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DEMANDAS

CONTEMPORÂNEAS

EAD
DIRIGENTES FICHA TÉCNICA
| PRESIDÊNCIA | AUTORA
Prof. Dr. Clèmerson Merlin Clève Prof. Me. Laura Bittencourt Silva

| REITORIA | SUPERVISÃO DA PRODUÇÃO DE MATERIAIS EAD


Profa. Me. Albertina Nascimento Esp. Idamara Lobo Dias

| DIRETORIA ACADÊMICA | PROJETO GRÁFICO


Profa. Me. Daniela Ferreira Correa Esp. Janaína de Sá Lorusso
Esp. Cinthia Durigan
| DIRETORIA EXECUTIVA
Profa. Esp. Silmara Marchioretto | DIAGRAMAÇÃO
Esp. Cinthia Durigan
| COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DE GRADUAÇÃO EAD
Prof. Me. João Marcos Roncari Mari | REVISÃO
Esp. Ísis C. D’Angelis
| COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DE PÓS-GRADUAÇÃO EAD
Prof. Me. Marcus Vinícius Roncari Mari | PRODUÇÃO AUDIOVISUAL
Eudes Wilter Pitta Paião
Estúdio NEAD (Núcleo de Educação a Distância) -
UniBrasil

| ORGANIZAÇÃO
NEAD (Núcleo de Educação a Distância) -
UniBrasil

EAD

EDIÇÃO: OUTUBRO/2022
SUMÁRIO

UNIDADE 01 - HUMANIDADE: O NOSSO CAMINHAR


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................05
INTRODUÇÃO.......................................................................................06

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1. PANORAMA HISTÓRICO..............................................................06
1.1 Idade Média (476-1453).................................................................08
1.2 Idade Moderna (1453-1789)..........................................................12
1.3 Idade Contemporânea (1789-).......................................................17
2. A QUESTÃO ECONÔMICA.............................................................20
2.1 Capitalismo Comercial ou Mercantilismo.......................................22
2.2 Capitalismo Industrial ou Industrialismo........................................25
2.3 Capitalismo Financeiro ou Capitalismo Monopolista......................30
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................33

UNIDADE 02 - SOCIEDADE E CIDADANIA


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................35
INTRODUÇÃO.......................................................................................36
1. ESTUDOS SOCIAIS: SOCIEDADE E SOCIOLOGIA..........................36
1.1 Marx (1818-1883)..........................................................................39
1.2 Durkheim (1858-1917)...................................................................40
1.3 Weber (1864-1920)........................................................................42
2. MERCADO E MEIO AMBIENTE: COMPETIÇÃO OU COOPERAÇÃO?......44
2.1 Natureza........................................................................................46
2.2 Produção.......................................................................................47
2.3 Consumo.......................................................................................49
3. A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA..................................................51
3.1 Formação......................................................................................52
3.2 Cidadania e dignidade...................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................55
SUMÁRIO

UNIDADE 03 - DIREITOS HUMANOS: CONSTRUÇÃO NECESSÁRIA


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................57
INTRODUÇÃO.......................................................................................58
1. DIREITOS HUMANOS: CONSTRUÇÃO NECESSÁRIA.....................58

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1.1 Contexto histórico.........................................................................60
1.2 Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos...................62
1.3 Teoria Geracional dos Direitos Humanos........................................64
2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA..............................................68
2.1 Quando a dignidade da pessoa humana é violada..........................70
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................76

UNIDADE 04 - APENAS LEGISLAR NÃO É GARANTIR


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................78
INTRODUÇÃO.......................................................................................79
1. ESTADO E RELAÇÕES SOCIAIS......................................................79
1.1 Igualdade......................................................................................82
1.2 Equidade.......................................................................................83
1.3 Mediação nas relações sociais.......................................................86
1.4 Políticas públicas...........................................................................88
2. DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS................................................90
2.1 Violência e guerras........................................................................92
2.2 Meio ambiente, recursos e desastres naturais...............................94
2.3 Transição demográfica, envelhecimento e sustentabilidade previ-
denciária.......................................................................................96
2.4 Migrações e deslocamentos forçados.............................................98
2.5 Choques culturais e multiculturalismo...........................................99

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................100

REFERÊNCIAS.....................................................................................102
UNIDADE

01
HUMANIDADE:
O NOSSO
CAMINHAR

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» S ituar os principais acontecimentos históricos atinentes à disciplina e suas ca-


racterísticas dentro das três Eras Históricas mais recentes;
» C
ompreender as transformações econômicas da modernidade à contempora-
neidade, chegando à economia de mercado baseada no predomínio da iniciati-
va privada.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qrgo.page.link/5FbPM https://qrgo.page.link/7qQLE https://qrgo.page.link/VAD7J


INTRODUÇÃO
Olá! Seja bem-vindo à disciplina de Demandas Contemporâneas!
O objetivo principal desta disciplina é demonstrar a complexidade dos padrões sociais con-

UNIDADE 01
temporâneos com a abordagem de temas variados, visando à quebra de paradigmas por meio de
exposição crítica e reflexiva pautada pela equidade.
Ao abordar alguns períodos históricos da humanidade, almeja-se que cada aluno consiga rever
seus próprios padrões de pensamento e analisar quais padrões sociais atuais merecem ser repen-
sados e modificados.
Nesta primeira Unidade, será abordada também uma breve história da economia moderna,

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culminando com a economia de mercado baseada no predomínio da iniciativa privada.
Nem sempre serão apresentadas respostas ou conclusões aos questionamentos apresentados;
muitas das vezes, o que teremos serão provocações – ora, o objetivo principal da disciplina é a
reflexão pautada pela equidade. Apresentar minhas respostas pessoais ou de outros autores nem
sempre será o caminho mais salutar à formação de seu pensamento crítico.
Minha principal função aqui é traçar o caminho que você percorrerá sozinho, norteando seu
pensamento, mas sem direcioná-lo de modo forçoso e impositivo. O aproveitamento desta disci-
plina depende de você!
O profissional moderno deve refletir acerca das infinitas demandas contemporâneas de modo
arrojado, sem se contentar simplesmente com o que está formulado em doutrina. Deve buscar
fatos para pautar seus argumentos e fontes seguras para se inspirar e fundamentar suas opiniões.
Isso tudo porque demandas contemporâneas são todos os anseios da atualidade, que se modi-
ficam, destacam, extinguem aceleradamente. Assim sendo, é pedante afirmar que a disciplina de
Demandas Contemporâneas esgota as demandas contemporâneas. Aqui serão apresentadas algu-
mas das mais relevantes para o momento, mas você deve estar preparado para pensar fora deste
material e de acordo com os novos anseios e inquietações que surgem diuturnamente.
Vamos juntos! 

1. PANORAMA HISTÓRICO
Da Pré-História até a atualidade, o homem e a sociedade passaram por diversas modificações.
Muitas evoluções, porém, variadas vezes, ocorreram por conta de retrocessos.
Qualquer história que se preze não é constituída apenas por uma evolução crescente, vitórias e
conquistas; há altos, baixos, saltos de avanço e declínios.
A História segmenta a evolução da humanidade em alguns períodos nos quais é possível notar
um momento de ruptura, quando ocorre a passagem para uma nova idade e, com ela, surgem
novos desafios, perspectivas, anseios, tecnologias, ideias, estilos de vida e por aí vai.

