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NUTRIGENÉTICA

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EAD

EDIÇÃO: FEVEREIRO/2023
SUMÁRIO

UNIDADE 01 - CONCEITOS EM GENÉTICA


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM............................................................6
INTRODUÇÃO.........................................................................................7
1. BASES DA GENÉTICA HUMANA.....................................................7

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1.1 Leis de Mendel................................................................................8
1.2 Transmissão da informação genética...............................................9
1.3 Padrões de herança.......................................................................10
1.4 Herança autossômica recessiva......................................................10
1.5 Herança autossômica dominante...................................................11
1.6 Herança ligada ao gênero..............................................................11
1.7 Estruturas do DNA.........................................................................12
2. DO DNA À PROTEÍNA...................................................................14
2.1 Erros inatos do metabolismo.........................................................16
2.2 Fenilcetonúria...............................................................................17
2.3 Ligando o genótipo ao fenótipo: a doença das células falciformes .17
3. ESTUDOS DA HEMOGLOBINA HUMANA ESTABELECERAM QUE UM
GENE CODIFICA UM POLIPEPTÍDEO............................................18
4. VARIAÇÃO NA ESTRUTURA PROTEICA: FORNECE A BASE DA DI-
VERSIDADE BIOLÓGICA...............................................................19
4.1 A modificação pós-traducional altera o produto proteico final.......21
4.2 As proteínas funcionam em muitos papéis diferentes....................23
4.3 As proteínas são constituídas de um ou mais domínios funcionais.24
5. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA GENÉTICA DE POPULAÇÕES...............24
6. BIOTECNOLOGIA EM GENÉTICA E MEDICINA.............................25
7. GENÔMICA, PROTEÔMICA E BIOINFORMÁTICA: NOVAS ÁREAS EM
EXPANSÃO....................................................................................26
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................27
UNIDADE 02 - DA GENÉTICA À NUTRIÇÃO MOLECULAR
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................28
INTRODUÇÃO.......................................................................................29
SUMÁRIO

1. FUNDAMENTOS DA NUTRIGENÔMICA.......................................29
1.1 Mecanismos de atuação de nutrientes e CBA na regulação da expres-
são gênica......................................................................................30
1.2 Nutrientes, CBA e receptores celulares..........................................31
1.3 Resposta pró-inflamatória na obesidade........................................33

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1.4 Nutrigenômica e estresse oxidativo...............................................33
1.5 Nutrigenômica e ácidos graxos......................................................34
2. NUTRIGENÉTICA..........................................................................35
3. EPIGENÉTICA E NUTRIÇÃO..........................................................37
4. METABOLÔMICA..........................................................................42
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................46
UNIDADE 03 - XXX
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................48
INTRODUÇÃO.......................................................................................49
1. GLICOSE E FRUTOSE.....................................................................49
1.1 Aspectos bioquímicos e fisiológicos da glicose e da frutose............50
1.2 Interação genes-nutrientes............................................................52
1.3 Erros inatos do metabolismo da frutose.........................................53
1.4 Frutose: expressão gênica e síndrome metabólica.........................54
2. GLUTAMINA.................................................................................55
2.1 Músculo esquelético......................................................................56
2.2 Glutamina e expressão gênica no tecido muscular.........................57
2.3 Células beta pancreáticas, glutamina e expressão gênica...............58
3. LEUCINA.......................................................................................60
3.1 Efeitos da leucina sobre a saúde metabólica..................................61
3.2 O cérebro e sua regulação do equilíbrio energético........................61
4. ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA CURTA............................................62
4.1 Principais efeitos atribuídos aos AGCC...........................................63
4.2 Efeitos sobre o sistema imune e a inflamação................................64
4.3 Efeitos sobre o metabolismo energético........................................65
SUMÁRIO

4.4 Ações antitumorais dos AGCC........................................................65


4.5 Estudos com administração de AGCC ou de suas fontes ................65
5. ÁCIDOS GRAXOS POLI-INSATURADOS........................................66
5.1 O processo inflamatório clássico e a participação das prostaglandi-
nas................................................................................................68

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5.2 Ácidos graxos poli-insaturados e expressão gênica.........................68
5.3 Estudos de transcriptômica em humanos envolvendo intervenções
com ácidos graxos poli-insaturados................................................69
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................71
UNIDADE 04 - XXX
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................72
INTRODUÇÃO.......................................................................................73
1. ÁCIDOS GRAXOS MONOINSATURADOS......................................73
2. VITAMINAS DO COMPLEXO B......................................................78
2.1 Ácido fólico....................................................................................78
2.2 Cobalamina ..................................................................................79
2.3 Vitamina B6...................................................................................80
2.4 Vitamina B2 ..................................................................................80
3. ZINCO...........................................................................................81
4. SELENIO........................................................................................82
5. POLIFENÓIS..................................................................................85
5.1 Modulação da cascata de sinalização do NF-kB..............................88
5.2 Ação de polifenóis na metilação do DNA........................................88
5.3 Polifenóis e modulação da expressão de microRNA.......................88
6. QUERCETINA................................................................................89
7. RESVERATROL..............................................................................90
8. POLIMORFISMOS E RELAÇÃO COM DCNT..................................92
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................94
REFERÊNCIAS.......................................................................................95
UNIDADE

01
CONCEITOS
EM GENÉTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Compreender a ciência que analisa a estrutura genética na determinação e meta-


bolização de nutrientes.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qr.page/g/2QJdEi7C5GK https://qr.page/g/3KCqHACd0lc https://qr.page/g/4zXu12ohRMU


INTRODUÇÃO
O sequenciamento completo do genoma humano, obtido a partir do Projeto Genoma Humano
(PGH), tem permitido o estudo mais preciso dos genes e suas funções. Esses estudos possibilitam

UNIDADE 01
a identificação de variações na sequência de nucleotídeos do DNA entre indivíduos, permitindo a
observação de diferenças nas respostas individuais diante de fatores ambientais, como a alimen-
tação (LARA & NATACCI, 2018).
Diante desse cenário, uma ciência relativamente nova vem ganhando cada vez mais força: a
genômica nutricional, que inclui a nutrigenômica, a nutrigenética e a epigenômica nutricional. A
nutrigenômica estuda como nutrientes e compostos bioativos de alimentos modulam o padrão de

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expressão gênica, enquanto a nutrigenética estuda os efeitos das variações genéticas em relação
aos diferentes padrões alimentares. A epigenômica nutricional estuda os mecanismos epigenéticos
pelos quais a expressão gênica é regulada. Contudo, estes mecanismos não acarretam alterações
na sequência dos nucleotídeos do DNA (COMINETTI et al., 2017).
A disciplina Nutrigenética fornece uma visão sobre como as características genéticas individuais
podem influenciar na resposta aos nutrientes que estão presentes em determinado padrão alimen-
tar. Cada indivíduo é único devido às pequenas variações no seu DNA, conhecidas como polimorfis-
mos, responsáveis por 90% das diferenças encontradas no DNA dos humanos que podem influenciar
no risco do desenvolvimento de doenças, na capacidade de metabolização dos alimentos, medi-
camentos e na eliminação de substâncias tóxicas (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018).

1. BASES DA GENÉTICA HUMANA


Muito do conhecimento atual sobre a genética decorre de estudos realizados pelo monge aus-
tríaco Gregor Mendel em seu trabalho sobre a transmissão de características genéticas. Seu ponto
de partida foi o jardim de um mosteiro da Europa Central na década de 1860, onde realizou uma
série de experimentos com ervilhas-de-jardim. De acordo com Mendel, as características dos se-
res vivos são transmitidas dos genitores para a prole de maneira previsível e propagados de forma
estável de geração em geração (KLUG et al., 2010).

LEITURA

A história de Gregor Mendel e do início da genética é contada em um livro cativante, The Monk
in the Garden: The Lost and Found Genius of Gregor Mendel, the Father of Genetics (O monge no
jardim: o gênio perdido e reencontrado de Gregório Mendel, o pai da genética), de Robin M. Henig.

7
Essa conclusão foi obtida pela análise das características das ervilheiras, tais como altura da
planta e cor da flor, controladas por unidades descontínuas de herança, que agora denominamos
genes. Ou seja, cada característica da planta é controlada por um par de genes e os membros de
um par de genes se separam durante a formação de gametas na formação dos óvulos e dos esper-
matozoides (MENCK & SLUYS, 2017; KLUG et al., 2010; Cominetti et al., 2017).

UNIDADE 01
1.1 LEIS DE MENDEL
Em seus experimentos, Mendel observou que o cruzamento de ervilhas com características con-
trastantes provenientes de linhagens puras (geração parental) para um determinado fator resultava
em uma geração homogênea (F1) e igual a um dos progenitores. Observou também que a autofe-
cundação das ervilhas dessa primeira geração resultava em uma segunda geração (F2), composta

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de plantas com as duas características presentes na geração parental. Ao contar, na geração F2, o
número de plantas com cada uma das características, observou que a proporção 3:1 se repetia –
sendo três para a característica presente em todas as gerações e um para a característica presente
na geração parental que desapareceu na geração F1 e voltou a aparecer na geração F2. Mendel
então usou os termos “dominante” e “recessivo” para distinguir as duas características avaliadas –
dominante para a característica que permanecia em todas as gerações e recessivo para a caracterís-
tica que desaparecia na geração F1, mas voltava a aparecer na geração F2 (MENCK & SLUYS, 2017).
Com esses resultados, foi deduzida a existência de elementos determinantes para a hereditarie-
dade. Também, que estes estariam em pares que se segregavam independentemente para gerar
os gametas que, para a formação de um novo organismo, esses gametas se combinavam de forma
aleatória para produzir o zigoto (MENCK & SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
Nesse contexto, é possível citar alguns termos que atualmente são bastante conhecidos na ge-
nética. Os elementos que Mendel observou estarem em pares atualmente são caracterizados como
alelos. Normalmente, existem duas possibilidades para o alelo, “A” e “a”, por exemplo. De acordo
com os resultados de Mendel, pode haver características dominantes puras, com alelos “AA”; ca-
racterísticas dominantes não puras, “Aa”; e características recessivas puras, “aa”. Atualmente, a
classificação para cada um desses genótipos é: homozigoto dominante, heterozigoto e homozigoto
recessivo, respectivamente (KLUG et al., 2010).

SAIBA MAIS

O trabalho de Mendel foi publicado em 1866, mas continuou desconhecido até ser parcialmen-
te duplicado e citado em artigos de Carl Correns e outros autores, em torno de 1900. Somente
por meio da confirmação por outros autores os resultados de Mendel tornaram-se reconhecidos
como a explicação da transmissão de características nas ervilhas-de-jardim e em todos os demais
organismos superiores.

8
Tal proporção, de fato, foi obtida confirmando-se o modelo de segregação igual e independen-
te proposto por Mendel, conhecida como Primeira Lei de Mendel ou Lei da Segregação: dois pa-
res (alelos) de um gene se segregam de forma igual e independente para a formação dos gametas
(KLUG et al., 2010).

UNIDADE 01
1.2 TRANSMISSÃO DA INFORMAÇÃO GENÉTICA
A compreensão de como o material hereditário é organizado e transmitido de uma célula para
outra durante a divisão celular, bem como do processo de transmissão do genoma de geração em
geração durante a reprodução, consiste em informação relevante para entendimento de diferentes
aspectos da genômica nutricional (BECKER; BARBOSA, 2018).

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Cada espécie possui um complemento cromossômico característico em relação ao número e à
morfologia dos cromossomos, conhecido como cariótipo. O genoma humano consiste em 23 pa-
res de cromossomos, sendo 22 pares de autossomos e um par de cromossomos sexuais; dois cro-
mossomos X para as mulheres e um cromossomo X e um Y para os homens. Um membro de cada
par dos cromossomos é herdado do pai e o outro da mãe. Esse material hereditário presente nos
cromossomos deve ser transmitido de uma célula para a outra e de uma geração para a outra. Para
desempenhar tais funções, as células utilizam dois processos de divisão celular diferentes: a mitose
e a meiose (MENCK; SLUYS, 2017).
A mitose é um processo de divisão celular a partir do qual uma célula‐mãe dá origem a duas
células‐filhas idênticas, tanto no número de cromossomos quanto em sua composição genética.
Esse tipo de divisão celular ocorre nas células somáticas e é responsável pelo crescimento dos orga-
nismos e pela reposição de células mortas. A meiose corresponde a um tipo de divisão celular que
origina células‐filhas com metade do número de cromossomos da célula mãe, o que corresponde
a apenas um para dos 23 cromossomos (haploide). Esse tipo de divisão celular é importante para
a formação dos gametas feminino e masculino, os quais, após se unirem, formam um zigoto com
os 23 pares de cromossomos (diploide), mantendo, dessa forma, o número de cromossomos da
espécie (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
Uma vez que esses dois processos de divisão celular têm grande importância na garantia da cons-
tância do número de cromossomos da espécie, erros em qualquer um deles podem resultar em
um indivíduo, ou em uma linhagem celular, com número anormal de cromossomos e, dessa forma,
em algum tipo de anormalidade com importância clínica. Erros na disjunção meiótica constituem
o mecanismo de mutação mais comum, responsável por defeitos do desenvolvimento, falecimen-
to de recém‐nascidos e síndromes relacionadas ao retardo mental. A não disjunção mitótica pode
resultar em mosaicismo cromossômico e também pode estar relacionada ao desenvolvimento de
alguns tipos de tumores cromossomicamente anormais (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
As anormalidades cromossômicas podem ser numéricas e/ou estruturais. As numéricas são as
mais comuns, conhecidas como aneuploidias. Entre as aneuploidias mais frequentes, pode‐se citar
a trissomia do cromossomo 21, que é a constituição cromossômica observada em indivíduos com
a síndrome de Down. Entre as outras aneuploidias mais conhecidas, podem ainda ser citadas as
trissomias dos cromossomos 13, 18 e dos cromossomos sexuais (MENCK; SLUYS, 2017).

9
1.3 PADRÕES DE HERANÇA
O padrão de herança descrito nos trabalhos de Mendel é determinado apenas por um gene – he-
rança monogênica ou herança mendeliana. No entanto, atualmente são conhecidos vários exemplos
de características em que esse tipo de herança não se aplica. Tais características são determinadas

UNIDADE 01
por mais de um gene, situados em diferentes loci e, algumas vezes, até em cromossomos diferen-
tes, sendo, portanto, denominadas como de herança poligênica ou multifatorial (MENCK; SLUYS,
2017. KLUG et al., 2010. Cominetti et al., 2017).
Além do tipo de herança descrito nos trabalhos de Mendel, existem outros tipos de herança mo-
nogênica. Mendel trabalhou em seus experimentos com a herança monogênica autossômica, o que
significa que em todos os casos avaliados por ele os genes de interesse estavam em cromossomos

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autossômicos. No entanto, essa não é a única possibilidade: o gene estudado pode estar localizado
em um dos cromossomos sexuais, sendo considerado como ligado ao gênero (Cominetti et al., 2017).
Pode‐se classificar as heranças do tipo monogênica em quatro tipos básicos: autossômica domi-
nante, na qual o gene está em um cromossomo autossômico e a característica é expressa mesmo
quando o gene está em heterozigose; autossômica recessiva, em que o gene também localiza‐se
em um cromossomo autossômico, mas a característica é expressa apenas quando o gene está em
dose dupla (homozigose) e quando essas duas formas ocorrem em cromossomos sexuais, a heran-
ça pode ser dominante ligada ao gênero e recessiva ligada ao gênero, respectivamente. Os termos
dominante e recessivo não se referem aos genes, mas às características (KLUG et al., 2010).
Para estudos de herança em humanos, é necessário o exame de registros da família estudada.
Esse exame de registros é utilizado para a montagem da genealogia ou heredograma da família.
A montagem desses heredogramas deve ser cuidadosa, fidedigna e com maior número de infor-
mações possível. Além disso, deve seguir regras para a utilização dos símbolos, a fim de facilitar a
identificação do tipo de herança que está sendo avaliada (KLUG et al., 2010).

1.4 HERANÇA AUTOSSÔMICA RECESSIVA


Este tipo de herança é bem caracterizada em casos de doença autossômica recessiva, pois so-
mente se manifesta em homozigose, ou seja, em indivíduos com dois alelos mutados. Considerando
que para o indivíduo carrear os dois alelos mutados é necessário que tenha herdado cada um dos
diferentes genitores, e verificando que as doenças autossômicas recessivas são geralmente raras, o
tipo de casamento mais provável para gerar tal prole afetada é entre dois indivíduos normais, mas
heterozigotos para essa doença (MENCK; SLUYS, 2017).
Indivíduos heterozigotos para um gene recessivo são saudáveis (portadores), independentemente
da letalidade daquele gene no estado homozigótico. Assim, a maioria dos genes recessivos em uma
população está “escondida” em indivíduos portadores. Estima‐se que cada indivíduo é portador de
três a cinco alelos mutantes que seriam letais em homozigose. Entretanto, a frequência de doenças
recessivas mantém‐se baixa na população porque, para que um portador tenha um filho homozi-
goto, é necessário que o seu consorte também seja portador. Se o consorte não for consanguíneo,
a probabilidade de que isso aconteça dependerá da frequência do alelo específico, mas, em geral,

10
será muito baixa. Por outro lado, se o consorte for consanguíneo, a probabilidade que ele também
seja portador é considerável (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
Algumas características definem um heredograma de uma doença autossômica recessiva: ge-
ralmente poucos indivíduos afetados (condição rara, pois a maioria das pessoas carreadoras do
alelo alterado está em heterozigose); igualmente observada em homens e mulheres; pessoas afe-

UNIDADE 01
tadas geralmente têm genitores normais (heterozigotos); os genitores dos afetados são geralmente
consanguíneos.5
Entre as doenças humanas autossômicas recessivas, pode‐se citar a fibrose cística, uma das mais
graves condições autossômicas recessivas, que é uma doença pulmonar crônica em que o principal
sintoma é a secreção de grande quantidade de muco nos pulmões; o albinismo, caracterizado pela
ausência de pigmentação na pele, cabelos e olhos, defeitos oculares e rubor intenso decorrente de

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exposição ao sol; e o hipotireoidismo, que consiste em insuficiência funcional da tireoide (MENCK;
SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).

1.5 HERANÇA AUTOSSÔMICA DOMINANTE


Nesse caso, o alelo normal é recessivo e o alelo mutado é dominante. Quando a característica é
comum, qualquer genótipo é igualmente provável. No entanto, se é uma doença rara, nem todos
os tipos de genótipos serão frequentes, sendo pouco provável que os indivíduos afetados sejam
homozigotos. Alguns critérios auxiliam no reconhecimento da herança autossômica dominante: o
fenótipo afetado ocorre em todas as gerações; para que um filho seja afetado, é necessário que um
dos pais também seja; aparecem em ambos os gêneros na mesma frequência (MENCK; SLUYS, 2017).
Mais da metade de todos os distúrbios mendelianos humanos é herdada como herança autossô-
mica dominante. A acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo, é um dos principais exemplos de
doença autossômica dominante. Outro exemplo desse tipo de herança é a doença de Huntington,
que ocorre em razão de uma degeneração neural e se caracteriza por movimentos corporais anor-
mais, falta de coordenação e habilidades mentais afetadas (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).

1.6 HERANÇA LIGADA AO GÊNERO


A herança ligada ao gênero é determinada por genes situados nos cromossomos sexuais, X e Y.
No entanto, o cromossomo Y apresenta poucos genes e, dessa forma, quando é referida herança
ligada ao gênero, geralmente refere‐se àquela ligada ao X, sendo os homens XY e as mulheres XX
(BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
Assim como na herança autossômica, a herança ligada ao X pode ser dominante ou recessiva. Es-
sas duas formas são diferenciadas de acordo com o fenótipo das mulheres heterozigotas, ou seja, de
acordo com a penetrância e a expressividade. Penetrância refere‐se à capacidade que determinado
genótipo tem de se manifestar em seus portadores (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
No caso de herança recessiva ligada ao X, o alelo referente à característica estudada exibe pouca
ou nenhuma penetrância. Dessa forma, para que uma mulher seja portadora, é necessário que tenha
esse alelo nos dois cromossomos X; já para o homem, a presença de um único alelo é determinante

11
para a expressão de tal característica. Como consequência, doenças com esse tipo de herança ge-
ralmente são restritas aos homens, sendo raramente identificadas em mulheres. Entre as outras
características desse tipo de herança destaca‐se o fato de nenhum homem afetado transmitir a
doença para seus filhos homens e todas as filhas de um homem afetado serem portadoras do ale-
lo em questão. Entre as doenças humanas desse tipo de herança destacam‐se a distrofia muscular

UNIDADE 01
duchenne (DMD), a hemofilia e o daltonismo. Outras doenças incluem a hipofosfatemia, um tipo
de raquitismo resistente à vitamina D e a síndrome do X frágil, um dos tipos mais comuns de retar-
do mental (MENCK; SLUYS, 2017).

1.7 ESTRUTURAS DO DNA


A estrutura do DNA consiste em uma sequência linear de desoxirribonucleotídeos. Essa sequên-

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cia é que dita os componentes das proteínas, os produtos finais da maioria dos genes. Vamos nos
concentrar nas fases iniciais da expressão gênica, abordando duas questões importantes. A primei-
ra é: como a informação genética é codificada? A segunda é: como a transferência do DNA para
o RNA ocorre, de modo a explicar o processo de transcrição? (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al.,
2010. Cominetti et al., 2017).
Engenhosas pesquisas analíticas estabeleceram que o código genético é escrito em unidades
de três letras – trincas de ribonucleotídeos de mRNA que reproduzem a informação armazenada
nos genes. Ao ser sintetizada, a maior parte das palavras codificadas em trincas dirige a incorpo-
ração de um aminoácido específico em uma proteína. Como é previsível através complexidade da
replicação do DNA, a transcrição também é um processo complexo que depende de uma enzima
principal, a polimerase, e do apoio de um conjunto de proteínas. Vamos explorar o que se conhece
sobre a transcrição em bactérias e então comparar esse modelo procariótico com a transcrição em
eucariontes. Esse conjunto proporciona um quadro amplo da genética molecular, que serve como
elemento fundamental para compreender os seres vivos (BECKER; BARBOSA, 2018).
Antes de considerarmos as várias abordagens analíticas que levaram ao nosso atual conheci-
mento sobre o código genético, vamos resumir os aspectos gerais que o caracterizam sendo os oito
(8) tópicos a seguir descritos por Menck e SLUYS (2017), Klug et al. (2010), Cominetti et al. (2017).
a) O código genético é escrito de modo linear, usando como “letras” as bases dos ribonucleotí-
deos que compõem as moléculas de mRNA. A sequência de ribonucleotídeos é derivada das
bases complementares dos nucleotídeos do DNA.
No final da década de 1950, antes de ser esclarecido que o mRNA funciona como intermediário
da transferência da informação genética do DNA para as proteínas, os pesquisadores achavam que
ele codificava a síntese proteica de forma mais direta. Como os ribossomos já tinham sido identi-
ficados, a primeira ideia foi de que a informação em DNA era transferida no núcleo para o RNA do
ribossomo, o qual servia como molde para a síntese proteica no citoplasma. Esse conceito logo se
tornou insustentável, à medida que se acumulavam evidências indicando a existência de um molde
1 intermediário instável. O RNA dos ribossomos, por sua vez, era extremamente estável. Em 1961,
François Jacob e Jacques Monod postularam a existência do RNA mensageiro (mRNA).

12
Assim que o mRNA foi descoberto, ficou claro que, embora a informação genética esteja arma-
zenada no DNA, o código que é traduzido em proteínas reside no RNA. Agora a questão central era
– como é que apenas quatro letras, os quatro nucleotídeos, especificam 20 palavras, os aminoáci-
dos? Os cientistas consideraram a possibilidade de que os códigos do DNA pudessem se sobrepor,
de modo que cada nucleotídeo fizesse parte de mais de uma palavra do código, mas as evidências

UNIDADE 01
acumuladas eram incompatíveis com as restrições que um código desses traria para as sequências
de aminoácidos resultantes.
b) Cada “palavra” em mRNA consiste em três letras ribonucleotídicas, sendo referida, por isso,
como um código de trincas. Com apenas três exceções, cada grupo de três ribonucleotídeos,
chamado códon, especifica um aminoácido.
No início da década de 1960, Sydney Brenner teorizou que o código deveria ser uma trinca,

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porque, havendo quatro letras para especificar 20 aminoácidos, as palavras precisam ter um com-
primento mínimo de três letras. Por exemplo, um código de quatro nucleotídeos combinados em
palavras de duas letras só produziria 16 diferentes palavras de código. Um código de trincas produz
64 palavras, o que é suficiente para as 20 necessárias e muito menos incômodo do que um código
de quatro letras, que resultaria em 256 palavras.
c) O código não tem ambiguidade.
Cada trinca especifica um único aminoácido.
d) O código é degenerado, isto é, determinado aminoácido pode ser especificado por mais de
um códon de trincas. Isso acontece com 18 dos 20 aminoácidos.
O engenhoso trabalho experimental de Francis Crick, Leslie Barnett, Brenner e R.J. Watts-Tobin
forneceu a primeira evidência sólida de um código de trincas. Esses pesquisadores induziram mu-
tações de inserção e de deleção no locus rII do fago T4. Mutações nesse locus podem causar lise
rápida e placas diferenciadas. Crick e colaboradores usaram um corante acridina, a proflavina, que
se intercala na hélice dupla de DNA causando inserção ou deleção de um ou mais nucleotídeos
durante a replicação.
e) O código contém um sinal de “iniciação” e três sinais de “terminação”.
As trincas são o código que respectivamente dão início e põem fim à tradução. Por sua natureza,
o código é em trincas, degenerado, sem ambiguidades e desvirgulado, embora possua pontuação
sob forma de sinais de iniciação e de terminação.
f) Depois que a tradução do mRNA começa, os códons são lidos em sequência, sem interrupções.
Nos casos em que a função do tipo selvagem é restaurada, isto é: (+) com (–), (++) com (– –) e
(+++) com (– – –), a fase de leitura original também é restaurada. Entretanto, entre os pontos da
inserção e da deleção, numerosos códons podem continuar fora de fase. Se 44 dos 64 códons possí-
veis fossem “vazios”, referidos como códons sem sentido, não especificando qualquer aminoácido,
seria muito provável que pelo menos um desses códons vazios ocorresse na sequência de nucleo-
tídeos que continuava fora de fase. Se um de tais códons sem sentido fosse encontrado durante a
síntese proteica, provavelmente o processo pararia ou terminaria nesse ponto.

13
g) O código não tem sobreposições.
Depois que a tradução começa, cada unidade ribonucleotídica só faz parte de uma única trin-
ca. Digamos que a sequência nucleotídica fosse GTACA, e que partes do códon central TAC fossem
compartilhadas com os códons laterais, GTA e ACA; nesse caso, só alguns aminoácidos (aqueles
cujos códons terminam por TA ou começam por AC) poderiam ser adjacentes ao aminoácido co-

UNIDADE 01
dificado pelo códon central.
h) O código é semiuniversal.
Entre 1960 e 1978, a pressuposição geral era de que o código genético seria universal, aplican-
do-se igualmente a vírus, bactérias, archaea e eucariontes.

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SAIBA MAIS

Exatamente 100 anos após os experimentos de Mendel, o Prêmio Nobel foi concedido a François
Jacob, André Lwoff e Jacques Monod pelo trabalho sobre a base molecular da regulação gênica em
bactérias. Esse intervalo abrange o caminho para a aceitação do trabalho de Mendel, a descoberta
de que os genes se localizam nos cromossomos, os experimentos que provaram que o DNA codifica
as informações genéticas e a elucidação da base molecular da replicação do DNA.

2. DO DNA À PROTEÍNA
As proteínas são os produtos finais da expressão gênica. Essas moléculas são responsáveis pela
atribuição das propriedades dos sistemas vivos. A diversidade das proteínas e das funções biológi-
cas que elas podem desempenhar origina-se do fato de que as proteínas são constituídas de com-
binações de 20 aminoácidos diferentes. Considerando que uma cadeia proteica que contenha 100
aminoácidos pode ter em cada posição qualquer um dos 20 aminoácidos, o número possível de
proteínas diferentes com 100 aminoácidos, cada uma com uma sequência exclusiva, é igual, por-
tanto, a 20100 (Cominetti et al., 2017).

SAIBA MAIS

O desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante e os resultados do sequenciamento ge-


nômico confirmaram que todas as formas de vida têm uma origem comum. Devido a essa origem
comum, os genes com funções similares, em diferentes organismos, tendem a ter estrutura e se-
quência nucleotídica semelhantes ou idênticas.

O número imenso de sequências de aminoácidos possíveis, nas proteínas, conduz à enorme va-
riação em suas conformações tridimensionais possíveis. Obviamente, a evolução se apoderou de

14
uma classe de moléculas com potencial para uma diversidade estrutural imensa, a qual funciona
como o sustentáculo dos sistemas biológicos (BECKER; BARBOSA, 2018).
A maior categoria de proteínas é a das enzimas. Essas moléculas funcionam como catalisadores
biológicos, estimulando essencialmente as reações bioquímicas, para que ocorram nas taxas neces-
sárias à sustentação da vida. Reduzindo a energia de ativação nas reações, as enzimas capacitam o

UNIDADE 01
metabolismo celular a prosseguir em temperaturas corporais, quando, de outro modo, essas rea-
ções exigiriam intenso calor ou pressão para ocorrerem (MENCK; SLUYS, 2017).
Inúmeras proteínas, diferentes das enzimas, são componentes essenciais das células e dos or-
ganismos. Essas proteínas incluem: hemoglobina, pigmento que se liga ao oxigênio e o transpor-
ta nos eritrócitos (ou hemácias); insulina, hormônio pancreático; colágeno, molécula de tecido
conjuntivo; queratina, molécula estrutural do cabelo; histonas, proteínas integrantes da estrutura

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cromossômica em eucariontes; actina e miosina (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
Para uma molécula servir como material genético, deve mostrar quatro características impres-
cindíveis: replicação, armazenamento de informações, expressão de informações e variação por
mutação.
A replicação do material genético é uma faceta do ciclo celular e, como tal, é uma propriedade
fundamental de todos os organismos vivos. Uma vez que o material genético das células se replica
e duplica sua quantidade, deve ser, então, partilhado igualmente – por meio da mitose – entre as
células-filhas. O armazenamento de informações exige que a molécula atue como um repositório
das informações genéticas que podem, ou não, ser expressas pela célula em que reside.
A expressão das informações genéticas acumuladas é um processo complexo que é a base sub-
jacente do conceito de fluxo de informações no interior da célula. O evento inicial desse fluxo de
informações é a transcrição do DNA, em que são sintetizados três tipos principais de moléculas de
RNA: RNA mensageiro (mRNA), RNA transportador (tRNA) e RNA ribossômico (rRNA). Desses, os
mRNAs são traduzidos em proteínas, por um processo mediado pelos tRNAs e rRNAs. Cada mRNA
é o produto de um gene específico e conduz à síntese de uma proteína diferente. Na tradução, a
informação química do mRNA orienta a construção de uma cadeia de aminoácidos, denominada
polipeptídeo, que depois se dobra em uma proteína. Em conjunto, esses processos constituem o
fundamento do dogma central da genética molecular: “o DNA produz o RNA, que produz as pro-
teínas” (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010. Cominetti et al., 2017).

SAIBA MAIS

A forma e o comportamento químico de uma proteína são determinados por sua sequência line-
ar de aminoácidos, a qual é determinada pela informação armazenada no DNA de um gene que
é transferida para o RNA, ácido nucleico que, então, orienta a síntese dessa proteína. Ou seja, o
DNA produz o RNA, o qual, então, produz a proteína.

