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CONTEMPORÂNEAS
EAD
DIRIGENTES FICHA TÉCNICA
| PRESIDÊNCIA | AUTORA
Prof. Dr. Clèmerson Merlin Clève Prof. Me. Laura Bittencourt Silva
| ORGANIZAÇÃO
NEAD (Núcleo de Educação a Distância) -
UniBrasil
EAD
EDIÇÃO: OUTUBRO/2022
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................100
REFERÊNCIAS.....................................................................................102
UNIDADE
01
HUMANIDADE:
O NOSSO
CAMINHAR
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 01
temporâneos com a abordagem de temas variados, visando à quebra de paradigmas por meio de
exposição crítica e reflexiva pautada pela equidade.
Ao abordar alguns períodos históricos da humanidade, almeja-se que cada aluno consiga rever
seus próprios padrões de pensamento e analisar quais padrões sociais atuais merecem ser repen-
sados e modificados.
Nesta primeira Unidade, será abordada também uma breve história da economia moderna,
1. PANORAMA HISTÓRICO
Da Pré-História até a atualidade, o homem e a sociedade passaram por diversas modificações.
Muitas evoluções, porém, variadas vezes, ocorreram por conta de retrocessos.
Qualquer história que se preze não é constituída apenas por uma evolução crescente, vitórias e
conquistas; há altos, baixos, saltos de avanço e declínios.
A História segmenta a evolução da humanidade em alguns períodos nos quais é possível notar
um momento de ruptura, quando ocorre a passagem para uma nova idade e, com ela, surgem
novos desafios, perspectivas, anseios, tecnologias, ideias, estilos de vida e por aí vai.
6
São ao todo cinco Eras Históricas, conforme apresenta a linha do tempo a seguir:
UNIDADE 01
Comparando essa linha do tempo com algumas das principais invenções da humanidade, fica
nítida a mudança das necessidades inerentes ao homem ao longo das Eras. Observe:
Se antes eram feitas descobertas – como o fogo –, hoje a maior parte são invenções (criações
que envolvem uma criação/construção) e inovações de invenções (melhoramentos/modificações
de invenções já existentes).
Analisemos o caso da roda, que de rudimentar passou a ser altamente tecnológica, transitando
por diversificados materiais e características ao longo do tempo. Ora, a roda dos carros é distinta
das rodas de bicicletas e tratores em suas características e necessidades, cada uma com suas tec-
nologias e adaptações de uma criação pré-histórica – que segue inalterada em sua essência.
Outro possível exemplo são os celulares, que inovaram com relação aos telefones, e seguem se
modificando desenfreadamente no mercado com novas especificações, funcionalidades, modelos,
tamanhos etc., incontáveis pequenas e grandes inovações a partir de uma invenção.
7
SAIBA MAIS
No Brasil, a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, regula os direitos e obrigações relativos à pro-
priedade industrial, que envolve também o registro de marcas e patentes.
UNIDADE 01
Interessante mencionar os três requisitos para que uma invenção seja patenteável, constantes do
artigo 8º da Lei nº 9.279/96:
» Ser novidade;
» Fruto de atividade inventiva;
Inicialmente a busca era pelo necessário e funcional; hoje há inúmeros outros anseios que mo-
vem as inovações, invenções e descobertas da humanidade – inclusive a economia e o mercado.
Os próximos dois itens objetivam apresentar um breve panorama histórico geral das três
Eras mais recentes da humanidade, quais sejam: a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade
Contemporânea.
A finalidade desses itens é contextualizar historicamente em que pés andava – e agora anda – a
humanidade nesses períodos, que serão discutidos com mais profundidade posteriormente, em
diversas temáticas abordadas nesta disciplina, servindo de apoio para que não seja necessário
esse retorno histórico a todo momento, pois daqui já sairá o gancho para nossos objetos.
Por vezes, ao analisarmos um objeto específico, não nos damos conta da complexidade his-
tórica abarcada por seu contexto. Ao realizar essa análise de objeto isolada, o que se tem é ape-
nas uma rasa parcela de sua magnitude. Compreender o momento histórico do objeto auxilia a
responder a muitas outras perguntas que, deslocadas dessa visão global, acabam surgindo e por
vezes nos confundindo.
Uma última razão é aproximar fatos históricos que podem parecer já distantes de nossa realida-
de ou esquecidos em nossa memória, mas que ainda impactam no presente de uma forma ou de
outra, além de mostrar como tudo está interligado em nível global.
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Uma das principais características do período é a descentralização do poder, marcado pelo sis-
tema feudal ou feudalismo. O feudo contava com estrutura social estamental baseada na servidão
e na relação de posse da terra concedida pelo suserano (senhor) aos servos. A terra era cultivada
voltada à agricultura de subsistência.
O sistema corriqueiramente adotado para a realização de negócios era o escambo, consistente
UNIDADE 01
na permuta de produtos, sendo as moedas adotadas apenas no final do período.
SAIBA MAIS
Os tribunais de Inquisição compunham o corpo jurídico da Igreja Católica Romana. Exerciam po-
O sistema feudal vê seu declínio com o aumento das cidades e com a reorganização das relações
comerciais, que foram facilitadas pela organização e adoção do sistema monetário, contribuindo
para o desuso gradual das práticas de escambo que já não eram mais tão funcionais, em razão da
pouca praticidade de transporte e negociação.
A estrutura feudal não mais se sustentava e uma nova Idade tem início, como veremos no item 1.2.
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Nesse período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, ocorreu, em “meados do
século XIV até o final do século XVI [não havendo consenso científico acerca de marcos de início
e fim]” (BYINGTON, 2009, p. 7), o movimento artístico-cultural que ficou conhecido como Renas-
cimento (Renascença ou Renascentismo), merecedor de um subitem específico, em razão de sua
importância histórica e para nossos estudos nesta disciplina.
UNIDADE 01
1.1.1 RENASCIMENTO
O termo que cunha o período vem da ideia de resgate defendida pelo movimento homônimo,
referindo-se:
O período também é marcado pelo crescimento econômico, que colaborou com o desenvolvi-
mento urbano, social, e naval – este culminando na expansão territorial e projetos de colonização
por meio das “Grandes Navegações”.
Houve quem conseguisse ascensão social em razão do acúmulo de capital, o que levou ao sur-
gimento de uma nova classe social: a burguesia.
10
Renomados artistas fizeram parte do movimento renascentista, como Leonardo da Vinci (um
polímata, ou, como chamamos hoje em dia, “multipotencial”1 que pintou e esboçou variadas
obras, como a “Mona Lisa” e o “Homem Vitruviano”) e Michelangelo (responsável, entre outras
obras, pelos afrescos da Capela Sistina, no Vaticano, e pela escultura “Davi”), bem como escritores,
por exemplo, Dante Alighieri, autor do livro “A Divina Comédia”.
UNIDADE 01
Representação do “Homem Vitruviano”, de-
senho realizado por Leonardo da Vinci, que
1 Pessoa capaz de atuar em diversos âmbitos não necessariamente correlatos. Um exemplo foi Leonardo da
Vinci, considerado um gênio. Da Vinci desenvolveu, entre outras habilidades, atividades como anatomista, engenhei-
ro, escultor, inventor, matemático e pintor.
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UNIDADE 01
Detalhe de um dos afrescos de Michelangelo
na Capela Sistina, no Vaticano, denominado
“Juízo Final”.
2 “Como base ideológica do Estado Absolutista ainda persistia a Teoria do Direito Divino dos Reis sendo a mais
destacada na Europa. Baseada na crença de que o monarca deveria reinar por ser um representante de Deus na terra,
colocava aqueles que eram contra o rei em oposição direta ao poder divino. As teocracias europeias seculares afirma-
vam, desta forma, que o poder do rei somente poderia ser julgado por Deus” (ARAÚJO, 2016, p. 27).
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É característica marcante do período a vantajosa aliança entre reis e burguesia, que garantia
poder a ambos e viabilizava grande desenvolvimento aos Estados Nacionais, além de financiar os-
tentação e luxo, inclusive por meio da pintura de obras de arte – ter um autorretrato pintado era
sinônimo de status àquela época; havia quem tivesse seu “pintor oficial” ou “retratista”.
Saes e Saes (2013) abordam a expansão realizada pelas Grandes Navegações, ora mencionadas,
UNIDADE 01
e que foram possíveis em razão de investimento pecuniário burguês – que também permitiu a
criação dos Exércitos Nacionais para o fortalecimento do Estado:
Os mesmos autores apontam que essa expansão marítimo-comercial ocorreu também em ra-
zão da busca por ouro:
LEITURA
Livro: “O Mercador de Veneza”, obra de William Shakespeare escrita por volta de 1596, que re-
trata o comércio veneziano e apresenta discussões relevantes que permanecem atuais, como
preconceito, discriminação e intolerância.
É nessa peça que se encontra a célebre passagem do julgamento entre os personagens do mer-
cador (cristão, nobre e influente) e do agiota (judeu e avarento), respectivamente, Antônio e
Shylock. Disponível em: http://bit.ly/2OVNpy7. Acesso em: 13 fev. 2020.
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O cenário comercial sofreu alterações ao longo dos anos e a Holanda passou a ganhar destaque
por meio da Companhia das Índias Orientais:
UNIDADE 01
EXPANSÃO MARÍTIMA E COMERCIAL, NO SÉCULO XVII, HOLANDA, INGLATERRA
E FRANÇA OFUSCARAM O PAPEL EXERCIDO PELAS POTÊNCIAS IBÉRICAS. A
EXPANSÃO HOLANDESA SE FEZ PRINCIPALMENTE POR MEIO DE GRANDES COM-
PANHIAS COMERCIAIS. A MAIS IMPORTANTE DELAS – A COMPANHIA DAS ÍNDIAS
ORIENTAIS, FUNDADA EM 1602 – CONCENTROU O MONOPÓLIO DO COMÉRCIO
COM A ÍNDIA. MAIS DO QUE UMA EMPRESA, A COMPANHIA TINHA SUA PRÓPRIA
MOEDA, SEU PRÓPRIO EXÉRCITO, CONSTRUÍA CIDADES E FORTALEZAS. [...] NO
ENTANTO, NO FINAL DO SÉCULO, A HOLANDA PASSOU A SENTIR A RIVALIDADE DE
SAIBA MAIS
Associada ao auge do comércio holandês à época, entre 1636 e 1637, ocorreu a primeira “bolha
financeira” da história.
FIGURA 3 - PLANTAÇÃO DE TULIPAS
Encantados com as tulipas, houve aumento na produção dessa então nova e rara flor na Holanda.
O cultivo era demorado, o que intrigava as pessoas e aumentava seu valor.
O processo moroso levou à realização de contratos de promessa de compra e venda para o final de
cada temporada anual de colheita de tulipas florescidas, o que movimentou a bolsa de valores holan-
desa, pois muitas pessoas começaram a vislumbrar o lucro que poderiam obter na revenda das tulipas.
A bolha “estourou” quando um desses contratos não foi cumprido, levando à queda vertiginosa
no valor das tulipas e na segurança desse “investimento”.
14
Nesse mesmo período, entre os séculos XVII e XVIII (terminando em 1789), surge o movimento
racionalista que ficou conhecido como Iluminismo. Seu auge foi na França, mas há representantes
do movimento por quase toda Europa e também na América. Araújo (2016, p. 33) destaca o que
essa corrente e seus diversos representantes tinham em comum: a “valorização da razão como
método para alcançar a verdade, renegando a tradição e a verdade revelada”. E complementa:
UNIDADE 01
SOB O PONTO DE VISTA SOCIOPOLÍTICO UNE OS ILUMINISTAS A CRÍTICA GENE-
RALIZADA AO ANTIGO REGIME E SUAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS,
SOCIAIS E CULTURAIS. EM MAIOR OU MENOR GRAU – ÀS VEZES APENAS A IRONIA, O
SARCASMO –, ELES DESMERECEM A MONARQUIA ABSOLUTISTA, A LÓGICA INTER-
VENCIONISTA-MONOPOLISTA DO MERCANTILISMO3, O MONOLITISMO ESTANQUE DA
SOCIEDADE ESTAMENTAL E O PREDOMÍNIO CULTURAL DO CLERO, CONSIDERADO
Dentre os Iluministas, é válido mencionar alguns estudados até hoje, como: Adam Smith, Mon-
tesquieu, Jean Jacques Rousseau, Augusto Comte, John Locke e Cesare Beccaria (ARAÚJO, 2016).
As ideias iluministas passaram a ser adotadas com o intuito de defender o absolutismo, mas
objetivando, conjuntamente, a modernização desses reinos, no que ficou conhecido como “des-
potismo esclarecido”.
O cenário comercial sofreu mais alterações e a Inglaterra foi ganhando notoriedade – também
graças à sua adesão ao despotismo esclarecido (e vice-versa, tendo em vista que os déspotas
esclarecidos passaram a ser vistos com bons olhos em razão do sucesso econômico inglês). Isso
ocasionou grande avanço industrial em seu território, que obtinha destaque graças ao desenvolvi-
mento da manufatura praticada em larga escala para os padrões da época, além do facilitado aces-
so ao ferro, ao carvão e à lã, essenciais às tecnologias e necessidades da época (ARAÚJO, 2016).
Passam a surgir alguns problemas, como as condições de trabalho e garantias trabalhistas que
não eram satisfatórias, sendo por vezes desfavoráveis aos operários, com salários decrescentes e
jornadas de trabalho diárias extenuantes. Isso, aliado a “uma explosão demográfica e uma urba-
nização sem precedentes, fruto direto da instalação de indústrias nas grandes cidades do país”
(ARAÚJO, 2016, p. 79), abriu caminho à 1ª Revolução Industrial – entre 1760 e 1850, ou seja, no
período de transição entre as Idades Moderna e Contemporânea.
Também nesse período ocorre o processo de independência dos Estados Unidos da América,
finalizado em 1783 e, desde então, celebrado todo dia 04 de julho pelos norte-americanos. Re-
presentou o enfraquecimento e fim da ideia do Estado Absolutista e desencadeou o anseio pela
independência de cada vez mais colônias ao redor do mundo.
3 O mercantilismo será abordado no item 2 desta Unidade, que trata da questão econômica.
15
Na França, por sua vez, a independência dos Estados Unidos “expôs a contradição de uma Fran-
ça absolutista em um movimento liberal [influenciada pelos Iluministas], além de proporcionar
uma posterior reaproximação com a rival Inglaterra” (ARAÚJO, 2016, p. 38).
É nesse entremeio que se dá a Revolução Francesa, sendo que, com a Queda da Bastilha, fica
marcada a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea.
UNIDADE 01
SAIBA MAIS
No 14 Juillet (14 de Julho) é comemorada a Festa Nacional Francesa ou Dia da Bastilha, feriado
nacional francês que marca a Queda da Bastilha, em 1789, quando as camadas mais populares
passaram a participar da Revolução Francesa.
16
1.3 IDADE CONTEMPORÂNEA (1789-)
Em meio a esse conturbado período de mudanças sociais, políticas, econômicas e comerciais,
com novas tecnologias que aumentavam a capacidade produtiva dos Estados, ocorre a derradeira
passagem da Idade Moderna à Idade Contemporânea, que perdura até hoje. A Queda da Bastilha
UNIDADE 01
se tornou o marco transitivo entre as referidas Eras Históricas, em virtude da grande quebra de
paradigmas que o evento representou.
