para garantir que seu
povo não parasse e continuassem seu caminho.
Algumas pessoas no mundo só enxergam em preto e
branco. Elas são movidas pelo medo. Aprendem a
sobreviver em seu cantinho do mundo e ver qualquer
mudança como uma ameaça à sua sobrevivência. Mas elas
ainda gostam de serem vistas como boas pessoas e pessoas
boas não odeiam sem motivo, por isso se apegam a
qualquer pretexto, por menor que seja, que lhes permitam
odiar: Um versículo em um livro sagrado. A cor da pele de
uma pessoa. O tipo da sua magia. Essas boas pessoas são
incapazes de se dar uma chance em tentar conhecer melhor
o alvo do seu ódio. O medo deles e a necessidade de se
defenderem são grandes demais. Mas o que eles não
percebem é que serão os únicos a perderem no final. A vida
é uma constante mudança e tudo está em movimento. O
ódio retornará a eles, tão inevitável quanto o nascer do sol,
apesar de todos os seus temores.
Elara teve anos para aprender a se proteger contra isso.
Hugh não. Até outro dia ele estava no topo. Fazia parte da
equipe vencedora. Não havia lugares para dúvidas.
E agora os alfas do Clã Bouda estavam aqui. Ela não
tinha ideia de como ele reagiria a isso.
Elara pisou nas muralhas e se forçou a parar e respirar.
Os metamorfos haviam desmontado no pátio. Um homem
alto, de cabelos escuros, vestindo preto, caminhava em
movimentos fluidos e rápidos. Ele parecia que seu controle
estava por um fio. E uma mulher, que era o seu oposto,
baixa, loira e calma, conversava com ele, seus movimentos
pareciam tranquilizadores. Ascanio Ferara pairava atrás
deles, com um olhar de sofrimento no rosto bonito.
Elara percebeu que seu vestido azul estava manchado
de terra. Havia terra sob as unhas dela. Sem tempo. Desceu
as escadas. Ao pé, Dugas esperava.
— Aquele homem está prestes a fazer algo violento, —
ele murmurou.
— Eu sei.
Ela passou por ele e colocou um sorriso no rosto. — Olá.
Ascanio e a mulher viraram-se para ela. O homem ainda
estava examinando o pátio.
A loira colocou a mão no braço dele e o puxou
gentilmente, até que ele se virou para encarar Elara.
— Olá, —disse a loira. — Sinto muito virmos aqui sem
um aviso prévio. Sou Andrea Medrano. Este é meu marido,
Raphael. Você já conhece Ascanio, é claro.
— Sim, conheço, —disse Elara. — Vocês devem estar
cansados. Gostariam de algo para comer?
Os olhos de Ascanio se iluminaram.
Se ela pudesse tirá-los do pátio e instalá-los em
segurança antes que Hugh aparecesse, talvez pudesse
evitar que o pior acontecesse.
— Gostaríamos muito de comer algo, —disse Andrea. —
Não é, querido?
Hugh d'Ambray atravessou o portão, com Stoyan logo
atrás dele.
Raphael o viu. Seus olhares travaram.
Raphael tirou a jaqueta de couro com um único puxão
da mão.
— Raphael! —Andrea disse. — Você me prometeu que
não faria isso. Raphael!
Raphael puxou duas adagas da bainha do cinto e foi em
direção a Hugh.
— Eu te disse, —disse Ascanio. — Eu disse que isso iria
acontecer.
Hugh puxou uma faca da bainha na cintura e avançou.
Os dois homens se alcançaram. Raphael atacou, tão
rápido que parecia um borrão.
De alguma forma, Hugh se esquivou.
— Mostre a ele, querido! —Andrea gritou.
O que? Elara olhou para ela.
— Sinto muito, —disse Andrea. — Os Cães de Ferro
mataram minha sogra.
— Meus pêsames, —disse Elara. — O que irá acontecer
quando meu marido fizer de você uma viúva?
— Raphael não vai perder.
Hugh se afastou e chutou Raphael no estômago. O
metamorfo rolou, ficou de pé, seus olhos ficando vermelhos
de sangue, e atacou Hugh.
Não perca, desejou silenciosamente. Não perca, Hugh.
Os dois homens entraram em choque e se separaram. O
antebraço esquerdo de Hugh sangrava. Um brilho azul
fechou o ferimento.
Um corte apareceu no rosto de Raphael. Ele limpou e
jogou o sangue fora.
Sua pele se selou. O Lyc-V, o vírus responsável pela
existência dos metamorfos, dava-lhes uma regeneração
incomparável.
Eles entraram em choque novamente, cortando,
esculpindo, esfaqueando, tão rápido que ela mal conseguia
identificar os ataques. Raphael era um turbilhão, mas Hugh
era mais forte. Eles atravessaram o pátio. Se não fosse
pelas facas pareceriam que estavam dançando.
Hugh cambaleou de volta. O frio correu através dela. Ele
deve ter sido atingido, mas ela não conseguiu ver. Raphael
aproveitou a oportunidade e atacou, cortando-o. A ponta da
adaga roçou a garganta de Hugh, traçando uma linha
vermelha afiada.
Elara ofegou.
Hugh agarrou o pulso de Raphael com a mão esquerda
e torceu. Osso estalou. O metamorfo rosnou e largou a
adaga. Andrea estalou os dentes.
Hugh chutou a adaga para fora do caminho. Eles se
lançaram um contra o outro.
Segundos se estenderam em minutos, lentos e viscosos,
como mel pingando. Hugh estava coberto por um brilho azul
agora. Raphael estava sangrando. O Lyc-V não conseguia
consertá-lo rápido o suficiente. As pedras sob seus pés
estavam manchadas de vermelho.
Algo estava errado. Ela já tinha visto Hugh lutar antes.
Este não era ele.
Hugh era preciso e deliberado. Era um frenesi, e agora
parecia quase como se ... como se estivesse deixando
Raphael desabafar sua ira nele.
Se ele usasse magia, essa luta terminaria.
Hugh estava se punindo.
Raphael bateu com o punho no lado de Hugh. Hugh
levou o golpe, apertou o braço de Raphael e esfaqueou
Raphael nos rins. O metamorfo se libertou.
O brilho azul saltou de Hugh para o ferimento de
Raphael e permaneceu.
Ela assistiu por um longo momento, incrédula. As mãos
dela se apertaram. Isso era o suficiente. Elara começou a
avançar.
— O que você está fazendo? —Andrea perguntou.
— Eu vou parar com isso.
— Oh, eu não sei, —disse Andrea. — Eles não parecem
precisar de ajuda.
Elara deixou sua magia sair. A magia rolou para fora
dela, fria como um iceberg no oceano escuro e profundo. A
mulher metamorfo respirou fundo.
— Hugh está curando seu marido.
Andrea olhou de soslaio para os lutadores. — Não …
O brilho azul cobriu o outro lado de Raphael.
Choque bateu no rosto de Andrea. — Sim. Ele está. Por
quê?
— Porque Hugh está se punindo. O homem que seu
marido veio aqui para matar não existe mais. O homem que
está aqui agora vai se ferir porque acha que precisa ser
punido. Isso já foi longe o suficiente. Ninguém morrerá hoje.
Não vou permitir.
— Raphael, —Andrea gritou. — Pare. Já chega!
Raphael enfiou a faca no lado de Hugh com uma facada
violenta. Hugh deu um soco na cara dele. Raphael
cambaleou para trás, os lábios contraídos em uma careta.
Hugh ficou pálido. O medo a beliscou. Ela deixou isso ir
longe demais.
Raphael deu um chute. Ele estava de costas para ela.
Ela roçou o ombro dele com as pontas dos dedos, roubando
apenas uma pequena gota da magia de sua vida.
O metamorfo parou. Sua adaga negra caiu. Ele deu um
passo para trás e caiu de joelhos.
Ela se jogou na frente de Hugh e passou os braços em
volta do pescoço dele, sua magia banhando os dois. —
Acabou.
Ele deu um passo à frente, apoiando o seu peso nela.
— Está feito, —ela murmurou, envolvendo a voz em
torno deles. — Não mais. Eu preciso de você. Todos nós
precisamos de você. Por favor, Hugh. Pare.
Ele parou e olhou para ela. A consciência voltou aos
seus olhos. Elara exalou.
Atrás deles, Andrea se ajoelhava ao lado de Raphael e o
abraçava.
— Muito cansado, —Raphael sussurrou e caiu no chão.
— Você lutou bem, —ela disse a ele. — Você o matou
pelo menos quatro vezes. Tia B ficaria orgulhosa.
Hugh estava olhando para ela. Ele baixou a cabeça. Ela
não percebeu o que ele estava fazendo até que seus lábios
encontraram os dela. Foi um beijo desesperado e faminto.
Ela sentiu a dor dele na língua e se afastou. Toda a frente do
seu vestido estava encharcado de sangue. Hugh tropeçou e
caiu como um tronco. Ela mal o pegou e seus joelhos
tremeram sob o impacto do peso morto dele.
— Podemos comer agora? —Ascanio perguntou.

********
Hugh abriu seus olhos. O teto acima dele estava
envolto em escuridão. Ele estava no quarto dele.
Tudo doía.
Piscou para o teto, tentando identificar nos diferentes
lugares feridos um local onde doía um pouco menos. Ele
falhou.
Que horas eram? Tinha que ser tarde. A última coisa
que lembrava era de estar lutando com Medrano. Ele
realmente não tinha um plano para essa luta. Não tinha
certeza de como isso teria terminado. Não queria matar
Medrano na frente da esposa do homem. Tinha uma vaga
ideia de ter deixado o metamorfo se cansar, mas depois se
tornou outra coisa. Tinha certeza de que um deles não
sobreviveria a essa luta.
Lembrou-se de Elara e o toque refrescante de sua
magia. Como entrar em uma sombra de uma nuvem em um
dia quente de verão.
Então não se lembrava de mais nada.
Matou Medrano?
Não, Elara deve tê-lo parado.
Um cheiro flutuou até ele. Cheirava laranja, manteiga e
outra coisa, algum tipo de massa. De repente, estava com
fome.
Sentar-se provou ser um esforço. Alguém o tinha
despido e o deixado só com as roupas de baixo. Ele não
cheirava a sangue, então foi lavado.
Cambaleou até a porta. Do outro lado do corredor, a
porta de Elara estava aberta. Luz suave brilhava por dentro.
O aroma vinha de lá.
Tropeçou, procurando algo para vestir e encontrou uma
calça preta e uma camiseta branca. Conseguiu colocar os
dois sem fazer barulho e seguiu pelo corredor.
O cheiro ficou mais forte. O castelo estava quieto ao
redor deles. Do lado de fora das janelas do corredor, a noite
se espalhava pelo céu, brilhando com estrelas.
Hugh chegou à porta. O quarto da frente da suíte de
Elara estava vazia. Ele entrou, seguindo o cheiro, virou-se e
a viu. Ela estava em um pequeno recanto do quarto. Um
grande forno de pedra ocupava grande parte da parede
oposta. À sua frente havia uma ilha com um fogão de
bancada e uma pia. Entre o fogão e a pia estava Elara, de
costas para ele. O vestido azul estava grudado nela,
cobrindo a bunda. Seu cabelo estava trançado e preso, e ele
podia ver seu pescoço esbelto.
Hum.
Ele se inclinou na porta.
Elara pegou algo do fogão e virou-se para ele. Ela
estava segurando uma bandeja de metal, as mãos em luvas
de cozinha. Estava vestida em um avental. Um pequeno
avental com babados, branco, com flores de cerejeira rosa e
laços pretos largos, a envolvia e amarrava em um laço ao
lado.
Ele riu.
— O que é tão engraçado?
Isso não pode ser real. É outro sonho. — Gostaria de
saber qual parte do meu cérebro demente tem o desejo
secreto de ver a Harpia de Gelo de avental. Assando
biscoitos.
— Não são biscoitos.
149
Ele olhou para a bandeja. Estava cheia de crepes ,
dobrados ao meio e ensopados em manteiga derretida. O
fogo escureceu as bordas do crepe. Ela deve ter os
polvilhados com açúcar, porque uma fina camada de
caramelo pontilhava as bordas. A última vez que ele comeu
um crepe Suzette foi na França, eras atrás. Hugh não
conseguia se lembrar o que estava fazendo na França essa
época, mas lembrou-se da sobremesa e das chamas
vermelhas brilhantes lambendo os crepes enquanto eram
flambados na mesa.
Elara tirou as luvas. — É isso que eu sou, uma Harpia de
Gelo?
— Sim. —E ele estava pegando fogo. Nem conseguia
pensar direito.
— Você não vai ganhar nenhum dos meus crepes com
essa atitude.
Ele se aproximou dela, perseguindo-a. Ela cruzou os
braços no peito, mas não se mexeu. Caminhou atrás dela,
lentamente, consciente de cada centímetro de espaço entre
eles. Elara cheirava a jasmim e maçãs verdes. Muito sutil
para ser a fragrância de um perfume. Talvez o cheiro do seu
xampu ou loção. Ele se perguntou se sentiria o gosto
enquanto lambia a pele dela. — Cuidado, Preceptor.
Ele abaixou a mão, pegou a ponta do avental dela e a
puxou.
— Pare com isso, —ela disse a ele.
Oh, ele iria gostar disso. — O sonho é meu, —ele disse a
ela.
— Eu não ligo.
Claro que ela não liga. Ele riu, com a voz baixa e puxou
a ponta novamente.
— Você vai parar com isso?
— Eu disse para você ficar longe dos meus sonhos. —Ele
se inclinou para perto, inalando o perfume de sua pele e
sussurrando em seu ouvido. — Você está constantemente
invadindo-os.
Os olhos dela se arregalaram. Ele olhou para eles e
captou o momento exato em que um toque de chama
explodiu em suas profundezas. No campo de batalha da
mente de Elara, bandeiras de guerra subiram e soldados
entraram em ação. Ele aprendeu a ler esses olhos quando
discutiam. Era aí que tudo ficava muito bom.
— Talvez devesse se perguntar por que está me
deixando entrar e sair de seus sonhos, Preceptor. O que
quer?
Ele estava tão duro que doía.
— Talvez eu esteja com fome. —Ele estendeu a mão por
cima do ombro dela e roubou um crepe do prato. Elara
tentou dar um tapa na mão dele, mas ele foi mais rápido.
— Ainda não estão prontos.
— Parecem prontos para mim. —Hugh segurou o crepe,
fora do alcance dela. — Quer isso de volta?
— Sim.
Ele se inclinou para mais perto. — O que vai me deixar
fazer para recuperá-lo?
— Me devolva o crepe, Hugh.
Ele segurou o crepe na frente dela. Ela o pegou da mão
dele e virou as costas para ele, arrumando o crepe de volta
na bandeja. Hugh trancou as mãos na ilha, enjaulando-a
entre os braços. Elara ficou completamente imóvel. Ele
sentiu a tensão vibrando no caminho de sua espinha e no
conjunto de seus ombros, e isso só o tornou mais duro.
Ele se inclinou para frente e a beijou no lado direito,
logo abaixo da orelha dela. Elara ofegou. A pele dela estava
quente e macia sob os lábios dele, como seda quente. Hugh
tocou o ponto sensível com a língua, cobrindo de calor sua
pele, e ela se inclinou um pouco para trás, procurando por
ele. Ele queria agarrá-la, arrancar as roupas dela e se perder
em seu corpo macio. Era uma necessidade selvagem,
incontrolável, primitiva e intensamente violenta. Queria
prendê-la na cama e passar a língua pelos seios e depois
deslizar mais abaixo, sobre o estômago e mais abaixo.
Queria ouvi-la gemer, vê-la sem fôlego, vê-la abrir as pernas
para ele e fazê-la gozar como nunca. Queria se empurrar
nela e ouvi-la gritar seu nome, implorando por mais. Queria
que ela o adorasse, porque ele estava fazendo isso com ela.
— Pare, Hugh, —ela sussurrou.
Ele pegou uma mecha de seus cabelos brancos em seus
dedos e a beijou. — Por quê?
— E se isso não for um sonho? E se estiver acordado?
— E você está cozinhando crepes Suzette no meio da
noite em um bonito avental?
— E se eu estiver? Se acordarmos de manhã na mesma
cama, o que acontecerá?
— Eu não sei. Diga-me. —Ele beijou seu pescoço
novamente, do outro lado. Ela respirou fundo e engoliu em
seco.
— Finalmente aprendemos a trabalhar juntos. Se não
parar ...
Ele mordeu o pescoço dela, beliscando a pele entre os
dentes. A voz dela falhou. Elara estremeceu, e quase o
empurrou para o limite.
— ... se você não parar, entraremos em guerra pela
manhã, porque agora não é você. Seu corpo se esforçou
tanto para reparar todos os seus ferimentos que você
brilhou por horas. Está exausto e não está em sã
consciência. Vai se arrepender desse momento de fraqueza
amanhã. Vai me fazer pagar por isso.
Os lábios dele viajaram até a curva do pescoço dela.
Sua respiração estava saindo em suspiros irregulares. Ela o
queria. Ele também, todo o seu corpo se endureceu, cada
músculo, cada nervo gritando por ela.
— Eu não poderei pagar esse preço. Pare, Hugh. Pare.
As palavras finalmente penetraram. Ele poderia forçá-la.
Era um sonho e poderia fazer o que quisesse, mas não seria
certo. Queria mais, algo que seu subconsciente se recusava
a deixá-lo ter, mesmo em seus sonhos. Este era outro
pesadelo. Ele só não havia percebido isso até agora.
Descansou a testa na parte de trás da cabeça dela. —
Elara ...
— Por favor, —ela sussurrou. — Por favor, não diga nada
que se arrependerá de manhã.
Sua voz era um rosnado baixo. — Às vezes, quando fico
acordado no meio da noite, penso em você.
— Não ...
— Às vezes não há mais nada e tudo o que está me
ancorando aqui é saber que você vai brigar comigo pela
manhã.
— Hugh ...
— O que você quer mais do que qualquer coisa? Diga-
me o que é e rasgarei o mundo para trazê-lo para você.
Ela girou nos braços dele lentamente e levantou as
mãos. Os dedos dela tocaram o cabelo dele, afastando-o do
rosto. Ele saboreou.
Ela ficou na ponta dos pés e roçou os lábios dele nos
dela. — Pergunte-me novamente pela manhã.
— Agora.
— Você tem que ir agora, Hugh.
A corda bamba quebrou embaixo dele e ele caiu. — Não.
— Sim. Falaremos sobre isso novamente, de manhã. Por
favor, vá para o seu quarto.
Ela o empurrou. Ele poderia ter ficado onde estava.
Elara não tinha forças para movê-lo. Mas, em vez disso, ele
se afastou, caminhou até a porta e saiu. Elara fechou a
porta e ele a ouviu trancar do outro lado.
Não havia mais nada a não ser voltar para o seu quarto.
Essa era a única maneira de sair desse sonho distorcido.
O vazio se abriu atrás dele. Olhou para a profundidade
ardente, xingou e foi para a cama.

********
Hugh abriu seus olhos. A luz da manhã inundava seu
quarto. As janelas estavam abertas e uma leve brisa
flutuava em seu quarto, trazendo uma dica do primeiro frio
do outono.
Seu estômago roncou. Sentou-se e viu Lamar em uma
grande poltrona, com os óculos no nariz.
— Bem, olá, Raio de Sol, —disse Lamar.
Hugh olhou para ele.
— Sentimos sua falta, —disse Lamar.
— Quanto tempo eu fiquei inconsciente?
— Três dias.
Isso explicava a fome e os sonhos fodidos. — Os
metamorfos?
— Ainda estão aqui. Medrano quer falar com você. Sua
esposa, Elara, os acomodou no castelo. Acho que ela está
prestes a servir o café da manhã.
Hugh levantou-se. Seus membros doíam e seu interior
parecia cru e espancado. Muita cura muito rapidamente.
Havia um livro sobre a mesa perto da cadeira.
150
Hugh o pegou. — Harry Potter ?
— Bale leu em voz alta para você. É o favorito dele.
Seus homens ficaram com ele por três dias,
certificando-se de que ele não morreria. Hugh faria o
mesmo por eles, mas nunca esperava que eles retribuíssem.
Hugh vestiu uma calça. — Como está o fosso?
— Pronto.
Havia duas semanas de trabalho pela frente ainda. —
Como?
— Elara mobilizou seu pessoal. Eles vieram em massa
para aplicar o concreto.
A harpia o ajudou. Hum.
— Você quer boas notícias? Eles têm uma família de
pedreiros que conseguem secar o concreto rapidamente. Eu
não sei como conseguem, mas em vez de 28 dias para
secar, conseguem secar o concreto assim que começam a
aplicar ele. —Lamar sorriu. — Ainda há um pedaço em que
eles não fizeram, porque a magia foi embora, mas, uma vez
o fosso concluído, estaremos prontos para enchê-lo.
— Lamar?
— Sim.
— Me dê um soco.
Lamar desdobrou o corpo duro da cadeira e deu um
soco no estômago. A dor pulsou através de Hugh, um
choque bem-vindo ao sistema.
— O que foi isso? —Perguntou Lamar.
— Certificando-me de que estou acordado.
— Você está, —disse Lamar. — Mas não faça aquilo de
novo. Deixou Medrano estripar você como um peixe. Eu
percebi. Você prometeu a Stoyan, Bale e Felix. Você me
prometeu. Pode mentir para esses filhos da puta, mas eu
vou cobrar a sua palavra. Nós precisamos de você. Ainda
não estamos seguros.
— Saia do meu quarto, —rosnou Hugh.
Lamar sorriu e se dirigiu para a porta.
Um pensamento perdido o atingiu. — Há quanto tempo
você disse que a magia foi embora? —Hugh perguntou.
— Eu não disse. A magia foi embora na noite depois que
você se estabilizou, cerca de dez horas depois de sua briga
com Medrano.
Lamar continuou andando.
Se a magia estava em baixa durante a maioria dos três
dias, Elara não poderia ter percorrido seus sonhos.
Ele imaginou a coisa toda? Parecia tão agudo e real, da
mesma maneira que foi quando Elara invadiu os seus
sonhos pela primeira vez.
Nunca viu aquela cozinha. Ele estava no quarto dela
quando ela o remendou, mas ele não conseguia ver o lado
da sala de onde estava sentado.
Dez minutos depois, vestido e tomando banho, Hugh
atravessou o corredor e bateu na porta de Elara. Sem
resposta. Tentou a maçaneta da porta. Virou na mão dele.
Hugh entrou. O quarto estava vazio. Ele seguiu o caminho
familiar até a parede oposta e virou à esquerda. Uma
cozinha no canto o cumprimentou. A mesma ilha, o mesmo
fogão, a mesma geladeira. Abriu a porta da geladeira,
sabendo o que encontraria lá dentro.
Uma bandeja estava na prateleira do meio com uma
pilha de crepes.
Hugh olhou para eles.
Aquilo foi real. Ele se levantou no meio da noite,
caminhou até aqui e falou a ela toda aquela merda
estúpida. Elara o avisou, mas ele despejou tudo, como um
idiota, dando toda a munição que ela precisaria. Ele ficou lá,
como um cachorro faminto, choramingando para ser
deixado entrar. Elara praticamente teve que empurrá-lo
para fora de seu quarto.
Patético.
Aconteceu.
Tudo mudaria agora. A relação deles era uma batalha de
poder e força, eram iguais e ele fodeu tudo. Se fosse até lá
e visse pena no rosto dela, isso o mataria.
Por um longo momento, ficou ali, entorpecido, até que
finalmente uma emoção gelada tomou conta dele. Sentiu
uma raiva fria e cristalina. Deixou isso o cobrir, congelando
toda emoção inconveniente que tinha.
Era o Preceptor dos Cães de Ferro. Sua esposa estava
servindo café da manhã para um homem que tentou matá-
lo. Um homem que ainda era uma ameaça.
Era seu trabalho neutralizar ameaças.
Ele estaria presente.

********
Ele sabia.
Elara apertou o garfo com mais força. Em um momento
a porta para o solário estava vazia, no próximo Hugh
apareceu, e instantaneamente percebeu que ele sabia que
a conversa na cozinha dela havia acontecido realmente.
Seus olhos azuis estavam congelados. Cedric sentou-se a
seus pés, abanando o rabo.
Hugh caminhou até ela.
Ela não tinha ideia do que ele faria. Na mesa, Andrea e
Raphael estavam quietos.
Hugh se inclinou sobre ela. Os lábios dele roçaram sua
bochecha. Era quase tão seco e sem emoção quanto
esfregar giz sobre a pele.
Elara conjurou um sorriso. — Você finalmente acordou.
— Você me conhece, preciso do meu descanso de
beleza.
Sua voz era quente, a sugestão de um sorriso puxando
seus lábios era perfeita, mas seus olhos estavam ásperos.
Ela pegou a mão dele e a segurou na dela. — Eu estava
preocupada.
Ele puxou a mão. Fez isso discretamente, e um
observador não seria capaz de perceber, mas ela sentiu. Ele
não queria que ela o tocasse.
— Eu sinto muito. Não vou te preocupar de novo. —Ele
colocou um final terrível nessas palavras.
Hugh pegou uma cadeira ao lado dela e sentou-se. O
cachorro grande se esparramou a seus pés.
Raphael e Andrea estavam olhando para Hugh como se
ele e Cedric tivessem ficado raivosos. Ela conseguiu um
equilíbrio confortável com os metamorfo nos últimos três
dias. Com o tempo, os conquistaria, mas nada disso
importava. Tudo dependia do que sairia da boca de Hugh
em seguida.
O silêncio pairava sobre a mesa, ameaçador e pesado.
Hugh franziu a testa.
Elara ficou tensa. Os metamorfos se inclinaram um
pouco para a frente.
— Onde está o bacon?
Ela exalou, levantou-se, levantou a tampa de uma
travessa e colocou o enorme prato de bacon e salsicha
cozida na frente dele.
Hugh encheu o prato, tomou um gole de café e parou
por um momento, saboreando-o. — Faz-me sentir quase
humano.
— Nós vamos conversar sobre isso? —Raphael
perguntou.
Hugh pousou a caneca e o encarou. — Sinto muito,
meus soldados mataram sua mãe.
Aí está. Elara prendeu a respiração.
— Eu respeitava sua mãe, —disse Hugh. — Ela era uma
líder e liderou bravamente. Morreu porque precisava ganhar
tempo para vocês. Não a odiava e não queria
especificamente sua morte. Daniels era o alvo. Mas sua mãe
e eu estávamos em lados opostos, e qualquer coisa que
enfraquecesse o Bando era considerada boa para causa de
Roland. Ela era perigosa, poderosa e popular e exercia
muita influência sobre Lennart, Daniels e o Bando em geral.
A morte dela deixou uma grande lacuna na rede de apoio de
Lennart. Então, eu mentiria se dissesse que matá-la não foi
uma vitória na época. No entanto, não apoio mais as causas
da Roland. Lamento profundamente a morte dela e a dor
que causei a você e sua família.
Andrea exalou baixinho.
— Entendo por que você me atacou, —disse Hugh,
cortando uma panqueca com o garfo. — Entendi. Foi justo.
Está feito agora. Cada um de nós tem uma esposa e
pessoas pelas quais somos responsáveis e nossos interesses
comerciais se cruzam. Podemos continuar trabalhando
juntos, podemos procurar parceiros de negócios alternativos
ou podemos nos matar. Descubra o que quer fazer.
Raphael se recostou, seu rosto calmo. — Pelas minhas
contas, matei você quatro vezes durante essa luta. Como
ainda está vivo?
— Eu sou difícil de matar, —disse Hugh.
— Como está a sua situação com Roland? —Andrea
perguntou.
— Ele nos quer mortos, —disse Hugh. — Não somos o
alvo de maior prioridade no momento, então provavelmente
ele disse a Nez para cuidar de nós a seu critério.
— O que acontecerá se Roland atacar Atlanta? —Andrea
perguntou. — Quem você ajudará, d’Ambray? Elara nos
disse que você não é a mesma pessoa de antes. Isso é tudo
conversa fiada ou não? Aonde você fica?
Eles o empurraram muito longe e muito rápido. Ela tinha
que intervir. — A prioridade do meu marido é a
sobrevivência do nosso povo.
Hugh mastigou o bacon e tomou outro gole de café. —
Neste momento, Daniels é a melhor chance de parar
Roland. Se ele tomar Atlanta, logo virá atrás de nós.
Podemos esperar um pouco, mas não vai demorar. Portanto,
se houver uma batalha em Atlanta, nós a ajudaremos.
Ela quase caiu da cadeira.
Raphael se inclinou para frente. — Temos a sua palavra?
— Sim. A pergunta mais relevante para você é o que o
Bando irá fazer?
Hugh mastigou um pouco mais. — Shrapshire, seu novo
Senhor das Feras, é um perfeccionista paranoico, movido
pelo medo de não cumprir suas responsabilidades. Ele é
naturalmente um solitário e não consegue acreditar que
encontrou uma mulher que o ama. Dali Harimau é seu único
pilar de apoio.
— Ele tem uma família, —disse Andrea.
— Sim, todos eles são típicos jaguares: solitários. Eles se
reúnem para ocasiões familiares, mas, além disso, levam
vidas separadas. Shrapshire se preocupa com duas coisas:
sua companheira e fazer o melhor trabalho possível, em
qualquer posição dentro do Bando que ele assumir. O pai de
Shrapshire não matou uma criança que precisava ser morta.
Era sua responsabilidade como médico do Bando. Ele foi
julgado e preso por esse fracasso do dever. O Senhor das
Feras nunca superou isso.
Ele estava entregando tudo isso com precisão clínica,
enquanto comia. Elara percebeu que nenhum vestígio de
Hugh daquela noite havia permanecido. Apenas o Preceptor
dos Cães de Ferro permaneceu. Isso a fez querer agarrá-lo e
sacudi-lo até o gelo quebrar.
— Neste momento, Shrapshire está em uma posição de
extrema responsabilidade como o Senhor das Feras. Se você
derrubá-lo com a catástrofe certa, como ferir Dali ou matar
algumas crianças do Bando, ele responderá com força
esmagadora e, uma vez que o ataque falhar, ficará
progressivamente mais irracional à medida que retaliar.
Os dois metamorfos o encaravam como se ele tivesse
brotado uma segunda cabeça.
— Quando eu trabalhava para Roland, ele me chamou
para elaborar um plano abrangente para desmontar o
Bando. Não trabalho mais para ele, mas se Roland seguir
meu plano, provavelmente terá como alvo Dali. É mais fácil
e limpo do que outros alvos. Quando Shrapshire estiver
convencido de que não pode nem manter sua companheira
segura, ele sairá do controle e não há como dizer o que
fará. Shrapshire abandonou Lennart e Daniels antes. Se
você acertá-lo da maneira certa, ele pode obrigar a todos
ficarem na Fortaleza e proibir qualquer um de ir embora.
Andrea, Daniels é sua melhor amiga. Então, o que vocês
dois irão fazer quando Daniels estiver sozinha lá fora,
quando Roland finalmente atacar e Shrapshire e vocês
estarão escondidos na Fortaleza?
Os dois metamorfos ficaram boquiabertos para ele.
Elara sentiu uma pequena pontada de satisfação. — Este é o
lado dele que geralmente não mostra a ninguém, —disse
ela.
— Parece que a melhor aposta de vocês será manter a
família do Senhor das Feras segura.
— Eu vou lhe dar uma resposta. —Andrea arreganhou os
dentes. — Se Shrapshire tentar impedir o Clã Bouda de
participar dessa batalha, nos separaremos do Bando. E
tenho certeza que o Clã Heavy e o Clã Lobo também.
Apoiaremos nossos amigos.
Cedric levantou a cabeça e latiu para ela. Hugh
estendeu um pedaço de bacon e o cachorro grande o
devorou. Ela teria que conversar com Hugh sobre não
alimentar o cachorro na mesa.
— Você está certo, —disse Raphael. — Temos interesses
comerciais. Não precisamos ser amigos, mas é mutuamente
benéfico cooperar. Sinto falta da minha mãe todos os dias.
Eu desejo com todas as minhas forças matá-lo, mas isso não
beneficiaria ninguém neste momento, muito menos o nosso
Clã. Se minha mãe estivesse viva, ela me reprenderia. Não
temos o hábito de desperdiçar recursos. Você é útil,
d’Ambray. Nós vamos usá-lo. Você nos deve isso.
— Justo. O que precisa de nós? —Perguntou Hugh.
— O mesmo que já estão fazendo agora, —disse
Raphael. — Precisamos de um porto seguro para os
metamorfos de Kentucky. Em troca, pressionaremos
agressivamente o Bando para comprar suas ervas ao invés
de outros fornecedores.
— Funciona para mim, —disse Hugh.
— Obrigado pelo café da manhã adorável. —Andrea
levantou-se. — E sua hospitalidade. Iremos embora agora.
— Vocês são sempre bem-vindos, —disse Elara.
Raphael se levantou e os dois metamorfos saíram.
Por alguns minutos, eles ficaram em silêncio.
— Onde está Ascanio? —Perguntou Hugh.
— Explorando o castelo.
— Você o deixou por aí sem supervisão?
— Sam está com ele, —respondeu ela.
Hugh suspirou. — A essa altura, ele provavelmente já
conhece os detalhes completos de nossas defesas. Não
importa. Eu vou lidar com isso.
Ele se levantou e pegou seu prato.
— Não se preocupe, —ela disse a Hugh. — Ele já está
indo embora.
Hugh colocou o prato no chão. Cedric quase
enlouqueceu de alegria. Hugh colocou o prato na mesa
depois que Cedric terminou e inclinou a cabeça para pegar
o olhar dela.
Sua voz era falsamente calma. — Na próxima vez que
você interferir em uma das minhas lutas, eu entregarei os
documentos de divórcio. Estamos entendidos?
Certo. O imbecil estava de volta. — Na próxima vez que
eu precisar salvar sua vida, lembrarei disso.
Hugh saiu, seu cão nos calcanhares.
Ela queria pegar o prato dele e quebrá-lo contra o chão.
Mas ele ouviria, e ela se recusava a dar-lhe essa satisfação.
 

Treze
Hugh se apoiou no parapeito da fortaleza. Abaixo,
o trecho de concreto do fosso se estendia, esperando a
água. Seis plataformas de bombas esperavam, prontas para
despejar a água do lago no fosso através de grandes canos.
A magia havia inundado o mundo trinta minutos atrás,
parando o trabalho, e agora três equipes entoavam,
movendo-se de bomba em bomba, persuadindo os motores
de água encantada funcionarem.
Todos os Cães de Ferro que não estavam de serviço em
seus turnos estavam aqui, alinhados ao longo da borda do
fosso. A maior parte da vila também estava aqui,
misturando-se. As crianças corriam de um lado para o outro,
rindo. Um vendedor de tortas doces apareceu e estava
fazendo bons negócios, carregando bandejas de tortas pela
multidão.
Como um maldito festival.
Elara também estava lá embaixo. Se ele se
concentrasse, poderia encontrá-la na multidão. Então
escolheu encarar o concreto e as bombas.
Stoyan se apoiou no parapeito ao lado dele. — Você vai
lá embaixo?
— Não.
A equipe do lado esquerdo da bomba agitou um pedaço
de tecido.
— Aperte o gatilho, —disse Hugh.
151
Stoyan levou um shofar à boca e tocou uma nota alta
e agressiva.
Uma faísca de magia correu através das bombas,
dançando nas máquinas como um raio amarelo. As bombas
rugiram.
Nada aconteceu.
A multidão se agitou, o barulho das vozes subindo.
Um minuto se passou. Outro …
Outro …
A água jorrou do cano mais à direita. A multidão
aplaudiu. Os outros canos derramaram seu próprio fluxo, um
por um, e uma corrente de água espumosa começou a
encher o fosso.
Finalmente.
Ele olhou ao longo do fluxo da água e viu Elara em um
vestido branco. O rosto dela estava inclinado para cima. Ela
estava olhando diretamente para ele.
Hugh saiu do parapeito e virou-se para Stoyan. — Faça
com que eles verifiquem o nível da água a cada trinta
minutos, depois que estiver cheio. Precisamos de vinte e
quatro horas de nível estável de água.
— Os engenheiros olharam isso, —disse Stoyan. — O
que você quer fazer sobre o dinheiro?
— Quão longe do orçamento estamos?
— Treze mil.
— Ainda resta algum material para resgatarmos?
— Os batedores encontraram ruínas ao sul, cerca de
trinta minutos na floresta. Parece que foi em algum
momento uma grande destilaria. Tanques de
armazenamento de aço inoxidável, coadores de cobre,
serpentinas de aquecimento. Há um bom material que
podemos tirar de lá ...
Um grito agudo ecoou abaixo. Hugh girou para o
parapeito. Na grama perto do fosso, uma mulher e dois
homens convulsionavam no chão. O povo de Elara formou
um círculo ao redor deles. Ele xingou e saiu correndo.
Levou três minutos para descer até o fosso. Hugh abriu
caminho pela multidão. Elara estava ajoelhada junto ao
homem mais velho, segurando a cabeça dele no colo dela,
enquanto outros dois embalavam o homem mais jovem e a
mulher.
— Deixe vir, —entoou Elara. — Quase lá. Quase.
Havia um ritmo padrão para as convulsões. Hugh
observou as pessoas que convulsionavam na frente dele, os
movimentos, o tempo. Os tremores pulsavam em um
padrão distinto, mas cada vez mais se tornaram
sincronizados.
— Pronto, —Elara murmurou.
As três pessoas se ergueram em uníssono, como
vampiros saindo de caixões em algum filme antigo. Eles
olharam para o espaço, expressões idênticas em branco em
seus rostos e falaram em coro.
— Esta noite Aberdine será destruída.
Bem, foda-se!
Ele deixou o círculo. Stoyan o seguiu.
— Dobre as patrulhas, —disse Hugh. — Mantenha as
bombas funcionando. Quero ver todo mundo em meus
aposentos em quinze.