15
2.1 ERROS INATOS DO METABOLISMO
Agora, consideremos como sabemos que as proteínas são os produtos finais da expressão gê-
nica. A primeira percepção sobre o papel das proteínas nos processos genéticos foi proporcionada
pelas observações feitas por Sir Archibald Garrod e William Bateson, no início do século XX. Garrod

UNIDADE 01
nasceu em uma família inglesa de cientistas médicos. Seu pai era um cientista com grande interesse
nas bases químicas da artrite reumatoide, e seu irmão mais velho era uma liderança, em zoologia,
em Londres. O próprio Garrod, em sua prática médica, passou a interessar- se em vários distúrbios
humanos que pareciam ser hereditários (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
Embora ele também estudasse o albinismo e a cistinúria, vamos descrever suas investigações
sobre o distúrbio da alcaptonúria. Indivíduos com esse distúrbio têm uma interrupção em uma im-

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portante via metabólica. Em consequência, eles não conseguem metabolizar a alcaptona, ou ácido
2,5-diidroxi-fenilacético, também conhecido como ácido homogentísico. Assim, esse ácido se acu-
mula em suas células e nos tecidos e é excretado na urina. Os produtos de oxidação da molécula
têm cor escura e são facilmente detectáveis nas fraldas dos recém-nascidos. Os produtos não meta-
bolizados tendem a se acumular em áreas cartilaginosas, causando um escurecimento das orelhas
e do nariz. Nas articulações, a deposição leva a uma condição benigna de artrite. A alcaptonúria é
uma doença rara, mas não grave, e persiste durante toda a vida do indivíduo (BECKER; BARBOSA,
2018. KLUG et al., 2010).
Garrod estudou a alcaptonúria por meio dos padrões de herança dessa característica benigna.
Finalmente, ele concluiu que sua natureza era genética. Verificou que 19 de 32 casos conhecidos
estavam confinados a 7 famílias, sendo que em uma delas havia quatro irmãos afetados. Em várias
ocasiões, os pais não eram afetados, mas eram sabidamente primos em primeiro grau e, portanto,
consanguíneos, um termo que descreve parentes que têm um ancestral comum recente. Pais com
esse grau de parentesco têm maior probabilidade de terem prole que expresse características re-
cessivas do que pais não-aparentados, visto que ambos têm mais probabilidade de serem hetero-
zigotos quanto a uma mesma característica recessiva (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
Garrod concluiu que essa condição hereditária resultava de um modo alternativo de metaboli-
zação, o que implicava aceitar que a informação hereditária controla reações químicas no corpo.
Embora genes e enzimas não fossem termos familiares na época de Garrod, ele usou conceitos
equivalentes de fatores unitários e fermentos. Garrod publicou sua primeiras observações em 1902.
Só uns poucos geneticistas, dentre os quais Bateson, estavam familiarizados com o trabalho de
Garrod e fizeram referência a ele. As ideias de Garrod se adaptavam maravilhosamente à convic-
ção de Bateson de que as condições hereditárias eram causadas pela falta de alguma substância
essencial. Em 1909, Bateson publicou Mendel’s Principles of Heredity (Os Princípios de Mendel so-
bre a Hereditariedade), em que vinculou os fermentos à hereditariedade. Entretanto, por mais ou-
tros 30 anos, a maioria dos geneticistas não conseguiu enxergar a relação entre genes e enzimas.
Assim como Mendel, Garrod e Bateson estavam adiante do seu tempo (BECKER; BARBOSA, 2018.
KLUG et al., 2010).

16
2.2 FENILCETONÚRIA
O distúrbio metabólico humano hereditário fenilcetonúria (PKU, de phenylketonuria) resulta
quando uma outra reação dessa via, demonstrada na Figura 15-10, está bloqueada. Descrito pela
primeira vez em 1934, esse distúrbio pode resultar em retardo mental e é transmitido como uma

UNIDADE 01
doença autossômica recessiva (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
Os indivíduos afetados não conseguem converter o aminoácido fenilalanina no aminoácido ti-
rosina. Essas moléculas diferem em um único grupo hidroxila (OH) apenas, que está presente na
tirosina e ausente na fenilalanina. A reação é catalisada pela enzima fenilalanina-hidroxilase, que é
inativa nos indivíduos afetados e tem um nível de atividade de cerca de 30% nos heterozigotos. A
enzima atua no fígado (MENCK; SLUYS, 2017).

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Enquanto o nível sanguíneo normal de fenilalanina é de cerca de 1 mg/100 mL, pessoas com fe-
nilcetonúria apresentam níveis de até 50 mg/100 mL. Quando a fenilalanina se acumula, pode ser
convertida em ácido fenilpirúvico e, subsequentemente, em outros derivados. A reabsorção desses
pelo rim é pouco eficiente, e eles tendem a ser eliminados na urina mais depressa do que a fenilala-
nina. A fenilalanina e seus derivados ingressam no líquido cérebro espinal, resultando em níveis ele-
vados no cérebro. Supõe-se que a presença dessas substâncias no início do desenvolvimento causa
retardo mental (Mahan; Raymond; Escott-stump, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
A fenilcetonúria ocorre em aproximadamente 1 em cada 11.000 nascimentos, e os recém-nas-
cidos são rotineiramente testados quanto a PKU em todos os Estados Unidos. Quando a condição
é detectada pela análise sanguínea de um recém-nascido, é instituído um regime dietético rigoro-
so, a tempo de evitar o retardo. Uma dieta pobre em fenilalanina pode diminuir os subprodutos,
como o ácido fenilpirúvico, e reduzir o desenvolvimento de anormalidades características da doença
(Mahan; Raymond; Escott-stump, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
Nosso conhecimento sobre doenças metabólicas hereditárias como a alcaptonúria e a fenilce-
tonúria causou uma revolução no pensamento e na prática da Medicina. Claramente as doenças
humanas, que antes se supunham ser atribuíveis apenas à ação de microrganismos invasores, vírus
ou parasitas, podem ter uma base genética. Sabemos que centenas de condições médicas são cau-
sadas por erros metabólicos resultantes de genes mutantes. Esses distúrbios bioquímicos humanos
incluem todas as classes de biomoléculas orgânicas (MENCK; SLUYS, 2017; BECKER; BARBOSA, 2018).

2.3 LIGANDO O GENÓTIPO AO FENÓTIPO:


A DOENÇA DAS CÉLULAS FALCIFORMES
A primeira evidência direta de que os genes especificam outras proteínas que não as enzimas
proveio do trabalho com moléculas de hemoglobina humana mutante oriundas de pessoas afetadas
pela doença das células falciformes. Os afetados têm eritrócitos que, sob baixa tensão de oxigênio,
tornam-se alongados e encurvados por causa da polimerização da hemoglobina. A forma de foice
dessas hemácias contrasta com a forma característica de disco bicôncavo nos indivíduos não afe-
tados (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010. Cominetti et al., 2017).

17
Os afetados sofrem ataques quando suas hemácias se agregam na parte venosa dos sistemas
capilares, nos quais a tensão de oxigênio é muito baixa. Em consequência, vários tecidos são pri-
vados de oxigênio e sofrem graves danos. Quando isso ocorre, diz-se que o indivíduo está em crise
falcêmica. Se não tratada, essa crise pode ser fatal. Podem ser afetados os rins, os músculos, as
articulações, o cérebro, o trato gastrintestinal e os pulmões (KLUG et al., 2010).

UNIDADE 01
Além de sofrerem tais crises, esses indivíduos são anêmicos, porque suas hemácias são destruí-
das mais rapidamente do que os eritrócitos normais. Há mecanismos fisiológicos compensatórios,
compreendendo um aumento da produção de hemácias pela medula óssea e uma acentuação da
ação cardíaca. Esses mecanismos levam a ossos com formas e tamanhos anormais e à dilatação do
coração (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
A doença das células falciformes pode causar infartos e acidentes vasculares cerebrais, muitas

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vezes fatal, tal fato demonstra a íntima relação entre genótipo e o fenótipo (KLUG et al., 2010).

3. ESTUDOS DA HEMOGLOBINA HUMANA


ESTABELECERAM QUE UM GENE
CODIFICA UM POLIPEPTÍDEO
O conceito de um gene: uma enzima, desenvolvido no início da década de 1940, não foi aceito
logo por todos os geneticistas. Isso não é surpresa, uma vez que ainda não estava claro o modo
pelo qual as enzimas mutantes podiam causar variações em muitos tipos diferentes de caracterís-
ticas fenotípicas. Por exemplo, mutantes de Drosophila demonstravam alterações de tamanho de
olho, forma de asa, padrão de veias nas asas e assim por diante. Plantas exibiam variedades mu-
tantes de sementes, textura, altura e tamanho dos frutos. Para muitos geneticistas, era desafiador
saber como uma enzima mutante inativa podia resultar em tais fenótipos (MENCK; SLUYS, 2017;
BECKER; BARBOSA, 2018).
Dois fatores logo modificaram a hipótese de um gene: uma enzima. Primeiro, embora quase
todas as enzimas sejam proteínas, nem todas as proteínas são enzimas. À medida que prosseguia
o estudo da genética bioquímica, tornou-se claro que todas as proteínas são especificadas pela in-
formação armazenada em genes, levando à locução mais exata de hipótese de um gene: uma pro-
teína. Segundo, frequentemente as proteínas têm uma estrutura em subunidades, consistindo em
duas ou mais cadeias polipeptídicas (MENCK; SLUYS, 2017).
Como cada tipo de cadeia polipeptídica é codificado por um gene específico, um enunciado mais
moderno do princípio básico de Beadle e Tatum é hipótese de um gene: uma cadeia polipeptídica.
A necessidade dessas modificações na hipótese original surgiu durante a aná- lise da estrutura da
hemoglobina dos indivíduos afetados pela doença das células falciformes (MENCK; SLUYS, 2017).

18
4. VARIAÇÃO NA ESTRUTURA PROTEICA:
FORNECE A BASE DA DIVERSIDADE
BIOLÓGICA

UNIDADE 01
Diferentemente dos ácidos nucleicos, que armazenam e expressam a informação genética, as
proteínas, como produtos finais da expressão gênica, estão mais estreitamente alinhadas com a
função biológica. É a variação na função biológica que fornece a base da diversidade entre tipos
celulares e entre organismos (Mahan; Raymond; Escott-stump, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018.

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KLUG et al., 2010).
Os polipeptídeos são precursores de proteínas. Assim, quando o polímero de aminoácidos é
montado e depois liberado do ribossomo durante a tradução, chama-se polipeptídeo. Depois que
o polipeptídeo se dobra subsequentemente e assume uma conformação tridimensional funcional,
chama-se proteína. Na maioria dos casos, vários polipeptídeos se combinam durante esse proces-
so para produzir uma ordem ainda mais elevada de estrutura proteica. É a conformação espacial
tridimensional que é essencial à função específica da proteína e que a distingue das demais proteí-
nas (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).Assim como os ácidos nucleicos, as cadeias poli-
peptídicas que compõem as proteínas são polímeros lineares, não ramificados. Há 20 aminoácidos
que servem como subunidades para as proteínas (os blocos de construção). Cada aminoácido tem
um grupo carboxila, um grupo amino e um grupo radical [R] (uma cadeia lateral que determina o
tipo do aminoácido) ligado covalentemente com um átomo central de carbono (C). Os grupos R
variam quanto à estrutura e são divididos em 4 classes principais: (1) apolares (ou hidrofóbicos),
(2) polares (ou hidrofílicos), (3) de carga positiva e (4) de carga negativa. Como os polipeptídeos
frequentemente são polímeros longos e qualquer 1 dos 20 aminoácidos, com suas propriedades
químicas exclusivas, pode ser uma das unidades do polímero, isso possibilita uma enorme variação
na conformação final e na atividade química da molécula. Por exemplo, se um polipeptídeo médio
se compõe de 200 aminoácidos (um peso molecular de cerca de 20.000 Da), podem ser criadas
20.200 moléculas diferentes a partir dos 20 diferentes blocos de construção, cada qual com uma
sequência exclusiva (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
Por volta de 1900, o químico alemão Emil Fischer determinou o modo pelo qual os aminoáci-
dos estão interligados. Ele demonstrou que o grupo amino de um aminoácido pode reagir com o
grupo carboxila de outro aminoácido, em uma reação de desidratação (condensação), liberando
uma molécula de H2O. A ligação covalente resultante é chamada ligação peptídica (MENCK; SLUYS,
2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
Dois aminoácidos ligados formam um dipeptídeo, três, um tripeptídeo, e assim por diante. A
cadeia de ligações peptídicas de 10 ou mais aminoácidos é referida como polipeptídeo. Geral-
mente, qualquer que seja o comprimento de um polipeptídeo, ele terá um grupo amino em uma
extremidade (a N-terminal) e um grupo carboxila na outra (a C-terminal) (MENCK; SLUYS, 2017. BE-
CKER; BARBOSA, 2018).Quatro níveis de estrutura proteica são reconhecidos: primário, secundário,

19
terciário e quaternário. A sequência de aminoácidos no arcabouço linear do polipeptídeo constitui
sua estrutura primária. Essa sequência vem especificada pela sequência de desoxirribonucleotídeos
no DNA, por meio de um mRNA intermediário. A estrutura primária do polipeptídeo ajuda a deter-
minar as características específicas dos níveis de organização mais elevados, quando a proteína se
forma (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).

UNIDADE 01
As estruturas secundárias são certas configurações espaciais regulares ou repetitivas assumidas
pelos aminoácidos que estão proximamente adjacentes na cadeia polipeptídica. Em 1951, Linus
Pauling e Robert Corey previram teoricamente que um dos tipos de estrutura secundária poderia
ser a α-hélice. O modelo em α-hélice foi depois confirmado por meio de estudos cristalográficos
com raios X. Ela tem uma estrutura em bastão e a máxima estabilidade que é teoricamente pos-
sível. A hélice se compõe de uma cadeia de aminoácidos em espiral, estabilizados por pontes de

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hidrogênio (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
As cadeias laterais (os grupos R) dos aminoácidos se estendem para fora da hélice, e cada resíduo
de aminoácido ocupa um espaço de 1,5 Å na extensão da hélice. Há 3,6 resíduos por volta. Embora
hélices levógiras sejam teoricamente possíveis, todas as alfa-hélices encontradas nas proteínas são
dextrógiras (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
Ainda em 1951, Pauling e Corey propuseram uma outra estrutura secundária, a folha pregueada
beta. Nesse modelo, uma única cadeia polipeptídica se dobra sobre si mesma, ou várias cadeias se
dispõem lado a lado, paralela ou antiparalelamente próximas. Cada estrutura dessas é estabiliza-
da por pontes de hidrogênio, formadas entre certos átomos das cadeias adjacentes. Na formação
do plano em zique-zaque resultante, as fileiras de aminoácidos nas linhas adjacentes distam 3,5 Å
entre si (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
Como regra geral, muitas proteínas apresentam uma mistura de estruturas em alfa-hélices e fo-
lhas beta. As proteínas globulares, a maioria das quais têm forma arredondada e são hidrossolúveis,
geralmente têm estrutura de folhas beta em seu núcleo e várias áreas com alfa-hélices. A rigidez das
proteínas estruturais mais resistentes, muitas das quais são insolúveis em água, é muito dependen-
te de amplas regiões de folhas beta. A fibroína, a proteína feita pelo bicho-da-seda, por exemplo,
depende muito dessa forma de estrutura secundária (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
Segundo Klug et al. (2010), a estrutura secundária descreve os dobramentos e as interações dos
aminoácidos em certas partes da cadeia polipeptídica, mas a estrutura terciária define a conforma-
ção espacial tridimensional da cadeia como um todo. Cada polipeptídeo se torce, gira e arqueia de
modo muito específico, característico de cada proteína. Nesse nível de estrutura, três são os fatores
mais importantes na determinação da conformação e na estabilização da molécula:
1. Formam-se ligações dissulfeto, covalentes, entre resíduos de cisteína próximos para formar
um único aminoácido, a cistina.
2. Geralmente os grupos R hidrofílicos polares ficam localizados na superfície da configuração,
em que podem interagir com a água.
3. Geralmente os grupos R hidrofóbicos apolares ficam localizado no interior da molécula, em
que podem interagir entre si, evitando a interação com a água.

20
É importante enfatizar que a conformação tridimensional alcançada por uma proteína é produto
da estrutura primária do polipeptídeo. Assim, para que a configuração final das proteínas seja pro-
duzida, o código genético só precisa especificar a ordem na sequência de aminoácidos. Os efeitos
dos três fatores estabilizadores dependem da localização de cada aminoácido em relação aos de-
mais da cadeia. Quando ocorre um dobramento, a conformação resultante é a mais estável possí-

UNIDADE 01
vel, termodinamicamente. Esse nível de organização é extremamente importante porque a função
específica de qualquer proteína está diretamente relacionada à sua estrutura terciária (MENCK;
SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
O conceito de estrutura quaternária das proteínas só se aplica às que são compostas de mais de
uma cadeia polipeptídica e diz respeito às posições relativas das várias cadeias. Esse tipo de proteína
é oligomérico, e cada uma de suas cadeias é um protômero ou, mais informalmente, uma subunida-

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de. Os protômeros têm conformações que facilitam sua integração de modo complementar espe-
cífico. A hemoglobina, uma proteína oligomérica consistindo em quatro protômeros (duas cadeias
alfa e duas beta), foi estudada em grande detalhe. A maioria das enzimas, inclusive a DNA e a RNA-
-polimerase, apresentam uma estrutura quaternária (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).

4.1 A MODIFICAÇÃO PÓS-TRADUCIONAL ALTERA O PRODUTO


PROTEICO FINAL
Antes de nos voltarmos para a discussão sobre a função proteica, é importante destacar que,
assim como os transcritos de RNA, as cadeias polipeptídicas frequentemente são modificadas tão
logo são sintetizadas. Esse processamento adicional é descrito como modificação pós-traducional.
Embora muitas dessas alterações sejam transformações bioquímicas detalhadas e fora do escopo
de nossa discussão, você deve tomar ciência de que elas ocorrem e que são fundamentais para a
capacidade funcional do produto proteico final. Segundo Becker e Barbosa (2018), bem como Klug
et al. (2010), temos diversos exemplos de modificações pós-traducionais:
1. O aminoácido N-terminal geralmente é removido ou modificado. Por exemplo, nos polipeptí-
deos bacterianos, tanto o grupo formil quanto o resíduo inteiro de formilmetionina em geral
são removidos enzimaticamente. Nas cadeias polipeptídicas eucarióticas, o grupo amino do
resíduo de metionina inicial frequentemente é removido, e o grupo amino do resíduo N-ter-
minal pode ser modificado (acetilado).
2. Às vezes, resíduos de aminoácidos individuais são modificados. Por exemplo, em certos amino-
ácidos, como a tirosina, podem ser acrescentados fosfatos aos grupos hidroxila. Modificações
desse tipo criam resíduos carregados negativamente que podem fazer ligações iônicas com
outras moléculas. O processo de fosforilação é extremamente importante para a regulação
de várias atividades celulares e resulta da ação de enzimas chamadas quinases. Em outros
resíduos de aminoácidos, grupos metila ou acetila, que podem afetar a função da cadeia po-
lipeptídica modificada, podem ser adicionados enzimaticamente.
3. Às vezes são adicionadas cadeias laterais de carboidratos. Elas são adicionadas covalentemen-
te, produzindo glicoproteínas, uma categoria importante de moléculas de superfície celular,

21
como é o caso das que especificam os antígenos do sistema ABO dos grupos sanguíneos em
humanos.
4. As cadeias polipeptídicas podem ser reduzidas. Por exemplo, inicialmente o gene da insulina
é traduzido como uma molécula mais longa, que é enzimaticamente reduzida, para resultar
em uma forma final de insulina, com 51 aminoácidos.

UNIDADE 01
5. As sequências-sinal são removidas. Na extremidade N-terminal de algumas proteínas, existe
uma sequência de até 30 aminoácidos que desempenha importante papel em dirigir a pro-
teína para o seu local de atuação na célula. É a chamada sequência-sinal, que determina o
destino final da proteína na célula. O processo é chamado direcionamento da proteína. Por
exemplo, proteínas cujo destino envolve a secreção ou proteínas que deverão fazer parte da
membrana citoplasmática dependem de sequências para seu transporte inicial através do

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lúmen do retículo endoplasmático. Ainda que as sequências-sinal das várias proteínas que
têm um destino comum possam diferir quanto à ordem primária de seus aminoácidos, elas
compartilham múltiplas propriedades químicas. Por exemplo, todas aquelas que se destinam
à secreção contêm, no N-terminal da sequência-sinal, um trecho de até 15 aminoácidos hidro-
fóbicos, precedido por um aminoácido carregado positivamente. Depois que os polipeptídeos
são transportados, mas antes de eles alcançarem sua condição funcional, a sequência-sinal
é enzimaticamente removida deles.
Os níveis terciário e quaternário da estrutura proteica frequentemente incluem átomos de me-
tais e são dependentes deles. Assim, a proteína funcional é um complexo molecular que inclui ca-
deias polipeptídicas e átomos metálicos. Um bom exemplo é a hemoglobina, que contém quatro
átomos de ferro além de suas quatro cadeias poli-peptídicas (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al.,
2010. Cominetti et al., 2017).
Esses tipos de modificações pós-traducionais são obviamente importantes para qualquer proteína
atingir sua condição funcional específica. Como a estrutura tridimensional final da molécula é dire-
tamente responsável por sua função específica, o modo como as cadeias polipeptídicas se dobram
em suas conformações finais também é um tópico importante. Durante muitos anos, pensava-se
que o dobramento da proteína era um processo espontâneo, por meio do qual a molécula adqui-
ria automaticamente a estabilidade termodinâmica máxima, em consequência da combinação das
propriedades químicas inerentes à sequência de aminoácidos em sua(s) cadeia(s) polipeptídica(s).
Entretanto, vários estudos demonstraram que, em muitas proteínas, o dobramento depende dos
membros de uma outra família de proteínas ubíquas, chamadas chaperonas (KLUG et al., 2010).
A função das chaperonas (às vezes chamadas chaperonas moleculares ou chaperoninas) é faci-
litar o dobramento de outras proteínas. O mecanismo de seu funcionamento ainda não está claro,
mas, como as enzimas, elas não se incorporam ao produto final. Descobertas pela primeira vez em
Drosophila, onde são chamadas proteínas de choque térmico, as chaperonas foram agora encon-
tradas em vários organismos, incluindo bactérias, animais e plantas (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER;
BARBOSA, 2018).

22
4.2 AS PROTEÍNAS FUNCIONAM EM MUITOS PAPÉIS DIFERENTES
A essência da vida na Terra reside no nível da diversidade das funções celulares. Assim como o
DNA e o RNA servem de veículos para estocar e expressar a informação genética, as proteínas são
os meios da função celular. É a capacidade de as células assumirem diversas estruturas e funções

UNIDADE 01
que distingue a maioria dos eucariontes dos organismos evolutivamente menos avançados como as
bactérias. Por isso, é essencial uma compreensão introdutória sobre a função proteica para que se
tenha uma visão completa dos processos genéticos (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).
As proteínas são as macromoléculas encontradas na célula em maior abundância. Como pro-
dutos finais dos genes, elas desempenham muitos papéis diferentes. Por exemplo, os pigmentos
respiratórios hemoglobina e mioglobina transportam oxigênio, que é essencial para o metabolismo

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celular. O colágeno e a queratina são proteínas estruturais associadas à pele, ao tecido conjuntivo
e aos pelos dos organismos. A actina e a miosina são proteínas contráteis, encontradas em abun-
dância nos tecidos musculares, enquanto a tubulina é a base do funcionamento dos microtúbulos
nos fusos mitótico e meiótico. Outros exemplos, ainda, são as imunoglobulinas, que funcionam no
sistema imune dos vertebrados; as proteínas de transporte, envolvidas na movimentação de mo-
léculas através das membranas; alguns dos hormônios e seus receptores, que regulam vários tipos
de atividades químicas; as histonas, que se ligam ao DNA nos organismos eucarióticos, e os fato-
res de transcrição, que regulam a expressão gênica (BECKER; BARBOSA, 2018; KLUG et al., 2010).
Entretanto, o grupo de proteínas mais amplo e diversificado (em termos de função) é o das en-
zimas. Elas se especializam em catalisar reações químicas no interior das células vivas. Como todos
os catalisadores, elas aumentam a velocidade com que uma reação química alcança o equilíbrio,
mas não alteram o ponto final de equilíbrio químico. Suas notáveis propriedades catalíticas alta-
mente específicas determinam grande parte da capacidade metabólica de qualquer tipo celular
e proporcionam um suporte para aquilo que chamamos de bioquímica. As funções específicas de
muitas enzimas envolvidas nos processos genéticos e celulares das células são descritas ao longo
do texto (Cominetti et al., 2017).
A catálise biológica é o processo através do qual as enzimas reduzem a energia de ativação de
uma dada reação. A energia de ativação é o estado de aumento da energia cinética que as molé-
culas geralmente têm de atingir para poderem reagir umas com as outras. Esse estado pode ser
alcançado em consequência de temperaturas elevadas, mas as enzimas possibilitam que as reações
biológicas ocorram em temperaturas mais baixas, fisiológicas. Portanto, as enzimas tornam possível
a vida do modo como a conhecemos (BECKER; BARBOSA, 2018. KLUG et al., 2010).
As propriedades catalíticas de uma enzima são determinadas pela configuração química do sítio
ativo de sua molécula. Esse sítio está associado a uma fissura, fenda ou côncavo na superfície da
enzima em que se ligam os reagentes ou substratos, facilitando a interação. As reações enzimati-
camente catalisadas controlam as atividades metabólicas da célula. Uma reação é catabólica ou
anabólica. Catabolismo é a degradação de moléculas grandes em moléculas menores, e mais sim-
ples, com liberação de energia química. Anabolismo é a fase sintética do metabolismo, em que se
constroem os vários componentes que constituem os ácidos nucleicos, as proteínas, os lipídeos e
os carboidratos (MENCK; SLUYS, 2017. BECKER; BARBOSA, 2018).

23
4.3 AS PROTEÍNAS SÃO CONSTITUÍDAS DE UM OU MAIS
DOMÍNIOS FUNCIONAIS
As regiões constituídas por sequências específicas de aminoácidos estão associadas a funções
específicas das moléculas proteicas. Essas sequências, geralmente com 50 a 300 aminoácidos,

UNIDADE 01
constituem os domínios proteicos e representam porções proteicas modulares, que se dobram em
conformações estáveis e únicas, independentemente do resto da molécula. Diferentes domínios
conferem diferentes capacidades funcionais. Algumas proteínas contêm um só domínio, mas outras
contêm dois ou mais (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010; Cominetti et al., 2017).
A importância dos domínios reside na estrutura terciária das proteínas. Cada domínio pode
conter um misto de estruturas secundárias, inclusive alfa-hélices e folhas pregueadas beta. A con-

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formação exclusiva de um dado domínio confere uma função específica à proteína. Por exemplo,
um domínio pode servir como sítio catalítico de uma enzima ou pode conferir-lhe capacidade de
ligação com um ligante específico. Portanto, as discussões sobre proteínas podem mencionar do-
mínios catalíticos, domínios de ligação com o DNA e assim por diante. Em resumo, uma proteína
deve ser vista como composta de uma série de módulos estruturais e funcionais. Obviamente, a
presença de vários domínios em uma mesma proteína aumenta a versatilidade dessa molécula e
incrementa sua complexidade funcional (Cominetti et al., 2017).

5. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA GENÉTICA


DE POPULAÇÕES
Depois de entender o que é um gene e como ele pode ser herdado, é importante compreender
como eles estão distribuídos em uma população. Uma parte importante do estudo da genética é a
determinação das frequências gênicas, genotípicas e fenotípicas dos indivíduos e das populações.
Esse ramo da genética é conhecido como genética de populações e estuda como os genes estão dis-
tribuídos na população, bem como os fatores que interferem nessa distribuição (Lara; Natacci, 2013).
A genética de populações permite estudar a frequência genotípica de determinada população e,
com base nela, estimar a frequência alélica. Em determinados casos, o inverso também é possível,
ou seja, estimar a frequência genotípica com base na frequência alélica. Esse tipo de estudo é de
extrema importância para a genética de populações humanas, pois permite compreender como a
frequência das doenças hereditárias se mantém nas populações, assim como facilita os processos
de aconselhamento genético, para auxiliar pais que pretendem saber a possibilidade de gerar um
filho afetado com relação a determinada doença (Lara; Natacci, 2013).

24
6. BIOTECNOLOGIA EM GENÉTICA E MEDICINA
A biotecnologia, na forma de testagem genética e terapia gênica, já sendo uma parte importante
da Medicina, terá um papel de liderança na decisão sobre a natureza da prática clínica no século

UNIDADE 01
XXI. Nos Estados Unidos, mais de 10 milhões de crianças ou adultos sofrem de alguma forma de
doença genética, e cada casal gerando um filho se encontra em um risco de aproximadamente 3%
de ter uma criança com alguma forma de má formação genética (Lara; Natacci, 2013).

REFLITA

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A genética e suas aplicações em biotecnologia estão se desenvolvendo com muito maior rapidez
do que as convenções sociais, as políticas públicas e as leis necessárias para regular seu uso. Como
membros da sociedade, estamos lutando com uma grande quantidade de questões delicadas re-
lacionadas à genética, as quais abrangem as preocupações com testagem pré-natal, cobertura de
seguros, discriminação genética, direito de propriedade dos genes, acesso à terapia gênica e se-
gurança dessa forma de terapia e privacidade genética.

Os genes da doença das células falciformes, da fibrose cística, da hemofilia, da distrofia mus-
cular, da fenilcetonúria e de muitos outros distúrbios metabólicos foram clonados, sendo usados
para a detecção pré-natal de fetos afetados. Além disso, presentemente se dispõe de testes que
informam os genitores sobre seu estado de “portadores” para uma grande quantidade de doenças
hereditárias. Ou seja, a combinação de testagem e aconselhamento genéticos fornece informações
objetivas aos casais, nas quais podem basear suas decisões quanto à geração de prole (BECKER;
BARBOSA, 2018).
Em lugar de testar um gene de cada vez para descobrir se alguém contém um gene mutante
que possa produzir um distúrbio em sua prole, está em desenvolvimento uma nova tecnologia que
permitirá a triagem de um genoma inteiro para determinar o risco de um indivíduo desenvolver
uma doença genética ou de ter um filho com uma doença genética. Essa tecnologia usa dispositivos
chamados microarranjos de DNA, ou chips de DNA. Quando a tecnologia se desenvolver mais, será
possível fazer a varredura do genoma de um indivíduo em uma só etapa para identificar os riscos de
fatores genéticos e ambientais que possam desencadear uma doença (BECKER; BARBOSA, 2018).
Na terapia gênica, os clínicos transferem genes normais para indivíduos afetados por distúrbios
genéticos. Embora em princípio muitas tentativas de terapia gênica tenham parecido bem-sucedi-
das, os fracassos terapêuticos e as mortes de pacientes desaceleraram o desenvolvimento dessa
tecnologia. Espera-se, contudo, que novos métodos de transferência gênica reduzam esses riscos
(BECKER; BARBOSA, 2018).

25
7. GENÔMICA, PROTEÔMICA
E BIOINFORMÁTICA:
NOVAS ÁREAS EM EXPANSÃO

UNIDADE 01
Logo que as bibliotecas genômicas se tornaram disponíveis, os cientistas começaram a conside-
rar os meios de sequenciar todos os clones de tais bibliotecas, a fim de decifrarem as sequências
nucleotídicas dos genomas dos organismos. Laboratórios de várias partes do mundo iniciaram pro-
jetos para sequenciar e analisar os genomas de diferentes organismos, incluindo os que causam

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doenças humanas. Até hoje, foram sequenciados os genomas de mais de 550 organismos, estando
em andamento milhares de projetos de genomas adicionais (Lara; Natacci, 2013).

SAIBA MAIS

Para armazenar, recuperar e analisar a quantidade maciça de dados gerados pela genômica e pela
proteômica, foi criado um subcampo especializado da tecnologia da informação, chamado bioinfor-
mática, cuja finalidade é desenvolver hardware e software para processar os dados nucleotídicos
e proteicos. Considere que o genoma humano contém mais de 3 bilhões de nucleotídeos, repre-
sentando cerca de 25.000 genes que codificam dezenas de milhares de proteínas, e você poderá
avaliar a necessidade de bancos de dados para armazenar tantas informações.

O Projeto Genoma Humano começou em 1990 como um esforço governamental internacional


para sequenciar o genoma humano e os genomas de cinco organismos-modelo usados nas pes-
quisas genéticas. Em 2001, o Projeto Genoma relatou o primeiro esboço da sequência do genoma
humano, abrangendo cerca de 96% do seu conteúdo gênico. Os cinco organismos-modelo cujos
genomas foram também sequenciados pelo Projeto Genoma Humano são: Escherichia coli (bac-
téria), Saccharomyces cerevisiae (levedura), Caenorhabditis elegans (nematódeo; verme cilíndrico),
Drosophila melanogaster (mosca-das-frutas) e Mus musculus (camundongo) (Mahan; Raymond;
Escott-stump, 2013. MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al., 2010).
À proporção que os projetos genômicos se multiplicaram e cada vez mais sequências genômicas
foram obtidas, surgiram várias disciplinas novas na área biológica. Uma delas, denominada genômi-
ca (o estudo dos genomas), sequencia os genomas e estuda a estrutura, a função e a evolução dos
genes e genomas. Uma segunda disciplina, a proteômica, é derivada da genômica. A proteômica
identifica o grupo de proteínas presentes em uma célula, sob um dado conjunto de condições, e
estuda adicionalmente a modificação pós-traducional dessas proteínas, sua localização no interior
das células e as interações proteína-proteína que ali ocorrem (MENCK; SLUYS, 2017. KLUG et al.,
2010. Cominetti et al., 2017).
Essas novas disciplinas estão transformando drasticamente a Biologia, de uma ciência de base labo-
ratorial para uma ciência que combina os experimentos laboratoriais com a tecnologia da informação.

26
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Nutrigenética é uma disciplina integrativa e importante. Para entender sua importância deve-se
abordar o metabolismo dos alimentos e a variação entre as necessidades de nutrientes ao longo da vida.

UNIDADE 01
ANOTAÇÕES

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27
UNIDADE

02
DA GENÉTICA
À NUTRIÇÃO
MOLECULAR

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Estudar como as características genéticas podem influenciam na capacidade de ab-


sorção e metabolização das substâncias necessárias à sobrevivência.