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São ao todo cinco Eras Históricas, conforme apresenta a linha do tempo a seguir:

IDADE ANTIGA IDADE


PRÉ-HISTÓRIA IDADE MÉDIA IDADE MODERNA
(de +/- 4 mil a.C.
CONTEMPORÂNEA
(até +/- 4 mil a.C.) (de 476 a 1453) (de 1453 a 1789)
a 476 d.C.) (de 1789 até hoje)

UNIDADE 01
Comparando essa linha do tempo com algumas das principais invenções da humanidade, fica
nítida a mudança das necessidades inerentes ao homem ao longo das Eras. Observe:

FIGURA 1 - LINHA DO TEMPO COM ALGUMAS DAS PRINCIPAIS INVENÇÕES

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5000 a.C.

790000 a.C. 3.500 a.C.

Fonte: Adaptado de Shutterstock (2020).

Se antes eram feitas descobertas – como o fogo –, hoje a maior parte são invenções (criações
que envolvem uma criação/construção) e inovações de invenções (melhoramentos/modificações
de invenções já existentes).
Analisemos o caso da roda, que de rudimentar passou a ser altamente tecnológica, transitando
por diversificados materiais e características ao longo do tempo. Ora, a roda dos carros é distinta
das rodas de bicicletas e tratores em suas características e necessidades, cada uma com suas tec-
nologias e adaptações de uma criação pré-histórica – que segue inalterada em sua essência.
Outro possível exemplo são os celulares, que inovaram com relação aos telefones, e seguem se
modificando desenfreadamente no mercado com novas especificações, funcionalidades, modelos,
tamanhos etc., incontáveis pequenas e grandes inovações a partir de uma invenção.

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SAIBA MAIS

No Brasil, a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, regula os direitos e obrigações relativos à pro-
priedade industrial, que envolve também o registro de marcas e patentes.

UNIDADE 01
Interessante mencionar os três requisitos para que uma invenção seja patenteável, constantes do
artigo 8º da Lei nº 9.279/96:
» Ser novidade;
» Fruto de atividade inventiva;

» Ter aplicação industrial.

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Os artigos 9º e 10 apresentam, respectivamente, modelo de utilidade e o que não pode ser consi-
derado nem invenção, nem modelo de utilidade e, logo, não pode ser patenteado.
Fonte: BRASIL (1996).

Inicialmente a busca era pelo necessário e funcional; hoje há inúmeros outros anseios que mo-
vem as inovações, invenções e descobertas da humanidade – inclusive a economia e o mercado.
Os próximos dois itens objetivam apresentar um breve panorama histórico geral das três
Eras mais recentes da humanidade, quais sejam: a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade
Contemporânea.
A finalidade desses itens é contextualizar historicamente em que pés andava – e agora anda – a
humanidade nesses períodos, que serão discutidos com mais profundidade posteriormente, em
diversas temáticas abordadas nesta disciplina, servindo de apoio para que não seja necessário
esse retorno histórico a todo momento, pois daqui já sairá o gancho para nossos objetos.
Por vezes, ao analisarmos um objeto específico, não nos damos conta da complexidade his-
tórica abarcada por seu contexto. Ao realizar essa análise de objeto isolada, o que se tem é ape-
nas uma rasa parcela de sua magnitude. Compreender o momento histórico do objeto auxilia a
responder a muitas outras perguntas que, deslocadas dessa visão global, acabam surgindo e por
vezes nos confundindo.
Uma última razão é aproximar fatos históricos que podem parecer já distantes de nossa realida-
de ou esquecidos em nossa memória, mas que ainda impactam no presente de uma forma ou de
outra, além de mostrar como tudo está interligado em nível global.

1.1 IDADE MÉDIA (476-1453)


Compreendida entre os séculos V e XV, a Idade Média é marcada pela forte influência religiosa,
sobretudo pelo crescimento do cristianismo, que contava com os tribunais de Inquisição para com-
bater práticas heréticas, bem como inspirou as Cruzadas – que objetivavam a conquista da Terra
Santa, Jerusalém.

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Uma das principais características do período é a descentralização do poder, marcado pelo sis-
tema feudal ou feudalismo. O feudo contava com estrutura social estamental baseada na servidão
e na relação de posse da terra concedida pelo suserano (senhor) aos servos. A terra era cultivada
voltada à agricultura de subsistência.
O sistema corriqueiramente adotado para a realização de negócios era o escambo, consistente

UNIDADE 01
na permuta de produtos, sendo as moedas adotadas apenas no final do período.

SAIBA MAIS
Os tribunais de Inquisição compunham o corpo jurídico da Igreja Católica Romana. Exerciam po-

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der condenatório e punitivo sobre pessoas consideradas hereges ou que defendiam ideias con-
trárias às pregadas pela Igreja.
As condenações eram variadas, podendo ser desde prisão – perpétua ou não – a torturas e pena
de morte.
Um dos exemplos mais conhecidos da Inquisição é o caso de Joana D’Arc, que combateu na Guer-
ra dos Cem Anos. Foi julgada herege e condenada à morte na fogueira. Desde 1920, após sua ca-
nonização, é Santa Joana D’Arc, sendo possível encontrar imagens suas em igrejas, principalmente
na França.
Os cientistas também sofriam perseguições, como Galileu Galilei, cientista que defendia o helio-
centrismo. Para não ser queimado vivo, leu uma confissão contrariando suas conclusões cientí-
ficas e se comprometendo a não mais falar sobre elas. Dessa forma acabou condenado à prisão
domiciliar perpétua.
FIGURA 2 - ESTÁTUA DE JOANA D’ARC FORA DA CATEDRAL DE REIMS, CIDADE AO NORTE DA FRANÇA.

Fonte: Shutterstock (2020).

O sistema feudal vê seu declínio com o aumento das cidades e com a reorganização das relações
comerciais, que foram facilitadas pela organização e adoção do sistema monetário, contribuindo
para o desuso gradual das práticas de escambo que já não eram mais tão funcionais, em razão da
pouca praticidade de transporte e negociação.
A estrutura feudal não mais se sustentava e uma nova Idade tem início, como veremos no item 1.2.

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Nesse período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, ocorreu, em “meados do
século XIV até o final do século XVI [não havendo consenso científico acerca de marcos de início
e fim]” (BYINGTON, 2009, p. 7), o movimento artístico-cultural que ficou conhecido como Renas-
cimento (Renascença ou Renascentismo), merecedor de um subitem específico, em razão de sua
importância histórica e para nossos estudos nesta disciplina.

UNIDADE 01
1.1.1 RENASCIMENTO
O termo que cunha o período vem da ideia de resgate defendida pelo movimento homônimo,
referindo-se:

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[...] AO RETORNO IDEAL ÀS FORMAS DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA ENQUANTO
VERDADEIRA FONTE DA BELEZA E DO SABER. [...] OS INTELECTUAIS SE DEDI-
CAVAM AO ESTUDO DA GRAMÁTICA, RETÓRICA E DIALÉTICA, EXERCITANDO-SE
SEGUNDO OS MODELOS MAIS ELEGANTES DA ANTIGUIDADE, EM PARTICULAR
O LATIM NEOCLÁSSICO. AO GRANDE DESENVOLVIMENTO DE TAIS ESTUDOS,
DESIGNADOS STUDIA HUMANITATIS, DEU-SE O NOME DE HUMANISMO. SEUS
PROTAGONISTAS, OS HUMANISTAS, FORAM A VANGUARDA DA GRANDE TRANS-
FORMAÇÃO CULTURAL CHAMADA RENASCIMENTO.
(BYINGTON, 2009, p. 7)