A França passava por um déficit estatal e, para tentar revertê-lo, foi sugerida pelo controlador-
-geral das finanças do Estado a taxação do clero e da nobreza. Vislumbrando a possibilidade de
essa reforma ser realizada, tem início a Revolução Francesa:
A invasão da Bastilha em busca de armas para a Guarda Nacional é o que ficou conhecido por
Tomada ou Queda da Bastilha e, junto dela, ruiu o despotismo. Esse conjunto representou liberta-
ção aos franceses e ao mundo (ARAÚJO, 2016).
A Revolução Francesa termina em 1799, com a tomada de poder, por meio de golpe de Estado
de Napoleão Bonaparte, cujo governo dura até o ano de 1815. Denominado por alguns de Era
Napoleônica, o período de governo de Napoleão Bonaparte foi:
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No século XIX, o Imperialismo marca o início da contemporaneidade:
UNIDADE 01
DIRETO (COLÔNIA/PROTETORADO) OU MESMO DE RELAÇÕES ECONÔMICAS ASSI-
MÉTRICAS (ÁREAS DE INFLUÊNCIA). [...] CECIL RHODES [FOI] UM DOS MAIORES
IDEÓLOGOS DA CONQUISTA ULTRAMARINA PELO IMPÉRIO BRITÂNICO, [EVIDEN-
CIANDO] COMO PENSAVAM OS GESTORES DA POLÍTICA EXTERNA EUROPEIA DO
FINAL DO SÉCULO XIX.
(ARAÚJO, 2016, p. 85)
18
Em se tratando da segregação, ela não foi praticada apenas dentro dos conhecidos campos de
concentração e extermínio. Houve também a criação do que ficou conhecido como “guetos”, bair-
ros ou regiões isoladas dentro das cidades para a segregação dos judeus do restante da população.
Mas a prática segregacionista não ficou restrita à Europa, nem ao contexto da Guerra. Antes, duran-
te e até mesmo após o término da 2ª Guerra Mundial, houve também segregação racial nos Estados
UNIDADE 01
Unidos (com atos de violência praticados desde o século XIX pela Ku Klux Klan, bem como por leis e
convenções sociais vigentes até a década de 1970) e pelo apartheid na África do Sul, entre 1948 e 1994.
LEITURA
De 1947 até 1991 (com a queda do muro de Berlim), ocorre o que ficou conhecido como Guerra
Fria, período marcado pela polarizada tensão entre soviéticos e estadunidenses e suas distintas
ideologias – o comunismo e o capitalismo, respectivamente (ARAÚJO, 2016).
Nesse ínterim, a América Latina é assolada por Regimes Militares que visam “combater a ame-
aça comunista” e acabam praticando graves violações de direitos humanos diuturnamente, na
contramão da nova visão de mundo pós-2ª Guerra Mundial, quando foram criadas a Organização
das Nações Unidas e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
O golpe civil-militar brasileiro, ocorrido em 1º de abril de 1964, perdurou até 1985, quando Tan-
credo Neves foi eleito Presidente por meio de eleições indiretas. O período foi marcado por Atos
Institucionais, censura, cassações políticas, prisões arbitrárias e exílios, além das graves violações de
direitos humanos. Nesse momento surgem diversos movimentos sociais de apoio a minorias no país.
Os anos 2000 são marcados por atentados terroristas, como o ocorrido no fatídico 11 de se-
tembro de 2001, nos Estados Unidos, e que deram causa a diversos conflitos, principalmente no
Oriente Médio, como o caso da Guerra do Iraque.
Também são marcas do século XXI crises econômicas e aquecimento global, ocorrendo grandes
desastres naturais e ambientais.
Os desastres ambientais ou ecológicos são aqueles que ocorrem em decorrência de atividade
humana. Um exemplo recente envolveu o rompimento da barragem de Brumadinho, no interior
de Minas Gerais, causando impacto no ecossistema da região e mortes.
Já os desastres naturais ocorrem independentemente da vontade ou atividade humana, como o
caso de terremotos e tsunamis. Um exemplo é o terremoto ocorrido no Haiti em 2010, que deu iní-
cio às migrações haitianas, inclusive em direção ao Brasil – mais uma marca do século XXI: migrações.
19
REFLITA
Compreendidas as mudanças no decorrer das Eras Históricas, é interessante apresentar esta linha
do tempo da agricultura:
UNIDADE 01
FIGURA 4 - LINHA DO TEMPO DA AGRICULTURA
Diante de tudo que vimos até agora, quais os aspectos que mais saltam a seus olhos na linha do
tempo acima?
Além desses aspectos que você notou, reflita sobre:
» A quantidade e a qualidade dos cultivos;
» O espaço das áreas cultivadas e o tamanho da área cultivada por uma pessoa sozinha;
» O número de culturas disponíveis em uma região;
» A tecnologia desenvolvida e empreendida com o passar dos anos.
2. A QUESTÃO ECONÔMICA
Economia: do grego oikonomos, como ensina Mankiw (2019, p. 3), “pode ser entendida como
‘aquele que administra um lar’”, e essa é uma analogia extremamente válida. Ora, quem admi-
nistra o lar, tal qual uma sociedade, necessita tomar muitas decisões. Se no primeiro caso, por
exemplo, são divididas as tarefas do lar entre os membros da família, no segundo caso devem ser
definidas quais as tarefas necessárias àquela sociedade e quem as executará – não sendo essa
divisão realizada apenas por um único planejador central, mas por todos. Desse modo, “Uma vez
20
que a sociedade tiver alocado as pessoas (assim como terras, prédios e máquinas) para realizar
diversas tarefas, deverá também alocar os bens e serviços que as pessoas produzem” (MANKIW,
2019, p. 3). Isso se chama “gestão de recursos” e é primordial em razão da escassez de recursos.
Mas, afinal, o que é economia? Mankiw (2019, p. 4) a define como o “estudo de como a socie-
dade administra seus recursos escassos”, sendo a função dos economistas estudar:
UNIDADE 01
COMO AS PESSOAS TOMAM DECISÕES: QUANTO TRABALHAM, O QUE COMPRAM,
QUANTO POUPAM E COMO INVESTEM SUAS ECONOMIAS. ESTUDAM TAMBÉM COMO
AS PESSOAS INTERAGEM UMAS COM AS OUTRAS. [...] POR FIM, OS ECONOMISTAS
ANALISAM AS FORÇAS E AS TENDÊNCIAS QUE AFETAM A ECONOMIA COMO UM TODO.
(MANKIW, 2019, p. 4)
O mercado é avaliado, estudado e discutido pela economia e, assim como ela, passou por diver-
sas mudanças no decorrer de sua história.
LEITURA
Para entender de mercado, é necessário entender de economia, e, para
melhor compreender isso tudo, a leitura extra de alguns materiais é pri-
mordial. Assim, recomendamos a leitura de: MANKIW, N. G. Introdução
à Economia. 8. ed. São Paulo: Cengage, 2019. Além de: SAES, F. A. M.
de; SAES, A. M., A. História Econômica Geral. São Paulo: Saraiva, 2013.
Destacamos:
» C
omo leitura básica: capítulos 1 e 4 de Mankiw (2019), respectivamente
sobre economia e mercado, bastante didáticos;
» C
omo leitura complementar (ou básica, caso você tenha elevado interes-
se pela temática): as três primeiras partes, de Saes e Saes (2013), sobre:
história econômica como disciplina acadêmica; fundamentos teóricos e
metodológicos; e objeto e método da história econômica geral. Essas três
partes lhe fornecerão aporte histórico de relevância e indicarão impor-
tantes nomes a quem você poderá recorrer para orientar seus estudos
nessa área, pois é apresentada uma atualizada e completa revisão biblio-
gráfica do estado da arte da História Econômica.
Os dois livros podem ser acessados na Biblioteca Virtual do UniBrasil.
21
Saes e Saes (2013) apontam como e quando a Economia passou a ser vista como ciência, apre-
sentando sintética e cronologicamente nomes de destaque para os estudos realizados nesse campo:
UNIDADE 01
PUBLICAÇÃO, EM 1776, DE A RIQUEZA DAS NAÇÕES, DE ADAM SMITH. NO SÉCU-
LO XIX, UMA VASTA PRODUÇÃO DE ESTUDOS DA ENTÃO CHAMADA ECONOMIA
POLÍTICA CONSOLIDOU-A COMO UMA DISCIPLINA SOCIALMENTE RECONHECIDA:
THOMAS MALTHUS, DAVID RICARDO, JEAN BAPTISTE SAY, JOHN STUART MILL
SÃO ALGUNS DOS CHAMADOS ECONOMISTAS CLÁSSICOS AOS QUAIS SE AGRE-
GA, EM VERTENTE DISTINTA, CRÍTICA, KARL MARX. A PARTIR DE 1870, HOUVE
UMA MUDANÇA SUBSTANCIAL NO PENSAMENTO ECONÔMICO DOMINANTE: A
CHAMADA REVOLUÇÃO MARGINALISTA ALTEROU O FOCO DA ANÁLISE ECONÔ-
22
O mercantilismo estava associado à ideia de política econômica – não constituindo mero sis-
tema econômico –, tomando como base uma lógica intervencionista-monopolista que objetivava
promover a primitiva acumulação de capitais (SAES; SAES, 2013; ARAÚJO, 2016).
Por meio do intercâmbio proporcionado pelas grandes navegações, o mundo começou a se
abrir para o comércio que, durante o mercantilismo, constituía atividade:
UNIDADE 01
REGULADA PELA FORÇA MILITAR EM BENEFÍCIO DO PODER DOMINANTE. OS
DEFENSORES INTELECTUAIS DO SISTEMA PODERIAM JUSTIFICAR ESSA LÓGICA
ECONÔMICA EXPLORADORA ARGUMENTANDO QUE OS DOMINADORES UTILIZA-
VAM PARTE DAS RIQUEZAS ACUMULADAS PARA PROTEGER OS SUBJUGADOS, E
QUE MUITOS NAS COLÔNIAS, DE FATO, APRECIAVAM A PROTEÇÃO. [HOUVE QUEM
23
Araújo (2016, p. 29) sintetiza as seis principais práticas adotadas individualmente pelos Estados
no mercantilismo a fim de obter para si recursos e riquezas:
UNIDADE 01
DADE DE OURO E PRATA POSSÍVEIS.
• PROTECIONISMO ALFANDEGÁRIO: COM O OBJETIVO DE DESESTIMULAR AS
IMPORTAÇÕES, OS ESTADOS MODERNOS AUMENTAM A TARIFA ALFANDEGÁ-
RIA PARA PRODUTOS ESTRANGEIROS.
• COLONIALISMO: BUSCA POR TERRITÓRIOS NO ULTRAMAR.
• EXCLUSIVO (OU TAMBÉM PACTO) COLONIAL: QUANDO A ECONOMIA DE UMA
COLÔNIA ESTÁ SUBMETIDA AOS INTERESSES DA METRÓPOLE.
Ocorre que o sistema começa a não mais se sustentar com o passar dos anos, principalmente
por não acompanhar o novo estilo de vida que se inicia com as inovações tecnológicas do século
XVIII. É o que apresenta Frieden (2008, p. 19):
24
Esse desenvolvimento faz surgir nos fabricantes britânicos o anseio pela eliminação das barrei-
ras comerciais, permitindo que estrangeiros também vendessem à Grã-Bretanha. Frieden (2006,
p. 19) expõe a lógica dos fabricantes:
UNIDADE 01
OS FABRICANTES DA NAÇÃO PODERIAM REDUZIR SEUS CUSTOS DE FORMA
DIRETA, COMPRANDO MATÉRIAS-PRIMAS A PREÇOS MAIS BAIXOS, E INDIRETA,
UMA VEZ QUE A IMPORTAÇÃO DE COMIDA BARATA PERMITIA QUE OS DONOS
DAS FÁBRICAS PAGASSEM SALÁRIOS MENORES SEM QUE HOUVESSE UMA
REDUÇÃO NO PADRÃO DE VIDA DOS EMPREGADOS. AO MESMO TEMPO, SE OS
ESTRANGEIROS GANHASSEM MAIS AO VENDER PARA A GRÃ-BRETANHA, TERIAM
CONDIÇÕES DE COMPRAR MAIS PRODUTOS DO PAÍS. OS INDUSTRIAIS BRITÂ-
NICOS TAMBÉM SE DERAM CONTA DE QUE SE OS ESTRANGEIROS PUDESSEM
Continua >
25
Continuação >
UNIDADE 01
CASOS, A ESTRUTURA CORPORATIVA APARECIA COMO UM OBSTÁCULO À EXPANSÃO
DO PRODUTO (COMO MEIO DE ATINGIR UM MERCADO MAIS AMPLO) E À REDUÇÃO
DOS CUSTOS (COMO MEIO DE ALCANÇAR UM LUCRO MAIS ELEVADO).
As distâncias e os custos foram encurtados com as novas tecnologias, mas essas melhorias trou-
xeram sérias consequências, como destaca Araújo (2016, p. 79):
Araújo (2016) apresenta ainda as consequências sociais dessa nova organização de trabalho e
sistema de mercado, com uma nascente estrutura e divisão social, a de burgueses e proletários
(ou assalariados):
26
Burgueses e proletários passam a compor uma nova estrutura social baseada no poderio eco-
nômico. Ora, aquele que controlava financeiramente quem vendia sua mão de obra (força de tra-
balho) detinha a maior parcela de poder comercial, pois poderia negociar os produtos, definir os
salários e ficar com o lucro (mais-valia). Araújo (2016, p. 79-80) contextualiza:
UNIDADE 01
SERIA MEDIANTE A MAIS-VALIA QUE OS LUCROS PASSAM A SE REALIZAR A PARTIR
DE ENTÃO. O TRABALHADOR, AGORA APENAS UM OPERÁRIO, ERA OBRIGADO A
CONVIVER COM PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE TRABALHO: LONGAS JORNADAS (14 A
18 HORAS POR DIA), BAIXOS SALÁRIOS, FALTA DE SEGURANÇA, EXPLORAÇÃO DO
TRABALHO FEMININO E INFANTIL E DESEMPREGO, QUE DESEMBOCAVAM NA MISÉ-
RIA DOS TRABALHADORES, MORADIAS PRECÁRIAS E EPIDEMIAS CONSTANTES. TAIS
CONDIÇÕES AGRAVAVAM-SE NO CONTEXTO DE CRISES ECONÔMICAS, RECONHECI-
Inicia então o que ficou conhecido como “luta de classes”, quando os operários reagem, de
diversas formas, contra o patronato. São exemplos, estudados por Marx e Engels no “Manifesto
Comunista”, o ludismo, o cartismo e o unionismo (ARAÚJO, 2016).
SAIBA MAIS
Araújo (2016) explica os movimentos da luta de classes abordados por Marx e Engels:
» O ludismo era baseado na quebra das máquinas, quando os trabalhadores invadiam as fábricas à
noite para realizar a quebradeira. A estratégia ficou conhecida como “negociação coletiva através
da arruaça”.
» O cartismo consistia no envio de cartas (chamadas “Cartas do Povo”) peticionando ao Parlamento
inglês por reformas de base, melhores condições de trabalho, questões eleitorais e de representa-
ção, uma variedade de temas visando a uma maior participação política dos trabalhadores.