VÍDEOS DA UNIDADE

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INTRODUÇÃO
Com a descoberta do ácido desoxirribonucleico (DNA), por Johann Friedrich Miescher, em 1869,
e de sua estrutura em alfa-hélice tridimensional, por Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins,

UNIDADE 02
com base em imagens de raios X produzidas por Rosalind Franklin, em 1953, bem como a finalização
do Projeto Genoma Humano (PGH), em 2003, as pesquisas no campo da genética com destaque
especial para a Nutrição foram avançando. Em especial, estudos em nível molecular sobre o modo
como nutrientes e compostos bioativos de alimentos (CBA) interagem com o genoma humano, têm
grande importância para melhor compreensão dos mecanismos relacionados à fisiopatologia das
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e para o planejamento de intervenções nutricionais
para reduzir o risco dessas doenças (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).

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Neste contexto, destacam-se as duas principais áreas de estudo: Nutrigenômica e a Nutrigené-
tica. Ambas, em conjunto com a epigenômica nutricional, são conhecidas como as subdisciplinas
da genômica nutricional (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
A nutrigenômica refere-se à maneira como nutrientes e CBA interagem com o genoma, modulan-
do a expressão de genes para revelar os resultados fenotípicos daquela interação, incluindo fatores
de risco para doenças. Já a nutrigenética estuda a influência das variações que ocorrem no DNA
sobre as respostas à alimentação. Portanto, vamos estudar nesta Unidade os conceitos com atuali-
zação de estudos recentes, para melhor compreensão dos tópicos adiante (COMINETTI et al., 2017).

1. FUNDAMENTOS DA NUTRIGENÔMICA
Os estudos na área da nutrição e da medicina moderna passaram a ampliar os campos de inves-
tigação relacionados aos aspectos fisiológicos e moleculares de doenças crônicas não transmissí-
veis (DCNT), tais como obesidade, câncer, diabetes tipo 2, doença cardiovascular, entre outras. Para
reduzir o risco dessas doenças, os estudos na área da nutrição buscam pela investigação em como
manter a homeostase em nível celular, tecidual e corporal. Para tanto, é necessário o conhecimen-
to de como os nutrientes atuam em nível molecular, envolvendo a interação destes com genes e
proteínas (COMINETTI et al., 2017).
Assim, a pesquisa no campo da nutrição passou também a englobar os aspectos de biologia mo-
lecular e de genética. Nesse contexto, surgiram os estudos de nutrigenômica, que têm por objetivo
investigar os efeitos dos nutrientes e dos compostos bioativos dos alimentos (CBA) sobre a expres-
são de genes e suas consequências nas relações entre saúde e doenças (COMINETTI et al., 2017).
A nutrigenômica objetiva elucidar como os componentes da alimentação (nutrientes e CBA)
podem influenciar a expressão gênica e, consequentemente, a síntese de proteínas (proteoma) e
metabólitos (metaboloma). Esses diferentes componentes dos alimentos apresentam a capacidade
de aumentar ou reduzir a expressão gênica e, desse modo, influenciam tanto a promoção de saúde
quanto na redução do risco de desenvolvimento das DCNT. Um exemplo da interação de genes e

29
nutrientes é a capacidade de determinados compostos dos alimentos atuarem diretamente como
ligantes de fatores de transcrição ou de receptores nucleares (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).

SAIBA MAIS

UNIDADE 02
Nesse cenário, destacam-se as vitaminas A e D e os ácidos graxos, os quais podem ativar recep-
tores nucleares diretamente e induzir ou reduzir a expressão gênica. Por outro lado, compostos
bioativos, como a curcumina, o resveratrol e a genisteína, também são capazes de influenciar as
vias de sinalização indiretamente, desencadeando a transcrição gênica.

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Esses estudos ampliam o conhecimento de como a alimentação exerce influência em diferentes
vias metabólicas para o controle da homeostase e o risco do desenvolvimento das DCNT. De acordo
com Kaput e Rodriguez (2004), os conceitos básicos da nutrigenômica podem ser resumidos em:
• Nutrientes e CBA atuam sobre o genoma humano, direta ou indiretamente, alterando a ex-
pressão ou a estrutura de genes.
• Em determinadas circunstâncias e em alguns indivíduos, a alimentação pode ser fator de ris-
co relevante para o desenvolvimento de determinadas doenças.
• Alguns genes regulados pela alimentação atuam no início, na incidência e na progressão e/
ou gravidade de DCNT.
• O grau com o qual a alimentação influencia o equilíbrio entre saúde e doença pode depender
da constituição genética do indivíduo.
• Intervenções alimentares baseadas no conhecimento das necessidades de nutrientes, do
estado nutricional individual e do genótipo podem ser utilizadas para otimizar a saúde e pre-
venir ou curar DCNT.

1.1 MECANISMOS DE ATUAÇÃO DE NUTRIENTES E CBA


NA REGULAÇÃO DA EXPRESSÃO GÊNICA
Nutrientes e CBA podem modular a expressão gênica de forma direta ou indireta. A primeira re-
fere‐se à situação em que a substância interage diretamente com elementos regulatórios, atuando
como ligante de receptores nucleares ou de fatores de transcrição, promovendo alterações na taxa
de transcrição do(s) gene(s) alvo. Exemplos de nutrientes que podem atuar dessa maneira incluem
ácido retinoico, calcitriol, ácidos graxos de cadeia curta e longa, esteróis e zinco (COMINETTI et al.,
2017. JORGE et al., 2021).
Para exemplificar o mecanismo direto de controle da expressão gênica por nutrientes, vamos
citar como exemplos os aspectos das vitaminas A e D. Em relação à vitamina A, em alimentos de
origem animal, ela aparece como palmitato de retinila, o qual é metabolizado no intestino como
retinol, precursor do ácido retinoico 9‐cis e do ácido retinoico todo trans, os quais conseguem se

30
deslocar diretamente para o núcleo e se ligar aos receptores nucleares. Após a ativação completa
de toda a maquinaria de transcrição, a ligação dessas formas ativas da vitamina A aos receptores
nucleares estimula a expressão de genes, como o da fosfoenolpiruvato carboxiquinase (PEPCK),
envolvida na gliconeogênesse (COMINETTI et al., 2017).
Outro exemplo de nutriente que regula a expressão gênica de forma direta refere‐se à vitami-

UNIDADE 02
na D. O calcitriol forma ativa da vitamina, transloca diretamente para o núcleo, onde se liga a seu
receptor, o VDR (vitamin D receptor). Esse complexo se liga a uma região do DNA conhecida como
elemento de resposta à vitamina D ativando a transcrição de diversos genes. Um exemplo relacio-
na‐se ao controle da expressão do gene supressor de tumor em mastócitos e colonócitos (COMI-
NETTI et al., 2017).
No mecanismo indireto de controle de expressão gênica, o nutriente ou CBA não se desloca di-

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retamente para o núcleo, mas ativa uma cascata de sinalização que resultará na translocação de
determinado fator de transcrição do citoplasma para o núcleo celular e, consequentemente, na
regulação da expressão gênica. CBA como o resveratrol e a ginesteína podem influenciar as vias de
sinalização celular, com ações pós‐transcricionais, a modulação da estabilidade do RNAm ou, ain-
da, sua tradução em proteínas nos ribossomos por meio do bloqueio da fosforilação do inibidor de
kappa B (IkB) (COMINETTI et al., 2017).
Kappa B (NF‐kB) é um fator de transcrição que se liga à região que promove a expressão de ge-
nes que codificam citocinas pró‐inflamatórias, fatores de crescimento, moléculas de adesão celular,
imunorreceptores ou proteínas de fase aguda. No citoplasma das células, ele aparece ligado a pro-
teínas inibitórias denominas IkB. Em células endoteliais, sob o estímulo de citocinas ou de radicais
livres, o NF‐kB pode ser ativado. Um exemplo desse caso, é a possibilidade de haver, por exemplo,
o aumento da expressão do gene que codifica a molécula de adesão celular vascular 1 (VCAM‐1),
que medeia a adesão de leucócitos ao endotélio, processo intimamente relacionado à ateroscle-
rose (ROSSI; POLTRONIERI, 2019. COMINETTI et al., 2017).
Outro exemplo que pode bloquear ou atenuar essa via é o resveratrol, um composto fenólico
presente em uvas, suco de uva e vinho tinto, com capacidade de bloquear a fosforilação do IkB,
impedindo o deslocamento do NF‐kB para o núcleo e a consequente expressão de genes relacio-
nados ao processo inflamatório (COMINETTI et al., 2017).
Além disso, já se sabe que outros CBA também têm a capacidade de regular indiretamente a ati-
vidade do NF‐kB, como a capsaicina da pimenta, a genisteína da soja, as catequinas do chá verde,
o gingerol do gengibre e a curcumina do açafrão‐da‐terra. Os efeitos dessas interações entre genes
e nutrientes ou CBA podem ser deletérios ou benéficos ao organismo, resultando no aumento do
risco ou na proteção contra o desenvolvimento de determinadas DCNT (COMINETTI et al., 2017.
JORGE et al., 2021).

1.2 NUTRIENTES, CBA E RECEPTORES CELULARES


Receptores nucleares são uma classe de proteínas intracelulares responsáveis pela detecção de
hormônios e outras moléculas e, por apresentarem a capacidade de se ligar diretamente em locais

31
específicos do DNA e de regular a expressão de genes, são classificados como fatores de transcri-
ção. Para que a regulação da expressão gênica ocorra, é necessária a ligação de uma molécula que
modifica o comportamento do receptor. Isso altera a conformação do receptor, de forma a se tornar
ativo, exercendo ação de regulação positiva ou negativa da expressão de genes (JORGE et al., 2021).
A superfamília dos receptores nucleares contém 48 diferentes tipos de receptores, envolvidos

UNIDADE 02
na regulação de diversos processos no organismo como reprodução, desenvolvimento embrionário,
metabolismo, inflamação, apoptose, entre outros. Alguns receptores nucleares apresentam a) hor-
mônios ligantes específicos, como o hormônio tireoidiano, o estradiol, a progesterona, a testos-
terona, o cortisol, a aldosterona, e as formas biologicamente ativas das vitaminas A e D; b) outros
receptores nucleares podem ter como ligantes alguns lipídios provenientes da alimentação, como
os ácidos graxos; c) receptores nucleares, conhecidos como órfãos, que não têm nenhum tipo de

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ligante natural identificado até o momento (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
Os receptores nucleares são formados por três domínios principais, a região aminotermal, região
do domínio de ligação central do ácido desixirribonucleico e região de domínio terminal de ligação
ao ligante, conforme a Figura 1 (SOARES, 2017).

Figura 1 – Estrutura comum dos receptores nucleares e representação dos domínios funcionais.
A; Estrutura primária, com a representação da região amino-terminal (domínio A/B), domínio de ligação
ao DNA (DBD, domínio C), região de dobradiça (Hinge, domínio D), região carboxi-terminal ou domínio
de ligação ao ligante (LBD, domínio E), e domínio F.

Fonte: SOARES (2017). Adaptado.

• A região aminoterminal (ou domínio A/B) contém a função 1 de ativação independente do


ligante (AF‐1), que é responsável, por exemplo, pela fosforilação de outros receptores nucle-
ares, como os ativados por proliferadores de peroxissomos (PPAR).
• Região do domínio de ligação central do ácido desoxirribonucleico (DBD) ou domínio C, que
promove a ligação do fator de transcrição ao elemento de resposta na região promotora do
gene alvo.
• Região LBD (domínio terminal de ligação ao ligante), responsável pela especificidade do ligan-
te e pela ativação da ligação do fator de transcrição ao elemento de resposta, o que promove
o aumento da expressão do gene alvo.

32
O PPAR funciona como um fator de transcrição atuando com os ácidos graxos eicosapentaenoico
(EPA) e docosahexaenoico (DHA). Como são ligantes do PPAR, são capazes de induzir a transcrição
de genes envolvidos na homeostase lipídica e no metabolismo da glicose (COMINETTI et al., 2017).
Outro receptor nuclear muito estudado é o VDR, essencial para o metabolismo ósseo, para o
crescimento, a diferenciação e a atividade funcional de diversas células, incluindo as do sistema

UNIDADE 02
imune, da pele e do pâncreas. O receptor X de farnesoide (FXR, farnesoid X receptor) exerce fun-
ção na homeostase dos ácidos biliares e também como modulador de uma variedade de processos
relacionados ao metabolismo hepático do colesterol (COMINETTI et al., 2017).
Nesse sentido, verifica‐se que diversos nutrientes são ligantes de receptores nucleares e, assim,
exercem funções moleculares importantes na determinação do maior ou menor risco para DCNT
(JORGE et al., 2021).

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1.3 RESPOSTA PRÓ-INFLAMATÓRIA NA OBESIDADE
Conforme aprendemos anteriormente, os CBA podem atuar indiretamente na regulação da ex-
pressão gênica e assim modular mecanismos fisiopatológicos e respostas relacionadas ao desenvol-
vimento de DCNT. Por meio desse exemplo destaca-se a obesidade, uma DCNT que causa processo
pró‐inflamatório crônico de baixa intensidade, e diversos nutrientes e CBA têm sido estudados com
relação à modulação (estabilização) desse processo, como é o caso do ácido cafeico (encontrado
na erva‐mate), do tirosol (encontrado no azeite de oliva), da quercetina (encontrada em frutas e
hortaliças) e do licopeno (encontrado no tomate, na goiaba e na melancia). Esses compostos apre-
sentam a capacidade de reduzir a expressão de genes como o da ciclo‐oxigenase (COX) e da óxido
nítrico sintase induzível (iNOS), por atuarem na redução da translocação do fator de nuclear NF‐kB
do citosol para o núcleo celular, reduzindo, a produção de citocinas pró‐inflamatórias (COMINETTI
et al., 2017. JORGE et al., 2021).

1.4 NUTRIGENÔMICA E ESTRESSE OXIDATIVO


O desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) e os mecanismos de
defesa antioxidante do organismo caracterizam a ocorrência do estresse oxidativo, cujos efeitos po-
dem ser associados a alterações e danos às estruturas celulares, aos ácidos nucleicos, aos lipídios
e às proteínas. No contexto de nutrigenômica e estresse oxidativo, destaca‐se o estudo do papel
do fator de transcrição denominado NRF2 (NF‐E2‐related factor 2), expresso em todos os tecidos,
sendo mais abundante no cérebro, fígado, rins, sistema digestório e pele. Em condições metabóli-
cas normais o NRF2 está ligado à proteína inibitória conhecida como Keap‐1 (Kelch‐like ECH‐asso-
ciated protein), mais especificamente no domínio DGR (ROSSI & POLTRONIERI, 2019; COMINETTI,
ROGERO & HORST, 2017).
Entretanto, em condições de estresse oxidativo, a ligação entre o NRF2 e a Keap‐1 é inibida pela
perda da ligação nos domínios DLG e DGR, o que impede a sua degradação. Dessa forma, o NRF2
acumula‐se e migra para o núcleo da célula, ligando‐se a elementos de resposta a antioxidantes
na região promotora dos genes que codificam enzimas e proteínas antioxidantes citoprotetoras,

33
como a superóxido dismutase (SOD), a catalase, a glutationa peroxidase (GPx), a glutationa redu-
tase, as peroxirredoxinas, as quinona oxidorredutases e as heme‐oxigenases, que representam um
potente mecanismo de defesa antioxidante (ROSSI; POLTRONIERI, 2019. COMINETTI et al., 2017).
Considerando que a ativação do NRF2 é responsável pela expressão de diversos genes que co-
dificam enzimas e proteínas antioxidantes, a ingestão de compostos bioativos dos alimentos, par-

UNIDADE 02
ticularmente em frutas e hortaliças, pode ser considerada uma medida de redução dos prejuízos
causados pelo estresse oxidativo. Estudos têm relatado que os isotiocianatos, as ditioltionas, o res-
veratrol, a curcumina, o ácido cafeico, a epigalocatequina‐3‐galato, o dialil sulfito, além de outros
CBA, são capazes de ativar o NFR2 e, melhorar a capacidade antioxidante do organismo (ROSSI;
POLTRONIERI, 2019).

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1.5 NUTRIGENÔMICA E ÁCIDOS GRAXOS
A ativação da via de sinalização do fator de transcrição NF-κB promove o aumento da expressão
de genes que codificam proteínas envolvidas na resposta inflamatória, que está relacionado à fisio-
patologia de diferentes DCNT. A estimulação da via de sinalização do NF-κB pode ocorrer pela ligação
de um ligante a um receptor de superfície celular, como o receptor do tipo Toll (TLR)-4, que pode
ser ativado por lipopolissacarídios (LPS) ou por ácidos graxos saturados (COMINETTI et al., 2017).
A ligação dos ácidos graxos saturados ao TLR-4 promove a ativação das proteína-quinases, de-
signadas quinase c-Jun aminoterminal (JNK) e quinase do inibidor de kappa B (IκB), a IKK-β (Figura
2). Nesse contexto, verifica-se que o ácido palmítico aumenta a expressão e a secreção de citocinas
pró-inflamatórias, como a interleucina (IL) 6 e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Quando o
IRS-1 é fosforilado nessa posição, ocorre redução de sua interação com o receptor de insulina, na
subunidade β e, consequentemente, diminuição da transdução do sinal da insulina. Além disso, áci-
dos graxos saturados induzem a resistência à ação da insulina, que, por sua vez, induz a expressão
de genes mitocondriais envolvidos com a fosforilação oxidativa e a captação de glicose mediada
pela insulina (COMINETTI et al., 2017).

Figura 2 – Vias de sinalização dos fatores de transcrição NF-kB e AP-1.

Fonte: JORGE et al. (2021).

34
A presença de lipopolissacarídeos (LPS) e de ácidos graxos saturados (AGS) como veremos mais
adiante, estimulam a via de sinalização do fator de transcrição NF-kB, enquanto a presença de TN-
F-α estimula tanto a via de sinalização do NF-kB quanto da proteína-1 ativadora (AP-1). A ativação
dessas vias resulta no aumento da expressão de genes que codificam para proteínas envolvidas na
resposta inflamatória (JORGE et al., 2021).

UNIDADE 02
Conforme a figura, são os ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) da série ômega-3, ácido eicosa-
pentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA), presentes em peixes e em óleos de peixe, que
apresentam ação anti-inflamatória, uma vez que diminuem a atividade dos fatores de transcrição
NF-κB e da proteína ativadora 1 (AP-1). Além desses efeitos, o DHA apresenta outro mecanismo
de ação anti-inflamatória, relacionado à capacidade de ligação desse ácido graxo ao seu receptor
(JORGE et al., 2021).

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Cabe destacar que o EPA e o DHA interagem, de maneira direta, com os PPAR e, assim, modulam
a expressão de genes envolvidos com o metabolismo lipídico e a resposta inflamatória (COMINETTI
et al., 2017).

2. NUTRIGENÉTICA
Em 1975, o termo nutrigenética foi utilizado no título de um livro escrito por Brennan e Mulligan,
Nutrigenetics: new concepts for relieving hypoglycemia, e a partir de 1980 as tecnologias neces-
sárias para a investigação da expressão de genes específicos e de variações na sequência de nucle-
otídeos do ácido desoxirribonucleico (DNA) associadas às diferentes respostas a componentes da
alimentação foram constantemente desenvolvidas e aperfeiçoadas (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).

REFLITA

Acredita‐se que o termo nutrigenética, do ponto de vista histórico, esteja relacionado ao provér-
bio “Ut quod ali cibus est aliis fuat acre venenum”, que significa “o que é alimento para um, é para
outros veneno”, do poeta e filósofo romano Tito Lucrécio Caro (99 a.C. – 55 a.C.). Posteriormente,
em meados do século XX, pesquisadores verificaram que maior taxa de sobrevivência de camun-
dongos Swiss Webster infectados por S. enteritidis foi obtida com a ingestão de dieta composta de
trigo integral e leite em pó integral em comparação a uma dieta sintética, de acordo com a cons-
tituição genética dos animais utilizados.

No contexto da genômica nutricional, a nutrigenética representa a influência da variabilidade ge-


nética existente entre os indivíduos sobre as necessidades nutricionais, o estado de saúde e o risco de
desenvolvimento de doenças. A nutrigenética estuda como as variações do DNA exercem influência
sobre as necessidades nutricionais e as respostas individuais a componentes da alimentação, e de
que maneira essa interação afeta o estado de saúde e o risco de desenvolvimento de doenças. Tais

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variações genéticas se referem, principalmente, a polimorfismos de nucleotídio único (SNP, single
nucleotide polymorphism) (ROSSI; POLTRONIERI, 2019. COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
Os SNP são o tipo mais comum de variação encontrada no genoma (cerca de 95% de todas as
variações) e ocorrem quando há troca de apenas um nucleotídio em determinada posição ao longo
de toda a molécula de DNA, seja nas regiões regulatórias, codificadoras ou intergênicas (COMINETTI

UNIDADE 02
et al., 2017; JORGE et al., 2021).
Quando a troca do nucleotídeo ocorre em um éxon (região codificadora do gene), pode resultar
ou não na alteração da estrutura e/ou função da proteína traduzida, em razão da degeneração do
código genético, ou pode, ainda, dar origem a um códon de terminação da tradução (stop códon)
prematuro (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).

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Um polimorfismo pode ocorrer também em outras regiões do DNA, como na região promotora
ou regulatória dos genes, e nas regiões 5’ e 3’ não traduzidas, o que pode influenciar a regulação da
expressão gênica de modo positivo (hiperregulação) ou negativo (hiporregulação). Podem ocorrer
SNP também em íntrons, o que pode interferir na síntese da proteína, por meio de modificações
no processo de splicing (COMINETTI et al., 2017).
O impacto biológico atribuído a determinado SNP está também relacionado à sua ocorrência
em homozigose ou em heterozigose, e, muitas vezes, a presença de apenas um alelo variante já é
suficiente para determinar efeitos de proteção ou de aumento do risco em função do polimorfis-
mo (COMINETTI et al., 2017).
Todavia, é importante distinguir quais SNP têm real importância no contexto da Nutrição. Para
isso, consideramos a localização do SNP ao longo do DNA, pois nem todos os genes respondem às
modificações na alimentação. Quando encontrados em regiões codificadoras, esses devem estar
relacionados a proteínas-chave no metabolismo e com papel hierárquico nas cascatas biológicas, o
que, possivelmente, resultará em consequências funcionais importantes (COMINETTI et al., 2017).
Um dos exemplos clássicos utilizados em nutrigenética é a fenilcetonúria, erro inato do meta-
bolismo, de caráter autossômico recessivo raro (≈ 1:15.000 indivíduos), causado por mutações no
gene que codifica a enzima fenilalanina hidroxilase. Aproximadamente 20 anos após sua descober-
ta, em meados do século XX, verificou-se que os pacientes acometidos pela doença respondiam à
restrição alimentar do aminoácido essencial fenilalanina (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
A fenilcetonúria pode ser classificada, de acordo com a tolerância à fenilalanina antes dos cinco anos
de idade, em clássica, moderada, leve e em hiperfenilalaninemia leve, sendo a primeira condição a
mais grave, quando ocorre deficiência completa ou quase completa da atividade da fenilalanina hidro-
xilase e os indivíduos afetados toleram quantidades inferiores a 250 a 350 mg de fenilalanina por dia
para manutenção das concentrações plasmáticas seguras do aminoácido. Este foi, portanto, o primeiro
erro inato do metabolismo causado por alterações em um único gene que respondeu ao tratamen-
to alimentar, caracterizando uma intervenção relacionada à nutrigenética (COMINETTI et al., 2017).
Todavia, ao contrário da fenilcetonúria, doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como obe-
sidade, diabete melito tipo 2, doenças cardiovasculares (DCV), hipertensão arterial e câncer são
multifatoriais e multigênicas. Nesses casos, o fenótipo é determinado pela interação entre múlti-
plos genes, variações genéticas e fatores ambientais (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).

36
Vários outros genes candidatos são conhecidos por influenciar diversos processos fisiológicos,
como absorção, transporte, biotransformação, utilização, ligação, estoque e excreção, bem como
mecanismos celulares de ação de diversos nutrientes ou CBA e, assim, a forma como eles interfe-
rem na relação entre saúde e doença. Cada gene envolvido em todos esses processos pode apre-
sentar polimorfismos que alteram sua função e as respostas fisiológicas a determinado composto

UNIDADE 02
alimentar (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).

3. EPIGENÉTICA E NUTRIÇÃO
Como vimos, todas as células de um organismo multicelular têm sequências idênticas de áci-

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do desoxirribonucleico (DNA), ou seja, o mesmo conteúdo de informação genética, com fenótipos
bastante distintos. Apesar disso, a genética isoladamente não pode explicar a enorme diversidade
de fenótipos em uma população e o fato de gêmeos monozigóticos ou animais clonados, que pos-
suem sequências de DNA idênticas, poderem apresentar fenótipos diferentes e a predisposição a
determinadas doenças (COMINETTI et al., 2017).
A adaptação às alterações ambientais e a especialização celular em organismos multicelulares,
desde a mais simples bactéria até o mais sofisticado e especializado neurônio desenvolveram me-
canismos para transmitir, durante a divisão celular, informações sobre os estímulos recebidos. A
manutenção da identidade celular em um organismo multicelular constitui um exemplo desta me-
mória celular pois, a partir do mesmo genoma contido no zigoto, subconjuntos de células-filhas se
engajam em programações distintas de expressão gênica com capacidade de desenvolver funções
específicas (COMINETTI et al., 2017).
Portanto, o padrão de manutenção da identidade celular é complexo, com a expressão gênica,
que deve ser fielmente transmitido para cada célula-filha. Esse conjunto de processos que garante
a transmissão das informações que estão contidas acima e além (epi) da sequência de DNA (gené-
tica) é denominado epigenética (COMINETTI et al., 2017).
O termo epigenética foi usado pela primeira vez em 1942 para definir “o ramo da biologia que
estuda as interações causais entre os genes e seus produtos e que levam ao surgimento de deter-
minado fenótipo”. Após, com a evolução entre os conceitos, foi proposta uma definição mais res-
tritiva que considerava epigenética o conjunto de “fenótipos estáveis e hereditários resultantes de
alterações nos cromossomos sem que ocorram modificações na sequência do DNA” (COMINETTI
et al., 2017; JORGE et al., 2021).

SAIBA MAIS
A informação epigenética fornece um tipo de “memória” que é necessária para a manutenção
da função do genoma, influenciando os padrões de expressão gênica diferencial de determinada
célula e a propagação de características estruturais essenciais, como os telômeros e centrômeros,
que são necessários para a viabilidade e proliferação celular.

37
O perfil epigenético do genoma varia de forma dinâmica, de tecido para tecido, diferentemente
do que ocorre com a sequência estática do DNA. Alterações nos sinais epigenéticos envolvem gran-
de número de enzimas atuando em conjunto para permitir que a informação epigenética resulte
em modificações reversíveis no padrão de expressão gênica sem que haja alteração da sequência
do DNA. Os principais eventos epigenéticos incluem a atividade de ácido ribonucleico (RNA) não

UNIDADE 02
codificante, a metilação do DNA e as modificações pós-transcricionais (acetilação, metilação, fos-
forilação, entre outras) que ocorrem nas proteínas designadas histonas. Esses eventos epigenéti-
cos são responsáveis pela formação, manutenção e reversão de padrões de transcrição gênica e
são fundamentais para a capacidade da célula de “lembrar” de eventos passados, como alterações
no ambiente externo ou sinais de desenvolvimento (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
As marcas epigenéticas podem ser modificadas em resposta a estímulos específicos recebidos

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durante um curto período, mas com efeitos de longa duração ao longo da vida do organismo e,
possivelmente, nas gerações seguintes. Muitas dessas marcas epigenéticas, obtidas ainda na fase
embrionária, são dinamicamente reguladas por meio da remodelação epigenética ao longo de toda
a vida adulta do organismo, inclusive, o desenvolvimento de padrões epigenéticos é influenciado
por fatores ambientais ainda na fase embrionária (COMINETTI et al., 2017).

SAIBA MAIS
Já foi comprovado que, em diferentes espécies, fatores ambientais, como temperatura ou presença
de predadores, afetam o fenótipo da prole. Em humanos e ratos, a fisiologia do feto é influenciada
pelo estado nutricional e emocional (especialmente o nível de estresse) da mãe. Tal plasticidade
fenotípica decorrente de alterações epigenéticas durante o desenvolvimento embrionário é de
extrema importância, pois pode resultar em preparação da prole para o tipo de ambiente no qual
ela terá de sobreviver.

Assim como acontece com a informação genética, as marcas epigenéticas devem ser transmitidas
para a geração seguinte para poderem ser qualificadas como informação epigenética verdadeira.
Além disso, conforme mencionado, em contraste com a informação genética, que é altamente está-
vel, a informação epigenética apresenta elevado grau de plasticidade e é inerentemente reversível.
Segundo Rossi & Poltronieri (2019), são três os critérios independentes que devem ser atendidos
para que um determinado sinal molecular possa ser, de fato, considerado epigenético:
a) Ter mecanismo de autopropagação, isto é, caminhos que expliquem como a assinatura mo-
lecular é fielmente reproduzida após replicação do DNA e divisão celular;
b) Ser hereditário, ou seja, apresentar forma de transmissão autossustentada;
c) Ser reversível.

