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O ensino como trabelho: uma abordagem discursiva

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e orno considerar as formas de fazer do professor quando
se adota o ponto de vista da análise do trabalho, e o que
traz de novo esse ponto de vista? É a essa questão que
este capítulo se propõe a responder, tendo por base os trabalhos
desenvolvidos pela equipe ERGAPE 1 (AMIGUES, FAi'TA &
KHERROUBI, 2003).
É muito freqüente, quando se fala do trabalho do professor,
usar categorias do senso comum: trabalhar é utilizar meios para
atingir um fim. Nessa perspectiva, os meios considerados são os
programas, os métodos pedagógicos ou didáticos (no sentido
francófono) que levam os alunos a aprender a ler ou a escrever tal
ou tal tipo de texto (científico, literário...), a resolver tal tipo de
problema de aritmética, etc.
·~
Dessa perspectiva, a ação do professor é naturalmente
1 considerada do ponto de vista prescritivo ou normativo da
instituição: o melhor meio de caracterizar as práticas pedagógicas,
o que faz a sua eficácia, consiste em avaliar a distância entre os

1 ERGAPE: Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação.

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Trabalho do professor e trabalboJ!e en.slnLU.0_ _ _ _ _ _
O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva

desempenhos escolares e o que é definido pela instituição como concreta, do mesmo modo como as caracteristicas desta última
objetivo de aprendizagem para os alunos. não correspondem à situação prototípica por eles proposta.
1 .
Do lado da pesquisa, essa ação é também naturalmente No capítulo anterior, F. Saujat mostra que há uma abundante
considerada de um ponto de vista positivista e aplicacionista: se literatura sobre ali práticas dos professores. Elas são complexas e
sabemos como as crianças aprendem, então saberiamos como suas dimensões (cognitivas, afetivas, didáticas, sociais, históricas,
ensinar a elas. Logo, os professores deveriam integrar em suas psicológicas, culturais, identitárias...) são estudadas separadamente·
práticas os resultados da pesquisa fundamental desenvolvida n~; pelas disciplinas (Psicologia, Sociologia, Lingüística. ..), embora se
laboratórios ou realizada experimentalmente em campo (sobre os integrem nas condutas dos professores. Quais são 3.l! dimensões
processos de compreensão de textos, os modos de raciocínio mobilizadas e como o professor recorre a elas para enfrentar uma
científicos, as estratégias de resolução de problemas em dada situação? Para tentar responder a essas questões, seguindo
matemática, etc.) para que os alunos, em situações comuns, os trabalhos de Vygotski (1934, 1985), consideraremos a atividade

aprendessem melhor. como unidade de análise da conduta do professor.

De acordo com esses pontos de vista, os valores desse


trabalho não são atribuídos pelas próprias pessoas que exercem o
oficio, mas por pessoas que__se ac~am fora dele; e geralmente as A ATIVIDADE COMO UNIDADE DE ANÁLISE
ações dos professores são submetidas a céticas repetitivas: o que é
feito não corresponde ao que deveria ter sido feito, os professores Em sua origem, a teoria da atividade (LEONTIEV, 1974,
utilizam meios diferentes dos que deveriam utilizar, etc. Em suma, · 1984), oriunda das teses vygotiskianas, foi proposta pelos
psicólogos russos do desenvolvimento e da .educação. Mas foi
trata-se de julgamentos externos que incidem sobre as formas do
primeiro no campo da psicologia do trabalho e da ergonomia de
fazer do professor, que não são estudados por si mesmas e que se
desenvolvem em ·situações reais, que também não são objeto de
lingua francesa que a atividade passou a ter função heurística,
permitindo formular teoricamente a questão da articulação entre
uma análise particular. Iss0 ocorre sem dúvida porque a atividade
a tarefa e a atividade, de um lado, e a distância entre o trabalho
do professor e as situações de trabalho são consideradas conhecidas
prescrito e o trabalho real, de outro. A tarefa refere-se ao que de11e
pelos que tomam decisões sobre elas e pelos pesquisadores, ou
serfeito e pode ser objetivamente descrita em termos de condições
porque elas são suficientemente conhecidas por eles para que as
e de objetivo, de meios (materiais, técnicos...) utilizados pelo sujeito.
questões sobre as prescrições, as rráricas efetivas e de_formação
A atividade corresponde ao que ostefeitofaz mentalmente para realizar
possam lhes parecer problemáticas. Por exemplo, os que concebem
essa tarefa, não sendo portap.to diretamente observável mas
um cenário pedagógico ou didático não integram em seu
inferida a partir da ação concretamente realizada pelo sujeito. Logo,
dispositivo as dimensões da atividade do professor em situação