Interessante destacar que, apesar de a Renascença representar um resgate, conforme mencio-


nado, nada tinha de nostálgica. Ao contrário: um dos estímulos dos intelectuais era a busca por
inovações e desenvolvimento, pois viam-se como superiores em relação ao pensamento e produ-
ção dos séculos passados (BYINGTON, 2009).
O movimento teve sua origem:

[...] NAS CIDADES-ESTADO ITALIANAS E, GRAÇAS A SEUS HUMANISTAS E ARTIS-


TAS, MATEMÁTICOS E ENGENHEIROS, BANQUEIROS E HOMENS DE NEGÓCIOS, A
PENÍNSULA ITÁLICA FOI VANGUARDA DESSA REVOLUÇÃO CULTURAL QUE DALI SE
ESTENDEU PARA O RESTO DA EUROPA. JUNTO COM AS CORTES, MAS SOBRE-
TUDO POR MEIO DAS ORDENS RELIGIOSAS, AS NOVIDADES FORMAIS VIAJARAM
PARA O NOVO MUNDO, ONDE SEUS ECOS SE ESTENDERAM PELO SÉCULO XVIII.
(BYINGTON, 2009, p. 7)

O período também é marcado pelo crescimento econômico, que colaborou com o desenvolvi-
mento urbano, social, e naval – este culminando na expansão territorial e projetos de colonização
por meio das “Grandes Navegações”.
Houve quem conseguisse ascensão social em razão do acúmulo de capital, o que levou ao sur-
gimento de uma nova classe social: a burguesia.

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Renomados artistas fizeram parte do movimento renascentista, como Leonardo da Vinci (um
polímata, ou, como chamamos hoje em dia, “multipotencial”1 que pintou e esboçou variadas
obras, como a “Mona Lisa” e o “Homem Vitruviano”) e Michelangelo (responsável, entre outras
obras, pelos afrescos da Capela Sistina, no Vaticano, e pela escultura “Davi”), bem como escritores,
por exemplo, Dante Alighieri, autor do livro “A Divina Comédia”.

UNIDADE 01
Representação do “Homem Vitruviano”, de-
senho realizado por Leonardo da Vinci, que

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representa o equilíbrio e a simetria ideais das
proporções corporais.

Fonte: Wikimedia Commons.

Pintura “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci,


um dos quadros mais famosos do mundo.
Encontra-se no Museu do Louvre, em Paris, e
atrai multidões do mundo todo.

Fonte: Wikimedia Commons.

Parte do teto e paredes da Capela Sistina com


afrescos pintados por Michelangelo.

Fonte: Shutterstock (2020).

1 Pessoa capaz de atuar em diversos âmbitos não necessariamente correlatos. Um exemplo foi Leonardo da
Vinci, considerado um gênio. Da Vinci desenvolveu, entre outras habilidades, atividades como anatomista, engenhei-
ro, escultor, inventor, matemático e pintor.

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UNIDADE 01
Detalhe de um dos afrescos de Michelangelo
na Capela Sistina, no Vaticano, denominado
“Juízo Final”.

Fonte: Shutterstock (2020).

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Escultura “Davi”, realizada por Michelangelo.
Em mármore maciço, tem mais de 5 metros
de altura no total, sendo que mais de 4 me-
tros são apenas do corpo. Retrata a história
bíblica de Davi e Golias.

Fonte: Shutterstock (2020).

1.2 IDADE MODERNA (1453-1789)


Com o declínio do sistema feudal, começam a surgir os Estados Nacionais Modernos, tendo
sido Portugal e Espanha os pioneiros.
Os Estados Nacionais (ou também “Estados Modernos”) são fruto de gradual reformulação na
dinâmica social, política e econômica dos feudos, que contaram intermediariamente com a ideia
do Absolutismo (baseado na detenção do poder unicamente na figura do monarca, o Rei2) e, por
fim, nos Estados como vivenciamos hoje: Estado-Nações – mas este último modelo apenas ao final
do século XIX, já na Idade Contemporânea.
Araújo (2016, p. 25) sintetiza da seguinte forma:

A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO É FRUTO DA DESARTICULAÇÃO DO


SISTEMA FEUDAL A PARTIR DA CRISE DO SÉCULO XIV, QUANDO O SISTEMA
POLICÊNTRICO E COMPLEXO CONTROLADO PELOS SENHORES FEUDAIS,
ASSIM COMO O PODER UNIVERSAL DA IGREJA CATÓLICA, SÃO SUBSTITUÍ-
DOS PELA CENTRALIZAÇÃO DE PODERES NAS MÃOS DE UM REI.

2 “Como base ideológica do Estado Absolutista ainda persistia a Teoria do Direito Divino dos Reis sendo a mais
destacada na Europa. Baseada na crença de que o monarca deveria reinar por ser um representante de Deus na terra,
colocava aqueles que eram contra o rei em oposição direta ao poder divino. As teocracias europeias seculares afirma-
vam, desta forma, que o poder do rei somente poderia ser julgado por Deus” (ARAÚJO, 2016, p. 27).

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É característica marcante do período a vantajosa aliança entre reis e burguesia, que garantia
poder a ambos e viabilizava grande desenvolvimento aos Estados Nacionais, além de financiar os-
tentação e luxo, inclusive por meio da pintura de obras de arte – ter um autorretrato pintado era
sinônimo de status àquela época; havia quem tivesse seu “pintor oficial” ou “retratista”.
Saes e Saes (2013) abordam a expansão realizada pelas Grandes Navegações, ora mencionadas,

UNIDADE 01
e que foram possíveis em razão de investimento pecuniário burguês – que também permitiu a
criação dos Exércitos Nacionais para o fortalecimento do Estado:

NO SÉCULO XIV, AVANÇOS NOS MEIOS DE NAVEGAÇÃO PERMITIRAM ULTRA-


PASSAR O ESTREITO DE GIBRALTAR, DE MODO QUE O COMÉRCIO INTEREURO-
PEU, ANTES APENAS TERRESTRE, DESLOCOU-SE EM PARTE PARA O ATLÂNTI-

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CO. CONSEQUENTEMENTE, HOUVE O ESTÍMULO PARA O DESENVOLVIMENTO
DE CENTROS COMERCIAIS EM PORTUGAL, ESPANHA, INGLATERRA, HOLANDA E
FRANÇA, OS QUAIS COMEÇARAM A RIVALIZAR COM OS ANTIGOS NÚCLEOS DO
NORTE DA ITÁLIA, DE FLANDRES E DO NORTE DA ALEMANHA.
(SAES; SAES, 2013, p. 67)

Os mesmos autores apontam que essa expansão marítimo-comercial ocorreu também em ra-
zão da busca por ouro:

FREQUENTEMENTE SE ATRIBUI A EXPANSÃO COMERCIAL E MARÍTIMA – AS


GRANDES NAVEGAÇÕES DO SÉCULO XV – À BUSCA DO OURO (DADA A ESCASSEZ
DE METAIS PARA A CIRCULAÇÃO MONETÁRIA) E DE ESPECIARIAS, POIS O COMÉR-
CIO COM O ORIENTE CONTINUAVA CONTROLADO PELAS CIDADES ITALIANAS –
ESPECIALMENTE VENEZA – E PELOS MERCADORES MUÇULMANOS QUE TINHAM
ACESSO DIRETO ÀS FONTES DESSES PRODUTOS DE LUXO E ESPECIARIAS.
(SAES; SAES, 2013, p. 68)

LEITURA
Livro: “O Mercador de Veneza”, obra de William Shakespeare escrita por volta de 1596, que re-
trata o comércio veneziano e apresenta discussões relevantes que permanecem atuais, como
preconceito, discriminação e intolerância.
É nessa peça que se encontra a célebre passagem do julgamento entre os personagens do mer-
cador (cristão, nobre e influente) e do agiota (judeu e avarento), respectivamente, Antônio e
Shylock. Disponível em: http://bit.ly/2OVNpy7. Acesso em: 13 fev. 2020.