3.5.1 METILAÇÃO DO DNA

A metilação do DNA é a modificação epigenética mais amplamente estudada em mamíferos,


fornecendo um mecanismo estável de silenciamento com papel fundamental na regulação da

38
expressão gênica e na organização da arquitetura da cromatina. A metilação do DNA resulta da
adição covalente de um grupo metil a resíduos de citosina que pertencem a dinucleotídeos CpG,
estando comumente associada ao silenciamento de genes e de regiões genômicas não codifican-
tes (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
O estabelecimento e a manutenção de padrões de metilação são realizados por uma família de

UNIDADE 02
enzimas chamadas DNMT, essenciais para a manutenção de padrões adequados de expressão gê-
nica. São enzimas altamente expressas nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário,
quando ocorre a maior parte dos eventos programados de metilação de novo, e apresentam baixa
expressão em células já diferenciadas (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
A hipótese de uma associação entre a metilação do DNA e a regulação da expressão gênica sur-
giu após observar-se frequentemente que havia repressão da transcrição de genes. Em contraste,

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são geradas uma estrutura de cromatina favorável à expressão gênica criando domínios ricos em
histonas tornando a estrutura da cromatina menos compacta e facilitando a transcrição (COMI-
NETTI et al., 2017).
Na formação da cromatina, estudamos uma estrutura fundamental que faz parte do processo,
as histonas. Sua estrutura e suas modificações armazenam a memória epigenética no interior das
células sob a forma de um código de histonas, atuando por meio de alterações na acessibilidade da
cromatina ou por meio do recrutamento e/ou bloqueio de proteínas responsáveis pela decodificação
da mensagem contida nesse código. Dessa forma, efetuam os processos, como transcrição, replica-
ção, reparo do DNA, splicing alternativo e condensação cromossômica (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
Na função de controlar grande variedade de processos biológicos com papel importante na
manutenção de padrões de expressão gênica global, apresentamos os miRNA que apresentam ex-
pressão tecido-específica, sendo regulada por mecanismos epigenéticos. Os miRNA são pequenas
moléculas de RNA não codificantes com aproximadamente 22 nucleotídeos, exercendo papel em
todas as vias biológicas em mamíferos e em outros organismos multicelulares. Mais de 1.400 miR-
NA humanos foram identificados, ilustrando o enorme potencial dessas moléculas na regulação da
expressão gênica. Há estimativas de que cerca de 60% de todos os RNAm estejam sob o controle
de miRNA (JORGE et al., 2021).
Além disso, os miRNA também podem modular outros eventos epigenéticos dentro de uma célu-
la, no estabelecimento de padrões de metilação ou na regulação da estrutura da cromatina, que
direciona enzimas responsáveis pela metilação do DNA e de modificações de histonas (PRC). Assim,
as células apresentam a capacidade de modificar suas atividades bioquímicas de acordo com os
estímulos transitórios que recebem do ambiente, como a ingestão de alimentos e o gasto energé-
tico. Dessa forma, a célula pode ajustar os níveis de expressão de genes de acordo com condições
ambientais e nutricionais específicas (COMINETTI et al., 2017).
Em mamíferos, a metilação do DNA consiste na substituição do hidrogênio (-H) por um metil
(-CH3) no carbono 5 no anel da citosina. Essa transformação da citosina em 5-metilcitosina (5mC)
é feita pela família de enzimas metiltransferases, e ocorre, por exemplo, nas ilhas CpGs das regiões
promotoras dos genes.  Quando as citosinas nessas regiões estão metiladas, as proteínas que rea-
lizam a transcrição dos genes e a RNA polimerase não conseguem se ligar à fita do DNA, de forma

39
que aquele gene continuará “desligado”. A metilação, e consequentemente o silenciamento de
genes, é um mecanismo determinado pelo período do ciclo ou desenvolvimento de uma célula,
possibilitando o bom funcionamento de um organismo, e, caso o padrão de metilação seja alterado
por um poluente ambiental, por exemplo, um novo padrão de metilação será instalado ativando
diferentes genes que deveriam estar silenciados, gerando efeitos na vida e saúde daquele indivíduo

UNIDADE 02
(COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
Nutrientes específicos são necessários para impulsionar as vias metabólicas que resultam em
metilação. Tanto a escassez quanto o excesso desses nutrientes podem afetar diretamente o epi-
genoma. Por exemplo, o estado nutricional do indivíduo em relação a ácido fólico, vitamina B12,
metionina, colina e betaína pode influenciar o padrão de metilação do DNA e das histonas. Nesse
sentido, dois intermediários do metabolismo do carbono merecem destaque: a SAM, que é um

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doador de grupamentos metil, e a S-adenosil-homocisteína (SAH), que é um inibidor de metil-
transferases. Assim, teoricamente, qualquer nutriente, CBA ou condição que possa influenciar as
concentrações de SAM ou SAH no tecido, também modulam as reações de metilação (COMINETTI
et al., 2017; JORGE et al., 2021).
Padrões de alimentação, como uma dieta com alto teor de lipídios, pode influenciar o estado de
metilação do DNA. Observou-se que ratos tratados com ração normocalórica e hiperlipídica (60%
do valor calórico total) apresentaram no hipotálamo, metilação da região promotora do gene es-
sencial para o funcionamento adequado da via de sinalização antiobesidade dependente da lep-
tina, relacionado à regulação da ingestão alimentar e no gasto energético. Em estudo duplo-cego
e randomizado para aumento controlado de peso (LIPOGAIN), esse padrão foi avaliado em tecido
adiposo subcutâneo. A indução do ganho de peso ocorreu a partir do consumo de muffins feitos
com óleo de palma (fonte de ácidos graxos saturados) ou com óleo de semente de girassol (fonte
de ácidos graxos poli-insaturados), e ambas as intervenções resultaram em ganho de peso similar.
Entretanto, comparando-se o grupo que recebeu óleo de palma ao que recebeu óleo de semente
de girassol, houve diferença no padrão de metilação incluindo alguns envolvidos com a obesidade
(ROSSI; POLTRONIERI, 2019; COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
O folato é o micronutriente mais extensivamente estudado com relação à metilação do DNA,
especialmente por desempenhar papel único na geração de SAM. De maneira resumida, por meio
de uma reação com gasto de energia (ATP), a metionina é convertida em SAM, doador celular uni-
versal de CH3. Por outro lado, o folato proveniente da alimentação ou de suplementos na forma
de ácido fólico é convertido a di-hidrofolato (DHF) e, subsequentemente, a tetra-hidrofolato (THF),
que, origina a metionina a qual, é metabolizada para formar novamente SAM (ROSSI; POLTRONIERI,
2019; COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
Esse processo possibilita que o folato da alimentação entre no ciclo do carbono para reabastecer
a concentração celular de SAM. Por isso, sugeriu-se que a suplementação com ácido fólico resultaria
em aumento da metilação do DNA, enquanto a restrição desse nutriente ocasionaria hipometilação
(ROSSI; POLTRONIERI, 2019; COMINETTI et al., 2017).
A colina é um doador indireto de metil para o metabolismo do carbono, uma vez que é oxidada a
betaína e esta, por sua vez, doa um grupo metil para a homocisteína, auxiliando na sua conversão a

40
metionina e contribuindo, assim, para a homeostase dessa substância. Fontes nutricionais de colina
incluem ovos, gérmen de trigo e brócolis e a deficiência desse nutriente em adultos pode resultar
em alterações epigenéticas e hiperhomocisteinemia associadas à disfunção de órgãos, particular-
mente em esteatose hepática (ROSSI; POLTRONIERI, 2019. COMINETTI et al., 2017).
No contexto da bioquímica nutricional, é relevante destacar que a via de metabolismo do car-

UNIDADE 02
bono é cíclica e é regenerada por meio de micronutrientes provenientes da alimentação. Além do
folato e da colina, outros nutrientes também participam do metabolismo do carbono, atuando como
doadores de CH3 ou como cofatores de enzimas que contribuem para o ciclo (ROSSI; POLTRONIERI,
2019. COMINETTI et al., 2017. JORGE et al., 2021).
Além dos nutrientes, os CBA também são capazes de modular eventos em culturas de células de
câncer. A apigenina (presente no aipo e na salsa) e a luteolina (encontrada na cebola, na couve-flor

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e no brócolis) reduziram a atividade de DNMT, com consequente aumento da apoptose e redução
da proliferação celular de células cancerígenas. Já a quercetina (presente principalmente na cebola
e em hortaliças verde-escuras) parece exercer atividades anticarcinogênicas em cultura de células
humanas de câncer de bexiga, por meio da reativação de genes supressores tumorais que estão
normalmente metilados nesses tumores. O chá-verde tem despertado interesse dos pesquisadores
por suas propriedades benéficas à saúde, as quais são atribuídas às catequinas, especialmente a
epigalocatequina-3-galato, que apresenta atividade inibitória de DNMT. Por sua vez, o resveratrol,
encontrado no vinho tinto, parece reduzir a metilação da região promotora, e, assim, promover a
reativação da expressão do PTEN, um importante supressor tumoral em células de câncer de mama
(ROSSI; POLTRONIERI, 2019. COMINETTI et al., 2017. JORGE et al., 2021).
Os miRNAs foram descritos pela primeira vez na década de 1990 em Caenorhabditis elegans, e
são atualmente considerados moléculas fundamentais na regulação da expressão gênica das células
animais e vegetais. Essas moléculas têm entre 17 e 25 nucleotídeos e regulam a expressão gênica
de maneira pós-transcricional, alterando o padrão de tradução proteica por meio da interação com
RNAs mensageiros (mRNAs). Atualmente, existem mais de 18 mil miRNAs distintos em 168 espécies
catalogados sendo na espécie humana, identificados mais de 2.500 miRNAs. Variações no padrão
de expressão de miRNAs têm sido relacionadas com diversos processos biológicos e fisiológicos e
descritas em praticamente todas as patologias humanas (JORGE et al., 2021).
Evidências sugerem que a alimentação possa influenciar o risco do desenvolvimento de doen-
ças por meio da modulação da expressão de miRNA. Em modelo experimental com camundongos,
utilizando rações hiperlipídicas (60% do valor energético total da dieta) para indução da obesida-
de, encontrou-se expressão diferencial de 26 miRNA em comparação ao tecido adiposo de animais
tratados com ração controle (10% de lipídios em relação ao valor energético total) (ROSSI; POLTRO-
NIERI, 2019. COMINETTI et al., 2017. JORGE et al., 2021).
Ácidos graxos poliinsaturados são preconizados como supressores da carcinogênese de cólon e,
embora os mecanismos ainda não estejam completamente elucidados, sugere-se que a modulação
da expressão de miRNA esteja envolvida nesse processo (COMINETTI et al., 2017. JORGEI., 2021).
Estudos identificaram em modelo experimental de câncer de cólon a ação quimiopreventiva de
rações enriquecidas com óleo de peixe (11,5 g/100 g de dieta) associada à modulação da expressão

41
de miRNA envolvido com a carcinogênese. Outra cooperação interessante entre CBA foi destacada
por Wolter e Stein, que demonstraram que o resveratrol intensificou os efeitos indutores de dife-
renciação celular do butirato em células de câncer colorretal, por meio da modulação da expressão
de miRNA (COMINETTI et al., 2017).
Um outro estudo demonstrou que a suplementação nutricional de polifenóis, em doses viáveis

UNIDADE 02
de serem alcançadas através da alimentação humana, foi capaz de modular a expressão de um
grupo de cinco miRNA, sugerindo um mecanismo de ação comum, sugerindo que os CBA exercem
seus efeitos preventivos, em parte, por meio da modulação da expressão de miRNA específicos.
Entretanto, ainda não se tem uma recomendação nutricional definitiva para modulação da expres-
são dessas moléculas (COMINETTI et al., 2017).

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4. METABOLÔMICA
O desenvolvimento de novas ferramentas em biologia molecular estrutural levou à compreensão
do genoma, e o Projeto Genoma Humano abriu novas perspectivas de investigação. Entretanto, o
conhecimento das sequências de todos os genes não foi suficiente para entender todos os meca-
nismos de uma célula ou organismo, e mesmo com a combinação da genômica com a proteômica,
não foi possível a compreensão das redes integradas das células em sistemas biológicos, uma vez
que ambas ignoram o estado dinâmico do organismo (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
A metabolômica surgiu como proposta para aumentar e complementar as informações fornecidas
pela genética e proteômica, tornando-se um novo domínio da ciência. Seu início se deu em 1970,
quando Linus Pauling e Arthur B. Robinson investigaram como a variabilidade biológica explicava
o intervalo de necessidades nutricionais, traçando perfis de vapor de urina. Porém, as tecnologias
disponíveis na década de 1970 eram muito limitadas e não possibilitaram o avanço da temática, só
observado após o surgimento e o aperfeiçoamento da cromatografia gasosa ou líquida acoplada à
espectrometria de massa (MS) e à ressonância magnética (RM) (COMINETTI et al., 2017).
Na década de 1990, o termo metabolômica (do grego meta = mudança; nomos = conjunto de
regras ou leis) foi proposto como a medida quantitativa global da resposta metabólica dinâmica a
estímulos biológicos e fisiopatológicos ou à modificação genética dos sistemas vivos. Metaboloma
é o conjunto de substâncias endógenas ou exógenas que participam ou são resultantes dos me-
canismos metabólicos presentes em um sistema biológico: na célula, tecido, órgão ou organismo.
Esses compostos são denominados metabólitos e compreendem aminoácidos, lipídios, vitaminas,
pequenos peptídeos e carboidratos, que representam o resultado real da expressão gênica de um
processo metabólico ou fisiológico. O metaboloma indica com mais acurácia o estado metabólico
de um sistema biológico e reflete o fenótipo real em um período no qual se realiza o estudo meta-
bolômico (COMINETTI et al., 2017).
A metabolômica é dedicada ao estudo global dos metabólitos, sua dinâmica, sua composição,
suas interações e sua resposta a intervenções ou mudanças no ambiente, em células, tecidos ou
fluidos biológicos. Os metabólitos são substratos, produtos ou cofatores nas reações bioquímicas

42
e desempenham um papel fundamental na conexão das diferentes vias metabólicas que operam
dentro de uma célula viva. Sua concentração é função de um complexo sistema regulatório atuante
dentro da célula e define o fenótipo de uma célula em resposta a alterações ambientais ou gené-
ticas (COMINETTI et al., 2017).
Assim, a metabolômica se configura como estratégia para a investigação dos sistemas de rele-

UNIDADE 02
vância médica ou nutricional e seu estudo possibilita determinar padrões de variação entre indi-
víduos doentes e não doentes, com ou sem ingestão de determinado alimento ou dieta. Assim, a
metabolômica torna-se uma ferramenta poderosa para monitorar intervenções dietéticas em po-
pulações saudáveis e não saudáveis (COMINETTI et al., 2017).

4.5.1 METABOLOMA NA PERSPECTIVA DA GENÔMICA NUTRICIONAL

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O objetivo da metabolômica no contexto da genômica nutricional é investigar as alterações me-
tabólicas produzidas pelos efeitos dos nutrientes ou compostos bioativos provenientes dos alimen-
tos nas diferentes vias metabólicas. Ela tem sido chamada de metaboloma nutricional, e podem
ser destacados ao menos dois papéis fundamentais: a) Produzir conhecimento sobre os eventos
moleculares envolvidos na nutrição e sobre como o corpo se adapta aos diferentes fluxos de nu-
trientes; b) Identificar metabólitos, a exemplo de colesterol e glicose, que sejam biomarcadores do
estado de saúde ou doença (COMINETTI et al., 2017).
A metabolômica oferece a oportunidade de identificar novos biomarcadores para o consumo
alimentar, o estado nutricional e as doenças crônicas, projetando novos conceitos para prevenção
de doenças e intervenções dietéticas. Estas, por sua vez, indicariam a possibilidade de desenvolver
doenças crônicas como diabetes tipo 2, por exemplo (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
O perfil metabolômico ajudaria a entender o estado metabólico do indivíduo, o que auxiliaria
no diagnóstico e prognóstico do seu estado de saúde. No entanto, a aplicação da metabolômica na
genômica nutricional é ainda mais complexa que em outras áreas de pesquisa. Isso porque nos ali-
mentamos de outros organismos, quer sejam de origem vegetal ou animal, que têm cada um seu
próprio metaboloma. Assim, o número de diferentes metabolomas que compõem a dieta pode ser
elevado. Há ainda a interação com a flora intestinal (microbiota) e seu metabolismo, além de con-
correrem outros fatores, como o comportamento alimentar e o estilo de vida. Esse elenco de aspec-
tos acarretam uma elevada variabilidade metabólica (COMINETTI et al., 2017; JORGE et al., 2021).
A análise metabolômica relacionada ao fenótipo saudável e ao impacto metabólico da dieta re-
laciona a antropometria e os resultados bioquímicos e clínicos com a dieta e o perfil metabólico. A
população é estratificada de acordo com o fenótipo, o que torna possível estudar mais a fundo as
intervenções dietéticas ou o padrão alimentar da população de acordo com o metaboloma. O perfil
metabólico identificado pode indicar alterações no metabolismo capazes de aumentar o risco de
desenvolver doenças cardiovasculares ou diabetes melito, por exemplo (COMINETTI et al., 2017).

4.5.2 METABOLOMA COMO BIOMARCADOR

A análise metabolômica oferece diversas aplicações na área médica, como predizer ou detectar
doenças e monitorar terapias por meio de biomarcadores. Todavia, também tem sido explorada para

43
identificar novos biomarcadores do consumo alimentar, com o objetivo de esclarecer as associações
entre alimentação e saúde. A identificação de metabólitos relacionados à dieta e ao desenvolvimen-
to de doenças poderá ser a estratégia para monitorar as alterações biológicas causadas pelo con-
sumo de alimentos, e, nesse sentido, existem três categorias que poderiam ser estabelecidas para
classificar os biomarcadores obtidos pela análise metabolômica por Rossi e Poltronieri (2019) são:

UNIDADE 02
1. Avaliação de intervenções nutricionais e dietéticas
2. Monitoramento de consumo de alimentos ou exposição à dieta
3. Impacto da dieta e de fenótipos saudáveis.
A avaliação da intervenção nutricional pode ser feita pela análise metabolômica, identificando
os metabólitos exógenos, que seriam os marcadores de ingestão de alimentos, e os metabólitos

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endógenos, os marcadores de efeito. Os metabólitos tanto podem ser detectados em urina como
em sangue, que seria o material biológico mais adequado para pesquisar metabólitos endógenos.
Os metabólitos de alimentos podem ser derivados da digestão dos alimentos pelos organismos ou
do metabolismo da microbiota intestinal do ser humano. A excreção urinária de creatina, creatini-
na e carnitina, por exemplo, é aumentada após o consumo de carne. A creatina e a carnitina são
encontradas na carne e, portanto, podem ser consideradas metabólitos exógenos de ingestão de
carnes. Já a creatinina é formada a partir da biodegradação da creatina e é levada até o rim pelo
plasma, para ser eliminada pela urina. A concentração urinária de carnitina é diminuída com uma
dieta vegetariana, e a de creatinina, com a ingestão de infusão de camomila ou suco de frutas ou
de vegetais. Possivelmente, essa diminuição pode estar relacionada com o efeito antioxidante des-
sas bebidas (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
Os metabólitos metil-histidina e anserina estão associados ao consumo de salmão, embora tam-
bém possam estar relacionados com a ingestão de carne, frango e outros peixes. O consumo de
brócolis e couve-de-bruxelas pode ser identificado por metabólitos relacionados com o sulfóxido
de S-metil-L-cisteína, sendo indicado como biomarcador para o consumo de crucíferas. Aspartato
e seus derivados estão ligados ao consumo de framboesas e brócolis, sendo potencial biomarcador
para o consumo de frutas e vegetais (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
Os metabólitos derivados do metabolismo de alimentos de origem vegetal da microbiota intestinal
também podem ser encontrados na urina. O aumento da excreção de ácido hipúrico (como ácido
hidroxi-hipúrico, hidroxifenil-acético, hidroxifenil-propiônico) é identificado após o consumo de in-
fusão de camomila, chá-verde, chá-preto, sucos de fruta e de vegetais e vinho. Os compostos ácidos
fenil-valérico e fenil-valerolactona são encontrados na urina após a ingestão de alimentos fontes de
flavonoides. O consumo de nozes, amêndoas e cacau pode ser identificado pelos conjugados de uro-
litina, um metabólito derivado do metabolismo da microbiota intestinal (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
A alteração dos metabólitos endógenos pode estar relacionada com o consumo de alimentos. O
metabolismo de carboidratos e lipídios, por exemplo, é influenciado pelo consumo de chá-preto e chá-
-verde, farinha de trigo fortificada e soja. Verifica-se também alteração do metabolismo de aminoácidos
após a ingestão de nozes, sucos de fruta e vegetais. Possivelmente, essas modificações estão ligadas
aos fitoquímicos presentes nos alimentos, como a isoflavona da soja (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).

44
4.5.3 METABOLOMA COMO BIOMARCADOR DE PADRÃO DE CONSUMO DE ALIMENTOS

Em geral, as técnicas utilizadas (recordatório de 24 horas, questionários de frequência alimentar


e registro alimentar) são pautadas no autorrelato e estão sujeitas a erros e limitações, como, por
exemplo, a dificuldade de recordar o consumo ou de estimar as porções consumidas. Diante disso,

UNIDADE 02
os biomarcadores prometem fornecer uma medida mais acurada e, em especial, mais objetiva da
dieta. Isso porque eles não estão sujeitos à memória do indivíduo ou à sua habilidade de registrar o
consumo alimentar e são fundamentados no conceito de que os níveis de excreção são altamente
correlacionados à ingestão de nutrientes em um período fixo de tempo. Os biomarcadores que se
baseiam em uma medida quantitativa absoluta da ingestão dietética são poucos: a excreção uriná-
ria de 24 horas, como medida do consumo de 24 horas de proteína; e a água duplamente marcada,
como medida da ingestão de energia, no contexto de balanço energético (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).

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O perfil metabólico surge como uma abordagem promissora para identificar biomarcadores, ava-
liando indiretamente a ingestão de certos alimentos por meio da análise de fluidos biológicos, como
urina e plasma. Além disso, uma vez que os biomarcadores da ingestão de alimentos são identifica-
dos, a informação pode ser utilizada para fornecer evidências de como uma dieta específica afeta
o metabolismo humano e impacta na saúde. O metabólito fenil-acetil-glutamina é apontado como
produto de conjugação excretado pela urina e associado ao padrão de consumo de vegetais. Já a
prolina betaína, composto osmoprotetor do rim, está associada ao padrão de consumo de frutas
cítricas (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
Foi relatada a alteração do metaboloma em função da dieta consumida por uma população em
estudo capaz de identificar 127 metabólitos relacionados ao consumo alimentar de 45 tipos de ali-
mentos. Os autores concluíram que padrões de alimentação caracterizados por ingestão de carne,
pão integral, chá e café estavam relacionados com metabólitos relevantes que podem ser alvos
potenciais para prevenção de doenças crônicas.Já outro estudo, verificou a relação entre o padrão
dietético e o perfil metabólico composto por aminoácidos e acilcarnitinas. Foram identificados dois
padrões alimentares: alto consumo de vegetais e de frutas, produtos à base de grãos integrais, bai-
xa ingestão de gorduras hidrogenadas e produtos refinados, e alto consumo de produtos à base de
grãos refinados, doces, sobremesas e produtos cárneos. De acordo com os resultados, o segundo
grupo de alimentos teve relação positiva e significativa com os metabólitos de aminoácidos acil-
carnitinas de cadeias curtas, independentemente de idade, sexo e índice de massa corporal (IMC).
Isso sugere que o padrão alimentar interfira no perfil metabólico, aumentando os biomarcadores
relacionados com a obesidade (COMINETTI et al., 2017).
A relação entre o consumo de carne vermelha e pão integral com os biomarcadores ligados ao
metabolismo da glicose, estresse oxidativo, inflamação e obesidade já foi estudada. Têm-se verifi-
cado que o alto consumo de carne vermelha estava associado ao aumento moderado de gamaglu-
tamil-transferase e proteína C reativa, já o alto consumo de pão integral diminuiu a concentração
de gamaglutamil-transferase, alanina-aminotransferase e proteína C reativa. Os autores concluíram
que a relação entre carne vermelha e proteína C reativa era dependente da obesidade, e que o
consumo de pão integral foi capaz de modificar o biomarcador proteína C reativa, aumentado pelo
consumo de carne vermelha (JORGE et al., 2021).

45
A obesidade pode ser definida como o acúmulo do excesso de gordura no organismo, capaz de
causar doenças, sendo o índice de massa corporal (IMC) o indicador mais utilizado para classificá-
-la. O aumento do IMC ocorre em função do alto consumo de calorias e da pouca atividade física,
o que pode favorecer o desenvolvimento de doenças crônicas como o diabetes tipo 2, por exemplo
(COMINETTI et al., 2017).

UNIDADE 02
Os mecanismos que levam a obesidade a favorecem o desenvolvimento de outras doenças não
estão totalmente elucidados; por isso, os estudos relacionados ao metaboloma podem ser um ca-
minho para compreender a enfermidade e propor medidas mais eficazes para combatê-la. A análise
metabolômica é uma ferramenta importante para ajudar a esclarecer os mecanismos da doença,
pois se fundamenta no estudo dos produtos gerados pelo metabolismo. A descoberta de biomar-
cadores tem se tornado a chave-mestra para entender a obesidade, bem como melhorar as ferra-

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mentas de diagnóstico e personalizar os cuidados em saúde, com a proposição de novos tipos de
terapia (JORGE et al., 2021. ROSSI; POLTRONIERI, 2019).
A análise metabolômica demonstrou que a quantidade de ácidos graxos de cadeia saturada di-
minuiu significativamente com a intervenção dietética, comprovando que a perda de peso corporal
em função de dieta hipocalórica mudou o perfil metabólico dos indivíduos adultos obesos (ROSSI;
POLTRONIERI, 2019).
Também os aminoácidos de cadeia ramificada parecem ser os metabólitos mais frequentes nos
distúrbios metabólicos, de acordo com o estudo de Batch et al., os aminoácidos de cadeia ramifi-
cada foram capazes de indicar os indivíduos com problemas cardiovasculares, independentemente
do IMC (ROSSI; POLTRONIERI, 2019).

LEITURA

Para análise final das interações metabólicas, utilizam-se algumas bases de dados disponíveis online,
com objetivo de determinar a função dos metabólitos e contextualizá-los biologicamente. Alguns
exemplos são: Human Metabolome Database (www.hmdb.ca), KEGG database (www.genome.
jp/kegg), Reactome pathway database (www.reactome.org), PubChem (pubchem.ncbi.nlm.nih.
gov) e Lipidmaps (www.lipidmpas.org).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto Genoma Humano culminou no surgimento de uma gama de informações as quais
estão sendo cada vez mais utilizadas no entendimento das interações existentes entre genes e
fatores ambientais, com destaque para a alimentação e como elas estão relacionadas ao risco de
surgimento ou à redução do risco de DCNT. A análise conjunta de aspectos de nutrigenômica, de
nutrigenética e de epigenômica nutricional certamente melhorado os conhecimentos básicos sobre

46
os mecanismos moleculares das doenças e de como padrões alimentares e outros hábitos de vida
podem regular mecanismos fisiopatológicos essenciais.
A combinação desses resultados tem sido aplicada na personalização da alimentação, com pers-
pectivas ainda bastante promissoras, considerando o enorme espectro de interação entre nutrien-
tes, CBA e genes. Todavia, essa é uma área em grande expansão e há necessidade de realização de

UNIDADE 02
muitos estudos, tanto in vitro quanto in vivo, para que seja possível a obtenção de conclusões mais
precisas e para a efetiva aplicação dos resultados na prática clínica.

ANOTAÇÕES

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47
UNIDADE

03
NUTRIENTES, COM-
POSTOS BIOATIVOS
DE ALIMENTOS E
EXPRESSÃO GÊNICA I

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Identificar as variantes genéticas como respostas a diferentes estímulos dietéticos


para escolher a conduta mais adequada entre os pacientes.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qr.page/g/3G1SUr1CtoP https://qr.page/g/25RxgRl6Kwo https://qr.page/g/2DMTRa5VQy5


INTRODUÇÃO
É indiscutível o papel da dieta e dos alimentos na manutenção da saúde. Estudos mostram que o
aumento do consumo de alimentos de origem vegetal influencia positivamente a saúde, enquanto

UNIDADE 03
estudos in vitro e in vivo em modelo animal elucidam os mecanismos pelos quais nutrientes e os
compostos bioativos, presentes nos alimentos, atuam na manutenção da saúde e na redução do
risco de doenças. A modulação da expressão de genes que codificam proteínas envolvidas em vias
de sinalização celular ativadas em DCNT é um dos mecanismos de ação dos compostos bioativos,
sugerindo que estes possam ser essenciais à manutenção da saúde (BECKER; BARBOSA, 2018. CO-
MINETTI et al., 2017).

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A biodisponibilidade dos compostos bioativos de alimentos, as suas rotas metabólicas e o modo
de ação de seus metabólitos são importantes fatores no seu efeito nas DCNT. Todos esses aspectos
são temas de investigações recentes, cujos resultados contribuem para a compreensão da ocor-
rência e desenvolvimento das DCNT e da sua relação com a dieta, como estudaremos nas próximas
Unidades a seguir (COMINETTI et al. 2017).

1. GLICOSE E FRUTOSE
Os açúcares são carboidratos que apresentam carbono, hidrogênio e oxigênio em sua compo-
sição, na proporção de 1:2:1. Entre os classificados como açúcares, também se encontram os dis-
sacarídeos, constituídos por duas moléculas de monossacarídeos, com destaque para a sacarose,
composta de 50% de glicose e 50% de frutose. Os alimentos fontes de sacarose podem apresentar
composição distinta em relação ao percentual de glicose e frutose (COMINETTI et al. 2017).
Em relação aos efeitos sobre a saúde, é importante destacar dois tipos de açúcares: aqueles
naturalmente encontrados nos alimentos tais como a frutose, a sacarose e a lactose presente no
leite; e aqueles extraídos de alimentos (cana-de-açúcar, beterraba e milho) para o uso em prepa-
rações culinárias ou elaboração de alimentos processados. Os açúcares de adição nos alimentos
processados podem representar até 70% de sua composição nutricional, sendo utilizados com a
alegação de promover maior palatabilidade e preservação dos alimentos (BECKER; BARBOSA, 2018.
COMINETTI et al. 2017).
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) (2006-2008) mostrou que, no período de cinco anos,
o consumo per capita de sacarose e de refrigerantes aumentou cerca de 200% e 400%, respectiva-
mente. Outra pesquisa nacional por Inquérito Telefônico, observou que, no período de 2006 a 2012,
11,2 a 23,5% dos adultos relataram a ingestão de alimentos doces (sorvetes, chocolates, bolos, bis-
coitos ou doces) em cinco ou mais dias da semana. A alta ingestão desses alimentos está associada
à prevalência de obesidade, a qual, por sua vez, aumenta o risco do desenvolvimento de dislipide-
mias, diabete melito tipo 2 (DM2), esteatose hepática e doenças renais (COMINETTI et al. 2017).
O aumento da ingestão energética, especialmente de açúcar refinado e de frutose, é nítido e

49
correlaciona‐se positivamente com o aumento alarmante da incidência de doenças crônicas não
transmissíveis. Há diversos estudos na literatura acerca do consumo elevado de açúcares de adição
e de frutose e suas consequências para a saúde (COMINETTI et al. 2017).

1.1 ASPECTOS BIOQUÍMICOS E FISIOLÓGICOS DA GLICOSE

UNIDADE 03
E DA FRUTOSE
A glicose é o principal combustível utilizado por várias células do corpo. Nos músculos, ela é
metabolizada pela via glicolítica em lactato, na ausência de oxigênio, ou em piruvato, na glicólise
aeróbia. O piruvato é descarboxilado em acetil-CoA, que entra no ciclo de Krebs. As coenzimas re-
duzidas geradas pelo ciclo doam seus elétrons para o sistema de transporte de elétrons, forman-

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do dióxido de carbono e água, promovendo a síntese de ATP, a fosforilação oxidativa mitocondrial
(BECKER; BARBOSA, 2018).
Os monossacarídeos são absorvidos pela membrana apical dos enterócitos por dois mecanis-
mos: transporte ativo e difusão facilitada. Tanto a glicose quanto a galactose são transportadas na
membrana apical dos enterócitos contra um gradiente de concentração para o interior citoplasmá-
tico das células da mucosa intestinal, por meio da ação de um transportador dependente de sódio
(SGLT 1, sodium‐glucose transporter 1) (BECKER; BARBOSA, 2018).
No entanto, o transporte de frutose não requer a participação dos SGLT, sendo absorvida por
meio de transporte passivo por difusão facilitada pelo GLUT 5, independente de sódio e sem com-
petição com o transporte de glicose/galactose. Além disso, observa‐se que a frutose é mais bem
absorvida junto de outros açúcares, como ocorre em alimentos que naturalmente contêm frutose,
do que quando ela é ingerida isoladamente. De maneira semelhante ao que ocorre com a glicose,
a galactose e a frutose também são transportadas através da membrana basolateral por mecanis-
mos de difusão facilitada independente de sódio, por meio do GLUT 2 (BECKER; BARBOSA, 2018.
COMINETTI et al. 2017).
Após a captação celular, as moléculas de glicose são convertidas em moléculas de glicose-6 fos-
fato, podendo ser utilizadas imediatamente ou, ser armazenadas na forma de glicogênio. A glico-
gênese é ativada no músculo esquelético quando ocorre elevação das concentrações de insulina
em razão da ingestão de carboidratos, e o glicogênio sintetizado é somente utilizado pelo próprio
músculo em função da ausência da enzima glicose-6 fosfatase, o que torna irreversível a conversão
de glicose-6 fosfato em glicose. De maneira distinta, o fígado é capaz de converter glicose-6 fosfato
em glicose livre e, dessa maneira, distribuí‐la para tecidos extrahepáticos. A glicose também pode
ser sintetizada via gliconeogênese no fígado e no córtex renal, processo que pode ser inibido pelo
consumo de carboidratos e ser ativado durante o período de jejum, em que o fígado continua libera
a glicose para manter a glicemia (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Os açúcares absorvidos são transportados pela circulação sanguínea e captados pelas células.
Após ser absorvida no lúmen intestinal via GLUT 5 e, posteriormente, ser transportada até o fígado,
via veia porta, a entrada da frutose no hepatócito é mediada pelo GLUT 2. A captação de glicose pe-
los adipócitos depende da interação da insulina com seu receptor (IR, insulin receptor), que possui

50
duas subunidades alfa e duas subunidades beta, ligadas por pontes dissulfeto. Quando a insulina
se liga ao IR na porção extracelular (subunidades alfa), ocorre uma cascata de sinalização iniciada
pela tirosina quinase (BECKER; BARBOSA, 2018).
Em comparação à glicose ou ao amido, a frutose é o substrato mais eficaz para a lipogênese de
novo (LDN), sendo a hipertriacilglicerolemia de maior magnitude se o conteúdo de carboidratos

UNIDADE 03
da alimentação consistir essencialmente em monossacarídeos, com destaque para a frutose. Em
estudo de intervenção, os autores relatam que, mesmo em dietas com distribuição similar de ma-
cronutrientes (55% de carboidratos, sendo 25% glicose ou frutose; 30% de lipídios e 15% de pro-
teínas), indivíduos que ingerem bebidas com frutose apresentam maior acúmulo de tecido adiposo
visceral (TAV) em relação àqueles que consomem glicose, os quais, por sua vez, apresentam maior
acúmulo de tecido adiposo subcutâneo (TAS) (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