********
Elara subiu a escada. Hugh deu uma olhada nos
videntes e fugiu para seu quarto. Isso era bom. Ele não
escaparia dessa vez. Ela o rastrearia.
Ela chegou ao corredor. A porta dele estava aberta. Ele
estava de costas para ela. Hugh olhava para algo em sua
mesa. Usava seu uniforme dos Cães de Ferro e, desse
ângulo, em silhueta contra a luz da janela, parecia pura
escuridão, cortada na forma de um homem.
A memória conjurou as mãos dele nos ombros dela e o
toque fantasma dos lábios dele na pele dela. Elara
empurrou os pensamentos de lado. Agora não.
Ela entrou no quarto dele. Ele nem virou. Tinha que ter
ouvido.
— Hugh.
— Ocupado, —disse ele.
Ugh. — Um momento do seu tempo.
Ele se virou para ela e encostou-se na mesa, os braços
cruzados. — Qualquer coisa para minha esposa.
Ela quase retrucou, mas mordeu as palavras antes que
tivessem a chance de escapar. Tinha que fazê-lo entender.
— Aberdine vai ser atacada hoje à noite. Os Heltons
nunca errão, principalmente quando os três estão
sincronizados.
Ele não disse nada.
— É muito provável que o ataque seja feito pelos
soldados mrogs. Eles vão atacar Aberdine hoje à noite.
— Bem possível.
— Temos que ajudá-los.
Ele deu-lhe um longo olhar. — Deixe-me ver se entendi.
Você quer que eu pegue meus soldados e vá lá defender
pessoas que atiraram pedras em nós baseados em três
idiotas assustadores que espumaram pela boca,
desmaiaram e tiveram uma visão?
Ugh. Ugh! — Eles não são idiotas. São ótimas pessoas.
Não podem evitar as visões.
— Tenho certeza de que eles são adoráveis quando não
estão anunciando o destino iminente.
— Como é que Raphael fez mais buracos em você do
que um queijo suíço, mas sua idiotice sobreviveu?
— Raphael não tinha uma faca grande o suficiente para
matar minha idiotice.
— Há crianças em Aberdine. As crianças não jogaram
pedras em nós. Quase duas mil e quinhentas pessoas vivem
naquela vila e estão prestes a ser abatidas. Como pode
simplesmente não fazer nada?
— Muito facilmente, —disse ele.
Ela olhou para ele.
— Se eles estão realmente tentando atacar Aberdine,
virão em grande número, —disse Hugh com calma
metódica. — Você quer que eu deixe a segurança do castelo
e enfrente o que provavelmente será uma força muito
maior. Haverá mortes. Vou ter que assistir meu povo morrer.
— Nosso povo, Hugh. Eles são nosso povo, e eu também
enviarei pessoas da vila. Você terá suporte. E se morrerem,
carregarei a culpa.
Seu olhar a fez querer se afastar dele.
— Não.
— Não podemos simplesmente fazer nada.
— Sim, nós podemos. Todo Cão que morrerá naquele
campo será um soldado a menos para proteger este castelo.
— Bebês, Hugh. Eles vão matar bebês.
— Há bebês aqui. Você realmente quer que eles fiquem
órfãos por causa de Aberdine?
Essa era uma conversa sem sentido. — Eu vou.
— E fazer o que? Jogar ervas neles até derrubá-los com
alergias?
Ela queria dar um soco na cara dele. — Quero que você
seja o herói, Hugh. Quero que reúna nosso povo e viaje
comigo para Aberdine para salvar pessoas inocentes. O que
tenho que fazer para que isso aconteça?
Ele se empurrou da mesa e atravessou os seis passos
que os separavam. A ameaça rolava dele em ondas, tão
espessa que quase a estava sufocando.
— Estamos negociando agora?
Um arrepio elétrico de alarme percorreu sua espinha.
Elara levantou a cabeça. — Se isso for preciso.
Ele estendeu a mão e pegou uma mecha do cabelo dela.
— O que vai me dar se eu salvar Aberdine?
— O que quer, Hugh?
— O que eu quero, você não vai me dar.
— Me diga.
Ele se inclinou para ela, seus lábios apenas a
centímetros dos dela. Elara estava com muito calor, como
se suas roupas tivessem ficado muito apertadas nela. Seus
instintos gritavam em alarme.
— Eu quero você ... —sua voz era íntima, cada palavra
precisa — ... ficando aqui e vigiando minhas bombas.
Ela piscou para ele.
— Quero que a água continue enchendo o fosso e o
castelo em pé até eu voltar. Nós nos entendemos?
Oh, seu grande, grande imbecil. — Sim, —ela disse.
— Bom.
Elara ouviu passos no corredor e se virou. Stoyan,
Lamar, Bale e Felix estavam se aproximando.
— Pode ir agora, —disse Hugh.
Ela o ignorou. — Por que todos estão aqui?
Ninguém disse uma palavra.
— Respondam a ela, —disse Hugh.
— Estamos aqui para planejar a batalha de Aberdine, —
disse Stoyan, claramente desejando estar em qualquer
lugar, menos aqui.
— Temos que defender a vila, —disse Lamar. — Se
perdermos Aberdine, perderemos o acesso à linha Ley. Eles
vão nos separar do resto do estado.
Ela o mataria.
— Pena que vocês demoraram chegar, —disse Hugh. —
Perderam uma performance emocionante, repleta de apelos
emocionais à minha melhor natureza. Aparentemente,
minha esposa quer que eu salve os bebês de Aberdine.
Ela o imaginou explodindo em uma névoa sangrenta.
Não. Rápido demais.
Stoyan olhou para seus pés. Lamar olhou para o teto.
Bale estudou suas unhas. Felix virou-se e verificou o
corredor atrás deles. Ninguém estava olhando para ela.
— Explicar a performance dela não faz justiça. —Hugh a
convidou com um aceno de mão. — Doçura, você se
importaria de repetir para os caras?
Ela virou-se e saiu.
Atrás dela, Lamar murmurou: — Um dia, essa mulher vai
afogá-lo no fosso e eu não a culparei.
— Doçura? —Hugh chamou.
Ela continuou andando.
— Elara?
Ela parou e se virou para olhá-lo.
— Alguma informação para nos ajudar com o plano? Ou
vai embora fazendo beicinho? Você pode ir para o seu
quarto e bater os punhos lindamente no travesseiro ou pode
nos contar mais sobre Aberdine.
O bastardo continuava a provocá-la. — Peça
gentilmente, —disse ela.
— Por favor, junte-se a nós, minha senhora. —Ele
curvou-se com uma graça requintada, varrendo o braço
para o lado com um floreio, como se fosse um cavaleiro
medieval curvando-se diante de uma rainha.
Desgraçado.
Elara lançou sua magia na sala e deu um passo. Os
Capitães recuaram, um borrão rápido passou por eles. Um
momento ela estava no corredor, no outro estava ao lado de
Hugh, fios de sua magia crepitando no ar.
Hugh olhou para ela, seus olhos azuis divertidos.
— Dugas, —ela chamou, enviando sua voz através do
castelo. — Preciso de você.
Bale estremeceu, os olhos arregalados, parecendo um
gato assustado. Felix cruzou os braços em proteção.
Elara caminhou até a cadeira de Hugh e sentou-se nela.
Os lábios dele se curvaram.
Elara revirou os olhos.
Eles esperaram.
— Quantas pessoas irá deixar no castelo? —Ela
perguntou.
— Lamar e toda a sua Companhia.
— Isso significa que você está levando apenas duzentas
e quarenta soldados. Aberdine tem quase duas mil e
quinhentas pessoas. Você disse que os soldados mrogs
viriam em grande número. Isso será suficiente?
— Terá que ser, —disse Hugh.
— Quantas pessoas podemos contar em Aberdine? —
Perguntou Stoyan.
Elara fez uma careta. — Não muitos. Essas mesmas
pessoas atiraram pedras contra nós quando tentamos
protegê-las. Vai demorar muito para que eles confiem em
nós. A menos que façamos algo impressionante o suficiente
para superar o fato de que eles têm medo da gente, não
receberemos muita ajuda.
— Vamos supor que farei algo impressionante, —disse
Hugh.
— Existem duas mil duzentas e três pessoas em
Aberdine, —disse ela. — Quarenta e sete por cento de
homens, cinquenta e três por cento de mulheres. Cerca da
metade tem entre vinte e sessenta anos. Eles estão
acostumados a lidar com a floresta todos os dias, então
estão armados e não terão problemas em se defender, mas
não são matadores profissionais.
— Tudo bem, —disse Bale. — Nós somos.
Dugas entrou na sala, acenou para ela e parou ao lado.
— Vamos cortar pela metade, —disse Lamar. —
Contando com os enfermos, pais que precisam ficar com
filhos e os covardes. Isso nos dá de quatrocentas a
quinhentas pessoas.
— Vou enviar com vocês metade dos meus arqueiros, —
disse Elara. — Quarenta pessoas, todos muito habilidosos.
— Obrigada, —disse Hugh.
Hugh foi até a mesa. Os capitães e Dugas se agruparam
ao seu redor. Ela se levantou e se aproximou. Stoyan e
Lamar abriram espaço para ela. Sobre a mesa havia um
mapa de Aberdine.
Era uma vila típica pós-Mudança. Tempos atrás,
Aberdine era uma pequena cidade que ocupava uma área
na região de Knob, a cidade foi diminuindo de tamanho sob
os constantes ataques das ondas mágicas. A Rodovia Coller
percorria a cidade, serpenteando dez quilômetros a
sudoeste para chegar ao castelo de Baile e estendendo-se
outros três quilômetros a nordeste para chegar a linha Ley.
Em algum lugar nas primeiras casas dentro dos limites da
cidade de Aberdine, a Rodovia Coller Road se transformou
na Rua Street. A floresta não poupava ninguém,
especialmente durante as ondas mágicas, e para se
manterem seguros, os moradores cercaram a Rua Main e os
poucos quarteirões circundantes, protegendo os prédios
municipais, o mercado, o supermercado, o posto de gasolina
e alguns outros lugares essenciais com um muro de
concreto coberto com arame farpado. Dois portões
guardavam os muros, onde atravessava a Rua Main. Cada
portão tinha uma torre de guarda. Tudo isso estava
minuciosamente marcado no mapa de Hugh.
A maioria das casas estavam do lado de fora da parede,
os proprietários mais corajosos ou mais estúpidos se
aventuravam ainda mais perto da floresta, com suas
propriedades envoltas em campos protegidos por cercas
eletrificadas e arames farpados. Cerca de cem metros de
terras limpas cercavam as fazendas. O resto era floresta
densa. A floresta tentava recuperar a terra e os moradores
de Aberdine passavam muito tempo protegendo-a. Elara
conhecia muito bem a luta. Eles tinham que fazer a mesma
coisa para manter limpas as terras ao redor de Baile.
Em tempos de crise, os sinos tocavam e os moradores
de Aberdine corriam para a segurança dos muros.
— Será preciso evacuá-los, —disse Dugas. — A linha Ley
parece a opção mais óbvia, mas mover mil e quinhentas
pessoas até ela será um pesadelo.
— Eu posso receber os refugiados, —disse ela.
Hugh olhou para ela.
— Temos experiência em cuidar de refugiados, —disse
ela. — Podemos mantê-los por um dia ou dois.
— E se os idiotas mrog queimarem a cidade? —
Perguntou Bale.
Ela olhou para ele. — Certifiquem-se de que eles não
queimem.
— Dividimos os refugiados, —disse Hugh. — Todos
aqueles que forem capaz de andar, dirigir carros ou se
locomover de alguma forma dezesseis quilômetros, virá
para cá. Todos os outros irão para a linha Ley. Stoyan,
monte dois esquadrões para escoltá-los.
O Capitão de cabelos escuros assentiu.
Lamar inclinou-se sobre o mapa. — Para uma vila desse
tamanho, podemos esperar várias centenas de tropas
inimigas no mínimo. Eles contam com o elemento surpresa,
armaduras e seus mrogs. Sabemos que eles estão
chegando, então o elemento surpresa está do nosso lado,
mas é preciso três de nós para matar um deles por causa
dessa maldita armadura.
— Nós os encurralaremos dentro dos muros, —disse
Hugh. — Isso fará que percam a vantagem de serem
numerosos.
— Se houvesse alguma maneira de confundir os mrogs
... —Lamar pensou em voz alta.
— Me corrija se eu estiver errado, mas a teoria em vigor
diz que eles seguem pistas visuais de seus mestres?
Hugh assentiu.
— Um nevoeiro ajudaria? —Dugas perguntou.
— Que tipo de névoa? —Perguntou Stoyan.
— Nevoeiro mágico. —Dugas meneou os dedos para ele.
— Você pode controlá-lo? —Stoyan perguntou. —
Consegue deixá-lo somente dentro dos muros?
— Sim, —disse Dugas.
— O nevoeiro é bom. Hugh arreganhou os dentes. Uma
expressão perigosa e nítida distorceu suas feições, e Elara
lutou contra um calafrio. Não importa que tipo de vida Hugh
d'Ambray tenha vivido, uma parte dele sempre procuraria a
maneira mais eficiente de matar.
Ele estava indo para Aberdine, ela lembrou a si mesma.
Era tudo o que importava.

********
Elara abraçou-se. Da janela do quarto de Hugh, podia ver
a maior parte do pátio. Os Cães de Ferro e seus cavalos
fervilhavam, enchendo o pátio inteiro. Uma massa de
homens e mulheres de preto em cavalos escuros. O dia
estava nublado, o céu estava cheio de grandes nuvens
cinzas e a luz cinza só fazia tudo parecer mais sombrio.
Os Capitães haviam partido. Hugh estava sentado em
sua cadeira, colocando um novo par de botas.
Ele estava vestido de preto da cabeça aos pés. Elara
deveria ter saído, mas ficou e não fazia ideia do porquê.
Ela se virou para a mesa onde a armadura de peitoral
de Hugh, preto e reforçado com placas de metal esperava, e
o tocou. Parecia duro como madeira ou plástico, nada como
ela esperava que o couro fosse.
152
— Cuir bouilli , reforçado com chapas de aço, —disse
Hugh.
— Isso pode parar uma espada?
— Depende de quem estiver segurando a espada.
Ele se levantou, pegou a armadura e a ajustou sobre si
mesmo, empurrando o braço esquerdo através da abertura
entre o peito e a parte traseira.
— Já que você está aqui ...
Ela fez uma careta para ele e afivelou os cintos de couro
do lado direito, puxando a armadura. — Bom?
— Mais apertado.
— E agora?
— Perfeito.
Ele afivelou uma bainha no quadril e enfiou a espada na
bainha. Hugh pegou um pedaço de tecido preto da cadeira e
o abriu com um rápido empurrão na mão. Um casaco
coberto com pêlos. Ele a usava quando chegou ao castelo.
Hugh a envolveu em volta dos ombros. Ela puxou o
cordão de couro do casaco, pegou o outro lado e o amarrou
nas duas fivelas de metal, prendendo o casaco nele.
Hugh pegou um elmo na mesa. Era um elmo de estilo
romano que cobria parte do rosto e tinha uma crista de
cabelo preto. Havia a imagem estilizada de um cão
rosnando na parte que seria posicionada logo acima da
testa de Hugh. Ele colocou o elmo na cabeça. Não escondia
muito do rosto dele, mas de alguma forma o alterava.
Dois olhos azuis a encararam com uma intensidade
concentrada.
Ela deu um passo para trás. Hugh era um homem
grande, mas a capa, o elmo e armadura o fazia parecer
gigante.
— Você parece um vilão de algum filme de fantasia pré-
Mudança, —ela disse a ele. — Um Lorde das Trevas prestes
a invadir e conquistar.
— Lorde das Trevas, —disse ele. — Eu gosto disso.
Claro que sim.
— O casaco não vai atrapalhar?
— O casaco e o elmo são para impressionar Aberdine.
Não temos tempo para fazer política. Quando chegar a
cidade, vou tirá-los quando a batalha começar.
Algo a incomodava desde a reunião de estratégia. — O
que você disse sobre a sua preocupação com o ponto Ley
fazia sentido a princípio. Mas os soldados e os mrogs não
ocupam cidades, Hugh. Eles matam as pessoas e
desaparecem. O massacre de Aberdine não afetaria nosso
acesso ao ponto Ley. Por que você realmente está indo para
lá?
— Eles invadiram meu castelo. Atacaram minha esposa.
Atacaram uma criança em nossa casa. O objetivo de ter um
castelo não é estar escondido dentro de seus muros, é ser
digno de tê-lo. Ser capaz de controlar tudo ao seu redor.
Eles estão ficando mais ousados. Estão tomando vilas
maiores. Chamaram minha atenção agora. Desejarão que
não tivessem.
Em sua cabeça, ela o viu deixar a faca de Raphael
atingi-lo repetidamente. Ele estava entrando em batalha.
Tudo pode acontecer em batalha. Tudo o que ele teria que
fazer era não se esforçar tanto em não sair do caminho de
uma espada. Ou se deixar levar um tiro.
Ela o queria de volta.
— Preceptor?
— Sim?
A voz dela era firme. As palavras rolaram da sua língua.
— Você gosta de negociar. Aqui está um para você. Volte
para mim vivo, e eu ficarei a noite. A noite toda.
Lá fora os shofares soaram e ela quase pulou. Havia
algo sombrio e primitivo no som. Uma batida constante
aumentou, batendo como o coração de um gigante. Os
tambores de guerra ficaram cada vez mais altos. Ela ouviu
cavalos relinchando, o barulho de metal, as vozes dos
lutadores, tudo isso misturando-se com a bateria em um
hino de marcha aterrorizante. Alguém uivou como um lobo,
em sintonia com os shofares.
Ela se virou para Hugh. De alguma forma, ele ficou mais
sombrio, mais assustador, como se emanasse alguma
magia imperceptível. A escuridão se curvava ao seu redor,
como um animal de estimação com dentes selvagens.
— Feito, —disse o Preceptor dos Cães de Ferro.

********
Hugh andou na tropa de defensores de Aberdine.
Homens, mulheres, alguns muito jovens, outros velhos.
Quatrocentos e sete pessoas, que se ofereceram para
defender sua casa. Atrás dele, uma fila de Cães de Ferro
esperava e atrás deles Dugas e seus druidas entoavam em
voz baixa, preparando ervas e pós em seus caldeirões. O ar
cheirava a costumes antigos e magia meio esquecida.
Ele enviou Felix primeiro, mantendo o resto dos Cães
escondidos na linha das árvores. Os batedores escalaram a
parede sem ninguém perceber, alcançaram a mangueira de
incêndio e tocaram o alarme. Os moradores de Aberdine
viviam em uma floresta cheia de magia. O alarme dos
bombeiros significava correr para a segurança dos muros,
que foi exatamente o que fizeram. Então, depois que
largaram tudo e se reuniram na Rua Main, Hugh empurrou
os Cães de Ferro para um galope.
O guarda no portão oeste estava muito focado no
alarme. Ele não os viu até que fosse tarde demais, o que
não era um bom presságio para as chances de Aberdine em
uma luta real. Eles trovejaram para dentro dos muros quase
a galope. Bucky empinou na praça do mercado, na frente
153
um antigo prédio do Dollar General , batendo no chão e
relinchando. Hugh gritou uma Palavra de Poder e a cidade
inteira ficou em silêncio enquanto tirava a cabeça de um
mrog da bolsa e dizia o que estava por vir. Ele estava lá
para defender a cidade deles. Tinham duas opções: sair ou
lutar. A escolha era deles.
Demorou menos de duas horas para convencer as
cabeças mais duras a sair de suas casas, mas agora
finalmente todos estavam a caminho: duas longas
caravanas, uma de carroças puxadas a cavalos e veículos
movidas a água encantada, indo para o ponto Ley e a outra,
principalmente pessoas a pé e a cavalo, indo para o Castelo
Baile. Eles estavam armados.
Agora Hugh encabeçava uma milícia heterógena. Um
terço era muito velho, um terço era muito jovem e
inexperiente e o terço restante parecia pronto para fugir.
Hugh tinha que contar com eles, porque as defesas de
Aberdine eram uma merda. Das duas balistas montadas nos
muros, a primeira estava enferrujada e a segunda se desfez
quando tentaram dispará-la. Não havia tempo para montar
defesas. Corpos quentes eram tudo o que ele tinha.
— Um exército está chegando, —disse ele. — Eles são
blindados com armaduras, organizados e treinados. Têm
monstros que os servem como cães. Eles não querem o seu
dinheiro, suas vacas ou suas casas. Não querem o que é
seu. Querem vocês. Seus ossos. Sua carne. Sua vida. E
continuarão voltando até conseguir.
Eles o ouviam, o observando com olhos assombrados.
— Esta não é uma luta pela sua cidade. Esta é uma luta
pela sobrevivência. Alguns de vocês já lutaram antes.
Alguns de vocês mataram criaturas. Alguns de vocês
mataram pessoas. Isso não será nada com o que já viram
antes. Isso será um massacre. Vai ser difícil, feio e
demorado.
Diretamente em frente a Hugh, um jovem com a idade
de Sam lambeu os lábios nervosamente.
— Você está com medo, —disse Hugh. — O medo é
bom. Use-o. Existem poucas coisas tão perigosa e cruel
quanto uma pessoa com medo em seu território. Mate e não
mostre piedade ao seu inimigo. Se você poupar um desses
bastardos, ele matará seu amigo próximo a você e o matará
com o último suspiro. Mate-o antes que ele te mate. Esta é
a sua cidade. Faça-os pagar por cada centímetro de sua
terra.
A linha dos ombros do rapaz subiu um pouco, enquanto
alguns deles endireitavam as próprias costas.
— Vocês serão divididos em equipes. Cada uma de suas
equipes será liderado por um Cão de Ferro. Esses homens e
mulheres são assassinos treinados. Já travaram batalhas
como essa antes e sobreviveram. Obedeçam ao Cão de
Ferro. Fiquem juntos. Não corram. Lutem, façam o que lhe
for ordenado, e vocês também poderão sobreviver a isso.
Ele levantou a mão e sacudiu os dedos. A primeiro Cão
de Ferro, Allyson Chambers, saiu da linha. Alta, ombros
largos, pele clara e cabelos loiros afastados do rosto.
— Você, você, você, você, você e você! —Ela gritou. —
Comigo.
Os seis primeiros lutadores partiram e a seguiram
correndo pela rua.
Arend Garcia entrou em seu lugar e apontou para um
homem de aparência áspera e para mais doze pessoas
abaixo da fila. — Todo mundo até aquele homem, comigo.
Hugh se virou e caminhou até Dugas. O druida ergueu
os olhos do caldeirão. O suor cobria seu rosto. Ele tirou o
tapa-olho e seu olho ruim parecia estar preenchido com
154
uma esfera de pedra-da-lua , destacado em seu rosto
bronzeado.
— Quanto tempo? —Perguntou Hugh.
— Estamos prontos agora, —disse o homem mais velho.
— Bom. Quanto tempo demora para cobrir a vila?
— Trinta segundos.
— E vai ficar dentro dos muros?
— Sim, —prometeu Dugas. — Você terá cerca de vinte
minutos de névoa.
Vinte minutos teriam que ser suficientes. — Esteja
pronto.
Dugas assentiu.
Hugh passou por ele até a escada ao lado do quartel,
tirou o elmo e subiu a escada de metal até o telhado, onde
Stoyan estava agachado perto de uma torre de sino ao lado
de Nick Bishop.
Bishop, um negro atlético de quarenta e poucos anos,
ajeitou os óculos. Ele era o chefe de polícia da cidade,
Sargento da Guarda Nacional e Oficial de Defesa a Vida
Selvagem, o que o colocava no comando de seis pessoas.
Ele ficou quieto e se conteve como se soubesse o que
estava fazendo, o que era mais do que Hugh esperava.
A partir daqui, Hugh podia ver o portão oeste e os
campos. A torre gêmea a que ele estava ficava de frente
para a montanha e era mais bem defendida e fortificada.
Era a abordagem que teria escolhido se viesse para atacar
Aberdine.
No campo, o grupo de berserkers de Bale, vestidos com
roupas civis, entusiasticamente cutucavam o chão com
ferramentas agrícolas.
— Como está o alarme? —Perguntou Hugh.
Stoyan sorriu para ele. O sino pendurado na falsa torre
parecia tão decorativo quanto a própria torre. — Funciona,
—disse Stoyan. — Eu liguei.
Bale afundou sua enxada na terra. Deve ter ficado
preso, porque ele torceu. A enxada se soltou, erguendo-se e
jogou poeira no ar.
Bale se abaixou.
— Seu homem já segurou uma enxada antes? —
Perguntou Bishop.
Stoyan fez uma careta. — Não desse tipo.
Um brilho misterioso apareceu no meio do campo,
quase imperceptível, um brilho como uma luz muito suave.
Aqui vamos nós.
— Dugas, —Hugh gritou. — Agora.
O druida levantou a cabeça para o céu. Seu olho bom
revirou em sua cabeça, combinando com o morto leitoso. A
névoa disparou do caldeirão em gêiseres em espiral,
expandindo-se, inundando as ruas e virando as esquinas.
O brilho estalou em uma linha de luz dourada brilhante.
Bale e seus berserkers recuaram em direção aos
portões.
A luz brilhou, formando um portão em arco, como se um
pequeno segundo sol estivesse surgindo de dentro da terra.
O interior dos muros agora estava tomado pela névoa
branca e espessa, escondendo os contornos dos prédios a
dois metros de altura. Do outro lado, no telhado do Dollar
General, os arqueiros se posicionavam atrás de uma
barricada de madeira feitas de caixas de embalagem e
madeira compensada. No portão oeste, o teto do Banco
155
Wells Fargo ganhou um metro e meio de altura de um
muro improvisado, construído com pedaços de concreto e
pedras. Uma cabeça escura apareceu por cima do muro por
um momento e se abaixou de volta.
O brilho ficou claro. Hugh viu o brilho intenso através do
buraco feito no ar, e então os mrogs inundaram o portal em
uma horda irregular.
Atrás deles, uma tropa de soldados mrogs saiu em
uníssono, vinte homens por fila.
O ombro do primeiro homem da fila brilhava dourado.
— Um, —contou Stoyan.
Uma segunda tropa seguiu a primeira. Outro líder com
um ombro dourado. Oficiais Superiores.
— Dois.
Com tantos, deve haver um Comandante.
— Três. Quatro.
Os berserkers se viraram e correram para o portão. As
criaturas mrogs os perseguiram, correndo pelo campo em
duas patas.
Bale parou.
— O que ele está fazendo? —Bishop murmurou.
— Tentando ver melhor de onde estão vindo, —disse
Hugh.
Atrás da quarta fila, um homem cavalgava em cima de
um cavalo branco, sua armadura pesada e ornamentada, os
ombros brilhando em dourado.
Aí está você, imbecil.
O brilho desapareceu.
Bale se virou e correu como uma bala apontando para o
portão. Os mrogs estavam apenas cem metros atrás.
Setenta e seis soldados, quatro Oficiais, um
Comandante e pelo menos trezentos mrogs. As tropas
blindadas esperavam, imóveis, numa formação precisa.
Cada um armado com uma espada e um escudo. Um
longo escudo retangular.
Cinquenta metros entre os mrogs e Bale.
Trinta.
Vinte.
Bale atravessou o portão e girou para a direita,
desaparecendo na neblina.
Os mrogs entraram na rua principal. O nevoeiro se
agitou enquanto as criaturas o procuravam.
— Não há pessoas suficientes, —disse Bishop.
— Oito berserkers serão suficientes, —disse Stoyan. —
Bale sabe o que está fazendo.
O metal retiniu e o pesado portão foi fechado e
trancado. A parede em cima do Wells Fargo tremeu como
um dente podre prestes a sair e desabou. Pedregulhos e
pedaços de concreto velho, alguns com vergalhões ainda
saindo, caíram na rua sobre a neblina instável e as
multidões de mrogs embaixo. Uivos e gritos cortaram o
silêncio.
As trilhas no nevoeiro se dividiram, contornando as
pedras que caíam. A massa principal de mrogs correu mais
fundo na cidade, ao longo da rua principal. Flechas
assobiaram no ar enquanto os arqueiros nos telhados
atiravam às cegas na neblina. A massa de mrogs quebrou e
se partiu. Criaturas sozinhas entraram pelas ruas laterais
tentando escapar do ataque.
Os mrogs restantes voltaram para o portão oeste. Eles
não chegaram a ir muito longe antes de um brilho vermelho
irromper no meio da neblina, impedindo sua fuga. O
nevoeiro se separou, explodindo em um círculo, revelando
Bale e uma massa de mrogs rosnando na frente dele. O
berserker estava com os pés plantados, uma clava na mão,
uma aura vermelha o embainhava. Bale estava de costas
para o portão, e a rua se estreitava ali, canalizando os
mrogs para ele quatro ou cinco de cada vez.
A aura vermelha que cobria Bale brilhou mais. Músculos
cresceram em seu corpo, monstruosos, inchados, ficando
maiores. Seus braços engrossaram, músculos se
construíram, transformando-o em uma monstruosidade
humana volumosa.
As criaturas hesitaram. Eram mais parecidos com
animais do que humanos, e seus instintos diziam que aquilo
era uma força primordial e não deveria ser provocada. Eles
reconheciam monstros mais poderosos do que eles quando
encontravam um.
— Que diabos é aquilo? —Bishop sussurrou.
— Nossa Armadilha de Guerra, —disse Hugh.
Os olhos do berserker se arregalaram, seu rosto
contorcido pela raiva em uma máscara grotesca.
Bale rugiu.
O primeiro mrog investiu contra o berserker. Bale
atingiu a cabeça da criatura, esmagando seu cérebro, com
um único golpe. Sangue e cérebro pulverizados. O segundo
mrog atacou. O primeiro golpe de Bale quebrou o ombro da
fera, o segundo esmagou seu crânio como uma casca de
ovo. Sangue pulverizado.
Bale berrou algo que não pertencia a nenhum idioma
usado por um ser humano.
Os mrogs atacaram. A massa escura e peluda de mrogs
se chocou contra Bale que balançou sua clava como ondas
de tempestade sobre as rochas de uma praia. O berserker
uivou, rosnando como um animal raivoso e os golpeou com
sua clava, quebrando ossos, esmagando crânios,
esmagando carne. Corpos voaram e esmagaram contra os
edifícios.
A névoa inundou, mas o brilho vermelho de Bale lutou
furiosamente através dela como um farol. A rua em frente a
ele agitou-se com corpos. Ouvia-se gritos e uivos. Ao longo
das bordas dos muros, flashes de armas cortavam o
nevoeiro, os berserkers de Bale esculpiam com as suas
armas as criaturas mais distantes e empurravam a horda
em direção ao massacre de Bale.
No Leste, dois mrogs saltaram do nevoeiro e subiram o
muro do Dollar General. Os arqueiros os receberam com
flechas, mas os mrogs continuaram subindo. Eles
alcançaram o telhado. Quatro Cães de Ferro deram um
passo à frente e enfiaram as lâminas nos mrogs. Dois
corpos peludos caíram na rua. Mais três saltaram do
nevoeiro, subindo, depois outros dois. Bishop levantou a
Besta, mirou e disparou. Uma flecha enfeitiçada zuniu,
cortando o ar e furando a parte de trás do mrog. O raio
brilhou em verde e explodiu, matando outros três mrogs. O
prédio tremeu, mas ficou de pé.
Stoyan escorregou do telhado e desceu a escada. A
névoa o engoliu, e ele desapareceu.
As lutas começavam aqui e ali quando equipes
individuais viam sua chance e esfaqueavam os mrogs que
passavam no nevoeiro. Um grito humano cortou o nevoeiro
da esquerda, depois outro, seguido por uivos misteriosos e
gritos de dor. Outro grito, do Norte desta vez, seguido por
mais gritos.
As quatro fileiras de soldados com armaduras
permaneceram onde estavam, parados no meio do campo.
— O que eles estão esperando? —Perguntou Bishop.
— Eles estão acostumados a confiar nos mrogs para
lutar a maior parte dos combates, —disse Hugh.
— Nós os isolamos de seus cães, então estão esperando
que seus animais nos sangrem. Quando estivermos
suficientemente feridos, eles virão para a matança.
O massacre continuou. Bishop continuou atirando,
escolhendo seus alvos com cuidado, às vezes com flechas
enfeitiçadas, às vezes simples. Hugh sentia o cheiro de
sangue saindo das ruas agora, provocando-o, chamando-o
para lutar, agir, fazer alguma coisa. Em vez disso, esperou.

********
Elara se abraçou, cruzando seus braços em cima
dos ombros. Estava na varanda em seus aposentos. À sua
frente, a terra se estendia, a floresta ao longe, as colinas
isoladas em silhueta contra o céu noturno. A essa altura, o
inimigo já teria atacado Aberdine.
A essa altura, Hugh estaria lutando.
A preocupação a atormentava. Uma parte dela o odiava
por isso. Ela o queria de volta, vivo, inteiro.
Quando pensava em seu futuro marido, o que não
costumava fazer com frequência, sempre adotava essa
vaga ideia de um homem legal. Ele seria gentil e tranquilo,
e a trataria com respeito, e o relacionamento deles seria
pacífico e sem conflitos. Em vez disso, recebeu esse imbecil,
que a fazia ver vermelho pelo menos uma vez por dia. Hugh
d'Ambray estava muito longe de ser gentil, mas ainda era
um humano.
E se ela pudesse, brotaria asas e voaria para a maldita
Aberdine e garantiria que ele não morresse em uma morte
estúpida.
Ugh. UGH!
O som familiar de pés leves a fez se virar. Johanna
entrou na sala.
— O que foi?
— Há um problema com as bombas.
— As bombas não podem ter problemas. —Elara
marchou para fora da sala.