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l ·-
O ensino como trabalho: uma abordagem dlscul'SMI Trabalho do professor e trabalho de ensino

ela remete, classicamente, aos processos cognitivos, aos cálculos exercícios ou de textos quando as a11/as estão balidas, pani não se
mentais ou estratégias a que o sujeito recorre para organizar os entediar ou pelo prazer de faz.er de outrojeito.
meios que lhe permitirão alcançar o objetivo da ação. ação versus atividade A ação e à atividade não estão sujeitas às mesmas restrições
No domínio do trabalho, a tarefa não é definida pelo próprio espaciais e temporais. Se a primeira remete a uma situação
sujeito; as condições e o objetivo de sua ação são prescritos pelos particular, a condições de •realização e a um objetivo bem preciso,
planejadores, pela hierarquia. Há geralmente uma distância a segunda deve combinar várias lógicas e várias temporalidades.
sistemática entre o trabalho tal como é prescrito e o trabalho A atividade pode ser considerada o relaáunamento de diversoI objetoI
efetivamente realizado pelo operador. A análise da atividade que leva o sujeito a fazer um acordo consigo mesmo: A atividade
permite compreender essa distância, principalmente levando em [é] o reflexo e a construção de uma lústória: a de um sujeito ativo
consideração o ponto de vista subjetivo do ator e o que ele constrói que arbitra entre o que Ie exige dele e o que iuo exige dele, a história de
de modo mais ou menos conflitual para regular essa distância. É um sujeito dividido em suas dimensões fisiológicas, psicológicas e
nessa tensão entre o prescrito e o realizado que o sujeito vai sociais e que sempre deve construir sua unicidade regulando a
mobilizar e construir recursos que contribuirão para seu relação que o liga ao real e aos outros (NOULIN, 1995). Esse
desenvolvimento profis_sional e pessoal. ponto de vista teórico permite lançar um olhar sobre objetos
A esse respeito, um passo além foi recentemente dado por geralmente ignorados pela pesquisa em educação e, assim, propõe
Oot (1999): a atividade não se limitaria ao que é realizado pelo um olhar renovàdo sobre as práticas dos professores. São
sujeito, mas compreenderia também o que ele não chega a fazer, apresentados resumidamente a seguir objetos constitutivos da
o que se abstém de fazer, o que queria ter feito, etc. atividade do professor.
Freqüentemente, no domínio do ensino, o não realizado é
mais importante do que o que foi efetuado; Ó fato de que tudo co"e
bem não gera necessariamente uma satisfação no professor, que
não pode ir até onde queria; as esc01has feitas e as decisões tomadas,
mesmo que sejam julgadas eficazes por ele, não estão isentas de
j O TRABALHO DO PROFESSOR: UMA ATIVIDADE
INSTRUMENTADA E DIRECIONADA

dúvidas e de incertezas no tocante à sua validade. Na atividade, · A atividade do professor dirige-se não apenas aos alunos,
como bem mostra Clot (1999), o realizado e o não-realizado têm
f mas também à instituição que o emprega, aos pais, a outros
a mesma importância; mas, além disso, se inscrevem numa profissionais. Ela também busca seus meios de agir nas técnicas
dinâmica em que são colocados em perspectiva: como fazer o que profissionais que se constituíram no .decorrer da história da
não foi feito?; romo retomar o que não fancionou?, etc. Mas é também escola e do ofício de professo~ Em outros termos, a atividade
isso o que ocorre com o professor, que muda uma série de não é a de um indivíduo destituído de ferramentas, socialmente