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Nesse sentido, considerando a importância da distribuição de tecido adiposo, a maior deposição
de TAV com o consumo de frutose sugere associação com o aumento do risco para o desenvolvi-
mento de doenças metabólicas (BECKER; BARBOSA, 2018).
A presença de insulina favorece o aumento da expressão e da atividade da enzima lipase de
lipoproteína (LPL), sendo esta mais responsiva no TAS em relação ao TAV. Assim, o aumento das
concentrações de insulina em resposta à ingestão de bebidas ricas em glicose leva ao aumento da
atividade da LPL no TAS, colaborando para maior captação de triacilgliceróis por esse tecido. Por
outro lado, a frutose não estimula a produção e a secreção de insulina para ser metabolizada e,
dessa forma, a ausência da insulina em resposta ao consumo de frutose resulta em maior captação
de triacilgliceróis pelo TAV. Tal situação colabora para a síntese de triacilgliceróis no fígado, para a
redução da degradação de apolipoproteína B (APOB) e para o aumento da síntese da VLDL rica em
triacilgliceróis (VLDL1) (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Na elaboração das ingestões diárias de referência (DRI) de 2002, concluiu‐se que não existiam
evidências suficientes para estabelecer um nível máximo de ingestão diária para os açúcares de
adição, uma vez que não foram verificados efeitos adversos específicos associados com a sua in-
gestão excessiva. No entanto, sugeriu‐se o nível máximo de ingestão diária de 25% em relação ao
valor energético total (VET) (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2003, preconizou que a ingestão de açúcar não
deve exceder 10% do VET, Em 2015, a OMS lançou o guia Sugar Intake for Adults and Children, no
qual é confirmada a recomendação de redução de ingestão de açúcar ao longo do ciclo da vida,
com sugestão de valores inferiores a 10% em relação à energia total ingerida. Foi feita ainda uma
recomendação condicional (grau de evidência mais fraco) de redução da ingestão de açúcares para
menos de 5% do VET (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Em 2005, as American Dietary Guidelines recomendaram a diminuição do consumo de açúcar
de adição. A American Heart Association publicou as diretrizes para a ingestão de açúcar de adição,
recomendando que o consumo seja limitado a 100 e 150 kcal/dia para homens e mulheres, respec-
tivamente. A razão dessa restrição consiste na prevenção do ganho de peso, de cáries dentárias e
de deficiências nutricionais (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

51
1.2 INTERAÇÃO GENES-NUTRIENTES
Distúrbios metabólicos e polimorfismos genéticos relacionados ao metabolismo da frutose, ao
diabete e à síndrome metabólica podem estar associados a diferenças nas respostas metabólicas
individuais. Na prática clínica, a frutose está relacionada a alguns erros inatos do metabolismo, os

UNIDADE 03
quais têm baixa incidência e os sintomas, quando presentes, são inespecíficos. Estima‐se que um em
cada três adultos e duas em cada três crianças apresentem problemas de má absorção de frutose,
sofrendo vários efeitos adversos gastrintestinais, como inchaço e diarreia (OSÓRIO; REGINA, 2013).
A homeostase glicêmica está diretamente relacionada ao equilíbrio controlado do fluxo de gli-
cose nos diferentes tecidos corporais. Genes da superfamília SLC (carreador de soluto) codificam
diferentes isoformas de proteínas transportadoras de glicose/frutose, as quais se expressam de ma-

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neira tecido‐específica, de acordo com o padrão de ativação de fatores de transcrição que regulam
a atividade desses genes em cada tipo celular (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Variações no gene SLC2A5 (carreador de soluto família 2, membro 5), que codifica o principal
transportador de frutose intestinal, o GLUT5, podem ser responsáveis pela má absorção de frutose.
Já mutações no gene SLC2A2 (carreador de soluto família 2, membro 2), o qual codifica o GLUT2,
e nos genes que codificam as enzimas frutoquinase e sacarose isomerase, podem causar doenças
hereditárias raras nos seres humanos (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013; BECKER;
BARBOSA, 2018).
Segundo Osório e Regina (2013), mutações no gene SLC2A2 podem ocasionar a utilização ina-
dequada de glicose e galactose, resultando em acúmulo de glicogênio hepático e em disfunção
renal. Estudos de associação ampla do genoma (GWAS) identificaram cinco genes principais rela-
cionados ao metabolismo da frutose, os quais são selecionados com base na sua capacidade de
regular as concentrações de frutose no organismo. De acordo com suas funções principais, eles
são classificados em:
• Genes que codificam proteínas envolvidas na absorção/transporte intestinal/hepático de fru-
tose: SI (sacarase‐isomaltase), SLC2A2 e SLC2A5. Polimorfismos nesses genes podem influen-
ciar a absorção de frutose da alimentação e alterar significativamente sua biodisponibilidade.
• Genes que codificam enzimas envolvidas no metabolismo da frutose: KHK (frutoquinase) e
ALDOB (aldolase B ou frutose 1,6‐bifosfato).
Polimorfismos nesses cinco genes podem conferir risco individual variável para o desenvolvi-
mento de fenótipos metabólicos adversos, como concentrações séricas elevadas de ácido úrico e
de triacilgliceróis, o que, em última instância, pode levar ao desenvolvimento de doenças renais e
cardiovasculares (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Um estudo exploratório foi conduzido para elucidar o impacto dos polimorfismos de nucleotídeo
único (SNP) nos genes KHK, SLC2A2 e SLC2A5 sobre o aumento da suscetibilidade de desenvolver
fenótipos metabólicos adversos. Foram utilizados dados de populações que participaram dos es-
tudos Pharmacogenomic Evaluation and Antihypertensive Responses (Pear) e Genetic Epidemiolo-
gy of Responses to Antihypertensives (Gera) I e II. Os dados sugerem que variações nesses genes,

52
especialmente no SL-C2A2, podem ter papel importante no aumento do risco de o indivíduo desen-
volver fenótipos metabólicos desfavoráveis, como doenças cardiovasculares, dislipidemias e DM2
(COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

1.3 ERROS INATOS DO METABOLISMO DA FRUTOSE

UNIDADE 03
Os erros inatos ligados ao metabolismo da frutose incluem frutosúria essencial, intolerância
hereditária à frutose e deficiência da frutose-1,6 bisfosfatase. A frutosúria essencial é um distúr-
bio metabólico assintomático que acomete indivíduos de origem judaica, sendo sua incidência de
1:120.000. É caracterizada pela deficiência da enzima frutoquinase, com diminuição da conversão
de frutose em frutose-1 fosfato. Consequentemente, a frutose é parcialmente metabolizada por
meio da conversão em frutose-6 fosfato e parcialmente excretada pela urina (COMINETTI et al.

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2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
O gene da frutoquinase (KHK) tem localização cromossômica e o splicing alternativo resulta na
isoforma da enzima frutoquinase C, expressa no fígado, nos rins e no intestino delgado, cujas alte-
rações resultam em frutosúria essencial. Sua característica essencial resulta em hiperfrutosemia de
origem alimentar, sem disfunção clínica, mas que pode produzir um teste de diabete falso-positivo.
Aproximadamente uma em cada 130.000 pessoas na população apresenta essa alteração, entretan-
to, a frutosúria não requer tratamento alimentar específico (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGI-
NA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).A intolerância hereditária à frutose, inicialmente denominada
idiossincrasia à frutose, ocorre quando a administração de frutose em indivíduos afetados provoca
hipoglicemia grave. Essa condição tem como defeito enzimático primário a ausência da enzima al-
dolase B, responsável pela clivagem da frutose-1 fosfato. Todos os sinais e sintomas presentes na
intolerância hereditária à frutose são decorrentes do acúmulo da frutose-1 fosfato, da redução da
concentração intracelular de fósforo inorgânico, da alteração no potencial de fosfato e das inibi-
ções enzimáticas secundárias ao acúmulo de frutose-1 fosfato, as quais provocam hipoglicemia por
inibição da glicogenólise e gliconeogênese. Consequentemente, há aumento da concentração de
frutose no sangue e eliminação desse monossacarídeo pela urina (OSÓRIO; REGINA, 2013).
O desenvolvimento da intolerância hereditária à frutose são mais comuns (84%) no norte, sul e
leste da Europa sendo observadas frequências de 65%, 11% e 8% de alelos variantes, respectiva-
mente. Sua incidência é de cerca de 1:40.000, sendo igual em ambos os sexos e com apresentação
clínica variável. Enquanto alguns pacientes são extremamente sensíveis à frutose, outros podem
tolerar quantidades moderadas. A atividade da aldolase B pode variar de indetectável até 15 a 30%
do normal (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Todos os sinais e sintomas apresentados na frutosemia são decorrentes do acúmulo da frutose-1
fosfato, da diminuição da concentração de fósforo inorgânico intracelular, do desarranjo no poten-
cial de fosfato e das inibições enzimáticas secundárias ao acúmulo de frutose-1 fosfato, em função
da inibição da fosforilação da frutose pela frutoquinase (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Os bloqueios enzimáticos envolvendo a fosforilase e a frutose‐1,6 bisfosfatase explicam o apare-
cimento da hipoglicemia persistente. Já outros sintomas, como náuseas e vômitos, são explicados

53
pelo acúmulo de frutose-1 fosfato e pelo desarranjo do metabolismo do fosfato e de energia na
mucosa intestinal (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

1.4 FRUTOSE: EXPRESSÃO GÊNICA E SÍNDROME METABÓLICA

UNIDADE 03
O fígado é um órgão essencial para a manutenção da homeostase lipídica, glicídica e hormonal.
Desde a identificação da proteína de ligação ao elemento regulador dos esteroides (SREBP) como
fator de transcrição que modula a homeostase lipídica, tem‐se dado grande atenção ao papel do
gene que codifica essa proteína na regulação intracelular da LDN. A frutose tem a capacidade de
ativar fatores de transcrição como a proteína 1c de ligação ao elemento regulador dos esteroides
(SREBP1c) e a proteína de ligação ao elemento de resposta aos carboidratos (ChREBP), de forma
independente de insulina. Ambos os fatores de transcrição são responsáveis pela ativação de ge-

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nes que codificam enzimas envolvidas na LDN, contribuindo para a síntese de lipídios e, por conse-
quência, com a gênese da síndrome metabólica (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Em relação ao desenvolvimento de dislipidemias, estudos em animais demonstram que o con-
sumo de ração rica em frutose estimula a produção de FOXO1 e promove a sua redistribuição nu-
clear no fígado. Essa proteína, por sua vez, aumenta a produção de Apo CIII e prejudica a hidrólise
de triacilgliceróis. Sugere‐se que esse seja um possível mecanismo para o metabolismo hepático de
gorduras em resposta a uma alimentação rica em frutose. Ainda, o aumento da síntese de FOXO1
estimula a gliconeogênese e a hiperglicemia (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BE-
CKER; BARBOSA, 2018).
Também a alimentação rica em frutose é capaz de promover a ativação da expressão do fator
de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), contribuindo com a resposta inflamatória. A ativação de vias in-
flamatórias pela alimentação rica em frutose pode ter influência direta sobre a secreção hepática
e intestinal de lipoproteínas. Vias inflamatórias clássicas, como a do fator nuclear kappa B (NF-kB),
são estimuladas por altas concentrações de frutose e contribuem para a síntese hepática de tria-
cilgliceróis elevada e, em consequência, para o desenvolvimento da obesidade, como também de
DM2. Com relação ao desenvolvimento da obesidade, estudos sugerem também a relação entre a
alimentação rica em frutose com a resistência central à leptina, que modula as respostas de fome
e saciedade, contribuindo para o ganho de peso exacerbado (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Todas essas evidências científicas dão ênfase aos vários mecanismos moleculares emergentes,
nos quais vias bioquímicas e de expressão gênica são estimuladas em função da exposição à fru-
tose, contribuindo para o desenvolvimento da síndrome metabólica (BECKER; BARBOSA, 2018).
Portanto, a glicose e a frutose são essenciais ao metabolismo energético humano. Seu consu-
mo em excesso está relacionado a alterações na homeostase metabólica e, consequentemente,
ao surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, e, vale a pena ressaltar que não há nenhu-
ma evidência concreta de que o consumo moderado de frutas resulte em alterações metabólicas
(OSÓRIO; REGINA, 2013).
Os erros inatos do metabolismo relacionadas à glicose e frutose são decorrentes de mutações
genéticas já identificadas como as resultantes de distúrbios em vias de sinalização celular, que

54
ocasionam alterações na expressão de genes envolvidos com o metabolismo de lipídios e carboi-
dratos. Alguns genes alvo já foram identificados e podem direcionar pesquisas que visam à redução
do risco do desenvolvimento de doenças metabólicas, entretanto, ainda há muito a ser esclarecido
(OSÓRIO; REGINA, 2013).

UNIDADE 03
2. GLUTAMINA
Entre os 21 aminoácidos conhecidos e nutricionalmente classificados de acordo com sua essen-
cialidade, a glutamina, merece atenção especial. A glutamina é o aminoácido mais abundante do
organismo, presente em quantidades muito superiores às de qualquer outro aminoácido no meio

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extracelular. Embora o papel imunomodulador da glutamina seja bastante conhecido e divulgado,
uma grande variedade de funções orgânicas essenciais é influenciada e mediada por esse aminoáci-
do. De fato, além da glicose, a glutamina é o principal nutriente para a manutenção da homeostasia
corporal, não sendo possível sua substituição por outros compostos. Entre as principais funções da
glutamina estão: sintetizar nucleotídeos, atuar como substrato energético, possibilitar o transporte
de nitrogênio e destoxificação da amônia entre os tecidos, participar do sistema antioxidante, regular
vias de sinalização relacionadas à defesa e ao reparo celular, entre outros (OSÓRIO; REGINA, 2013).
A glutamina está presente na composição de proteínas vegetais e animais. Considerando a por-
centagem da proteína pelo seu número de aminoácidos, verifica-se que a glutamina representa
35,1% da gliadina presente no trigo, 24,2% da proteína do feijão, 9,6% da glicinina presente na soja,
8,9% da beta-caseína presente no leite de vaca, 3,8% da ovalbumina presente no ovo de galinha e
2,9% da actina presente no músculo esquelético (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

SAIBA MAIS
No sangue, a concentração de glutamina é 10 a 100 vezes maior que a de qualquer outro aminoáci-
do. Entre os órgãos envolvidos na síntese de glutamina incluem-se músculo esquelético, pulmões,
fígado, cérebro e, possivelmente, tecido adiposo, os quais contêm atividade específica de síntese
de glutamina. Por outro lado, tecidos que são primariamente consumidores de glutamina como as
células da mucosa intestinal, leucócitos e células do túbulo renal, contêm elevada atividade de enzi-
mas e cofatores capazes de degradar glutamina (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

Sob certas condições, incluindo ingestão reduzida de carboidratos, doenças e estresse fisiológi-
co intenso, o fígado pode tornar-se um sítio consumidor de glutamina, e tecidos como o muscular
podem ter a síntese de glutamina reduzida. Outros diversos fatores podem modular a atividade
das enzimas reguladoras do metabolismo da glutamina, especialmente glicocorticoides, hormônios
tireoidianos, hormônio do crescimento e insulina (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Diversas são as enzimas envolvidas no metabolismo da glutamina. As duas principais enzimas
intracelulares são a glutamina sintetase (GS) e a glutaminase (GLS). A primeira é responsável pela

55
reação que sintetiza glutamina a partir de NH e glutamato, com consumo de trifosfato de adenosina
(ATP), enquanto a segunda é responsável pela hidrólise da glutamina, convertendo-a em glutamato
e NH3 novamente (BECKER; BARBOSA, 2018).
A síntese de glutamina por meio da GS ocorre a partir da disponibilidade de glutamato, sinteti-
zado a partir de 2‐oxaglutarato e íon amônio (NH4), pela ação da enzima glutamato desidrogenase

UNIDADE 03
ou a partir do catabolismo de outros aminoácidos, especialmente a leucina (COMINETTI et al. 2017.
OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Tanto as concentrações teciduais quanto as sanguíneas de glutamina podem ser influenciadas
de acordo com a atividade da GS ou da GLS. Em situações catabólicas como sepse, infecções, ci-
rurgias, traumas e exercícios físicos intensos e prolongados, a síntese endógena de glutamina não
supre a demanda exigida pelo organismo. Em tais casos de carências, a glutamina assume o papel

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de um aminoácido condicionalmente essencial, tanto por um aumento da expressão da enzima
GLS quanto pela concomitante inibição da ação da GS (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA,
2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Apesar disso, é importante salientar que, embora a concentração plasmática de glutamina tor-
ne-se reduzida, passando de sua concentração normal (500 a 750 μmol/L) para 300 a 400 μmol/L,
células que dependem desse aminoácido, como as do sistema imune, são de fato pouco influen-
ciadas em termos de proliferação e função celular. A menor concentração tecidual de glutamina
tem impacto em todo o organismo, uma vez que a glutamina pode ceder átomos de nitrogênio
para a síntese de purinas, pirimidinas e aminoaçúcares. Na continuidade da elevada degradação
tecidual de glutamina, um grande número de vias metabólicas e mecanismos dependentes é afeta-
do, promovendo, por exemplo, imunossupressão (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013.
BECKER; BARBOSA, 2018).

2.1 MÚSCULO ESQUELÉTICO


O metabolismo da glutamina está diretamente ligado ao músculo esquelético, armazenando cer-
ca de 80% da glutamina corporal, além de promover a síntese e liberação de glutamina, embora a
atividade da enzima GS seja relativamente baixa por unidade de massa no tecido muscular. Desta
forma, o músculo exerce fundamental papel no metabolismo da glutamina por ser um dos maiores
tecidos do organismo (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Hormônios como a insulina e os fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGF) estimulam
o transporte de glutamina para o meio intracelular através de um sistema dependente de sódio
resultando em gasto de energia, ao passo que glicocorticoides estimulam a liberação de glutamina
para o meio extracelular. O transporte de glutamina através da membrana da célula muscular é rápi-
do, e sua velocidade é superior à de todos os outros aminoácidos e a existência desse gradiente de
concentração torna restrita a difusão livre através da membrana celular (OSÓRIO; REGINA, 2013).
A glutamina apresenta papel relevante na regulação da síntese e da concentração de proteína
no tecido muscular, uma vez que o aumento da concentração intramuscular de glutamina eleva
significantemente a taxa de síntese proteica, fato relacionado ao aumento do volume celular, que

56
atua como um sinal anabólico intracelular. Desse modo, o conhecimento do metabolismo muscular
da glutamina é fundamental em diversos estados clínicos e catabólicos e durante o período de re-
cuperação após exercício exaustivo, uma vez que estão relacionados à diminuição da concentração
intramuscular de glutamina (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

UNIDADE 03
2.2 GLUTAMINA E EXPRESSÃO GÊNICA NO TECIDO MUSCULAR
A perda de peso e a fadiga do organismo em fases de estresse metabólico e processos infeccio-
sos representam parte de um problema ainda não resolvido em indivíduos agudamente enfermos
e inflamados. A redução da massa muscular durante o estado de sepse ocorre por um desequilíbrio
no balanço da síntese e da degradação proteica, alterando a concentração de proteínas totais no
organismo, promovendo balanço nitrogenado negativo (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA,

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2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Como estudamos, por ser o aminoácido mais importante no metabolismo celular, a redução da
disponibilidade de glutamina pode influenciar uma variedade de funções, alterando a expressão
de genes fundamentais do controle homeostático. Em um dos primeiros estudos a respeito do me-
tabolismo muscular da glutamina em situações catabólicas, verificou-se que a redução da concen-
tração desse aminoácido no músculo esquelético está relacionada à redução na taxa de sobrevida
de pacientes em estado de sepse. A diminuição intensa da concentração de glutamina muscular
em pacientes gravemente enfermos é acompanhada por um aumento na síntese e na liberação
de glutamina a partir do músculo esquelético, devido à relação do RNA mensageiro (RNAm) e a
atividade da enzima GS estarem aumentados no músculo esquelético durante estados catabólicos
graves (BECKER; BARBOSA, 2018).
Outro papel relevante exercido pela glutamina está associado à capacidade de modular respostas
de proteção e resistência a lesões, também conhecidas como efeitos antioxidantes e citoprotetores.
O estresse oxidativo elevado produzido em situações de catabolismo promove diversos efeitos que
culminam em estímulos pró-apoptóticos, por meio de vias clássicas como a do fator nuclear kappa
B (NF-кB). As espécies reativas do oxigênio (ERO) reagem com minerais, membranas fosfolipídicas,
proteínas, entre outros compostos importantes para a homeostasia celular. Essas propriedades ci-
toprotetoras e antioxidantes da glutamina podem ser particularmente importantes em situações
de elevado catabolismo ao modular a atividade e a expressão das vias inflamatórias mediadas pelo
NF-кB (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
O intestino delgado é o órgão que mais utiliza glutamina no organismo. Esse aminoácido é mais
relevante que a glicose como substrato energético nos enterócitos. Nessas células, o carbono da
glutamina pode ser metabolizado por meio de duas vias principais: (1) formando delta1‐pirrolina‐5‐
carboxilato que utiliza 10% da concentração intestinal de glutamina; ou (2) via alfa-cetoglutarato
(cerca de 75%) metabolizada no ciclo de Krebs para produção de energia (OSÓRIO; REGINA, 2013).
O organismo protege‐se contra microrganismos por meio de diferentes mecanismos, dentre
os quais a imunidade inata, ou natural, e a adquirida. Os principais componentes da imunidade
inata são as barreiras físicas e químicas, como epitélio e substâncias microbicidas produzidas pela

57
superfície epitelial; proteínas sanguíneas, incluindo o sistema complemento e outros mediadores
do processo inflamatório; células fagocíticas (neutrófilos, macrófagos); e outros leucócitos como
as células natural killer. Atualmente sabe‐se que células do sistema imune dependem da disponi-
bilidade de glutamina para exercer suas funções, bem como para se diferenciar e proliferar, espe-
cialmente em situações catabólicas e de estresse (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013.

UNIDADE 03
BECKER; BARBOSA, 2018).
As concentrações plasmáticas e teciduais de glutamina estão diminuídas em situações clínicas
e catabólicas como trauma, queimadura, sepse e pós‐operatório. Nessas circunstâncias, a diminui-
ção da concentração plasmática de glutamina ocorre porque a taxa de captação e utilização desse
aminoácido por diversos tecidos é superior à velocidade de síntese e liberação pelo músculo es-
quelético (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

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É provável que, dentre os diversos compostos conhecidos como imunomoduladores, a glutamina
seja o mais famoso. A prática da utilização exógena de glutamina baseia‐se na ideia de atenuar os
efeitos deletérios promovidos por sua baixa disponibilidade no organismo em situações catabóli-
cas. Em estados enfermos e inflamatórios, incluindo cirurgias, traumas e infecções, o consumo de
glutamina por linfócitos, por exemplo, aumenta intensamente, uma vez que a atividade e a expres-
são da GLS estão elevadas em diversas vezes, quando comparada ao estado saudável (COMINETTI
et al. 2017).
O aumento da demanda de glutamina por células do sistema imune, em conjunto com a elevação
da utilização desse aminoácido por outros tecidos, leva o organismo a um déficit de glutamina. Esse
efeito, dependendo da situação, pode contribuir para o agravamento da doença e infecção, com
possíveis implicações no risco de vida, uma vez que células do sistema imune têm suas vias antimi-
crobianas prejudicadas. É bastante comum verificar que células do sistema imune têm sua expres-
são gênica alterada em condições de baixa disponibilidade de glutamina (COMINETTI et al. 2017).

2.3 CÉLULAS BETA PANCREÁTICAS, GLUTAMINA E


EXPRESSÃO GÊNICA
Embora o pâncreas seja uma glândula composta de quatro tipos celulares com funções únicas
para o organismo, as células produtoras de insulina, as células beta pancreáticas, apresentam pecu-
liaridades em relação ao metabolismo de aminoácidos, sobretudo da glutamina, em taxas elevadas.
A via do metabolismo da glutamina nessas células é: glutamina → glutamato → alfa‐cetoglutarato
→ oxidação no ciclo de Krebs (COMINETTI et al. 2017).
A secreção de insulina é um processo altamente controlado e diversos fatores promovem a sua
liberação para o sistema circulatório. A disponibilidade de nutrientes como carboidratos, lipídios
e aminoácidos eleva o fluxo de substratos para as vias glicolíticas e o ciclo de Krebs, o que resulta
em geração elevada de ATP por meio da respiração mitocondrial, seguida da fosforilação oxidativa,
utilizando NADH e FADH2 como doadores de elétrons. A taxa elevada ATP:ADP induz a despolari-
zação da membrana plasmática pelo fechamento dos canais de potássio sensíveis ao ATP e, poste-
riormente, a abertura de canais de cálcio dependentes de voltagem. O resultando desse processo

58
estimula a liberação da insulina a partir das vesículas contendo o hormônio (COMINETTI et al. 2017.
OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Em taxas elevadas, a glutamina é precursora essencial para a síntese de diversas proteínas, pu-
rinas e pirimidinas em células beta. O metabolismo da glutamina leva à produção de aspartato e
glutamato e, em combinação com outros aminoácidos, especialmente a leucina, induz a secreção

UNIDADE 03
de insulina. Isso ocorre por meio da ativação da GDH e o glutamato doa seus carbonos para o ciclo
de Krebs.
Em outras células, a síntese de glutamato a partir da glutamina também é essencial para a síntese
de compostos antioxidantes, como a GSH. Por meio do ciclo de enzimas gamaglutamil, a síntese de
GSH pode aumentar a proteção de células beta em situações inflamatórias crônicas, especialmen-
te durante a progressão de diabete em associação com o excesso de peso (PACHECO et al. 2019).

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Uma vez que a glutamina pode ser transaminada e ser convertida em arginina e alanina, sua re-
dução no organismo tem efeito no metabolismo intermediário. Por sua vez, a arginina, por exemplo,
é precursora do nitrito e nitrato, essenciais na sinalização de moléculas intracelulares responsáveis
pela regulação do fluxo sanguíneo, pressão arterial e função de células do sistema imune. Em um
estudo com indivíduos obesos e diabéticos tipo 2, a concentração de metabólitos do nitrito e nitrato
apresentaram‐se reduzidas quando comparada a indivíduos não diabéticos (PACHECO et al. 2019).
Em modelos animais, tanto na fase do pré‐diabete quanto no diabete tipo 2 avançado, a con-
centração de glutamina em músculos predominantemente compostos de fibras oxidativas apre-
sentava‐se reduzida. Concomitantemente à menor disponibilidade de glutamina, no diabete melito
tipo 2 (DM2) ocorre o desequilíbrio na homeostasia da glicose, caracterizada por hiperglicemia em
razão da síntese elevada de glicose hepática, redução da secreção de insulina e resistência à ação
da insulina em tecidos periféricos, efeitos mediados pela ação da leptina (PACHECO et al. 2019).
Tanto a hiperglicemia quanto a elevada concentração de ácidos graxos livres induzem a ativação
de vias de sinalização por proteínas sensíveis a estresse e pró-inflamatórias, bem como a disfunção
mitocondrial e sistema NAD(P)H oxidase, eventos que alteram a secreção e ação da insulina, agra-
vando o DM2. A atividade do sistema NAD(P)H oxidase, por exemplo, está envolvida com a secreção
de insulina estimulada pela glicose e, agudamente, é ativada por ácidos graxos, como o palmitato e
o ácido araquidônico. É importante ressaltar que o ácido araquidônico é considerado um poderoso
agente inflamatório envolvido com doenças metabólicas, como aterosclerose, câncer e resistência
periférica à insulina. Entretanto, para células beta pancreáticas, efeitos inflamatórios desse ácido
graxo considerados prejudiciais à saúde ainda não foram detectados, muito menos seus exatos me-
canismos de ação (PACHECO et al. 2019).
Porém, é importante salientar que a glutamina não resulta em significativo aumento da secre-
ção de insulina quando comparada a outros aminoácidos ou substratos. A redução de sua disponi-
bilidade compromete a ativação de fatores de transcrição incluindo o PDX1, resultando em menor
síntese e liberação de insulina (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Em pacientes com diabete, especialmente DM2, todos esses sistemas apresentam‐se em dese-
quilíbrio, e, em curto prazo, influencia a secreção de insulina e seu potencial. Contudo, ao longo

59
do tempo, a evolução da doença e da inflamação pode causar a morte de células beta, agravando
a doença (BECKER; BARBOSA, 2018).
Recentemente, verificou‐se que a glutamina pode manter a concentração de SIRT1 e reduzir a
expressão de CHOP, o que leva à hipótese de que um menor estresse de retículo endoplasmático
pode ser uma tentativa de restaurar a produção de insulina. De fato, os níveis de secreção de insu-

UNIDADE 03
lina são restaurados mesmo em condições de elevado processo inflamatório extracelular. Apesar
disso, mais estudos, especialmente in vivo, são necessários a fim de detectar se a terapia com glu-
tamina pode ser benéfica em retardar a progressão das complicações promovidas pela instalação
do diabetes (COMINETTI et al. 2017).
Nos últimos 30 anos, as pesquisas elucidaram as diversas funções e propriedades únicas desse
aminoácido abundante do organismo, a glutamina. Por conseguinte, identificou‐se o impacto de

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sua deficiência em praticamente todos os tecidos, bem como sua intrínseca relação com o aumen-
to da mortalidade especialmente em pacientes gravemente enfermos. Isso incentivou a busca por
estudos que envolvem a nutrição e biologia molecular para evidenciar as diferentes vias de sinali-
zação e genes regulados pela disponibilidade de glutamina no organismo, incluindo os genes res-
ponsáveis pela sua própria síntese e degradação (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Os mecanismos potenciais de ação mais estudados incluem a melhora do estado redox, e a ex-
pressão das proteínas de choque térmico. Mesmo assim, faz‐se necessário o estudo de mecanis-
mos incluindo eventos pós‐transcrição e diferentes vias pós-tradução envolvidas com a regulação
e a defesa celular, capazes de possibilitar intervenções terapêuticas por meio da administração de
glutamina (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

3. LEUCINA
A leucina é um dos nove aminoácidos essenciais (AAE), não produzida pelo corpo humano, que
deve ser obtida por meio dos alimentos. Esse aminoácido desempenha papel significativo no ganho
e na manutenção da massa muscular e é considerado um fármaco-nutriente com ações diretas nos
tecidos periféricos (BECKER; BARBOSA, 2018).
Além disso, a leucina é capaz de regular a saciedade, o gasto energético e peso corporal e a
homeostase glicêmica por meio de mecanismos centrais e periféricos. Entre os ACR, a leucina em
particular é o ativador mais potente da síntese proteica e inibidor da proteólise, capaz de estimular
um fenótipo anabólico às fibras musculares. Os ACR respondem aproximadamente 20% do consu-
mo proteico, ao passo que representam aproximadamente um terço da proteína muscular (COMI-
NETTI et al. 2017).
As concentrações intracelulares de aminoácidos são determinadas pelo equilíbrio entre ingestão,
absorção, reabsorção e utilização celular. Para manter as reservas intracelulares de aminoácidos,
os mecanismos dependentes e independentes de mTORC1 são estimulados a suprimir a síntese de
proteínas (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

60
3.1 EFEITOS DA LEUCINA SOBRE A SAÚDE METABÓLICA
Os resultados de diversos estudos têm sugerido aumento crescente nos valores de ingestão de
ACR (principalmente de leucina), relacionado a efeitos positivos sobre parâmetros associados a
obesidade e diabete melito tipo 2 (DM2), como composição corporal, glicemia e saciedade. Efeitos

UNIDADE 03
diretos e indiretos dessas respostas positivas vêm sendo propostos, como os efeitos diretos sobre
os processos hipotalâmicos e no tronco cerebral envolvidos na saciedade (COMINETTI et al. 2017).
No trato gastrintestinal e nos depósitos de gordura, a leucina regula a liberação de hormônios
(leptina, grelina e peptídeo semelhante ao glucagon) que podem potencialmente afetar a ingestão
de alimentos e as concentrações de glicose. A insulina e a leucina são sinais anabólicos que alteram o
crescimento de tecidos que participam do turnover energético e tem sido postulado que a síntese pro-

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teica muscular seja a base da maior termogênese induzida pela alimentação, associada ao consumo de
proteína e ou leucina. Além disso, sabe-se que a ingestão de ACR resulta em benefícios à saúde, princi-
palmente em indivíduos com problemas hepáticos (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
No entanto, a ideia de que esses aminoácidos, ou sua suplementação, podem ter papel positivo
na redução do risco de doenças metabólicas é controversa. Alguns estudos indicam que as altas
concentrações de ACR estão associadas à má saúde metabólica. Tendo em vista os estudos citados,
sugerindo benefícios à saúde a partir do aumento da ingestão de ACR, esse comportamento pode
parecer paradoxal, uma vez que as concentrações de ACR tendem a ser maiores, na obesidade,
na resistência à insulina e no DM2. Tais aumentos são consistentemente observados em pacientes
com DM2 ou com obesidade e em alguns modelos de obesidade ou DM2 em roedores (BECKER;
BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

3.2 O CÉREBRO E SUA REGULAÇÃO DO EQUILÍBRIO ENERGÉTICO


O hipotálamo é uma região importante do cérebro, que integra sinais de nutrientes (glicose,
aminoácidos e lipídios) e hormônios (como leptina e insulina) e que controla o equilíbrio energéti-
co. Em particular, o núcleo arqueado (ARC) do hipotálamo é a principal região responsável por esse
controle. O mTORC1 encontra-se ativado no ARC durante a administração intracerebro-ventricular
de leucina ou de leptina em ratos. Do ponto de vista terapêutico, os resultados dos estudos indicam
que indivíduos obesos podem não se beneficiar dos efeitos da suplementação de leucina, embora
mais estudos em humanos ainda sejam necessários para testar essa hipótese (BECKER; BARBOSA,
2018. COMINETTI et al. 2017).
Embora estudos futuros devam avaliar diretamente as consequências da suplementação de leu-
cina em humanos, esses resultados questionam a possível eficácia da suplementação de leucina
como um inibidor de apetite no tratamento da obesidade (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGI-
NA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Outro efeito importante ocorre no fígado, com papel central no controle da homeostase glicê-
mica e de lipídios em resposta aos estados alimentado e de jejum. O mTORC1 controla a produção
hepática de corpos cetônicos que os tecidos periféricos utilizam como fontes de energia durante o
jejum (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

