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EPCAR - CAVOK - Plantão/Revisão - 3º trimestre - 2022

SUGESTÃO DE SONETOS 
Exemplos de figuras de linguagem em sonetos (medida nova)
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades 
Camões 
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,  
Muda-se o ser, muda-se a confiança:  
Todo o mundo é composto de mudança,  
Tomando sempre novas qualidades.  
 
Continuamente vemos novidades,  
Diferentes em tudo da esperança:  
Do m
​ al​ ficam as mágoas na lembrança,  
E do ​bem*​ (se algum houve) as saudades.  
 
O tempo cobre o chão de verde manto,  
Que já coberto foi de neve fria,  
E em mim converte em ​choro​ o d
​ oce canto*​.  
 
E afora este mudar-se cada dia,  
Outra mudança faz de mor espanto,  
Que não se muda já como soía.  
 
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"​  
 
*Antítese.  
 
Temática: As mudanças
 
constantes
 
 
 
 
Alma minha gentil, que te partiste 
Camões 
 
Alma minha gentil, que te partiste 
Tão cedo desta vida descontente, 
Repousa l​ á​ no C
​ éu*​ eternamente, 
E viva eu c
​ á​ na t​ erra*​ sempre triste. 
 
Se lá no assento etéreo, onde subiste, 
Memória desta vida se consente, 
Não te esqueças daquele amor ardente 
Que já nos olhos meus tão puro viste. 
 
E se vires que pode merecer-te 
Alguma cousa a dor que me ficou 
Da mágoa, sem remédio, de perder-te; 
 
Roga a Deus que teus anos encurtou, 
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
Quão cedo de meus olhos te levou. 
 
*Antítese (lá/cá; céu/terra)  
 
  Temática: O amor e o sofrimento amoroso
  - Amor neoplatônico versus amor concreto
 
 
 
 
 
 
 
Soneto XIII 
Olavo Bilac 
 
"Ora (direis) o
​ uvir estrelas*​! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto… 
 
E conversamos toda a noite, enquanto 
A via-láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do ​sol, saudoso e em pranto*​, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 
 
Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 
 
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas." 
 
*Prosopopeia.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Soneto XII 
William Shakespeare (Tradução de Ivo Barroso) 
 
Quando a hora dobra em triste e tardo toque 
E em ​noite​ horrenda vejo escoar-se o ​dia*​, 
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que 
A prata a preta têmpora assedia**​; 
 
Quando vejo sem folha o tronco antigo 
Que ao rebanho estendia a sombra franca 
E em feixe atado agora o verde trigo 
Seguir no carro, a barba hirsuta e branca; 
 
Sobre tua beleza então questiono 
Que há de sofrer do Tempo a dura prova, 
Pois as graças do mundo em abandono 
Morrem ao ver nascendo a graça nova. 
 
Contra a
​ foice do Tempo**​ é vão combate, 
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate. 
 
*Antítese 
**Metáfora   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Vidas 
Mário Quintana 
 
Nós vivemos num mundo de espelhos, 
mas ​os espelhos roubam nossa imagem*​... 
Quando eles se partirem numa infinidade de estilhas 
seremos a
​ penas pó tapetando a paisagem**​. 
 
Homens virão, porém, de algum mundo selvagem 
e, com estes brilhantes destroços de vidro, 
nossas mulheres se adornarão, seus filhos 
inventarão um jogo com o que sobrar dos ossos. 
 
E não posso terminar a visão 
porque ainda não terminou o soneto 
e ​o tempo é uma tela que precisa ser tecida**​... 
 
Mas quem foi que tomou agora o
​ fio da minha vida**​? 
Que outro lábio canta, com a minha voz perdida, 
nossa eterna primeira canção?! 
 
*Prosopopeia.  
**Metáfora.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Amor Fiel 
Gregório de Matos 
 
Ó tu do meu amor fiel traslado  
Mariposa entre as chamas consumida**​,  
Pois se à força do ardor perdes a vida,  
A violência do fogo me há prostrado.  
 
Tu de amante o teu fim hás encontrado,  
Essa flama girando apetecida;  
Eu girando uma penha endurecida,  
No fogo que exalou, morro abrasado.  
 
Ambos de firmes anelando chamas,  
Tu a ​vida​ deixas, eu a ​morte*​ imploro  
Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.  
 
Mas ai! que a diferença entre nós choro,  
Pois acabando tu ao fogo, que amas,  
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro. 
 
 
*Antítese  
**Metáfora.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Amar! 
Florbela Espanca 
 
Eu quero amar, amar perdidamente! 
Amar só por amar: aqui... além... 
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente... 
Amar! Amar! E não amar ninguém! 
 