********
Uma rajada de vento puxou os cabelos de Hugh. O
vento estava aumentando. O nevoeiro abaixo diminuiu. Ele
podia ver contornos fracos nas ruas e Dugas e seus druidas
abaixo. Dugas havia trocado seu cajado por uma lança. Seus
aprendizes, dois homens e duas mulheres, seguravam
lâminas, ladeando-o e o caldeirão.
No campo, as tropas de soldados de armaduras se
dividiram. Duas de frente saíram com o Comandante na
liderança, movendo-se para o leste em uma marcha rápida.
As duas tropas restantes giraram em direção ao portão
oeste, se reorganizando à medida que avançavam.
Uma jovem de pele escura saiu correndo do nevoeiro, os
olhos arregalados.
Três mrogs foram atrás dela.
Stoyan saiu do nevoeiro e cortou os mrogs. Os animais
gritaram, arranhando-o com suas garras. O Capitão os
esculpiu com precisão metódica, afundando sua lâmina em
carne. Sangue derramado.
Hugh ignorou os rosnados, concentrando-se no
movimento das tropas. As tropas na parte leste se
transformaram em um retângulo, com oito filas e cinco
soldados em cada fila.
Stoyan subiu a escada e sentou ao lado dele, salpicado
de sangue.
As tropas na parte oeste giraram para o norte, em
direção ao portão desse lado. As tropas do Leste
avançaram. Ele não esperava essa divisão. Não importa.
Poderia se ajustar.
Os arqueiros dispararam dos telhados para as tropas do
lado Leste. Os soldados mrogs ergueram os escudos para a
frente, cobrindo-se como tartarugas. Formação de
156
Tartaruga .
As flechas rebateram nos escudos. No telhado do Wells
Fargo, Renata Rover soltou um pequeno comando. — Parem
de atirar. Salvem suas flechas.
— Uma parede de escudos, —disse Stoyan suavemente.
Você estava certo. Leste ou Oeste?
— Leste, —disse Hugh.
Stoyan assentiu, desceu a escada e desapareceu no
campo.
— Eles planejam nos encurralar a partir dos dois
portões, —disse Bishop. — Como pinças.
— Sim.
A parede de escudo se arrastou para frente.
No Oeste, a segunda Formação de Tartaruga se
aproximava do portão.
O portão Oeste explodiu em chamas. A madeira subiu
instantaneamente, como se fosse papel de seda jogado na
fogueira. O metal que segurava as tábuas grossas derreteu.
A magia deles era um inferno.
Bishop xingou.
O portão Leste subiu em um flash de fogo vermelho.
Então esse era a meta do jogo. Destruir os portões de
ambos os lados, empurrar as nossas tropas em direção ao
centro da cidade, onde seriamos esmagados entre as duas
paredes de aço deles. Mas havia uma falha nesse plano. Os
soldados mrogs ainda pensavam que estavam enfrentando
agricultores.
Os restos do portão Oeste desabaram na rua,
quebrando.
A Formação de Tartaruga avançou, através do fogo,
botas moendo as brasas na calçada. A parede de escudo se
arrastou para frente e parou. Alguém gritou um comando
gutural e a formação retangular se dividiu, revelando o
Comandante e dois Oficiais o flanqueando. O Comandante
era mais alto do que os seus Oficiais pelo menos uns trinta
centímetros.
Bastardo grande.
Os Oficiais respiraram fundo e cuspiram torrentes de
fogo no Dollar General e no banco do outro lado da rua.
157
Cuspiram fogo como se tivessem cuspido napalm .
Perfeito. Simplesmente perfeito.

********
— Lá está, —disse Oscar.
Elara deu um passo à frente. Uma forma magra estava
agachada no topo da estação de bombeamento na beira do
lago. Um vampiro. Ela não sentiu outros na área.
Eles não haviam protegido a estação de bombeamento.
Deveriam ter. Foi montado com pressa e agora pagariam o
preço por isso. O morto-vivo poderia ter matado Oscar. O
mecânico mais velho, responsável em olhar a estação de
bombeamento. Essa teria sido uma morte que ela poderia
ter evitado. Mataria o morto-vivo e lançaria uma Proteção
antes de Hugh voltar.
O morto-vivo a observava com brilhantes olhos
vermelhos. No crepúsculo, sua forma grotesca parecia ainda
mais estranha. Estava no topo da estação de
bombeamento, emanando magia que parecia uma mancha
fétida, como se alguém tivesse pegado um pedaço de carne
gordurosa, apodrecido e esfregado por todo o topo da
estação.
— Você tem coragem, —disse ela.
O morto-vivo se endireitou. Sua boca se abriu e uma voz
masculina nítida apareceu. — Senhorita Harper. Eu vim para
discutir negócios.
— Você e eu não temos assuntos a discutir. E é Senhora.
Senhora d’Ambray.
— Acho que temos sim. Meu nome é Landon Nez. Eu
tenho uma proposta para você.
Oscar levantou a besta. — Você gostaria que eu o
matasse?
Até os melhores Navegadores possuíam apenas alguns
quilômetros de limite para navegar. Isso significava que Nez
estava perto. Nez veio ‘pessoalmente’. Não havia uma boa
razão para ele estar aqui, a menos que estivesse planejando
algo. Ela tinha que descobrir o que era.
— Oscar, —disse ela. — Dê-nos um pouco de
privacidade.
Oscar recuou cerca de cinquenta metros. Isso era tanto
quanto ele estaria disposto a ir.
— Nós dois sabemos que esse casamento é uma farsa,
—disse Nez. — Entendo por que você concordou com ele.
No momento, deve ter parecido a estratégia certa. Mas
agora, que teve a chance de viver com d´Ambray sob o
mesmo teto, já deve ter descoberto que o homem é violento
e instável.
Nez fez uma pausa. Ela não disse nada. Se você ficasse
quieto, a outra pessoa normalmente continuaria
conversando para preencher o silêncio.
— Eu o conheço há muito mais tempo do que você.
D'Ambray tem um propósito e apenas um objetivo: destruir.
Quando Roland queria assumir um local, ele usava Hugh
como escavadeira para nivelar a estrutura de energia
existente. Quando d´Ambray terminava e Roland entrava, o
povo o saudava como um salvador.
— Seu patrão sabe que você fala dele com pessoas de
fora?
— Estou lhe dando a cortesia de uma conversa franca,
Senhorita Harper. D'Ambray não pode construir nada, ele só
pode destruir. Faz isso há mais tempo do que você está
viva.
Hugh construiu os Cães de Ferro. Ela o viu trabalhar com
eles todos os dias. Mas correr para a defesa de Hugh não
era do seu interesse agora. Não se ela quisesse manter Nez
falando.
— O homem com quem se casou é traiçoeiro, —
continuou Nez. — Ele pode ser perspicaz e difícil de matar,
mas no final, sempre volta à sua verdadeira natureza. Sabe
o que ele estava fazendo antes de chegar até você com sua
proposta de casamento? Estava se embebedando até a
morte. Se mudou de um buraco para o outro, ganhando
apenas o suficiente para ficar mais bêbado. Eu
pessoalmente o vi sair cambaleando de um bar cheirando a
urina e vômito e adormecer em uma vala. Sem mais nada
para destruir, ele dedicou seus talentos a se destruir.
E, no entanto, você o teme o suficiente para ficar de
olho nele.
— D'Ambray é um animal. Se você permitir que ele se
aninhe sob o seu teto, ele acabará por destruir tudo o que
você construiu.
— Existe uma oferta nesse negócio que quer me propor
ou estamos apenas discutindo os pontos mais interessantes
do meu marido?
O vampiro se moveu. — Abandone d’Ambray ao seu
destino e deixarei Baile em paz.
Ela riu. — Só isso? Você está tentando nos tirar desta
terra há meses e agora de repente mudou de ideia?
— Hugh d'Ambray é um alvo de maior prioridade para
mim. Estou disposto a deixar seu castelo de lado, se isso
significar que estarei em paz.
— Por que quer meu castelo?
— Isso não é importante. Ofereço a você uma maneira
de manter seu povo protegido de mim a um preço que você
não apenas pode, mas também gostaria de pagar. Sugiro
que aceite.
— E eu confiaria em você por quê?
— Ao contrário de d´Ambray, sou um homem de
palavra. Obviamente, estou disposto a formalizar esse
acordo por contrato. Um tratado de paz, se preferir.
— E como saberei que este tratado de paz será
respeitado? Nada impede que você nos ataque no momento
que achar conveniente.
— Ponto justo. Além do contrato formal, estou
oferecendo um incentivo adicional. A cidade de Aberdine
cresceu mais do que podia. Eles pegaram emprestado uma
grande quantia para construir seus muros e clínica e
colocaram suas terras municipais como garantia. Comprei a
dívida deles. Em termos simples, eu possuo Aberdine. Estou
disposto a vendê-la por uma quantia nominal. Digamos, um
dólar.
O que mais ele comprou? — O que eu devo fazer com
Aberdine?
— Ah, vamos lá, Senhorita Harper. Não há necessidade
de hesitar. A cidade tem sido problemática para você e eles
controlam o único acesso à linha Ley passável por
caminhão. Todo o seu transporte passa por eles. Você pode
ameaçá-los e fazer com que o conselho da cidade seja seu
escravo voluntário. Pode transformar a cidade em uma vaca
leiteira e cobrar os pagamentos do empréstimo, que vêm
com juros significativos. Pode mover seu pessoal para
Aberdine e expandir. Pode forçá-los a se mover e
transformar a rua principal em um estacionamento. Isso
depende totalmente de você. Qualquer que seja o curso que
escolher, Aberdine não será mais um problema.
Ela nunca faria algo assim. — É uma oferta tentadora.
— Sim, é.
— No entanto, me casei com d’Ambray. Você está me
pedindo para quebrar a minha palavra.
O vampiro sorriu. A visão era suficiente para dar
pesadelos à maioria das pessoas.
— Dificilmente seria a primeira vez para você.
Desgraçado. — Eu assinei um contrato nupcial. Mas me
diga, o que acontecerá se eu lhe disser não?
— Vou atacar Baile diretamente e matar todos os seres
vivos que encontrar dentro de suas muralhas.
Ele disse isso casualmente, como se já tivesse
acontecido.
— Nesse caso, por que negociar comigo?
Nez suspirou. — Os vampiros são caros, Senhorita
Harper. Não se engane, eu vou pegar Baile. Água e paredes
não são uma barreira para os mortos-vivos. No entanto, a
Nação teria uma perda financeira significativa e nada
dentro do seu castelo é valioso o suficiente para compensá-
la.
Se ela não tinha nada valioso, por que ele tentou tirá-los
de lá antes de Hugh aparecer no castelo pela primeira vez?
— Suponha que eu diga que sim. Como exatamente
você imagina isso acontecendo? Posso me divorciar de
d’Ambray, mas há um pequeno problema de trezentos
assassinos treinados que não irão gostar de serem
colocados nas ruas.
— Trezentos assassinos treinados que dependem de
você para suas comidas, água e abrigo.
Ele queria que ela envenenasse os Cães de Ferro. Elara
sorriu. — Eu preciso pensar na sua proposta. Você tem
alguma coisa por escrito?
Um grande envelope atingiu o chão ao lado dela. Ela
pegou. Quanto tempo poderia pedir para fingir pensar?
Quanto mais tempo ela comprasse, melhor eles ficariam
preparados, mas pedir muito mostraria a verdadeira
intenção dela. Ele simplesmente daria pouco tempo a ela.
— Vou precisar de pelo menos duas semanas, —disse
ela. — Meu conselho jurídico precisa revisar os documentos
e teremos que fazer algumas investigações em Aberdine.
Até lá, não quero vê-lo perto de Baile. Não interfira no
funcionamento das bombas. Meu marido é difícil quando
está agitado.
— Daqui a duas semanas, —disse Nez. — Mesma hora,
mesmo lugar. Você é uma mulher inteligente, Senhorita
Harper. Faça a escolha certa para o seu povo.
O morto-vivo saltou para longe e desapareceu na noite.
Ela voltou para Oscar. O mecânico olhou para ela.
— Você já reparou, Oscar, que quando os homens
dizem: 'Você é uma mulher inteligente', o que eles
realmente querem dizer é 'Mas eu sou mais esperto que
você?'
Oscar sorriu para ela.
— Não havia alguns Cães de Ferro vigiando a estação?
— Havia. Dois camaradas. Eles estão dormindo embaixo
daquele carvalho ali.
Elara suspirou. — Oscar ...
— Você sabe como eu gosto do silêncio. Noite, essa é
minha hora.
— Eles deveriam estar aqui para sua proteção.
— Eu sei, eu sei. Mas pareciam cansados de qualquer
maneira.
— É melhor você acordá-los. E não os coloque para
dormir novamente.
Oscar suspirou. — O que eu faço se aquela donzela
morta-viva voltar?
— Atire nele e deixe os ‘camaradas’ fazerem o resto.
Essas bombas devem continuar funcionando, você me
entende, Oscar? Mantenha a água fluindo.
— Sim, minha Senhora.
Elara pensou em chamar atenção dele sobre a parte da
‘minha Senhora’, mas ela tinha peixes maiores para fritar.
Era apenas sua imaginação, mas o envelope em suas mãos
parecia muito pesado e mal podia esperar para largá-lo.

********
A parede de concreto do Dollar General começou a
ceder. Os arqueiros no telhado recuaram, tentando escapar
do calor.
O portão Leste desabou.
— O que fazemos? —Bishop estava olhando para ele, de
olhos arregalados. — Vão nos queimar vivos.
A parede de escudo Leste se arrastava pela Rua Main.
Os arqueiros dos telhados dispararam algumas flechas, mas
as flechas apenas rebateram nos escudos. Como esperado.
Atacá-los de frente também não seria bom.
As Formações de Tartaruga continuaram se movendo,
imparáveis atrás de sua parede de aço. No Oeste, os dois
Oficiais cuspiram mais fogo, derrubando os prédios.
— O que fazemos? —Bishop repetiu.
— Toque o alarme, —disse Hugh.
Bishop olhou para ele.
— Temos um incêndio, —disse Hugh. — Toque o alarme
de incêndio.
O chefe de polícia xingou, virou-se para a torre do
telhado e apertou o alarme. Tocou uma nota
surpreendentemente alta. As portas do quartel se abriram.
O rosnar de um motor encantado soou como um trovão. Um
caminhão de bombeiros saiu do quartel com Stoyan ao
volante, virou à esquerda e correu pela rua, ganhando
velocidade.
A parede de escudos do Leste não tinha para onde ir. O
caminhão bateu neles a oitenta quilômetros por hora,
espalhando homens de armadura para todos os lados como
pinos de boliche. Stoyan golpeou o centro da Formação,
reverteu e se afastou, cortando-os.
Bem-vindo ao século XXI.
Os Cães de Ferro saíram das ruas laterais em direção a
Formação desfeita. O combate começou, Os Cães pulavam
de inimigo para inimigo, três, quatro para cada Cão.
A parede de escudos do Oeste começou a avançar.
Perfeito. Era isso que ele estava esperando. Tinha que
enfrentá-los agora. Precisava ser rápido e brutal. Arranque a
cabeça e o corpo tombará.
Hugh desceu a escada e entrou na rua. Os tambores de
guerra subiram, seguidos por shofares uivantes. Atrás dele,
a rua ficou preta quando os Cães de Ferro emergiram das
ruas e das casas.
As duas linhas de frente dos soldados de armadura
caíram de joelhos, revelando o Comandante e dois Oficiais.
O Comandante o observou se aproximar por trás de
duas fileiras de suas tropas, seu rosto impassível. O
Comandante tinha uma armadura mais grossa, espada
longa e pesada, lâmina de setenta centímetros, de dois
158
gumes . Simples mas efetiva.
Atravessar aquela armadura seria uma merda. Ele
precisaria de uma vantagem. Uma arma de sangue. Pena
que não podia mais fazer uma. Espadas e Proteções de
sangue estavam no seu passado. Hugh desembainhou a
espada e a balançou, aquecendo o pulso.
Os dois Oficiais se viraram para ele, os rostos sem
emoção. Suas bocas se abriram. Dois jatos de fogo
dispararam contra ele.
Seu corpo reagiu antes de sua mente. Hugh cortou a
parte de trás do braço esquerdo e jogou o seu sangue em
um arco na frente dele, enviando sua magia através dele.
Que porra eu estou fazendo?
O sangue faiscou. A Proteção de sangue brilhou à sua
frente em uma tela arqueada, uma parede de vermelho
translúcida. O fogo bateu na Proteção de sangue e desviou
para o lado. As chamas morreram.
Como o inferno …
Hugh procurou a conexão com Roland, mas ela ainda
estava desaparecida. Não tinha tempo de entender isso
agora. Puxou a magia para ele, construindo sua reserva e
continuou andando. A escuridão se curvou a partir dele,
pulsando no chão a cada passo. As correntes arcanas
construídas dentro dele, familiares, fortes, obedientes.
Sem uma arma de sangue estaria fodido.
A Proteção de sangue funcionou. Por que não uma
espada de sangue?
O par de idiotas de ombros dourados sugou o ar.
Segundo tempo. Fogo rasgou em sua direção. Ele jogou
outra Proteção de sangue, deixou o inferno morrer tentando
quebrá-lo e continuou andando.
A magia vibrou dentro dele como uma mangueira de
fogo sob a pressão total de um hidrante. Faíscas azuis
perfuravam a escuridão que se elevava dele, iluminando-a
por dentro.
Ele estava a apenas dez metros da linha de frente.
O Comandante abriu a boca. Seus olhos brilharam com
um âmbar brilhante e ardente. Uma torrente de fogo saiu de
sua boca, branca e quente, e atingiu a parede da terceira
Proteção de Hugh. A Proteção segurou toda a violência do
impacto. O fogo queimou mais alto, batendo na parede
vermelha translúcida. Rachaduras da finura de fios de
cabelo se formaram na Proteção.
Se quebrasse, ele não escaparia.
A torrente de fogo se enfureceu.
Agora ou nunca. Hugh passou a lâmina inteira por cima
do corte, encharcando a espada com o seu sangue.
Alcançou o poder em seu sangue. Por um terrível segundo,
nada estava lá, e então ele o encontrou, uma faísca
brilhante de magia quente. Ele o alimentou e explodiu em
um inferno. A magia correu pela lâmina de Hugh, como fogo
ao longo de um cordão de detonação. Uma ponta vermelha
brilhante cobria a espada.
O fogo do inimigo morreu.
Hugh dispensou a Proteção com um aceno de mão.
— Isso é tudo? Minha vez. —Sua magia o saturou até a
borda, ameaçando transbordar. Tudo o que ele tinha que
fazer era apontar. — Karsaran.
A escuridão disparou dele, explodindo, riscada por um
raio azul. A Palavra de Poder agarrou às duas linhas de
frente, empurrando os homens de armadura para o ar.
Penduraram-se um metro acima da calçada. Ele se moveu
através da abertura que fez, quando os ossos dos seus
esqueletos estalaram, se contorceram, quebraram e
esmagaram como vidro quebrado sob seus pés.
Um Oficial girou em seu caminho. Hugh desviou,
deixando o homem passar por ele e cortou o pescoço do
Oficial. A espada de sangue cortou o metal sólido da
armadura como se fosse manteiga. A cabeça do Oficial rolou
de seus ombros.
Ah! Ainda funcionava.
O segundo Oficial atacou Hugh. Hugh se preparou e
rebateu o golpe, empurrando seu ombro contra o homem. O
Oficial ricocheteou e foi derrubado.
Hugh manteve o impulso e balançou. O Comandante
parou, deixando a lâmina da espada cair e voltou com um
golpe devastador da esquerda e de baixo.
Idiota rápido. Mas não rápido o suficiente. Essa
armadura tinha um preço.
Hugh recuou, deixando a ponta da espada assobiar e
cortou o cotovelo do homem. A espada revestida de magia
e de seu sangue encontrou o metal e o atravessou. O
sangue do Comandante molhou a lâmina. Um braço caiu.
O homem maior reverteu o golpe, como se a ferida
nunca tivesse acontecido, cortando do alto e da direita.
Hugh se esquivou, entrou na abertura e enterrou a espada
na axila do oponente. A lâmina chiou quando cortou o metal
e atingiu o alvo.
O Comandante recuou, o sangue escorrendo sobre sua
armadura.
O segundo oficial bateu em Hugh pela esquerda,
travando a espada contra a de Hugh. Hugh sacou a faca e o
esfaqueou no olho esquerdo. O homem caiu como se tivesse
sido cortado. Atrás dele, o Comandante abriu a boca. Merda.
Hugh caiu, pegando o escudo do oficial caído e o
levantou.
Fogo espirrou sobre ele. O escudo ficou muito quente. A
dor percorreu seu braço. Sua mão esquerda empolou. Ele
afundou sua magia nela, tentando manter a carne no osso,
curando-a tão rápido quanto o escudo o queimava. A agonia
o rasgou. Estrelas escuras vacilaram em sua visão. Ele mal
podia sentir a mão, banhada em brilho azul.
O fogo acabou. Hugh ficou de pé e atirou o escudo
contra o inimigo.
O grandalhão o desviou e pisou para frente, os olhos
esbugalhados.
Morra, seu filho da puta teimoso.
O Comandante balançou, golpes vindos rápido e
desesperado. Hugh se esquivou.
Golpeou, esquivou.
Golpeou, esquivou.
Golpeou.
Hugh balançou a espada de lado e empurrou. Foi um
golpe preciso e rápido.
A espada atingiu o Comandante na garganta,
perfurando-a logo acima do pomo de Adão. A boca do
homem ficou boquiaberta, mas ele continuou lutando, a
lâmina de Hugh empalada na garganta dele. A espada do
Comandante subiu.
Filho da Puta.
— Arhari arsssan tuar.
Magia foi arrancada de Hugh. A dor mordeu seu
intestino com presas de fogo, deixando-o saber que ele
passou dos limites. O corpo do Comandante se partiu, as
costelas empurrando para cima e para fora, através da
armadura, como lâminas ósseas. Restos de vísceras
borrifaram no rosto de Hugh. O Comandante borbulhou,
ainda vivo. Como o inferno …
Hugh, inverteu seu aperto, rosnou e enfiou a lâmina
com todo o seu peso na cintura do homem. Metal e carne
cederam e a metade superior do corpo do homem deslizou
para o lado, pendurada por uma faixa estreita de músculo e
cartilagem.
Hugh chutou, derrubou o corpo, ergueu a espada como
um machado de carrasco e cortou a cabeça do
Comandante.
As três peças que costumavam ser um corpo humano
permanecerem imóveis.
Hugh passou a mão pelo rosto, tentando limpar o
sangue do nariz e da boca, cuspiu e se virou. Uma dúzia de
guerreiros de armaduras o encaravam. Como um, eles
levantaram suas armas.
Hugh balançou a espada de sangue e arreganhou os
dentes. — Próximo.
 

Quatorze
A floresta parecia diferente à noite, os troncos
escuros e galhos trançados uns nos outros enchiam a
estrada. Já passava da meia-noite e a floresta estava
sombria. Criaturas se moviam em suas profundezas,
chamando com vozes misteriosas. Olhos brilhantes
rastreavam a longa coluna que se estendia atrás de Hugh e
enchia a floresta com humanos e ruídos militares: cavalos
relinchando, engrenagens batendo e conversas abafadas
vindas de trás.
Depois que ele matou o líder, esperava que os
guerreiros fugissem. Eles não fizeram. Simplesmente se
levantaram e ficaram lá parados. Mas quando foram
abordados com uma arma, eles lutaram até o fim. Os
soldados de armadura gritavam quando eram cortados, mas
não falaram. Eles não temiam.
Não falaram mesmo quando foram dominados, e
quando os Cães de Ferro conseguiram conter um por tempo
suficiente para amarrá-lo, o soldado explodiu em chamas de
dentro para fora, queimando as quatro pessoas que o
seguravam. Custou-lhe uma grande parte de seu poder para
curar as queimaduras de seus homens.
Eles acabaram matando todos os guerreiros de
armadura que capturaram, e Hugh esteve na linha de
frente, certificando-se de que as mortes acontecessem. Não
houve um combate. Foi uma carnificina lenta e metódica.
Algumas pessoas não conseguiram fazer parte dessa
execução. Essas pessoas matariam algo que estivesse os
atacando em uma luta, se fosse necessário, mas estava
além delas acertar outras pessoas na cabeça com uma
clava até que tivesse certeza de que o crânio delas
estivesse mole. Principalmente quando quatro de cada cinco
de seus amigos também não fariam isso.
Ele poupou seu povo disso o máximo que pôde.
Demorou uma eternidade. E quando terminaram, cuidou
dos feridos, enquanto o resto de suas tropas lutava contra
os incêndios. Quando as últimas chamas foram apagadas já
passava da meia-noite. Ninguém quis ficar e dormir em
Aberdine hoje à noite. Demorou mais meia hora para
organizar os sobreviventes em uma fila, carregar os feridos
nas carroças e ir para Baile. Ele estava arrastando quase
quinhentas pessoas extras com ele. Elara adoraria isso.
Queria ir para casa e lavar o sangue que o cobria da
cabeça aos pés, penetrando em seus poros e revestindo sua
língua. Teve que lutar contra o desejo de cuspir a cada
poucos segundos para limpá-la. Hugh já passou por
batalhas difíceis antes, mas nunca pareceu tão cru como
essa. O vazio estava tão grande hoje à noite, que Hugh
quase podia vê-lo pairando sobre ele.
A floresta se abriu, as árvores recuaram e Bucky o
carregou para a clareira. Uma lua cheia brilhava no céu,
derramando luz prateada e transparente nas encostas
gramadas. À esquerda, Baile apareceu. Ele esperava que
estivesse quieto e escuro.
Luzes brilhantes queimavam nas torres laterais. Alguém
159
colocara luminárias de fada no caminho que levava aos
portões, e seu pálido brilho azulado enfeitava a noite.
O lugar estava iluminado como uma árvore de Natal.
Uma figura solitária esperava nas ameias, seu vestido
branco contra a escuridão. Ela esperou por ele.
Ele se afastou desse pensamento antes que
interpretasse a situação de forma equivocada.
Um alarme soou no castelo, triunfante. Os portões se
abriram. Bucky levantou a cabeça e empinou.
— O que está fazendo, seu idiota? —Hugh rosnou.
O garanhão desceu. Eles saltaram para o portão. Uma
enorme cisterna foi colocada perto do portão, com um
chuveiro montado nele. O ar cheirava a pão fresco e carne
assada.
— Oh meu Deus, —Stoyan gemeu atrás dele.
Passaram pelo portão. No pátio, junto a parede, mesas
longas esperavam recheadas com comida, cozinheiros
esperando.
— Eu vou chorar, —anunciou Bale de algum lugar
abaixo da fila. — Alguém tem um lenço?
Pessoas correram para pegar seus cavalos. Hugh virou-
se na sela. Elara ainda estava nas ameias. Eles se olharam
por um longo momento. Depois, June se aproximou e tomou
as rédeas de Bucky e Hugh desmontou.

********
Hugh saiu do chuveiro, secou-se com a toalha, vestiu
uma calça e caiu na cadeira ao lado de sua mesa. Ele ficou
no pátio por tempo suficiente para garantir que todos
estivessem acomodados, mas logo ficou claro que não era
mais necessário, então subiu as escadas do quarto, tirou a
armadura, a limpou e depois entrou no banho.
Ficou ali por um bom quarto de hora, deixando a água
quente escorrer pelo rosto. Infelizmente, não podia ficar no
chuveiro para sempre. Amanhã precisaria revisar as perdas
deles. Três de seus Cães de Ferro haviam morrido. Vinte e
um moradores de Aberdine. Vinte e um era melhor que dois
mil, mas a matemática não tornava o peso dos mortos mais
leve.
Todo o seu corpo doía, mas seu cérebro estava
acordado.
Ele fez Proteções de sangue e usou uma arma de
sangue. Como? Era como se não tivesse sido expurgado,
mas não sentiu a presença de Roland. Não deveria ter
conseguido, mas conseguiu.
E poderia fazê-lo novamente. Olhou para o corte em seu
braço. Podia sentir a magia zumbindo em seu sangue. Esse
era um inferno de um mistério.
Precisava dormir, mas sabia que, quando fechasse os
olhos, veria fogo, sangue e morte. Se ele conseguisse
adormecer, sonharia esta noite. Isso seria inevitável.
Reviveria a batalha. Passaria pela cabeça dele até a manhã
seguinte. O vazio o roeu, dando longas mordidas com seus
dentes afiados. O vazio nunca estava saciado.
Memórias aos pedaços deslizaram por sua mente:
gemidos de morte, sangue pulverizado, chiado de uma
espada forçando seu caminho através do metal até a carne
por baixo ...
Nesse momento, Roland estaria o alcançando de longe,
para lhe dar a certeza e absolvição. A voz da razão, do seu
pai, do seu Deus, que lhe diria que ele havia feito o que era
necessário, justo, correto e o melhor para todos.
Hugh havia perdido a certeza tranquilizadora que o
vínculo com Roland lhe dava, mas a trocou por uma clareza
sombria. Ele fez o que era necessário. Foi sangrento e o
rasgava, mas ele o fizera, não porque Roland julgava certo,
mas porque o próprio Hugh decidiu que estava certo.
A luta ainda fervia sob sua pele, uma mistura quente de
adrenalina, sede de sangue e pura resistência. Hugh olhou
para cima e a viu pela porta aberta do quarto. Ela usava
branco e estava caminhando em direção a ele.
Elara parou na porta. Estava segurando um envelope
grosso nas mãos.
— O que é isso? —Ele perguntou.
— Isso é para mais tarde.
Ela entrou no quarto dele, fechou a porta e deslizou a
trava, trancando-as. Ele ergueu as sobrancelhas para ela.
— Tínhamos um acordo, —disse ela.
— Ah. —O pequeno cordeiro vindo para o abate.
Um ano atrás, teria ficado lá embaixo, junto com o seu
pessoal. Ele lavaria o sangue, comeria, beberia e, quando
uma mulher demostrasse interesse por ele, a foderia até
não poder pensar direito. Mas não era mais simples assim.
Ele não queria ser a ‘Aberdine’ dela.
— Saia.
Ela colocou o envelope na cadeira perto da porta.
— Você não me ouviu?
— Eu ouvi, —disse ela.
— Talvez não fui claro. Não quero o seu nobre sacrifício.
Ela levou as mãos aos cabelos e começou a desfazer a
trança. — Oh, por favor. Dei a você três lindas mulheres
nuas, e você praticamente deslocou seus joelhos me
perseguindo ao redor da piscina.
Elara passou as mãos pelo cabelo terminando de
desfazer as tranças, seus longos cabelos brancos caíram
sobre os ombros, macios e sedosos. Emoldurando seu rosto,
trazendo algo novo, alguma promessa íntima não dita. Ele
quase nunca a viu com o cabelo solto. Queria pensar que
era só para ele.
Elara sacudiu a cabeça. Ele a observou, porque era um
idiota excitado, e notou tudo: a curva do pescoço dela
enquanto se inclinava para tirar as sandálias, a maneira
como seus cabelos caíam, a maneira como o vestido
abraçava a curva de sua bunda ...
Não queria pagamento. Não queria sexo obrigatório.
Queria que ela o quisesse. Gritasse por ele. Ele não teria
isso, e agora, queria que ela se fosse.
— Última chance, Elara. Saia.
Os olhos claros dela riram dele. — Vou ficar.
Eles se entreolharam através da sala.
— Bem? —Ela perguntou. — Ou devo usar um avental?
As emoções remanescentes da batalha lhe deram força.
Ele a faria correr do seu quarto gritando e depois
conseguiria descansar.

********
Havia algo irritantemente erótico na maneira como
Hugh se sentava.
Esparramado em uma cadeira, enorme e dourada, seu
corpo musculoso caído sobre ela. Sua camisa não estava em
lugar algum. Músculos fortes e definidos formavam seus
ombros. O peito esculpido e liso, um estômago duro e plano
seguia para uma cintura estreita. Seu cabelo escuro, ainda
molhado do chuveiro, caia em seu rosto. Seus olhos azuis
estavam frios e escuros.
— Tudo bem, —disse Hugh. — As regras são simples:
enquanto você estiver aqui, fará o que eu disser. Sempre
que for demais para você, diga ‘pare’ e tudo vai parar, e
poderá sair por essa porta.
— Por mim tudo bem.
Ele inclinou a cabeça e a olhou. Podia sentir o olhar dele
deslizando sobre o rosto, descendo, demorando-se sobre os
seios e descendo até os quadris. Ele olhou para ela como se
a estivesse comprando e estava tentando decidir se ela
valia o dinheiro dele.
Ah, é assim agora, não é?
Elara levantou os braços para os lados e se virou,
rebolando os quadris enquanto fazia isso. Isso mesmo,
aprecie a imagem completa.
Ela completou a volta e piscou para ele. Ele não se
mexeu.
— Tire suas roupas.
Elara baixou as alças do vestido dos ombros e o deixou
cair do peito. Usava um sutiã branco rendado por baixo.
Havia escolhido especialmente por hoje. O sutiã embalava
seus seios, levantando-os, o contorno dos mamilos mais
escuros quase invisíveis através da renda. Não era o tipo de
sutiã que uma mulher usaria procurando conforto, e ela
estava vestida nele por várias horas, esperando que ele
voltasse. Hugh olhou para ela. Ele ainda não havia se
mexido.
O tecido fino do vestido estava preso em seus quadris e
Elara o empurrou para baixo, revelando uma calcinha de
renda, tão pequena que mal a cobria. O vestido caiu e se
juntou ao redor de seus pés. Ela saiu e chutou para o lado.
Hugh parecia quase entediado. Idiota arrogante.
As mãos dela subiram e ela soltou o sutiã. As tiras de
cor clara se soltaram, com a mão esquerda o puxou,
arrancando-o dos seios e o estendeu para o lado com a mão
direita.
Ela abriu os dedos. O sutiã caiu no chão.
Elara deslizou as mãos pelos quadris, prendendo a
calcinha com os polegares, as puxou para baixo e chutou o
pequeno pedaço de tecido para o lado.
Algo brilhou nos olhos dele, um perigoso fogo azul.
Ele a queria nua. Bem. Ela ficou nua para ele.
********
Seu estômago inclinou-se, suavemente
arredondado, para o V entre as pernas, polvilhado com
cachos brancos. Seus seios eram cheios e pesados, e ele
queria esmagá-los e esfregar os dedos sobre os mamilos.
Em sua mente, ele pulava da cadeira, a agarrava e a
arrastava para a cama.
Sua ereção doeu.
A Harpia de Gelo estava nua na frente dele. A Rainha do
castelo.
Era um desafio agora. Achou que não tivesse mais
energia para uma outra luta esta noite, mas ela o provocou,
e ele não perderia.
Ela sorriu para ele.
Hugh abriu a boca. — Rasteje, venha para mim.
Ele esperou Elara pegar suas roupas, destrancar e bater
a porta.
Um lento sorriso de bruxa curvou os lábios dela. Ela riu
baixinho. Os joelhos se dobraram e ela se agachou, os
cabelos roçando o chão.
Um alarme instintivo picou sua espinha com garras
geladas. Seja lá o que for que estava olhando para ele do
chão não era humano. Parecia uma mulher humana, tinha o
formato de uma, mas era outra coisa. Algo antigo e frio,
uma criatura feita de gelo e de presas afiadas, tecida a
partir de magias antigas. Essa criatura olhava para ele
através dos olhos de Elara e riu.
A imagem de Elara virou um borrão e então estava ali,
na frente dele, agachada, as mãos com longos dedos
elegantes descansando nos joelhos dele. Os brancos
cabelos flutuavam ao redor dela, erguidos por um vento
fantasma. Alarme o sacudiu deixando sua coluna reta. Ela
inclinou o rosto para ele. A voz dela o acariciou, cheia de
magia. — Hugh ...
Olhou para ela. Todo instinto que tinha gritava um aviso.
Não sabia o que Elara era. Precisava decidir agora se ainda
a queria, independente do que ela era.
— Hugh ... —Elara levantou a cabeça e encostou na
cabeça dele. O sussurro dela era uma respiração suave no
seu ouvido. — Sabe o que eu quero mais do que qualquer
outra coisa no mundo agora?
Com magia, sem magia, humana, não humana, quem
era ele para julgar? Precisava decidir aqui e agora.
Hugh se moveu. Colocando-a em pé, deslizou os braços
dele sob as coxas dela e a puxou, abrindo-a para ele. As
pernas dela passaram por cima dos ombros dele, abraçando
suas costas. Elara ofegou, as pernas apertando-o, as mãos
nos cabelos dele. Ele a puxou para mais perto e a lambeu,
provando demoradamente seu gosto. O broto de seu clitóris
deslizou sob sua língua. Finalmente.
Elara estremeceu como se tivesse levado um choque
com um fio elétrico.
Ele a levou para a cama e a jogou lá, de costas. Ela
aterrissou nos cobertores, os olhos arregalados, as pernas
entreabertas, os mamilos escuros de seus seios perfeitos,
eretos. Ah sim. Tinha tudo o que precisava aqui.
Hugh tirou as calças. Os olhos dela se arregalaram.
Ele já havia seduzido mulheres antes. Era paciente e
gentil, mas não conseguiria encontrar nada disso nele
agora. Não havia nada lento e delicado entre eles. Ele a
desejava por muito tempo. Faria Elara implorar por ele hoje
à noite.
Hugh se moveu sobre ela. Ela estalou os dentes para
ele.
— Isso significa parar? —Ele perguntou.
— Não. Se eu quiser que pare, eu lhe direi.
— Funciona para mim.
Ele se inclinou para frente. Elara chutou o peito dele. Ele
agarrou seu tornozelo e a puxou em sua direção, deslizando
a perna direita dele entre as dela. Elara tentou dar um tapa
nele. Ele afastou os braços dela, prendendo os pulsos no
cobertor. Ela olhou para ele furiosa, seu peito subindo. Mais
gostosa do que nunca. Ele fechou os olhos por um
momento, tentando recuperar o controle, caso contrário
gozaria agora e ali mesmo.
Elara rosnou e tentou empurrá-lo de cima dela.
Ela queria lutar pelo controle entre eles.
O resto do fogo da batalha ferveu sob sua pele,
assumindo o controle e o empurrando. Ele se sentiu quente
e concentrado, como antes de uma matança. Ele a prendeu.
Elara estalou os pequenos dentes brancos para ele
novamente. Hugh a pressionou de costas na cama e beijou
o pescoço dela, beliscando a pele com os dentes, pintando
calor e luxúria na coluna delgada de sua garganta.
Elara gemeu, longo e suave debaixo dele. Ouviu o
desejo no gemido. Ela o queria.
Ele libertou o braço direito dela, e ela o socou com o
punho. Ele pegou o pulso dela e o beijou, no lugar certo,
incendiando os nervos. Elara lutou embaixo dele, tentando
impedi-lo. A emoção levou os últimos fragmentos de
restrição que tinha. Hugh prendeu com força os braços dela
sobre a cabeça, agarrou-os com a mão esquerda e deixou a
direita percorrer seus seios. Os calos ásperos em seu
polegar se prenderam no mamilo esquerdo. Ela ofegou. Ele
mergulhou e chupou o pequeno broto escuro.
Elara gemeu.
A pele dela tinha cheiro de jasmim e maçã verde e isso
o deixou selvagem. Ele passou a língua sobre o mamilo,
enrolando-o. As costas dela se arquearam. Suas coxas
úmidas apertaram sua perna e ela tentou moer-se contra
ele, procurando por seu pau.