» O unionismo representava o que hoje conhecemos como associação de trabalhadores. A primeira
articulação foi a criação de “caixas de assistência”, que de ilegais passaram a ser legalizadas pelo
governo e se tornaram os primeiros sindicatos.
Saes e Saes (2013, p. 179) sintetizam comparativamente a evolução que significou a Revolução
Industrial:
Continua >
27
Continuação >
UNIDADE 01
PRÓPRIA NATUREZA DE SUA PRODUÇÃO; PARALELAMENTE, O AUMENTO POPULA-
CIONAL AMPLIOU A DEMANDA POR ALIMENTOS DE MODO A ALTERAR AS FORMAS
TRADICIONAIS DE SUPRIMENTO DESSES BENS. EM SUMA, AO LONGO DO SÉCULO
XIX, O COMÉRCIO INTERNACIONAL SOFREU PROFUNDAS MUDANÇAS TANTO EM
RELAÇÃO ÀS PRINCIPAIS MERCADORIAS QUE O COMPUNHAM COMO EM RELAÇÃO
AOS PAÍSES OU REGIÕES PRODUTORES ENVOLVIDOS NESSE COMÉRCIO.
O Capitalismo Industrial é permeado pelas ideias do liberalismo econômico, tendo Adam Smith
como sua base e principal teórico.
28
Em 1776, Smith publicou o livro “A riqueza das Nações: uma investigação sobre a natureza e as cau-
sas da riqueza das nações”, considerado o primeiro tratado completo sobre economia política. Coin-
cidentemente ou não, como lembra Mankiw (2019), no mesmo ano da Declaração da Independência
dos Estados Unidos, um marco das liberdades. Nesse sentido, o mesmo autor (2019, p. 8) afirma:
UNIDADE 01
OS DOIS DOCUMENTOS COMPARTILHAM UM PONTO DE VISTA PREDOMINANTE NA
ÉPOCA: OS INDIVÍDUOS TOMARÃO MELHORES DECISÕES SE PUDEREM AGIR POR
CONTA PRÓPRIA, SEM A MÃO OPRESSIVA DO GOVERNO PARA CONDUZIR SUAS
AÇÕES. ESSA FILOSOFIA POLÍTICA PROPORCIONA A BASE INTELECTUAL PARA A
ECONOMIA DE MERCADO E, DE MANEIRA MAIS GERAL, PARA A SOCIEDADE LIVRE.
Continua >
29
Continuação >
UNIDADE 01
(MANKIW, 2019, p. 9)
As ideias do liberalismo econômico seguem aplicáveis; algumas delas coexistem com o capi-
talismo financeiro atual, apesar da diminuição dos adeptos quando da Quebra da Bolsa de Nova
Iorque, em 1929. É por isso que o pensamento liberal sobrevive até hoje e o livro escrito por Adam
Smith é considerado um clássico.
Fica claro pelo texto do artigo supracitado quais são as restrições à livre iniciativa em território
nacional. As garantias e restrições ocorrem em razão do reconhecimento de que: “O ser humano,
na concepção capitalista vigente, garante a sua subsistência e a de sua família com o trabalho”
(SIQUEIRA JUNIOR, 2016, p. 139), merecendo esse quesito atenção especial do Estado.
30
Estavam em voga os acordos bilaterais entre os Estados: “como reação à depressão, os gover-
nos procuravam limitar as importações a fim de manter o nível de produção e de emprego dentro
de seus países (ou ao menos evitar sua queda mais acentuada)”, mas também conseguir “promo-
ver a expansão das trocas internacionais” (SAES; SAES, 2013, p. 473, 474).
Após a 2ª Guerra Mundial, já em cenário de globalização, ocorre a 3ª Revolução Industrial, ba-
UNIDADE 01
seada na automação e nos eletrônicos, com novos e variados eletrodomésticos chegando às casas
e, mais adiante, os computadores.
Na década de 1950 ocorre o que ficou conhecido como “Revolução Verde”, um grande salto
tecnológico na questão de sementes, insumos e maquinários agrícolas que ocasiona grande au-
mento na produção de alimentos. No Brasil, essa Revolução ocorreu mais tarde, durante o Regime
Militar (entre as décadas de 1960 e 1970), tendo contribuído para o chamado “milagre econômi-
O autor menciona as novas indústrias surgidas ou mais bem desenvolvidas ainda no período en-
treguerras, que foram ganhando cada vez mais destaque nas décadas posteriores. Elas que repre-
sentavam, para as pessoas da sociedade daquela época, um verdadeiro sinal do desenvolvimento
tecnológico:
31
Passa a surgir então a noção de “sociedade de consumo”, em que cada vez mais as pessoas se
veem compelidas a comprar. O consumo desmedido é marca do desenvolvimento do capitalismo
financeiro, que também conta com o crescimento do mercado consumidor.
O cenário é de crescente globalização – desenfreada a partir da internet – que rompe barreiras
fronteiriças e diminui distâncias, aproximando mercados e pessoas. A globalização também au-
UNIDADE 01
menta a concorrência internacional, pois facilita o comércio entre diferentes países e, mais recen-
temente, entre pessoas e empresas de diferentes países.
As primeiras empresas multinacionais começam a surgir de modo significativo ainda na década
de 1920, conforme Frieden (2008, p. 183), que adiciona: “A liderança, novamente, era dos Estados
Unidos, e o automóvel, mais uma vez, foi a quintessência desse tipo de empresa. Empresas norte-
-americanas estabeleceram, ou compraram, milhares de subsidiárias na Europa, no Canadá e na
que. Termos como “nuvem”, “big data” e “smart” tornam-se parte do cotidia-
no. Eletroeletrônicos sem fio, assim como a internet wi-fi, tornam-se impres-
cindíveis. Conexões remotas por meio de um aparelho celular, por exemplo,
são possíveis tanto entre pessoas, como entre pessoas e máquinas. Tudo isso
faz parte do que começa a ser chamado de 4ª Revolução Industrial, quem
sabe em uma nova modalidade de capitalismo: o Capitalismo Informacional
ou Capitalismo Cognitivo.
Atualmente vivemos a “Era do Grande Enriquecimento”, denominação criada pela economista
Deindre McCloskey, com uma economia de mercado baseada em: predomínio da livre iniciativa;
especulação financeira; crescente investimento em ações, inclusive por parte de pessoas comuns
e famílias; e a fusão entre empresas e entre capital bancário e industrial. Na contramão, baixos
salários e elevadas taxas de desemprego persistem.
LEITURA
Recomendamos a leitura das seções “Trabalho e Educação” e “Trabalho e Gênero” do livro “Ges-
tão, Trabalho e Cidadania: novas articulações”, organizado por Pimenta e Corrêa (2001), para re-
flexão acerca de questões atuais afetas a essas temáticas.
PIMENTA, S.M.; CORRÊA, M.L. Gestão Trabalho e Cidadania: novas articulações. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001.
Estudadas as três fases do capitalismo e seus contextos, finalizamos com uma sintética linha do
tempo representando as quatro revoluções industriais:
32
FIGURA 8 – REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS
UNIDADE 01
UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
Fonte: Shutterstock (2020).
REFLITA
Com base em tudo o que vimos nesta Unidade e na linha do tempo da Figura 8, quais as principais
mudanças ocorridas?
Evoluímos, apenas melhorando, ou há retrocessos? Se você concorda que há retrocessos, enu-
mere três que lhe chamam atenção. Você consegue perceber em qual momento eles passaram a
ocorrer? Algo tem sido feito para que esses retrocessos cessem ou sejam reduzidos?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos nesta primeira Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas, no primeiro item,
um breve panorama histórico do desenvolvimento da humanidade, que serviu e servirá de apoio
a nossos estudos.
O segundo tópico apresentou a questão econômica da modernidade à contemporaneidade,
com base nos principais conceitos e no funcionamento organizacional.
Esses dois tópicos viabilizam a discussão e reflexão de diferentes temáticas que serão apre-
sentadas no decorrer desta disciplina e que, somadas a outros conceitos e vieses, possibilitarão a
você um olhar mais amplo e apurado na análise das mais variadas demandas contemporâneas que
surgirem em seu cotidiano – sejam elas pessoais ou profissionais.
33
A análise e discussão do todo, o global (macro), deve ser aliada às questões regionais (micro) e
vice-versa. Ora, a parte não se dissocia do todo e o todo não é todo sem uma parte. Compreender
qualquer sistema de forma geral nos permite entender que qualquer ação gera efeitos que impac-
tam no todo. Essa dinâmica global só funciona porque mudanças que começam localmente vão,
com o passar do tempo e sucesso do movimento, alterando o funcionamento da engrenagem, até
UNIDADE 01
quem sabe alterá-la por completo. Normalmente as mudanças são para melhor e objetivando o
progresso, mas retrocessos fazem parte do processo e é com relação aos perigos destes que deve-
mos estar atentos ao pensar sobre qualquer demanda contemporânea.
A próxima Unidade apresentará a visão de importantes sociólogos no que diz respeito à Socio-
logia e à sociedade, além de questões relacionadas à cidadania e variados aspectos do meio am-
biente. Esse conteúdo o ajudará na formação de um pensamento mais crítico e sistematizado para
ANOTAÇÕES
34
UNIDADE
02
SOCIEDADE
E CIDADANIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
» C
aracterizar a sociologia de Durkheim, Marx e Weber, de modo a compreender
o século XIX e a visão da sociedade como objeto;
» A
valiar as mudanças de atitude em relação à natureza, à produção e ao consu-
mo a partir do Renascimento;
» Elucidar a construção da cidadania com base nos estudos de Thomas Marshall.
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 02
Idade Contemporânea, bem como as variadas formas de capitalismo em paralelo a seu contexto
histórico-econômico pautado pelas Revoluções.
Nesta Unidade analisaremos mais algumas questões basilares à discussão de demandas con-
temporâneas e começaremos a apontar e questionar determinadas demandas, o que seguirá com
maior destaque nas próximas duas Unidades da disciplina.
1. ESTUDOS SOCIAIS:
SOCIEDADE E SOCIOLOGIA
O termo “sociologia” foi utilizado pela primeira vez pelo francês Auguste Comte (1798-1857),
mas apenas com Émile Durkheim – considerado um dos “pais fundadores” – a Sociologia ganhou
status de disciplina científica. Castro (2014, p. 19) relata como se deu esse início:
36
O FRANCÊS ÉMILE DURKHEIM (1858-1917) FOI UM DOS PRINCIPAIS “PAIS FUN-
DADORES” DA SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA. FOI PERSONAGEM
FUNDAMENTAL DE SUA “INSTITUCIONALIZAÇÃO” NA FRANÇA – ISTO É, NA CRIAÇÃO,
FORMALIZAÇÃO E CONTINUIDADE DA SOCIOLOGIA NO ESPAÇO ACADÊMICO. ESSE
UNIDADE 02
PROCESSO PASSOU PELA CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS CURSOS, REVISTAS E DIPLOMAS
DE SOCIOLOGIA. DURKHEIM OCUPOU A PRIMEIRA CADEIRA UNIVERSITÁRIA COM
ESSE NOME (EM BORDÉUS, 1887) E FUNDOU, EM 1896, O L’ANNÉE SOCIOLOGIQUE
(ANUÁRIO SOCIOLÓGICO), QUE SE TORNOU A PRINCIPAL REVISTA DE SOCIOLOGIA DA
FRANÇA, DIVULGANDO O PENSAMENTO DA “ESCOLA” DURKHEIMIANA, QUE TEVE
MUITOS DISCÍPULOS. ESSE NÃO FOI, TODAVIA, UM PROCESSO SIMPLES NEM FÁCIL.
PARA FUNDAR A DISCIPLINA NA FRANÇA, DURKHEIM PRECISOU EM PRIMEIRO LUGAR
SE DIFERENCIAR TANTO DE FILÓSOFOS QUE PUBLICARAM TEXTOS A RESPEITO DO
O fato social de que Durkheim tratava compreendia a sociedade ou parcelas dela, por isso a
novidade com relação às ciências até então existentes à época (CASTRO, 2014). Reside nisso tam-
bém a “crise de identidade” – conforme define Johnson (1997) – da Sociologia enquanto ciência.
O autor explica que a ideia de “sociedade” é bastante genérica para definir o objeto da disciplina,
por isso deve-se pensar em “fato social”. Ora:
Além dessa compreensão amplificada de sociedade que se deve ter, também não cabe diminuir
o objeto da Sociologia ao estudo de grupos ou ao estudo do comportamento social – este não
porque pode levar à confusão entre sociologia e psicologia; aquele não porque nem tudo que
37
pode ser analisado pela Sociologia se enquadra no critério de grupo, como, por exemplo, sistemas
econômicos e políticos (JOHNSON, 1997).
Assim sendo, em suma, Sociologia estuda também a sociedade, mas esse não é seu único objeto,
que, em verdade, é o fato social, pois este, sim, engloba a sociedade e todo o restante mencionado.
UNIDADE 02
Neste item analisaremos os estudos realizados por Marx, Durkheim e Weber – a ordem adotada
não é de importância (até porque não há razão de se discutir isso), mas cronológica de nascimento,
bem como da publicação da principal obra de cada um deles, critérios que coincidem.
O estudo desses três pensadores e de suas obras é de extrema relevância, pois são conside-
rados autores clássicos. Seus trabalhos inspiraram e inspiram gerações de sociólogos e cientistas
sociais, sendo considerados os principais representantes da sociologia histórica1 – pois aliaram
REFLITA
Antes de iniciar o estudo dos itens a seguir, sobre Marx, Durkheim e Weber, analise as datas de
nascimento e falecimento de cada um desses sociólogos. Ao avançar no conteúdo, coordene o
momento histórico vivido com seus pensamentos; tente compreender o que pode tê-los levado a
desenvolver seus estudos da maneira desempenhada e o impacto de seus estudos para a socie-
dade contemporânea.
Repare que os três nasceram no século XIX, tendo vivido na Idade Contemporânea. Mais especifi-
camente: viveram ao longo de parte do período marcado pela 1ª e 2ª Revoluções Industriais, com
uma economia baseada no sistema do capitalismo industrial influenciado pelas ideias liberais,
assim como pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa.
FIGURA 1 - MARX, DURKHEIM E WEBER
1 Sobre o objeto da sociologia histórica, Johnson aponta: “Atualmente, a sociologia histórica estuda sobretudo
o desenvolvimento do CAPITALISMO, além da NAÇÃO-ESTADO, RELIGIÃO, COMPORTAMENTO COLETIVO e MOVIMEN-
TOS SOCIAIS” (1997, p. 218, destaques do original).
38
1.1 MARX (1818-1883)
Karl Marx acompanhou o surgimento do capitalismo industrial e a consolidação dos Estados
Modernos, em especial na Alemanha/Prússia (sua terra natal) – país de unificação tardia se com-
parado ao restante da Europa. Morou também em Paris e na Inglaterra, onde faleceu.
UNIDADE 02
Em parceria com Friedrich Engels, escreveu “A Sagrada Família” (1844) e “A Ideologia Alemã”
(1845) – esta considerada por muitos a base do materialismo histórico.
Nesse sentido, Oliveira, Melo e Araújo (2018, p. 62) destacam que Marx: “teve como princípio
estudar a sociedade capitalista, os seus efeitos na e para com a sociedade (materialismo histórico),
defendendo a revolução como meio para findar a exploração dos operários pelo Estado capitalista”.