Com a expansão marítimo-comercial veio a exploração da África e, posteriormente a escraviza-


ção, que dizimou tribos africanas.

13
O cenário comercial sofreu alterações ao longo dos anos e a Holanda passou a ganhar destaque
por meio da Companhia das Índias Orientais:

EM SUMA, SE NO SÉCULO XVI COUBE A PORTUGAL E ESPANHA A LIDERANÇA NA

UNIDADE 01
EXPANSÃO MARÍTIMA E COMERCIAL, NO SÉCULO XVII, HOLANDA, INGLATERRA
E FRANÇA OFUSCARAM O PAPEL EXERCIDO PELAS POTÊNCIAS IBÉRICAS. A
EXPANSÃO HOLANDESA SE FEZ PRINCIPALMENTE POR MEIO DE GRANDES COM-
PANHIAS COMERCIAIS. A MAIS IMPORTANTE DELAS – A COMPANHIA DAS ÍNDIAS
ORIENTAIS, FUNDADA EM 1602 – CONCENTROU O MONOPÓLIO DO COMÉRCIO
COM A ÍNDIA. MAIS DO QUE UMA EMPRESA, A COMPANHIA TINHA SUA PRÓPRIA
MOEDA, SEU PRÓPRIO EXÉRCITO, CONSTRUÍA CIDADES E FORTALEZAS. [...] NO
ENTANTO, NO FINAL DO SÉCULO, A HOLANDA PASSOU A SENTIR A RIVALIDADE DE

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UMA OUTRA POTÊNCIA: A INGLATERRA. DESDE O SÉCULO XVI, A COROA INGLESA
IMPLEMENTAVA UMA POLÍTICA DE APOIO AO COMÉRCIO.
(SAES; SAES, 2013, p. 72)

SAIBA MAIS

Associada ao auge do comércio holandês à época, entre 1636 e 1637, ocorreu a primeira “bolha
financeira” da história.
FIGURA 3 - PLANTAÇÃO DE TULIPAS

Fonte: Shutterstock (2020).

Encantados com as tulipas, houve aumento na produção dessa então nova e rara flor na Holanda.
O cultivo era demorado, o que intrigava as pessoas e aumentava seu valor.
O processo moroso levou à realização de contratos de promessa de compra e venda para o final de
cada temporada anual de colheita de tulipas florescidas, o que movimentou a bolsa de valores holan-
desa, pois muitas pessoas começaram a vislumbrar o lucro que poderiam obter na revenda das tulipas.
A bolha “estourou” quando um desses contratos não foi cumprido, levando à queda vertiginosa
no valor das tulipas e na segurança desse “investimento”.

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Nesse mesmo período, entre os séculos XVII e XVIII (terminando em 1789), surge o movimento
racionalista que ficou conhecido como Iluminismo. Seu auge foi na França, mas há representantes
do movimento por quase toda Europa e também na América. Araújo (2016, p. 33) destaca o que
essa corrente e seus diversos representantes tinham em comum: a “valorização da razão como
método para alcançar a verdade, renegando a tradição e a verdade revelada”. E complementa:

UNIDADE 01
SOB O PONTO DE VISTA SOCIOPOLÍTICO UNE OS ILUMINISTAS A CRÍTICA GENE-
RALIZADA AO ANTIGO REGIME E SUAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS,
SOCIAIS E CULTURAIS. EM MAIOR OU MENOR GRAU – ÀS VEZES APENAS A IRONIA, O
SARCASMO –, ELES DESMERECEM A MONARQUIA ABSOLUTISTA, A LÓGICA INTER-
VENCIONISTA-MONOPOLISTA DO MERCANTILISMO3, O MONOLITISMO ESTANQUE DA
SOCIEDADE ESTAMENTAL E O PREDOMÍNIO CULTURAL DO CLERO, CONSIDERADO

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PELOS ILUMINISTAS, EM GRANDE PARTE ANTICLERICAIS, O PROMOTOR DO OBSCU-
RANTISMO MEDIEVAL E DA IGNORÂNCIA.
(ARAÚJO, 2016, p. 33)

Dentre os Iluministas, é válido mencionar alguns estudados até hoje, como: Adam Smith, Mon-
tesquieu, Jean Jacques Rousseau, Augusto Comte, John Locke e Cesare Beccaria (ARAÚJO, 2016).
As ideias iluministas passaram a ser adotadas com o intuito de defender o absolutismo, mas
objetivando, conjuntamente, a modernização desses reinos, no que ficou conhecido como “des-
potismo esclarecido”.
O cenário comercial sofreu mais alterações e a Inglaterra foi ganhando notoriedade – também
graças à sua adesão ao despotismo esclarecido (e vice-versa, tendo em vista que os déspotas
esclarecidos passaram a ser vistos com bons olhos em razão do sucesso econômico inglês). Isso
ocasionou grande avanço industrial em seu território, que obtinha destaque graças ao desenvolvi-
mento da manufatura praticada em larga escala para os padrões da época, além do facilitado aces-
so ao ferro, ao carvão e à lã, essenciais às tecnologias e necessidades da época (ARAÚJO, 2016).
Passam a surgir alguns problemas, como as condições de trabalho e garantias trabalhistas que
não eram satisfatórias, sendo por vezes desfavoráveis aos operários, com salários decrescentes e
jornadas de trabalho diárias extenuantes. Isso, aliado a “uma explosão demográfica e uma urba-
nização sem precedentes, fruto direto da instalação de indústrias nas grandes cidades do país”
(ARAÚJO, 2016, p. 79), abriu caminho à 1ª Revolução Industrial – entre 1760 e 1850, ou seja, no
período de transição entre as Idades Moderna e Contemporânea.
Também nesse período ocorre o processo de independência dos Estados Unidos da América,
finalizado em 1783 e, desde então, celebrado todo dia 04 de julho pelos norte-americanos. Re-
presentou o enfraquecimento e fim da ideia do Estado Absolutista e desencadeou o anseio pela
independência de cada vez mais colônias ao redor do mundo.

3 O mercantilismo será abordado no item 2 desta Unidade, que trata da questão econômica.

15
Na França, por sua vez, a independência dos Estados Unidos “expôs a contradição de uma Fran-
ça absolutista em um movimento liberal [influenciada pelos Iluministas], além de proporcionar
uma posterior reaproximação com a rival Inglaterra” (ARAÚJO, 2016, p. 38).
É nesse entremeio que se dá a Revolução Francesa, sendo que, com a Queda da Bastilha, fica
marcada a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea.

UNIDADE 01
SAIBA MAIS
No 14 Juillet (14 de Julho) é comemorada a Festa Nacional Francesa ou Dia da Bastilha, feriado
nacional francês que marca a Queda da Bastilha, em 1789, quando as camadas mais populares
passaram a participar da Revolução Francesa.

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LEITURA
Para compreender melhor o contexto social da Revolução Francesa, sugere-se a leitura do clássi-
co “Os Miseráveis”, escrito por Victor Hugo e publicado em 1862. Mais tarde, essa obra inspirou
filmes e musical homônimo – a produção cinematográfica mais recente é de 2012 e conta com
Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Hugh Jackman, Russell Crowe, entre outros atores de renome
no elenco. Leia o livro e/ou assista ao filme.