61
O comprometimento da via de sinalização PI3K-AKT no fígado promove a gliconeogênese, contri-
buindo para a hiperglicemia e a hiperinsulinemia observadas na resistência à insulina e no DM2. A
obesidade é o principal fator de risco para o desenvolvimento da esteatose hepática não alcoólica,
uma condição caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado e que pode conduzir a complica-
ções graves, incluindo cirrose e carcinoma hepatocelular (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA,

UNIDADE 03
2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
As células beta-pancreáticas secretam insulina em resposta a nutrientes e são essenciais na
regulação da homeostase da glicose. O controle do crescimento intercedido pela sinalização do
mTORC1 em resposta a nutrientes gerou grande interesse no entendimento dessa via de sinaliza-
ção, na regulação da massa e na função das células beta. A ativação crônica de mTORC1 nas células
beta provoca diminuição da glicose circulante e da hiperinsulinemia, além de melhorar a tolerância

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à glicose. Esse fenótipo está associado com aumento no tamanho e no número das células beta,
podendo ser revertido pela exposição à rapamicina, indicando que mTORC1 é um regulador essen-
cial da função e da massa de células beta (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER;
BARBOSA, 2018).
A resistência periférica à insulina e o excesso de nutrientes aumentam a pressão sobre as células
beta pancreáticas para a produção de mais insulina. A alta demanda por insulina induz a prolife-
ração e a hipertrofia das células beta e aumenta a formação de progenitores para novas células, o
que culmina no aumento da produção e da secreção desse hormônio. Esse processo é conhecido
como compensação das células beta. A pressão crônica sobre células beta pode levar à sua morte e
ao desenvolvimento do DM2. A atividade de mTORC1 encontra-se elevada nas células beta de ani-
mais que consomem ração hiperlipídica ou naqueles geneticamente obesos. A ativação crônica de
mTORC1 nas células beta aumentaria sua massa na primeira fase da vida, mas, durante o envelhe-
cimento, essa mesma ativação tornaria o indivíduo hiperglicêmico e hipoinsulinêmico, em razão da
perda das células beta (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Estudos envolvendo biologia molecular evidenciam a ampla capacidade de regulação da expres-
são gênica por aminoácidos, a qual inclui uma grande variedade de mecanismos, como ativação de
diferentes vias de sinalização e de fatores de transcrição. Nesse contexto, destaca-se a leucina, atu-
ando em vias relacionadas com a resposta inflamatória, proliferação, diferenciação e sobrevivência
celular e em diferentes vias metabólicas. O maior conhecimento relacionado à regulação da expres-
são gênica pela leucina propiciará que futuros estudos envolvendo nutrição clínica e esportiva e a
suplementação desse aminoácido se traduzam em novas formas de tratamento ou de intervenção
nutricional nessas áreas (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

4. ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA CURTA


Os AGCC são gerados durante o metabolismo de lipídios e carboidratos (produção endógena) e
no trato gastrintestinal, principalmente no cólon, durante a fermentação bacteriana de carboidratos
e proteínas (produção exógena). Embora esta última seja a principal fonte de AGCC ao organismo

62
em certas condições, incluindo jejum prolongado, intolerância à glicose e diabete melito e após
ingestão de álcool, a via endógena contribui de maneira importante para as concentrações plas-
máticas desses compostos (BECKER; BARBOSA, 2018).
Os AGCC são gerados em grandes quantidades no trato gastrintestinal, principalmente no cólon,
pela ação de bactérias da microbiota intestinal. Estas últimas utilizam carboidratos não digeríveis

UNIDADE 03
pelas enzimas intrínsecas do organismo, incluindo polissacarídeos e oligossacarídeos como fontes
de energia. Além disso, carboidratos simples e aminoácidos que não tiverem sido absorvidos nas
porções anteriores do intestino também são utilizados pelas bactérias intestinais (BECKER; BARBO-
SA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Após sua liberação, os AGCC produzidos pelas bactérias da microbiota são rapidamente absor-
vidos pelas células intestinais, parcialmente utilizados como substrato energético e passam para

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a corrente sanguínea, atuando em outros tecidos. A absorção de AGCC no ceco e no cólon é um
processo muito eficiente, o que se reflete no fato de que menos de 5% da quantidade desses me-
tabólicos gerados no intestino é excretada nas fezes (OSÓRIO; REGINA, 2013).
Com relação à absorção dos AGCC, são conhecidos ao menos dois mecanismos envolvidos: a
difusão simples da forma protonada; e absorção da forma ionizada dos AGCC. Após absorção, os
AGCC são metabolizados essencialmente por três tecidos: intestinal (nas células epiteliais do cólon
e ceco), hepático e muscular, sendo que o último utiliza, principalmente, acetato como fonte de
energia. (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
A metabolização do butirato ocorre exclusivamente no interior da mitocôndria e esse composto
também constitui um potencial substrato para a cetogênese. Já o acetato é pouco metabolizado
no cólon devido, em parte, ao fato de ser rapidamente absorvido e transportado para o fígado.
Após sua absorção, cerca de 75% do acetato é captado e metabolizado no fígado, onde pode ser
utilizado por diversas vias: na síntese de ácidos graxos de cadeia longa (lipogênese), corpos cetôni-
cos (cetogênese), colesterol (fonte primária para a síntese de colesterol), glutamina e glutamato. O
restante do acetato que alcança a circulação é rapidamente captado e oxidado por vários tecidos,
como músculos e glândulas mamárias (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER;
BARBOSA, 2018).

4.1 PRINCIPAIS EFEITOS ATRIBUÍDOS AOS AGCC


4.1.1 EFEITOS NO TRATO GASTRINTESTINAL

Os AGCC apresentam efeitos importantes no trato gastrintestinal, importantes para a manuten-


ção da integridade das células epiteliais que delimitam o intestino. Além de constituírem fonte de
energia para essas células, os AGCC também induzem proliferação das células epiteliais normais
do cólon e a morte por apoptose de células mutadas (neoplásicas). Esses compostos também re-
gulam a permeabilidade intestinal, favorecendo a função de barreira exercida pelas células que
recobrem o intestino e impedem a entrada de compostos prejudiciais ao organismo, como o lipo-
polissacarídeo (LPS), componente de bactérias Gram-negativas. Ainda no trato gastrintestinal, os

63
AGCC regulam a motilidade intestinal e o fluxo sanguíneo e contribuem para a manutenção do pH
(acidificação) e para a absorção hídrica e de sais. Esse primeiro efeito pode ter relevância na pro-
teção do organismo contra infecções bacterianas (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013.
BECKER; BARBOSA, 2018).
A secreção de hormônios como peptídeo YY (PYY) e peptídeo semelhante ao glucagon (GLP) por

UNIDADE 03
células enteroendócrinas presentes no trato gastrintestinal é induzida pelos AGCC. Vale ressaltar
que esses hormônios têm ações importantes no controle da ingestão alimentar e do gasto energé-
tico e podem ser relevantes para os efeitos metabólicos dos AGCC (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO;
REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

4.2 EFEITOS SOBRE O SISTEMA IMUNE E A INFLAMAÇÃO

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Os AGCC têm efeitos anti-inflamatórios que decorrem da inibição da produção de mediadores
inflamatórios por células como macrófagos, monócitos e neutrófilos. Essas células, uma vez ativa-
das por moléculas microbianas ou liberadas após dano celular, produzem grandes quantidades de
moléculas, incluindo citocinas como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), as interleucinas (IL)
1 e 6, quimiocinas, óxido nítrico (NO), entre outras. Esses mediadores atuam em conjunto, recru-
tando e ativando leucócitos e amplificando a resposta inflamatória (COMINETTI et al. 2017. OSÓ-
RIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Os AGCC, principalmente propionato e butirato, reduzem a produção desses mediadores, o que
decorre, em parte, conforme discutido adiante, de suas ações sobre a ativação do fator de trans-
crição NF-kB. Além disso, os AGCC também modificam a produção de eicosanoides, que são mo-
léculas lipídicas, como as prostaglandinas e os leucotrienos, derivadas da metabolização do ácido
araquidônico por enzimas como a ciclo-oxigenase e a lipoxigenase. Nesse sentido, demonstrou-se
que o butirato modula a síntese e a secreção de prostaglandina E2 e outros eicosanoides, incluin-
do o leucotrieno B4 e o tromboxano B2, efeito que pode ser relevante no controle da inflamação
(BECKER; BARBOSA, 2018).
Os mecanismos envolvidos nos efeitos dos AGCC sobre a produção de eicosanoides ainda não fo-
ram totalmente esclarecidos. Há indicações na literatura de que os AGCC atuem tanto via receptores
acoplados à proteína G quanto via modulação da expressão de enzimas fundamentais na geração
desses mediadores, como a ciclo-oxigenase 2 (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Quanto ao recrutamento de leucócitos, sabe-se que os AGCC podem tanto aumentar quanto
diminuir a migração dessas células e, particularmente, de neutrófilos para os locais de inflama-
ção. Isso se deve ao fato de que os AGCC têm efeito quimioatrativo por interação direta com GPCR
presentes na membrana dos leucócitos (como o GPR41 e o GPR43), e também podem controlar
o influxo de leucócitos via seus efeitos na produção de mediadores inflamatórios ou na expressão
de moléculas de adesão nas células endoteliais (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Há indicações na literatura de que os AGCC também modificam funções efetoras de leucócitos,
incluindo fagocitose, produção de espécies reativas de oxigênio e destruição de microorganismos,
sugerindo um efeito imunossupressor. Contudo, mais estudos são necessários para investigar as

64
ações dos AGCC sobre células do sistema imune durante processos infecciosos (BECKER; BARBOSA,
2018. COMINETTI et al. 2017).

4.3 EFEITOS SOBRE O METABOLISMO ENERGÉTICO

UNIDADE 03
Os AGCC afetam o metabolismo energético e podem ser relevantes tanto para o desenvolvimen-
to quanto para a redução do risco da obesidade, da resistência à insulina e do diabete. Os AGCC
têm efeitos benéficos em modelos experimentais de resistência à insulina secundária à obesidade.
Nesse contexto, mostrou-se que a administração de AGCC, juntamente com a ração ou oralmente
de maneira contínua (adição na água dos animais) ou não (administração da pró-droga de buti-
rato, tributirina, três vezes por semana) a animais que ingerem dietas obesogênicas, faz que eles
ganhem menos peso, protegendo-os do desenvolvimento de várias alterações associadas à obesi-

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dade, incluindo esteatose hepática, inflamação crônica e resistência à insulina (BECKER; BARBOSA,
2018. COMINETTI et al. 2017).
Efeitos biológicos têm sido relacionados a essa ação protetora dos AGCC, incluindo aumento do
gasto energético e da oxidação de lipídios, inibição da inflamação associada à obesidade e produ-
ção de hormônios gastrintestinais, incluindo o GLP-1, o qual reduz a ingestão alimentar e melhora
a tolerância à glicose. Alterações da termogênese e da função mitocondrial foram descritas como
possíveis mecanismos envolvidos no aumento do gasto energético e da oxidação de lipídios pelos
AGCC. Recentemente, demonstrou-se que o acetato atravessa a barreira hematoencefálica e atua
no hipotálamo, reduzindo a ingestão alimentar e o ganho de peso (BECKER; BARBOSA, 2018. CO-
MINETTI et al. 2017).

4.4 AÇÕES ANTITUMORAIS DOS AGCC


Os AGCC, principalmente o butirato, têm ações antitumorais, as quais têm sido exploradas, prin-
cipalmente, no caso de tumores que afetam o trato gastrintestinal, em particular o cólon. Os efeitos
do butirato incluem inibição da proliferação e da neoangiogênese e indução da diferenciação e da
apoptose em células mutadas (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Vale ressaltar que esses efeitos de inibição da proliferação celular são seletivos para células tu-
morais. Em contraste, as células normais do tecido praticamente não são afetadas. Essa seletivi-
dade se deve, em parte, às diferenças metabólicas existentes entre as células tumorais e normais
(COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

4.5 ESTUDOS COM ADMINISTRAÇÃO DE AGCC


OU DE SUAS FONTES
A aplicação tanto dos AGCC isoladamente em mistura, ou de métodos que aumentam sua pro-
dução intestinal (incluindo probióticos, prebióticos ou simbióticos), tem apresentado resultados
interessantes em algumas condições clínicas (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BE-
CKER; BARBOSA, 2018).

65
Os AGCC, particularmente o butirato, apresentam efeitos antitumorais demonstrados por estu-
dos conduzidos in vitro. Dados epidemiológicos também evidenciam possível relação entre os AGCC
e redução do risco de determinados tumores e representam um possível elo entre os efeitos das
fibras sobre a incidência de neoplasias. A aplicação isolada de AGCC, via oral, por meio de enemas
ou infusão colônica, foi investigada em modelos animais de carcinogênese colorretal e apesar de

UNIDADE 03
alguns trabalhos mostrarem benefícios desse tratamento, em geral, há grande variação nos resul-
tados dificultando a sua interpretação, além de não haver estudos em seres humanos (COMINETTI
et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Em razão da rápida metabolização do butirato, alternativas incluindo análogos/pró-drogas, uso de
sistemas de entrega de fármacos como nanopartículas lipídicas e, principalmente, moléculas sintéticas
que atuam seletivamente sobre alvos dos AGCC, como as histonas desacetilases, têm sido explora-

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das no tratamento de diversos tipos de tumores (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
As ações anti-inflamatórias dos AGCC têm sido exploradas em modelos experimentais de doença
inflamatória intestinal (DII). As justificativas para a realização desses estudos incluem o fato de que
pacientes com DII apresentam menores concentrações ou alterações na capacidade de metaboli-
zação dos AGCC, além disso, esses compostos têm papel fundamental na manutenção das células
epiteliais intestinais e apresentam importantes efeitos anti-inflamatórios (BECKER; BARBOSA, 2018).

SAIBA MAIS
Os AGCC apresentam uma miríade de efeitos que decorrem de ações em diferentes alvos celula-
res, incluindo os GPRC e as enzimas HDAC. Esses produtos do metabolismo bacteriano têm ações
em diversos tecidos e células, incluindo leucócitos, células epiteliais intestinais, fígado, tecido adi-
poso e sistema nervoso.

As principais ações que têm sido atribuídas aos AGCC incluem atenuação da inflamação, manu-
tenção da homeostase intestinal, regulação do metabolismo e inibição da proliferação de células
tumorais. Em razão dessas ações, os AGCC possam ser utilizados na redução do risco de doenças
inflamatórias e de tumores, bem como do desenvolvimento de obesidade e suas comorbidades
(BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

5. ÁCIDOS GRAXOS POLI-INSATURADOS


Os ácidos graxos poli-insaturados são reconhecidos como pertencentes às famílias do ômega 3
ou ômega 6. Entre os componentes dessas famílias destacam-se os ácidos graxos alfa‐linolênico (ALA
– C18:3), eicosapentaenoico (EPA – C22:5) e docosa-hexaenoico (DHA – C24:6) como os principais
constituintes da família dos ômega 3. Já a família dos ácidos graxos ômega 6 é composta principal-
mente pelos ácidos graxos linoleico (AL – C18:2) e araquidônico (AA – C20:4) (COMINETTI et al. 2017).

66
Assim, ácidos graxos poli‐insaturados são classificados como “ômega 3” quando a primeira insa-
turação está inserida entre os carbonos 3 e 4, a partir do grupo metil; da mesma forma, quando a
dupla ligação está inserida entre os carbonos 6 e 7, denomina‐se “ômega 6”. Ambos são essenciais
à vida e a necessidade de busca por esses nutrientes em fontes alimentares se deve à incapacidade
de sua síntese por mamíferos. Nos vegetais, a enzima delta-12-dessaturase converte o ácido graxo

UNIDADE 03
oleico em linoleico (C18:2), e a delta-15-dessaturase converte o ácido graxo linoleico em alfa-linolê-
nico (C18:3). Uma vez que tais produtos são consumidos por mamíferos, o processo de biossíntese,
com elongações e dessaturações, continua. Resumidamente, o ácido linoleico sofre esses proces-
sos até dar origem ao ácido graxo araquidônico (C20:4). Da mesma forma, o ácido alfa-linolênico
é bioconvertido a dois importantes ácidos graxos, o EPA (C20:5) e o DHA (C22:6) que devem ser
complementadas pelo consumo de alimentos fontes desses nutrientes (COMINETTI et al. 2017).

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Além dos pontos limitantes bioquímicos envolvidos na síntese dos ácidos graxos, os produtos da
metabolização dos ácidos graxos ômega 3 e 6 são outro ponto importante. Após serem absorvidos,
esses ácidos graxos sofrem diversos processos metabólicos, gerando substâncias fundamentais à
vida humana. Entre essas estão os autacoides, metabólitos fundamentais para várias funções or-
gânicas, como a manutenção do sistema imune e a síntese de leucotrienos, de prostaglandinas, de
prostaciclinas e de tromboxanos (COMINETTI et al. 2017).
A história dos derivados dos salicilatos, assim como dos derivados lipídicos, está interligada e fi-
siologicamente, é necessária a entrada de ácidos graxos na célula para a produção de mediadores
importantes. Os principais ácidos graxos componentes da membrana celular são o ácido araquidô-
nico (AA) e o EPA. Por intermédio da enzima fosfolipase A2 (PLA2), tais ácidos graxos são despren-
didos dos fosfolipídios da membrana e liberados para o interior da célula sendo a demanda desse
processo relacionada ao tipo e à quantidade de ácidos graxos presentes na alimentação (COMI-
NETTI et al. 2017).
Alterações na constituição de fosfolípidios de membrana influenciam diretamente a síntese de
mediadores derivados de lipídios, como os eicosanoides. Sendo assim, a suplementação de ômega
3 provoca competição entre o EPA e o AA como precursores da síntese desses eicosanoides. Essa
competição favorece a síntese de prostaglandinas e leucotrienos das séries 3 e 5, respectivamente,
em detrimento de prostaglandinas e trombroxanos da série 2 e leucotrienos da série 4, os quais
apresentam propriedades pró‐inflamatórias mais marcantes (COMINETTI et al. 2017).
Portanto, o AA é potencialmente pró-infla-
matório, enquanto a presença de ácidos gra- SAIBA MAIS
xos poli-insaturados ômega 3 limita esse efeito,
uma vez que prostaglandinas e tromboxanos de
séries 3 e leucotrienos de séries 5 apresentam Uma razão ômega 3:ômega 6 balanceada de
potencial pró-inflamatório reduzido. Cabe res- 1:2 não prejudica a resposta imune, ao pas-
so que quantidade elevada de ômega 3 ou
saltar que a imunomodulação exercida por á-
ômega 6 exerce efeitos imunossupressores
cidos graxos poli-insaturados é dependente da (COMINETTI et al. 2017).
razão ômega 3:ômega 6 em emulsões lipídicas
(COMINETTI et al. 2017).

67
5.1 O PROCESSO INFLAMATÓRIO CLÁSSICO E
A PARTICIPAÇÃO DAS PROSTAGLANDINAS
São várias as características que elucidam o processo inflamatório tradicional, apresentando
quatro sinais cardinais: dor, calor, rubor e tumor. Quando um tecido é afetado a ponto de desenca-

UNIDADE 03
dear uma resposta pró-inflamatória intensa, por exemplo, quando há a penetração de objeto per-
furocortante na pele, quase imediatamente observam‐se esses sinais característicos de inflamação.
Nesse contexto, a enzima responsável pela intensidade da resposta inflamatória é a enzima COX-2,
que atua apenas em condições nas quais há alguma agressão tecidual (PACHECO et al. 2019).
O ácido salicílico teve seu mecanismo de ação descrito na década de 1940 e, até hoje, estudos
sobre a sua ação na produção de prostaglandinas têm possibilitado o conhecimento de ações na

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resposta inflamatória. Ele é capaz de bloquear a ação da COX-2, atenuando as características da
inflamação; no entanto, não é um fármaco específico, uma vez que bloqueia também a ação da
COX-1. Cabe ressaltar que os efeitos colaterais observados na terapêutica com o ácido salicílico ou
derivados salicílicos são oriundos dessa condição. Com o avanço das ciências farmacêuticas e para
atenuar principalmente a condição de dores epigástricas por inflamação no assoalho gástrico (gas-
trite), a qual, por vezes, evolui com perfurações (úlceras), a indústria acrescentou a molécula de
acetil em sua estrutura química, formando então o AAS, um dos anti‐inflamatórios mais antigos,
comuns e estudados no mundo (BECKER; BARBOSA, 2018).
A partir das observações sobre os mecanismos da inflamação, estas foram associadas à redução
da inflamação mediada pelos ácidos graxos ômega 3. Caso o indivíduo tenha ingestão adequada de
ômega 3, a constituição das membranas celulares repercutirá tal característica, sendo composta
também de EPA e DHA. Além disso, por mais que a capacidade da COX-2 em gerar substratos seja
alta, os derivados do EPA apresentam ações atenuadas ou antagônicas em comparação àqueles
oriundos do AA, reduzindo de forma significativa a intensidade do processo inflamatório (BECKER;
BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Há muita discussão na literatura sobre a proporção ideal, normalmente recomendando-se três
partes de ômega 6 para uma parte de ômega 3 (3:1), até 5:1. Nesse contexto, a partir de uma pro-
porção de 7:1 de ômega 6 em relação ao ômega 3, já pode ocorrer modulação positiva da resposta
inflamatória (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).

5.2 ÁCIDOS GRAXOS POLI-INSATURADOS E EXPRESSÃO GÊNICA


Em 2010, foi descoberta a função para o receptor GPR120 para ligação dos ácidos graxos, os
quais, de acordo com o grau de afinidade, são: DHA (ômega 3), EPA (ômega 3), palmitoleico (ôme-
ga 7) e oleico (ômega 9). Como os ácidos graxos ômega 6 não possuem nenhuma afinidade por
esse receptor, suas ações iniciais são independentes das proporções consumidas entre ômega 3 e
ômega 6. Ainda, o GPR120 parece ser capaz de incorporar ácidos graxos ao meio intracelular, sendo
essa uma nova proposta para a captação intracelular de ácidos graxos (BECKER; BARBOSA, 2018).
Com o intuito de descrever a função do receptor GPR120, foi demonstrado em células de tecido

68
adiposo que ácidos graxos ômega 3 são capazes de se ligar a ele, disparando sinais intracelulares
que alteram o comportamento celular antes mesmo de o ácido graxo ser incorporado pela célu-
la. A proteína beta arrestina parece ser a primeira a ser ativada pelo receptor. Sua função é a de
sequestrar e arrastar outras proteínas no interior celular. Quando o ômega 3 se liga ao GPR120, a
beta arrestina se move até esse receptor, acoplando‐se e arrastando‐o para o interior da célula,

UNIDADE 03
juntamente com o ácido graxo que estava do lado de fora (BECKER; BARBOSA, 2018).
Quando há processo inflamatório, o ômega 3 se liga ao GPR120 e induz a mesma sinalização
descrita anteriormente, atraindo para si a proteína beta arrestina. Como as sinalizações ocorrem
em cascata, a beta arrestina, ao ser atraída, desarticula a transdução inflamatória, impedindo que
o NF-kB seja ativado e que a inflamação seja efetivamente instalada (BECKER; BARBOSA, 2018. CO-
MINETTI et al. 2017).

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Dentre os principais tecidos que expressam o GPR120, estão o pâncreas e a língua. É certo que
a ação direta no GPR120 no pâncreas possa ter algum efeito; no entanto, caso a substância seja mi-
nistrada por via oral, o intestino parece ter papel importante nessa ação, uma vez que tal receptor
pode aumentar a secreção de peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP‐1) na corrente sanguínea,
hormônio que intensifica a secreção pancreática de insulina. Após o ácido graxo ser absorvido do
intestino para a corrente sanguínea, ainda pode se ligar em seus receptores pancreáticos para in-
tensificar ainda mais a liberação de insulina. Contudo, o GPR120 não executa sozinho esse meca-
nismo, uma vez que seu receptor homólogo, o GPR40, também desempenha essa função (BECKER;
BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Já na língua, nas papilas valadas, os ácidos graxos ômega 3 se ligam ao GPR120 e ativam as respos-
tas neurológicas de maneira direta. Ainda não se tem conhecimento sobre sua função ou mecanis-
mo; contudo, especula‐se que relaciona‐se ao papel regulatório da fome (OSÓRIO & REGINA, 2013).

REFLITA

O mecanismo pelo qual ácidos graxos ômega 6 desempenham suas funções por meio de receptores
do tipo GPCR ainda permanece obscuro, necessitando ser mais investigado. Contudo, as antigas
discussões sobre as proporções de ingestão entre ômega 6 e ômega 3 se mantêm válidas. Nesse
sentido, o avanço de estudos de nutrigenômica poderá demonstrar todas as potencialidades, es-
sencialidades e particularidades desses ácidos graxos na transdução de sinais, tanto em humanos
quanto em animais.

5.3 ESTUDOS DE TRANSCRIPTÔMICA EM HUMANOS ENVOLVENDO


INTERVENÇÕES COM ÁCIDOS GRAXOS POLI-INSATURADOS
Evidências científicas mostram que os ácidos graxos poli-insaturados podem modular a expressão
de genes por meio da regulação de diferentes vias de sinalização. Para compreender os mecanismos

69
moleculares pelos quais ácidos graxos podem alterar a expressão gênica e regular diferentes pro-
cessos biológicos, são importantes estudos com ampla abordagem como a transcriptômica (PA-
CHECO et al. 2019).
Estudos que avaliem o efeito agudo de uma refeição são de extrema importância, visto que diante
da grande disponibilidade de alimentos, um indivíduo permanece a maior parte do dia no período

UNIDADE 03
pós‐prandial. Após o consumo de uma refeição hiperlipídica ocorrem alterações no metabolismo
lipídico tais como o aumento dos triacilgliceróis circulantes. A magnitude dessa hipertrigliceridemia
mesmo ao longo do dia, está relacionada ao aumento da resposta inflamatória com prejuízos da
função endotelial, representando o risco cardiovascular. Além disso, estudos sugerem que isso tam-
bém afeta a secreção e ação da insulina, contribuindo com sua resistência (PACHECO et al. 2019).
Ainda são poucos os estudos de transcriptômica realizados para avaliar as respostas pós-pran-

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diais em relação ao consumo de diferentes ácidos graxos. Entre os resultados, temos a conclusão
de que os ácidos graxos poli-insaturados ômega 3 regularam a expressão de genes envolvidos no
metabolismo lipídico de forma contrária aos ácidos graxos saturados. Verificou‐se que a ingestão da
bebida rica em ácidos graxos poli-insaturados regulou negativamente a expressão dos genes SRE-
BF1, ABCA1 e ABCG1, os quais são regulados pelo fator de transcrição nuclear LXR. O SREBP1 é o
principal fator de transcrição envolvido na síntese de ácidos graxos e no metabolismo de colesterol,
enquanto ABCA1 e ABCG1 apresentam papel na modulação do transporte reverso de colesterol em
macrófagos (PACHECO et al. 2019).
Outro processo regulado por ácidos graxos poli‐insaturados está relacionado com a resposta ao
estresse celular. O consumo de ácidos graxos poli‐insaturados reduziu a expressão de genes envol-
vidos com o metabolismo da glutationa, como aquele que codifica a glutationa S‐transferase, bem
como aumentou a expressão de genes relacionados com a inflamação e o estresse celular (BECKER
& BARBOSA, 2018; COMINETTI et al. 2017).

LEITURA

A exposição diária aos ácidos graxos por meio da alimentação pode provocar importantes altera-
ções metabólicas como mudança no padrão de incorporação de ácidos graxos e adaptações das
vias moleculares nos tecidos metabólicos. Saiba mais em: FONSECA-ALANIZ et al. O tecido adiposo
como centro regulador do metabolismo. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia.
v. 50, n. 2, 2006.
Disponível em: https://tinyurl.com/bdhtc8ku. Acesso em: 09 jan. 2023.

A suplementação crônica de óleo de peixe foi mostrada em um estudo que avaliou o efeito da
suplementação diária de 3 g de óleo de peixe (1,9 g de EPA e 1,1 g de DHA) em indivíduos normo-
lipidêmicos, posteriormente confirmado por Bouwens et al.. Houve alterações benéficas no meta-
bolismo das lipoproteínas e na oxidação de ácidos graxos, podendo estar relacionada com maior
expressão da lipase de lipoproteínas com a inibição da apolipoproteína C‐III, ambas induzidas por

70
PPAR-alfa. Além disso, mostrou efeito anti-inflamatório e antioxidante por regular negativamente
as vias dos fatores de transcrição NF-kB e Nrf2 (BECKER; BARBOSA, 2018. COMINETTI et al. 2017).
Observou‐se também um perfil antiaterogênico após o consumo de EPA e DHA, caracterizado
pela menor expressão de genes envolvidos com o desenvolvimento da aterosclerose, como aque-
les das metaloproteinases de matriz e do fator induzido por hipóxia alfa (HIF1 alfa). O estudo mos-

UNIDADE 03
trou que o consumo de óleo de peixe resultou em maior expressão de NOS, a qual apresenta efeito
protetor contra a formação da placa de ateroma na parede vascular (BECKER; BARBOSA, 2018).
Outros mecanismos são regulados por ácidos graxos ômega 3, como ciclo celular, estresse do
retículo endoplasmático e apoptose com o aumento da expressão de genes envolvidos com o es-
tresse do retículo endoplasmático responsáveis pela degradação de proteínas. É possível que esses
resultados estejam relacionados à quantidade administrada de óleo de peixe, bem como ao tempo

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de intervenção do estudo. Com base nos estudos descritos, nota‐se que os ácidos graxos poli-insatu-
rados podem afetar a expressão gênica tanto no período pós-absortivo imediato quanto após longo
tempo de intervenção (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Por fim, além das funções dos ácidos graxos poli-insaturados no metabolismo energético e na
composição dos fosfolipídios de membrana, esses nutrientes atuam na regulação de diferentes
processos celulares, como proliferação e diferenciação, acilação de proteínas, inflamação, ativação
de enzimas e receptores de membrana e regulação do metabolismo intracelular (COMINETTI et al.
2017. OSÓRIO; REGINA, 2013. BECKER; BARBOSA, 2018).
Um dos mecanismos pelos quais ácidos graxos afetam diversos processos biológicos é por meio
da regulação da expressão gênica que, dependendo do número de duplas ligações e do compri-
mento da cadeia de carbonos, ácidos graxos poli-insaturados podem reduzir ou ativar a expressão
de diferentes genes por meio da regulação direta da atividade de receptores nucleares, incluindo
PPAR, LXR e HNF-4 alfa ou fatores de transcrição, como SREBP e NF-kB; ou indiretamente, por meio
de modificações físico-químicas nas propriedades de membrana e ativação de vias de transdução
de sinal com efeitos antioxidantes, anti-inflamatórios e regulador do metabolismo lipídico, sobre-
tudo quando dentro de um padrão alimentar adequado (COMINETTI et al. 2017. OSÓRIO; REGINA,
2013. BECKER; BARBOSA, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, existem nutrientes capazes de modular respostas epigenéticas junto a alguns estí-
mulos. É importante destacar a importância de condutas éticas em relação aos aspectos envolvidos
sobre o comportamento do ser humano. Assim, os princípios de beneficência, equidade e autono-
mia serão reflexos da boa conduta para com o próximo, capazes de influenciar na saúde. Para além
da bioética, é de extrema importância que nutricionistas tenham conhecimento sólido em relação
à biologia molecular, genômica nutricional e biologia de sistemas, a fim de utilizar os conhecimen-
tos na prática clínica (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018).