39
senvolvendo, transmutando as relações naturais em relações monetárias. Pari passu, as relações
de trabalho foram sendo construídas: com o crescente poderio de maquinário e fábricas, novas
estruturas sociais se formaram e acabaram “aprisionando” os que oferecem sua mão de obra em
troca de salário.
Essa relação de trabalho e tantas outras relações sociais são necessárias e inevitáveis, produ-
UNIDADE 02
zindo a própria existência humana, que corresponde ao grau de desenvolvimento de suas forças
produtivas materiais.
Com o passar do tempo, as forças produtivas materiais de uma sociedade entram em contradi-
ção com as relações de produção existentes e o desenvolvimento da força produtiva deixa de ser
uma evolução e passa a ser um entrave, o que leva à revolução social.
SAIBA MAIS
Curioso em saber sobre a rotina de Karl Marx? O site (inativo) Daily Routines*, que produziu os
livros “Daily Rituals: how artists work” e “Daily Rituals: women at work” contou um pouquinho dos
hábitos do sociólogo (e de várias outras pessoas influentes da história e atualidade). Disponível
em: https://bit.ly/3dfDDkg. Acesso em: 15 fev. 2020.
*material em inglês, traduzido pela revista Galileu em: https://glo.bo/2SPW6uZ.
E leia a matéria do Site da Revista Galileu publicada em 4 de maio de 2018. Disponível em:
https://glo.bo/2SAAbcw. Acesso em: 15 fev. 2020.
40
Outro destaque devido vai para as ideias de altruísmo, anomia e egoísmo, presentes no livro “O
Suicídio” como motivadoras que tipificam o suicídio.
O conceito de anomia foi formulado por Durkheim como “parte da explicação dos padrões de
suicídio na Europa do século XIX” (JOHNSON, 1997, p. 17). O autor ainda conceitua da seguinte
maneira: “situação social onde falta coesão e ordem, especialmente no tocante a normas e valores”
UNIDADE 02
(JOHNSON, 1997, p. 17), ou seja, faltam normas, há desorganização social. O termo “anomia” pode
ser utilizado para descrever uma condição psicológica de um indivíduo, mas, na sociologia, descreve:
O altruísmo, para Durkheim, poderia ser uma das razões para o cometimento de suicídio – tal
qual a anomia e o egoísmo. Consiste na “tendência a considerar as necessidades dos outros como
mais importantes do que as próprias e, por conseguinte, estar disposto a sacrificar-se por eles”
(JOHNSON, 1997, p. 7). O sociólogo considerava o altruísmo ensejo ao suicídio quando, em certas
sociedades, os indivíduos “se identificam de maneira tão forte com um grupo ou comunidade que
se sacrificam tranquilamente para defender seus interesses ou sustentar suas tradições” (JOHN-
SON, 1997, p. 7).
Por fim, a tendência suicida egoísta, totalmente oposta ao altruísmo, ocorre ao “indivíduo [...]
focalizar-se intensamente em si mesmo, com exclusão de outras pessoas e sistemas sociais, tais
como grupos, comunidades e sociedades” (JOHNSON, 1997, p. 82). Johnson (1997, p. 82) aponta
o argumento de Durkheim: “o suicídio egoístico resulta de baixa coesão social em grupos que en-
fatizam o individualismo”.
VÍDEO
41
1.2.1 MÉTODO SOCIOLÓGICO
Com visão holística da sociedade, Durkheim produziu trabalho pioneiro à sua época, pois rom-
peu com a tradição atomista da natureza e análise da vida social – ou seja, em sociedade –, o que
Johnson (1997, p. 21) distingue da seguinte forma:
UNIDADE 02
A PERSPECTIVA ATOMISTA É INDIVIDUALISTA E PSICOLÓGICA, ARGUMENTANDO QUE
UM SISTEMA SOCIAL NADA MAIS É DO QUE UM CONJUNTO DE INDIVÍDUOS. SE PODE-
MOS ENTENDÊ-LOS, SABEMOS TUDO QUE PRECISAMOS SABER SOBRE OS SISTEMAS
SOCIAIS DE QUE ELES PARTICIPAM. EM SUMA, O TODO É A SOMA DE SUAS PARTES,
E NADA MAIS. EM CONTRASTE, O HOLISMO CONSTITUI O PRÓPRIO ÂMAGO DO PEN-
SAMENTO SOCIOLÓGICO. ELE CONSIDERA O TODO DO SISTEMA SOCIAL COMO MAIS
É dessa visão holística durkheimiana que surge a ciência denominada Sociologia – conforme
apresentado no início desta Unidade – e o método sociológico.
No que tange à burocracia, cumpre ensinar os três tipos puros de dominação legítima estatuídos
por Weber, quais sejam: dominação legal, dominação tradicional e dominação carismática. Essas
42
três modalidades de dominação costumam ter bases jurídicas que as legitimam; uma vez abalada a
crença na legitimidade da dominação, grandes consequências podem surgir (CASTRO, 2014, p. 46).
A dominação legal tem em seu tipo mais puro a dominação burocrática, fruto de estatuto.
Castro (2014, p. 47) simplifica que “a ideia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado
mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma”. Não se obedece a uma pessoa,
UNIDADE 02
mas à regra, como que em uma organização.
Noutro sentido, a dominação tradicional é a que ocorre em decorrência da “crença na santi-
dade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da
dominação patriarcal” (CASTRO, 2014, p. 49).
O último dos três tipos é a dominação carismática, que tem fulcro na “devoção afetiva à pessoa
Esses quatro tipos de ação social descendem da visão weberiana de que os indivíduos não são
passivos em suas interações, mas ativos e reagentes, visto que interação é “o processo que ocorre
quando pessoas agem em relação recíproca em um contexto social” (JOHNSON, 1997, p. 131).
Essa é a teoria da ação desenvolvida por Weber, um “método geral para compreender o que
fazemos em termos do significado que atribuímos ao nosso comportamento e ao do nosso seme-
lhante” (JOHNSON, 1997, p. 131). O argumento weberiano em defesa da teoria da ação é expresso
por Johnson da seguinte forma:
NÃO PODEMOS COMPREENDER O QUE PESSOAS FAZEM SEM TER ALGUMA IDEIA
DE COMO ELAS, DE FORMA SUBJETIVA, INTERPRETAM SEU PRÓPRIO COMPORTA-
MENTO. ESSE INSIGHT BÁSICO PEDE AOS SOCIÓLOGOS QUE INCLUAM A EMPATIA
NO MÉTODO QUE USAM PARA COMPREENDER A VIDA SOCIAL, JUNTAMENTE COM
OUTROS MÉTODOS CIENTÍFICOS MAIS OBJETIVOS.
(JOHNSON, 1997, p. 131)
43
Deriva daí a sociologia interpretativa, que se distingue das demais perspectivas teóricas socio-
lógicas da seguinte forma:
UNIDADE 02
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS E CULTURAIS OBJETIVAS DE SISTEMAS SOCIAIS,
QUE SÃO EXTERNOS AO INDIVÍDUO E RELATIVAMENTE INDEPENDENTES DELES.
REJEITA TAMBÉM O ARGUMENTO DE QUE É POSSÍVEL ELABORAR LEIS CIENTÍFICAS
RÍGIDAS, QUE EXPLICAM PADRÕES DE COMPORTAMENTO SOCIAL COMO FIXOS E
DETERMINADOS PELAS SITUAÇÕES SOCIAIS EM QUE PESSOAS SE ENCONTRAM.
(JOHNSON, 1997, p. 218)
LEITURA
Apontadas as principais obras e ideias de Marx, Durkheim e Weber, cabe a você, aluno, buscar
outras fontes para aprofundar seus conhecimentos sobre o trabalho desenvolvido por esses pen-
sadores. Além dos livros utilizados para a confecção deste material, há muitos manuais que você
pode adotar para compreender um pouco mais da Sociologia.
Mas, saindo do mundo acadêmico, sugerimos a leitura do livro de Jostein Gaarder, “O Mundo de
Sofia: romance da história da filosofia”. Nele, a personagem Sofia, às vésperas de completar quin-
ze anos, começa a receber cartas, bilhetes, postais que a ensinam sobre filosofia – e sociologia
– ocidental, tudo isso permeado por um ambiente de inteligente ficção e leveza didática.
44
sam a surgir, bem como necessidades, direitos e deveres. O que antes não preocupava, ou sequer
existia, hoje pode até alarmar.
REFLITA
UNIDADE 02
Retorne às linhas do tempo apresentadas na primeira Unidade, em relação à agricultura e às fases
do capitalismo. Reflita acerca das novidades acima mencionadas e pense em exemplos. Quais
alterações chamam mais sua atenção positiva e negativamente?
O conceito de mercado já foi abordado em nossa primeira Unidade, mas a mais-valia foi apenas
A ideia de mais-valia elaborada por Marx consiste em uma extorsão da força de trabalho, um
excesso – por este motivo equiparada ao “lucro” do sistema capitalista, que é o valor conservado
pelos empregadores após o pagamento dos empregados e despesas:
A mais-valia pode ser absoluta ou relativa. A primeira diz respeito a quando o empregador exige
maior empenho do empregado, sem a isso oferecer-lhe algo em troca, enquanto a segunda está
ligada ao avanço científico-tecnológico, pois o aumento da produção não se dá diretamente pelas
mãos dos empregados.
A questão é: a já inevitável corrida pelo lucro no mercado atual parece competir ou cooperar
com o meio ambiente? E mais: você tem feito sua parte?
45
Nos itens a seguir, veremos conceitos e demandas contemporâneas relativos à natureza, à pro-
dução e ao consumo nesta temática.
2.1 NATUREZA
UNIDADE 02
“Quando do Renascimento e início da Idade Moderna, o meio ambiente era totalmente preservado”.
Se alguém fizesse a você o comentário acima, responda rápido: você concordaria ou discordaria?
Engano seu se, porventura, concordasse. Ora, pensando apenas no caso brasileiro, rememore
suas aulas no colégio: o território brasileiro passou por elevado desmatamento (lembre-se do pau-
-brasil) e, mais tarde, desmedida exploração de minérios em decorrência da descoberta do ouro.
Tudo isso já demonstrava despreocupação com relação aos aspectos ambientais, não sendo o ca-
VÍDEO
Assista ao filme “Uma Verdade Inconveniente” (2006), documentário norte-americano que acom-
panha Al Gore, ex-candidato à presidência dos Estados Unidos da América, em suas palestras so-
bre aquecimento global pelo mundo. Objetiva conscientizar as pessoas do impacto das mudanças
de hábitos diários individuais.
Marx associou o trajeto histórico-social das mudanças fruto do progresso, afirmando que esse
progresso vindo da exploração capitalista ocasionaria uma irreversível destruição.
O progresso atingido por meio da automação “aumenta em muito a capacidade humana de al-
terar o meio ambiente, extrair matérias-primas e produzir bens em grandes quantidades” (JOHN-
46
SON, 1997, p. 22). Analisado sob o aspecto das classes sociais2 e relações trabalhistas, o progresso
constitui “uma das principais maneiras para a classe capitalista aumentar seus lucros às expensas
dos trabalhadores (porque ocasiona uma perda líquida de empregos) e controlar a classe operária,
ao despertar nela o medo de ser substituída por máquinas” (JOHNSON, 1997, p. 22).
Desse modo, na visão marxista, o desequilíbrio ecológico ocasionaria destruição ambiental e social.
UNIDADE 02
O cenário até agora descrito de progresso industrial-econômico tem gerado consequências à
natureza, mas toda essa estrutura não funciona sem a produção fruto de mão de obra (mediata ou
imediatamente), que por sua vez é influenciada pela demanda comandada pelo consumo. Vere-
mos esses dois aspectos nos próximos dois itens, respectivamente: produção e consumo.
2.2 PRODUÇÃO
Ao pensar em “meio ambiente”, em se tratando de mercado, deve-se pensar também no am-
biente de trabalho, que, idealmente, deve ser salutar e igualitário. Exigências mínimas devem ser
respeitadas, mas será que são mesmo?
Casos envolvendo exploração de mão de obra são bastante conhecidos, principalmente na indús-
tria da moda e na dos eletrônicos – sendo essas algumas das indústrias com maior fetichização na
atualidade. Há ainda exemplos de situações análogas à escravidão, com regimes de trabalho forçado.
Se antes a escravidão era aceita, como brevemente comentado na primeira Unidade da pre-
sente disciplina, hoje os países contam com normas nacionais e internacionais de trabalho, abo-
lindo (em tese) essa prática do mundo. O que normalmente ocorria antes eram grupos espe-
cíficos sendo escravizados – mais comumente negros e/ou índios –; hoje, apesar de não haver
2 Sobre classe social, interessante destacar o ponto de vista marxista: “Marx [...] afirmava que uma verdadeira
classe social nem mesmo existe, a menos que seus membros estejam conscientes de si mesmos como classe. Analoga-
mente, pode-se argumentar que os interesses de classe tornam-se reais apenas através de uma classe consciente de si
mesma, e que, a não ser assim, ela não existe de qualquer outra maneira, em qualquer sentido objetivo. Ou podemos
afirmar ainda que os interesses de classe são determinados objetivamente — que o fato da automação resultar em
perda de empregos, por exemplo, é contrário aos interesses da classe operária, exista ou não uma classe operária
consciente de si mesma” (JOHNSON, 1997, p. 131).
47
especificidade, há grupos com maior vulnerabilidade, a depender da localidade do planeta e da
atividade desempenhada.
Para além das vulnerabilidades e discrepâncias, há violações e abusos cotidianos. Desigualdade
de gênero, assédios moral e sexual, horas extras não pagas e tantas outras situações que, no caso
brasileiro, atolam a justiça trabalhista.
UNIDADE 02
VÍDEO
Assista ao filme “Tempos Modernos” (1936), com roteiro, direção, produção e composição mu-
sical de Charlie Chaplin. Um clássico do cinema! Chaplin apresenta o cotidiano de operários em
uma fábrica no contexto pós-Revolução Industrial, quando as máquinas começaram a ganhar
REFLITA
A partir da cena destacada do filme “Tempos Modernos”, reflita sobre as seguintes demandas
contemporâneas:
1. O trabalhador autônomo e seu descanso: organização da jornada de trabalho e férias;
2. D
emandas intelectuais: como organizar empregados que realizam produções intelectuais, ou
seja, trabalham com ideias? Como ficam os horários de produção? Exemplo: espaços de convi-
vência em agências de publicidade e rotinas de trabalho com maior flexibilidade e liberdade (por
exemplo, empresas como Google e Facebook, que comumente tem suas sedes “descoladas” e
“inovadoras” noticiadas);
3. “ Workaholic” (em tradução literal do inglês, “viciado em trabalho”): Um dos males da humanida-
de no século XXI. Até que ponto o ritmo de trabalho é aceitável ou passa a ser prejudicial? Eis uma
linha bastante tênue; se o trabalhador não tomar cuidado, acabará atribulado igual a Chaplin no
recorte cinematográfico destacado anteriormente.
48
Em Marx, a relação da divisão social assalariado-proletariado gera alienação da mão de obra,
que acaba se tornando ultradependente, pois, de tão específico o trabalho desempenhado, um
empregado não conhece a atividade do outro, alienando cada um de seu entorno (SCOTT, 2010).