********
Ele era inacreditavelmente forte. A sensação de seu
corpo enorme pressionado contra o dela, todo o poder
enrolado em grandes músculos quentes era quase demais.
Ela o queria desesperadamente, queria seus lábios nela, seu
enorme pau dentro dela. A necessidade de tê-lo dentro dela
transformou-se em uma sensação quente e dolorida que
beirava entre a dor e o prazer.
Hugh chupou seus seios, apertando-os com os dedos,
cada golpe no lugar certo, cada toque com a pressão certa,
como se ele conhecesse seu corpo melhor do que ela.
Sentiu o leve toque do cheiro de sálvia e frutas cítricas do
sabão e o perfume inebriante do suor dele.
Hugh descia pelo corpo dela, sua língua pintando calor
por onde passava.
Não, ainda não. Ele ainda não havia trabalhado o
suficiente.
A mão dele libertou o pulso direito dela. Ela afundou os
dedos nos cabelos dele e o puxou. Ele levantou o rosto e
trancou os lábios nos dela. A língua dele entrou na sua
boca, uma dica do que estava por vir. Ela o lambeu e
quando se separaram, olhou nos olhos azuis de Hugh.
— Desgraçado!
— Harpia.
Ela deu um tapa nele.
Hugh ficou de joelhos sobre ela e a virou de bruços. A
mão esquerda dele pegou o cabelo dela e a puxou para
cima, a colocando de joelhos, a coluna pressionada contra o
peito. A mão dele pegou sua bunda por baixo. Ele a apertou
e a puxou para mais perto dele. Ela sentiu a cabeça
contundente de seu pau pressionando contra ela.
— É isso que quer?
Ela lutou, presa pelos cabelos, tentando se soltar. A mão
dele deslizou sobre o estômago dela. Ele a puxou para mais
perto e mergulhou os dedos nela. Estava tão molhada e tão
pronta que quase gozou.
Hugh riu no ouvido dela. Ela jogou a cabeça para trás,
tentando bater no rosto dele com a parte de trás da cabeça,
mas errou. Ele agarrou seus quadris e a puxou para ele.
Seu eixo duro deslizou dentro dela, grosso e quente.
Elara gritou.
— É por isso que você veio aqui? —Ele se empurrou nela
novamente. O choque causando calafrios por todo o seu
corpo.
— Mais rápido, Hugh, —ela respirou. — Mais forte.
Ele se empurrou nela, repetidamente, cada
deslizamento de seu pênis, enviando-a cada vez mais perto
do precipício. Ele soltou o cabelo dela. A mão dele agarrou
seu seio, o polegar passando rapidamente sobre o mamilo
em um ritmo rápido. A pressão construiu nela.
O polegar dele deslizou sobre o clitóris. Ela respirou
fundo contra a repentina explosão de prazer. Ele se
empurrou profundamente. Ela mudou o ângulo dos quadris
e o sentiu esfregar contra o interior dela.
Hugh gemeu, um áspero som masculino, cheio de
luxúria. Isso a deixou selvagem. Ela estava gemendo agora
também.
Ele continuou se empurrando, seus dedos hábeis a
provocando. Ela não conseguia recuperar o fôlego, presa
entre a mão dele e seu eixo duro dentro dela. Estava perto,
tão perto...
— Hugh, —ela gritou. — Não pare. Não ...
O orgasmo a invadiu em uma inundação de calor e
êxtase. Ela se inclinou para frente, sentindo seu corpo
apertá-lo em um ritmo constante, e ele a pegou antes que
ela batesse nos lençóis e a virou de costas. Ela flutuava em
uma névoa de prazer.
Hugh agarrou os quadris dela e a puxou,
reposicionando-a na cama. Ela ainda estava flutuando
quando ele abriu as pernas e se ajoelhou sobre a sua coxa
esquerda. Ele jogou os quadris dela para a direita, então a
perna direita dela envolveu sua cintura e a penetrou de
lado. O prazer inesperado a percorreu, rasgando a névoa
feliz. Por instinto, ela tentou se virar. Ele se empurrou de
volta e continuou se empurrando, encontrando um ritmo
suave.
Ela não conseguia se mexer. Não conseguia mexer os
quadris. Estava completamente à sua mercê. Ele a tomou
como se fosse a única coisa que importava.
Hugh estava olhando para ela, seus olhos de um azul
escuro e vívido. Seu rosto ficou duro e um pouco predatório,
perdido pela luxúria. Ele arreganhou os dentes e ela
percebeu que o bastardo estava sorrindo.
Excitação e luxúria a afogaram. Em algum lugar
profundo, sua mente racional reconheceu que vê-lo olhando
para ela fazia o querer mais. Ele avisou que ela estava
cedendo parte de seu poder. Ela rosnou e tentou se afastar,
mas ele a segurou e se moveu mais rápido. Seu eixo duro e
grosso a encheu com cada movimento de seus quadris. O
prazer era delicioso.
Um segundo orgasmo começou a crescer dentro dela.
Ele se inclinou sobre ela, olhos azuis em chamas. —
Quer que eu a faça gozar?
Ela mordeu o lábio inferior, tentando não gemer. Sabia
exatamente aonde Hugh queria chegar com essa pergunta,
queria provar a ela que poderia fazê-la gozar sem qualquer
ajuda dela.
— Tudo o que precisa fazer é dizer pare, Elara. Diga-me
para parar.
Querida deusa, ela não queria que ele parasse. — Foda-
se, —ela respirou.
— Sua escolha, senhora.
Ele a puxou na vertical e de repente ela estava sentada
nele enquanto ele se esparramava nos lençóis, enorme e
musculoso como um sonho quente.
— Foda-me, doçura, —ele ousou.
E fez. Ela o montou, apertando seus quadris, apertando
seu membro dentro dela e soltando-o enquanto ele beijava
seu pescoço e chupava seus mamilos, as mãos quentes dele
presas nas carnes de sua bunda, seus dedos apertando-a e
puxando-a para ele.
O segundo orgasmo tomou conta dela, e ela caiu sobre
ele, sem fôlego, os cabelos caindo sobre os rostos deles
como uma cortina escondendo-os do resto do mundo. O
prazer a drenou tão completamente que ela choramingou.
Os lábios dele encontraram os dela. Ele a beijou, e foi
quase terno. A cabeça dela girou. Ela tinha que se reafirmar,
ou o beijaria de volta, e ele saberia que ela se renderia.
Ela arqueou as costas e virou-se para ele, de frente para
as pernas dele.
— Bom, —ele rosnou. O polegar dele encontrou o feixe
sensível de nervos entre as bochechas, logo acima do ânus.
Ela balançou nele, segurou a base de seu pau e o colocou
dentro dela, deslizando.
Hugh xingou.
Ela o montou de novo, segurou novamente a base de
seu pau e o bombeou, ordenhando seu membro enquanto
ela se empurrava contra ele. Seu corpo ficou tenso sob ela,
os músculos poderosos ficando tensos devido à tensão. Ela
se moveu mais rápido, arqueando as costas, deslizando-o
para dentro e para fora. Sua magia escapou para fora dela,
serpenteando ao seu redor em fios de vapor branco. Ela
estava perdendo o controle.
O eixo dele engrossou na mão dela.
Ele xingou novamente.
— Diga-me para parar, —ela disse a ele.
Hugh se empurrou dentro dela, arqueando os quadris.
Eles construíram um ritmo frenético. O prazer aumentou e a
invadiu. Ela gritou, seu poder ferveu ao seu redor. Ele
balançou embaixo dela, todos os músculos tensos. Ela
sentiu a magia correndo através dele, tão poderosa e
brilhante que a chocou. O pau dele contraiu na mão dela.
Ela sentiu o fluxo quente do orgasmo dele dentro dela e
soltou, deleitando-se com seu prazer. Ficaram assim por um
longo momento, sem fôlego e suados. Hugh a alcançou, a
puxou para baixo e passou os braços em volta dela,
colocando-a de lado.
Sexo com Hugh d'Ambray. Nunca deveria ter feito isso,
porque agora queria mais. Ele era a última pessoa que ela
deveria ter dado tanto poder sobre ela. E ele estava
segurando-a agora. Estar enjaulada em seus braços,
esticada ao lado dele, a fazia se sentir muito bem.
Elara suspirou, ainda sem fôlego. — Acabou, Preceptor?
— Eu não sei, —disse ele, sua voz casual. — Ainda
temos algumas horas até o amanhecer. Vamos ver o que
acontece.

********
Elara se espreguiçou e deslizou para fora da cama. A
mão de Hugh disparou e prendeu em seu pulso.
— Solte minha mão, —ela disse a ele.
Ele se inclinou para olhar pela janela, onde a luz
cinzenta do amanhecer iluminava o céu. — O sol ainda não
nasceu.
— Isso é bom, porque eu não vou embora ainda.
Ele a soltou e ela se levantou. Quando ficou de pé
perdeu um pouco de equilíbrio e balançou.
— Precisa de muletas? —Ele perguntou.
Ela virou o pescoço e o olhou, depois fez um esforço
para caminhar dez passos e pegar o envelope. Seu corpo
estava líquido, seus músculos cansados e flexíveis. Estava
dolorida. Havia passado quatro horas no quarto dele e não
descansou nada, exceto pelos poucos cochilos que tirou.
Não queria adormecer, mas havia algo irresistivelmente
reconfortante nele estendido ao lado dela. Não tinha certeza
se era o tamanho dele, o calor do corpo dele, ou
simplesmente o conhecimento de que se alguma coisa
tentasse entrar naquele quarto com a intenção de
prejudicá-los, ele mataria, provavelmente com as próprias
mãos. Talvez fossem as três razões juntas.
— Você quer que eu cuide de algum incomodo que está
sentido? —Ele perguntou.
Ela olhou para ele. Uma leve aura azul o cobria.
— Não, —ela disse.
Ele sorriu. Era o sorriso de um homem satisfeito consigo
mesmo. Ela revirou os olhos e caiu sobre os lençóis ao lado
dele, o envelope nas mãos.
— Conte-me sobre Aberdine, —disse ela.
— Foi sangue e fogo, —disse ele. — É bom que fique
fora dos meus sonhos por um tempo, Elara.
— Fogo?
— Era um exército, como pensávamos. Os Oficiais
vestiam armaduras douradas e cuspiam fogo. Temperaturas
muito altas. Um deles queimou Richard Sams. O homem
morreu quase instantaneamente.
Ela ouviu na voz dele. Hugh tentou salvar Richard e
falhou.
— Eles não fogem, —disse ele. — Não imploram por
suas vidas. Lutam até morrerem e quando são capturados,
queimam de dentro para fora.
Ela respirou fundo. Esse tipo de magia estava além do
que a maioria dos usuários humanos de magia poderia
fazer. — Então, um ser muito antigo?
— Sim. Há um padrão na substituição de Oficiais no
campo de batalha. Em circunstâncias normais, um Oficial
quando morre o próximo na hierarquia toma o seu lugar.
Não aconteceu isso com eles. Depois que eliminamos os
seus líderes, eles ficaram fora de formação e permaneceram
lá, parados, até que alguém com uma arma se aproximasse.
Então lutaram individualmente até a morte. Depois que
matei o Comandante, até os Oficiais restantes pararam de
responder. Essa é a única maneira de desestabilizá-los e
quebrá-los.
— Isso não faz sentido. Como um exército pode
funcionar dessa maneira?
Hugh fez uma careta. — Faz sentido de uma maneira
distorcida se supormos que algo está controlando o Oficial
superior.
— Como uma possessão?
— Possivelmente. Mesmo um ser muito antigo não pode
controlar tantos lutadores ao mesmo tempo. Mas se ele
controlar os Comandantes, o resto obedece cegamente às
ordens, e assim ele dirige todo o exército.
Um ser muito antigo. Ela suspirou. — Aberdine
sobreviveu?
— A maior parte. O Dollar General é uma ruína agora e
alguns outros edifícios não estão muito melhores. Mas
apagamos o fogo. A batalha nos custou três Cães de Ferro.
Aberdine perdeu vinte e uma pessoas.
Ele disse tudo isso com naturalidade, sua voz neutra.
Mas por dentro isso estava o devorando, ela percebeu. Toda
vez que ele perdia alguém, isso o devorava.
— Acha que eles tentarão novamente? —Ela perguntou.
— Eles vão, mas não terão como alvo Aberdine
novamente. Não sabemos se houve alguma comunicação
entre as tropas invasoras e as reservas de onde elas vieram,
mas seria improvável que não houvesse. Temos que assumir
que eles sabem que estávamos esperando por eles em
Aberdine. Pintamos um alvo em nossos peitos com a
decisão de proteger Aberdine. O próximo ataque, se tiver,
será destinada a nós.
Ela também achava isso. Elara estendeu o envelope
para ele.
Hugh pegou um travesseiro e o empurrou para trás da
cabeça para se apoiar. Ela gostou da maneira como os
bíceps dele flexionaram em seus braços. Pare, pare, pare ...
Repetir esse mantra em sua mente não estava conseguindo
distrai-la do corpo dele, então resolveu trazer um pouco
mais de problemas para a conversa deles.
Hugh abriu a aba e retirou a papelada. Ela tinha olhado
a proposta mais cedo, junto com Savannah. O documento
estabelecia exatamente o que Nez havia prometido.
Sua expressão ficou dura.
— Nez veio me ver, —ela disse a ele. — Através de um
vampiro.
— Quando? —Perguntou Hugh.
— Enquanto estavam em Aberdine.
— E tem certeza de que era Nez?
— Sim. Eu o conheci antes, quando ele tentou negociar
a compra do castelo. Ele sempre fala como se estivesse dois
degraus acima de você na escada da inteligência.
— Ele é um idiota metido a besta.
— Sim, isso também.
— Pensando em aceitar a oferta dele?
Ela arqueou as sobrancelhas para ele. — Por que? Acha
que eu deveria?
Hugh bateu no arquivo. — Alguns anos atrás, Landon
Nez e eu estávamos abrindo caminho para Roland, no
Nebraska. Havia uma pequena cidade remota no extremo
norte do estado chamada Hayville, protegida por um
160 161
xamã de Winnebago . Roland queria a terra onde a
cidade ficava. A família do xamã vivia lá por gerações e,
uma vez que a Mudança deu a eles poderes, começaram a
estabelecer Proteções em torno de Hayville para proteger
suas casas. Durante a magia, o lugar era uma fortaleza. A
cidade estava bem protegida, por isso era uma má ideia um
ataque direto. Um dia Nez apareceu e sitiou a cidade. Isolou
as duas estradas que levavam a ela e cortou as linhas de
energia e telefone. O estado estava de mãos dadas com o
culto Curva na época, então ninguém percebeu por um
tempo.
A sugestão de alguma emoção passou pelo rosto dele.
Ela não conseguiu identificar. Dor? Arrependimento? O que
quer que fosse, não era agradável.
— Nez não queria enfrentar trinta anos de Proteções,
então ficou em Hayville por uma semana e negociou um
acordo. Se entregassem o xamã a ele, ele assinaria um
tratado com a cidade jurando deixá-los em paz. A cidade
entregou o xamã para ele amarrado como um porco. Nez
pegou o xamã e foi embora.
— E? —Elara perguntou.
— E na manhã seguinte eu cheguei, invadi a cidade e a
queimei até o chão.
Ela olhou para ele.
— Houve uma investigação, —disse ele. O governo
federal apareceu. Testemunhas foram interrogadas. Foram
escritos relatórios sobre pessoas misteriosas de preto
queimando o local. Ninguém mencionou Nez, porque
venderam o xamã para ele, e ninguém mencionou a mim,
porque sabiam que quando as autoridades fossem embora,
eu voltaria se eles abrissem a boca. A cidade estava em
ruínas e, na primavera seguinte, Roland comprou as terras
por quase nada.
— O que aconteceu com o xamã? —Ela perguntou.
— Nez o torturou e o matou, —disse Hugh. — Nez
nasceu Navajo. Sua família nunca morou com a nação
Navajo, mas ele foi para lá quando tinha quinze anos. Ele
disse que queria aprender sobre sua herança. Eles o
ensinaram por um tempo até perceberem que Nez era um
Navegador. Os Navajos consideram os mortos-vivos seres
não naturais.
E eram.
— Há regras severas sobre não praticar o mal, —
continuou Hugh. — Os Navajos acreditam que os humanos
devem estar em harmonia e pilotar mortos-vivos interrompe
162
essa harmonia, provocando hóchxǫ́ , caos e doença. Foi
dado a Nez uma escolha: abandonar a necromancia e
continuar aprendendo a herança Navajo ou ir embora antes
que sua doença pudesse se espalhar. Ele foi embora. A
partir desse dia Nez persegue todos os xamãs, curandeiros
e benzedeiros que cruzam seu caminho. Ele os caça e os
mata. Não importa qual tribo.
— Por quê? Ele está tentando punir a Nação Navajo?
— Sim e não. Principalmente, ele está provando a si
mesmo que é superior. —Hugh fez uma careta. — Fazer
acordos e negócios com Nez é uma perda de tempo. É
melhor escrever um contrato com um garfo na água
daquele fosso lá fora. Sua palavra não significa nada. Suas
promessas não significam nada. Se a boca do homem está
se movendo, ele está mentindo.
Ela se esticou ao lado dele. — Está preocupado que eu o
venda, Preceptor?
Uma faísca faminta iluminou seus olhos.
— Você nos ganhou tempo? —Perguntou Hugh.
— Duas semanas. —Ela verificou o rosto dele. — Diga-
me que tem algum tipo de plano, Hugh.
— Teremos que implantar os barris, —disse ele. —
Gostaria de ter mais uma semana para garantir que o fosso
tenha água o suficiente. Se não, estaremos fodidos.
— O que há nos barris? —Ela perguntou.
— Se jogar bem suas cartas, eu mostro a você.
Sua voz tinha uma gota de presunção. Hugh pensou que
a tinha. Ela tinha que sair agora, percebeu. Se demorasse
mais, não sairia da cama dele. Ficaria aqui, desfrutando do
calor do corpo dele, aconchegante e seguro.
Levante-se. Levante-se, levante-se, levante-se ...
— O sol está nascendo. —Ela saiu da cama e tirou as
roupas do chão. — Eu cumpri a minha parte do nosso
acordo, Preceptor?
— Totalmente, —disse ele.
Ela se espreguiçou, dando-lhe uma última olhada,
bocejou e saiu nua pela porta.

********
A porta deslizou.
A ausência dela atingiu Hugh como um soco no
estômago, ela se foi. Pelas poucas horas felizes que
estiveram juntos, ele se esqueceu da morte, do sangue e do
vazio. Ele derramou sua raiva e sua dor miserável nela, e
Elara o drenou tão completamente que a única coisa que
restou foi uma calma saciada. Felicidade, percebeu. Pela
primeira vez em anos, se sentiu feliz.
Elara estava a poucos metros de distância, caminhando
para o quarto. Os lençóis onde ela estava, enrolados contra
ele, ainda mantinham o calor de seu corpo. Sentiu falta dela
no momento em que a porta se fechou atrás dela. A mente
dele conjurou seu rosto, seu perfume, a maneira como sua
pele deslizou contra a dele. A dor aumentou nele. Ele a
queria de volta. Ele a traria de volta. Mas primeiro, tinha
que garantir que sobrevivessem.
Nez estava vindo. O desgraçado apareceu
‘pessoalmente’ para negociar com ela, o que significava que
o tempo deles era curto e, quando Nez chegasse, os
atingiria com toda a força da Legião Dourada. Seu povo não
estava pronto. Eles mal tinham duas semanas.
Sua mente percorreu tudo o que ainda precisava ser
feito para prepará-los para o ataque. O sono não estava nos
planos agora. Dormiria quando estivesse morto.
Hugh se levantou da cama, pegou uma jarra de chá frio
na geladeira e bebeu metade dela. Ele se sacudiu, enviando
a sua magia de cura através de seu corpo, consertando
pequenas dores, cicatrizando cortes de batalha,
realinhando, curando, voltando à forma de luta.
Tinha que garantir que Baile permanecesse firme. Tinha
que ter certeza de que, quando Nez chegasse, sua Legião
Dourada quebrasse nas muralhas do antigo castelo como
uma onda em um píer.
 

Quinze
A noite caíra, trazendo o frio de outono. Elara puxou
o longo xale azul e branco em volta dos ombros e encostou-
se na muralha. A névoa se arrastava do lago, torcendo e se
derramando na clareira diante do castelo, espessa e branca.
A escuridão desbotou a cor da floresta e, por trás da cortina
do nevoeiro, as árvores imensas pareciam uma miragem,
um desenho descuidado de carvão na tela áspera da noite.
Ao lado dela, Rook esperava, uma sombra silenciosa. Ele
veio e a chamou alguns minutos atrás. No pátio inferior,
Hugh e seus quatro Capitães retiravam os barris do
armazenamento e os carregaram em uma carroça puxada
por cavalos.
Elara jogou mais um pouco o peso do seu corpo para as
pedras da muralha. Seus pés doíam. Tinha sido um longo,
longo dia. Primeiro, tiveram que despachar os últimos
moradores de Aberdine. Ela os mandara de volta para a
cidade, alimentados e limpos, com os ferimentos sarados.
Por mais que quisesse ajudar, Aberdine teria que se
defender agora.
Feito isso, foi inspecionar o galpão de armazenamento.
Sempre havia a possibilidade de serem atacados, por isso
eles vinham armazenado alimentos e água desde que
tomaram o castelo. Grãos, frutas secas, carne seca, queijo,
conservas. Os suprimentos de curto prazo, queijos, linguiças
defumadas e outras coisas que não duraria por muito
tempo, pareciam em bom estado. Já os estoques de longo
prazo estavam danificados. Vários barris de grãos estavam
cheios de traças, que de alguma forma conseguiram entrar
nos barris apesar de terem sido selados. Ordenou que todo
o suprimento afetado fosse destinado ao gado. A perda
doeu e agora tinham que lidar com traças quase
indestrutíveis. Precisou chamar as bruxas para fumegar
todo o galpão de armazenamento.
Pelo menos a água nas cisternas sob o castelo estava
limpa. Eles ainda tinham o poço, mas Hugh estava certo
quando disse a ela naquele primeiro dia que o poço seria
um alvo. Saber que havia um suprimento extra ajudava.
Hugh passou a maior parte do dia correndo pelo castelo
como um homem possuído, verificando os mecanismos de
cerco, curando os últimos feridos, examinando a terra ao
redor do castelo. Ela o viu apenas de passagem. Em algum
momento eles se cruzaram na cozinha, atraídos pelo cheiro
de tortas frescas. Ela estava entrando, ele estava saindo.
Assentiram um para o outro e seguiram em frente. Algum
tempo depois, Dugas a encontrou para lhe dizer que Hugh
pediu um nevoeiro hoje à noite e que ele queria que
parecesse natural. Ela disse ao druida para fazer o que ele
pediu. E agora Hugh estava aqui, fazendo algo com os
barris.
Bale levantou o último barril no lugar. Stoyan pegou o
cavalo pelo freio e o puxou. Os outros três Capitães o
seguiram.
Ela desceu as escadas. Hugh estava esperando-a no
pátio inferior.
— Você me prometeu que me contaria o que havia nos
barris, Preceptor. Agora está fugindo com eles.
— Eu disse que mostraria se você jogava suas cartas
corretamente. Você deveria ter se esforçado mais ontem à
noite, doçura. Com mais entusiasmo.
Oh seu idiota. — Se eu tivesse ficado impressionada
com o que me foi oferecido, talvez tivesse tentado mais.
Mas uma mulher não pode fazer muita coisa com um
equipamento tão medíocre.
Ele sorriu para ela. Caminharam pelos portões, seguindo
a carroça.
Stoyan virou o cavalo para a esquerda e parou na
margem do fosso. Bale e Lamar tiraram o primeiro barril e o
colocou no chão. Bale levantou as mãos, dedos indicador e
médio cruzados. Stoyan bateu na carroça três vezes e
cuspiu por cima do ombro esquerdo.
— Que diabos estão fazendo? —Perguntou Lamar em
voz baixa.
— Para dar sorte, —disse Bale.
Lamar sacudiu a cabeça. Juntos, derrubaram o barril
sobre a água. Lamar quebrou o lacre, tirou a tampa e o
colocou na água. Os dois homens cuidadosamente
deslizaram o barril no fosso e o deixaram afundar. Ninguém
se mexeu.
— E agora? —Perguntou Elara.
— Agora descobriremos se estamos fodidos. —Hugh
puxou um pequeno frasco de metal do bolso, caminhou até
a beira do fosso por onde o barril havia afundado,
desparafusou a tampa e derramou o conteúdo escuro na
água. O líquido escuro se espalhou pela superfície. A magia
deslizou sobre Elara como uma mancha podre e morna.
Sangue de vampiro.
A água estava completamente parada.
Bale acenou com os dedos cruzados.
A água começou a ferver, como se algo grande
deslizasse por baixo dela. A mancha vermelha desapareceu.
— Ha! —Bale gritou.
— Shhh, —os três outros Capitães sibilaram para ele.
Stoyan puxou o cavalo, conduzindo-o pela margem do
fosso.
— O que é isso? —Ela perguntou.
— O que vai me dar se eu te contar?
— Hugh, —ela resmungou.
— Bem. Alguns anos atrás, Roland me enviou ao Alasca
para conversar com o Bando Fúrias do Gelo. É o maior
Bando de metamorfos dos EUA. As conversas não nos
levaram a lugar algum. Os metamorfos do Fúrias do Gelo
são separatistas. Tudo o que eles querem fazer é correr pela
floresta e ficar em paz. Passam a maior parte do tempo em
forma de animal. Do jeito que estão indo, em algumas
gerações esquecerão como é ser um humano. Portanto, as
negociações não foram como planejadas, mas, como eu já
estava no Alasca, resolvi passear pela região. Subimos o
163
Norte e acabamos em Mekoryuk . É uma cidade na   ilha
164 165
de Nunivak . O povo Nuniwarmiut vive lá há dois mil
anos. Enquanto eu estava lá, conheci uma velha que me
disse que não estavam preocupadas com Roland ou seus
vampiros, porque eles tinham gelo sujo e isso os protegeria.
Para encurtar a história, peguei um pouco desse gelo sujo.
Cortá-lo e arrastá-lo de volta para casa foi um pé no saco,
mas eu sabia que Nez ou qualquer outro que tome o seu
lugar viria atrás de mim mais cedo ou mais tarde. Aqui
estamos.
A carroça parou e Felix e Bale tiraram outro barril. Elara
observou enquanto eles tiravam a tampa e o afundavam.
— Sim, mas o que há no gelo sujo?
— Uma cepa bacteriana, —disse Hugh. — Desagradável,
166
altamente agressiva. Tivemos que reduzir o permafrost
para obtê-lo. É inofensivo para os humanos, tanto quanto eu
sei. Adora água. Adivinha o que ele gosta de comer no
jantar?
— Vampiros?
Ele assentiu. — Qualquer morto-vivo será um banquete.
— Você já usou isso antes? —Ela perguntou.
— Nós testamos.
— Mas não na batalha real?
— Não.
— Então não sabe se vai funcionar.
— Não há garantias na vida, —disse ele.
— Agora não é o melhor momento para filosofar,
Preceptor.
— Você prefere uma falsa garantia?
Sim, ela pensou. Preferia. Se enganar não faria nenhum
bem, mas, no momento, tranquilizar-se seria bom.
Infelizmente, bom não era algo que ela pudesse pagar no
momento.
— Os vampiros não nadam, —disse ele. — Sem ar nos
pulmões eles afundam até o fundo, então precisarão andar
pelo fundo do fosso. Considerando a largura do fosso e a
velocidade típica dos vampiros debaixo d'água, é provável
que fiquem submersos de dez a vinte segundos. Em testes
de laboratório, isso foi suficiente para causar danos críticos.
O truque é aumentar a concentração suficientemente alto.
Quanto maior a concentração, mais eficazes serão as
bactérias. As bactérias precisarão de comida para se
multiplicar. Nosso suprimento de sangue de morto-vivo é
limitado.
— Temos um pouco de sangue e ossos de vampiros
armazenados. Adicionaremos o que pudermos.
— Obrigada.
— Acha que o fosso é largo o suficiente? —Ela
perguntou.
— Vamos descobrir, —disse ele.
Eles seguiram a carroça novamente. O medo se
apoderou de Elara e a agarrou. Mais duas semanas. Menos
agora, uma semana e seis dias. Havia outros preparativos a
serem feitos. Precisavam se preparar também se tudo desse
errado. A memória do gelo passou por sua mente. Ela não
queria fazer aquilo de novo. Não queria se lembrar de quem
era, mas sabia que provavelmente precisaria.
167
— E se afundássemos um arame de concertina ? —
Ela perguntou. — É um longo arame afiado e flexível que
vem em bobinas. Grau militar.
— Eu sei o que é arame de concertina. Quanto você
tem?
— Não sei. Ele vem em caixotes com quinze metros de
arame em cada, —disse ela. — Temos um armazém disso.
Ele olhou para ela.
— Nós o compramos de uma prisão abandonada, —
disse ela. — Pretendíamos usá-lo como um impedimento
para afastar os lobos, mas a vida selvagem e o gado
continuamente ficavam presos nele e isso era cruel, então
desistimos de usá-lo.
Ele olhou para o céu e riu.
— Não vejo o que há de tão engraçado.
Ele se virou para ela. — Estou tentando nos salvar. Se
soubesse que tínhamos fio de concertina, planejaria nossas
defesas de maneira diferente.
Ela encolheu os ombros.
— Não posso nos proteger efetivamente se você
guardar informações relevantes de mim, —disse ele.
— Você parece estar indo bem, —ela disse a ele.
— É realmente uma harpia, sabia disso?
— Se quer saber se temos algo, Preceptor, sugiro que
use suas palavras e pergunte. Não oferecemos informações
voluntárias, porque não confiamos em vocês. A única
maneira de mudar isso é demonstrando suas intenções e
seguindo adiante.
Hugh balançou a cabeça. — Eu tive um pensamento
louco agora.
— Pelo bem de todos, compartilhe.
— E se eu estiver morto e isso for o purgatório, e você
for minha punição?
— Eu duvido, —ela disse a ele.
— Por quê?
— Porque se eu sou seu castigo, você é o meu. O deus
cristão é o deus do perdão. Ele é muito gentil para castigar
dessa forma, até mesmo a nós.
Ele riu de novo.
O nevoeiro se separou e uma criatura pousou ao lado
deles, uma mistura escura e desgrenhada de humano e
lobo. O metamorfo se contorceu, se transformando em uma
forma humana. Uma mulher nua se sacudiu, como se
tentasse soltar o último pêlo de sua pele.
Karen, Elara lembrou. Um dos batedores de Hugh.
— Encontrei eles, —disse ela. — Quinze quilômetros
para o norte a partir do ponto da linha Ley de Rooster.
Hugh virou-se para ela. — Reúna seu povo. Temos uma
estratégia para planejar.