71
UNIDADE

04
NUTRIENTES, COM-
POSTOS BIOATIVOS
DE ALIMENTOS E
EXPRESSÃO GÊNICA II

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Percepção dos benefícios e malefícios da ingestão de determinados alimentos e nu-


trientes como características individuais. Compreender a influência dos alimentos
na saúde dependentemente da constituição genética do indivíduo que determinará
a capacidade de digerir ou não, uma substância por falta de enzimas.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qr.page/g/1GzsAX3Qucq https://qr.page/g/yjsEHxNO5k https://qr.page/g/2pZ1JyzqEOD


INTRODUÇÃO
A genômica nutricional visa a estabelecer um conceito de “nutrição personalizada” ou mesmo
“nutrição dirigida a um alvo”, que busca no futuro o desenvolvimento de terapias nutricionais in-

UNIDADE 04
dividualizadas através do conhecimento molecular da interação gene-nutriente, apropriado para
um indivíduo. Para evitar conflitos entre os termos, escolhe-se como nomenclatura geral o termo
nutrigenômica (COMINETTI et al., 2017).
A dieta sendo um dos principais fatores ambientais a que os nossos genes são expostos por toda
a vida e o consumos dos nutrientes que além de remover radicais livres, apresentam influência na
transdução de sinais. Fatores epigenéticos são componentes importantes para o desenvolvimento

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e proliferação celular normais (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
Anormalidades nesses mecanismos são fatores promotores de doenças, como os compostos fi-
toquímicos com potencial anti-inflamatório. Esses compostos demonstraram inibir as vias de trans-
dução de sinais provocando ativação diminuída de fatores de transcrição pró-inflamatórios como
NFkB e AP-1, protetores de doenças crônicas e câncer (COMINETTI et al., 2017).
Dentre os mecanismos moleculares envolvidos na resposta inflamatória induzida pela obesida-
de, destaca-se a via de sinalização do fator de transcrição NF-kB, a qual aumenta a expressão de
diversos genes que codificam proteínas envolvidas na resposta inflamatória e, consequentemente,
ligada à patogênese de diferentes doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Além disso, ácidos
graxos saturados induzem a resistência insulínica por sua ação antagônica sobre o coativador do
receptor ativado por proliferadores de peroxissomos gama (PPAR-γ) (COMINETTI et al., 2017).
Uma vez que os genes que codificam essas proteínas são regulados pelo fator de transcrição
NF-kB, é possível que os efeitos possam ser modulados através da promoção de hábitos saudáveis
com o objetivo de minimizar riscos e incentivar ações benéficas sobre a via de sinalização desse
fator de transcrição como veremos a seguir.

1. ÁCIDOS GRAXOS MONOINSATURADOS


Os ácidos graxos monoinsaturados apresentam apenas uma dupla ligação e são disponibilizados
por diversos alimentos na dieta, tanto de origem vegetal quanto animal. As principais fontes vege-
tais são azeite de oliva, óleo de canola, oleaginosas e abacate. As carnes bovinas são as principais
fontes animais de ácidos graxos monoinsaturados e representam 50% do total de lipídios presentes
nesse alimento (COMINETTI et al., 2017).
Classificam‐se em duas séries, respectivamente, ômega‐7 e ômega‐9, cujas duplas ligações lo-
calizam‐se, respectivamente, nos átomos de carbono 7 e 9, a partir do grupamento metila termi-
nal. Entre os monoinsaturados na forma cis, o ácido oleico é o mais abundante, representando
aproximadamente 92% do total de ácidos graxos monoinsaturados ingeridos na dieta. Além de o

73
ácido oleico ser o mais consumido, é também o mais abundante no corpo humano, originando‐se
predominantemente do consumo alimentar, mas também da síntese endógena. Essa reação é ca-
talisada sob ação da estearoil‐CoA dessaturase 1 (SCD‐1), enzima que insere uma dupla ligação no
carbono 9 do ácido palmítico ou esteárico, originando os ácidos palmitoleico e oleico, respectiva-
mente (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

UNIDADE 04
REFLITA

A importância do consumo do ácido oleico foi especialmente evidenciada em estudos baseados


na dieta do Mediterrâneo, caracterizada principalmente pelo alto consumo de azeite de oliva, fru-
tas, hortaliças e grãos. Já parou para pensar como os costumes regionais de cada país ou cultura,

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podem influenciar positivamente ou negativamente na saúde?

A relevância desse padrão alimentar sobre a diminuição de morbidade e mortalidade cardiovas-


cular foi mostrada no estudo European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (Epic)
e mais recentemente no estudo Primary Prevention of Cardiovascular Disease with a Mediterra-
nean Diet (Predimed). Neste último, foram estudados indivíduos com alto risco cardiovascular e
verificou‐se que o consumo de azeite de oliva ou nozes reduziu a incidência dos principais eventos
cardiovasculares. Em razão do seu potencial benefício sobre a prevenção primária e secundária da
doença cardiovascular, a diretriz da Sociedade Americana de Cardiologia e a I Diretriz Brasileira so-
bre o Consumo de Gorduras e Saúde Cardiovascular recomendam o consumo de até 20% do valor
calórico total na forma de ácidos graxos monoinsaturados. Concomitantemente à condução dos
estudos clínicos e epidemiológicos, o avanço da nutrigenômica permitiu o aprofundamento dos
mecanismos pelos quais o ácido oleico reduz o risco cardiovascular (LARA; NATACCI, 2018).
O ácido oleico não eleva as concentrações plasmáticas de colesterol e LDL‐colesterol quando
comparado à gordura saturada. Uma das possíveis razões para esse efeito neutro do ácido oleico
sobre a colesterolemia é que esse ácido graxo é um substrato preferencial para a enzima acil‐CoA,
que promove a esterificação do colesterol e reduz o pool de colesterol livre na célula (COMINETTI
et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Posteriormente, estudos de biologia molecular facilitaram a compreensão do envolvimento do
ácido oleico em importantes vias relacionadas à homeostase de colesterol, regulada por uma fa-
mília de fatores de transcrição residentes na membrana do retículo endoplasmático; conhecidos
como proteínas ligadoras ao elemento responsivo a esteróis (SREBP). O genoma humano codifica
três isoformas principais, sendo a SREBP‐2 associada à regulação do equilíbrio intracelular de co-
lesterol, fundamental no controle da expressão de genes responsáveis pela síntese endógena de
colesterol (LARA; NATACCI, 2018).
Desta forma, sob adequadas concentrações intracelulares de esteróis (colesterol e oxisteróis), a
SREBP‐2 permanece ancorada na membrana do retículo endoplasmático que impede sua translo-
cação nuclear e, consequentemente, sua ação transcricional. Os efeitos do ácido oleico não ficam

74
restritos apenas ao SREBP‐2, mas também se aplicam a outros, reduzindo a síntese hepática de
triacilgliceróis (COMINETTI et al., 2020).
O ácido oleico também é capaz de ativar a PGC‐1alfa com efeito anti‐inflamatório, pois promo-
ve a formação de um complexo o qual se desloca para o núcleo e se liga à região promotora para
transcrição do gene que codifica a interleucina (IL)‐10. As ações do ácido oleico sobre o processo

UNIDADE 04
inflamatório incluem, ainda, a redução na ativação das serinas quinases (IKKbeta, JNK) e dos re-
ceptores de TNF‐alfa, bem como a ativação do PPAR‐delta, um receptor nuclear. Além desse efeito,
a ativação de PPAR‐delta também aumenta a beta‐oxidação de ácidos graxos e melhora a sensi-
bilidade à insulina por reduzir a expressão da fosfatase homóloga a tensina (PTEN), uma proteína
antagônica à ação de proteínas envolvidas na cascata de sinalização da insulina, especialmente a
fosfatidil inositol 3 quinase (PI3K) (COMINETTI et al., 2020; LARA; NATACCI, 2018).

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A ativação crônica de vias lipogênicas no tecido hepático contribui para o desenvolvimento da es-
teatose hepática não alcoólica, caracterizada pelo acúmulo intracelular de triacilgliceróis em mais de
5% dos hepatócitos. Estudos conduzidos em animais demonstram que o ácido oleico não induz vias
lipogênicas e, consequentemente, o acúmulo de lipídios no tecido hepático (LARA; NATACCI, 2018).
Entretanto, os dados envolvendo a ação do ácido oleico sobre a esteatose devem ser avaliados
com cautela, em razão da dificuldade de se separar o ácido oleico proveniente dos lipídios da die-
ta e aquele sintetizado endogenamente via SCD‐1. Os ácidos graxos monoinsaturados resultantes
da ação da SCD‐1 induzem a esteatose em maior grau que os consumidos via dieta por ativarem
a expressão de genes lipogênicos. Essa ação é atribuída à maior capacidade de os ácidos graxos
monoinsaturados provenientes de vias endógenas serem incorporados em lipídios não polares.
Esse efeito se deve, provavelmente, à colocalização da SCD‐1 com a diacilglicerol aciltransferase 2
(DGAT2), proteína responsável pela esterificação do ácido graxo na molécula de glicerol (COMINETTI
et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
A persistência do acúmulo de lipídios culmina também em inflamação, apoptose e fibrose do
tecido hepático, eventos que caracterizam a esteato‐hepatite não alcoólica. Nos diferentes estágios
da doença hepática (esteatose e esteato‐hepatite não alcoólica), ocorre a ativação do estresse do
retículo endoplasmático, condição caracterizada pelo acúmulo de proteínas mal enoveladas nessa
organela. Residentes na membrana do retículo endoplasmático, essas proteínas ativadas podem
culminar com a indução da sinalização pró‐apoptótica (LARA; NATACCI, 2018).
É importante ressaltar que todas as ações benéficas do ácido oleico são obtidas mediante o
consumo de dietas com quantidade adequada de lipídios totais, uma vez que animais submetidos
a uma dieta com ração hiperlipídica enriquecida com ácido oleico apresentam acúmulo de lipídios
no tecido hepático de forma similar aos que ingerem rações ricas em gordura saturada (COMINETTI
et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Os ácidos graxos alimentares influenciam diferentes vias envolvidas na regulação da sacieda-
de e diversos estudos evidenciaram o papel do ácido oleico nesse processo. Acredita‐se que uma
das vias pelas quais o ácido oleico possa induzir saciedade é pelo estímulo da secreção de cole-
cistocinina (CCK), uma vez que o uso de um antagonista do receptor desse hormônio bloqueou as

75
respostas anorexigênicas em ratos que receberam infusão duodenal desse ácido graxo. A CCK é se-
cretada pelas células I do duodeno e estimula a contração da vesícula biliar, a secreção de enzimas
pancreáticas, além de retardar o esvaziamento gástrico, promovendo a saciedade. Contudo, para
que o ácido oleico exerça esses efeitos, deve ser reconhecido por receptores presentes nas células
I (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).

UNIDADE 04
Ao contrário dos ácidos graxos saturados, o ácido oleico estimula a secreção de GLP‐1 pelas célu-
las L em um mecanismo envolvendo a ativação da proteína quinase C atípica (PKC‐zeta), envolvida
na regulação da secreção de insulina mediada por ácidos graxos de cadeia longa. Comprovando os
efeitos benéficos do ácido oleico sobre a secreção de incretinas, foi demonstrado em ratos Zucker
que a ingestão de ração normolipídica contendo azeite de oliva, por 2 semanas, melhorou a tole-
rância à glicose quando comparados aos ratos que ingeriram óleo de coco. Nesse mesmo contexto,

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em adultos jovens magros e também em diabéticos, a concentração de GLP‐1 foi maior mediante
o consumo de azeite de oliva quando comparado à margarina, o que confirma a relação entre a
composição de ácidos graxos e a secreção de incretinas no período pós‐prandial (COMINETTI et
al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Outro efeito do ácido oleico sobre a saciedade está envolvido no seu papel como precursor de
uma molécula sinalizadora conhecida como oleoiletanolamida, capaz de induzir saciedade por me-
canismos envolvendo não apenas a inervação vagal, mas também neurônios localizados no núcleo
do trato solitário do hipotálamo (COMINETTI et al., 2020).
De fato, neurônios especializados presentes no núcleo arqueado do hipotálamo induzem a sacie-
dade mediante estímulos de hormônios secretados por tecidos periféricos, como leptina e insulina.
Entretanto, o consumo de dietas ricas em lipídios ativa vias inflamatórias no hipotálamo, prejudi-
cando a ação anorexigênica da insulina. O ácido oleico atenua a inflamação e a resistência à insulina
e à leptina no hipotálamo, além de aumentar a expressão de pró‐opiomelanocortina (POMC) e do
transcrito regulado por cocaína e anfetamina (CART), ambos associados à via anorexigênica no nú-
cleo arqueado. Apesar da importante associação do ácido oleico sobre a promoção da saciedade,
sua ação pode ser comprometida pela ingestão de dietas hiperlipídicas a longo prazo (COMINETTI
et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Muitos estudos têm evidenciado a importância da microbiota intestinal sobre o risco de desen-
volver doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Já está bem estabelecido que dietas ricas em
lipídios alteram a composição da microbiota, aumentando a razão Firmicutes/Bacteroidetes, indu-
zindo maior absorção de lipopolissacarídeos (LPS), o que favorece a ocorrência de um quadro de
inflamação de baixo grau observada especialmente na obesidade. Esses eventos contribuem para
a ativação do processo inflamatório e o prejuízo na via de sinalização da insulina, e associam‐se a
maior adiposidade tanto em animais quanto em humanos. Até o momento, estudos em camun-
dongos favorecendo a suplementação de ração rica em lipídios aumentou a quantidade de Bifido-
bacterias e reduziu Enterobacterias e Clostridium, favorecendo a redução do peso corporal (LARA;
NATACCI, 2018).
Outros benefícios encontrados em estudos epidemiológicos e clínicos, estabelecem os efeitos
dos ácidos graxos insaturados sobre o risco cardiovascular. Na aterosclerose, as concentrações

76
plasmáticas de LDL exercem o principal papel, uma vez que a retenção dessa lipoproteína no es-
paço subendotelial favorece sua modificação por processos oxidativos. Uma vez oxidada, a partí-
cula de LDL é capaz de estimular a ativação endotelial, caracterizada pelo aumento da expressão
de moléculas de adesão, como as selectinas E e P e as moléculas de adesão da célula vascular‐1
(VCAM‐1) e intercelular‐1 (ICAM‐1), bem como da proteína quimiotática de monócitos‐1 (MCP‐1),

UNIDADE 04
contribuindo para o recrutamento de células inflamatórias para o local propenso à formação da le-
são. Nesse contexto, partículas de LDL de indivíduos que consomem dietas ricas em ácidos graxos
monoinsaturados são mais resistentes à oxidação quando comparadas às partículas LDL de indiví-
duos que consomem dietas ricas em ácidos graxos saturados e poli‐insaturados. Em virtude do alto
consumo de ácido oleico, a população grega também apresenta partículas de LDL mais resistentes
à oxidação, evento que proporciona menor adesão de monócitos nas células endoteliais pré‐incu-

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badas com as LDL desses indivíduos (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

SAIBA MAIS
O tipo de ácido graxo presente na dieta pode, entre outros fatores, alterar a homeostase de lipídios
no tecido adiposo, atuando em vias de sinalização envolvidas no controle da expressão e atividade
de enzimas lipolíticas e lipogênicas.

Nos adipócitos, o ácido oleico apresenta efeito neutro sobre a morfologia e o acúmulo de lipídios,
pois não interfere na expressão da SCD‐1, já que esse ácido graxo é um dos produtos finais da ação
dessa proteína. O tecido adiposo desempenha papel importante na homeostase da glicose, pois
secreta adipocinas associadas à regulação da via de sinalização da insulina. Em animais submetidos
a uma dieta com ração hiperlipídica, a substituição de ácido graxo saturado por monoinsaturado
melhora a ação da insulina e, portanto, a glicemia pós‐prandial. Além disso, o consumo de dieta rica
em ácido oleico por indivíduos resistentes à insulina, durante 28 dias, resultou em menor concen-
tração pós‐prandial de ácidos graxos livres, glicose e leptina de jejum em comparação à dieta rica
em ácidos graxos saturados. Esse resultado pode ser atribuído ao papel do ácido oleico em inibir a
expressão de resistina, proteína diretamente relacionada ao desenvolvimento de resistência à ação
da insulina, e induzir a expressão de adiponectina, associada à melhora da sensibilidade à ação da
insulina (COMINETTI et al., 2020).
Embora os ácidos graxos monoinsaturados tenham sido considerados neutros sob o ponto de vista
cardiovascular, demonstrou‐se, posteriormente, sua ação benéfica em estudos clínicos e epidemio-
lógicos com o uso da dieta do Mediterrâneo, na qual o ácido oleico é predominante. A elucidação
da ação desses ácidos graxos sobre fatores de transcrição gênica vem possibilitando o entendimen-
to de sua ação com vias de sinalização associadas direta ou indiretamente ao desenvolvimento da
doença cardiovascular (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

77
2. VITAMINAS DO COMPLEXO B
As vitaminas do complexo B compreendem um grupo de substâncias hidrossolúveis composto
de tiamina (B1), riboflavina (B2), niacina (B3), ácido pantotênico (B5), piridoxina (B6), biotina (B7),

UNIDADE 04
ácido fólico (B9) e as cobalaminas (B12). No entanto, apenas as vitaminas B2, B6, ácido fólico e
B12 estão relacionadas ao metabolismo de um carbono (COMINETTI et al., 2017. COMINETTI et
al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
O ácido fólico e a B12 são vitaminas necessárias para a duplicação celular por participarem da
síntese de purinas e pirimidinas, do metabolismo da homocisteína e de reações de metilação. Na
deficiência grave de uma dessas vitaminas, ou de ambas, pode ocorrer a anemia megaloblástica,

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que afeta a hematopoese das séries vermelha, branca e plaquetária e, também, outros tecidos do
organismo com intensa capacidade regenerativa celular, como os epitélios e as mucosas. Além disso,
a deficiência por si só pode causar várias alterações bioquímicas que interferem no metabolismo
(COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
A vitamina B6 atua como coenzima de diversas reações, com ação no metabolismo de proteínas,
lipídios e carboidratos. Uma de suas funções está relacionada ao metabolismo de um carbono. Já
a riboflavina é necessária na síntese de FAD e de flavina mononucleotídeo (FMN), dois cofatores
enzimáticos essenciais no funcionamento de enzimas importantes em diversas vias metabólicas,
incluindo o metabolismo de um carbono (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

2.1 ÁCIDO FÓLICO


O ácido fólico é uma vitamina vital à saúde, relacionado à transferência de uma unidade de car-
bono na síntese das purinas, na síntese de timidina, na síntese de metionina e também na conver-
são de serina em glicina. A forma monoglutamato de ácido fólico (forma sintética) é utilizada em
suplementos vitamínicos, na terapêutica e na fortificação de alimentos, sendo a forma mais oxidada
e a que possui maior estabilidade (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
O termo folato é usado para designar o ácido fólico presente naturalmente nos alimentos. A for-
ma de monoglutamato tem biodisponibilidade muito maior que a forma de poliglutamato, sendo
descrito que 0,6 μg de ácido fólico equivale a 1 μg de folato da alimentação. A deficiência de folato
decorre do consumo inadequado dessa vitamina devido à má nutrição, idade avançada, situação
econômica desfavorável, alcoolismo, hemodiálise, entre outras causas, pela absorção diminuída
nos enterócitos e aumento das necessidades (gestação, aumento da renovação celular, anemia
hemolítica crônica, dermatite esfoliativa etc.). Além disso, polimorfismos em genes que codificam
enzimas envolvidas no metabolismo do ácido fólico estão relacionados com concentrações plas-
máticas reduzidas (LARA; NATACCI, 2018).
Em relação às complicações associadas à deficiência de folato, existem as complicações obsté-
tricas e malformações fetais (lábio leporino, fenda palatina e defeitos de fechamento do tubo neu-
ral ou malformações congênitas graves como resultado de falha no fechamento do tubo neural no
início da gestação, demonstrada em vários estudos. Mulheres com histório familiar dessa condição

78
devem consumir 4.000 μg de ácido fólico, começando no período em que estivessem planejando
ficar grávidas; e mulheres sem história prévia, a recomendação é de 400 μg de ácido fólico no pe-
ríodo anterior à gravidez (LARA & NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
Além disso, a deficiência de folato também é associada a alterações no padrão de metilação do
DNA, ou seja, na hipometilação em alguns oncogenes e na hipermetilação de genes supressores

UNIDADE 04
tumorais, influenciando a expressão gênica e maior risco de câncer. Além disso, baixas concentra-
ções de folato são associadas a concentrações elevadas de homocisteína total, que, por sua vez,
são consideradas fator de risco para doença cardiovascular, e o aumento das concentrações de ho-
mocisteína total também foi associado à demência e doença de Alzheimer (LARA; NATACCI, 2018).

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VÍDEO
A associação entre a deficiência de folato e o maior risco de doenças no fechamento do tubo neural
levou vários países a fortificar alimentos com ácido fólico, iniciando em 1998 nos Estados Unidos,
seguida por Canadá e Chile. No Brasil, a fortificação mandatória teve início em 2004, após a pu-
blicação da RDC n. 344, de 13 de dezembro de 2002, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
estabeleceu que as farinhas de trigo e milho deveriam ser fortificadas com 150 μg de ácido fólico
e 4,2 mg de ferro para cada 100 g de farinha (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017). Co-
nheça por dentro de uma gestação como o ácido fólico atua para evitar complicações neurais no
bebê em formação
Disponível em: https://tinyurl.com/362txywx. Acesso em: 10 jan. 2023.

Estima‐se que o consumo habitual de ácido fólico tenha dobrado nos países que adotaram a for-
tificação, implicando em um drástico aumento nas concentrações plasmáticas de folato da popula-
ção. Esse aumento atinge especialmente crianças e idosos, grupos da população que apresentam
hábitos de alto consumo de pães e/ou suplementos alimentares. Além disso, o uso de multivita-
mínicos sem prescrição podem elevar significativamente as concentrações plasmáticas de folato
(LARA; NATACCI, 2018).

2.2 COBALAMINA
O termo vitamina B12 tem sido empregado como designação genérica para caracterizar as B12,
porém esse termo é mais adequado para indicar a ciano‐B12, que é a forma utilizada em suplemen-
tos. Concentrações séricas elevadas de homocisteína total e de MMA são consideradas marcadores
funcionais da deficiência de B12 nos tecidos. No entanto, valores aumentados de homocisteína to-
tal no plasma podem ser decorrentes de deficiência isolada de vitaminas (B12, folato ou vitamina
B6) ou da combinação delas (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).
Mulheres em idade reprodutiva necessitam de concentrações séricas de folato e de B12 ade-
quadas, uma vez que essas duas vitaminas são importantes na duplicação celular e participam do
metabolismo de um carbono. Um estudo mostrou as concentrações de vitaminas e metabólitos
em mulheres não gestantes antes do início da fortificação das farinhas de trigo e milho no Brasil.

79
As concentrações neonatais de folato sérico, SAM e SAH foram, em média, duas vezes maiores que
as encontradas em suas mães, para compensar a grande taxa de duplicação celular do neonato
(COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).

2.3 VITAMINA B6

UNIDADE 04
Vitamina B6 é um termo genérico usado para designar um grupo de vitaminas hidrossolúveis
que compartilham a estrutura química 3‐hidroxi‐2‐metil‐5‐hidroximetilpiridina. O marcador mais
utilizado para avaliar as concentrações de vitamina B6 em humanos é o PLP plasmático, sendo as
concentrações no plasma maiores que 30 nmol/L, consideradas adequadas. A deficiência dessa vi-
tamina é indicada por concentrações inferiores a 20 nmol/L, enquanto concentrações entre 20 e
30 nmol/L indicam estado nutricional adequado (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

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Estudos demonstram que baixas concentrações de PLP no plasma podem aumentar o risco de
determinadas doenças crônicas e aumento de marcadores inflamatórios, artrite reumatoide e ate-
rosclerose (LARA; NATACCI, 2018).

2.4 VITAMINA B2
A riboflavina (vitamina B2) é uma vitamina hidrossolúvel, presente em muitos alimentos, como
leite e derivados, carnes, peixes, ovos, certas frutas e vegetais, especialmente os de folhas verde‐
escuras. É uma vitamina resistente ao calor, à oxidação e à acidez; entretanto, sensível à luz. Nos
alimentos, a riboflavina aparece principalmente na forma de FAD, com menores quantidades de
FMN e riboflavina livre (LARA; NATACCI, 2018).
As formas biologicamente ativas mais importantes da riboflavina, FAD e FMN, funcionam como
transportadores de elétrons e desempenham papéis centrais em numerosos processos metabólicos,
participando de diversas reações de oxirredução no organismo. Atuam como grupos prostéticos de
várias enzimas flavoproteínas que têm função central na produção de energia, catalisando a oxida-
ção inicial de ácidos graxos e de vários intermediários do metabolismo da glicose e participando da
cadeia de transporte de elétrons nas mitocôndrias. Desse modo, são fundamentais no metabolismo
de carboidratos, lipídios e proteínas. Em conjunto com as enzimas citocromo P‐450, FAD e FMN
participam da metabolização de drogas e toxina (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Em razão de toda a importância em diversos processos enzimáticos e metabólicos, a deficiência
de riboflavina pode promover distúrbios no metabolismo intermediário, prejudicando o funciona-
mento de processos oxidativos, como a beta‐oxidação e a geração de energia, as defesas contra
radicais livres, o ciclo do folato e os processos de metilação. A deficiência grave pode, ainda, preju-
dicar o metabolismo da vitamina B6 e a conversão de triptofano em niacina (LARA; NATACCI, 2018.
COMINETTI et al., 2017).
Outro evento que depende da ação de flavinas reduzidas é a mobilização de ferro da ferritina
para os tecidos, que é um processo de redução. Estudos in vitro e in vivo têm descrito um mecanis-
mo no qual uma oxidorredutase dependente de FMN catalisa a remoção do ferro estocado como
ferritina e o torna disponível para a utilização na síntese do heme (COMINETTI et al., 2020).

80
Por fim, as vitaminas do complexo B desempenham papel vital no organismo humano, estando
algumas delas implicadas com o metabolismo de um carbono. Com isso, esses nutrientes estão li-
gados, direta ou indiretamente, à síntese e ao reparo de ácidos nucleicos e a todas as reações de
metilação do organismo, com destaque para a metilação do DNA (LARA, NATACCI, 2018).
Uma vez que a deficiência dessas vitaminas tem sido associada a consequências sérias, como

UNIDADE 04
complicações materno‐fetais, doenças cardiovasculares e neurológicas, câncer, entre outras, é
importante compreender a influência que polimorfismos em genes de enzimas fundamentais do
metabolismo do carbono possam desempenhar nas concentrações celulares dessas vitaminas. Da
mesma forma, maior importância deve ser dada às condições que levam à deficiência desses nu-
trientes, como ocorre durante gestação, lactação e crescimento (COMINETTI et al., 2020. LARA;
NATACCI, 2018).

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3. ZINCO
Como estudamos anteriormente, as interações entre os nutrientes ocorrem de várias formas.
Uma delas é a interação direta, na qual o nutriente liga-se a um fator de transcrição, ativando-o
e induzindo-o à expressão de genes. Nesse sentido, um dos fatores de transcrição mais estuda-
dos em relação à homeostase do zinco é o fator de transcrição regulador de metal 1 (MTF-1). Ele
funciona como um sensor intracelular de zinco, ligando-se direta e reversivelmente ao mineral e,
posteriormente, transferindo-se para o núcleo da célula, onde se liga aos elementos de resposta a
metais (MRE, metal response element) em regiões regulatórias de genes específicos, promovendo
o aumento ou a diminuição da transcrição destes (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
O zinco é um mineral essencial para o crescimento, o desenvolvimento e a diferenciação de to-
dos os tipos de organismos, incluindo os microrganismos, as plantas e os animais, sendo um dos
elementos traços mais abundantes no corpo humano. Seu conteúdo varia de 1,5 g em mulheres
a 2,5 g em homens. É encontrado em vários tecidos, mas sua maior concentração, cerca de 85%,
está nos tecidos muscular e ósseo, e apenas 1% na circulação sanguínea (COMINETTI et al., 2017.
LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).

SAIBA MAIS
Estima-se que o zinco participe da constituição de mais de 2.700 enzimas, muitas das quais estão
envolvidas no metabolismo de carboidratos, proteínas, lipídios e na síntese e degradação de áci-
dos nucleicos (LARA & NATACCI, 2018).

A função estrutural do zinco também está ligada à sua capacidade de estabilizar membranas ce-
lulares, uma vez que a deficiência de zinco está associada ao aumento da fragilidade osmótica dos
eritrócitos em humanos. Alguns autores sugerem que o mineral esteja envolvido na formação da

81
dematina, proteína essencial para a manutenção da morfologia celular, motilidade e integridade
estrutural da membrana (LARA; NATACCI, 2018).
Após ser absorvido, o zinco é liberado pelos transportadores da membrana basolateral dos
enterócitos, passa para os capilares mesentéricos e é direcionado para a circulação portal, sendo
captado pelo fígado e distribuído para os outros tecidos. Seu transporte no sangue é mediado pela

UNIDADE 04
albumina e, em menor quantidade, pela macroglobulina, transferrina, cisteína e histidina (LARA;
NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
A homeostase do zinco é mantida por meio de mecanismos que incluem a regulação da expres-
são de genes, como aqueles que codificam proteínas transportadoras de zinco e MT. No entanto,
quando a ingestão alimentar de zinco é muito baixa, os mecanismos homeostáticos podem ser insu-
ficientes para repor as perdas, resultando em equilíbrio negativo do mineral (LARA; NATACCI, 2018).

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A adequação da ingestão de zinco é afetada pela presença de fatores antinutricionais que inibem
sua absorção, sendo o fitato o principal deles. Dietas baseadas em cereais integrais ou tubérculos e
com quantidades insignificantes de alimentos de origem animal aumentam as necessidades nutricio-
nais e, portanto, aumentam o risco de deficiência (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
A deficiência de zinco pode ser atribuída a cinco causas gerais que ocorrem de forma isolada
ou combinadas, incluindo ingestão inadequada, aumento das necessidades, má absorção, perdas
aumentadas e utilização prejudicada. A ingestão inadequada de zinco é a principal causa de defi-
ciência na maioria das situações. Estima-se que cerca de 10% do proteoma humano consista em
proteínas potencialmente ligadas ao zinco (LARA; NATACCI, 2018).
Portanto, o zinco é um elemento traço essencial e desempenha papéis fundamentais no meta-
bolismo celular e na estabilidade do genoma. Atua principalmente por meio de ligações a diversas
proteínas, afetando numerosos processos biológicos, desde a divisão celular até o crescimento e
a diferenciação. Desempenha papel crítico na regulação de mecanismos de reparação do DNA, na
proliferação celular, na diferenciação e apoptose, envolvendo a ação de vários fatores de transcri-
ção e de DNA ou RNA polimerases. Dessa forma, a deficiência pode levar a importantes mutações
e aberrações cromossômicas, aumentando o risco de doenças crônicas não transmissíveis, como
câncer. Pouco se sabe acerca da sua função molecular em humanos, sendo essa uma área promis-
sora para a realização de novos estudos de genômica nutricional visando à melhor compreensão
do seu papel na promoção da saúde (LARA; NATACCI, 2018).

4. SELENIO
No início do século XX, o mineral foi considerado tóxico e carcinogênico. Entretanto, pesqui-
sas subsequentes demonstraram sua presença no sítio catalítico da enzima glutationa peroxidase
(GPx). A reversão da distrofia muscular após a adição de selênio à alimentação de um paciente sob
terapia de nutrição parenteral de longo prazo, bem como a descoberta da doença de Keshan, uma
cardiomiopatia que afeta principalmente mulheres e crianças residentes em áreas da China com

82
solos muito pobres em selênio, confirmaram a importância desse mineral para a manutenção da
saúde humana (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
O selênio proveniente de fontes vegetais está na forma de selenometionina e, em menor pro-
porção, de selenocisteína e outros análogos de aminoácidos sulfurados. É importante, entretanto,
destacar que espécies vegetais apresentam capacidade distinta de assimilação e de acumulação de

UNIDADE 04
selênio. Essas espécies podem ser classificadas em: (1) não acumuladoras de selênio (<100 mcg Se/g
de peso seco), incluindo cereais, como trigo, aveia, cevada e centeio; (2) acumuladoras secundárias
de selênio (até 1.000 mcg Se/g de peso seco), com destaque para os vegetais do gênero Brassica,
como couve, brócolis e repolho, bem como do gênero Allium, incluindo alho, cebola e alho-poró; e
(3) acumuladoras de selênio (até 40.000 mcg Se/g de peso seco), representadas unicamente pela
árvore Bertholletia excelsa, que produz a castanha-do-brasil (COMINETTI et al., 2017. LARA; NA-

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TACCI, 2018. CHANG et al., 2015).
A biodisponibilidade do selênio depende inteiramente de sua forma química e, de maneira geral,
os compostos orgânicos são mais absorvidos que os inorgânicos. Outros fatores que influenciam
na biodisponibilidade do selênio incluem a quantidade ingerida de proteína e lipídio nas refeições,
a presença de metais pesados (principalmente o mercúrio) na alimentação e o estado nutricional
do indivíduo em relação ao mineral. De forma geral, a absorção do selênio é considerada elevada,
com percentuais que variam entre 70 e 95%. As taxas médias de absorção da selenometionina e
do selenito são de aproximadamente 84 e 98%, com doses de 200 mcg, respectivamente (LARA;
NATACCI, 2018).
Existem algumas mutações raras que resultam em doenças genéticas graves relacionadas ao
selênio, como é o caso de mutações no gene da selenoproteína N, causando distrofia muscular
congênita. Mutações no gene que codifica a SBP2 estão relacionadas a uma alteração caracteriza-
da por função prejudicada da glândula tireoide e também a outra síndrome caracterizada por falha
na espermatogênese, distrofia muscular, sensibilidade aumentada à radiação ultravioleta, estres-
se oxidativo elevado e expressão reduzida de todas as seleno- proteínas (COMINETTI et al., 2020.
LARA; NATACCI, 2018).
Especificamente em relação aos polimorfismos de nucleotídeo único (SNP), existem diversas
descrições em genes relacionados ao metabolismo do selênio. Grande número de evidências dá
suporte à alegação de que poli- morfismos em genes que codificam as GPx, cuja principal carac-
terística é a capacidade antioxidante, são funcionais, afetando a atividade dessas enzimas (COMI-
NETTI et al., 2017).
Indivíduos residentes em áreas deficientes em selênio na China com pelo menos um alelo va-
riante em relação ao SNP Pro198Leu apresentaram risco 123% maior de desenvolver a doença de
Keshan em comparação aos homozigotos selvagens. Além disso, a frequência de alelos variantes
foi maior nos pacientes residentes nas áreas endêmicas do que em controles não residentes em
tais áreas, e foi também inversamente relacionada à concentração sanguínea de selênio. Em com-
paração aos indivíduos homozigotos selvagens, aqueles que carreavam um ou dois alelos variantes
também apresentaram atividade da GPx-1 e concentração de selênio significativamente inferiores
(LARA; NATACCI, 2018).