FIGURA 3 - “A LIBERDADE GUIANDO O POVO”, PINTURA DE EUGÈNE DELACROIX, DE 1830

Fonte: Wikimedia Commons.

Em exposição no Museu do Louvre, Paris. A liberdade4 é representada no centro do quadro pela


mulher empunhando a bandeira azul, branca e vermelha que foi adotada pela França como sua ban-
deira. À época, o fato de a liberdade ser representada por uma mulher e por ela estar com os seios
desnudos escandalizou a sociedade, que por muito tempo não aprovou a obra do artista.

4 Liberdade, igualdade e fraternidade representavam os ideais da Revolução Francesa.

16
1.3 IDADE CONTEMPORÂNEA (1789-)
Em meio a esse conturbado período de mudanças sociais, políticas, econômicas e comerciais,
com novas tecnologias que aumentavam a capacidade produtiva dos Estados, ocorre a derradeira
passagem da Idade Moderna à Idade Contemporânea, que perdura até hoje. A Queda da Bastilha

UNIDADE 01
se tornou o marco transitivo entre as referidas Eras Históricas, em virtude da grande quebra de
paradigmas que o evento representou.
A França passava por um déficit estatal e, para tentar revertê-lo, foi sugerida pelo controlador-
-geral das finanças do Estado a taxação do clero e da nobreza. Vislumbrando a possibilidade de
essa reforma ser realizada, tem início a Revolução Francesa:

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A NOBREZA TRADICIONAL CONTROLAVA O PARLAMENTO, JÁ QUE O VOTO ERA
ORGÂNICO E, NATURALMENTE, O CLERO E A NOBREZA COMUNGAVAM DOS
MESMOS IDEAIS CONSERVADORES. PERCEBENDO SUA PEQUENA MARGEM DE
MANOBRA – MESMO CONTANDO COM 578 DEPUTADOS (CONTRA 291 DO CLERO
E 270 DA NOBREZA) –, OS REPRESENTANTES DO TERCEIRO ESTADO EXIGIRAM
DE LUÍS XVI O VOTO INORGÂNICO, OU SEJA, INDIVIDUAL. COMO O REI TENTOU
OBSTRUIR TAL INTENTO, ACOMPANHADO DE REPRESENTANTES DO BAIXO CLERO
E DA NOBREZA TOGADA, OS MEMBROS DO TERCEIRO ESTADO DECLARARAM-SE
EM ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE NO DIA 17 DE JUNHO DE 1789.
PARA DEFENDÊ-LA DE POSSÍVEIS ATAQUES DO REI, A BURGUESIA FORMOU A
GUARDA NACIONAL E, PARA INGRESSAR NO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO, OS
POPULARES DE PARIS BUSCARAM ARMAS NA FORTALEZA DA BASTILHA, ANTIGO
SÍMBOLO DA REPRESSÃO DO ABSOLUTISMO FRANCÊS.
(ARAÚJO, 2016, p. 39)

A invasão da Bastilha em busca de armas para a Guarda Nacional é o que ficou conhecido por
Tomada ou Queda da Bastilha e, junto dela, ruiu o despotismo. Esse conjunto representou liberta-
ção aos franceses e ao mundo (ARAÚJO, 2016).
A Revolução Francesa termina em 1799, com a tomada de poder, por meio de golpe de Estado
de Napoleão Bonaparte, cujo governo dura até o ano de 1815. Denominado por alguns de Era
Napoleônica, o período de governo de Napoleão Bonaparte foi:

RESPONSÁVEL POR INSTITUCIONALIZAR ALGUMAS DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NA


ORDEM POLÍTICA E SOCIAL FRANCESA, TAIS COMO O FIM DOS DIREITOS FEUDAIS,
A IGUALDADE PERANTE A LEI, O DIREITO À PROPRIEDADE PRIVADA E A GARANTIA
DO ACESSO DOS CIDADÃOS FRANCESES A CARGOS PÚBLICOS. HERDANDO UM PAÍS
QUE VINHA DE PROFUNDA CRISE ECONÔMICA – UM DOS PRINCIPAIS MOTIVOS PARA
A ECLOSÃO DA REVOLUÇÃO – E DEZ ANOS DE INSTABILIDADE POLÍTICA, NAPOLEÃO
BONAPARTE BUSCAVA EFETUAR A PAZ INTERNA, A ESTRUTURAÇÃO DA POLÍTICA
NACIONAL E, POR FIM, PROMOVER ALGUM AVANÇO DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO.
(ARAÚJO, 2016, p. 47)

17
No século XIX, o Imperialismo marca o início da contemporaneidade:

O FENÔMENO DO IMPERIALISMO (OU NEOCOLONIALISMO) SERIA, DE MANEIRA


GERAL, A EXPLORAÇÃO DE ALGUNS PAÍSES EUROPEUS, MAIS JAPÃO E ESTADOS
UNIDOS, SOBRE A ÁFRICA, A ÁSIA E A AMÉRICA LATINA, POR MEIO DO DOMÍNIO

UNIDADE 01
DIRETO (COLÔNIA/PROTETORADO) OU MESMO DE RELAÇÕES ECONÔMICAS ASSI-
MÉTRICAS (ÁREAS DE INFLUÊNCIA). [...] CECIL RHODES [FOI] UM DOS MAIORES
IDEÓLOGOS DA CONQUISTA ULTRAMARINA PELO IMPÉRIO BRITÂNICO, [EVIDEN-
CIANDO] COMO PENSAVAM OS GESTORES DA POLÍTICA EXTERNA EUROPEIA DO
FINAL DO SÉCULO XIX.
(ARAÚJO, 2016, p. 85)

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Ao longo desse mesmo século o tráfico de escravos pelo Oceano Atlântico passa a ser proibido
e, sequencialmente, inicia-se a gradual abolição da escravatura dentro dos Estados. No Brasil, a
abolição é fruto de um processo gradual encerrado apenas em 13 de maio de 1888, por meio da
assinatura da Lei Áurea. O revés é que essa Lei não previa suporte aos escravos libertos, o que
desencadeou novos problemas sociais.
O século XX foi marcado por duas guerras com proporções mundiais, que modificaram drastica-
mente o rumo da história, trazendo inovações e mazelas.
A 1ª Guerra Mundial ocorre de 1914 a 1918, fruto do nacionalismo exaltado. Fortemente mar-
cada pela “guerra de trincheiras”, contou também com a utilização de submarinos. Seu término
representou “o fim dos grandes impérios” (ARAÚJO, 2016, p. 121).
O período pós-guerra foi de tentativa de reconstrução da Europa, que enfrentava grave crise
econômica. Os Estados Unidos da América retomam posição isolacionista (como antes do confli-
to). Também são iniciadas as tratativas para reorganização do cenário das relações internacionais
(ARAÚJO, 2016).
Em 1929 ocorre a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, ocasionando o que ficou conhecido
como “A Grande Depressão”, que desestabilizou economicamente os Estados Unidos e, posterior-
mente, fragilizou toda economia global. Se antes esse país estava em posição isolacionista e favo-
rável economicamente, podendo auxiliar o desenvolvimento econômico mundial, agora desestabi-
lizava o cenário econômico, influenciando a ocorrência da 2ª Guerra Mundial (SAES; SAES, 2013).
Esse contexto pós-1ª Guerra Mundial também favorece a ascensão do comunismo e do fascis-
mo, que, entre outros fatores, levaram à 2ª Guerra Mundial.
Acerca do fascismo, Araújo destaca: “o belicismo, militarismo ou mesmo o expansionismo são
características destacadas dos regimes fascistas europeus, e a consequência natural de tais atitu-
des levaria ao confronto, ao menos no campo ideológico, com as principais potências europeias”
(ARAÚJO, 2016, p. 146).
Em 1939 eclodiu a 2ª Guerra Mundial, que durou até o ano de 1945. Além do uso de tecno-
logias até então inexistentes, no contexto da guerra foram praticados preconceito, segregação,
atrocidades e violações que ultrapassaram todos os limites (in)imagináveis.