********
Elara sentou na cadeira. Os pés dela ainda doíam.
Ela tirou as sandálias, deixou-as cair e enrolou os dedos dos
pés.
Seu escritório estava cheio. Savannah estava sentada
em uma cadeira estofada à direita de Elara, perfeitamente
vestida e impecavelmente maquiada. A única indicação da
hora tardia era o cabelo solto que emoldurava o rosto como
uma auréola. Johanna empoleirou-se na mesa à esquerda de
Elara, em seu lugar de sempre. Stoyan sentou-se ao lado de
Savannah. Ele olhou uma vez na direção de Johanna quando
entrou no escritório e começou a procurar um lugar para se
sentar. Você não me engana. Do outro lado de Stoyan, Bale,
que havia chegado alguns minutos atrás, sentou-se na
cadeira, debruçou a cabeça sobre a mesa, apoiada nos
braços cruzados. Felix, uma sombra silenciosa, encostou-se
na parede atrás de Bale. Karen, a metamorfa lobo, passeava
pelo escritório, recém-vestida.
Do outro lado de Elara, no outro extremo da mesa, Hugh
estudava o mapa de Baile. Ele parecia pensativo. Hugh
podia torcer o rosto em qualquer expressão que quisesse. O
homem era um camaleão. Já tinha o visto passar de
aterrorizante para o papel de bom moço, e para ‘eu-sou-
apenas-um-idiota’ em um piscar de olhos, mas os
momentos desprotegidos como este, quando ele se
esquecia de colocar alguma máscara, e sua inteligência
brilhava, eram os favoritos dela.
Favoritos. Ugh. Ela voltou à realidade. Era o cansaço.
Estava tão cansada que mal conseguia enxergar direito.
Lamar correu para a sala, Dugas o seguindo. Ela tinha a
sensação de que os dois estavam juntos muito mais do que
demostravam.
— Bale? —Chamou Stoyan.
O berserker roncou.
— Ele está de ressaca? —Elara perguntou calmamente.
— Não. Foi a Armadilha de Guerra, —disse Hugh. —
Desgasta-o.
Johanna se inclinou para frente, tentando ler os lábios
deles. Elara sinalizou para ela, contando a conversa.
— Ele fica bem por um tempo, mas depois desaba, —
acrescentou Lamar.
Hugh pegou uma jarra na mesa, serviu uma xícara de
café preto, foi até Bale e colocou a mão no ombro do
homem.
O berserker levantou a cabeça, piscando os olhos.
Hugh colocou o café na frente dele.
Bale assentiu, fungou e engoliu o café.
— Vocês todos sabem por que estão aqui, —disse Hugh.
— Temos um encontro com Landon Nez em duas semanas.
Karen?
— Ele está acampado próximo a linha Ley de Rooster, —
disse a metamorfa. — Não há muito lá, exceto uma pequena
vila, duas dúzias de edifícios no máximo e uma estação de
abastecimento.
— Devagar, —Elara disse a ela. Ela havia se acostumado
a sinalizar para Johanna ao longo dos anos, mas estava
cansada, pensando e sinalizando ao mesmo tempo, exigia
toda a sua concentração.
— Desculpe. —A metamorfa continuou mais devagar. —
A segurança é reforçada, então não pude chegar perto. Ele
está recebendo vampiros em contêineres de metal de seis
metros, cinco vampiros por contêiner. Contei vinte e quatro
contêineres e mais estavam chegando.
Cento e vinte vampiros. Um único vampiro não era um
problema. Dez vampiros seriam demais para ela. Arrancar a
magia deles exigia um esforço, e enquanto ela estivesse
ocupada com os cinco primeiros, o resto deles passaria por
ela, escalaria as muralhas, entraria no castelo ... Se a
armadilha de água de Hugh não funcionasse, bastaria
cinquenta vampiros conseguir escalar as muralhas de Baile,
e então o castelo se tornaria uma caixa mortal, mesmo com
todos os Cães de Ferro.
Ela verificou o rosto de Hugh. Ele não parecia
preocupado.
— Quantas pessoas? —Perguntou Lamar.
— Muitas, —disse Karen. — Eu estimaria pelo menos
trezentas, se não mais. O local era tranquilo na última vez
que o pesquisamos, mas agora parece um mercado no
sábado pela manhã.
— Ele está trazendo toda a Legião? —Stoyan perguntou.
— Provavelmente, —disse Hugh.
— A turma toda de terno, —disse Karen. — Ele
definitivamente deve trazer a Equipe de Limpeza.
— A Equipe de Limpeza? —Savannah perguntou.
— A Legião é formado por três grupos, —explicou
Lamar. — Os Navegadores, que são os Mestres dos Mortos e
os seus aprendizes, os mortos-vivos, e a Equipe de Limpeza,
tropas de choque humana que seguem os vampiros e
matam todo o resto que sobreviveu ao ataque dos mortos-
vivos.
— Quão bons eles são? —Dugas perguntou.
— Decentes, —disse Stoyan. — Não é um problema para
nós se for um de nós para cada um deles.
— Nunca é um de nós para cada um deles, —disse Bale.
— Sempre é um de nós e quatro deles.
— A Equipe de Limpeza é dispensável, não têm valor
para Nez, —disse Hugh. — Ele é pragmático. Mortos-vivos
são caros, humanos são baratos.
— Além disso, —disse Karen, — eu vi Halliday.
Bale xingou.
— Você tem certeza? —Perguntou Lamar.
— Tenho certeza, —disse Karen. — Era ela. A menos que
você conheça outra vadia velha de cabelos escuros, que
viaja com Nez e carrega um par de cães de crista
168
chineses .
— Você viu os cães? —Felix perguntou.
— Vi, os cheirei, os ouvi. É Halliday.
Elara olhou para Hugh.
— Mestra das Bestas, —disse ele. — Roland gosta de
usar bestas mágicas em suas guerras. Ela é a responsável
por esses animais.
— Que tipo de bestas mágicas? —Dugas perguntou.
— Elefantes do tamanho de um cruzeiro com três
cabeças e presas que disparam raios, —ofereceu Bale.
— Não existe tal coisa, —Savannah disse a ele.
— Existe, —Stoyan disse a ela. — São chamados de
169
Erawan . Já vimos isso.
Johanna bateu na mesa.
Eles olharam para ela.
— Sério?
Stoyan ergueu o punho e fez um movimento para baixo,
imitando uma cabeça balançando. Ele estava sinalizando. —
Sim. —Ele fez isso de maneira hesitante, daquela maneira
quando se começa a aprender a linguagem de sinais.
Johanna sorriu para ele.
— Vocês devem ver o tamanho dessa merda, —disse
Bale. — É um caminhão de carga.
— Isso nos diz duas coisas, —disse Hugh. — Primeiro,
Nez nos atacará durante a magia. Segundo, Roland o deixou
usar outros recursos, o que significa que Nez levou isso para
Roland e Roland aprovou essa luta.
— Isso muda as coisas, —disse Lamar.
— Como assim? —Savannah perguntou.
— Nez não estava fazendo tanto esforço em nos atacar,
—disse Hugh. — Algo aconteceu para ele nos colocar na
posição de prioridades na sua lista.
Ela sabia exatamente o que era. — Aberdine.
Todo mundo olhou para ela. Savannah levantou as mãos
e assumiu a sinalização para Johanna.
— Você protegeu Aberdine contra uma força mágica
significativa, —disse Elara. — Você é uma unidade de
combate novamente. Um exército e uma ameaça. Nez
pensou que poderia vir até aqui e matar todos nós à
vontade, mas agora sabe que não pode.
Ela viu o cálculo nos olhos de Hugh. Ele balançou sua
cabeça. — Eu duvido. Nez já explicou por que ele queria o
castelo?
— Não, —disse Savannah. — Apenas se ofereceu várias
vezes para comprá-lo.
— Talvez haja algo aqui que ele precisa? —Stoyan se
perguntou.
— Não consigo imaginar o que seria, —disse Elara
honestamente.
— Vamos esquecer isso por enquanto, —disse Hugh. —
Antes de começarmos a planejar, há formas de entrar no
castelo que eu não conheço? Passagens ocultas, túneis
secretos?
Dugas olhou para ela. Elara assentiu. Sim, diga a ele.
Hugh era um filho da puta irritante e um bastardo, mas os
protegeria até o amargo fim. Baile era o único lar que ele
conhecia agora.
Dugas enfiou a mão na túnica e puxou um pedaço de
papel dobrado. Desdobrou uma vez, duas, uma terceira vez
e espalhou sobre a mesa. Uma imagem complexa em tinta
preta estava desenhada no grande pedaço de papel: um
anel central, do qual as linhas se estendiam como raios de
uma roda. As linhas começaram retas, depois se curvaram,
cortaram e se cruzaram, torcendo-se em um labirinto
complexo.
— O que eu estou olhando? —Hugh perguntou.
— Túneis, —disse Dugas, prestativo.
Hugh e os Capitães espiaram o mapa.
— Tudo isso está abaixo de nós? —Perguntou Hugh,
apontando para o mapa.
— Sim. —Dugas assentiu.
— Foda-se, —disse Hugh.
Elara quase riu.
— Por quê? —Perguntou Lamar, os olhos arregalados.
— Não fomos nós que fizemos, —disse Elara. — Eles já
estavam aqui quando nos mudamos.
Hugh a encarou com um olhar. — Você estava pensando
em me contar sobre os malditos túneis?
Ela fingiu refletir sobre isso. — Possivelmente.
— Gostaria de me dizer agora?
— Existem túneis embaixo do castelo, Hugh.
— Aqui está. Obrigado. —Se o sarcasmo fosse líquido,
ela estaria com os tornozelos mergulhados nele.
— De nada.
Eles se encararam do outro lado da mesa.
Dugas pigarreou.
— Gostaria de me falar mais alguma coisa? —Perguntou
Hugh. — Os portões se abrem quando alguém diz uma
palavra mágica?
— Não que eu saiba, —ela disse a ele. — Por que não
grita algumas palavras mágicas nos portões por um tempo
e me conta como tudo acabou?
Dugas pigarreou novamente.
— Eu ouvi você pela primeira vez, —ela disse a Dugas.
— Algum desses realmente sobe à superfície? —Hugh
bateu no mapa com o dedo.
— Não sabemos, —disse Dugas.
— Tentamos mapeá-los várias vezes, mas acabamos
voltando para o mesmo lugar, —disse Elara. — Porém,
existe apenas uma maneira de chegar aos túneis do castelo,
e é através desse anel. —Ela traçou o contorno do túnel
circular para ele.
— Este é um enorme risco de segurança, —disse Lamar.
— Vocês realmente usam esses túneis para alguma coisa?
— Quem entrou nos túneis nem sempre voltou, —disse
Johanna.
Lamar virou-se para Elara.
— Ela disse que quem entrou nos túneis nem sempre
voltou.
— Por quê? —Perguntou Hugh.
Elara suspirou. Quem me dera saber.
— Não sabemos, —disse Savannah. — Não se
preocupem com isso. Podemos lidar com os túneis.
Hugh se inclinou para frente. — Aqui está como esse
ataque será. O ataque virá à noite.
— Como sabe disso? —Elara perguntou.
— Estou me preparando para lutar contra Nez há anos.
Ele é um mão-de-vaca. Um novo vampiro pode custá-lo até
cinquenta mil para produzi-lo. Ele tentará nos forçar a nos
rendermos, colocando muitos mortos-vivos de uma só vez.
Ligará para nós, nos ameaçará e fará uma demonstração de
força projetada para nos convencer a nos render. Quando
isso falhar, irá pressionar o castelo com sua tropa de frente.
Ele contará com o impacto psicológico dessa força e com
nossa consciência de que o sol está se pondo, e logo estará
escuro, e ficaremos indefesos. Se o fosso fizer seu trabalho,
podemos repelir esse ataque.
— Se? —Savannah levantou as sobrancelhas.
— Se, —disse Hugh. — Se o fosso não os segurar, ficará
feio. No entanto, é improvável que ele envie mais de
cinquenta vampiros na tropa de frente. Ele normalmente
tem disponível entre duzentos e trezentos vampiros ...
Elara assustou-se. — Trezentos vampiros. —Ela não
conseguia nem envolver sua cabeça com tantos mortos-
vivos.
— Sim? —Hugh perguntou.
— Nada. Continue.
— E como ele sabe que lutará contra os Cães de Ferro,
podemos contar que ele terá o máximo que puder de
vampiros disponível para o seu uso. Mas é altamente
improvável que Nez envie para cá mais de um quarto de
sua força. Cinquenta é um bom número redondo e ele gosta
de números redondos.
Hugh bateu no mapa de Baile. — Ele enviará a massa
de mortos-vivos diretamente para o portão da frente.
Mesmo se o fosso falhar, podemos lutar contra cinquenta
vampiros. Sangraremos, mas podemos vencê-los. Quando
esse ataque falhar, Nez fará algo barulhento e teatral. Ele
pode usar animais ou tirar alguns magos da manga.
Qualquer que seja a forma que essa nova ameaça assuma,
será projetada para manter nossa atenção focada na frente
e no centro. Enquanto isso, suas equipes, que estarão
cavando desde antes do início da luta, estarão invadindo os
túneis do castelo por baixo. Os vampiros são escavadores
rápidos, e ele pode trazer ajuda especializada para acelerar
as coisas. Enquanto estamos tentando adiar o que quer que
esteja nos atacando pela frente, os mortos-vivos entrarão
no castelo e nos massacrarão por trás.
Hugh encarou Savannah com seu olhar. — Então,
quando você diz que não se preocupe com os túneis,
preciso que tenha muita certeza.
— Eu vou cuidar disso, —disse Elara.
— Tudo bem, —disse Hugh.
Ela abriu a boca para discutir e percebeu que ele não
disse mais nada.
— Então está resolvido.
— Podemos atacar Nez diretamente? —Savannah
perguntou.
— Improvável, —disse Lamar. — Para coisas como
170
essas, Nez viaja em um comboio de Matadores . Um
Matador é um veículo blindado 8x8, com nove metros de
comprimento, três metros de altura e quase três metros de
171
largura. Tem um casco em V , o que significa que o nariz
e a inclinação do casco desviam projéteis.
Lamar segurou a mão esquerda na frente dele, palma
para cima e tocou as pontas dos dedos da mão direita,
formando um V de lado.
— Acomoda o motorista e um passageiro na frente e
pode transportar até dez pessoas na traseira. Blindagem de
nível quatro, assentos suspensos, piso de Mitigação por
172
Explosão , nele todo. Pode passar por valas de dois
metros de profundidade, atravessar um riacho de um metro
de profundidade, subir degraus e morros íngremes e pode
manobrar muito bem para um veículo do seu tamanho. Ele
funciona como um sonho durante a tecnologia, mas
também funciona durante a magia. Também pode ser
173
configurado para transportar um fuzil de precisão ou
uma balista, dependendo da sua preferência. Nez tem uma
frota deles.
— Nós costumávamos tê-los também, —disse Stoyan. —
Resumindo, os Matadores são inacessíveis a tudo o que
temos. Provavelmente, poderíamos jogar rochas sobre eles
e esmagá-los, mas não temos catapultas precisas o
suficiente para fazê-lo.
— Precisamos fazer algo sobre a abordagem do lado
nordeste, —disse Hugh. — Estamos perdendo uma arma de
cerco na torre da esquina. Requer peças especializadas.
— É uma questão de orçamento? —Perguntou Elara.
— Não, é um problema de disponibilidade, —disse Hugh.
— Mandamos fazer as peças em Lexington, —disse
Lamar. — Trocamos um pouco de prata que recuperamos
por essas peças. Não estarão prontas a tempo.
— Teremos que compensar com os arqueiros, —disse
Hugh.
— Podemos cavar algumas fortificações lá, —disse
Stoyan. — Isso pode desacelerar a Equipe de Limpeza, mas
não fará nada contra os vampiros.
— Nós poderíamos plantar ervas daninhas, —disse
Savannah.
Boa ideia. Elara virou-se para Johanna. — Quanto nós
temos?
— O suficiente, —Johanna sinalizou.
— Esta erva daninha pode conter um vampiro? —Bale
perguntou.
— Sim, se houver o suficiente, —disse Dugas.
— Onde vocês precisariam que fossem plantadas? —
Savannah se inclinou na direção do mapa.
O resto dos conselheiros se inclinou e Elara encontrou
os olhos de Hugh.
Trezentos vampiros.
Ele piscou para ela.
Por alguma razão, a piscadela aliviou o seu medo. Elara
revirou os olhos e se inclinou para frente e deu uma olhada
no mapa.

********
Elara olhou para a lista de famílias. Ao seu redor, o
pátio agitava-se com vida, pessoas indo e vindo, tentando
aproveitar o máximo que podiam da luz do entardecer. Eles
tinham ainda dois dias até o prazo final, mas decidiram
coletivamente que não poderiam confiar no prazo que Nez
havia estipulado, então resolveram trazer as pessoas para o
castelo, em etapas. Crianças com os seus cuidadores
primeiro, depois idosos, agora finalmente os adultos
saudáveis. Ela acomodou o primeiro grupo na ala esquerda,
agradecendo aos deuses por eles terem reformado o local
quando os Cães de Ferro se juntaram a eles. Depois que a
ala esquerda ficou cheia, colocaram o próximo grupo nos
prédios públicos atrás do castelo, depois no prédio da
capela, que haviam convertido em alojamentos. Baile
estava tão cheio que estava arrebentando.
— A capela está completamente cheia? —Ela perguntou.
— Quase, —Johanna sinalizou.
Elara suspirou, estudando a lista. — Vamos ter que
começar a colocar sacos de dormir no corredor da torre. No
segundo andar ... —Johanna tocou seu braço. Elara olhou
para cima. Serenity Helton caminhava em direção a elas,
alheia às pessoas que corriam ao seu redor, um olhar vazio
em seu rosto. O coração de Elara caiu. Ela correu para a
frente e agarrou as mãos de Serenity. — O que foi?
A vidente a encarou sem piscar. Seus lábios se
moveram, mas nenhum som saiu deles.
Johanna agarrou o braço de Elara. — Chegando! Agora!
— O que?
— Ela está dizendo 'eles estão vindo' repetidamente!
A ansiedade que prendeu Elara nos últimos dias
explodiu em uma corrida escaldante.
— Se apressem! —Ela sussurrou, enviando sua voz
através do castelo inteiro. — Eles estão chegando.
Depressa!
O povo se espalhou. Na aldeia, um sino tocou. Hugh
veio correndo, dobrando a esquina.
— Nez está chegando, —ela disse, apontando para
Serenity.
Ele olhou para a vidente e se afastou, gritando ordens.
Elara subiu os degraus até a muralha externa e depois para
o topo da torre. A partir daqui, podia ver a vila inteira. As
pessoas se moveram, correndo para o castelo.
Ela se virou para Johanna. — Encontre Madalena. Leve-a
para os túneis.
Johanna saiu correndo.
A vila se esvaziou quando as pessoas correram para
Baile.
Vamos lá, ela insistiu em sua cabeça. Vamos.
Os Cães de Ferro saíram do portão, formando uma linha
de proteção, protegendo os derradeiros. No topo da torre e
nas torres, as equipes de balistas e catapultas acionavam as
enormes armas de cerco. Ela ouviu cantos, quase em
uníssono, enquanto as equipes de artilharia acionavam as
bestas.
Os metamorfos saíram da floresta, correndo a toda
velocidade em direção ao castelo.
Os batedores de Hugh estavam chegando.
Segundos se arrastaram, ecoando as batidas do seu
coração. Vamos.
Criaturas saíram da floresta, como um rio maligno,
fluindo em riachos entre os troncos para inundar a grama.
Vampiros. Centenas e centenas de vampiros, manchados
com protetor solar em verde, azul e vermelho.
Os Cães de Ferro desembainharam suas armas.
Ela tentou desesperadamente identificar as pessoas que
corriam para os portões. Todos conseguiram entrar? Alguém
estava desaparecido? Não sabia dizer.
Os vampiros continuavam vindo, se alargando em forma
de lua crescente, misturando-se em uma massa
monstruosa, aterrorizante e fedorenta de magia que não
deveria existir. Eram muitos.
Hugh estava certo. Se eles não tivessem preparado todo
mundo, poderiam ter entrado em pânico. Até ela, com todo
o seu poder, tinha que lutar contra um calafrio. Em algumas
horas o sol iria se pôr e a horda monstruosa rolaria sobre o
castelo. Ao lado dela, Johanna apertou os dedos em punhos
e os relaxou novamente.
As últimas pessoas diminuíram a velocidade. Todo
mundo conseguiu? Ansiedade fervia nela. Tentou contar os
vampiros para manter sua mente focada. Três, cinco, oito,
dez ...
Hugh subiu as escadas correndo e se aproximou dela,
sua expressão dura.
— Você estava certo, —ela disse a ele.
— Este dia estava demorando muito, —disse Hugh.
Beth correu para a torre. — Há um telefonema para
você.
— É Nez?
— Sim senhora.
— Na hora, —disse Hugh. — Veja se pode irritá-lo. Ele
não pensa com clareza quando esta com raiva.
— Posso fazer isso.
— Ah, eu sei que você pode. Divirta-se, doçura.
Elara se virou e desceu as escadas, forçando-se a se
mover lentamente. Quanto mais ela demorasse a chegar ao
telefone, mais tempo ganharia. Finalmente, chegou ao
escritório da frente. Lamar e Dugas esperavam ao telefone.
Elara pegou o telefone. — Você está dois dias adiantado.
— Você tem se fortalecido, —disse Nez com precisão
clínica.
— Tínhamos um acordo. Você o quebrou. Se não pode
cumprir um prazo simples, que garantia pode oferecer para
honrar outros acordos?
— Estou lhe dando essa última chance de evitar
derramamento de sangue. Considere o destino do seu povo.
Considere a vida das crianças. Depois de atravessar as
muralhas, não posso garantir a segurança de ninguém.
— Você não está me ouvindo, —ela disse a ele. — Volte
e daqui a dois dias me procure. Esse foi o acordo que
fizemos e eu estou exigindo que cumpra a sua parte.
Um silêncio incrédulo encheu o telefone. Lamar sorriu.
— Vai se arrepender por isso, —disse Nez.
— Não, —ela disse a ele. — Mas você irá. Muito. Você
quer negociar comigo, mas claramente não é confiável.
— Realmente espera que eu me retire e volte em dois
dias?
— Sim.
— Não.
— Você tem autoridade para negociar, Landon?
— Eu tenho toda a autoridade.
— Parece-me que não. Eu sei que você negociou com
Hayville em Nebraska e depois a cidade foi totalmente
destruída.
A voz de Nez saiu cortada, cada palavra afiada. — Eu
não queimei Hayville. Seu marido fez.
— Precisamente. Não importa quais acordos você faz,
porque existe uma autoridade superior, acima de você que
realmente toma as decisões. Você é um servo, Landon. Um
moço de recados. Estamos defendendo nosso lar. Você está
apenas cumprindo ordens.
Dugas colocou a mão na boca.
— Eu nem estou brava com você, Landon. Entendo.
Todo mundo tem um trabalho que precisa fazer. Mas não
queira que eu perca mais meu tempo tentando negociar
com você. Você não tem poder para isso. Não é ninguém.
— Eu vou tomar o seu castelo, —disse Nez. A voz dele
enviou um calafrio pela espinha dela. — Vou rasgá-lo tijolo
por tijolo. Então farei você assistir enquanto eu
pessoalmente corto a garganta de todo homem, mulher e
criança que sobreviver ao ataque.
— Você sabe por que Hugh queimou Hayville? Porque
você não conseguiu cumprir o seu trabalho. Meu marido é
melhor que você.
— Você é uma vadia estúpida.
— E lá se vai a máscara da civilidade. Roland teve
apenas dois Senhores da Guerra, mas você é o vigésimo
terceiro Legatus da Legião Dourada. Sabe por quê? Porque
Hugh é amado por seus soldados, enquanto você é odiado
pelos Mestres dos Mortos. Todo homem sob o comando de
Hugh morreria por ele, enquanto as pessoas que servem a
você mal podem esperar para enfiar uma faca nas suas
costas.
— Vou garantir que você demore semanas para morrer.
— Hugh é o melhor Comandante, melhor lutador e
melhor homem. Você é o segundo melhor. Sempre será o
segundo melhor. Você é substituível. Um dia, um de seus
ajudantes o matará e tomará seu lugar, e Roland não
piscará os olhos, enquanto Hugh é único. Ah, e o pau dele
com certeza é maior que o seu.
Um sinal de desconexão interrompeu a chamada.
Lamar bateu palmas e curvou-se.
Elara largou o telefone de volta no lugar e voltou-se
para a parede. Havia muita gente entre ela e a torre em
busca de abrigo, então correu, atravessou o pátio, subiu as
escadas e voltou para o topo da torre, onde Hugh esperava.
Toda a clareira antes da linha das árvores estava cheia de
mortos-vivos.
— Como foi? —Perguntou Hugh.
— Ele está espumando pela boca.
— Essa é minha garota. —Ele sorriu para ela.
O último dos retardatários atravessou os portões. Os
Cães de Ferro o seguiram, e a enorme ponte levadiça se
ergueu, bloqueando a entrada.
Um grupo de vampiros disparou da massa principal de
mortos-vivos e se abaixaram, revelando duas pessoas
amarradas a cruzes, nuas da cintura para cima. A da
esquerda, uma mulher, usava os restos pretos de um
uniforme dos Cães de Ferro. O da direita debruçado, os
cabelos grisalhos e encaracolados manchados de sangue.
Oscar.
Ah não.

********
Elara realmente enfureceu Nez.
Normalmente, Nez teria segurado os reféns, esperando
para ver se ele poderia usá-los como fichas de barganha no
momento certo, mas, em vez disso, os arrastou à vista de
todos, cego de raiva pela necessidade de revidar. O que
quer que ela tenha dito, Nez queria puni-la por isso.
A solitária Cão de Ferro na cruz encarava os vampiros.
Irina. Ela estava no extremo sul da comunidade, vigiando os
fundos. Isso significava que a equipe de escavação
provavelmente a agarrou. Nez estaria cavando no Sudoeste.
Fúria ferveu dentro de Hugh. Ele odiava perder Irina,
odiava que sua vida tivesse acabado, odiava que Nez fosse
quem a pegara. Se ao menos ele pudesse pôr as mãos
naquele bastardo. Hugh olhou para a floresta atrás dos
mortos-vivos. Nez estava lá fora em algum lugar, bebendo
café em seu Matador.
Nenhum da equipe de observação também havia
conseguido escapar. Ele viu os batedores das equipes leste
e oeste, mas nenhum do Norte. Isso significava que
ninguém sobreviveu.
Ao lado dele, Elara ficou completamente imóvel. Os
olhos dela se estreitaram, medindo a distância entre ela e o
velho homem na cruz. Ela estava pensando em correr pelo
campo. Ele colocou a mão no ombro dela, ancorando-a no
lugar.
— Não.
Ela o ignorou.
— Elara!
Ela se virou para olhá-lo, e um golpe gelado o
atravessou. Os olhos dela eram de um branco puro.
— São muitos e muito longe, —ele disse a ela.
— Eu sei, —ela resmungou.
A voz de Savannah cortou o barulho do pátio atrás
deles. — Para as muralhas! Venham para as muralhas!
Ao redor deles, os aldeões correram para a parede,
subindo as escadas.
Homens, mulheres, pais levantando crianças pequenas
sobre os ombros, alinharam-se como se fossem um desfile,
observando as duas pessoas na cruz. Aqueles que não se
encaixaram correram para a fortaleza e saíram para as
ameias e varandas. Mais ainda esperavam no pátio.
— Não desviem o olhar, —Savannah gritou.
— Vocês devem testemunhar e lembrar, —Dugas gritou
do outro lado.
Os Desertores ficaram quietos e em silêncio. Os cabelos
na nuca de Hugh se arrepiaram. Havia algo de antinatural
na maneira como encaravam, julgando o mortos-vivos
abaixo.
O vampiro sentado ao lado do homem mais velho deu
um pulo. Garras de foice brilharam e o rasgaram do esterno
até a cintura. Entranhas saíram, penduradas em seu corpo
em guirlandas grotescas. O homem gritou, um breve som
gutural. Elara não moveu um músculo.
Nenhum som veio das muralhas. Eles olhavam
exatamente como ela, prestando testemunho silencioso.
— Não desviem o olhar, —Savannah disse no silêncio.
— Assistam e lembrem-se, —ecoou Dugas.
O velho gritou e gritou.
Um segundo vampiro rasgou o estômago da Cão de
Ferro, derramando suas entranhas.
Irina uivou. Foi o uivo longo e ululante que os Cães de
Ferro faziam quando cavalgavam em batalha. Um coro de
uivos respondeu de dentro do castelo, os Cães
reconhecendo um dos seus.
Hugh se virou para Yvonne no topo da torre do portão
oeste. Seus olhares se conectaram. A Comandante de tiro
com arco se voltou. Duas flechas de besta rasgaram o ar,
brilhando com magia. A primeiro acertou Oscar na garganta.
A segunda afundou no peito da Cão de Ferro. As flechas
enfeitiçadas zumbiram e explodiram. Duas pessoas
próximas a Yvonne abaixaram a besta. Um deles, magro e
baixo, olhou para ele, e Hugh reconheceu Alex Tong.
A muralha ficou em silêncio.
— O nome dele é Landon Nez, —disse Elara, sua voz
serpenteando através da multidão.
Um canto surgiu dos aldeões.
— Landon Nez.
— Landon Nez.
Emoção jorrou de mil gargantas, indignação e raiva se
fundiram em uma mistura furiosa. Até as crianças
cantaram. Hugh viu Stoyan em outra torre, olhando em
volta de olhos arregalados.
— Nós somos um, —Elara sussurrou ao lado dele. —
Nós somos os Desertores.
Ele sentiu algo surgir do canto coletivo, algo cruel,
furioso e inimaginavelmente antigo.
— Landon Nez.
Um brilho se reuniu acima da multidão, como se o ar ao
longo das muralhas tivesse subitamente esquentado. O
brilho quente o roçou. Uivos fantasmagóricos ecoaram em
sua cabeça e explodiram em um rosnado primitivo e
selvagem. Ele recuou por instinto.
— LANDON NEZ.
A coisa invisível que o povo de Elara libertou atravessou
as muralhas e se lançou para as árvores dos limites da
floresta. As árvores estremeceram, como se agarradas por
uma mão invisível. Pássaros dispararam para fora da
floresta, gritando. Algo bateu, metal guinchou e uma sirene
tocou. Ele reconheceu o som da sirene, pertencia ao
transporte de tropas blindadas da Nação.
Ao lado dele, Elara estava de pé, cerrando os dentes.
Certo. Foco nas prioridades. Ele venceria essa batalha e
descobriria o que diabos Elara era e no que ele e seu povo
haviam se metido.
— Você o pegou? —Ele perguntou.
— Não, —disse ela, sua expressão dura. — Mas nós
sacudimos a gaiola dele.
No campo abaixo, os vampiros ficaram completamente
imóveis. Protocolo padrão, enquanto os Navegadores
aguardavam ordens. Eles só tinham alguns minutos antes
de Nez se recuperar do ataque surpresa de Elara.
Uma retaliação estava chegando.

********
— Todos sem uniforme fora das muralhas! —Hugh
rugiu.
A explosão do som de sua voz a pegou de surpresa e
Elara estremeceu. Os aldeões se dispersaram, descendo as
escadas.
— Vocês sabem o que fazer! —Elara gritou. — Para seus
lugares!
No pátio, Savannah e Dugas levaram pessoas para os
prédios. Ao lado de Hugh, Sam colocou a boca no shofar e
tocou uma nota aguda.
Os Cães de Ferro assumiram posições nas muralhas,
lutando contra a corrente de seu povo.
— Artilharia, atirem à vontade, —ordenou Hugh.
Sam tocou uma nova nota, uma dura chamada de
guerra. As balistas rangeram, as cordas dos arcos enormes
tremeram e flechas enfeitiçadas zuniram rasgando o ar.
Uma dupla de mortos-vivos estremeceu, subitamente
empalados. A maioria tinha se esquivado, mas as pontas
das flechas verde esmeralda explodiram com magia,
jogando terra, pedras e corpos esqueléticos.
A onda de vampiros alcançou a clareira, mas dezenas
de mortos-vivos ainda saíam das árvores e continuavam
subindo em direção a Baile. O medo atravessou a nuca de
Elara.
Havia mais de cinquenta. Tinha que haver.
Uma das Cães de Ferro no topo da torre do portão se
virou. Hanzi tinha o rosto coberto com desenhos em tinta
azul. Ela moveu, flexível e fluida como a água, e descansou
em um pé, todo o peso na perna dobrada para trás, a perna
direita dobrada à sua frente em ângulo, os dedos dos pés
mal tocando o chão. O braço direito esticado para o céu, a
mão na horizontal, como se estivesse tentando pressioná-lo
contra as nuvens. O braço esquerdo, dobrado no cotovelo,
protegia o peito.
A catapulta maciça no topo do castelo choramingou.
Uma rocha do tamanho de um carro pequeno passou por
cima de suas cabeças. Os mortos-vivos se espalharam,
fazendo um buraco em suas fileiras.
A rocha bateu neles.
A Hanzi se moveu, rápida como um chicote, estalando
em uma nova pose e proferiu uma única palavra. A pedra
pulsou em laranja e explodiu. Estilhaços de rocha atingiram
os mortos-vivos. Alguns caíram, mas outros estavam
chegando, rápidos, avançando como lagartos feios e
retorcidos.
A balista cuspiu mais flechas. O ar cheirava a fumaça de
feitiços, crepitando com energia mágica gasta. Parecia que
ela estava presa em uma tempestade de magia feita de
explosões, gritos e chifres de guerra. Exortou-a a fazer algo,
correr, gritar, matar. Ela olhou para Hugh. Ele ficou ao lado
dela, imóvel como uma pedra, com o rosto quase relaxado.
— Arqueiros, atirem à vontade.
A buzina uivou.
A primeira linha de vampiros pulou no fosso e afundou.
Um a um, eles mergulharam, desaparecendo na água,
enquanto os arqueiros os atacam com chuvas de flechas.
Ela se inclinou contra o parapeito para ver melhor. Tudo
dependia deste momento.
Nada. Apenas água tranquila.
Hugh se inclinou para frente, sua expressão impassível.
Uma pitada de vermelho escuro flutuou para a
superfície das profundezas do fosso. A água ferveu e a cor
desapareceu.
Segundos se passaram, lentos e viscosos.
Um
Dois.
Cinco.
Dez.
Ela lutou consigo mesma para ficar parada.
Quinze.
A água na borda interna do fosso rodopiou. Um vampiro
surgiu. Ele se arrastou para frente, seus movimentos lentos,
esticou seu longo braço esquelético, enganchou suas garras
na parede e se levantou. Ela o viu subir devagar em um
esforço prolongado. Estava quase diretamente debaixo dela
agora.
Elara se afastou.
O morto-vivo se lançou sobre o muro para a torre.
Aterrissaram pesadamente nas pedras. A carne em sua
estrutura cedeu, como se tivesse ficado líquida sob a pele.
Funcionou. Realmente, funcionou.
O vampiro balançou.
Hugh deu um passo à frente, puxando a espada e
golpeando em um único movimento explosivo. A lâmina
preta cortou o torso do vampiro, dividindo-o em dois. Um
fluido preto e fedorento jorrou na parede. A metade superior
do morto-vivo caiu no fosso novamente.
Hugh agarrou a metade inferior pela perna e o jogou por
cima do muro. Um respingo se seguiu.
Ela contornou a poça escura e olhou por cima do muro.
Ao longo do fosso, os vampiros cambaleavam para a
parede, lentos e trêmulos. Alguns se moviam mais rápido,
outros mais lentos.
Faíscas vermelho sangue dispararam das árvores, uma
chuva de meteoritos, saindo do chão e indo para o céu, na
direção deles.
Hugh agarrou a mão dela e a puxou para baixo,
cobrindo-a com o corpo. Um projetil vermelho gritou pelo ar,
aterrissou no pátio e explodiu. As paredes de Baile
estremeceram. Fogo vermelho espirrou na parede à
esquerda deles e um Cão de Ferro desapareceu no brilho
com um grito agudo. Ao redor deles, os projeteis mágicos
caíram com um zunido agudo, colidindo contra as pedras de
Baile.
Elara encostou-se na parede, tentando se tornar menor.
Hugh sorriu para ela. — Diversão!
O homem era um maníaco. Ela se casara com um
lunático delirante.
Um berro profundo sacudiu o castelo, como se algum
deus tocasse uma enorme trombeta.
Hugh levantou a cabeça e ela se contorceu debaixo
dele, tentando ver.
As árvores estalaram, se separando. Algo serpenteava
entre as copas, uma coisa longa e escura que balançava e
enrolava. A coisa pegou uma árvore e a arrancou do chão,
virando-a de lado. Chuvas de terra choveram da raiz. A
árvore voou para o lado e através da abertura Elara viu uma
escuridão em movimento. Inclinava-se para a esquerda e
depois para a direita, ainda escondida pela floresta. Troncos
de um metro e meio de largura estalavam como palitos de
dente e tombavam de lado, carregando galhos com eles,
dando lugar a algo impossivelmente grande. Uma cabeça
brusca emergiu, nivelada com o topo das copas das árvores,
em cima da cabeça uma rede trançada de cordas douradas,
cada corda tão grossa quanto o pulso dela. Havia uma joia
azul brilhante cravada na pele no meio da testa, onde a
ponta da rede tocava. Mais duas cabeças se juntaram a ela
e uma criatura surgiu ao ar livre. Tinha três cabeças, cada
uma ladeada por orelhas largas. Seis presas de marfim
estavam apontadas para no ar, cada uma grande o
suficiente para empalar e carregar um caminhão. Seu couro
era preto, como se tivesse engolido a luz do sol da tarde.
Erawan.
O elefante colossal deu um passo à frente. A cabine
blindada montada em cima do pescoço do elefante
balançou. Uma enorme corrente estava enrolada em torno
de suas patas. O chão tremeu. Raios corriam ao longo da
pele de Erawan, crepitando em rajadas de azul elétrico e, a
cada explosão desses raios, Elara viu longas cicatrizes
brancas cruzando a pele do elefante.
Pessoas armadas emergiram da floresta, pareciam
formigas ao lado de um gigante e correram em direção ao
castelo. Acima dele, uma nuvem pesada de tempestade
embolia, grande o suficiente para cobrir a colina. A nuvem
terminava abruptamente e, além dele, o céu era o azul claro
e bonito do início da noite.
— Elara, —chamou Hugh.
Ela sentiu a mente de Erawan, escura e turbulenta como
aquela nuvem de tempestade. Isso a chamou.
— Elara!
Ela estendeu a mão e roçou a borda da tempestade com
um fio de seu poder. A agonia explodiu em sua mente,
imagens explodindo uma após a outra: sangue nas presas,
corpos sob as patas, bramidos de trombas, carnes e ossos
desmoronando sob o imenso peso, cabeças derrubando
muralhas e emergindo em nuvens de poeira de concreto,
sangue e chuva, edifícios, destruídos e desmoronados,
pessoas jogadas e pisoteadas, dor, correntes e sangue, o
fedor, a sensação, o vermelho vívido do sangue humano.
— Doçura! —Hugh rosnou em seu ouvido.
Ela estremeceu, quebrando o contato com a nuvem e
colocou a mão na boca. O horror disso a manchava.
Hugh agarrou seu ombro, virando-a em sua direção. —
Essa é uma grande distração. Nez vai nos atacar com tudo
que ele tem. Ele não teria trazido esses animais se a equipe
de vampiros escavadores não estivesse invadindo. Preciso
de você nos túneis.
— Ele é divino.
— O que?
— Erawan. Ele é divino.
— Sim, eu sei. Túneis, Elara.
— Você não pode matá-lo.
Hugh deu um tapinha no ombro dela. — Claro que eu
posso. Posso e vou.
— Não! —Ela agarrou a mão dele, desesperada. — Ele é
escravizado. Está sofrendo. Não pode matá-lo.
Ele olhou para ela. — Elara, você está me deixando em
uma situação difícil. É um elefante gigante, que vai derrubar
nossas paredes em cerca de cinco minutos.
— Não é culpa dele!
Hugh fechou os olhos por um longo momento.
— Prometa que não o matará. Prometa-me, Hugh, e eu
irei para os túneis. Por favor!
Hugh abriu os olhos, apertou o punho, abriu e disse: —
Tudo bem.
— Prometa-me.
— Eu prometo, —ele resmungou. — Agora, por favor, vá
para túneis.
Ela desceu a escada correndo. Atrás dela, Hugh rugiu. —
Encontre Dugas! Traga-me essa droga de druida!