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O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva Trabalho do professor e trabalho de ensino

isolado e dissociado da história; pelo contrário, ela é socialmente Os coletivos: As dimensões coletivas da atividade do
situada e constantemente mediada por objetos que constituem - const
professor raramente sao · ·d era d a s _ não se diz que o
um sistema. Para agir, o professor deve estabelecer e coordenar individualismo· caracteriza esse tipo de profissão?.-, do mesmo
relações, na forma de compromisso, entre vários objetos modo como a atmdade fara-da-a11/a é freqüentemente considerada
constitutivos de sua atividade. resíduo do trabalho, mesmo quando, na França, esse oficio sofre
As prescrições: Geralmente ausentes das análises sobre a um aNmento das tarefas de ensino para melhor atender às finalidades
ação do professor, as prescrições desempenham no entanto um sociais da escola. Esse trabalho de concepção leva os professores
papel decisivo do ponto de vista da atividade. Para a psicologia do a organizar seu ambien~e de trabalho, a se mobiliz.ar para
trabalho ou para a ergonomia de língua francesa, as prescrições • prescnçoes
construírem uma resposta comum as · - rr
\~ATA.ILLADE A ,

não servem apenas como desencadeadoras da açã@ do professor, MENCHERINI, 2000; BLANCHI, 2003; LATA.ILLADE, 2003).
sendo também constitutivas de sua atividade. Por exemplo2, os
professores das escolas devem introduzir a literatura em lugar da i Isso se traduz, por exemplo, na concepção de fichas pedagógicas
e de avaliação, na organização dos grupos de alunos ou na
leitura, no ciclo 3 da escola elementar (nas duas últimas classes do
constituição de classes, etc.
ensino primário, 9 e 10 anos) com uma carga horária de 4h30 por
Assim, a partir das prescrições iniciais, os professores,
semana. Isso vai bem além de um simples arranjo de horário, da
coletivamente, se em autoprescrevem tarefas, que cada professor
reorganização do conjunto das atividades de classe, do repensar o
vai retomar e redefinir em sua classe ou suas classes. Esses coletivos
conteúdo das tarefas de leitura, os tipos de textos, mobilizar outros
assumem formas diversas: na escola primária (tntra-ciclos e inter-
saberes, etc. A realização de uma prescrição traduz-se pelo
ciclos), em relação mais ou menos estreita com os conselheiros
reorganização tanto do meio de trabalho do professor como do
pedagógicos de circunscrição. Nos estabelecimentos do segundo
dos alunos.
grau, um mesmo professor pertence a vários coletivos: o dos
Este exemplo ilustra que o trabalho do professor inscreve-se
professores da disciplina, o dos professores da classe, etc. Mas
em uma organização com prescrições vagas, que levam os
cada professor pertence também a um outro coletivo mais amplo,
professores a rede.fuur° para si mesmos as tarefas que lhes são
o da profissão (ESPINASSY, 2003).
prescritas, de modo a definir as tarefas que eles vão, por sua vez,
prescrever aos alunos. Assim, a relação entre a prescrição inicial e As regras do oficio: Compreende-se por regras do oficio

sua realização junto aos alunos não é direta, mas mediada por um aquilo que liga os profissionais entre si. São, ao mesmo tempo,
. .
trabalho de concepção e de organiza~ão de um meio ·que. uma memória comum e uma caixa de ferramentas, cujo uso
geralmente apresenta formas coletivas. especificado pode, com o tempo, gerar i.µna renovação nos modos
de fazer e pode ainda ser fon,te de controvérs~ profissionais.
• Este aemplo rtlcrc:-sc its escolas francesas. N.T. Mas fica disso a constatação de que essas regras reúnem gestos

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O ensino como lnlbalho: uma abordagem dlscul"SMI Trabalho do proressor e trabalho de ensino