83
Estudos têm demonstrado que a presença do alelo variante em relação ao SNP Pro198Leu, além
de estar relacionada a diferenças na atividade enzimática, predispõe os indivíduos a algumas do-
enças específicas, como alguns tipos de câncer, síndrome metabólica e doença de Keshan (LARA;
NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

UNIDADE 04
SAIBA MAIS
Nas populações indiana e chinesa, uma metanálise com mais de 50 mil pacientes e 12 variantes
genéticas verificou associação ao maior risco de doença arterial coronariana. Outro foi encontra-
do em adultos jovens e crianças, bem como o risco aumentado de trombose venosa cerebral em
homens e mulheres brasileiros (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

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O selênio proveniente da alimentação é capaz de alterar também a expressão de outros genes além
daqueles que codificam selenoproteínas, denominados alvos down‐stream. Desse modo, reconhece-
-se que o mineral tem efeito sistêmico, impactando em múltiplos mecanismos que podem também
ser modulados conforme a oferta de outros micronutrientes. A oferta de selênio também parece
modular a expressão de células do sistema imune (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Estudos que buscam avaliar a biodisponibilidade das diversas formas de selênio ganharam nova
perspectiva. Os pesquisadores verificaram que, embora as três fontes de selênio tenham recupe-
rado a deficiência instalada de maneira semelhante, impactaram de forma distinta na regulação
da expressão de diferentes genes, alterando determinadas funções celulares. O selênio derivado
de levedura causou regulação negativa da expressão desses genes no córtex cerebral e em nível
intestinal. Já a selenometionina promoveu regulação positiva da expressão desses genes no fígado
e no intestino (LARA; NATACCI, 2018).
Até o momento, diversos estudos têm evidenciado a funcionalidade de SNP em genes de sele-
noproteínas. Entretanto, a pesquisa das interações entre variações genéticas e o metabolismo do
selênio tem sido limitada a SNP individuais e à avaliação de determinados parâmetros fisiológicos.
Dessa forma, a compreensão dos efeitos da associação de vários polimorfismos no metabolismo do
mineral e na relação saúde/doença é bastante limitada. Do mesmo modo, estudos que elucidem os
efeitos da ingestão de selênio sobre a modulação da expressão de diferentes genes são escassos e
ainda não conseguem esclarecer todos os mecanismos envolvidos na hierarquia do selênio, bem
como a influência desse mineral sobre outras vias metabólicas (COMINETTI et al., 2017. COMINETTI
et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
É de extrema importância, portanto, que se realizem estudos mais abrangentes, considerando
possíveis fatores de interferência como etnia, sexo, IMC, estilo de vida e fatores relacionados à ali-
mentação, na determinação da influência dos fatores genéticos sobre o metabolismo do selênio e
das vias a que ele está associado (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

84
5. POLIFENÓIS
Sabe‐se que os hábitos alimentares inadequados e o sedentarismo estão relacionados ao au-
mento do risco do desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como as car-

UNIDADE 04
diovasculares, o diabete melito tipo 2 (DM2), o câncer, entre outras, e que a adesão a determinados
padrões alimentares reduz o risco de incidência dessas doenças. Estudos epidemiológicos revelam
correlações positivas entre alimentação rica em frutas e hortaliças e aspectos benéficos à saúde.
Essa relação tem sido atribuída ao fato de esses alimentos apresentarem, além dos nutrientes es-
senciais, compostos bioativos de alimentos (CBA) de natureza química diversa, os quais têm ações
biológicas importantes, atuando por meio da modulação de eventos moleculares e vias de sinali-
zação celular (COMINETTI et al., 2017).

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Dentre os diversos CBA encontrados na natureza, destacam‐se os polifenóis, que têm sido objeto
de pesquisas em todo o mundo. Tais pesquisas evidenciam o seu potencial de redução do risco de
DCNT em razão de seus efeitos múltiplos, como os anti‐inflamatórios, antioxidantes, vasodilatadores,
quimiopreventivos e neuroprotetores. Esses benefícios podem ser atribuídos tanto a mecanismos
não específicos relacionados à capacidade antioxidante, que incluem a captura ou o sequestro de
espécies reativas de oxigênio (ERO), quanto aos mecanismos específicos, que envolvem interações
com proteínas celulares essenciais em determinadas vias metabólicas (LARA; NATACCI, 2018).
Estudos in vitro evidenciam que os polifenóis apresentam a capacidade de modular a expressão
gênica e a atividade de enzimas, de receptores nucleares e de fatores de transcrição, podendo in-
fluenciar vias de sinalização celular que regulam eventos complexos, como a resposta inflamatória.
Os polifenóis atuam em vários alvos moleculares envolvidos na cascata de sinalização da inflama-
ção, o que resulta na modulação da expressão de genes que codificam citocinas pró‐inflamatórias,
como o fator de necrose tumoral‐alfa (TNF‐alfa) e a interleucina‐1 (IL‐1beta) (COMINETTI et al.,
2017. COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Como vimos anteriormente, as ERO e as espécies reativas de nitrogênio (ERN) atuam como im-
portantes sinalizadores no controle da homeostase redox celular, exercendo função na defesa con-
tra patógenos e modulando diversos processos biológicos, como a sinalização celular, a resposta
inflamatória, a apoptose e a proliferação celular. Quando ocorre o desequilíbrio entre a produção de
radicais livres e as defesas antioxidantes, o estresse oxidativo, resulta em danos a biomoléculas e em
alteração na sinalização celular, contribuindo para o desenvolvimento de câncer, doenças cardiovascu-
lares e neurodegenerativas (COMINETTI et al., 2017. COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Segundo Cominetti et al. (2017), nesse sentido, os compostos com capacidade antioxidante po-
dem exercer efeitos protetores contra DCNT. Entende‐se por mecanismos antioxidantes de ação
direta aqueles relacionados à ação de sequestro e/ou neutralização de ERO e ERN, exercidos pelos
compostos antioxidantes endógenos e exógenos. Os antioxidantes endógenos mais relevantes são:
• Glutationa (GSH), um tripeptídeo formado pelos aminoácidos ácido glutâmico, cisteína e glici-
na, presente nas células em concentrações milimolares. A GSH é importante na manutenção
da homeostase redox, neutralizando diversas ERO.

85
• Bilirrubina com capacidade de remover ERO, inibindo a oxidação do colesterol de lipoproteí-
nas de baixa densidade (LDL).
• Proteínas de transporte, como transferrina, lactoferrina e albumina, que atuam como poten-
tes quelantes de metais e de radicais livres.

UNIDADE 04
• Urato, produto final do catabolismo das purinas a partir da ação da xantina oxidase, um po-
tente antioxidante presente em células e fluidos biológicos.
Além destes, o organismo pode ainda ter o auxílio dos antioxidantes exógenos, obtidos a partir
da alimentação, com destaque para os antioxidantes lipofílicos (como alfa‐tocoferol) e os hidrofíli-
cos (como vitamina C), além de CBA, como os polifenóis, com propriedades antioxidantes, um dos
mecanismos de proteção contra o excesso de ERO e ERN. Assim, os polifenóis podem ter ação di-

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reta sobre os radicais livres, como o ânion superóxido, os radicais hidroxila, a alcoxila e a peroxila,
neutralizando‐os e diminuindo a ação deletéria destes sobre as macromoléculas (COMINETTI et
al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
A avaliação de diversos estudos clínicos com humanos indica que, após a ingestão de polifenóis
por meio de alimentos e de bebidas, ou na forma isolada, em dose única, ocorre aumento do po-
tencial antioxidante plasmático entre 5 e 30%, em decorrência da absorção e presença desses CBA.
Por outro lado, na maioria dos estudos envolvendo a ingestão repetida de alimentos, uma porção/
dia, durante uma a três semanas, não se observou aumento da capacidade antioxidante plasmáti-
ca (LARA; NATACCI, 2018).
Entretanto, a maior parte da defesa antioxidante do organismo é representada por um sistema
de enzimas antioxidantes, que podem aumentar a proteção antioxidante de maneira indireta, modu-
lando a expressão de enzimas antioxidantes e de destoxificação, ou podem atuar diretamente sobre
os agentes oxidantes, neutralizando‐os (figura 2) (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
A HO‐1 é a enzima limitante do catabolismo do heme em monóxido de carbono, biliverdina e
ferro, com grande produção de superóxidos e outras ERRO sendo as principais classes a hemoglo-
bina, as oxidases, e as peroxidases. Já a NQO1 catalisa a redução da quinona para a hidroquinona,
na presença de NADH ou NADPH, prevenindo a formação de radicais livres. E o sistema enzimático
tiorredoxina, reduz pontes dissulfeto de diversas proteínas e remove o peróxido de hidrogênio ou
outros peróxidos por meio do NADPH como doador de elétrons, fundamental na defesa antioxi-
dante (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

86
Figura 1 – Ativação da transcrição de genes relacionados à defesa antioxidante, por meio
da ligação do fator nuclear Nrf2 ao elemento de resposta antioxidante (ARE).

UNIDADE 04
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Fonte: Tosun; Inkaya (2009). Adaptado.

Alguns experimentos com o extrato rico em antocianinas, polifenol pertencente à classe dos
flavonoides, obtido de batata‐doce roxa, apresentou efeito hepatoprotetor em ratos com fibrose
hepática induzida pela dimetilnitrosamina. Também, o resveratrol, flavonoide presente em uvas e
vinhos, normalizou a expressão renal de Nrf2 e aumentou a atividade das enzimas antioxidantes
SOD, CAT, GPx, GST e GR em ratos com diabete induzido por estreptozotocina. Entre outros polife-
nóis capazes de induzir a expressão de genes regulados pelo Nrf2 estão o ácido cafeico fenetil éster,
presente no mel; a curcumina, encontrada no açafrão‐da‐índia; e os ácidos fenólicos presentes no
café. Além desses, outros compostos não polifenóis, como o sulforafano derivado de glicosinola-
tos presentes no brócolis, o licopeno presente no tomate, a alicina do alho e a vitamina E de óleos
vegetais, também são capazes de induzir a expressão dos genes regulados pelo Nrf2 (COMINETTI
et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).

87
5.1 MODULAÇÃO DA CASCATA DE SINALIZAÇÃO DO NF-KB
A inflamação é uma resposta do sistema imune inato a uma lesão ou infecção por patógenos.
Entretanto, há evidências circunstanciais de que o estímulo recorrente ou uma deficiência na re-
gulação dessa via podem acarretar inflamação crônica e sistêmica que, associada a outros fatores

UNIDADE 04
metabólicos, pode contribuir para o desenvolvimento e o agravamento de DCNT, dentre as quais
as doenças cardiovasculares, o diabete melito tipo 2 e o câncer. Assim, diversas linhas de pesquisa
focam na sinalização molecular da inflamação e nos CBA que possam modulá‐la (COMINETTI et al.,
2017. COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Uma das principais vias de sinalização envolvidas no processo inflamatório é a do fator nuclear
kappa B (NF‐kB), que modula a expressão de diversos genes relacionados ao processo inflamatório,

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a proliferação e diferenciação celular, e a apoptose. O NF‐kB se encontra no citoplasma como um
dímero (p50 e p65), na forma inativa, ligada ao seu inibidor IkB (inibidor de kappa B), formando o
complexo NF‐kB‐IkB. A ativação das diversas vias de sinalização promove a fosforilação do IkB por qui-
nases, o que desfaz o complexo, com posterior ubiquitinação e degradação proteassomal do inibidor.
O NF‐kB é então translocado para o núcleo, onde modula a expressão de diversos genes que codifi-
cam enzimas e citocinas com ação pró‐inflamatória (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

5.2 AÇÃO DE POLIFENÓIS NA METILAÇÃO DO DNA


A metilação do DNA é a modificação epigenética mais comum que envolve a ligação de grupos
metil às citosinas nos nucleotídeos CpG. A abundância de grupos metil (hipermetilação) na região
promotora de um gene promove o seu silenciamento ou inativação. Já a modificação de histonas,
incluindo a metilação, a acetilação e, menos frequentemente, a fosforilação e a ubiquitinação de
resíduos de aminoácidos, é outro mecanismo epigenético importante. Muitas modificações das
histonas, assim como acontece com a metilação do DNA, são reversíveis e controladas por enzimas
que adicionam ou removem radicais, alterando a conformação da cromatina, o acesso de fatores
de transcrição às regiões promotoras de genes e, assim, a expressão destes (LARA; NATACCI, 2018).
Existem muitas evidências de que a resposta do organismo à alimentação ocorre, em grande
parte, por meio de mecanismos epigenéticos. Enquanto a metilação do DNA é geralmente associa-
da à repressão da expressão gênica, as alterações em histonas podem promover tanto a ativação
quanto a repressão, dependendo da modificação dos resíduos e dos aminoácidos envolvidos (LARA;
NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

5.3 POLIFENÓIS E MODULAÇÃO DA EXPRESSÃO DE MICRORNA


Outro mecanismo que permite explicar como os nutrientes e CBA influenciam a manutenção da
saúde envolve a modulação da expressão de microRNA (miR). São destacados os efeitos de alimen-
tos como chá, cacau, frutas e de CBA, como resveratrol, epigalocatequina, quercetina, curcumina e
outros na modulação da expressão de diversos miR. Destaca‐se que os miR participam do controle
do desenvolvimento, da diferenciação e da proliferação celular, da inflamação e do metabolismo, em
doenças como o câncer e no processo de senescência (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

88
Além disso, o padrão de expressão de miR circulantes (em fluidos corporais como sangue e
saliva) emerge como biomarcador de doenças ou de suscetibilidade a doenças e de exposição à
alimentação. A expressão de miR circulantes responde rapidamente a estímulos externos, modu-
lando a expressão gênica, e talvez seja o mecanismo epigenético com maior potencial de ação na
manutenção da saúde por meio da alimentação (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018.

UNIDADE 04
CHANG et al., 2015).
A suplementação de pacientes hipertensos e com DM2 durante 12 meses com extrato de uva
resultou em redução na expressão de citocinas pró‐inflamatórias, entre elas a do TNF‐alfa e da IL
‐1beta. Outro polifenol, o resveratrol, presente em uvas e vinhos, atuou na redução da expressão de
diversos miR característicos de células de câncer de cólon. Da mesma forma, o resveratrol também
reduziu o aumento da expressão do miR‐155 oncogênico de maneira depende ao miR‐663, o qual

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também foi regulado pelo resveratrol (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
O processo inflamatório e o estresse oxidativo são evidenciados e relacionados ao início e à pro-
gressão de uma série de doenças de desenvolvimento crônico. Diversos CBA, principalmente os po-
lifenóis, parecem modular de maneira positiva a via de sinalização do Nrf2, atenuando o estresse
oxidativo e, de maneira negativa, a via de sinalização do NF‐kB, reduzindo o processo inflamatório.
Os mecanismos pelos quais os polifenóis atuam sobre esses dois processos não são completamente
esclarecidos. Contudo, sabe‐se que os efeitos benéficos provenientes da ingestão contínua desses
compostos, por meio da alimentação, advêm de um conjunto de ações relacionadas às diversas vias de
sinalização e metabolismo, e não de um único mecanismo. Ainda, diferentes CBA podem atuar sobre
um mesmo mecanismo e/ou em diferentes níveis (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).

6. QUERCETINA
A ingestão diária de flavonoides é, em grande parte, representada pelo consumo de quercetina,
encontrada principalmente em frutas, hortaliças e chás. A quercetina apresentou ação anti-infla-
matória, uma vez que diminuiu a ativação do NF-κB, reduzindo a expressão gênica da enzima óxido
nítrico-sintase induzível (iNOS), bem como a produção de óxido nítrico (NO) em cultura de macró-
fagos estimulados com LPS. Além disso, a quercetina reduziu a síntese de TNF-α em macrófagos
estimulados com LPS e interferona-γ, podendo também modular a expressão gênica do PPAR-α, o
qual exerce modulação transrepressional sobre o NF-κB (LARA; NATACCI, 2018).
A quercetina foi capaz de reduzir a síntese in vitro das enzimas ciclo-oxigenases (COX) e lipoxige-
nases (LOX), as quais são induzidas durante a resposta inflamatória. Nesse sentido, cultura de fibro-
blastos tratada com 10 μM de quercetina apresentou redução na síntese de COX-2 e NO. Macrófagos
estimulados com LPS na presença de 50 e 100 μM de quercetina apresentaram redução da secreção
de IL-6 e TNF-α. Também em macrófagos, a quercetina reduziu a transcrição do TNF-α, por meio
da redução da fosforilação e da ativação da JNK/SAPK, ao mesmo tempo que diminuiu a síntese de
TNF-α por meio da redução da fosforilação da ERK 1/2 e da atividade da p38. Além disso, concen-
trações inferiores a 50 μM também induziram ao aumento da síntese da citocina anti-inflamatória

89
IL-10. Em humanos, a ingestão de 150 mg/dia, durante 6 semanas, reduziu significativamente as
concentrações séricas de TNF-α (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

7. RESVERATROL

UNIDADE 04
Em 2004, a American Dietetic Association, em seu documento sobre alimentos funcionais, con-
siderou o vinho tinto e o suco de uva como bebida com comprovações científicas atuantes na pre-
venção da agregação plaquetária em ensaios in vitro, in vivo e em estudos epidemiológicos (HASLER,
2004). Os sucos de uva e o vinho tinto possuem em sua composição substâncias com ações bené-
ficas à saúde, como os compostos fenólicos, entre eles o resveratrol (PEREIRA JÚNIOR et al., 2013),

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seu componente mais estudado.
Os polifenóis encontram-se no bago da uva, principalmente na película e pode ser encontrado
na forma livre ou ligado a açúcares ou proteínas (LUTZ et al., 2011). No vinho e no suco de uva, os
compostos fenólicos são responsáveis pelos aspectos organolépticos dos vinhos tintos e sucos de
uva como cor, sabor amargo e adstringente, aroma, e também é a maior fonte de substâncias an-
tioxidantes, como o resveratrol (LIMA et al., 2014).
É difícil prever a concentração de resveratrol em vinhos e sucos, por sua biossíntese ser afetada
por vários fatores. A estilbeno sintetase é a principal enzima na biossíntese de resveratrol, esta é
ativada em resposta a fatores exógenos, tais como, radiação ultravioleta, agentes químicos e estres-
se oxidativo. Essa enzima catalisa a reação entre a molécula p-cumaril-coenzima A e três moléculas
de malonil-coenzima A, levando à síntese do resveratrol na área afetada (LAZZAROTTO; GUEDES,
2015). Na uva, o resveratrol é sintetizado ainda na película do fruto em concentrações que depen-
dem de diversos fatores, como o tipo, a intensidade e a duração do estresse sob o qual a videira se
encontra, ou ainda do desenvolvimento do fruto (FREITAS et al., 2010).
Estudos têm mostrado que o resveratrol atinge concentrações plasmáticas máximas aos 15 mi-
nutos em ratos, e entre 30 a 60 minutos em humanos. Uma vez absorvida, este é metabolizado nas
células intestinais ou no fígado, através dos metabólitos resveratrol-3-glucurónido e o resveratrol-
-3-sulfato, as formas principais circulantes no plasma (CASTRO et al., 2011).
O resveratrol é, portanto, uma fitoalexina sintetizada na uva, precisamente na pele da uva, que
quando exposta a estresse causado por fatores como infecção e radiação ultravioleta pode au-
mentar sua concentração, beneficiando as características funcionais (PEREIRA-JÚNIOR et al., 2013.
POLONIO et al., 2014). Os vinhos brasileiros possuem em sua composição elevados níveis de res-
veratrol, assim como os sucos de uva (LIMA et al., 2014. PEREIRA JÚNIOR et al., 2013). A produção
dessas bebidas na Região Nordeste do Brasil tem sido beneficiada nutricionalmente pelos aspectos
climáticos da região, com altas concentrações de resveratrol e duas safras ao ano, aumentando a
comercialização desses produtos nessa região (LIMA et al., 2014).
Aproximadamente 72 espécies de plantas distribuídas por 31 gêneros e 12 famílias são capazes de
sintetizar resveratrol (TOSUN; INKAYA, 2010). Dentre essas temos o amendoim (Arachis hypogacea),

90
o eucalipto (Eucalyptus wandoo) e a uva (Vitis vinífera e Vitis labrusca) (LANGCAKE; PRYCE, 1976.
Pieszka et al., 2016). Além desses existem concentrações baixas de transresveratrol presente em
alimentos do nosso cotidiano como: mirtilo, uvas de outras espécies, cacau, chocolates, morango,
amendoins torrados, chocolate, e vinho tinto e branco (PIESZKA et al., 2016). As concentrações
significativas de resveratrol são encontradas nos vinhos e sucos de uvas brasileiros, porém variam

UNIDADE 04
de acordo com a origem e o tipo da uva, o processo de vinificação ou extração do suco e a infecção
fúngica ocorrente na videira (FREITAS et al., 2010. TRESSERRA-RIMBAU et al., 2015).
Após sua descoberta, em 1940, o resveratrol tem sido alvo de estudos para prevenção e dimi-
nuição na progressão de doenças, incluindo as doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, me-
tabólicas, cancerígenas e aumento da longevidade, por possuir propriedades anti-inflamatórias,
antioxidantes e antifadiga (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).

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Grande parte das reações metabólicas do organismo humano é realizada em meio aeróbio, o
que irremediavelmente leva à geração de inúmeras espécies reativas de oxigênio (EROs). Normal-
mente, as ERO’s são responsáveis por produzirem energia, fagocitose, regular o crescimento celular,
sinalização intercelular e síntese de substâncias de defesa contra infecção. Quando existem muitas
espécies reativas, ocasiona estresse oxidativo e pode gerar danos a moléculas como proteínas, li-
pídios e DNA, afetando a saúde, sendo o resveratrol capaz de reduzir o estresse oxidativo neutra-
lizando as ERO’s (COMINETTI et al., 2017).
No estresse oxidativo, a LDL-c penetra no vaso sanguíneo, sofrendo oxidação por meio das mielo-
peroxidases, lipoxigenases e EROs, que é citotóxica e gera lesões as células endoteliais. Em resposta
à agressão, ocorre a produção de moléculas de adesão intercelular, o que promove adesão dessas
células no vaso. Os receptores de LDL-c oxidada não apresentam resposta ao excesso de colesterol
celular, e isso leva a um acúmulo de gordura (PEREIRA JÚNIOR et al., 2013). Após sofrerem meta-
bolização no intestino delgado, os polifenóis atuam como antioxidantes por alteração da produção
de radicais livres, eliminação de precursores dos radicais livres, quelação de metais e elevação de
antioxidantes endógenos (GU et al., 2015).
Como agente anti-inflamatório o resveratrol tem a função de diminuir o estresse oxidativo e
atenuar a inflamação. No estudo de Chang et al. (2015), ratos induzidos a aterosclerose, foram
suplementados com resveratrol havendo redução dos níveis de LDL-c e supressão da inflamação
aterosclerótica. Também foram encontrados efeitos anti-aterogênico e antiinflamatório significa-
tivo em coelhos suplementados com resveratrol, tal função é atribuída à inibição da atividade da
esfingosina quinase e regulação negativa da expressão de interleucina-1 (IL-1) e fator de necrose
tumoral α (TNF- α).
O resveratrol tem mostrado também inibir a liberação de citocinas, diminuindo a infriltração de
macrófagos, evindeciado por diminuição de interleucina-6 (IL-6) e citoquinas reduzindo a expres-
são inflamatória em resposta (CHANG et al., 2015). Sendo assim, os dados na literatura indicam a
grande importância do resveratrol no combate a várias doenças. Por ser um composto fenólico com
atuações funcionais como agente antioxidante, anti-inflamatório e antifadiga, tem sido aplicado em
várias doenças, desempenhando efeito positivo na prevenção e no tratamento de desordens me-
tabólicas e degenerativas. Com uma dose usual de 15 a 20 mg por dia em forma de cápsula, 250

91
mL de suco ou vinho tinto, ou ainda, o consumo de uvas roxas, mirtilo, cacau, entre outras, o res-
veratrol produz benefícios significativos à saúde. Apesar da grande quantidade de resultados, ainda
são necessária muitas pesquisas para elucidar a apresentação e a dosagem na suplementação do
resveratrol como formulação fitoquímica no organismo humano, uma vez que a maioria dos estu-
dos possui suplementação diferente. Mais estudos devem ser desenvolvidos usando os modelos,

UNIDADE 04
celular e animal, antes que venham a ser aplicados ao uso humano (COMINETTI et al., 2017. LARA;
NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).

8. POLIMORFISMOS E RELAÇÃO COM DCNT

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Alguns polimorfismos têm relação importante com DCNT ou com fatores de risco para tais do-
enças, como o SNP, relacionado ao metabolismo lipídico, com associações importantes com o risco
para desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV). Todavia, é importante ressaltar que o
metabolismo lipídico é complexo e influenciado por dezenas de genes e centenas de polimorfismos.
Um dos principais fatores ambientais associados ao perfil lipídico e, portanto, às interações des-
te com variações genéticas, é a alimentação. Os pesquisadores verificaram que mulheres da coor-
te Framingham Offspring carreadoras do alelo A apresentaram maiores concentrações de HDL-c
quando houve consumo de AGPI classificado como elevado (> 8% em relação ao valor energético
total [VET] da dieta). No entanto, quando o consumo de AGPI foi considerado baixo (< 4% do VET),
as carreadoras do genótipo homozigoto selvagem (GG) apresentaram concentrações de HDL-c 14%
maiores em relação às carreadoras do alelo de risco A. O estudo sugeriu que, para cada aumento
de 1% no consumo de AGPI em relação ao VET, as concentrações de HDL-c aumentaram em 1,78
mg/dL nas carreadoras do alelo A. Na amostra de homens, entretanto, a interação do genótipo com
o consumo de AGPI foi significativa apenas quando as variáveis consumo de bebidas alcoólicas e
tabagismo foram incluídas no modelo de análise (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018.
CHANG et al., 2015).
Outro exemplo de DCNT influenciada por aspectos genéticos é a obesidade comum poligênica.
Dentre os diversos genes associados à obesidade, destacam-se LEP e LEPR, UCP2 e UCP3, PPARG,
POMC, NPY, ADRB2 e ADRB3, os quais codificam proteínas fortemente relacionadas com a regulação
do peso corporal em diversos graus, como leptina e seu receptor, proteínas desacopladoras, PPAR-γ,
pró-opiomelanocortina, neuropeptídio Y e receptores beta-adrenérgicos. Todavia, atualmente os
genes que apresentam as associações mais fortes com a obesidade são o fat mass and obesity-as-
sociated (FTO) e o melanocortin 4 receptor ou receptor de melanocortina 4 (MC4R) (COMINETTI
et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Pesquisadores do Wellcome Trust Case Control Consortium realizaram um estudo de associação
do genoma amplo (GWAS, Genome-Wide Association Study) no qual observaram associação do FTO
com o diabetes melito tipo 2 (DM2). No GWAS, foram selecionados cerca 1.900 indivíduos ingleses
com DM2 e pouco mais de 2.900 indivíduos sem a doença (controles), bem como foram avaliados
cerca de 490 mil SNP, na busca por variações genéticas relacionadas ao DM2. O gene FTO e alguns

92
de seus polimorfismos foram fortemente associados à presença da doença, destacando-se o SNP
rs9939609. Essa associação foi replicada em outros 3.757 pacientes com DM2 e 5.346 controles
(LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
Nos adultos, a presença do alelo variante A foi positivamente correlacionada a maior risco de
sobrepeso e de obesidade em indivíduos de todas as faixas etárias e de ambos os sexos. A variação

UNIDADE 04
do IMC explicada pelo SNP rs9939609 foi de cerca de 1%, e os riscos de obesidade e sobrepeso fo-
ram, respectivamente, 20,4 e 12,7% maiores nos carreadores do alelo variante. O mesmo padrão
de risco aumentado para sobrepeso e obesidade foi observado entre as crianças carreadoras do
alelo de risco a partir dos 7 anos de idade (LARA; NATACCI, 2018. COMINETTI et al., 2017).
Em estudo posterior sobre o SNP FTO rs9939609 e os riscos de sobrepeso e obesidade, veri-
ficou-se que a presença do genótipo de risco (AA) foi associada às concentrações plasmáticas de

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grelina, conhecida como o “hormônio da fome”. Quando comparados com carreadores do genó-
tipo TT, homens de ascendência europeia mista com genótipo AA apresentaram menor redução
pós-prandial da concentração plasmática desse hormônio e da sensação de fome. Em crianças,
também foi observada sensação de saciedade reduzida na presença do alelo A e hiperfagia mesmo
após a refeição (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Outro estudo com crianças verificou que a presença do genótipo de risco AA em relação ao SNP
FTO rs9939609 foi associada à obesidade precoce em razão do excesso de consumo de alimentos,
o que foi atribuído à capacidade prejudicada de resposta aos sinais internos de saciedade, e não
ao gasto energético reduzido (COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).
Além do FTO, outro gene que tem sido fortemente associado à obesidade poligênica é o MC4R,
o qual codifica um receptor acoplado à proteína G de mesmo nome, ao qual o hormônio alfa es-
timulador de melanócito (α-MSH) se liga para regular diversas funções, dentre elas a ingestão ali-
mentar e o metabolismo. Agonistas do MC4R promovem saciedade, gasto de energia e redução
de peso, ao passo que seus antagonistas geram resultados opostos (COMINETTI et al., 2017. LARA;
NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).
Ao analisar 5.724 mulheres que participaram do estudo de coorte The Nurses’ Health Study, das
quais 1.533 tinham DM2, verificou-se que o alelo variante foi associado à ingestão elevada de energia,
lipídios e proteínas, mesmo após ajuste para variáveis de confusão. Ainda houve associação signifi-
cativa do SNP com maiores valores de IMC e risco 14% maior de desenvolvimento de DM2 por alelo
variante. A associação do SNP rs17782313 com o DM2 foi posteriormente confirmada em outra me-
tanálise que incluiu 19 estudos com 34.195 casos e 89.178 controles de origens europeia e asiática,
mesmo após ajuste pelo IMC (COMINETTI et al., 2017. LARA; NATACCI, 2018. CHANG et al., 2015).
O DM2 também é considerado uma doença poligênica e multifatorial. O metabolismo da insuli-
na nas células beta pancreáticas depende de zinco, pois esse metal atua diretamente sobre as vias
intracelulares dos receptores de insulina. Mais de 20 proteínas coordenam o transporte transmem-
brana do zinco e auxiliam a homeostase sistêmica e celular desse mineral. Sugere-se que polimor-
fismos nos genes que codificam os transportadores de zinco, bem como o estado nutricional do
indivíduo em relação a esse mineral, influenciam a patogênese do DM2 (COMINETTI et al., 2017.
COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

93
O conhecimento desses mecanismos de acordo com a constituição genética individual contri-
bui para que as recomendações nutricionais evoluam para recomendações com base em diferen-
ças individuais de maneira mais ampla. Espera-se que a identificação de interações relevantes de
alimentação e genes não apenas beneficie indivíduos que buscam orientações nutricionais perso-
nalizadas, mas também ajude a refinar as recomendações em nível de saúde pública, por meio de

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evidências científicas sólidas relacionando a alimentação com desfechos de saúde (COMINETTI et
al., 2017. COMINETTI et al., 2020. LARA; NATACCI, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O Processo inflamatório e o estresse oxidativo são evidenciados e relacionados ao início e à pro-
gressão de uma série de doenças de desenvolvimento crônico. Diversos CBA, principalmente os
polifenóis, parecem modular de maneira positiva a via de sinalização do Nrf2, atenuando o estresse
oxidativo e, de maneira negativa, a via de sinalização do NF‐kB, reduzindo o processo inflamatório.
Ademais, os estudos sobre a relação entre a ação de miR e alimentação/saúde/doença estão no
início, sendo necessários mais ensaios controlados sobre as ações também de outros marcadores. É
preciso considerar as interações entre os diversos compostos da alimentação e a sua transformação
pela microbiota intestinal, o que pode resultar na produção e absorção de novas moléculas bioativas
diferentes daquelas que existem nos alimentos (COMINETTI et al., 2017. COMINETTI et al., 2020).

ANOTAÇÕES

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