********
Elara apressou-se pelas escadas. A escada de pedra
sinuosa curvava-se cada vez mais e mais, e finalmente
chegou ao fim em uma pesada porta de madeira e metal.
Estava bem aberta. Elara passou por ela. Uma câmara
redonda esperava, paredes e chão de pedra. Tochas e
lanternas brilhavam na parede, inundando o espaço com
tanta luz que envergonharia lâmpadas elétricas. Quatro
portas em arco perfuravam a parede em intervalos
regulares, levando da câmara para um corredor circular que
circundava a câmara em um semicírculo.
No meio do chão, uma loira de doze anos estava
sentada de pernas cruzadas, segurando um ursinho de
pelúcia. Johanna estava ao lado dela.
Elara se juntou a elas. — Qualquer coisa?
— Três grupos. —Madalena levantou três dedos. — Um
aqui. —Ela apontou diretamente para a frente. — Um ali. —
O dedo se moveu um pouco para a direita. — E um lá. —
Acima delas, algo bateu. Elara olhou para cima.
— O que está acontecendo? —Johanna sinalizou.
— Elefante, —sinalizou Elara e se agachou perto de
Madalena. — A que distância eles estão, querida?
Madalena abraçou o urso, concentrando-se. — Se
aproximando. Eles são rápidos. Muito rápidos.
Vampiros. Tinha que ser. Matar vampiros exigia um
esforço. Não era tão fácil quanto arrancar uma alma
humana. Poderia matar mrogs com um simples toque, mas
com os mortos-vivos teriam que se concentrar. Elara
respirou fundo. Nunca precisou matá-los em grande
quantidade.
Outro baque. Uma nuvem de poeira quebrou no teto.
— Eles invadiram um corredor, —disse Madalena. —
Ainda estão longe, mas estão chegando mais rápido agora.
Lá. —Ela apontou para a extrema direita.
Elara olhou para Johanna. — Leve-a para fora e tranque
a porta.
Johanna balançou a cabeça. — Não.
— Sim. Podemos precisar do seu poder. Se eles
passarem por mim, você é a última linha de defesa.
— Eu não quero.
— Johanna, nada hoje tem algo a ver com querer. Seu
poder é vital. Vamos usá-lo apenas como último recurso. —
Vá, —ela disse, enfatizando. Passos rápidos ecoaram pelas
escadas atrás delas. Bale correu para a câmara, carregando
sua clava. Quatro cães de ferro o seguiram dois homens e
duas mulheres. O melhor dos berserkers.
— O que está fazendo aqui? —Elara perguntou.
— Nós somos o seu apoio, —disse Bale.
Hugh enviou apoio.
— Vão embora, —disse ela.
— Desculpe, senhora, não podemos fazer isso. Vamos
obedecer às suas ordens, mas temos que ficar, —disse Bale.
— O que você teme, Bale? —Ela perguntou.
— Nada, —ele disse.
— Você irá temer depois de hoje, —disse ela.
O berserker agarrou sua clava. — Temos ordens.
— O que ele disse? —Johanna perguntou.
— Hugh o enviou para me proteger.
— Eles estão vindo, —disse Madalena. — Estão perto.
— Leve-a, agora, —Elara sinalizou para Johanna. —
Trave a porta. Faça isso por mim. Por favor.
A bruxa pegou Madalena pela mão e a levou para fora.
A porta se fechou e a barra de metal pesada bateu no lugar.
— Fiquem contra a parede, —disse Elara. — Não se
mexam. Não falem.
Bale abriu a boca.
— Meu marido disse para vocês obedecerem às minhas
ordens. Obedeçam.
Os Cães de Ferro espremeram-se contra a parede dos
dois lados da porta. Elara se endireitou. Sua magia se
desenrolou dentro dela.
O primeiro vampiro correu para o lado atrás da porta,
uma sombra grotesca, silenciosa como um fantasma.
Ela puxou a pulseira do pulso esquerdo e a deixou cair
no chão. O metal às vezes interferia.
Mais mortos-vivos se amontoaram no corredor.
Os dedos dela pararam sobre o anel de casamento. Ela
agarrou, tirou e estendeu para Bale. O berserker estendeu a
palma da mão. Elara deixou cair o anel nela.
— Mantenha-o seguro para mim.
— Sim, senhora.
O vampiro líder deu um passo à frente. Sua boca ficou
aberta e uma voz masculina precisa surgiu. — Não há
necessidade de derramamento de sangue sem sentido.
Somos em maior número.
Elara sabia o que eles estavam pensando sobre ela
agora. Uma mulher humana, sozinha, vestida de branco,
não particularmente grande ou imponente. Um alvo fácil.
— Solte-os. —Elara puxou o fecho de metal do cabelo e
os fios caíram sobre os ombros. — Solte-os e salvem suas
mentes.
— Equipe três, —disse o vampiro. — Ataque o inimigo.
Elara puxou sua magia e socou o chão com ela,
encharcando a câmara com seu poder. Tentáculos de
fumaça etérea ondularam nas pedras, brilhando em branco.
As paredes tremeram. A bainha de seu vestido branco
desmanchou-se, fundindo-se nos tentáculos de magia,
enquanto reconhecia e recebia o antigo poder, tão antigo
que nem mesmo os humanos o nomearam.
Fazia parte dela. Mas nunca se deixou fazer parte disso.
O primeiro morto-vivo se lançou contra ela. Elara o
pegou no meio do salto. Ficou ali, com a sua mão na
garganta do vampiro, o Navegador atordoado. Então ela
abriu a boca e mostrou seus dentes reais, e o humano atrás
da mente do vampiro gritou, o eco de sua voz saindo da
garganta do morto-vivo.

********
A bola vermelha de fogo enfeitiçado espirrou
sobre o muro da fortaleza e explodiu, chiando. Hugh
estendeu as mãos, canalizando a magia para o segundo dos
quatro corpos à sua frente. O brilho azul banhava o Cão de
Ferro mais próximo. Ken Gamble, respirando
desesperadamente, sua pele escura cheia de bolhas e
destroçada.
Queimaduras de terceiro grau—pescoço posterior, parte
superior das costas, parte superior esquerda do tórax, parte
inferior das costas esquerda e lado dorsal das extremidades
superior e inferior ... Ele afundou a magia, reparando os
tecidos destruídos.
Nez havia retomado o bombardeio. O tamanho de
Erawan atrapalhou um pouco a balista colocada em cima de
seus Matadores, mas as tropas de Nez devem se espalhar
para atirar ao seu redor. O elefante estava se movendo a
passos largos. Nez estava tentando ganhar tempo.
Elara lidaria com os vampiros nos túneis. Bale ajudaria.
Hugh havia perdido as armas e metade da tripulação na
torre norte. A outra metade gemia no chão na frente dele.
Outro aglomerado de explosões afogou as torres do
portão. Hugh esticou o pescoço para verificar a artilharia. As
duas catapultas ainda sobreviveram.
A respiração do Cão de Ferro se estabilizou, enquanto
sua pele caía, revelando uma nova camada saudável. Hugh
passou a curar Iris, que era a próxima na fila. Ken se
levantou.
— Reforce as equipes do portão, —disse Hugh.
O Cão de Ferro se levantou, pegou sua espada e partiu
para o portão.
Queimaduras de segundo grau—rosto, pescoço, parte
superior do peito ...
Seu braço ‘zumbiu’, a magia vibrando através dele.
Hugh apertou o punho para bombear o sangue e se
concentrou na cura.
Outra explosão. Dugas correu ao longo da parede e caiu
ao lado de Hugh.
— Onde você quer isso?
— Nas paredes, do outro lado de onde ele vai nos
atingir.
— Algumas dessas são venenosas.
— Não importa.
Dugas assentiu e acenou com o braço. As pessoas
corriam ao longo da parede, carregando caixas e sacolas
plásticas. O chão tremeu. Erawan estava perto.
Iris se levantou. Ele agarrou os dois Cães de Ferro
restantes pelos ombros, derramando a magia, curando em
correntes gêmeas.
A tromba do elefante baliu através das explosões. Eles
não tinham mais tempo.

********
Elara deixou cair o último morto-vivo no chão e
olhou para a escuridão da porta diretamente à sua frente.
As duas primeiras equipes de vampiros escavadores
estavam mortas no chão.
Algo estava vindo.
Algo diferente.
— Não se mexam, —ela sussurrou.
Os cinco Cães de Ferro estavam completamente
imóveis.
Uma sombra se moveu na escuridão, mais escura que o
resto. Um som seco de estalo passou pelos túneis.
Elara serpenteava como uma cobra, flutuando de um
lado para outro, sua magia esperando no chão. Ainda era
forte, ainda potente, mas estava ficando cansada.
Claque.
Claque, claque.
Mais e mais perto.
Ramm.
Claque, claque.
Ramm.
Claque.
Parou.
Algo esperava.
Ela poderia esperar também. Tinha toda a paciência do
mundo.
As tochas cintilaram. Magia sussurrou através da
câmara. Ela viu algo, um monte de escuridão arrastando
fumaça, apagando uma tocha por vez. As lanternas
piscaram e escureceram.
No escuro, moveu-se.
Elara sorriu e riu baixinho, magia pingando de sua voz.
— Acha que eu tenho medo da escuridão? Eu nasci nela.
A magia de Elara disparou contra as paredes. As
lanternas brilharam com pura luz branca.
Uma criatura alta e escura estava na câmara. Usava
uma túnica velha, preta e rasgada, com muitas camadas
manchadas de podridão e graxa. O cheiro de carniça poluiu
o ar.
Seus cabelos eram longos e pretos. Dois chifres
torcidos, cobertos de sangue velho, curvavam-se da cabeça,
174
como os de um bisonte , mas giravam para curvar-se e
apontar para a frente. Sua pele era marrom de um cadáver
mumificado. Alguém tinha cortado o rosto e as cicatrizes
haviam sarado retorcidas, deformando a pele. Sua boca era
um corte largo e sem lábios. Uma faixa de tinta amarela
atravessava seus olhos. Eles eram escuros e opacos, os
olhos de um cadáver injetados com tinta cinza, exceto as
íris. As minúsculas pupilas brancas eram rodeadas de anéis
pretos e de um azul claro brilhante.
Parecia velho. O humano havia morrido há muito tempo.
Seu corpo era apenas um vaso agora, para algo escuro e
antigo.
Ele levantou a mão, mostrando os longos cordões
pendurados em seus dedos esqueléticos, cada cordão
sustentando ossos humanos. Moveu os dedos com garras.
Os ossos colidiam um com o outro.
Claque. Claque-claque.
Duas bestas trotaram para fora da escuridão, suas
longas garras raspando o chão. Se moviam de quatro,
esqueléticos como vampiros, com todos os ossos saindo,
mas onde os mortos-vivos eram sem pêlos, esses estavam
cobertos de pêlos escuros. Alguém tinha raspado desenhos
em seus couros e os traçado com a mesma tinta amarela.
Grandes orelhas de lobo se projetavam de seus crânios.
Suas cabeças eram longas demais, as mandíbulas salientes
demais, como se alguém tivesse enfiado o crânio de um
cavalo em uma cabeça humana e tentado esticar a pele
sobre ela, mas não conseguiu. Sem lábios, sem nariz, suas
narinas dois orifícios entre as duas cristas de osso exposto
que corriam ao longo do centro de seus crânios, as criaturas
a encaravam com olhos brancos.
Ensinamentos de muito tempo atrás surgiram na
memória de Elara. Ela já havia lido sobre isso antes. Ah sim.
Isso fazia sentido.
— Eu sei quem é você, —disse Elara. — Você foi um
xamã. Curava doentes e falava com os espíritos.
A criatura olhou para ela.
— Mas então Nez o levou. Torturou você e o obrigou a
fazer coisas más. Então, quando você morreu, ele usou seu
corpo corrompido para receber algo que saiu da escuridão
profunda. Algo possuiu o seu corpo. Você é um
175
skudakumooch . Uma bruxa fantasma.
A criatura não se mexeu.
— Agora você pertence a uma antiga magia. —Elara
arreganhou os dentes. — Mas este é o meu castelo. Há
espaço apenas para um monstro antigo aqui. E você não é
bem-vindo.
Os animais gêmeos se lançaram contra ela. Elara
atacou o da esquerda com sua magia, tentando arrancar o
poder dele. Os símbolos amarelos brilhavam com a luz. Os
poderes dela não funcionaram.
A fera apertou as mandíbulas em seu pulso, a outra fera
prendeu o seu antebraço. Os dentes perfuraram sua pele,
tirando sangue. A agonia subiu nos braços, queimando. Os
animais esticaram seus braços, prendendo-a. O pânico
atingiu Elara, empurrando-a diretamente para a parte oculta
de si mesma, onde o iceberg de seu poder esperava,
trancado. Tudo o que ela precisava fazer era alcançá-lo.
Não. Ela rangeu os dentes. Não.
A bruxa fantasma a atingiu, tentando abrir a garganta
de Elara com as garras. Elara tirou a magia de si mesma e a
vomitou no rosto da bruxa. O skudakumooch gritou,
cambaleando de volta.
Precisava de suas mãos, mas os animais estavam
mastigando sua carne em pedaços.
O skudakumooch se lançou de novo. Elara cuspiu outra
torrente de poder. O skudakumooch recuou.
Bale berrou como um rinoceronte enfurecido e esmagou
sua clava no crânio da fera da direita. Osso rachou. Bale
bateu de novo e de novo com a sua clava em um frenesi. As
presas da fera a soltaram. A fera girou em direção a Bale.
Elara se inclinou e enfiou a mão na boca da fera. Seus
dedos se fecharam sobre a língua podre e ela socou seu
poder na garganta do animal. A magia de Elara encontrou a
semente escura e viscosa que dava a vida a fera, a engoliu
e a quebrou entre os dentes.
A fera cedeu e desabou, subitamente desossada. Seu
corpo se desfez, pedaços de sua carne caindo.
Elara girou e enfiou os dedos nos olhos do outro animal.
Puxou e os olhos da criatura vieram nas pontas dos seus
dedos. Sua magia perfurou a fera, matando-a. O
skudakumooch rosnou, mordendo o ar com presas
vermelho-sangue do tamanho dos dedos de Elara. Uma
nuvem de escuridão jorrou, cheia de dentes e garras
fantasmagóricas. A fumaça envolveu Elara. Sua pele ganhou
vida com a dor, como se o ar tivesse se transformado em
um turbilhão de cacos de vidro. Ela trancou as mãos na
garganta da bruxa fantasma, rasgando-a.
A criatura resistiu. Elara sentiu a coisa dentro do corpo,
que um dia foi humano, se contorcer. Era antigo e poderoso,
mas ela era mais forte, e forçou, afundando suas garras na
carne, perfurando-a com sua magia, repetidas vezes. Toda a
sua magia fluía do chão para o skudakumooch. Os
tentáculos brancos brilhantes envolveram a bruxa
fantasma, sufocando-a. Elara abriu a boca, sabendo que
suas mandíbulas estavam muito escancaradas enquanto
tentava envolver a cabeça do skudakumooch.
A escuridão saiu pelas costas da bruxa fantasma. O
cadáver esvaziou nas mãos de Elara como um saco vazio. A
escuridão estremeceu, presas, dentes, chifres girando ao
redor dela e desapareceu.
As tochas e as lanternas voltaram.
A mandíbula de Elara voltou ao lugar. Ela largou o
cadáver e estendeu a mão. — Meu anel de casamento, por
favor, Bale.
Bale pegou a aliança e a colocou na palma da sua mão.
Os dedos dele tremiam.
Elara colocou o anel. Pronto.
Um som profundo de explosão veio do alto, abafado
pela pedra, mas ainda claramente reconhecível, o grito de
Erawan. Elara girou e correu para a porta.

********
Hugh estava nas muralhas, exposto com um grande
alvo. O maldito elefante era tão grande que bloqueava a luz.
Atrás de Erawan, a Equipe de Limpeza tentava arrastar as
árvores que derrubara para atravessar o fosso. Já estava na
hora de Nez pensar com a cabeça.
Ao longo da muralha, os Cães de Ferro agachavam-se
ao lado de bolsas e caixas, o pessoal de Elara imprensado
entre eles.
— Acha que isso vai funcionar? —Dugas perguntou ao
lado dele.
— Ela não me deixa matá-lo, —Hugh resmungou. — Isso
é tudo o que posso fazer.
Erawan deu um passo ponderoso à frente. Um raio saiu
de seus lados. Apenas algumas dezenas de metros o
separavam do fosso. Os olhos do elefante encararam Hugh,
cheios de dor e loucura. Erawan o viu e estava indo direto
para ele. — Tire seu pessoal daqui, —disse Hugh a Dugas.
— Com sua permissão, acho melhor ficarmos. Somos
melhores nesse tipo de coisa do que você.
— Se isso não funcionar, todo esse muro vai cair.
Dugas abriu os braços. — Vida, morte. Tudo parte da
existência.
Erawan deu outro passo. O castelo tremeu. Ondas
pulsavam pelo fosso.
Não entre no fosso, Hugh rezou em silêncio. Não pise
nessa porra. O concreto não aguentará tanto peso.
Erawan berrou. Hugh colocou as mãos nos ouvidos. O
lamento do elefante torturado sacudiu o castelo. O vento
rasgou suas roupas. O uivo morreu e Hugh gritou no
silêncio. — Esperem!
Os Cães de Ferro pararam.
O elefante colossal deu outro passo, ficando um pouco
abaixo da água. Hugh não podia ver nada agora, nem
floresta, nem campos, apenas as três cabeças enormes de
Erawan e a cabine encaixada no pescoço do animal. Em
algum lugar lá dentro, a Mestre das Bestas cavalgava.
Retire a Mestre e neutralizará o animal.
Aguarde Halliday. Apenas aguarde.
A joia na cabeça de Erawan pulsou em vermelho. O
elefante colossal gritou e se inclinou para frente. De
repente, os olhos enfurecidos estavam apenas  alguns
metros de distância.
A respiração prendeu na garganta de Hugh. O medo
correu através dele. Ele engoliu e gritou: — Agora!
Os Cães de Ferro e o pessoal de Elara abriram as
sacolas e os caixotes e jogaram o conteúdo na direção de
Erawan. Choveu flores nas muralhas de Baile. Os humanos
caíram de joelhos, esticando as mãos diante do elefante.
Hugh pegou dois punhados das flores e curvou-se, as mãos
estendidas diante dele.
— Erawan! —Hugh chamou. — Monte de Indra, Rei de
todos os elefantes, aquele que liga as nuvens do céu a
terra, aquele que vem do submundo e traz consigo a chuva.
Nos curvamos diante de ti. Por favor, aceite nossa oferta.
Ele se preparou para o chicote da enorme tromba.
Erawan ficou parado.
Hugh prendeu a respiração.
O elefante colossal estendeu a tromba principal e varreu
os sacos de flores, enrolando a tromba delicadamente nas
flores, como se fossem tesouros inestimáveis.
A joia faiscou em vermelho. Erawan gritou. A força de
seu grito quase derrubou Hugh do muro. Ele agarrou a
parede e se segurou. Acima dele, o sangue jorrou de
debaixo da cabine blindada, correndo sobre o crânio de
Erawan.
Lágrimas encheram os olhos do elefante. Mas Erawan
não se mexeu.
Hugh se endireitou. — Deixe-me ajudá-lo! Senhor das
Nuvens, deixe-me ajudar!
Os olhos de Erawan focaram nele. O elefante divino
abaixou a cabeça central, desenrolando a tromba.
Agora ou nunca. Hugh pulou na tromba. A terra se
moveu embaixo dele e o elefante o levantou. Hugh correu
da testa do elefante em direção a cabine. As Proteções
pulsaram. A cadela havia protegido a cabine. Querida, você
precisará de mais do que isso.
Hugh respirou fundo. — Habbassu! —Quebrar.
A Palavra de Poder quebrou o feitiço das Proteções. A
cabine se abriu. Halliday pulou para fora, um fino cajado
com uma joia no topo em uma mão e uma espada curva na
176
outra. Ela girou como um dervixe e o atacou. Ele jogou a
lâmina para o lado e bateu nela com a espada. Ela
bloqueou. Ela era uma mulher grande, mas ele era mais
forte, e o impacto a derrubou. Hugh a levou de volta, pela
espinha do elefante, chovendo golpes nela. Halliday rosnou
como um animal encurralado, cortando um turbilhão. Ele
empurrou a espada entre os ataques dela e sentiu a leve
resistência quando a lâmina preta deslizou na carne da
mulher.
Halliday congelou, sua boca se abriu em um ‘O’
aterrorizado e chocado. Hugh agarrou o cajado da mão dela
e a empurrou da lâmina dele. Ela se arrastou para longe
dele. Ele a perseguiu, passo a passo, até que ela alcançou a
beira das enormes costas de Erawan. Halliday arreganhou
os dentes. — Foda-se, seu pedaço de merda.
Hugh riu e a chutou na cara. Halliday escorregou de
Erawan e caiu no chão com um grito. As costas do elefante
rolaram quando uma pata traseira colossal se moveu alguns
metros para a direita.
Hugh se virou e correu de volta para a frente do
elefante. Desceu a tromba e voltou para a muralha. O
cajado de controle ficou vermelho. Era uma coisa cruel, com
um metro e meio de comprimento, uma ponta de metal
afiada com um gancho na lâmina para rasgar a carne ao
sair da ferida. A ponta estava coberta de sangue. A magia
estalou em seu comprimento, deslizando da joia no topo até
a ponta de metal.
Quem controlava o cajado controlava Erawan. O
pensamento ocorreu a ele quase como se viesse de outra
pessoa. Ele olhou para cima e viu as lágrimas nos olhos do
elefante.
Nem ele era tão bastardo.
— Clava! —Hugh rugiu.
Um dos Cães de Ferro lançou uma clava para ele. Hugh
colocou o cajado de controle no parapeito e girou. A cabeça
da clava esmagou a joia. Ele levantou o cajado de controle e
a quebrou sobre o joelho.
A enorme joia na cabeça de Erawan quebrou. Pedaços
caíram no chão. O elefante levantou as trombas e soltou um
grito triunfante.
As correntes que prendiam seus pés estalaram.
Ao lado de Hugh, Dugas olhava tudo com a boca aberta.
Erawan abriu as orelhas. Acima dele, as nuvens
estouraram com a chuva. Ele derramou sobre seu corpo,
lavando o pigmento escuro de sua pele. Riachos de chuva
manchada caíam no chão e, onde tocavam a grama, flores
desabrochavam.
Os humanos na muralha olhavam mudos.
Erawan berrou novamente, sua voz cheia de alegria.
Suas cicatrizes desapareceram, a última escuridão deslizou,
e ele se revelou, brilhando de branco.
O elefante agitou as trombas, sacudiu as orelhas,
arremessou as gotas de chuva e desapareceu. Apenas um
ramalhete de flores brilhantes permaneceu onde ele estava.
— Funcionou, —disse Dugas. — Como sabia sobre as
flores?
— Ele é adorado na Tailândia com oferendas de flores e
guirlandas. Um deus fará quase qualquer coisa para manter
seus adoradores seguros. Eles são a fonte de seu poder e
existência.
Dugas sorriu, limpando a chuva do rosto.
Abaixo, a Equipe de Limpeza interrompeu seu avanço,
confusa, as tropas em desordem enquanto Nez tentava se
reagrupar.
Hugh sorriu. — Você é minha testemunha, —disse ele a
Dugas. — Ela me deve uma.
— Diga a ela mesma, —disse o druida.
Hugh se virou. Elara estava de pé nos degraus. Na
cabeça dele, ela dava os três passos que os separavam e o
beijava. Mas Elara ficou onde estava e no lugar disso sorriu,
todo o rosto se iluminando. — Obrigada.
Valeu a pena.
— Você me viu libertar o elefante? —Ele perguntou.
— Eu vi.
Ele notou sangue seco em seus braços.
— Vão curar. Eu também venci, —ela disse. — Receio
que Bale nunca mais será o mesmo.
Hugh viu Bale atrás dela. O berserker estava branco
como um lençol.
— Ele é resiliente, —disse Hugh. — Vai superar isso.
Magia estalou como um chicote no meio do campo de
batalha. Todos se viraram para olhar.
Um portal se abriu no meio do campo e mrogs
invadiram a grama.
 

Dezesseis
Elara olhou para as tropas blindadas. Continuava
chegando, vinte homens em fila, cada vez mais, sem fim.
Eles se separavam quando pisavam na grama, uma fila se
movia para a esquerda e a outra para direita, formando dois
retângulos. Tinha que haver mais de mil soldados no campo
agora. A chuva os encharcava, e ainda assim continuavam
chegando cada vez mais, fila após fila. Os mrogs
envolveram as duas colunas como um mar escuro e em
movimento, numerosos demais para contar.
Ela arriscou um olhar para Hugh. Ele os observava com
um olhar sombrio. Hugh olhou para ela, e ela viu uma
determinação selvagem em seus olhos, do tipo que um
animal preso fica quando sabe que está encurralado e que a
fuga é improvável.
Talvez não estejam aqui para nós. Talvez estejam aqui
para atacar Nez. Sabia que essa escassa esperança era
absurda, mas se apegou a ela de qualquer maneira.
A próxima fila de soldados mrogs surgiu, carregando
pranchas de madeira pregadas juntas. Outra fila. Mais outra.
Uma terceira, carregando toras de madeira. Partes de uma
ponte, Elara imaginou. Iam tentar atravessar o fosso.
Do outro lado do campo, a Equipe de Limpeza recuou,
assumindo uma posição defensiva na beira da floresta.
Um homem surgiu, montado em um grande cavalo
escuro e vestindo armadura dourada ornamentada. Outro
homem de armadura comum andava atrás dele, segurando
um estandarte e um shofar. O portal se fechou.
— Olha só quem apareceu, —Hugh murmurou.
O shofar tocou uma nota afiada. Como um, os soldados
mrogs nas duas colunas se viraram, a mais próxima atacaria
o castelo e a da direita estava virada na direção das tropas
de Nez. As criaturas mrogs se dividiram ao meio, metade
seguiu para atacar as muralhas e a outra metade foi para as
tropas de Nez nos limites da floresta, gritando e berrando. A
escassa esperança dentro de Elara morreu. O exército mrog
estava aqui para atacar Baile. Seu povo não esperava outro
exército em campo e negociar com esse novo exército era
impossível. Precisavam tomar decisões rápidas porque
agora teriam com lutar contra os dois.
— Artilharia! —Gritou Hugh. — Atirem à vontade.
Sam tocou o shofar. As armas de cerco enfeitiçadas
lançavam flechas nos mrogs que se aproximavam.
Explosões verdes abriram buracos irregulares na massa que
avançava. Os mrogs gritavam e continuavam correndo.
— Para as muralhas! —Hugh rugiu. — Defendam o
perímetro!
O shofar soou.
Hugh virou-se para ela. — Coloque todos na fortaleza.
— O que?
— Não podemos segurar as muralhas. Vamos conseguir
mais tempo para vocês. Coloque nosso pessoal na fortaleza,
Elara, nos túneis.
Os primeiros mrogs correram para o fosso, nadando
através dele.
Ela deu as ordens, jogando sua voz ao redor do castelo.
O primeiro braço peludo agarrou-se ao parapeito. Um
mrog encostou-se na parede e agachou-se. O grito da
criatura cortado pela metade antes de Hugh o decapitar.

********
Elara passou uma mão ensanguentada no rosto. O
chão do pátio estava coberto de sangue e corpos de mrog.
Nas muralhas, a batalha continuava. Ao lado dela, Savannah
respirava com dificuldade. Todo o seu pessoal estava dentro
do castelo. Os Cães de Ferro estavam se retirando das
muralhas, lutando em pequenos grupos. Apenas um pedaço
do muro ainda se mantinha, diretamente acima deles.
Outras seis pessoas de uniforme preto vieram correndo
pela esquina. Um grupo de mrogs os perseguindo.
Savannah cuspiu uma maldição. A magia saiu dela como um
chicote impressionante. O líder mrog caiu, coberto de
furúnculos. Savannah balançou. Ela não iria durar muito
mais tempo.
Os Cães de Ferro passaram correndo por eles.
Elara se colocou entre a bruxa e os mrogs que
chegavam. Eles a roçavam e morriam aos seus pés,
juntando-se ao semicírculo de corpos peludos ao redor dela.
Savannah tropeçou.
Mais mrogs vieram por cima do muro, vindos de todas
as direções agora.
— Para dentro da fortaleza, —Elara a ordenou. — Agora!
— Eu ...
— Agora!
Savannah se retirou para a fortaleza.
Uma criatura grotesca emergiu da esquerda, volumosa,
com ombros enormes e braços grossos que pareciam
troncos de uma árvore, salpicados de sangue e pedaços de
tecido humano. O corpo inconsciente de Bale caia sobre
suas costas. Elara levou um momento para registrar os Cães
de Ferro ao seu redor. A criatura carregando Bale não era
um monstro. Outro berserker. O grupo passou por ela para
dentro da fortaleza.
Ao redor, os mrogs continuavam escalando o muro,
contorcendo-se e gritando.
— Hugh! —Elara chamou.
Um corpo caiu da parede e se chocou nas pedras,
respingando sangue. Ela viu o cabelo escuro. Felix. Ah não.
Ela caiu ao lado dele. Sangue derramava da cabeça de Felix.
O Capitão lutou para dizer algo.
— Hugh!
Hugh descia correndo as escadas, Stoyan e dois outros
o seguindo, cobertos de sangues.
Felix apertou a mão dela e morreu.
Ela viu o rosto de Hugh, e a dor nele a despedaçou.
— Vamos! —Savannah gritou.
Hugh agarrou a mão dela, a puxou para cima e para
longe do corpo, para dentro da fortaleza.
As enormes portas de metal se fecharam.
Elara olhou ao redor do salão. Pessoas mutiladas e
ensanguentadas a encaravam com olhos aterrorizados,
alguns deles eram dela, outros de Hugh. Nossos, ela se
corrigiu. Todos eles são nossos.
Sam avançou, abrindo caminho entre a multidão,
trazendo Bucky, o elmo de Hugh debaixo do braço. Outros
seguiram com mais cavalos.
O que …
Ela se virou para Hugh. — Você está louco?
— A única maneira de impedir isso é matar o
Comandante, —disse Hugh.
— Nós podemos aguentar. Só precisamos aguentá-los
até que a onda de magia acabe.
— Eles voltarão, —disse Hugh com uma certeza severa.
— Se esperarmos, eles voltarão. Temos que quebrá-los. Se
matarmos o Comandante agora, eles vão quebrar.
Ela balançou a cabeça.
Ele continuou falando. — Se eu conseguir, não mande
ninguém para lá. Os soldados mrogs pararão de lutar,
permaneçam aqui até a tecnologia retornar e então os
elimine. Até lá, os mrogs serão seu único problema e vocês
podem lidar com mrogs em um espaço estreito.
— Você não pode ir lá fora. É suicídio.
Os Cães de Ferro estavam montando.
— Eles não estão esperando que os ataquemos agora.
Quero que você leve todo mundo para os túneis. Os mrogs
tentarão atravessar as janelas superiores. As grades de
metal não os impedirão por muito tempo. Eventualmente,
eles também atravessarão esta porta.
Ela não podia ir com ele. Ela era a melhor defesa deles
contra os mrogs.
— Não.
— Elara, isso é sobre sobrevivência. Ou eu os mato, ou
ele nos mata.
— Não, —ela disse a ele.
— É isso que eu faço, —disse ele. — É por isso que se
casou comigo.
— Hugh, não vá lá fora. —Ela agarrou as mãos dele. —
Por favor, não vá.
Ele se inclinou para frente e a beijou quente e
desesperado. Ela provou sangue.
— Tranque todas as portas no caminho, —disse ele. —
Atrase-os o máximo que puder.
Ele pegou o elmo de Sam e o colocou.
Hugh estava indo lá fora. Não havia nada que ela
pudesse fazer. A terrível realização a atingiu, privando-a da
capacidade de falar. ‘Isto é o que eu faço. É por isso que se
casou comigo.’
Elara encontrou sua voz. — Johanna!
As pessoas olhavam em volta. Um Cão de Ferro se virou,
estendeu a mão para dar um tapinha no ombro de alguém e
se afastou. Johanna se espremeu no meio da multidão.
— Por favor, ajude-os, —sinalizou Elara.
Johanna inclinou a cabeça e caminhou até a porta.
Stoyan lançou-lhe um olhar selvagem da parte de trás do
cavalo.
— O poder dela é único, —disse Elara a Hugh. —
Quando ela terminar, precisará de proteção até que possa
se recuperar. Fique atrás dela.
Ele montou Bucky. O enorme garanhão arreganhou os
dentes. Hugh ergueu a espada e cortou seu próprio pulso
esquerdo. O sangue cobriu a lâmina e se solidificou. Uma
espada de sangue. Roland fazia armas de sangue. Ela nunca
percebeu que Hugh podia.
Algo arranhou a porta. Os gritos de mrogs ecoaram pelo
salão, abafados pela madeira.
Johanna levantou os braços para os lados e fechou os
olhos. Fios finos de fumaça negra subiam das mãos dela
sobre os braços. Com um pouco mais de um metro e meio
de altura, esbelta, cabelos loiros que se derramavam sobre
suas costas, Johanna ficou parada diante de uma porta
enorme. Atrás dela, Hugh se elevava em seu enorme
garanhão.
Parecia que o coração de Elara estava sendo espremido
por punho de ferro.
— Volte para mim, —ela ordenou, sua voz cruel. —
Voltem para mim, todos vocês.
Dois Cães de Ferro destrancaram a porta, segurando as
duas metades dela.
Johanna inclinou a cabeça para trás. A fumaça escura
envolvia todo o seu corpo agora. Ela abriu os olhos e eles
eram pretos sólidos e cheios de desespero. Os cabelos dela
tremiam, movidos por um vento fantasma.
— Abram a porta! —Elara ordenou.
A porta se abriu, revelando uma massa de mrogs
reunidos diante dela.
Johanna disparou no ar a um metro do chão. A fumaça
se espalhou atrás dela, arrastando-a como duas asas. Ela
abriu a boca e lamentou. Todos os sons do desespero, o
grito de um cisne viúvo, o uivo de um lobo moribundo, o
grito estridente de um bebê órfão, tudo ecoava dentro
daquele lamento. O grito incrivelmente agudo rasgou os
mrogs. Eles caíram de lado, mortos.  
177
A Banshee Negro atravessou a brecha que havia
feito e os Cães de Ferro foram atrás dela, galopando.
As portas se fecharam. Outros Cães de Ferro as
trancaram.
— Para os túneis, —ordenou Elara.

********
O lamento da Banshee Negro cortou as correntes da
ponte levadiça. A ponte caiu e Hugh a atravessou, os cascos
de Bucky batiam no chão como um trovão. O garanhão
mirou nas tropas de soldados e as enfrentou como se
tivesse nascido para ser um cavalo de guerra.
A Banshee abriu um caminho pelas fileiras, precisa
como um laser. Tudo o que Hugh precisava fazer era segui-
la. Banshees comuns lamentavam e deixavam qualquer um
louco, mas Banshees Negros matavam com seus gritos.
Outro recurso que ele desejou saber que tinha. Quando
terminasse aqui, ele e a Harpia teriam que ter uma longa
discussão sobre manter as coisas em segredo.
A primeira fila de soldados que bloqueava o caminho,
caiu, derrubada pelo lamento.
Ele ainda estava desligado da realidade que se passava
a sua frente, assistindo como se estivesse acontecendo com
outra pessoa. A segunda, terceira e quarta filas caíram uma
atrás da outra.
A Banshee gritou e gritou.
A quinta e sexta filas entraram em colapso.
A Banshee disparou para cima e para a direita. Suas
asas de fumaça desapareceram e ela mergulhou.
Apenas quatro filas entre ele e o Comandante.
Bucky atacou os soldados em armadura como um
178
aríete , abrindo caminho. Hugh balançou a espada,
cortando crânios. A espada de sangue encontrava o metal
da armadura e o metal cedia.
Um momento, e Bucky e ele passaram, ao ar livre, pelo
Comandante em seu cavalo na frente deles, atacando a
toda velocidade.
— Mate o outro cavalo, —ele ordenou.
O garanhão relinchou e explodiu em uma investida
desesperada.
O mundo entrou em um foco cristalino. As cores ficaram
vivas, o cheiro era nítido. Ele viu tudo, estava ciente de
tudo, e sabia com cem por cento de certeza que quando os
dois cavalos colidissem, a força disso derrubaria os dois. Ele
sabia exatamente onde eles pousariam.
Ele parou nos estribos e puxou a perna esquerda para
trás, cavalgando de lado no cavalo.
Os dois garanhões se chocaram, relinchando. Uma
fração antes de colidirem, Hugh soltou, deixando toda a
força do galope arremessá-lo no ar, dando força ao seu
balanço.
Abaixo dele, o Comandante se agachou e cuspiu fogo,
mas o arco de chamas aquecido era muito lento.
Hugh pousou a espada primeiro. A lâmina de sangue
cortou o Comandante do crânio ao osso do peito. As duas
metades do homem fumegavam, pronto para explodir.
Hugh se virou e correu.
Ele não viu o fogo, mas ouviu, rugindo como um animal
atrás dele. Hugh arriscou um único olhar para trás e viu um
tornado de chamas vindo direto para ele.
O mundo se tornou calor e fogo. Ele envolveu sua magia
em volta de si, curando bolhas enquanto se formavam. A
força do impacto da explosão se chocou contra ele, como se
Erawan tivesse retornado e o chutado com a sua pata
colossal. Magia o invadiu e tudo ficou escuro.
A luz voltou em uma onda de agonia. Hugh piscou com
as facadas gêmeas de dor.
Pernas quebradas. Ele deve ter sido jogado pela
explosão e aterrissado de mal jeito. Tentou mexer os braços
e não conseguiu. Os ossos e músculos funcionavam bem,
mas algo o estava impedindo.
A luz se foi quando algo embaçado a bloqueou.
Hugh piscou até que a coisa embaçada entrou em foco
e ele olhou para o rosto do vampiro.
O morto-vivo abriu a boca.
— Bem, bem, —disse o vampiro na voz de Nez. — Hoje
não foi uma perda total.
Foda-se.