18
Em se tratando da segregação, ela não foi praticada apenas dentro dos conhecidos campos de
concentração e extermínio. Houve também a criação do que ficou conhecido como “guetos”, bair-
ros ou regiões isoladas dentro das cidades para a segregação dos judeus do restante da população.
Mas a prática segregacionista não ficou restrita à Europa, nem ao contexto da Guerra. Antes, duran-
te e até mesmo após o término da 2ª Guerra Mundial, houve também segregação racial nos Estados

UNIDADE 01
Unidos (com atos de violência praticados desde o século XIX pela Ku Klux Klan, bem como por leis e
convenções sociais vigentes até a década de 1970) e pelo apartheid na África do Sul, entre 1948 e 1994.

LEITURA

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“O Sol é para todos”, livro da escritora Harper Lee, lançado em 1960 e vencedor do Prêmio Pu-
litzer. Aborda preconceito e desigualdade racial em uma cidade dos Estados Unidos na década
de 1930 ao retratar o julgamento de Tom Robinson, personagem negro acusado de estupro e
defendido por Atticus Finch. O livro foi adaptado para o cinema e estreou em 1962; o filme ga-
nhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, além do Oscar de Melhor Ator de Gregory Peck, que
interpretou o advogado Atticus Finch. Leia ao livro e/ou assista ao filme.

De 1947 até 1991 (com a queda do muro de Berlim), ocorre o que ficou conhecido como Guerra
Fria, período marcado pela polarizada tensão entre soviéticos e estadunidenses e suas distintas
ideologias – o comunismo e o capitalismo, respectivamente (ARAÚJO, 2016).
Nesse ínterim, a América Latina é assolada por Regimes Militares que visam “combater a ame-
aça comunista” e acabam praticando graves violações de direitos humanos diuturnamente, na
contramão da nova visão de mundo pós-2ª Guerra Mundial, quando foram criadas a Organização
das Nações Unidas e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
O golpe civil-militar brasileiro, ocorrido em 1º de abril de 1964, perdurou até 1985, quando Tan-
credo Neves foi eleito Presidente por meio de eleições indiretas. O período foi marcado por Atos
Institucionais, censura, cassações políticas, prisões arbitrárias e exílios, além das graves violações de
direitos humanos. Nesse momento surgem diversos movimentos sociais de apoio a minorias no país.
Os anos 2000 são marcados por atentados terroristas, como o ocorrido no fatídico 11 de se-
tembro de 2001, nos Estados Unidos, e que deram causa a diversos conflitos, principalmente no
Oriente Médio, como o caso da Guerra do Iraque.
Também são marcas do século XXI crises econômicas e aquecimento global, ocorrendo grandes
desastres naturais e ambientais.
Os desastres ambientais ou ecológicos são aqueles que ocorrem em decorrência de atividade
humana. Um exemplo recente envolveu o rompimento da barragem de Brumadinho, no interior
de Minas Gerais, causando impacto no ecossistema da região e mortes.
Já os desastres naturais ocorrem independentemente da vontade ou atividade humana, como o
caso de terremotos e tsunamis. Um exemplo é o terremoto ocorrido no Haiti em 2010, que deu iní-
cio às migrações haitianas, inclusive em direção ao Brasil – mais uma marca do século XXI: migrações.

19
REFLITA

Compreendidas as mudanças no decorrer das Eras Históricas, é interessante apresentar esta linha
do tempo da agricultura:

UNIDADE 01
FIGURA 4 - LINHA DO TEMPO DA AGRICULTURA

8000 a.C. 3000 a.C.

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Fonte: Shutterstock (2020).

Diante de tudo que vimos até agora, quais os aspectos que mais saltam a seus olhos na linha do
tempo acima?
Além desses aspectos que você notou, reflita sobre:
» A quantidade e a qualidade dos cultivos;
» O espaço das áreas cultivadas e o tamanho da área cultivada por uma pessoa sozinha;
» O número de culturas disponíveis em uma região;
» A tecnologia desenvolvida e empreendida com o passar dos anos.

2. A QUESTÃO ECONÔMICA
Economia: do grego oikonomos, como ensina Mankiw (2019, p. 3), “pode ser entendida como
‘aquele que administra um lar’”, e essa é uma analogia extremamente válida. Ora, quem admi-
nistra o lar, tal qual uma sociedade, necessita tomar muitas decisões. Se no primeiro caso, por
exemplo, são divididas as tarefas do lar entre os membros da família, no segundo caso devem ser
definidas quais as tarefas necessárias àquela sociedade e quem as executará – não sendo essa
divisão realizada apenas por um único planejador central, mas por todos. Desse modo, “Uma vez

20
que a sociedade tiver alocado as pessoas (assim como terras, prédios e máquinas) para realizar
diversas tarefas, deverá também alocar os bens e serviços que as pessoas produzem” (MANKIW,
2019, p. 3). Isso se chama “gestão de recursos” e é primordial em razão da escassez de recursos.
Mas, afinal, o que é economia? Mankiw (2019, p. 4) a define como o “estudo de como a socie-
dade administra seus recursos escassos”, sendo a função dos economistas estudar:

UNIDADE 01
COMO AS PESSOAS TOMAM DECISÕES: QUANTO TRABALHAM, O QUE COMPRAM,
QUANTO POUPAM E COMO INVESTEM SUAS ECONOMIAS. ESTUDAM TAMBÉM COMO
AS PESSOAS INTERAGEM UMAS COM AS OUTRAS. [...] POR FIM, OS ECONOMISTAS
ANALISAM AS FORÇAS E AS TENDÊNCIAS QUE AFETAM A ECONOMIA COMO UM TODO.
(MANKIW, 2019, p. 4)

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Esse conjunto envolve também o mercado, que, para Mankiw (2019, p. 54),

É UM GRUPO DE COMPRADORES E VENDEDORES DE DETERMINADO BEM OU SERVI-


ÇO. OS COMPRADORES, COMO GRUPO, DETERMINAM A DEMANDA PELO PRODUTO, E
OS VENDEDORES, TAMBÉM COMO GRUPO, DETERMINAM A OFERTA DO PRODUTO. OS
MERCADOS ASSUMEM DIFERENTES FORMAS. ÀS VEZES SÃO ALTAMENTE ORGANIZA-
DOS [...]. MAIS FREQUENTEMENTE, OS MERCADOS SÃO MENOS ORGANIZADOS.

O mercado é avaliado, estudado e discutido pela economia e, assim como ela, passou por diver-
sas mudanças no decorrer de sua história.

