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SUGESTÃO DE SONETOS
Exemplos de figuras de linguagem em sonetos (medida nova)
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Camões
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do m
al ficam as mágoas na lembrança,
E do bem* (se algum houve) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o d
oce canto*.
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"
*Antítese.
Temática: As mudanças
constantes
Alma minha gentil, que te partiste
Camões
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa l á no C
éu* eternamente,
E viva eu c
á na t erra* sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
*Antítese (lá/cá; céu/terra)
Temática: O amor e o sofrimento amoroso
- Amor neoplatônico versus amor concreto
Soneto XIII
Olavo Bilac
"Ora (direis) o
uvir estrelas*! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto*,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
*Prosopopeia.
Soneto XII
William Shakespeare (Tradução de Ivo Barroso)
Quando a hora dobra em triste e tardo toque
E em noite horrenda vejo escoar-se o dia*,
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
A prata a preta têmpora assedia**;
Quando vejo sem folha o tronco antigo
Que ao rebanho estendia a sombra franca
E em feixe atado agora o verde trigo
Seguir no carro, a barba hirsuta e branca;
Sobre tua beleza então questiono
Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
Pois as graças do mundo em abandono
Morrem ao ver nascendo a graça nova.
Contra a
foice do Tempo** é vão combate,
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.
*Antítese
**Metáfora
Vidas
Mário Quintana
Nós vivemos num mundo de espelhos,
mas os espelhos roubam nossa imagem*...
Quando eles se partirem numa infinidade de estilhas
seremos a
penas pó tapetando a paisagem**.
Homens virão, porém, de algum mundo selvagem
e, com estes brilhantes destroços de vidro,
nossas mulheres se adornarão, seus filhos
inventarão um jogo com o que sobrar dos ossos.
E não posso terminar a visão
porque ainda não terminou o soneto
e o tempo é uma tela que precisa ser tecida**...
Mas quem foi que tomou agora o
fio da minha vida**?
Que outro lábio canta, com a minha voz perdida,
nossa eterna primeira canção?!
*Prosopopeia.
**Metáfora.
Amor Fiel
Gregório de Matos
Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida**,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.
Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.
Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte* imploro
Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.
Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
*Antítese
**Metáfora.
Amar!
Florbela Espanca
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É b
em*?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida**:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser p
ó, cinza e nada***
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar*...
*Antítese
**Metáfora.
***Metonímia (para morte)
Fanatismo
Florbela Espanca
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver*.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que t u és já toda a minha vida!**
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma b oca divina**** fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos****, morrer astros,
Que tu és como Deus*****: princípio e fim**!..."
*Paradoxo
**Hipérbole
***Metáfora
****Prosopopeia
*****Comparação
Vandalismo
Augusto dos Anjos
Meu coração tem catedrais imensas*,
templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais**
E nesses templos claros e risonhos...
E erguendo os gládios e brandindo as hastas
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
*Metáfora e hipérbole.
** Comparação
Amor é fogo que arde sem se ver
Camões
Amor é fogo que arde sem se ver*,
é ferida que dói, e não se sente**;
é um contentamento descontente**,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente**;
é nunca contentar-se de contente**;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor
*Metáfora
**Paradoxo
A Carolina
Machado de Assis
Querida, ao pé do leito derradeiro*
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro**.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu*** passar unidos
E ora mortos nos deixa separados****.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
*Metáfora: Amor é fogo que arde sem se ver
** Hipérbole
***Prosopopeia
**** Antítese (unidos/separados)
Buscando a Cristo
Gregório de Matos
A vós correndo vou, b raços* sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos*, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para p erdoar-me**, estais despertos,
E, por não condenar-me**, estais fechados.
A vós, pregados p és*, por não deixar-me,
A vós, s angue* vertido, para ungir-me,
A vós, c abeça* baixa, p'ra chamar-me
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
*Metonímia
**Antítese