********
Elara olhou para a porta. Atrás dela, centenas de
pessoas esperavam. Se os mrogs passassem, ela os
impediria.
Tanto tempo se passou. Deveria ter passado horas.
Pareciam horas.
Alguém bateu na porta. — Abra! —uma voz familiar
gritou.
Stoyan.
Elara agarrou a trava. As pessoas se moveram para
ajudá-la, e a porta foi aberta. Stoyan entrou correndo,
carregando Johanna, mole como uma boneca de pano. —
Ajude-a!
Savannah colocou a orelha no peito de Johanna. — Ela
não precisa de ajuda. Precisa de tempo para se recuperar. —
Savannah balançou a cabeça e Nikolas correu para pegar
Johanna dos braços de Stoyan.
— O que aconteceu? —Perguntou Dugas.
Stoyan olhou para ele, seus olhos selvagens, sua pele
manchada de sangue e sujeira.
— Hugh matou o Comandante. O cara explodiu. Os
mrogs fugiram e os soldados mrogs foram embora.
— Foram embora para onde? —Savannah exigiu.
— Dentro da floresta. Matamos alguns que estavam
entre nós e o castelo, mas o restante deles está a pé,
vagando pela floresta. Contanto que não chegue perto
deles, eles não atacam.
Elara agarrou o braço de Stoyan. — Onde está Hugh?
— Nez está com ele.
Gelo rolou sobre ela. — Como?
— Ele foi jogado pela explosão, —disse Stoyan. — Os
mortos-vivos chegaram até ele antes que pudéssemos.
Pensamentos a percorreram, vindo rápido demais. —
Nez ainda está lá fora?
— Não, ele saiu assim que capturaram o Preceptor.
Ela estava certa. Essa batalha nunca foi sobre o castelo.
Era sobre Hugh.
Stoyan arreganhou os dentes. — Eu preciso de
voluntários. Vamos recuperá-lo.
— Você não vai, —disse Dugas. — Nez tem apenas uma
pequena parte de suas tropas. Mas ainda tem a maioria dos
seus mortos-vivos. Não há o suficiente de vocês.
— Seu trabalho é nos proteger, —disse Savannah. —
Com o Preceptor desaparecido, de quem você deve seguir
as ordens?
Stoyan cerrou os punhos.
— Seguimos a esposa do Preceptor, —disse Lamar do
fundo da sala.
— Aí está, —disse Savannah. — Nós precisamos de
vocês aqui. O Preceptor é uma causa perdida. Vocês não
podem recuperá-lo.
Lamar entrou no centro da sala e inclinou a cabeça para
Elara.
Stoyan xingou.
— Recebemos ordens específicas, —disse Lamar. — Ele
nos disse que se morresse, você herdaria o comando.
— Ele não está morto, —Stoyan rosnou.
Lamar não respondeu.
Stoyan cerrou os punhos novamente e inclinou a
cabeça.
— Falarei por Bale, —a berserker gritou. — Obedecemos
à esposa. Não desonraremos o último pedido de d’Ambray.
Eles eram dela, Elara percebeu. Ela tinha o castelo e os
Cães de Ferro. Não precisaria mais compartilhar autoridade.
Hugh confiava nela para cuidar de seu povo.
Havia apenas uma solução para esse problema. Estava
olhando diretamente para ela. O medo tomou conta, tão
forte que mal conseguia respirar. Ela era mais forte,
lembrou a si mesma. Sempre foi mais forte.
Tinha que recuperá-lo. Não havia outra maneira.
A voz dela saiu gelada. — Tragam as vacas.
Um silêncio chocado caiu. Os Cães de Ferro olharam em
volta, perplexos.
— Você não pode, —Savannah recuou. — Para ele? Você
se manifestaria por ele?
— Hugh foi abandonado por todos em sua vida. —Suas
palavras soaram. — Seus pais, seu mestre, seu pai adotivo.
Todos o jogaram fora. Ele confiou em nós. Ele se sacrificou
para nos salvar. Esta é a casa dele. Eu sou a esposa dele.
Não vou abandoná-lo. Tragam as vacas.

********
Elara estava nas muralhas em ruínas. Focos de fogo
estavam acesos, lutando contra a noite. No campo,
remanescentes do exército mrogs caminhavam, confusos.
Stoyan estava certo. A maioria deles acabou indo para a
floresta. Ela não tinha ideia de quanto tempo duraria a onda
de magia, mas a tecnologia os mataria, ela tinha certeza
disso.
Havia muita magia em seus corpos para sobreviver à
tecnologia.
A lua havia nascido.
No pátio, os símbolos estavam sendo desenhados com
giz e sal. Dugas presidiu. Ele estava vestindo sua túnica
branca. Nas paredes e no pátio, os Desertores esperavam,
vestidos de branco. Uma fila de vacas esperava, cada uma
decorada com símbolos místicos desenhados em branco,
dedicados a ela. Quinze no total. Isso seria o suficiente.
— Não faça isso, —disse Savannah, sua voz suplicante.
— Você tem tudo o que deseja. Apenas deixe Nez tê-lo.
Resolve todos os nossos problemas.
— Não.
— Elara ...
— Você se lembra daquela primeira noite? —Ela
perguntou. Não precisava especificar de qual noite se
tratava. Era sempre a primeira noite, a noite em que ela
renascia.
— É claro que eu me lembro.
— Você disse que lealdade era a única coisa que
tínhamos. Antes da amizade, antes do amor, antes da
riqueza, havia lealdade.
Savannah não respondeu.
— Estou decidida, —disse Elara. — Tenho que trazê-lo de
volta.
Savannah abriu os braços e a envolveu. — Minha
menina, —a bruxa sussurrou.
Elara descansou a cabeça no ombro de Savannah, como
fazia quando era pequena e, por um momento, tinha dez
anos novamente, assustada e sozinha naquela primeira
noite.
— Minha doce menina. Você pode fazer isso, ouviu?
Pode controlá-lo. Não se renda a isso. Não deixe isso te
devorar. —A voz dela falhou. — Você é mais forte que isso.
Está me ouvindo? Você o agarra e o faz obedecer. Não
esqueça quem você é.
— Eu não vou, —prometeu Elara. Ela acreditava nisso.
Não tinha escolha. Qualquer dúvida a faria perder o
controle.
Savannah a soltou, olhou para ela e afastou os cabelos
perdidos do rosto de Elara. Havia lágrimas nos olhos dela. —
Chegou a hora.
Elara desceu as escadas para o pátio.
Dugas puxou uma faca curva coberta de símbolos
místicos.
Stoyan e Lamar se moveram e ficaram ao lado dela.
— O que vai acontecer agora? —Perguntou Lamar
calmamente.
— Eu vou me manifestar, —disse ela.
— Por que o druida tem uma faca? —Perguntou Lamar.
— Porque hoje à noite ele não será um druida.
Defendam o castelo enquanto eu estiver fora. Isso é uma
ordem.
Stoyan abriu a boca, mas ela se afastou deles e entrou
no anel de símbolos.
Um canto baixo se elevou dos Desertores, ganhando
força. Ela sentiu sua magia mexer em resposta.
— Entrem, —Savannah disse aos Cães de Ferro. — Vocês
não iram querer estar aqui para isso.
Lamar começou a protestar.
— Entrem, —Elara disse a eles. — Por favor.
Os Capitães se afastaram.
Uma criança descalça trouxe a primeira vaca a Dugas e
foi embora. O animal inocente olhou para Elara com olhos
castanhos líquidos, confiante. A culpa a torceu. Ela apertou
os dentes e alcançou profundamente dentro de si mesma,
no lugar onde sua magia esperava atrás de uma porta
trancada.
Dugas cantou, seu rosto ficando selvagem. A faca curva
brilhou, captando a luz do fogo. Sangue vermelho brilhante
espirrou em sua túnica branca.
Poder deu um soco em Elara, catapultando-a através da
porta diretamente para as profundezas de sua magia, para
a presença fria que a esperava lá. Antiga como as estrelas,
poderosa além da medida, complexa demais para um ser
humano entender, mas obstinada em sua ferocidade.
Esperava por ela, não mais um iceberg congelado, mas uma
poça de água celeste.
Ela afundou na poça de poder antigo, alimentada pela
magia do sacrifício. O líquido se fechou sobre sua cabeça,
submergindo-a, e ela a deixou inundá-la com sua magia ...
O universo se abriu como uma flor, seus segredos
disponíveis para ela tomar.

********
Ser esticado em uma mesa de tortura
179
não era a
coisa mais divertida que ele já havia feito, decidiu Hugh. Os
aprendizes de Nez torceram seus braços antes de acorrentá-
lo e seus ligamentos se romperam, a dor constante era
difícil de ignorar.
Ele estava no quartel-general de Nez, uma sala em um
grande edifício pré-Mudança, provavelmente em algum
lugar perto do ponto da linha Ley de Rooster, embora ele
não tivesse certeza. Eles o arrastaram inconsciente para cá.
A única coisa de que se lembrava claramente era de olhar
para o teto de um Matador, amassado e rasgado como se
algo com dentes grandes o tivesse agarrado com
mandíbulas gigantes e o mordido. O trabalho dos
Desertores. De alguma forma, o Matador havia resistido.
Vários braseiros de metal cheios de chamas iluminavam
a sala. A maior parte de Rooster havia sido abandonada a
muito tempo, ninguém se preocupou em instalar lanternas a
gás no prédio que estavam, e Nez teve que recorrer a uma
masmorra à moda antiga. Além dos braseiros, não havia
muito o que fazer. Suprimentos jogados aqui e ali, caixas
grandes de equipamentos de viagem típicos da Legião.
Correntes, colares de mortos-vivos, caixas de ferramentas,
m-scanners projetados para registrar assinaturas mágicas
residuais, estavam todos empurrados contra as paredes.
Nez estava encostado na mesa, em frente a ele,
tomando café.
Ele não mudou muito. Ainda magro, seu rosto
impassível e arrogante. Depois de um tempo, todos os
Legatus ficavam com essa expressão. Hugh tinha visto mais
de uma dúzia de Legatus chegar e ir embora. De todos eles,
Steed foi o único que ele pôde suportar. Sua memória
trouxe Steed em uma gaiola, encarando-o com olhos
insanos, enquanto Hugh lhe dava pão.
Hugh tinha alguns arrependimentos. Mas então ele
próprio estava enjaulado agora. A reviravolta era um jogo
justo.
— Como se sente? —Nez perguntou.
— Bem, doutor, parece dolorido e formigar.
— Sabe o que eu odeio em você? —Nez tomou um gole
de café. — Essa sua bravata idiota. Há coisas nesta vida que
precisam ser levadas a sério. No começo, pensei que
estivesse tentando esconder a sua fraqueza por trás de
todas as piadas, mas agora eu sei. Você é apenas estúpido.
—Ele se inclinou para frente. — A realidade da sua situação
já entrou nessa sua grande cabeça burra? Eu venci.
— Nez, o que você ganhou exatamente? Eu não estou
morto. E isso por si só diz muita coisa. Você tem permissão
para me matar?
O silêncio respondeu.
— Vou tomar isso como um não, —disse Hugh. — Então,
na verdade, o que lhe foi permitido é ter um pouco de
tempo comigo para fazer o que quiser e se divertir. E só.
Então terá que me entregar à Roland. Faça logo o que vai
fazer comigo ou cresça algumas bolas e me mate. Faça isso,
Nez. Eu te desafio, porra.
A raiva nos olhos de Nez era deliciosa. Se provocasse
Nez longe o suficiente, ele o mataria, o que seria a melhor
coisa a acontecer agora.
— Ele te tem em uma rédea curta, —disse Hugh.
Nez pegou um pedaço de cano de metal da mesa e o
balançou como um bastão. O cano bateu nele. Ossos
trituraram quando suas costelas se quebraram. Nez
explodiu em uma enxurrada de golpes. O cano bateu de
novo e de novo, cada golpe uma nova explosão de agonia.
Finalmente, ele caiu contra a mesa e soltou o cano que caiu
no chão.
Cada respiração era como sugar fogo em seus pulmões.
— Aí, —disse Hugh.
Nez olhou para ele.
Hugh sorriu. — Você se sente melhor, querida? Sente
que já ganhou?
— Minha rédea é curta, mas ele não me colocou
180
focinheira , —Nez falou. — Você ainda não entendeu?
Você sabe o que ele fará para mantê-lo na linha? Ele
cozinhará você como um pedaço de frango frito. Fritará sua
mente até não sobrar nada além de uma concha vazia.
Então, vou lhe contar agora, porque mais tarde você não se
importará. Assim que tudo acabar e as coisas se
acalmarem, eu voltarei naquele maldito castelo e matarei
todas as almas vivas lá dentro. Todo homem, toda mulher e
toda criança. Vou fazer sua esposa assistir. Ela será a última
a morrer.
O canalha faria isso. Hugh viu nos olhos de Nez. — Bom
discurso, —disse ele. — Eu bateria palmas, mas estou todo
amarrado.
Nez arreganhou os dentes.
— Sinto que tivemos um grande avanço aqui, Landon, —
disse Hugh. — Esta é a conversa mais honesta que já
tivemos.
Nez pegou o cano.
Uma batida cuidadosa o interrompeu no meio do
movimento. Nez virou-se para a porta.
Hugh esticou o pescoço, mas estava muito atrás dele.
— O que é? —Nez perguntou.
— Sinto muito, Legatus. Há nevoeiro.
— Que tipo de nevoeiro?
— Uma névoa não natural. Está vindo da floresta.
Nez xingou e saiu.
A sala ficou em silêncio, exceto pelo crepitar do fogo.
Ele precisaria recomeçar a provocar Nez quando o homem
voltasse, estava indo muito bem até agora. Ser morto pelas
mãos de Nez era sua melhor opção. Enfrentar Roland seria o
fim da estrada. Ele faria qualquer coisa para não andar por
ela.
Magia sussurrou através da sala, familiar e quente.
Foda-se.
Hugh levantou a cabeça. Roland abaixou o capuz do
manto marrom. Seu rosto era como nenhum outro. Roland
se permitiu envelhecer para parecer estar por volta dos
cinquenta anos, isso o faria mais paternal para Daniels, e
isso lhe serviu bem. Parecia um profeta saindo das cidades
mágicas há muito esquecidas da antiga Mesopotâmia, um
remanescente vivo de um tempo e lugar diferentes, quando
coisas maravilhosas eram possíveis e seu nome era Nimrod,
o Construtor de Torres. Um erudito, um inventor, um poeta,
um deus pai, sábio com olhos gentis que eram oniscientes e
ligeiramente repreensivos. Hugh olhou nos olhos dele e o
amor tomou conta dele. Tudo que Hugh sempre precisou,
tudo que sempre quis ou exigiu, foi esse amor. Ele o
protegeu e sustentou, o guiou, tirou toda a dor. Era como
ver o nascer do sol depois de um longo e escuro inverno.
O vazio se abriu atrás de Hugh, raspando-o com os
dentes.
Roland atravessou a sala e olhou por cima do ombro de
Hugh para o vazio.
— Bem, isso não é bom.
O som de sua voz, impregnado de poder e magia, era
tão familiar que doía. — Olá, Hugh, —disse Roland.
Ele conseguiu dizer uma única palavra. — Olá.
Eles se entreolharam.
— Você sobreviveu, —disse Roland.
— Por que está aqui?
— Estou aqui porque preciso de sua ajuda, Hugh. —
Roland sorriu.
— Daniels chutou sua bunda, —disse Hugh. A blasfêmia
das palavras deveria tê-lo quebrado, mas de alguma forma
isso não aconteceu.
— Sofremos alguns contratempos, —disse Roland. —
Nada que não possa ser remediado.
Isso o atingiu então. A batalha nunca foi sobre o castelo.
Era sobre ele. Nez recebeu ordem para tirá-lo de Baile.
— Você já se provou, —disse Roland.
Seu idiota. — Você me assistiu em Aberdine.
— Eu fiz. É hora de voltar, —disse Roland. — Você se foi
por muito tempo.
— É tarde demais para isso, —disse Hugh.
— Bobagem. —Roland olhou para as correntes sobre o
braço direito. Elas se separaram e Hugh pendurou, suspenso
por um braço.
O feiticeiro imortal estendeu a mão para ele.  — Pegue
minha mão, Hugh. Pegue minha mão e tudo será perdoado.
Tudo será como antes.
O mundo encolheu até os limites da sala. Se ele
esticasse a mão e tomasse a mão de Roland, todos os
problemas desapareceriam. O vazio desapareceria, tirando
a culpa e os pesadelos. A vida seria simples novamente.
— Pegue minha mão, —disse Roland novamente. —
Você é meu filho em tudo, menos o sangue.
A palavra trespassou Hugh. Ele esperou décadas para
ouvir e aqui estava, dado gratuitamente. Roland esperava
que ele ficasse arruinado depois que o expurgou. Enquanto
ele era um bêbado tentando cometer um suicídio lento,
Roland estava contente em deixá-lo como estava. Mas uma
vez que ele se recompôs, se mostrou útil novamente, Hugh
era uma ameaça.
A realização o abalou. Olhou nos olhos de Roland e viu
algo mais, além de sabedoria e aprovação. Uma cautela
silenciosa se escondia nos cantos da alma de Roland,
observando-o. Roland estava com medo dele.
Hugh sorriu. — Não.
— Hugh, —disse Roland, sua voz repreendendo-o,
catapultando Hugh de volta para quando ele era um órfão
faminto. — Pegue minha mão. Você ganhou. É o seu destino.
— Não.
Roland olhou para ele.
— Não é exatamente uma surpresa, —disse Hugh. As
palavras rolaram de sua língua, incrivelmente fácil. — Você
é um fodido filha da puta, sabia disso?
— Eu tirei você da rua. Te dei abrigo, educação e poder.
E é assim que me paga?
— Você esqueceu a parte em que me transformou em
um fantoche sem emoção toda vez que eu tentava fazer
algo que você não gostava.
— É assim que se cria um filho, —disse Roland. —
Incentiva-se alguns aspectos de sua personalidade, suprime
os outros.
Hugh riu baixinho.
— Eu te fiz eficaz. Te libertei das complicações que as
emoções impediriam. Já te forcei a fazer alguma coisa,
Hugh? Ou você saltou em todas as tarefas que eu lhe dei?
— Explique algo para mim. Por que me exilou? Fiz tudo o
que pediu.
— Eu o exilei porque você não podia ver o quadro geral.
—Uma nota de irritação surgiu na voz de Roland. — Estou
começando a pensar que ainda não pode.
— Isso não explica nada.
— Pense sobre isso e entenderá.
A dor nas costelas dele era insuportável agora. Hugh
empurrou para o lado. — Aqui está o quadro geral para
você: somos dois, Daniels e eu. Nenhum de nós quer nada
com você. Você está perdendo. São dois contra um. Precisa
de um de seus filhos para lutar contra o outro, porque
Daniels chutou sua bunda uma vez e ela fará isso de novo.
Pense sobre isso.
— Existem três, —disse Roland. — Quase três.
— Ela ainda não deu à luz.
— Não, mas logo dará. Em breve terei um neto.
— E você não pode esperar para colocar as mãos nessa
criança. Finalmente, um filho de verdade, aquele com o
sangue certo. Por que diabos acha que dessa vez será
diferente? Mesmo se você pegá-lo a partir do momento em
que ele der seu primeiro suspiro, ele o odiará. Apesar disso,
aqui está você, tão desesperado para colocar suas mãos em
um novo brinquedo, que enviou sua Legião para me
capturar, se teletransportou para cá, apesar dos perigos, e
me chamou de seu filho. Dê uma boa olhada. Olhe para
mim pendurado aqui. Se eu fosse seu filho, que tipo de pai
isso faria de você?
— Então a resposta é não? —Roland perguntou.
— Nós poderíamos ficar aqui pelos próximos cem anos e
ainda seria não. Você nunca vai pôr as mãos no filho de
Kate. Eu vou te matar primeiro.
Roland suspirou. — Você me decepcionou, Hugh.
— Acostume-se a isso.
Roland se aproximou. Apenas alguns pouco centímetros
de espaço os separava.
— Sem mim, você vai morrer e em breve. É isso o que
realmente quer?
— Todos nós temos que morrer eventualmente.
— Sozinho, abandonado, sem seus poderes. Esse é o
futuro que quer?
— Sem poderes?
— Nenhum do meu sangue.
Hugh puxou o último fio de magia que restava dentro
dele, uma pequena lasca que permaneceu apesar das
Palavras de Poder que usou e de toda a cura que havia feito.
Ele passou os dedos da mão livre pelas costelas
ensanguentadas e afundou a magia no líquido carmesim. A
magia faiscou e o sangue escuro se transformou em uma
agulha afiada de sangue.
— Explique isso para mim, —disse Hugh.
Roland recuou.
A agulha se desfez em pó.
Alguém gritou do lado de fora do prédio, o grito foi
cortado ao meio.
— Última chance, Hugh! —Roland estendeu a mão para
ele. — Pegue minha mão.
— Foda-se.
A névoa disparou pela porta, brilhando com magia,
invadindo, e lá estava, puro branco incandescente,
monstruoso demais para compreender, emanando o tipo de
frio que montava cometas e vivia entre as estrelas. Roland
recuou, com choque no rosto. Hugh apenas olhou para a
coisa, mudo. Cada célula do seu corpo estava gritando. E
então ele a viu entre o caos de dentes, bocas e olhos. Ela
veio atrás dele.
Ela se virou para Roland e ele deu um passo para trás, o
horror drenando todo o sangue do rosto dele.
Ela falou e as paredes racharam.
— ELE É MEU, FEITICEIRO.
— Leve-o então. —Roland desapareceu.
A criatura do caos se abaixou para ele, e Hugh fez seus
lábios se abrirem em um sorriso, antes de sua mente se
quebrar em puro terror. Sua voz saiu rouca. — Oi, doçura.
 

Epílogo
Hugh abriu os olhos e viu um teto familiar. A
tecnologia estava em alta.
Tudo doía. A luz do dia entrava na sala pela janela leste.
Já era de manhã.
A voz lenta e medida de Lamar flutuou para ele.
— Por esse motivo, a melhor fortaleza possível é: não
ser odiado pelo povo, porque, embora você possa manter as
fortalezas físicas, elas não o salvarão se as pessoas o
odiarem, pois nunca haverá estrangeiros desejando ajudar
181
um povo que tomaram armas contra você ...
— Por que você está lendo essa merda chata para ele?
—Perguntou Bale.
— Ao contrário do seu Príncipe Mestiço, este é um
clássico.
182
— Príncipe Mestiço é um ótimo livro.
— Claro que é. O que poderia ser melhor do que
histórias de adolescentes sem noção enviados para ... Bale,
o que é isso?
— O que isso o quê?
A voz de Lamar assumiu uma ponta afiada. — Isso é
uma varinha?
— É um pedaço de pau.
— Você está apontando uma varinha para mim?
— Quem, eu?
— Bale, se algum latim sair da sua boca, é melhor que
seja uma ladainha dos santos, porque eu vou acabar com
você.
Hugh fez sua boca se mover. Sua voz saiu rouca. — Bale
está certo. É muito cedo para Maquiavel.
Bale se jogou na cama e o agarrou em um abraço de
urso. Os ossos de Hugh gemeram.
O berserker o soltou, deu um soco no ar, atirou-se a
meio caminho pela janela e berrou: — Ele está acordado!
Lamar deu um longo suspiro e tirou os óculos. —
Prepare-se. O desfile está chegando.

********
Começou com Stoyan, que veio correndo pelo
corredor. Infelizmente, Cedric ganhou dele cerca de três
metros. O cão enorme pulou na cama, gritando,
choramingando e lambendo seu rosto. Hugh mal o tirou de
cima dele quando o pessoal de Elara inundou o quarto.
Dugas entrou à frente de uma procissão de aprendizes e
eles andaram pelo quarto cantando e agitando cachos de
flores e ervas molhadas.
— Parabéns por sobreviver, —disse Dugas.
— Obrigado.
Os batedores órfãos de Felix foram os próximos,
seguidos pela garota do estábulo, ele ainda não se
lembrava do nome dela. Ela lhe deu um relatório detalhado
sobre Bucky, que parecia estar deprimido e, aparentemente,
Hugh precisava ir aos estábulos o mais rápido possível.
Depois vieram os Cães de Ferro e os aldeões. Sua
cabeça estava nadando e ele teve dificuldade em manter o
rosto neutro. Em algum momento, Savannah apareceu,
olhou em seus olhos, olhou para o corpo dele e deu de
ombros. — Não está tão ruim.
Johanna entrou, o abraçou e saiu.
Padeiros, arqueiros, ferreiros, druidas, equipe médica,
equipe de escavadeiras continuaram passando, até que ele
teve certeza de que desmaiaria com tanto barulho. Ele
sorriu e disse palavras de agradecimento, enquanto sua
mente se separava dos fragmentos de suas memórias. O
acampamento de Nez, Elara carregando o corpo dele dentro
da nevoa de magia antiga que era ela, entrando e saindo da
existência, deslizando além da realidade tridimensional do
espaço, os mortos-vivos e os Mestres dos Mortos morrendo
enquanto tentavam alcançá-la, os troncos escuros das
árvores, a presença gelada da magia dela, girando fora de
controle em sua alma, ameaçando o devorar ... Lembrou-se
das paredes de Baile e então sua lembrança parou, talhada
como se cortada por uma faca.
Finalmente, Lamar teve o suficiente. Ele e Stoyan
expulsaram todos e fecharam as portas.
— O que aconteceu com os mrogs restantes? —
Perguntou Hugh.
— Tanto os mrogs quanto os soldados mrogs morreram
com a primeira onda tecnológica, —relatou Stoyan. — Mrogs
morreram primeiro. Os humanos duraram quase 24 horas,
mas acabaram morrendo também. O pessoal de Elara está
dissecando-os.
— Nez?
— Se retirou, —disse Lamar. — Ele evacuou a noite em
que Elara trouxe você de volta. O que diabos aconteceu?
— Eu vi Roland, —disse Hugh. — Nós conversamos.
Os dois Capitães ficaram em silêncio. Ele viu alarme nos
rostos deles.
— O nosso vínculo foi completamente cortado, —disse
ele. — Estamos por conta própria.
O alívio nos olhos de seus homens era tão claro que o
atingiu.
— Então aqui é o nosso lar?  —Perguntou Stoyan.
— Sim, é.
— Bom. —Stoyan sorriu. — É bom ter você de volta,
Preceptor.
Hugh assentiu. — É bom estar de volta.
Stoyan saiu, fechando a porta atrás dele. Agora eram
apenas Hugh e Lamar. Hugh acenou e Lamar se aproximou
da cama, sentado a poucos centímetros de distância.
— Conseguiu ver o que ela é? —Hugh perguntou em voz
baixa.
— Não, —disse Lamar. — Eles nos fizeram entrar antes
que ela se manifestasse. Eles sacrificaram vacas. Acho que
ela pode ter se alimentado deles, mas não tenho certeza.
— Eu a vi, —disse Hugh.
— O que ela é?
Ele lutou pelas palavras para descrever o poder e o caos
antigos, existentes em mais dimensões do que a mente
humana poderia compreender e não conseguiu encontrar.
— Eu não sei, —disse ele. — Descubra, Lamar. Se ela se
voltar contra nós, preciso saber como posso matá-la.
O Capitão assentiu e saiu da sala.
Hugh sentou-se sozinho. Elara ... A Harpia de Gelo. A
Rainha do castelo. E algo mais, algo que desencadeou todo
medo primitivo que vivia no fundo da alma dele.
Sua mente comparou a Elara que o salvou e a mulher
que ofegou de prazer quando ele se empurrou nela. Ela era
a coisa mais assustadora que já tinha visto, mas dormiu
com ela e gostou, e queria tê-la de novo. Foi ótimo, e sabia
que poderia ser melhor. Os Cães de Ferro costumavam jogar
183
um jogo estúpido junto à fogueira, ‘Foder, Casar, Matar ’.
Ele e Elara já estavam casados, mas não tinha ideia de qual
dos outros dois precisava escolher.
Eles eram casados.
Porra.
Lembrou as palavras dela. ‘Eles são meu povo e eu os
amo. Provaram sua lealdade além de qualquer coisa que eu
tivesse o direito de pedir. Não há limite para o quão baixo
eu afundarei para mantê-los seguros.’
Ele pensou que era uma figura de linguagem. Agora
sabia melhor. Ele tinha que garantir que seu povo nunca se
tornasse uma ameaça para Elara. O que constituiria uma
ameaça para ela? Teria que impedi-la de sacrifício humano?
Quais seriam os limites dele? Seria mais sensato tirar o
pessoal dele agora do castelo, antes que algo acontecesse.
Ele não tinha certeza de que uma espada de sangue
funcionaria nela. Uma espada que ele não deveria ser capaz
de fazer. Como diabos o poder do sangue ainda funcionava?
Por quê?
Ela foi atrás dele. Jogou toda a cautela ao vento com a
sua própria segurança, expos seu poder e foi resgatá-lo de
Nez. Ela enfrentou Roland por ele e teria lutado com Roland.
Hugh nunca esperava por isso. Elara deveria ter o deixado
apodrecendo lá, sozinho, mas o tirou de lá e de alguma
forma o arrastou para o castelo. Ninguém, em toda a sua
vida, fez isso por ele, exceto seus Cães de Ferro.
Ele desejou que o mundo fizesse sentido.
A porta se abriu e Elara entrou no quarto. Seus cabelos
caíam sobre os ombros em uma longa cascata branca. Seu
vestido, um verde claro, da cor das folhas jovens, a
abraçava, embalando seus seios, traçando sua cintura e
deslizando a curva de seus quadris.
Ele olhou nos olhos dela. Eles estavam rindo, mas por
trás do humor, viu outra coisa, cautela.
Finalmente percebeu que ela estava carregando algo
embrulhado em uma toalha. Colocou o objeto na mesa de
cabeceira e olhou para ele.
Ele olhou para ela.
— Eu te odeio, —ela disse a ele.
Testando as águas. — Dificilmente uma surpresa, —ele
disse a ela.
— Se você fizer um truque demente como esse
novamente, tornarei sua vida um inferno.
Ele arreganhou os dentes para ela. — Você já faz,
doçura.
Entendeu a mensagem alta e clara. Elara queria fingir
que nada aconteceu. Estavam de volta ao normal, atirando
um no outro em todas as chances que tinham e parando
pouco antes de tirar sangue.
— Acha que os mrogs voltarão?
— Improvável, —disse ele. — Eles vieram com tudo e
mesmo assim nós chutamos a bunda deles. Somos muito
pouca recompensa para um esforço tão grande.
Provavelmente quem comanda do outro lado de lá seguirá
em frente, mas se não, estaremos prontos para eles.
— Leonard tem uma teoria sobre um Antigo estar por
trás disso.
O especialista sobre os Pictos. Certo. — Ele tem?
— Quando estiver melhor, eu o enviarei para conversar
com você. A teoria é meio louca, mas faz sentido de uma
maneira estranha.
Ela se virou.
— Onde você está indo? —Ele perguntou.
— Para as estufas. Nossas ervas continuam morrendo.
Temos que descobrir o porquê.
— Elara, —ele chamou.
Ela se virou, caminhou até a cama e se inclinou sobre
ele, um joelho nas cobertas. — Você é meu marido, Hugh.
Nem eu, nem você andamos mais sozinhos nesse mundo.
Nós somos o abrigo um do outro em uma tempestade.
Contanto que queira ficar aqui, você terá uma casa. Nunca
vou te abandonar.
Ela se inclinou para frente. Seus lábios roçaram os dele
e o beijou. Ele a provou, fresca e doce, uma pitada de mel
na língua dela. Ele ficou duro.
Ela o soltou e foi embora, fechando a porta atrás dela,
como um fantasma, estava lá um momento, se foi no outro.
Olhou para a porta, tentou descobrir o que diabos
aconteceu e falhou.
Ele não queria deixá-la ir.
Foda-se.
Pegou a toalha e a tirou. Uma bandeja coberta com uma
tampa de vidro, embaçada por dentro. Ele destampou.
Pilhas de crepes quentes esperavam por ele, regados com
caramelo e mel.
O Preceptor dos Cães de Ferro riu e pegou um garfo.
 

Fim
E continua ...  
 
 
 

Próximo Lançamento das


Divas & Lord’s FOREVER
Livro 10 – Magic Triumphs
‘FINAL’
 

Próximo Lançamento das


Divas & Lord’s FOREVER
Livro 10 – Magic Triumphs
‘FINAL’
 

 
A mercenária Kate Daniels deve arriscar tudo para proteger tudo o que ela ama neste épico e imperdível filme da
emocionante série de fantasia urbana mais vendida no 1 do New York Times.

Kate percorreu um longo caminho desde suas origens como solitária, cuidando de problemas paranormais em Atlanta pós-Mudança. Ela fez
amigos e inimigos. Ela encontrou o amor e começou uma família com Curran Lennart, o antigo Senhor das Feras. Mas a magia dela é forte
demais para que os poderosos jogadores do mundo a deixem.

Kate e seu pai, Roland, atualmente têm uma trégua desconfortável, mas quando ele começa a testar suas defesas novamente, ela sabe que
mais cedo ou mais tarde um confronto é inevitável. O Oráculo das Bruxas começou a ter visões de sangue, fogo e ossos humanos. E quando uma
caixa misteriosa é entregue à porta de Kate, uma ameaça de guerra do inimigo antigo que quase destruiu sua família, ela sabe que seu tempo
acabou.

Kate Daniels não vê outra escolha senão combinar forças com o mais improvável dos aliados. Ela sabe que a traição é inevitável. Ela sabe que
pode não sobreviver à próxima batalha. Mas ela tem que tentar.

Para o filho dela.

Para Atlanta.

Para o mundo. 

A história de Elara Harper.


 
 

(sem capa definida)


Data do lançamento adiada para dezembro de 2019,
de acordo com o blog dos autores.
 