gmiri= relativos ao conjunto dos professores e gestos e.spedjiçgt, subjetivas, relacionadas à história do indivíduo, a seu engajamento
relativos, por exemplo, à disciplina. e desenvolvimento profissionais, como vimos por exemplo no
As ferramentas: O professor utiliza mais ferramentas caso do ditado. Mas essas dimensões subjetivas, atravessadas por
concebidas por outros do que por de mesmo: recorre a manuais, conflitos, dilemas e contradições, estão também em relação com
fichas pedagógicas, exercícios já construídos, tirados de arquivos, valtJrer. como fazer para não deixar alunos pacados ao longo do
emprestados de colegas ou construídos por ele mesmo. Inscritos caminho, como constituir grupos sem estigmatizar alunos em
em uma tradição pedagógica e na história do oficio (como o quadro dificuldade, como controlar a si mesmo para ser eficaz, e assim
negro, por exemplo), as ferramentas que os professores utilizam por diante.
estão a serviço das técnicas de ensino. Por exemplo, o uso do No seu conjunto, a atividade pode ser considerada o ponto
quadro negro pode diferir de acordo com a disciplina ensinada de encontro de várias histórias (da instituição, do oficio, do
(matemática vmus língua estrangeira). Além disso, essas ferramentas indivíduo, do estabelecimento...), ponto a partir do qual o professor
são &cqüentemente traniformadas pelos professores para ganhar vai estabelecer relações com as prescrições, com as ferramentas,
eficácia. Por exemplo, uma professora primária, no começo de com a tarefa a ser realizada, com os outros (seus colegas, a
sua carreira, fazia um ditado semanal, escolhendo textos de autores. administração, os alunos...), com os valores e consigo mesmo
Com o tempo, achou esse exerácio pouco produtivo e passou a (AMIGUES, 2003). Trata-se de um ponto de encontro convocado
criar um tex to a cada quinze dias, retomando as palavras a se renovar sob o efeito_ da realização da ação e do
trabalhadas nesse período. Assim, o trabalho dessa professora, desenvolvimento da experiência_profissional.
realizado durante anos, molda a ferramenta ditado como um Assim, o trabalho do professor, contrariando algumas idéias
instrumento de sua ação, ganha'n do em eficiência e, estabelecidas; não é uma atividade individual, limitada à sala de
conseqüentemente, tornando-se um objeto significante para os aula e às interações com os alunos, atividade que se praticaria sem
alunos (é ll11lll refmncia q11e terve para todos), que pensam em w.z alta ferramentas, fora de qualquer tradição profissional. Ao conttá.tio,
as regras ortográficas. ele é wn oficio e um trabalho como qualquer outro (FA!TA, 2003),
Esses exemplos ilustram a transformação de ferramenta em e, nos termos de Terssac (2002), apresenta-se, ao mesmo tempo,
instrumento para a ação, o que Rabardel (1995) chama degênese como uma atividade regulada explícita ou implicitamente, como uma
inslrllmmtaL Assim, a análise da atividade ressalta a importância atividade ionlinlllZ de i111Je11çãq de somções, e, enfim, como uma atividade
das ferramentas na interação entre um sujeito e uma tarefa, não coletiva. Convém enti:etanto observar ainda que essa atividade de
somente para aumentar a eficiência dos gestos, mas também como concepção e de organização de um mei9 de trabalho é certamente
meios de reorganizar sua própria atividade. É geralmente o que se orientada para a ativida<!.e dos alunos, mas também paI!l o
designa com a expressão relação consigo mesmo, isto é, as dimensões professor, que vai ser o executor de sua própria concepção. Essa

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O ensino como ll'llbalho: uma abordagem discursiva
Trabalho do professor e trabalho de ensino