Ainda na visão marxista, interessante destacar acerca da alienação, da emancipação e do progresso:
UNIDADE 02
MARX FAZ UMA ANÁLISE CÁUSTICA DA ALIENAÇÃO E DO MUNDO DO TRABALHO
ASSALARIADO, MAS É MENOS CLARO QUANTO AO QUE CONSTITUIRIA A DESALIENA-
ÇÃO, EMBORA A “AUTOEMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA” E O “GOVERNO
DOS PRODUTORES ASSOCIADOS” DEEM CONTA DE UMA PARCELA DA QUESTÃO.
E APESAR DE AS REFERÊNCIAS AO CAPITALISMO E AO MERCADO SEREM QUASE
TOTALMENTE NEGATIVAS EM SEUS PRIMEIROS TEXTOS, NO MANIFESTO COMUNIS-
Finalmente, em Weber a visão é de que o trabalho é fundamental; uma virtude que levará à
salvação espiritual à medida que o sucesso profissional, fruto de trabalho árduo, seja desempe-
nhado e gere lucro. Para ele, religião e trabalho caminham lado a lado. Em sua visão, o puritanismo
“promoveu o capitalismo” (SCOTT, 2010, p. 36).
LEITURA
O capítulo 9 do livro “Sociologia: sua bússola para um novo mundo”, de Brym et al. (2015), conta
com uma seção denominada “‘Bons’ versus ‘maus’ empregos”, com importante análise socioló-
gica para questionamentos acerca da divisão social do trabalho no modelo vigente. Disponível na
Biblioteca Virtual do UniBrasil.
BRYM et al. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. 1. ed. São Paulo: Cengage Learning,
2015.
As alterações sociais e trabalhistas desde os estudos dos sociólogos clássicos são grandes, decor-
rendo daí a necessidade de atualização dos anseios atuais. Se nos séculos XIX e XX, por exemplo, o
trabalho em fábricas era o mais comum, hoje a realidade é outra. Há grandes escritórios e corpo-
rações também. Outro aspecto relevante é a questão da (des)qualificação. Como ficam os ques-
tionamentos sociológicos em relação a esse ambiente? Vale a leitura e consequentes reflexões.
2.3 CONSUMO
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, o consumo cresceu cada vez mais. É possível
dizer que vivemos em uma “sociedade de consumo”, fruto do desenvolvimento do capitalismo em
suas diferentes formas ao longo do anos.
49
Quando do Renascimento, ainda na Idade Média, o escambo prevalecia, conforme visto na
Unidade anterior. Apenas com o mercantilismo, na Idade Moderna, quando o capitalismo começa
a se desenvolver, inicia a prevalência da prática de compra e venda.
O escambo, mais comumente denominado “permuta” atualmente, não morreu; apesar de menos
evidente, vem sendo reinventado. Um exemplo disso são os “recebidos” de blogueiros, que nem
UNIDADE 02
sempre recebem dinheiro para fazer a divulgação dos produtos em seus perfis em redes sociais;
outro exemplo é a plataforma de troca de tempo Bliive®, onde o usuário se cadastra e pode usar seu
tempo como moeda para aprender e ensinar coisas novas às pessoas que também estão nessa rede.
Com as revoluções industriais, o mercado cresce na mesma medida que as indústrias, gradu-
almente expandindo as relações de compra e venda para um nível global. Qualquer pessoa pode
realizar uma compra internacional com poucos cliques pelo computador ou celular – o que acaba
50
Foi nesse momento que a tecnologia entrou, de fato, na vida das pessoas e o consumo aumenta
exponencialmente desde então.
VÍDEO
UNIDADE 02
Assista “Ilha das Flores” (1989), documentário dirigido por Jorge Furtado, disponível em: https://
bit.ly/3nObtEP. Acesso em: 15 fev. 2020.
O documentário proporciona reflexão acerca do consumo de alimentos, desperdício, dignidade
humana, desigualdades sociais… mas causou polêmica com relação a um aspecto alimentar exibi-
do. Mais: na contramão às latentes evidências sociais apontadas, houve relevante impacto nega-
tivo aos moradores da ilha – é o que reporta o vídeo “Ilha das Flores: depois que a sessão acabou”
3. A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Pertencimento – Cidadania é pertencer a uma nação com uma via de mão dupla de direitos e
deveres.
Juridicamente falando, conforme Scott (2010, p. 41): “Em termos estritamente legais, a ideia
de cidadania diz respeito às regras segundo as quais é conferida a pertença nacional, que podem
ser baseadas na linhagem (jus sanguinis), no território (jus soli) ou numa combinação de ambos”.
Mas, pelo viés sociológico, cidadania é algo maior, que envolve conceitos variados.
Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 231) a conceituam da seguinte maneira:
51
A CIDADANIA CREDENCIA O CIDADÃO A ATUAR NA VIDA EFETIVA DO ESTADO COMO
PARTÍCIPE DA SOCIEDADE POLÍTICA. O CIDADÃO PASSA A SER PESSOA INTEGRADA
NA VIDA ESTATAL. A CIDADANIA TRANSFORMA O INDIVÍDUO EM ELEMENTO INTE-
GRANTE DO ESTADO, NA MEDIDA EM QUE O LEGITIMA COMO SUJEITO POLÍTICO,
UNIDADE 02
RECONHECENDO O EXERCÍCIO DE DIREITOS EM FACE DO ESTADO.
Desse modo, cidadania é um exercício que expressa o pertencimento de uma pessoa a um Es-
tado. Por meio da cidadania, o indivíduo ganha voz ao ser transformado em sujeito político que é
integrado nos problemas sociais.
Nesse sentido, os autores complementam:
A concepção de cidadania nem sempre existiu, sendo relativamente nova na história da huma-
nidade, pois sua formação teve início apenas no século XVIII. É o que veremos no item a seguir.
3.1 FORMAÇÃO
Sociólogo dedicado à temática da cidadania, o britânico Thomas Marshall (1893-1981) realizou
estudo e categorização desse assunto em seu livro “Cidadania e Classe Social” (1950).
Para Marshall, cidadania é:
Esse sociólogo foi responsável pela inclusão dos direitos sociais no rol de direitos que compõem
a cidadania, formando a tríade: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais/socioeconômicos.
52
O principal interesse de Marshall com seu estudo:
UNIDADE 02
TERIAIS DE CLASSE SOCIAL. OS DEVERES, COMO CONTRAPARTIDA NECESSÁRIA
AOS DIREITOS, RECEBERAM BREVE MENÇÃO, PARTICULARMENTE O DIREITO AO
TRABALHO, EMBORA MARSHALL ACREDITASSE QUE A MUDANÇA SE TIVESSE
DADO DOS DEVERES PARA OS DIREITOS.
(SCOTT, 2010, p. 41, grifos do original)
53
3.2 CIDADANIA E DIGNIDADE
O exercício da cidadania é alicerce da democracia, que é construída em “dois pilares institucio-
nais, que são os partidos políticos e a sociedade civil. O exercício da cidadania ocorre nesses dois
contextos, nos quais se realiza o cotidiano da política” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 234).
UNIDADE 02
Cidadania e democracia devem andar de mãos dadas, não havendo uma sem a outra, como
evidenciam Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 234): “Sem democracia, não há possibilidade de
haver cidadania, a qual é exercida no espaço público, por indivíduos conscientes”.
Cidadania é, ainda, a construção do bem comum:
Apesar disso tudo, permanece uma inquietação. Tendo em conta que há grupos excluídos na
cidadania, será que todo cidadão é tratado com dignidade?
Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 246) afirmam: “A cidadania é o ápice dos direitos fundamen-
tais”. No artigo 1º 3, a Constituição da República Federativa do Brasil aponta cidadania e dignidade
da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, ao que Siquei-
ra Junior e Oliveira (2016, p. 235) consideram:
Mas, resgatando a indicação, feita nesta Unidade, do documentário “Ilha das Flores” – e o vídeo
posterior em consequência dele, “Ilha das Flores: depois que a sessão acabou” –, a quantas anda a
dignidade da pessoa humana quando, por exemplo, há quem precise se alimentar de lixo?
3 In verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo po-
lítico. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988).
54
O que fazer perante a violência das cidades? É evidente a maior vulnerabilidade de parcelas da
sociedade como vítimas e agentes nesse cenário. As políticas públicas adotadas pelo Estado com
relação a esse problema têm sido eficazes? Como equilibrar os cidadãos nesse quesito a ponto de
reduzir o cometimento desses crimes, a fim de garantir segurança social igualitária?
Como ficam as questões relacionadas à igualdade na cidadania? Como integrar os grupos ex-
UNIDADE 02
cluídos desse processo?
Esses são alguns questionamentos contundentes e necessários ao se tratar de cidadania, abran-
gendo problemas que afetam o mundo todo.
Independentemente dessas questões, uma coisa é certa: muito já foi conquistado no quesito
cidadania, mas muito mais há de ser feito. A sociedade precisa caminhar rumo à plena inclusão
VÍDEO
Assista “A corrente do bem” (2000), filme com Haley Joel Osment, Kevin Spacey e Helen Hunt no
elenco, que conta a história do professor de Estudos Sociais de uma escola que propõe a seus alu-
nos um trabalho: pensar em ideias para mudar o mundo e torná-lo melhor. Trevor, um dos alunos,
tem a ideia da corrente do bem, o “passe adiante”, onde cada pessoa que recebesse um favor
deveria retribui-lo para outras três pessoas, o que geraria uma enorme mudança social positiva
de alto impacto.
Interessante para refletir acerca do nosso impacto na vida dos outros. Ser cidadão é também agir
de modo a pensar na coletividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos, nesta segunda Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas, estes três as-
suntos: a Sociologia em Marx, Durkheim e Weber; questões afetas à natureza, produção e consumo
contrapondo mercado e meio ambiente; e a construção da cidadania.
Esses três tópicos encerram a introdução à disciplina, pois capacitam o aluno a pensar as próxi-
mas duas Unidades com raciocínio científico e crítico, balizado em estudos (métodos e conceitos)
com larga difusão acadêmica, além do senso histórico apurado, que viabiliza a visão holística das
demandas contemporâneas.
Ademais, com os conhecimentos adquiridos até aqui, já deve ser possível notar algumas mu-
danças em seu pensamento. Avalie sua posição, por exemplo, diante do consumo e da natureza
– sua postura já começou a mudar em relação a comprar determinados produtos? Eis um dos ob-
jetivos de Demandas Contemporâneas: mudar também você, aluno; provocá-lo a melhorar. Cada
um fazendo sua parte, o mundo muda!
55
Note: todo conhecimento está interligado de maneira interdisciplinar. Não há que se falar atu-
almente sobre um tema sem pensá-lo de modo global, despregado dos contextos econômico,
histórico e social.
Se, porventura, um desses aspectos não ficou suficientemente claro para você, retome o con-
teúdo, reflita, aprofunde suas leituras e pesquise mais a respeito. Não avance sem antes ter uma
UNIDADE 02
compreensão satisfatória.
A terceira Unidade da disciplina seguirá na linha de sociedade e cidadania, passando à criação
dos Direitos Humanos e ao conceito de dignidade da pessoa humana, já brevemente abordado
nesta Unidade.
Vamos juntos!
56
UNIDADE
03
DIREITOS HUMANOS:
CONSTRUÇÃO
NECESSÁRIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
» E xplicar as gerações dos direitos por meio da reconstrução contextual dos direi-
tos humanos no pós-guerra;
» C
aracterizar a dignidade da pessoa humana, demonstrando suas variadas vul-
nerabilidades: desigualdades econômica, de gênero, étnico-racial e de geração.
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 03
maneira de analisar, entre outros objetos, a sociedade. Estudamos também questões atinentes ao
mercado e meio ambiente sob as perspectivas da natureza, da produção e do consumo. Por fim,
foi apresentada a construção da cidadania e discutida adicionalmente à dignidade.
Na presente Unidade, por sua vez, veremos a construção dos direitos humanos e a dignidade
da pessoa humana, conceitos basilares que envolvem uma miríade de demandas contemporâneas
de extrema urgência.
1. DIREITOS HUMANOS:
CONSTRUÇÃO NECESSÁRIA
O senso comum que tem se espalhado popularmente acerca de para quem e o que são os di-
reitos humanos limita-os a determinadas parcelas estigmatizadas da sociedade. No entanto, a De-
claração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Paris em 10 de dezembro de 1948, pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) – ou seja, no contexto pós-Segunda
Guerra Mundial –, prevê em seu texto o seguinte:
58
Artigo I: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade”.
Desse modo, os direitos humanos são para todos os humanos, não cabendo qualquer exceção
UNIDADE 03
ou ressalva. São irrenunciáveis (não se pode abrir mão deles), irrevogáveis (não podem ser abo-
lidos), intransmissíveis (não podem ser transferidos entre pessoas, pois são personalíssimos, ou
seja, fazem parte do “eu” de cada um) e inegociáveis (não podem ser vendidos negociados).
Ramos (2019, p. 29) conceitua os direitos humanos como “conjunto de direitos considerado
indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos
humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”. E explica o porquê de consistir
LEITURA
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”. 1948. Disponível em: https://uni.cf/3qse3Sh. Aces-
so em: 16 fev. 2020.
Conheça seus direitos e deveres mais básicos! Saiba quais são, de fato, os direitos humanos.
Realize essa leitura não por ser amplamente cobrada em provas e concursos, mas para sair dos
“achismos” e se inserir no contexto global como um cidadão do mundo; ora, os direitos humanos
são globais, valendo no Ocidente e no Oriente, acima e abaixo da Linha do Equador, sem distin-
ções – basta ser humano.
59
dial uma proteção mínima dos direitos das pessoas – os direitos humanos. Sem essa construção,
muito não teria mudado no mundo e outras tantas situações de desigualdades e vulnerabilidades
ainda presentes atualmente não seriam encaradas como problemas de ordem mundial.
Nesse sentido, apresentaremos o referido contexto histórico e alguns de seus reflexos normativos e
organizacionais; na sequência, explicaremos a Teoria Geracional dos Direitos Humanos de Karel Vasak.
UNIDADE 03
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO
Já vimos nas Unidades anteriores a temática Segunda Guerra Mundial sob variadas perspecti-
vas. Cabe agora apresentar seu impacto para o Direito, mais especificamente para as disciplinas
Direito Internacional e Direitos Humanos.
VÍDEO
“A Lista de Schindler” (1993), dirigido por Steven Spielberg, é um premiado
filme, baseado em fatos reais, que conta como o empresário alemão Oskar
Schindler salvou a vida de mais de mil judeus durante o holocausto.
A história inicia em 1939, com a realocação de judeus poloneses para um
gueto, ainda no começo da Segunda Guerra Mundial, e mostra muitas das
violações sofridas pelo povo judeu durante todo o conflito, uma das gran-
des máculas do período.
“Aquele que salva uma vida salva o mundo inteiro”, citação do Talmude
inscrita no anel com o qual Schindler é presenteado pelos judeus que salvou.
Fonte: Shutterstock (2020).
A cena é retratada no filme.
60
Constatado o fracasso da Liga ou Sociedade das Nações e findada a Segunda Guerra Mundial,
nasce a crença da cooperação internacional entre os povos para o bem comum, a fim de evitar que
tamanhos abusos se repetissem. É criada, então, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 24
de outubro de 1945, com a ratificação da Carta das Nações Unidas, tendo como principal objetivo
manutenir a paz – apesar de boa parte de sua existência, ainda quando de sua criação, se dar jus-
UNIDADE 03
tamente no período da Guerra Fria.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, representa um marco para os direitos
humanos, pois foi a primeira vez que um documento estabeleceu a proteção universal dos direitos
humanos, apesar de a universalização desses direitos constituir obra inacabada, nos dizeres de
Ramos (2019).