Notes

[←1]

O Golfo Pérsico (também conhecido como Golfo Árabe) é um golfo


localizado no Médio Oriente, como um braço do mar da Arábia, entre a península da Arábia e o Irã.
[←2]

Pierogi é um tipo de pastel cozido originário da Polônia e oeste da Ucrânia, onde é chamado
Pyrohy. Pierogi são pasteis de massa primeiro cozidas e depois assadas ou fritas, normalmente na manteiga com cebolas,
tradicionalmente recheados com batata, chucrute, carne moída, queijo ou frutas.
[←3]

A Sainte-Chapelle é uma capela gótica situada na Île de la Cité em Paris,


construída no século XIII por Luís IX. Foi projetada em 1241, iniciada em 1246 e concluída muito rapidamente, sendo
consagrada em abril de 1248.
[←4]

  Hugh Capet (c. 939 - 24 de outubro de 996) foi o rei dos francos de 987 a 996. Ele é o fundador e o
primeiro rei da casa de Capet. O filho do poderoso duque Hugo, o Grande e sua esposa Hedwige da Saxônia, foi eleito como o
sucessor do último Carolíngio rei, Louis V. Hugh era descendente dos filhos de Carlos Magno, Louis, o Piedoso e Pepino da
Itália, através de sua mãe e avó paterna , respectivamente, e também era sobrinho de Otto, o Grande .
[←5]

Chattanooga é uma cidade localizada no estado


americano do Tennessee, no Condado de Hamilton. Foi fundada em 1838, e incorporada em 1839.
[←6]

  Quem nasce na República Dominicana: país caribenho que compartilha a ilha


Hispaniola com o Haiti a oeste
[←7]

  Berserker  é o nome dado aos guerreiros nórdicos ferozes que haviam jurado fidelidade ao
deus Odin. Originados da Germânia, eles despertavam uma fúria incontrolável antes de qualquer batalha. Especula-se que
os berserkers eram grupos de guerreiros inspirados pela religiosidade.
[←8]

  A morsa ou torno de bancada é um instrumento ou ferramenta normalmente montado sobre uma


bancada.
[←9]

Cornersville é uma cidade localizada no estado norte-americano de


Tennessee, no Condado de Marshall.
[←10]

  Beaufort é uma cidade localizada no estado norte-americano de


Carolina do Sul, no Condado de Beaufort.
[←11]

  Charlotte é a cidade mais populosa do estado norte-americano da


Carolina do Norte e a 17ª cidade mais populosa dos Estados Unidos.
[←12]

  Pinheiros
[←13]

    Frísio (ou frisão), também chamado de friesian, é uma raça de cavalos de cor
negra originária da Frísia. É um animal de temperamento dócil e fisicamente bastante robusto. É criado principalmente na
Frísia, litoral norte dos Países Baixos, de onde se origina seu nome.
[←14]
São os animais diferenciados usados para a reprodução de outros animais. Muitas vezes no processo de melhoramentos
das raças.
[←15]
Cavalos castrados geralmente são mais dóceis, mais fáceis de serem montados e de lidar, ao contrário dos garanhões.
[←16]

  Bucephalus (Bucéfalo) Nome completo de Bucky. Na história, Bucéfalo era o nome do cavalo
de guerra de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia e fundador de um dos maiores impérios da antiguidade.
[←17]

O cavalo normando espanhol é uma raça de sangue quente resultante de cruzamentos entre
duas raças muito mais antigas - a Andaluzia da Espanha e o Percheron da França. Em 1991, um registro foi criado em
Connecticut, nos Estados Unidos, para manter registros da raça.
[←18]

Percheron é uma raça de cavalo francesa originária da atual comuna de Perche, de onde
herdou o nome. Trata-se de uma típica raça de cavalo de tração, e a mais conhecida das raças equinas francesas. É um
animal bem proporcionado, com ossos duros e de pé firme e forte, utilizado para carruagens e trabalho.
[←19]

O Cavalo Andaluz é uma raça equina originária da Andaluzia na Espanha, e do Alentejo em


Portugal.
[←20]
O temperamento dos cavalos e o tipo de trabalho que desempenham está relacionado com a classificação de cavalos de
sangue quente ou frio. Esta designação não se refere à temperatura do sangue dos cavalos, que é idêntica nas várias raças,
mas sim para tipificar as raças de cavalos em dois, ou mesmo três, grupos distintos. Os cavalos de sangue quente são
animais leves, rápidos e com um temperamento mais agitado. Os cavalos de sangue frio são tipicamente cavalos pesados,
altos e com um temperamento mais tranquilo.
[←21]
O puro-sangue inglês é uma raça de cavalos originária da Inglaterra. Sua principal utilização, devido à sua grande
velocidade e estamina, é em competições esportivas como o turfe e o hipismo.
[←22]

O Cavalo Árabe, também chamado Puro-sangue árabe, é uma raça equina originada
na Península Arábica. Com um peculiar formato do crânio e da cauda, o cavalo árabe é uma das mais facilmente identificáveis
raças de cavalo do mundo.
[←23]

Cavalos das estepes Russas, são selvagens.


[←24]

Hanoverianos alemães. Como a maioria dos warmbloods alemães, o Hanoveriano é


nomeado para sua região de origem: a Baixa Saxônia no norte da Alemanha era anteriormente o reino de Hannover.
[←25]

  Clava
[←26]

  A Salão do Hidromel na antiga Escandinávia e na Europa


Germánica, era uma sala de festas, inicialmente uma construção longa com uma única sala. Do século V até a Idade Média,
tal edifício era a residência de um senhor e dos seus servos. O salão de hidromel era geralmente o grande salão do rei.
[←27]

Valhala, Valíala, Valhalla ou Walhala, na mitologia nórdica e nas


crenças de religiões pertencentes ao paganismo nórdico, como a religião Ásatrú, de maior reconhecimento, é um majestoso e
enorme salão com 540 portas, situado em Asgard, dominado pelo deus Odin.
[←28]

Os ternos masculinos são basicamente divididos em três tipos de corte: Corte Inglês,
Italiano e Americano.
[←29]
Índio, indígena, nativo americano ou ameríndio são os nomes dados aos habitantes da América antes da chegada dos
europeus, e os seus descendentes atuais.
[←30]

  Os Navajos são um povo indígena da América do Norte, da família


linguística Athapaskan e da área cultural Sudoeste. Originalmente, imigraram das áreas do norte e durante o século XVI
tornaram-se um povo pastor e caçador.
[←31]

Tacos
[←32]
Grupo de pelotões dentro de uma Unidade Militar.
[←33]
Um bairro da cidade de Charlotte – EUA.
[←34]
Grupo de Companhias dentro de uma Unidade Militar.
[←35]
Grupo de soldados dentro de uma Unidade Militar.
[←36]

  Comumente chamados de Navy  SEALs, são uma das principais Forças de Operações
Especiais da Marinha dos Estados Unidos e um componente do Comando Naval de Operações Especiais (NSWC), bem como
também um componente marítimo do Comando de Operações Especiais (USSOC).
[←37]
Jogo muito comum entre os escoteiros americanos cujo objetivo principal da competição é a equipe levar a sua bandeira,
através de vários desafios, até o ponto final da prova. Chegando lá, a equipe vencedora fixa sua bandeira e toca o sino para
avisar aos outros que o jogo está encerrado.
[←38]
Nutriente que faz parte da composição dos alimentos e cuja principal função é ser fonte de energia para os seres vivos.
[←39]

  O Kentucky é um estado da região sudeste dos EUA, delimitado pelo rio


Ohio ao norte e pelos Apalaches ao leste, que tem como capital a cidade de Frankfort.
[←40]

    A região de Knobs ou The Knobs está localizada no estado americano de


Kentucky. É uma região estreita, em forma de arco, composta por centenas de colinas isoladas. A região envolve as partes sul
e leste da região de Bluegrass na parte central norte-nordeste do estado.
[←41]
A  região Bluegrass  é uma  região geográfica  no  estado americano  de  Kentucky.  Compõe a parte norte do estado,
aproximadamente delimitada pelas cidades de Frankfort, Paris, Richmond e Stanford. 
[←42]

  O Eastern Kentucky Coalfield  faz parte do campo de carvão betuminoso dos


Apalaches centrais, incluindo a totalidade ou parte de 30  condados de  Kentucky  e áreas adjacentes em Ohio, Virgínia
Ocidental, Virgínia e Tennessee.  
[←43]
O planalto Pennyroyal é uma grande área do Kentucky que apresenta colinas, cavernas e topografia cárstica em geral.
[←44]
Milícia: força militar que é formada pela população civil para suplementar um exército regular em uma emergência.
[←45]

Patterson é uma cidade localizada no estado americano de Geórgia, no


Condado de Pierce.
[←46]

  Willis é uma cidade localizada no estado norte-americano de Texas, no


Condado de Montgomery.
[←47]

A Virgínia Ocidental é um dos 50 estados dos Estados Unidos. O está


estado localizado na região sul dos Estados Unidos. Faz fronteira com a Virgínia ao sudeste, Kentucky ao sudoeste, Ohio ao
noroeste, e com a Pensilvânia e Marilândia ao nordeste. A capital e maior cidade do estado é Charleston.
[←48]
  Coven, conventículo ou conciliábulo é o nome genérico dado a uma agregação ou reunião de bruxos para a realização
de rituais religiosos e ritos. Tradicionalmente, ele abriga o máximo de treze pessoas. Margaret Murray afirma que o termo era
utilizado para descrever grupos de bruxos na Europa, estando organizados em grupos de treze membros, chamados de
covens. Após a popularização do termo na década de 1920, Gerald Gardner o adopta à Wicca.
[←49]

  A Luisiana é um estado do sudeste dos EUA, no Golfo do México. Sua história


como um caldeirão de culturas francesa, africana, americana e franco-canadense se reflete nas culturas crioula e cajun.
[←50]

  Platanus occidentalis, também conhecido como plátano americano, planeta americano,


avião ocidental e botoeira, é uma espécie de Platanus nativa do leste e centro dos Estados Unidos, extremo sul de Ontário e
montanhas do nordeste do México.
[←51]

  Carvalhos
[←52]

   A ameia (do latim "mina[s]"), em arquitectura militar, é a


abertura, no parapeito das muralhas de um castelo ou fortaleza, por onde os defensores visavam o inimigo.
[←53]

  figueira
[←54]

  Conan, o bárbaro é um herói de espada e feitiçaria fictício que se originou em


revistas pulp e desde então foi adaptado para livros, histórias em quadrinhos, vários filmes, séries de televisão animadas e
live-action, videogames, role-playing games e outras mídias. O personagem foi criado pelo escritor Robert E.
[←55]

Barbacã, em arquitectura militar, é um muro anteposto às muralhas, de menor altura


do que estas, com a função de proteger as muralhas dos impactos da artilharia.
[←56]

Um bastião ou baluarte é uma estrutura que se projeta para fora da parede de contenção de


uma fortificação, mais geralmente de forma angular e posicionada nos cantos.
[←57]

  Uma torre flanqueadora é uma torre fortificada que está situada do lado de fora de
uma muralha defensiva ou de outra estrutura fortificada e, portanto, forma um flanco. 
[←58]

     Molosser é uma categoria de cães de físico forte, de porte grande a gigante, e que
possuem traços físicos em comum com o extinto cão chamado Molossus. A palavra deriva de Molóssia, uma área do Epiro
antigo, hoje a Grécia ocidental, onde o grande cão guardião de rebanhos era conhecido como Molossus.
[←59]

O Karakachan é uma raça de cão que se originou na Bulgária como um cão guardião da
montanha.
[←60]

Os Bálcãs, Balcãs, ou ainda península balcânica é o nome


histórico e geográfico para designar a região sudeste da Europa que engloba a Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária,
Grécia, Macedônia do Norte, Montenegro, entre outros.
[←61]
Alinhamentos místicos e espirituais (teoria mística) – acredita-se que monumentos históricos e geográficos, assim como
elementos da natureza (cordilheiras, rios, cânions, etc.) importantes estão ligados entre si de forma sobrenatural.
[←62]

  Clydesdale é uma raça de cavalo de tração originária da Escócia.


[←63]
O mesmo que remanescentes, restantes, o que sobrou. O termo original em inglês é Remaining. Optei escolher
Remanente-Remanescente.
[←64]
No sentido de prófugos, fugitivos.
[←65]

   Fosso é o mesmo que cova, uma escavação profunda com o propósito de delimitar uma separação
entre dois espaços ou para armazenagem e escoamento de algo, como a água (fosso de água), o ar (fosso de respiração),
entre outros resíduos sólidos ou líquidos, por exemplo.
[←66]

  Letra E na linguagem dos sinais.


[←67]

  Clematis branca.
[←68]

Anel da eternidade e meia-eternidade : Os anéis da eternidade remontam a séculos e


diz-se que significam o amor e a vida eternos que um casal compartilhará juntos.
[←69]

  Anel meia-eternidade de água marinha.


[←70]

     Em uma espada, a guarda cruzada, ou guarda cruzada, também conhecida como quillon, é uma
barra de metal em ângulo reto com a lâmina, colocada entre a lâmina e o punho. A guarda cruzada foi desenvolvida na
espada européia por volta do século 10 para a proteção da mão do portador.
[←71]
Depeche Mode - Walking In My Shoes: https://www.youtube.com/watch?v=GrC_yuzO-Ss
[←72]

Gnu
[←73]

  O Tikbalang é uma criatura do folclore


filipino disse que se escondem nas montanhas e florestas das Filipinas. É uma criatura humanóide alta e óssea, com a cabeça
e os cascos de um cavalo e membros desproporcionalmente longos, a ponto de seus joelhos se elevarem acima de sua
cabeça quando se agacham.
[←74]

  Tsuga é um género de coníferas pertencentes à família Pinaceae, ordem Pinales.


[←75]

Rhododendron é um gênero que arrola cerca de 1024 espécies de plantas lenhosas da família
Ericaceae, tanto perenes quanto decíduas. Ocorrem principalmente na Ásia, embora também estejam difundidas ao longo da
região das montanhas Apalaches, na América do Norte.
[←76]

O Kalmia latifolia, vulgarmente chamado louro-da-montanha, chita ou colher, é um arbusto


sempre-verde da família das urzes, Ericaceae, nativo do leste dos Estados Unidos. Sua faixa se estende do sul do Maine ao sul
da Flórida e oeste a Indiana e Louisiana.
[←77]
Uma adaptação do ditado popular: Cavalo dado não se olha os dentes. Significa, de forma geral, que ao recebermos
um presente, devemos mostrar satisfação mesmo que não seja do nosso agrado.
[←78]
A frase no texto original é: ‘They passed each other like two ships in the night’. (Ships Passing In The Night) Significa
comumente sobre duas pessoas que se encontram por um curto período de tempo, compartilham algumas palavras, apenas
para se separarem e continuam seu caminho, para nunca mais se verem.
[←79]

O lobo-pré-histórico ou lobo-terrível é um mamífero extinto da família Canídea que


habitou a América do Norte no Pleistocênico até cerca de 10.000 anos atrás.
[←80]

  Um hipogrifo é uma criatura lendária, supostamente o fruto da união de um grifo e uma égua. 
[←81]
Velho Mundo  é um termo generalizado e relativamente recente que define o  mundo  conhecido pelos europeus no
século XV, ou seja, a Eurásia e África: os continentes europeu, africano, asiático e os quatro arquipélagos da Macaronésia.
[←82]

   Uma paliçada, em arquitetura militar, constitui-se exterior obra numa de


defesa, constituída por um conjunto de estacas de madeira fincadas verticalmente no terreno, ligadas entre si, de modo a
formarem uma estrutura firme.
[←83]

O Gato-bravo-de-patas-negras é um pequeno felídeo selvagem espalhado pelos


desertos da África e da Ásia.
[←84]
O adicional de insalubridade é um direito trabalhista para todos os trabalhadores que exercem atividades laborais que
os expõem a agentes nocivos à saúde.
[←85]

  Bandagens de proteção
[←86]
As fossas sépticas ou séticas são unidades buracos e tratamentos primário de esgoto doméstico nas quais são feitas a
separação e a transformação físico-química da matéria sólida contida no esgoto. É uma maneira simples e barata de
disposição dos esgotos indicada, sobretudo, para a zona rural ou residências isoladas.
[←87]

  Foto feita com máquina de revelação instantânea.


[←88]

  Cavalo de coloração roan.


[←89]

  A balista era uma máquina de guerra da antiguidade que disparava grandes dardos.
Basicamente são arcos ampliados e apoiados no chão. Eram também apoiadas nas Ameias dos castelos. A balestra, ou besta,
é o nome dado a uma balista portátil para um soldado disparar dardos.
[←90]
My bone (meu osso): Usando aqui por Hugh de maneira pejorativa.
[←91]

Planta venenosa para os lobos. O acônito ou acónito é uma planta venenosa,


pertencente à família Ranunculaceae muito utilizada em fármacos homeopáticos. Acônito é também conhecido como mata-
lobos pois em lendas de lobisomens o acônito enfraquece-os.
[←92]
Neopaganismo é um termo utilizado para identificar uma grande variedade de movimentos religiosos modernos,
particularmente aqueles influenciados pelas crenças pagãs pré-cristãs da Europa.
[←93]

Armadura de escamas.
[←94]
Insígnia é um sinal ou marca que identifica uma instituição, um cargo ou o estatuto social de uma determinada pessoa.
As insígnias são, normalmente, usadas sob a forma de emblemas ou distintivos
[←95]

Lorica segmentata ("Armadura segmentada") é uma espécie de armadura utilizada pelos legionários
"rasos" e centuriões da Roma Antiga.
[←96]

As escalas individuais japonesas (samurais) são chamadas de  kozane. Armaduras em


escala japonesa construídas a partir de escalas do tipo peixe  (gyorin kozane)  foram construídas no Japão desde o período
Fujiwara (século XI).  "Um tipo primitivo de arnês japonês, as lâminas únicas sendo de couro fervido, cortadas e batidas em
pedaços em forma de escama de peixe"
[←97]
Sistema filosófico-religioso judaico de origem medieval (sXII-XIII), mas que integra elementos que remontam ao início da
era cristã. Compreende preceitos práticos, especulações de natureza mística, esotérica e taumatúrgica; afirma que o universo
é uma emanação divina, tendo grande importância a interpretação e deciframento dos textos bíblicos.
[←98]

Pomada antibiótica.
[←99]

Salvia officinalis é uma pequena planta perene subarbustiva, com caules lenhosos,
folhas acinzentadas, e flores azuis a violáceas. Faz parte da família das mentas, Lamiaceae. É nativa da região Mediterrânica e
cultivada como erva aromática e medicinal ou como planta ornamental.
[←100]

  Artemísia é uma planta medicinal, popularmente conhecida como Camomila-do-campo,


Erva-de-fogo, Erva-de-são-joão, Rainha-das-ervas, que é muito utilizada pelas mulheres para tratar problemas do aparelho
urogenital como infecção urinária e para acalmar os nervos.
[←101]

     Ginseng é uma planta utilizada na medicina oriental há milhares de anos. A parte utilizada é
sua raiz, com a qual se faz o extrato dos ginsenosídeos. Sua ação na melhora do desempenho físico e mental se dá pela
ativação da circulação. Ele ainda estimula a capacidade cognitiva, a memória e os níveis de concentração.
[←102]

  Unxia kubitzkii, com nome popular botão-de-ouro é uma planta florífera perene,
herbácea e ereta, nativa do Brasil.
[←103]

  A Erva-de-são-cristóvão, é uma planta medicinal conhecida pelas suas propriedades


medicinais que aliviam as dores menstruais e ajudam durante o trabalho de parto. Seu nome científico é Cimicifuga
Racemosa.
[←104]

  Wendigo é uma criatura sobrenatural que faz parte da mitologia do povo indígena da América do Norte
Ojíbuas. De acordo com a mitologia, o Wendigo é formado a partir de um humano qualquer, que passou muita fome durante
um inverno rigoroso, e para se alimentar, comeu seus próprios companheiros.
[←105]

O selo-de-salomão é um caule subterrâneo rasteiro, grosso e branco. Usado como adstringente,


demulcente e tônico.
[←106]

  As armas de cerco ou armas de assédio são máquinas construídas a fim de


destruir muralhas e fortificações durante um cerco.
[←107]

  Serving wenches (Jovens Servas): Nos tempos medievais eram mulheres que serviam a
comida da realeza e outras coisas. Modernamente o termo em inglês é pejorativo.
[←108]
Dan é a denominação de cada um dos graus de maestria atribuídos a alguém dentro do sistema de avaliação Dan-i. O
shichidan é o 7º Dan de 1 a 10.
[←109]

Cincinnati é uma cidade do estado americano do Ohio.


É a sede do Condado de Hamilton no extremo sudoeste do estado. É banhada pelo rio Ohio, que a separa do estado de
Kentucky e é conhecida como a "Queen City" ou simplesmente "Cincy".
[←110]

  Mezanino é uma espécie de pavimento que fica na metade da altura do pé direito (altura
do chão ao teto).
[←111]

    A Torre de Babel, segundo Gênesis 11:1-9 é um mito de origem usado para
explicar as diferentes línguas faladas no mundo. De acordo com a história, a humanidade era uniforme nas gerações
seguintes ao Grande Dilúvio, falando um único idioma e migrando para o oriente, vai para a terra de Shinar.
[←112]

  Os cervídeos, cervos ou ainda veados. constituem uma família de animais


ungulados artiodáctilos e ruminantes, à qual pertencem animais como a corça, o alce e o caribu. Os cervídeos estão
geograficamente bem distribuídos por todos os continentes exceto Austrália e Antártida.
[←113]

    elmos
[←114]
Ortógrada  é um termo que descreve uma maneira de  andar em  pé, com movimento independente dos membros.  Os
macacos do  Novo  e do  Velho Mundo  são primariamente  arborícolas  e tendem a andar com os membros balançando
paralelamente, o que difere da maneira de andar demonstrada pelos macacos. Chimpanzés, gorilas e seres humanos, quando
andam, andam eretos, e seus membros se contrapõem um ao outro para se equilibrar (ao contrário dos macacos, os macacos
não têm cauda para usar para se equilibrar). Existem desvantagens relacionadas à caminhada ereta para os primatas, pois
seu principal modo de locomoção é o quadrupedalismo. Essa locomoção vertical é chamada "postura ortógrada". A postura
ortógrada em humanos foi possível através de milhões de anos de evolução.  Para andar de pé com a máxima eficiência, o
crânio, coluna vertebral, pelve, membros inferiores e pés foram submetidos a alterações evolutivas.
[←115]
O nome valgo ou varo é utilizado para designar o mau alinhamento da articulação. 
[←116]
O pé é composto por três arcos plantares: o longitudinal medial, o longitudinal lateral e o transversal. Esses, por sua
vez, são constituídos de diversos ossos e ligamentos. Essas estruturas são extremamente importantes: elas são responsáveis
por sustentar e distribuir todo peso corporal que é depositado nos pés.
[←117]

Em zoologia, chama-se  hálux  ao dedo grande do pé ou, mais corretamente, o primeiro


pododáctilo, no humano e, em geral ao primeiro dedo das patas traseiras dos vertebrados tetrápodes.
[←118]

   V-Rod & Crescent (Haste em V e Lua Crescente): nome popular e


descritivo para o que historicamente foi determinado como dois símbolos que parecem uma haste dobrada e uma lua
crescente (particularmente influenciado, aparentemente, pela forma da lua crescente). A forma é, sem dúvida, como uma lua
crescente, mas nunca é vista na orientação correta do “céu”. Alguns comentaristas pensaram que o elemento V-Rod se
parece com chifres de touros.
[←119]

    Os Pictos eram antigos habitantes da Escócia que estabeleceram o seu próprio reino e
lutaram contra os romanos na Britânia. Fontes romanas afirmam que os Pictos teriam um poderoso reino com centro em
Strathmore.
[←120]

Elmo de cota de malha.


[←121]
Aço austenítico têm austenita como fase primária (face centrada em cristal cúbico). Estas são ligas contendo cromo e
níquel (? s vezes manganês e nitrogênio), estruturado em torno da composição 302 do tipo de ferro, cromo 18%, e 8% de
níquel. Aços austeníticos não são endurecíveis por tratamento térmico.
[←122]
Ferrítico: Material não-temperável, magnético. Usinabilidade um pouco inferior dos aços inoxidáveis martensíticos.
[←123]

A rede  cúbica de face centrada  é uma rede  cúbica  na qual existe um


átomo em cada vértice e um átomo no centro de cada  face  do cubo. Os átomos se tocam ao longo das diagonais
das faces do cubo.
[←124]

  Cubo de corpo centrado. Um átomo em cada vértice e um átomo no centro do cubo. Obs.: A
personagem se refere a geometria molecular do aço. É a maneira como os átomos estão organizados na molécula.
[←125]
Utilizado em eletrônica para definir o uso do aterramento do fio terra. 
[←126]

  Um fotômetro de chama fotoelétrico é um dispositivo usado na análise química inorgânica para


determinar a concentração de certos íons metálicos, entre eles sódio, potássio, lítio e cálcio. Os metais dos grupos 1 e 2 são
bastante sensíveis à fotometria de chama devido às suas baixas energias de excitação.
[←127]
Espectrometria de absorção atômica, também chamada de espectrofotometria de absorção atômica, é o método de
análise usado para determinar qualitativamente e quantitativamente a presença de metais.
[←128]

  Mona Lisa também conhecida como A Gioconda ou ainda Mona Lisa del
Giocondo é a mais notável e conhecida obra de Leonardo da Vinci, um dos mais eminentes homens do Renascimento italiano.
Sua pintura foi iniciada em 1503 e é nesta obra que o artista melhor concebeu a técnica do sfumato.
[←129]

  Um fuzil de assalto como conhecido no Brasil, ou espingarda de assalto como conhecido em


Portugal, é qualquer rifle de fogo seletivo que utilize um calibre médio e um carregador descartável. O primeiro uso destas
armas se deu na Segunda Guerra Mundial.
[←130]

Varanda. Local descoberto reservado ao banho de sol. Solarium vem do


latim e significa jardim de inverno (ou um solar de acordo com o tradutor google) ou alguma coisa relativa ao sol tipo lugar
que pega sol ou solar. Solarium também vem do italiano e significa solário
[←131]

Uma das dezenas espécies de hisbiscos.


[←132]

carvalho silvestre
[←133]

Jasmim branco
[←134]

  Oxalis é o género botânico da família Oxalidaceae com maior número de espécies.


[←135]
A salicilina é um anti-inflamatório que é obtido através da extração da casca do salgueiro. A salicilina está
quimicamente muito relacionada ao ácido acetilsalicílico, que tem uma ação muito semelhante no corpo humano.
[←136]

Raffaele Piria foi um químico italiano, que converteu a substância salicilina em um açucar e
um segundo componente, que oxidado transforma-se em ácido salicílico, o principal componente da droga analgésica
aspirina.
[←137]

Bayer AG é uma empresa química e farmacêutica alemã, fundada em 1863


por Friedrich Bayer e Johann Weskott em Wuppertal, Renânia do Norte-Vestfália. Em 2013, completou 150 anos.
[←138]

  Silphium ou sílfio era uma planta muito usada na Antiguidade


Clássica, especialmente na cosmética, na culinária e na medicina. Era um item essencial no comércio e na economia da
cidade líbia de Cirene, no Norte da África, tanto que ela foi cunhada em moedas do período para demonstrar sua importância. 
[←139]

Citrato de sildenafila ou simplesmente sildenafil é um fármaco que é vendido sob os nomes


de Viagra, usado no tratamento da disfunção eréctil no homem.
[←140]

   O cavalo belga ou cavalo de tração belga, também conhecido como cavalo pesado belga,
Brabançon ou Brabante, é uma raça de cavalo de projecto da região de Brabant da Bélgica moderna, onde é chamado o
Cheval de trait belge ou holandês: Belgisch Trekpaard ou Brabants Trekpaard ou Brabander.
[←141]

      O GAU-19 / A é um canhão rotativo acionado eletricamente


que dispara o cartucho BMG .50
[←142]

Datura stramonium, vulgarmente designada como trombeta, trombeteira,


estramónio/estramônio, figueira-do-demo, figueira-do-diabo, figueira-do-inferno, figueira brava e zabumba, é uma erva ereta
anual, em média com 30 a 150 cm de altura.
[←143]

Atropa belladonna, conhecida pelo nome comum de beladona, é uma planta


subarbustiva perene pertencente à família Solanaceae, com distribuição natural na Europa, Norte de África e Ásia Ocidental e
naturalizada em partes da América do Norte.
[←144]

  A mandrágora é uma planta da família das Solanaceae, de


origem eurasiana, herbácea, acaule, dotada de flores campanuliformes (forma de sino) e frutos bacáceos. Seus frutos
amarelos, carnosos, aromáticos e tóxicos eram chamados de "as maçãs do diabo" pelos árabes devido a supostos efeitos
afrodisíacos.
[←145]

  Hyoscyamus niger, conhecida pelo nome comum de meimendro, é uma espécie de fanerógama
pertencente à família das solanáceas com distribuição natural em toda a Europa, Ásia Central, Ásia Ocidental e América do
Norte. Prefere terrenos arenosos, áreas ruderalizadas, taludes, terraplenos e bermas de estradas.
[←146]

    Balder ou Baldur (em nórdico antigo: Balðr), também citado como Baeldaeg (n. 243) em algumas
fontes históricas, é uma divindade da mitologia nórdica. É relacionado com a justiça e a sabedoria, e todos os deuses o
louvam pela sua beleza. Segundo algumas fontes, este deus seria filho de Odin e Frigga, segundo outras seria apenas um
"protegido" destes. Era, em qualquer dos casos, uma divindade da justiça e da sabedoria, e embora não pertencesse ao
núcleo de deuses superiores, Aesir, era-lhe permitida a permanência em Asgard.
[←147]

Edda em prosa, Edda jovem ou Edda de Snorri é um manual islandês de poesia escáldica e um
compêndio de mitologia nórdica. O trabalho foi escrito por Snorri Sturluson, um poeta, historiador e político islandês, por volta
do ano 1220
[←148]

      Os ulmeiros, olmeiros, olmos, lamigueiros ou lamegueiros são árvores de várias


espécies do gênero Ulmus L., família Ulmaceae. São grandes árvores nativas na Europa (sobretudo Ulmus minor, nativo da
Península Ibérica), alcançando os 30 metros de altura.
[←149]

  O crêpe Suzette é uma sobremesa da cozinha tradicional francesa. O crêpe Suzette é


uma maneira de cozinhar os crêpes que consiste em barrá-los com uma manteiga perfumada com sumo e raspa de tangerina
e um licor de laranja amarga, dobrá-los em quatro, regá-los depois com uma mistura de licores e servi-los em chama.
[←150]

   Harry Potter é uma série de sete romances de fantasia escrita pela autora britânica J. K. Rowling.
A série narra as aventuras de um jovem chamado Harry James Potter, que descobre aos 11 anos de idade que é um bruxo ao
ser convidado para estudar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
[←151]

  O shofar  é considerado um dos instrumentos de sopro mais antigos. Somente a flauta do


pastor – chamada ugav, na  Bíblia  – tem registro da mesma época, mas não tem função em serviços religiosos nos dias de
hoje. Feito de chifres de animais. Quem tiver curiosidade: O som do shofar https://www.youtube.com/watch?
v=sOJSjVp6UTc
[←152]
Francês: Cuir bouilli (Couro curtido). O couro ou coiro é a pele curtida de animais, utilizado como material nobre para
a confecção de diversos artefatos para o uso humano, tais como: sapatos, cintos, carteiras e bolas de determinados esportes
como basquete, entre outros.
[←153]

A Dollar General Corporation é uma cadeia americana de lojas de variedades


com sede em Goodlettsville, Tennessee. Em julho de 2018, a Dollar General operava 15.000 lojas nos Estados Unidos
continentais. A empresa começou em 1939 como uma empresa familiar chamada J.L.
[←154]

  Pedra-da-lua é um silicato de alumínio, potássio e sódio do grupo feldspato que exibe um brilho
perolado e opalescente.
[←155]

  A Wells Fargo é uma companhia de capital aberto nos Estados Unidos


que presta serviços financeiros. A sua rede de subsidiárias ligadas ao crédito pessoal estende-se ao Canadá, às Marianas
Setentrionais e às Caraíbas.
[←156]

   A formação tartaruga  era utilizada pelos  soldados  romanos  e tinha caráter  defensivo.
Consistia em dispor os escudos bem juntos uns dos outros formando um teto com eles, visando a proteger os legionários de
ataques com projéteis, por cima e pelos lados.
[←157]

  Napalm, NP é associado a um conjunto de líquidos inflamáveis à base de


gasolina gelificada, utilizados como armamento militar incendiário.
[←158]

  Espadas de dois gumes possuem as duas bordas cortantes.


[←159]

  Luz de fadas.
[←160]
Xamã é um portador de função religiosa, um sacerdote do xamanismo, que podem acessar outras dimensões, através
de um estado extático e fazer contato com aliados e espíritos ancestrais.
[←161]

Winnebago é uma aldeia localizada no estado


americano do Nebraska, no Condado de Thurston.
[←162]
Mais sobre a medicina Navajo: https://en.wikipedia.org/wiki/Navajo_medicine
[←163]

   Mekoryuk é uma cidade localizada no estado americano de Alasca, no


Condado de Berrien.
[←164]

    Nunivak é a segunda maior ilha no Mar de Bering. Pertence ao Alasca e está


coberta por permafrost. É de origem vulcânica e fica a cerca de 48 km ao largo da foz do rio Yukon e do Kuskokwim, sendo
cortada pelo paralelo 60 N.
[←165]

    Mulher de Nuniwarmiut, usando labrets de contas abaixo do lábio inferior, fotografia de Edward S.
Curtis, c. 1929
[←166]

  O permafrost ou pergelissolo é o tipo de solo encontrado na região do Ártico. É


constituído por terra, gelo e rochas permanentemente congelados.
[←167]

  Arame de concertina é uma barreira de segurança laminada, de forma espiralada possui


lâminas pontiagudas, cortantes e penetrantes. A concertina foi originada nas cercas utilizadas em ações militares que ficavam
no chão para impedir a ultrapassagem de um perímetro.
[←168]

Cão de crista chinês é uma raça de cão oriunda da China.


[←169]

Erawan ou Airavata. Mitologia Hindu, o rei dos


elefantes.
[←170]

O  Matador  é um  veículo blindado de transporte de pessoal  (APC) e um  veículo protegido para
enfrentar minas explosivas.
[←171]

O  casco em V  é um tipo de  projeto de  blindagem  de  veículo  usado em veículos  blindados de
transporte de pessoal (APC), veículos de mobilidade de infantaria, veículos de combate de infantaria (IFV) e MRAPs.
[←172]
Mitigação por Explosão é um plano ou sistema estratégico projetado para reduzir os efeitos de uma explosão,
causados por forças de energia e impulsos de pressão. É usado para impedir o voo de partículas de vidro, detritos e o colapso
de estruturas como resultado de uma explosão
[←173]

  Exemplo de um fuzil de precisão.


[←174]

     Os bisontes ou bisões são grandes mamíferos ungulados e ruminantes do género Bison,


da família Bovidae, com duas espécies ainda existentes: o bisonte-europeu, Bison bonasus; e o bisonte-americano, Bison
bison.
[←175]

  Skudakumooch. A bruxa é considerada uma das criaturas mais


assustadoras na mitologia Passamaquoddy e Micmac. Algumas vezes é retratada como o nascer do cadáver de um xamã que
praticava magia negra. A entidade considerada demoníaca, emerge a cada noite como um assassino através do poder de sua
mente. Elas podem ser mortas por fogo.
[←176]

Um dervixe é um praticante aderente ao islamismo sufista que segue o caminho


ascético da "Tariqah", conhecidos por sua extrema pobreza e austeridade. Neste aspecto, os dervixes são similares às ordens
mendicantes dos monges cristãos e dos sadhus hindus, budistas e jainistas.
[←177]

  Mitologia irlandesa. Banshee Negro (Alma Penada Sombria) É um espírito feminino cujo
lamento alerta para uma morte iminente em uma casa. As Banshee provêm da família das fadas, e é a forma mais obscura
delas. 
[←178]

    Aríete é uma antiga máquina de guerra que foi largamente utilizado nas Idades
Antiga e Média, para romper muralhas ou portões de castelos, fortalezas e povoações fortificadas.
[←179]

   mesa de tortura
[←180]

  Focinheira. Usado para evitar que o cão morda.


[←181]

  É um trecho do livro ‘O Príncipe’ de Nicolau Maquiavel.


[←182]

   O Príncipe Mestiço surge no sexto livro da série Harry Potter e, num primeiro momento,
nada sabia-se sobre ele. Ele fez várias anotações no seu exemplar do livro “Estudos Avançados no Preparo de Poções”
renomeado pelo mesmo "Livro de Poções do Príncipe Mestiço", que recebeu quando era aluno de Hogwarts. E depois
descobriu que era o Prof. Snap ‘Severo’ o Principe Mestiço.
[←183]
É um jogo popular entre os americanos. Fuck,  Marry,  Kill, (Foder, Casar, Matar) também conhecido como FMK,
Bang, Marry, Kill ou Kiss, Marry, Kill, é um jogo de perguntas hipotéticas. Três pessoas são propostas como sujeitos e você
escolhe qual seria o mais desejável para foder, casar e matar
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