Recordar​? ​Esquecer​? Indiferente!... 
Prender ​ou ​desprender​? É ​mal​? É b
​ em*​? 
Quem disser que se pode amar alguém 
Durante a vida inteira é porque mente! 
 
Há uma primavera em cada vida**​: 
É preciso cantá-la assim florida, 
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! 
 
E se um dia hei-de ser p
​ ó, cinza e nada*** 
Que seja a minha noite uma alvorada, 
Que me saiba ​perder​... pra me ​encontrar*​... 
 
*Antítese  
**Metáfora.  
***Metonímia (para morte)  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fanatismo 
Florbela Espanca 
 
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.  
Meus olhos andam cegos de te ver*.  
Não és sequer razão do meu viver  
Pois que t​ u és já toda a minha vida​!**  
 
Não vejo nada assim enlouquecida...  
Passo no mundo, meu Amor, a ler  
No mist'rioso livro do teu ser  
A mesma história tantas vezes lida!...  
 
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...  
Quando me dizem isto, toda a graça  
Duma b ​ oca divina****​ fala em mim!  
 
E, olhos postos em ti, digo de rastros:  
"Ah! podem ​voar mundos****​, morrer astros,  
Que ​tu és como Deus*****: princípio e fim**​!..."  
 
 
*Paradoxo 
**Hipérbole 
***Metáfora 
****Prosopopeia 
*****Comparação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Vandalismo 
Augusto dos Anjos 
 
Meu coração tem catedrais imensas*​, 
templos de priscas e longínquas datas, 
Onde um nume de amor, em serenatas, 
Canta a aleluia virginal das crenças. 
 
Na ogiva fúlgida e nas colunatas 
Vertem lustrais irradiações intensas, 
Cintilações de lâmpadas suspensas 
E as ametistas e os florões e as pratas. 
 
Como os velhos templários medievais, 
Entrei um dia nessas catedrais** 
E nesses templos claros e risonhos... 
 
E erguendo os gládios e brandindo as hastas 
No desespero dos iconoclastas 
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos! 
 
*Metáfora e hipérbole.  
** Comparação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Amor é fogo que arde sem se ver 
Camões 
 
Amor é fogo que arde sem se ver*​, 
é ferida que dói, e não se sente**; 
é um contentamento descontente**, 
é dor que desatina sem doer​. 
 
É um não querer mais que bem querer; 
é um andar solitário entre a gente**​; 
é nunca contentar-se de contente**; 
é um cuidar que ganha em se perder. 
 
É querer estar preso por vontade; 
é servir a quem vence, o vencedor; 
é ter com quem nos mata, lealdade. 
 
Mas como causar pode seu favor 
nos corações humanos amizade, 
se tão contrário a si é o mesmo Amor 
 
*Metáfora 
**Paradoxo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Carolina 
Machado de Assis 
 
Querida, ao pé do ​leito derradeiro* 
Em que descansas dessa longa vida, 
Aqui venho e virei, pobre querida, 
Trazer-te o coração do companheiro.  
 
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro 
Que, a despeito de toda humana lida, 
Fez a nossa existência apetecida 
E ​num recanto pôs um mundo inteiro**​.  
 
Trago-te flores, - restos arrancados 
Da terra que nos viu***​ passar ​unidos 
E ora mortos nos deixa ​separados****​.  
 
Que eu, se tenho nos olhos malferidos 
Pensamentos de vida formulados, 
São pensamentos idos e vividos. 
 
*Metáfora: Amor é fogo que arde sem se ver 
** Hipérbole 
***Prosopopeia 
**** Antítese (unidos/separados) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Buscando a Cristo 
Gregório de Matos 
 
A vós correndo vou, b ​ raços*​ sagrados, 
Nessa cruz sacrossanta descobertos 
Que, para receber-me, estais abertos, 
E, por não castigar-me, estais cravados. 
 
A vós, divinos ​olhos*​, eclipsados 
De tanto sangue e lágrimas abertos, 
Pois, para p ​ erdoar-me**​, estais despertos, 
E, por não c​ondenar-me**​, estais fechados. 
 
A vós, pregados p ​ és*​, por não deixar-me, 
A vós, s​ angue*​ vertido, para ungir-me, 
A vós, c ​ abeça*​ baixa, p'ra chamar-me 
 
A vós, lado patente, quero unir-me, 
A vós, cravos preciosos, quero atar-me, 
Para ficar unido, atado e firme. 
 
*Metonímia 
**Antítese 
 

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