face on1/ta do trabalho d o pro1essor,


e • •
evidenciada por uma E é com o controle das modificações geradas nesse meio nas ações
aborrln- . . e
•"-""6'-U.l etgononuca, comece elementos para a compreensão dos alunos que evoluirá a relação deles com as ferramentas
dos modos de regulaçao - d a atlvt
· "dade dos alunos durante sua
semióticas a serem adquiridas e com o sentido de sua ação.
realização em aula, algo que a simples observação do Esse meio abrange as ferramentas e os recursos necessários
funcionamento do professor em aula não permitiria esclarecer. para a construção de uma-resposta a uma questão que a classe é
levada a se colocar: - como se pode calai/ar a área de 11111 retângt1lo?
Assim, os alunos se servem dos recursos para a ação existentes
O TRABALHO DE ENSINO: UM TRABALHO DE nesse meio - material, técnico, social e simbólico - proposto pelo
CONCEPÇÃO, DE ORGANIZAÇÃO E DE REGULAÇÃO professor. Mas sua relação com ele é mediada pelo professor, que
DO MEIO DE TRABALHO DOS ALUNOS orienta a ação e a reflexão dos alunos sobre os objetos sennveis ou
pertinentes, no âmbito de um questionamento didático. Por exemplo,
A partir das prescrições e da redefinição que os professores um gesto profissional clássico, sobretudo na escola maternal
fazem delas, cada professor efetua escolhas a partir das quais (AMIGUES, 2000), consiste cm associar os alunos na organização
ou na restauração desse meio. O q11e é prer:iso fazer se a gente q11er
estabelece uma relação com os alunos através de um meio de trabalho,
contar? Venha nos mostrar. .. Vinis estão de acordo? •.• O q11e (jlle ele esq11eau?
que lhes permitirá fazer, com a ajuda de ferramentas semióticas.
OK, _então, agora, podemos contar? Esse meio oonstinúdo pelo professor
Vunos antes que o professor utiliza ferramentas para conduzir a
é constantemente reconstruído pela ação coletiva, e a cooperação
aula. Mas o fato de essas ferramentas preexistirem não significa
professor-alunos realiza-se no quadro do questionamento didático
que seu uso seja padronizado. Pelo contrário! Retomando o exemplo
que fixa a "matéria a ser pensada e o ~odo de fazer e de dizer"
do quadro negro, vimos que seu uso· específico depende da
(AMIGUES, 2000, 2003). É pelo engajamento dialógico dos alunos
disciplina. Entretanto, sua função didática não é fixada de uma
que se realiza a co-construção desse meio, no qual estes podem se
vez por todas, podendo variar em termos do modo de fazer os apropriar das ferramentas e das técnicas de pensar. A
alunos participarem (correção de um exercício, fazer uma apropriação designa a reconstrução ativa e intencionalmente
demonstração no quadro diante da classe, etc.); a depender dos compartilhada desse meio, que abre novas possibilidades de
momentos, o quadro pode ser um auxílio para estruturar um ação. Envolve, ao mesmo tempo, a incorporação das condições
\.
racioqnio ou para tomar notas, para um rascunho público, um registro de realização e a reconstrução de esquemas de pensamento
de trabalho, etc. Enquanto intermediário entre o escrito e o oral, desenvolvidos nesse meio. O aluno não se apropria
o escrito público/privado (do quadro negro ao caderno, por imediatamente da ferramenta com as .funcionalidades fixadas
exemplo), o quadro tem nas aprendizagens escolares funções a priori pelo professor; deixa7a à mão, reinterpretando essas
didáticas e cognitivas que constituem referências para os alunos. funcionalidades para colocá-las a serviço de sua ação.

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O l!fÚll como trabltlho: u m a ~ ~
Trabalho do professor e trabalho de ensino

Rcencootnmos ai, do lado dos alunos, a questão da gbust


dificuldade, mas também uma fonte de prazer e de satisfação
já mencionada cm relação ao professor. De fato, a
profissional Mas é sem dúvida também uma fonte de fadiga ligada
transfotmaçio de uma ferramenta cm instrumento de pensamento, a um esforço constantemente renovado de constituir o mdo-aula
rua situação de aula. pode provocar reorganizações cognitivas de
e de manter sua atividade.
maior ou menor n:lcvânci.a, a depender de cada aluno. Ela não Contudo, o esgotamento do professor também está ligado à
ocorre de uma só \'CZ nem no mesmo momento para todos os especificidade de sua atividade: o professor é, ao mesmo tempo,
alunos, o que se traduz no engajamento diferenciado ddcs na um profissional que prescreve tarefas dirigidas aos alunos e a ele
tare&., que é uma fonte de dificuldade profissional contínua para mesmo; um organizador do trabalho dos alunos, que ele deve
os professores.
regular ao mesmo tempo em que os mobiliza coletivamente para
Mas mmbém reencontramos aí a questão da atividade como · a própria organização da tarefa; um planejador, que deve
unidade de aruilise, pois essa transformação instrumental da parte reconceber as situações futuras em função da ação conjunta
dos alunos também não se realiza solitariamcnte. Os alunos conduzida por ·ele e por seus alunos, em função dos avanços
desenvolvem ações, tomam iniciativas na realização da tarefa que realizados e das prescrições. Assim, as dimensões organizadoras
dependem das relações que mantêm com essa . tarefa, com as do trabalho do professor- para ele mesmo e para os outros - não
fcrramcnras paa rcalizâ-la, com outros alunos, com o professor e podem, do ponto de vista da atividade, reduzir-se à alternância