Mencionada Declaração é fruto do trabalho da Comissão de Direitos Humanos da ONU e não
tem fim em si mesma, originando novos tratados internacionais. As Nações Unidas sintetizam o
conjunto normativo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa e influencia:
61
LEITURA
O livro “Homens em Tempos Sombrios” (1968), de Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã de
origem judaica responsável por importantes análises da Segunda Guerra Mundial com seu tota-
UNIDADE 03
litarismo e suas consequências, apresentou perspectiva fora do lugar comum praticado à época,
revolucionando a análise da temática.
Nesse livro, Arendt apresenta onze ensaios com perfis biográficos de homens e mulheres que
resistiram de maneira crítica às violações do século XX. Leitura interessante para compreender
melhor as personalidades analisadas pela autora, bem como seu contexto histórico e influência.
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1988.
LEITURA
O livro “Eichmann em Jerusalém”, de 1963, é outra obra escrita por Hannah Arendt. Nela, a filó-
sofa explana o conceito por ela cunhado: “banalidade do mal”, ao analisar o julgamento que ela
acompanhou de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela “solução final”, que consistia no plano
nazista de genocídio dos judeus em todos os territórios ocupados pela Alemanha.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de
José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
62
1.2.1 SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Cumpre destacar o sistema no qual o Brasil está inserido, qual seja, o sistema interamericano de
direitos humanos, no âmbito na Organização dos Estados Americanos (OEA).
O instrumento mais relevante nesse sistema é a Convenção Americana de Direitos Humanos,
UNIDADE 03
também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, assinada em 1969 e em vigor desde 1978.
Apenas podem aderir a essa Convenção Estados que são membros da OEA (PIOVESAN, 2019).
A Convenção Americana de Direitos Humanos em conjunto com o Protocolo de Direitos Econômi-
cos, Sociais e Culturais representam a primazia dos direitos humanos, expressando uma novidade:
Ao contrário do sistema global da ONU, fundado no pós-Segunda Guerra Mundial, o sistema inte-
ramericano de proteção dos direitos humanos tem seu início em conturbado período marcado por
regimes ditatoriais militares e suas transições para democracia. Chega a ser contraditória a criação
de um sistema como esse na constância de estados de exceção conhecidamente responsáveis pela
violação de direitos humanos.
Piovesan (2009, p. 151) aponta as peculiaridades regionais que impactam na necessidade de um
sistema regional interamericano:
63
O sistema interamericano é composto por equipe interdisciplinar que atua na Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos e na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essa divisão com-
põe o aparato de monitoramento e implementação dos direitos humanos no âmbito do sistema
interamericano (PIOVESAN, 2019).
A Comissão não conta com competência jurisdicional, ou seja, competência para julgar. Suas
UNIDADE 03
funções são de:
É função também da Comissão submeter casos sob seu acompanhamento à Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, que conta com competência consultiva e contenciosa. A competência
consultiva consiste em prestar esclarecimentos interpretativos por meio de parecer acerca da Con-
venção Americana de Direitos Humanos a qualquer membro da OEA; já a competência contencio-
sa é limitada aos Estados-partes da Convenção que reconhecem expressamente a jurisdição da
Corte. Piovesan complementa acerca da Corte:
Importante frisar que as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos possuem força ju-
rídica vinculante e obrigatória, devendo o Estado condenado tão logo cumpri-las (PIOVESAN, 2019).
64
três gerações com características próprias que as distinguiam (RAMOS, 2019), estando cada uma
dessas gerações abarcadas por um dos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fra-
ternidade – conforme já abordado nas Unidades anteriores.
A terminologia “geração” é criticada por alguns autores, que preferem “dimensão”, podendo
qualquer uma delas ser utilizada. A preferência pelo termo “dimensão” em detrimento de “gera-
UNIDADE 03
ção” por parcela dos estudiosos decorre da ideia de que “geração” supõe sobreposição e ultra-
passagem, ou seja, ao optar por “geração”, denota-se que cada um dos direitos venceu o anterior,
extinguindo-o, o que não é verdade; ora, as gerações/dimensões coexistem, não se exaurindo, e
a teoria diz respeito apenas ao momento pelo qual houve maior anseio por determinado direito
humano e quando ele surgiu. Isso bem compreendido, fica, assim, claro que “gerações” e “dimen-
sões” dos direitos humanos são termos sinônimos.
65
Tem como marco teórico a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fruto da
Revolução Francesa.
Como a primeira geração abrange os direitos civis e políticos, cumpre apresentá-los.
Os direitos civis, também conhecidos como direitos individuais, servem para proteger a integrida-
UNIDADE 03
de do indivíduo com relação ao Estado. São alguns exemplos: a liberdade de expressão e de locomo-
ção; a proteção à vida privada; a presunção de inocência; e o direito ao devido processo legal.
Quando se trata de direitos políticos, o rol engloba direitos que envolvem a participação po-
pular no controle do Estado ou na ocupação da própria administração estatal, por isso podem
também ser chamados de direitos de cidadania. Exemplificativamente: votar e ser votado; filiar-se
a partidos políticos; e ocupar cargo público.
66
Isso significa dizer o seguinte: com o passar dos anos, após o cenário de revoluções que deu en-
sejo à primeira geração de direitos humanos, viu-se que apenas pregar a “liberdade e a igualdade”
não as garantia de maneira real; era necessário que o Estado adotasse meios para promover essa
igualdade contida no papel. Vem daí a segunda geração de direitos humanos, a dos direitos sociais,
econômicos e culturais; esses direitos “exigem uma prestação positiva do Estado. São as liberdades
UNIDADE 03
positivas, reais ou concretas. Nessa esfera, não se exige do Estado uma abstenção que se verifica
numa atitude negativa, mas a ação do Estado com o intuito de alcançar o bem comum” (SIQUEIRA
JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 64).
Além do contexto histórico e sobre os marcos teóricos da segunda geração de direitos huma-
nos, Ramos (2019, p. 58) leciona:
O titular dos direitos sociais econômicos e culturais são os próprios indivíduos, além de ser opo-
níveis ao Estado (RAMOS, 2019), o que significa que o Estado pode ser cobrado por eles. Assim,
garante-se o acesso às liberdades antes restritas às classes mais abastadas e, consequentemen-
te, maior igualdade. Exemplos reconhecidos são “o direito à saúde, educação, previdência social,
habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento”
(RAMOS, 2019, p. 58).
67
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO, DIREITO À PAZ, DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO
E, EM ESPECIAL, O DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. [...] SÃO ORIUN-
DOS DA CONSTATAÇÃO DA VINCULAÇÃO DO HOMEM AO PLANETA TERRA, COM
RECURSOS FINITOS, DIVISÃO ABSOLUTAMENTE DESIGUAL DE RIQUEZAS EM
VERDADEIROS CÍRCULOS VICIOSOS DE MISÉRIA E AMEAÇAS CADA VEZ MAIS
UNIDADE 03
CONCRETAS À SOBREVIVÊNCIA DA ESPÉCIE HUMANA.
VÍDEO
A terceira geração dos direitos humanos é também fruto do sentimento comum de não repetição
Tudo isso posto acerca da Teoria Geracional dos Direitos Humanos de Karel Vasak, é válido en-
cerrar o presente tópico com a síntese de Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 65):
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São do-
tados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito
de fraternidade”.
Como visto na Unidade anterior: “A dignidade da pessoa humana é o valor fundamental do in-
divíduo” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 235); é também a “finalidade última e a razão de
68
ser de todo o sistema jurídico” (COMPARATO, 2019, p. 77) – do contrário, não há fundamento em
legislar –, não podendo ser puro conceito (COMPARATO, 2019), mas, em verdade, consistindo um
valor intrínseco respeitado e defendido mirando a igualdade, sendo dever da sociedade como um
todo e, principalmente, do Estado resguardá-la (MORAES; KIM, 2013).
Rememorando a temática do regionalismo por meio da implementação dos sistemas regionais
UNIDADE 03
de proteção dos direitos humanos, Piovesan (2019, p. 19) aborda a vantagem à dignidade da pes-
soa humana dessa segmentação:
A dignidade da pessoa humana é inerente a todo ser humano de maneira igualitária, conforme
consta do artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Também outros tratados
corroboram a importância da dignidade da pessoa humana, como é o caso do Protocolo Adicional
à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais (ou simplesmente “Protocolo de San Salvador”), que dispõe sobre a primazia da dignidade da
pessoa humana em detrimento de outros valores.
Em âmbito nacional, basta dizer que a Constituição da República Federativa do Brasil – texto
máximo do ordenamento jurídico interno –, já em seu artigo 1º, elenca a dignidade da pessoa hu-
mana como um dos princípios fundamentais da República, tamanha a importância desse valor ao
Estado brasileiro, não comportando exceções. In verbis os princípios fundamentais:
Continua >
69
Continuação >
UNIDADE 03
SOB A DENOMINAÇÃO “DEMOCRÁTICA”, QUAISQUER ATIVIDADES QUE IMPORTEM
EM RESULTADOS OUTROS QUE NÃO A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA OU QUE SEJAM AUTORIZADOS PRIVILÉGIOS OU INJUSTIÇAS.
Para Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 136), a dignidade da pessoa humana consiste no “mais
importante fundamento constitucional da República Federativa do Brasil”, devendo ser norte para
70
Objetivo 1: Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lu-
gares;
UNIDADE 03
Objetivo 2: Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da
nutrição e promover a agricultura sustentável;
Objetivo 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos,
em todas as idades;
Objetivo 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e pro-
mover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;
Objetivo 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e
meninas;
O trabalho em prol desses objetivos garantirá – dentre outros avanços e melhorias – menores
vulnerabilidades e desigualdades, zelando pela dignidade da pessoa humana, sobretudo dos que
por vezes parecem esquecidos.
Cabe neste momento frisar que os quatro subitens a seguir não exaurem as vulnerabilidades
atinentes à questão da dignidade da pessoa humana. Há variadas outras vulnerabilidades que você
pode ser forçado a confrontar em seu cotidiano; para pensá-las, lembre-se sempre da equidade,
71
pondere os valores e normas que dizem respeito ao problema, mas tenha sempre em mente que
a dignidade da pessoa humana deve prevalecer.
LEITURA
UNIDADE 03
Um exemplo de vulnerabilidade que não será abordada na disciplina de Demandas Contempo-
râneas, mas tão urgente quanto – tal qual qualquer outra –, é a questão da vulnerabilidade das
pessoas portadoras de deficiência. Você pode ler mais sobre o assunto no livro “Pessoas com de-
ficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas”, escrito por Sidney Madruga.
A obra está disponível na Biblioteca Virtual do UniBrasil.
72
espera. Essa combinação acaba atribulando hospitais e postos de saúde – visto que más condições
de higiene aumentam a propensão a doenças – aviltando a dignidade dessas pessoas que igual-
mente merecem acesso a serviços de saúde de qualidade, condições dignas de moradia e higiene.
A vulnerabilidade econômica pode também ser fruto da crise do desemprego que, de modo ge-
ral, assola o mundo, gerando cada vez mais desigualdade social. Estão aqui embutidas também a
UNIDADE 03
vulnerabilidade de gênero e a vulnerabilidade étnico-racial, tendo em vista a diferenciação estere-
otipada entre esses grupos quando da contratação ou ofertas de aumento de salário e progressão
em plano de carreira, muito mais comuns àqueles que não se encontram entre as minorias.
O desemprego, no atual cenário, não atinge apenas as camadas mais baixas da população,
mas também a mão de obra mais qualificada, fazendo surgir um novo fenômeno: o do indivíduo
qualificado que aceita emprego fora de sua área ou que aceita receber salário muito abaixo do
73
O ACESSO DA MULHER AO TRABALHO REMUNERADO, PRINCIPALMENTE A PARTIR
DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, NÃO SE DEU POR OPÇÃO OU BUSCA DE INDEPENDÊN-
CIA. MOVIDAS PELA MISÉRIA E PELAS GUERRAS, AS MULHERES FORAM LEVADAS A
DESEMPENHAR TAREFAS PENOSAS E DE PIOR REMUNERAÇÃO. SUA PARTICIPAÇÃO
NO MERCADO DE TRABALHO CRESCEU A PARTIR DOS ANOS 70, HAJA VISTA AS
UNIDADE 03
ALTAS TAXAS APRESENTADAS EM TODOS OS PAÍSES, EMBORA NOS ÚLTIMOS [...]
ANOS, POR GÊNERO, O DESEMPREGO FEMININO TAMBÉM TENHA CRESCIDO.
Apesar dos variados motivos que deram acesso às mulheres ao mercado de trabalho ao longo
dos anos, muito foi conquistado e deve ser celebrado, mas a vulnerabilidade de gênero persiste. Elas
ainda são as que mais sofrem abusos no ambiente de trabalho e seguem sendo, na maior parte das
74
Independentemente se homem ou mulher, negros encontram maiores dificuldades para adentrar
o mercado de trabalho, sobretudo em cargos de mais elevada hierarquia ou de chefia, sendo raras
exceções aqueles que os alcançam.
A igualdade de oportunidades é prejudicada também pelo preconceito, ainda existente, e fruto
dos motivos mais variados e infundados.
UNIDADE 03
É a população negra que mais morre em tiroteios em operações policiais e a que mais passa por
constrangimentos. São os negros (e menos abastados) que compõem a maior parcela da população
carcerária brasileira e também os que mais sofrem pelas mazelas do sistema jurídico e carcerário,
bem como com suas injustiças e erros.
Ainda hoje os afrodescendentes encontram limitações maiores em razão da barreira do precon-
75
São profissionais, muitas das vezes, qualificados e com vasta experiência, mas que, tal qual a mão
de obra qualificada e altamente especializada de jovens, acabam aceitando ofertas com salários abai-
xo dos que recebiam ou em funções também abaixo da que costumavam ocupar, ou, ainda, em áreas
distintas da sua formação – isso tudo para não perder uma oportunidade de emprego, podendo
continuar ativos e com as despesas em dia de maneira independente.
UNIDADE 03
Idosos também são vítimas da violência doméstica e, não raras vezes, esquecidos ou abandona-
dos à própria sorte ou em asilos sem o menor carinho e cuidado familiar.
Outro quesito a ser levado em conta é o acesso à saúde, que merece especial atenção quando
se alcança essa fase da vida, mas que, como já relatado, resta desigual no sistema público de saúde
brasileiro, que enfrenta as mais variadas dificuldades. Sendo assim, muitas vezes é necessária a con-
tratação de caros planos de saúde para que se tenha acesso a serviços de melhor qualidade e mais
Analisadas essas quatro vulnerabilidades, resta a cada um de nós refletir o que pode fazer para
contribuir com a diminuição delas, revendo preconceitos e condutas. Cada um fazendo sua parte,
aos poucos o mundo se torna um lugar melhor e mais igualitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos, nesta terceira Unidade, questões afetas aos direitos humanos e sua construção, assim
como relativas à dignidade da pessoa humana e algumas de suas vulnerabilidades.