LEITURA
Para entender de mercado, é necessário entender de economia, e, para
melhor compreender isso tudo, a leitura extra de alguns materiais é pri-
mordial. Assim, recomendamos a leitura de: MANKIW, N. G. Introdução
à Economia. 8. ed. São Paulo: Cengage, 2019. Além de: SAES, F. A. M.
de; SAES, A. M., A. História Econômica Geral. São Paulo: Saraiva, 2013.
Destacamos:
» C
omo leitura básica: capítulos 1 e 4 de Mankiw (2019), respectivamente
sobre economia e mercado, bastante didáticos;
» C
omo leitura complementar (ou básica, caso você tenha elevado interes-
se pela temática): as três primeiras partes, de Saes e Saes (2013), sobre:
história econômica como disciplina acadêmica; fundamentos teóricos e
metodológicos; e objeto e método da história econômica geral. Essas três
partes lhe fornecerão aporte histórico de relevância e indicarão impor-
tantes nomes a quem você poderá recorrer para orientar seus estudos
nessa área, pois é apresentada uma atualizada e completa revisão biblio-
gráfica do estado da arte da História Econômica.
Os dois livros podem ser acessados na Biblioteca Virtual do UniBrasil.

21
Saes e Saes (2013) apontam como e quando a Economia passou a ser vista como ciência, apre-
sentando sintética e cronologicamente nomes de destaque para os estudos realizados nesse campo:

A ECONOMIA ADQUIRIU PROGRESSIVAMENTE STATUS DE CIÊNCIA DEPOIS DA

UNIDADE 01
PUBLICAÇÃO, EM 1776, DE A RIQUEZA DAS NAÇÕES, DE ADAM SMITH. NO SÉCU-
LO XIX, UMA VASTA PRODUÇÃO DE ESTUDOS DA ENTÃO CHAMADA ECONOMIA
POLÍTICA CONSOLIDOU-A COMO UMA DISCIPLINA SOCIALMENTE RECONHECIDA:
THOMAS MALTHUS, DAVID RICARDO, JEAN BAPTISTE SAY, JOHN STUART MILL
SÃO ALGUNS DOS CHAMADOS ECONOMISTAS CLÁSSICOS AOS QUAIS SE AGRE-
GA, EM VERTENTE DISTINTA, CRÍTICA, KARL MARX. A PARTIR DE 1870, HOUVE
UMA MUDANÇA SUBSTANCIAL NO PENSAMENTO ECONÔMICO DOMINANTE: A
CHAMADA REVOLUÇÃO MARGINALISTA ALTEROU O FOCO DA ANÁLISE ECONÔ-

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MICA, SENDO SINTOMÁTICA A TROCA DO NOME DA DISCIPLINA DE ECONOMIA
POLÍTICA PARA ECONOMIA: O AUSTRÍACO KARL MENGER, O SUÍÇO LEON WALRAS
E O INGLÊS STANLEY JEVONS FORAM PIONEIROS DESSA NOVA CORRENTE, QUE
SE CONSOLIDOU COMO PRINCIPAL PARADIGMA DA TEORIA ECONÔMICA (E QUE,
AO MENOS EM PARTE, SE MANTÉM ATÉ HOJE).
(SAES; SAES, 2013, p. 3)

Dada a relevância de Adam Smith, considerado o “‘fundador’ da Economia (Política)” (SAES;


SAES, 2013, p. 4), e de seus estudos econômicos, é interessante destacar que:

SMITH VIA A HISTÓRIA DA ECONOMIA COMO UMA SEQUÊNCIA DE FORMAS DE


ATIVIDADE ECONÔMICA: CAÇA E COLETA, PASTOREIO, AGRICULTURA, COMÉRCIO.
ESSA SERIA A “ORDEM NATURAL” COMO DEVERIA TER ACONTECIDO OU ACONTE-
CER EM CADA SOCIEDADE.
(SAES; SAES, 2013, p. 4)

Apresentado esse breve embasamento acerca da temática, avancemos.


A seguir, veremos as transformações do mercado a partir da Idade Moderna, chegando à Con-
temporaneidade, passando pelas três fases do capitalismo, quais sejam: o mercantilismo, o indus-
trialismo e o capitalismo financeiro.

2.1 CAPITALISMO COMERCIAL OU MERCANTILISMO


Paralela à transição da Idade Média à Moderna, ocorre a gradual transição do sistema feudal
de produção ao modelo capitalista, surgindo o capitalismo comercial. Nesse sentido, Araújo
(2016, p. 28) aponta: “O comércio ganhava importância crescente na Europa desde os tempos
do Renascimento Comercial e Urbano, mas com a formação do Estado Moderno Europeu torna-
-se política de Estado”.

22
O mercantilismo estava associado à ideia de política econômica – não constituindo mero sis-
tema econômico –, tomando como base uma lógica intervencionista-monopolista que objetivava
promover a primitiva acumulação de capitais (SAES; SAES, 2013; ARAÚJO, 2016).
Por meio do intercâmbio proporcionado pelas grandes navegações, o mundo começou a se
abrir para o comércio que, durante o mercantilismo, constituía atividade:

UNIDADE 01
REGULADA PELA FORÇA MILITAR EM BENEFÍCIO DO PODER DOMINANTE. OS
DEFENSORES INTELECTUAIS DO SISTEMA PODERIAM JUSTIFICAR ESSA LÓGICA
ECONÔMICA EXPLORADORA ARGUMENTANDO QUE OS DOMINADORES UTILIZA-
VAM PARTE DAS RIQUEZAS ACUMULADAS PARA PROTEGER OS SUBJUGADOS, E
QUE MUITOS NAS COLÔNIAS, DE FATO, APRECIAVAM A PROTEÇÃO. [HOUVE QUEM

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RECLAMASSE]. MAS, PARA MUITOS, PARECIA UMA TROCA JUSTA: O PODER MI-
LITAR PERMITIA O CRESCIMENTO ECONÔMICO, E O CRESCIMENTO ECONÔMICO
SOB O CONTROLE MERCANTILISTA FINANCIAVA O PODER MILITAR.
(FRIEDEN, 2008, p. 18)

FIGURA 5 - CRISTÓVÃO COLOMBO, O PRIMEIRO A CONDUZIR COM SUCESSO


UMA FROTA DE CARAVELAS DA ESPANHA AO CONTINENTE AMERICANO.

Fonte: Shutterstock (2020).

Conforme Frieden (2008, p. 18), o capitalismo comercial funcionava da seguinte maneira:

O PODER COLONIAL FORÇAVA SUAS POSSESSÕES A COMERCIALIZAR COM A


METRÓPOLE PARA ENRIQUECER O GOVERNO E AQUELES QUE O APOIAVAM. OS
PAÍSES DOMINADOS ERAM OBRIGADOS A VENDER EXCLUSIVAMENTE PARA A
POTÊNCIA, QUE PAGAVA UM VALOR ABAIXO DO PREÇO DO MERCADO MUNDIAL
POR PRODUTOS AGRÍCOLAS E MATÉRIAS-PRIMAS [...]. A POLÍTICA MERCANTILIS-
TA TAMBÉM EXIGIA QUE AS COLÔNIAS COMPRASSEM MUITOS PRODUTOS DAS
METRÓPOLES, GARANTINDO À PÁTRIA-MÃE O DIREITO DE VENDÊ-LOS ACIMA DO
VALOR DO MERCADO MUNDIAL.