"oo
com a história didática da classe, tudo isso recursos para saber o entre fases de concepção e fases de realização. A atividade
fM .fa:<!r. Uma das respostas à dificuldade profissional distribuída em diversos lugares e de acordo com diferentes
mencionada acima consiste, portanto, da parte do professor, cm temporalidades produz urna continuidade psicológica que não
csttururar o meio e o grupo de alunos num ambiente de trabalho pode ser reduzida apenas à ação. O projeto que o professor tenta
singular., o mtHZJila. Assim, o meio-aula desempenharia para os realizar situa-se além da realização particular de uma ação, mesmo
alunos o papel de wna organização cognitiva portadora de wna que cada ação ponha de novo em jogo esse projeto,
memória coletiva e de regras sociais que cada um redescobre conscientemente ou não. Esse ponto de vista permite ressituar as
através de sua própria ação. Para o professor,gmr a dasst é construir relações entre ensino e aprendizagem.
as dimensões colem-as da ação individual, e ter uma dasst q11efimaona
é aio só ter bons alunos, mas um coletivo coeso soldado e pronto
para se engajar na ação: coesíio do grupo e coerência das aquisições
sustentam-se mutuamente.
Gerir a chssc, organizar o trabalho do coletivo, talvez seja
para o proÍC$SOC não apenas uma forma de ultrapassar uma

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Trallalho do professor e trabalho <le ensino
O ensino como 11'8balho: uma abordagem <IIScurslva - - - - --

RESSITUAR BREVEMENTE AS RELAÇÕES ENI'RE ele. Mas essa sucessão temporal também provoca retomadas,
ENSINO E APRENDIZAGEM reformulações públicas, durante a aula, que permitem a apropriação
de conhecimentos ou sua reorganização posterior, fora do tempo
O objero da atividade do professor consiste em or:ganizar de ensino, num tempo que vem depois dele. Logo, o ensino
um meio de trabalho coletivo dos alunos para instaurar neles uma também desencadeia, de modo mais privado, longe do olhar do
relação cultural com um objeto de conhecimento, a fim de professor, processos internos de reelaboração dos conhecimentos, .
modificar sua r.elaçã0 pessoal com esse conhecimento. Ess·a que, em ligação com a aprendizagem, dizem respeito ao
atividade tem como meta o oijeto.de horizynte que é a aprendizagem desenvolvimento. Assim, a aprendizagem escolar não se esgota
dos alunos. A exemplo da cura de um paciente pelo médico, a na atividade de ensino que a gera, assim como o trabalho do
aprendizagem dos alunos representa para o professor um objetivo professor não pode ser analisado a partir do desempenho
longínquo e incerto para o qual tende sua ação. Essa distância escolar dos alunos. para emoldurar
remete à relação entre ensino e aprendizagem em dimensões
temporais e dinâmicas espeáficas a cada um desses dois processos. DISCUSSÃO
Em outras palavras, o tempo de ensino não é paralelo ao tempo
de aprendizagem, não podendo essas duas temporalidades ser Este capítulo apresentou a contribuição de uma abordagem
sobrepostas ou confundidas. ergonômica da atividade dos professores. Considerar a atividade
Convêm lembrar que as aprendizagens conceituais que a como unidade de análise é ~ma tentativa de dar conta da
escola propõe se situam no longo prazo. Basta pensar na complexidade das condutas dos professores e das situações de
aprendizagem de ler-escrever ou da matemática, como Vergnaud trabalho. Embora não se reduza às ações desenvolvidas em aula,
(1990) o demonstrou. Do ponto de vista do profess0r, a dimensão o trabalho do professor permite compreender o trabalho de ensino
temporal da aprendizagem considerada a longo prazo situa-se no realizado em aula. A abordagem proposta elucida aspectos do
ano escolar e visa à aquisição de noções ou de competências que trabalho deixados na sombra pela maioria das pesquisas em
serão objeto de uma avaliação. A médio prazo, visa à aquisição de educação. Longe de ser resíduos, esses aspect.os constituem o próprio
noções e procedimentos referentes a um domínio de conhecimento cerne do oficio dó professor.
particular (geometria, eletrocinética, etc.). A curto prazo, envolve Essa abordagem mostra ainda que o resultado da atividade
a apropriação de ferramentas ou de uma técnica operatória do professor não é, propriamente falando, a aprendizagem dos
relacionadas com um uso local finalizado. alunos, mas a constituição de meios de trabalho, primeiro para
Do ponto de vista do aluno, o desenvolvimento temporal do que os professores concebam ~eu próprio trabalho e, em seguida,
ensino suscita atividades cognitivas que não poderiam ocorrer sem para os alunos, que devem se engajar em atividades de

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O ensino como lnlbalho: uma abordagem discursiva Trabalho do professor e lrallalho de ensino

conceitualização. Ressaltamos ainda que as atividades de Oot, Y. 1999. Lifondion p!Jchologiq11e tÍII travail Paris: P.U.F.
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