Merece destaque o estudo realizado no primeiro tópico acerca do Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos, inserido no contexto dos Sistemas Regionais – tema não grande-
mente explorado fora dos cursos de Direito e Relações Internacionais, mas de grande relevância
social-humanista, em razão do que representa no avanço dos direitos humanos.
Essas duas principais temáticas abordadas fornecem visão de mundo humanista, o que viabiliza
a análise equitativa das demandas contemporâneas que cada pessoa enfrenta e enfrentará em sua
76
vida; por isso a importância da presente disciplina e de sua abordagem não finalista, mas abran-
gente e jamais almejando o esgotamento – visto que é inimaginável.
A equidade garante que as decisões sejam tomadas da melhor forma possível dentro do cenário
de diuturna desigualdade em que estamos inseridos; é ela também que possibilita a reformulação
para melhor dessa situação, correspondendo ao melhor caminho dialético.
UNIDADE 03
A quarta e última Unidade de Demandas Contemporâneas caracterizará o Estado pensando-o
aliado às perspectivas da igualdade e da equidade sob olhar crítico quanto às políticas públicas e
relações sociais. Também haverá discussão acerca das novas ameaças à sociedade contemporâ-
nea, destacando os aspectos ligados à violência, ao meio ambiente, à previdência, às migrações e
ao multiculturalismo. São temas difíceis de se enfrentar, em razão de sua complexidade, mas que
fazem parte do cotidiano, não sendo possível deixar de lado sua análise cautelosa.
ANOTAÇÕES
77
UNIDADE
04
APENAS
LEGISLAR NÃO
É GARANTIR
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 04
o mundo como o conhecemos hoje, fundamental para avanços e melhorias. Também compreen-
demos o conceito de “dignidade da pessoa humana”, bem como parte do contexto nele envolvido.
Nesta Unidade avaliaremos a ideia de igualdade e de equidade por meio da caracterização do
Estado, das políticas públicas e da mediação nas relações sociais; também serão apresentadas e
pensadas novas ameaças e novos riscos presentes nas sociedades contemporâneas.
79
Beviláqua conceitua da seguinte maneira: “O Estado é um agrupamento humano, estabelecido
em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá unidade orgânica” (apud
MALUF, 2019, p. 35). Desse conceito já derivam os clássicos três elementos constitutivos dos Esta-
dos, quais sejam: população, território e governo.
O termo “Estado” foi utilizado pela primeira vez durante a Idade Moderna, “para designar a
UNIDADE 04
sociedade política por excelência” (FILOMENO, 2019, p. 15), baseada no poder institucionalizado.
Mas, em Grécia e Roma, na Antiguidade Clássica, essa preocupação já era existente e discus-
sões daquela época em torno da temática são conhecidas até hoje, como em Platão, Aristóteles e
Cícero (FILOMENO, 2019).
Rememorando o que apresentamos no início da disciplina, a Idade Média foi período marcado
Assim, apenas na Idade Moderna começa a ser utilizada a terminologia “Estado”, em Maquiavel
e Montesquieu.
Nicolau Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” (escrita em 1513, com publicação póstuma em
1532), destinada a Lourenço de Médici, príncipe de Florença, explica que todos os Estados/do-
mínios que já existiram sobre homens eram repúblicas ou principados, sendo estes hereditários
(valendo-se do critério sanguíneo para a manutenção do poder), ou eram Estados novos (FILO-
MENO, 2019). Na obra, Maquiavel aborda o funcionamento do Estado e o modo como governan-
tes devem atuar.
Já Montesquieu, autor do livro “O Espírito das Leis” (1748), adota o termo “État” (“Estado”,
em francês), caracterizando-o da seguinte maneira: “ente autônomo e capaz de irradiar poder e
direito” (FILOMENO, 2019, p. 16), apresentando sua teoria de freios e contrapesos – também co-
nhecida como “checks and balances”, adotada até hoje.
80
SAIBA MAIS
O Iluminista Barão de Montesquieu (1689-1755) é responsável pela teoria de freios e contrapesos,
que dava limites aos monarcas, pois idealizava a criação de um sistema mais autônomo por meio
UNIDADE 04
da separação dos Poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, dando a cada um destes os po-
deres de autonomia (contrapesos) e de complementaridade (freios), dividindo as competências,
mas mantendo o poder de fiscalização e de controle em suas próprias mãos, as mãos do Estado.
Acerca dos elementos constitutivos de Estado, retomando, tem-se: população, território e go-
verno como elementos necessários. Conforme Maluf (2019, p. 37): “A condição de Estado perfeito
81
1.1 IGUALDADE
“Igualdade” é acepção que remete ao “mesmo nível” em algo.
Exemplo: igualdade entre homens e mulheres. O que se almeja é que ambos os sexos sejam
tratados da mesma maneira, não há de se falar em poréns ou exceções. É como se linhas retas
UNIDADE 04
mantivessem os dois em um mesmo nível acima e abaixo.
Recorde-se do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres huma-
nos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem
agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
SAIBA MAIS
Assim sendo, todos os seres humanos, sem distinção, são iguais e, dentro do estipulado em
referido artigo, não há o que se discutir.
Mas, se na Declaração Universal dos Direitos Humanos há a previsão da igualdade entre seres
humanos, por que há de se falar em luta pela igualdade?
Respondo: legislar não é garantir. Dessa diferença decorre a razão do título desta Unidade e
toda a temática nela apresentada. Disso também decorre a necessidade da luta pela igualdade.
82
A igualdade deve ser buscada e conquistada. Consiste em direito de todos e dever do Estado
objetivar a igualdade, apesar de, por vezes, isso parecer impossível em princípio. Pense na con-
quista do sufrágio universal, por exemplo, que passou pela luta de diversas minorias para que se
alcançasse o patamar atual; quem diria, há alguns séculos, que a igualdade seria alcançada?
UNIDADE 04
REFLITA
Redigir um texto legislativo (seja em âmbito nacional ou internacional) e a ele dar vigência faz,
automaticamente, que a garantia do direito ali expresso seja uma realidade, um fato?
Não! É primordial a aplicação desse texto normativo, pois, do contrário, tem-se mera letra morta,
e qual é a finalidade de criar legislação se não a de aplicá-la melhorando a qualidade de vida das
1.2 EQUIDADE
O termo “equidade” remete à ideia de equivalência. Não há igualdade, mas correspondência,
mutualidade.
Não se fala nas linhas retas paralelas mencionadas para exemplificar igualdade anteriormente,
mas em linhas que, estando uma reta embaixo, a outra acaba desajustada, com uma ponta mais
para cima com relação à outra, que fica mais para baixo.
83
A equidade serve para quando há um desequilíbrio tamanho que se torna necessária a adoção
de medidas que desigualem, mas pautadas pela ética e pelo alcance da universalidade (ou seja,
que todos naquela mesma situação sejam vistos de modo par, universal).
FIGURA 2 - “PESO” NECESSÁRIO PARA QUE SERES HUMANOS EM SITUAÇÕES DISTINTAS SE EQUIVALHAM
UNIDADE 04
UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
Fonte: Shutterstock (2020).
Exemplo: acesso à saúde. Sabe-se que o acesso à saúde é complicado à parcela mais pobre da
sociedade. Como a garantia do igual acesso à saúde entre as variadas classes sociais é impossível
no momento, são criadas medidas que facilitem o acesso às camadas mais baixas por meio da
implementação de políticas públicas, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e a entrega de medica-
mentos. Esse processo viabiliza a equidade, mas não há de se falar em igualdade entre a saúde que
as diferentes classes conseguem acessar2. Pense na fila enfrentada para que se consiga realizar um
exame de saúde em três casos distintos: paciente do SUS; paciente com plano de saúde; paciente
particular. Todos são seres humanos que merecem ser tratados de maneira igualitária, porém, o
que melhor se consegue é a equidade para tentar equilibrá-los.
Outro exemplo possível é o ponto de equilíbrio entre tempo e dinheiro. São duas coisas dis-
tintas que qualquer pessoa precisa administrar: equiparar seu tempo investido em trabalho para
conseguir produzir dinheiro a fim de (ao menos tentar) alcançar seu ideal de qualidade de vida,
ponderando entre o que é mais necessário a ela: mais dinheiro “em caixa” ou maior tempo dispo-
nível. Não há igualdade de tratamento entre essas grandezas para as pessoas, mas sim equidade;
ora, cada um deve, individualmente, encontrar sua equidade entre esses fatores de maneira satis-
fatória para sua existência.
2 Imprescindível destacar que os exemplos explicitados no caso do acesso à saúde (quais sejam, Sistema Único
de Saúde e distribuição de medicamentos) são direitos de todos os brasileiros, não favores ou benesses do Estado,
sendo sequer voltados a um público determinado. Usa do Sistema quem quer; fica a cargo de cada um avaliar suas
condições e necessidades.
84
FIGURA 3 - EQUIDADE ENTRE TEMPO E DINHEIRO
UNIDADE 04
UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
Fonte: Shutterstock (2020).
IGUALDADE EQUIDADE
Ainda sobre ponderação, é importante destacar que qualquer um a realiza em seu dia a dia,
apesar de ser considerada uma técnica de interpretação para hard cases (“casos difíceis”). Mas,
será que todo caso (no sentido de demanda, lide) mereceria e deveria ser julgado pelo Poder Ju-
diciário? Seria essa sempre a via ideal? A resposta para esses questionamentos é negativa, como
você poderá melhor compreender no item a seguir.
85
1.3 MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES SOCIAIS
Voltemos nossa atenção ao Judiciário brasileiro. Há um elevado número de processos sobrecar-
regando o sistema e o tornando a cada dia mais moroso. Seria culpa apenas dos juízes e demais
funcionários técnicos desse setor ou também da sociedade como um todo? A segunda opção é a
UNIDADE 04
mais correta; ora, o número de processos envolvendo causas de pequena monta ou às vezes até
infundadas e mesquinhas é tão elevado que levou à criação dos Juizados Especiais (antigos “Juiza-
dos de Pequenas Causas”, nome que falava por si).
Os Juizados Especiais contam com um “processo simplificado” para o ajuizamento de ações
“corriqueiras” de menor violação e/ou baixo valor envolvido. O objetivo é agilizar o trâmite pro-
cessual até a decisão, fazendo com que as partes tenham sua demanda analisada e decidida com
SAIBA MAIS
O valor da causa no Juizado Especial Cível não pode ultrapassar 40 salários mínimos, sendo que
em demandas de até 20 salários mínimos pode ser dispensada a contratação de advogado. Já no
Juizado Especial da Fazenda Pública, o teto máximo é de 60 salários mínimos.
O Juizado Especial Criminal é voltado aos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles crimes
e contravenções penais cujas penas máximas não ultrapassam dois anos de privação de liberdade.
Mas, apesar da criação dos Juizados Especiais, o problema da morosidade no Poder Judiciário
brasileiro persiste.
É comum circular pela internet e de vez em quando em noticiários casos absurdos que chegam
aos tribunais, como o dos irmãos que brigam por um moletom, do homem que processou um bar
pelo tamanho da caipirinha e do aluno de direito da Universidade de São Paulo (USP) que pediu
usucapião de armário de seu uso dentro da instituição e que passaria por política de redistribuição.
Esses são apenas alguns exemplos esdrúxulos recentes e marcantes, mas diversos outros casos
inusitados chegam aos tribunais sem necessidade, o que demonstra falta de compreensão por
parte da população acerca do que representa ingressar com uma ação, de todo o custo de tempo e
dinheiro que isso demanda dos cofres públicos (além de seu próprio tempo, dinheiro e desgaste).
Apesar desses exemplos pitorescos, não são apenas eles que atravancam os tribunais. Há ainda
picuinhas que são levadas à justiça: casos de famílias, vizinhos, danos morais sem danos reais (quan-
do só se busca enriquecimento fácil)… enfim, uma miríade de casos que poderiam ser resolvidos
facilmente por meio de diálogo e acordo, conciliação, mediação, arbitragem, justiça restaurativa.
Esses são exemplos de medidas que podem ser adotadas apenas entre as partes ou não para que se
chegue a um consenso sem intervenção judiciária. Essa é a tendência: desjudicialização. O caminho
não é fácil, muito menos breve, mas renderá frutos à sociedade brasileira como um todo.
86
Outro rumo que vem sendo adotado no Brasil é a criação dos centros judiciários de solução de
conflitos e cidadania (Cejusc), que atuam com as modalidades de conciliação e mediação, formas
de autocomposição – método de solução de conflito entre pessoas que se distingue da hetero-
composição, por não envolver a eleição de um terceiro que atue na decisão, casos da arbitragem
e da própria jurisdição, exercida pelo Poder Judiciário (e que podem levar as partes à necessidade
UNIDADE 04
de acatamento de uma decisão a ambas desconfortável).
Não vem ao caso, nesta disciplina, diferenciar pormenorizadamente cada uma dessas modali-
dades, sobretudo com termos técnicos atinentes ao curso de Direito, apenas deixar claro em que
elas consistem, além da já demonstrada vantagem social de “destravar” o Poder Judiciário.
O diálogo que leva a um acordo entre partes é a maneira mais simples de se resolver problemas
consensualmente – e tão ancestral quanto as disputas que modernamente se tornaram judiciais,
SAIBA MAIS
87
tiva, de forma humanizada, reparar o dano causado à vítima. Requer colaboração entre as partes,
que devem estar alinhadas à intenção de restauração, não de culpa e penalização.
UNIDADE 04
Fonte: Shutterstock (2020)
Destaque-se “estado de direitos mínimos necessários”, ou seja: um mínimo necessário para que
qualquer pessoa viva com dignidade – a dignidade da pessoa humana –, dentro de parâmetros
básicos de condições.
Não compreendem política partidária, mas política de Estado, sempre em prol do cidadão, não
da promoção de partido político ou de candidato. Por essa razão, devem ser mantidas apesar das
possíveis alterações político-partidárias e dos ocupantes dos cargos a cada pleito, sendo ideal sem-
pre seu aprimoramento, nunca seu retrocesso ou estagnação, havendo continuidade mesmo de
um governo para outro.
Também não devem ser vistas como “moeda de troca” ou de “compra” da população. Não há de
se falar em “dívida” por parte de quem usufrui da política pública com relação ao governo e Estado.
88
O Estado promove políticas públicas a fim de que se garantam necessidades básicas à população; não
são os políticos ou partidos que promovem a implementação ou melhoria em uma política pública
com a finalidade de angariar carisma e mais votos – ou ao menos não é assim que deveria ser.
Podem ser adotadas políticas públicas em vários setores essenciais à população. Lopes Filho
(2018) exemplificou, como supracitado, cultura e economia. Complemento com: saúde, educação,
UNIDADE 04
transporte, habitação, alimentação, segurança, e assim por diante – qualquer setor primordial à
vida dos seres humanos.
Alguns exemplos brasileiros de destaque são:
» Saúde: com o já mencionado Sistema Único de Saúde (SUS);
» Educação: escolas e universidades públicas, bem como a política de cotas para ingresso nestas últimas;
89
É a partir desse raciocínio de Lopes Filho que partimos ao último tópico da disciplina de Deman-
das Contemporâneas – homônimo à disciplina e com análise destacada de cinco distintas deman-
das (mais uma vez, sem a pretensão de esgotá-las, pois seria impossível).
UNIDADE 04
UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
Fonte: Shutterstock (2020).
2. DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
A sociedade contemporânea é marcada pela globalização; a Era Digital, dizem alguns. Tudo
pode acontecer em um piscar de olhos. A informação se propaga com velocidade tamanha que o
que acontece em um lado do globo pode ser transmitido e assistido ao vivo noutro.
Nessa mesma velocidade em que informações são transmitidas, cresce o consumo indiscrimi-
nado e por impulso, facilitado pelas compras por meio do uso de cartão de crédito e das vendas
on-line (por meio de aplicativos, redes sociais e sites). Também é possível encomendar um produto
do outro lado do mundo e, se ele não for digital e você puder receber na hora, basta aguardar o
tempo do frete que o produto chegará em sua casa.
O tempo de espera pelo produto passa a ser um angústia, pois as gerações mais jovens são
acostumadas com tudo na velocidade de um clique. A ansiedade e a depressão são alguns dos
males do século.
O gerenciamento do tempo também passa a ser um problema. As queixas com relação à “falta
de tempo” são cada vez mais frequentes em rodas de conversa, mas muitas das vezes o problema
não é a falta de tempo, mas seu péssimo gerenciamento. Grande parte da população não sabe es-
colher suas prioridades, nem dizer não, o que torna as agendas cada vez mais bagunçadas, dando
a sensação de tempo em falta.
A complexidade de organização e priorização da utilização do tempo decorrente da indefinição
com relação às prioridades pode ocorrer em razão da dificuldade de desligar-se do trabalho, como
no caso dos workaholics, ou da necessidade de acumulação de cargos e funções para a obtenção
de êxito na conquista de renda compatível ao necessário para cada um – sendo esses apenas
90
alguns exemplos. Este último aspecto, cumpre ressaltar, traz consigo o problema do abandono
familiar ou do “eu”, quando a pessoa se perde de si mesma e de sua família ao priorizar o sucesso
financeiro (há desequilíbrio até nisto!).
Essa dificuldade de gerenciamento do tempo também se dá pela exposição quase que ininter-
rupta a novas informações, culturas e conteúdo.
UNIDADE 04
“Conteúdo” – outra palavra que define a contemporaneidade. A criação e o compartilhamento de
conteúdo se tornaram parte do dia a dia de qualquer pessoa por meio das redes sociais. Conteúdo de
qualidade ou não, o que importa é dividir, contar o que está acontecendo para seus amigos e familia-
res e, por que não, seu público. Acompanhar e produzir isso tudo causa obesidade mental – aquele
sentimento de cabeça pesada a ponto de explodir com tanta informação que tentamos abraçar.
91
gostos, estilos etc. Ao mesmo tempo que é interessante encontrar pessoas, por exemplo, com os
mesmos hobbies que você em um canto escondido do planeta, pode ser assustador pensar na
facilitação que isso promove para a perda ou enfraquecimento da prática de costumes regionais.
Você está preparado para nadar contra essa corrente quando necessário ou prefere apenas se-
guir o fluxo? Lembre-se: a ausência de inquietação diante dos desafios leva à comodidade. Se toda
UNIDADE 04
sociedade se acomodar, qual progresso conquistaremos?
Todos esses são alguns dos dilemas enfrentados na atualidade – não havendo pretensão de
esgotamento aqui na disciplina, como variadas vezes mencionamos.
Nos próximos cinco itens, analisaremos brevemente cinco demandas contemporâneas distin-
tas. Cada uma delas também não terá sua análise exaurida pela disciplina. Há diversificados meios
Esta demanda contemporânea pode ser analisada sob dois aspectos básicos: interno e externo.
Sob o aspecto interno, tem-se a violência nas cidades e grandes centros urbanos fruto da desi-
gualdade social, já abordada na Unidade 3 da disciplina de Demandas Contemporâneas.
Há também a questão da aceitação da violência. Há comodidade em proteger-se ao invés de
combater – mas isso não diminui o medo que esse problema social causa.
É cada vez mais comum o isolamento social em condomínios residenciais, em razão do medo de
habitar casas; já as casas, ficam cada vez mais monitoradas e com muros mais altos. A sociedade
fica acuada, refém da expectativa de que pode acontecer alguma violação/violência a qualquer
momento, sendo essencial estar sempre vigilante.
92
É parte da grade de emissoras de televisão aberta programas sensacionalistas que abordam
pura e simplesmente a temática da violência. Apresentadores propositadamente exaltados narram
violências – não poucas vezes ocorridas simultaneamente à transmissão.
UNIDADE 04
LEITURA
Imagine uma sociedade com jovens praticantes da “ultraviolência”, sem limites e sádicos. Esse é o con-
texto de “Laranja Mecânica” (1962), livro do inglês Anthony Burguess, que ganhou, no ano de 1971,
adaptação para o cinema em filme dirigido por Stanley Kubrick. Tanto a partir do filme quanto a partir
do livro, é possível refletir acerca de questões afetas à violência e o modo como (não) combatê-la.
No âmbito internacional, o problema permanece sendo os conflitos armados com guerras que
se estendem ao longo de anos e que levam às diásporas – tema da quarta demanda contemporâ-
nea a ser analisada no presente material.
Esses conflitos têm origem nas mais variadas diferenças entre países, sendo que sua motivação
costuma ser política ou religiosa.
Deram origem a um específico ramo do Direito, o Direito Humanitário, também denominado
Direito Internacional dos Conflitos Armados (PIOVESAN, 2019), que engloba o conjunto de leis
internacionais vigentes em territórios em condições de conflito armado. Aborda, por exemplo,
questões relativas à proteção dos civis e feridos, condutas que podem ou não ser adotadas, lo-
cais e profissionais que devem ser respeitados (exemplificativamente: todos aqueles identificados
como membros da Cruz Vermelha).
Pergunta-se: é possível alcançarmos um dia a paz absoluta?
É válido apresentarmos os conceitos de “paz negativa” e “paz positiva”, formulados pelo soci-
ólogo norueguês Johan Galtung (1930-) e apresentados em 1995. Para Galtung, a paz negativa é
pura e simplesmente a ausência de guerra, ao passo que a paz positiva envolve a promoção da
cooperação pela paz entre os Estados e a interdependência entre povos.
Outro problema relativo a conflitos armados internacionais envolve o terrorismo3 – hoje no-
tadamente praticado com finalidade religiosa. Importante destacar o conjunto de ações coorde-
3 Possíveis exemplos de atentados terroristas anteriores ao 11 de setembro e com finalidade política são as ações
promovidas pelos grupos separatistas Exército Republicano Irlandês (IRA) e Organização Pátria Basca e Liberdade (ETA).
93
nadas que estarreceu o mundo e marcou uma nova era nas relações internacionais: os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América, com conflitos armados
consequentes que perduram até hoje.
UNIDADE 04
VÍDEO
“Atentado ao Hotel Taj Mahal” (lançado no Brasil em julho de 2019), dirigido por Anthony Maras
e estrelado por Dav Patel.
O filme, baseado em fatos reais, retrata os atentados ocorridos em Mumbai, na Índia, em 26 de
novembro de 2008, com ênfase na ação realizada dentro do luxuoso Hotel Taj Mahal (que se
estendeu até a manhã do dia 29 de novembro), apesar de os atentados terem envolvido outros
94
O texto prevê igualdade de acesso ao meio ambiente, bem como dever de conservação, que
deve ser feita objetivando tanto as futuras quanto as presentes gerações.
A ideia por trás de “meio ambiente ecologicamente equilibrado” engloba fauna e flora, mere-
cendo ambas a mesma atenção, com cuidados, preservação, proteção e recuperação.
UNIDADE 04
Acerca dos recursos naturais, é importante que você rememore as ideias de fontes renováveis
e não renováveis de energia, quais são as mais e as menos poluentes – que, consequentemente,
agridem menos o meio ambiente.
O fator comodidade é o que muitas vezes leva à opção pelas fontes não renováveis, cabendo ur-
gente reflexão social e de governo, que deveria adotar e incentivar a opção por energias renováveis.
Além disso, há a questão do consumo consciente. Quanto do consumo no mundo é de fato
REFLITA
Quais substituições de compras (marcas e produtos) você poderia fazer para aderir a esse movimento
global de consumo local? Que tal pensar nessa possibilidade antes de realizar sua próxima compra?
Com toda certeza sua experiência de compra será mais humanizada e, quem sabe, fará com que você
se sinta mais parte de uma comunidade. O sentimento de pertencimento é valioso, sobretudo em
tempos de solidão atrás de telas. Compre de modo consciente e com propósito em suas escolhas!
95
ação do homem – mas que podem ser intensificados em razão, por exemplo, do aquecimento glo-
bal. Podemos nomear aqui os tornados, tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas, entre outros.
Esses desastres naturais resultam muitas vezes em tragédias de grandes proporções, causando,
inclusive, problemas sociais, como quando destroem casas e matam elevado número de pessoas.
Consequentemente, levam pessoas à fuga dos seus países de origem para encontrar melhores
UNIDADE 04
condições de vida (como veremos no quarto item desta análise de demandas contemporâneas,
ao tratar das migrações). Motivam também a manutenção e adoção de algumas políticas públicas.
96
O Estado brasileiro foi por muito tempo considerado um Estado com população jovem, o que
significa dizer: um Estado com maior parte da população em idade economicamente ativa (logo,
não são crianças, nem idosos). Essa configuração populacional viabiliza o sustento de um sistema
previdenciário estatal que, inclusive, não requeira o aumento da idade mínima para aposentadoria.
Ocorre que essa já deixa de ser a situação brasileira. O país está envelhecendo e, com isso, sur-
UNIDADE 04
ge o cenário da falta de população economicamente ativa que sustente os gastos previdenciários,
pois não há recolhimento suficiente para sustentar o valor de aposentadorias que devem ser pagas
pelo Estado aos aposentados.
Entre outras questões, o planejamento familiar é um dos responsáveis pelo envelhecimento
populacional brasileiro. Mulheres (e famílias) deixam de ter numerosos filhos para ter filho único
ou sequer tê-lo. O envelhecimento populacional é mera decorrência.
VÍDEO
“Intocáveis”, comédia francesa de 2011, dirigida por Olivier Nakache e Éric Toledano, com Omar
Sy e François Cluzet atuando nos papéis principais. O filme pode não acrescentar muito à disci-
plina em si, mas pode fazer você refletir acerca da efemeridade da vida, da importância de saber
vivê-la e aproveitá-la apesar das dificuldades, tanto na vida adulta quanto na velhice, além das
reflexões sobre preconceito e deficiência física.
97
2.4 MIGRAÇÕES E DESLOCAMENTOS FORÇADOS
UNIDADE 04
Fonte: Shutterstock (2020).
98
Para os venezuelanos, a proximidade com o Brasil é um atrativo, ao passo que para aos haitianos o
que inicialmente motivou sua diáspora para cá foi a missão de paz do Exército brasileiro lá instalada,
sendo o Brasil visto por ambos como um país com perspectiva para seu crescimento próprio.
Como mencionado, o idioma pode ser uma das dificultantes do processo de inserção do mi-
grante na nova sociedade; a cultura e os costumes, muitas vezes completamente diferentes, tam-
UNIDADE 04
bém. Esse é o tema do último item representativo das demandas contemporâneas.
VÍDEO
O filme “Samba” (2014), com a mesma direção do filme “Intocáveis” anteriormente indicado,
Ao mesmo tempo em que a globalização diminuiu distâncias e compartilhou a prática dos cos-
tumes – muitas das vezes uniformizando culturas –, os choques culturais persistem, principalmen-
te como nos mencionados casos das migrações e deslocamentos forçados.
Para o sucesso da manutenção das diferentes culturas ao redor do mundo, é primordial o res-
peito. A coexistência harmoniosa do diferente em um mesmo espaço deve ser exercida e respeita-
da, e não apenas tolerada – o ideal é que seja, inclusive, almejada.
É apenas com o novo e o compartilhamento de ideias e de diferentes pontos de vista que con-
seguimos evoluir como sociedade e civilização.
Interessante diferenciar três conceitos atinentes ao culturalismo, que pode ser inter, pluri ou multi.
O interculturalismo diz respeito à relação harmônica entre culturas diferentes, havendo recipro-
cidade e interação. É como um diálogo “de igual para igual”.
99
O pluriculturalismo, por sua vez, é a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço, por
exemplo, um país, em pé de igualdade, sem que uma se sobressaia com relação às demais e seja
predominante. Pretende a manutenção da autenticidade e espaço para cada cultura.
Finalmente, o multiculturalismo se assemelha ao pluriculturalismo, com o porém de que há
uma cultura dominante. Reconhece a existência de diferentes culturas em um mesmo território,
UNIDADE 04
mas é sabido que existe uma cultura predominante em relação às demais. Um exemplo seria a
indústria cinematográfica, com a predominância do cinema hollywoodiano.
A sociedade contemporânea é cada vez mais plural. Apenas por meio do exercício do senso de
coletividade é que pode ser, de fato, vivido o culturalismo em todas as suas facetas.
Vista toda a disciplina e abordadas essas cinco demandas contemporâneas de maneira mais de-
talhada, é essencial repetirmos e insistirmos na relevância do título da presente Unidade: “Apenas
legislar não é garantir”. Ora, todas essas questões aqui apontadas estão mais do que legisladas,
com previsão em ordenamentos jurídicos internos e externos, mas as violações, injustiças, desi-
gualdades permanecem. É por essa razão que não basta apenas legislar; deve-se almejar o cum-
primento do documento legislativo.
Apenas por meio da aplicação da legislação é que ela fará sentido.
Não são necessárias mais leis: basta sua correta aplicação, seu cumprimento e fiscalização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos nesta quarta e última Unidade o conceito de Estado e seu modo de atuar em prol da
equidade por meio de políticas públicas. Também abordamos a categoria igualdade e a questão da
mediação na sociedade e tivemos a oportunidade de analisar a sociedade contemporânea, bem
como cinco demandas contemporâneas distintas e relevantes na atualidade.
Com essas temáticas concluímos a disciplina de Demandas Contemporâneas, mas, obviamente,
não encerramos a discussão sobre as demandas atuais, nem esgotamos a análise das questões
abordadas – dada sua característica multifacetada.
100
A pretensão aqui não é “sepultar” a temática ao aluno quando da conclusão do curso, mas ex-
pandir horizontes e conferir novo modo de análise dessas questões por meio da equidade.
Rememoramos, assim, o objetivo da disciplina: demonstrar a complexidade dos padrões sociais
contemporâneos pela abordagem de temas variados, visando à quebra de paradigmas por meio
de exposição crítica e reflexiva pautada pela equidade.
UNIDADE 04
Desse modo, antes de dar esse material e a disciplina por vencidos, reflita: o que você aprendeu
em Demandas Contemporâneas? Quanto do aqui exposto você levará para seu dia a dia? A quan-
tas das indicações de leituras e filmes você aderiu para aproveitar o aprendizado, maximizando-o?
Quais atitudes e maneiras de pensar e agir você já modificou? Como você aplicará a equidade e
pensará e discutirá as demandas contemporâneas daqui para frente?
ANOTAÇÕES
101
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, D. de. História Geral. São Paulo: Saraiva, 2016. (Coleção Diplomata). [Biblioteca Virtual
UniBrasil].
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituica-
ocompilado.htm>. Acesso em: 23 ago. 2019.
________. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à proprieda-
de industrial. Diário Oficial da União, Brasília, 14 maio 1996. Disponível em: <http://www.planalto.
102
_________. Nações Unidas Brasil. A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
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