23
Araújo (2016, p. 29) sintetiza as seis principais práticas adotadas individualmente pelos Estados
no mercantilismo a fim de obter para si recursos e riquezas:

• BALANÇA COMERCIAL FAVORÁVEL: EXPORTAR UMA QUANTIDADE DE PRO-


DUTOS MAIOR QUE AQUELES IMPORTADOS, ACUMULANDO A MAIOR QUANTI-

UNIDADE 01
DADE DE OURO E PRATA POSSÍVEIS.
• PROTECIONISMO ALFANDEGÁRIO: COM O OBJETIVO DE DESESTIMULAR AS
IMPORTAÇÕES, OS ESTADOS MODERNOS AUMENTAM A TARIFA ALFANDEGÁ-
RIA PARA PRODUTOS ESTRANGEIROS.
• COLONIALISMO: BUSCA POR TERRITÓRIOS NO ULTRAMAR.
• EXCLUSIVO (OU TAMBÉM PACTO) COLONIAL: QUANDO A ECONOMIA DE UMA
COLÔNIA ESTÁ SUBMETIDA AOS INTERESSES DA METRÓPOLE.

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• CORSO: ASSOCIAÇÃO ENTRE PIRATAS E ESTADOS, NA INFORMALIDADE, É
CLARO! OS CORSÁRIOS TINHAM CERTAS FACILIDADES EM TROCA DE PARTE
DOS PRODUTOS ADQUIRIDOS MEDIANTE SEUS ATAQUES NO ATLÂNTICO SUL.
• INDUSTRIALISMO: INCENTIVO À EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS MANUFATURA-
DOS, PRÁTICA ESTA ADOTADA PRINCIPALMENTE POR AQUELAS POTÊNCIAS
QUE NÃO OBTIVERAM NUMEROSAS CONQUISTAS ULTRAMARINAS NA PRIMEI-
RA FASE DA EXPANSÃO MARÍTIMA.

Ocorre que o sistema começa a não mais se sustentar com o passar dos anos, principalmente
por não acompanhar o novo estilo de vida que se inicia com as inovações tecnológicas do século
XVIII. É o que apresenta Frieden (2008, p. 19):

À ÉPOCA DAS GUERRAS NAPOLEÔNICAS, O MERCANTILISMO JÁ COMEÇAVA A SE


ENFRAQUECER. A PARTIR DE 1750, OS INDUSTRIAIS BRITÂNICOS INTRODUZIRAM
UMA ENXURRADA DE INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS QUE REVOLUCIONARAM A PRO-
DUÇÃO. EMPREGADORES JUNTARAM DEZENAS – E ATÉ MESMO CENTENAS – DE
TRABALHADORES EM GRANDES FÁBRICAS, UTILIZANDO NOVAS MÁQUINAS, FONTES
DE ENERGIA E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO. [...] AS FÁBRICAS BRITÂNICAS PODIAM
VENDER MAIS BARATO QUE A CONCORRÊNCIA PARA QUASE TODOS OS MERCADOS.
OS INTERESSES ECONÔMICOS CRIADOS PELA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA
CONSIDERAVAM O MERCANTILISMO IRRELEVANTE OU DANOSO.

FIGURA 6 – LOCOMOTIVA A VAPOR: UM DOS SÍMBOLOS DA 1ª REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Fonte: Shutterstock (2020).

24
Esse desenvolvimento faz surgir nos fabricantes britânicos o anseio pela eliminação das barrei-
ras comerciais, permitindo que estrangeiros também vendessem à Grã-Bretanha. Frieden (2006,
p. 19) expõe a lógica dos fabricantes:

UNIDADE 01
OS FABRICANTES DA NAÇÃO PODERIAM REDUZIR SEUS CUSTOS DE FORMA
DIRETA, COMPRANDO MATÉRIAS-PRIMAS A PREÇOS MAIS BAIXOS, E INDIRETA,
UMA VEZ QUE A IMPORTAÇÃO DE COMIDA BARATA PERMITIA QUE OS DONOS
DAS FÁBRICAS PAGASSEM SALÁRIOS MENORES SEM QUE HOUVESSE UMA
REDUÇÃO NO PADRÃO DE VIDA DOS EMPREGADOS. AO MESMO TEMPO, SE OS
ESTRANGEIROS GANHASSEM MAIS AO VENDER PARA A GRÃ-BRETANHA, TERIAM
CONDIÇÕES DE COMPRAR MAIS PRODUTOS DO PAÍS. OS INDUSTRIAIS BRITÂ-
NICOS TAMBÉM SE DERAM CONTA DE QUE SE OS ESTRANGEIROS PUDESSEM

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COMPRAR TODOS OS PRODUTOS MANUFATURADOS QUE PRECISASSEM DOS
BARATOS PRODUTORES BRITÂNICOS, AQUELES TERIAM MENOS NECESSIDADE
DE DESENVOLVER UMA INDÚSTRIA PRÓPRIA. POR ESSES MOTIVOS, AS CLASSES
E AS REGIÕES FABRIS DA GRÃ-BRETANHA DESENVOLVERAM UMA ANTIPATIA
PELO MERCANTILISMO E UM FORTE DESEJO PELO LIVRE-COMÉRCIO.

O vislumbramento do livre-comércio atrelado ao fortalecimento de Londres como centro fi-


nanceiro mundial, bem como os acontecimentos ocasionados pela Revolução Industrial, foram
modificando a visão de mercado mercantilista, desembocando no capitalismo industrial – o que
também acarretou reformas nas instituições políticas britânicas e no sistema eleitoral, bem como
a diminuição do poderio rural em relação ao das cidades, favorecendo a classe média que nestas
habitava (FRIEDEN, 2008).

2.2 CAPITALISMO INDUSTRIAL OU INDUSTRIALISMO


Com a 1ª Revolução Industrial em curso, a manufatura passa a ser substituída pela maquinofatu-
ra – apesar de nunca desaparecer. Igualmente, o caráter corporativo é trocado pelo industrial, mais
rápido e eficiente na produção, distribuição e desenvolvimento de mercadorias (SAES; SAES, 2013).
Interessante destacar que é também nesse período que ocorre a transição da Idade Moderna à
Idade Contemporânea, conforme mencionado na primeira parte desta Unidade.
Saes e Saes (2013, p. 99) apresentam como a manufatura corporativa funcionava e passou a
representar entraves ao comércio:

ENQUANTO A PRODUÇÃO SE DESTINOU AO MERCADO LOCAL POUCO DESEN-


VOLVIDO, A ORGANIZAÇÃO CORPORATIVA NÃO GEROU MAIORES TENSÕES. NO
ENTANTO, EM ALGUMAS CIDADES, DESDE CEDO (COMO NA REGIÃO DE FLAN-
DRES E EM ALGUMAS CIDADES ITALIANAS), A PRODUÇÃO LOGO SE DESTINOU
AO COMÉRCIO DE EXPORTAÇÃO. ESTE COMÉRCIO JÁ NÃO ERA FEITO PELOS PRÓ-
PRIOS ARTESÃOS E SIM POR COMERCIANTES ESPECIALIZADOS QUE, EM GERAL,
PASSARAM A ESTABELECER UMA RELAÇÃO DE CLIENTELA COM OS ARTESÃOS

Continua >

25
Continuação >

DA CIDADE. EMBORA A FORMA CORPORATIVA FOSSE MANTIDA E OS ARTESÃOS


CONTINUASSEM A TRABALHAR EM SUAS PRÓPRIAS OFICINAS, MUITAS VEZES O
COMERCIANTE JÁ CONTROLAVA A PRODUÇÃO AO FORNECER MATÉRIA-PRIMA AO
ARTESÃO, OBRIGANDO ESTE A VENDER O PRODUTO – NA VERDADE, AGORA APENAS
O PRODUTO DE SEU TRABALHO – AO MESMO COMERCIANTE. MESMO NESSES

UNIDADE 01
CASOS, A ESTRUTURA CORPORATIVA APARECIA COMO UM OBSTÁCULO À EXPANSÃO
DO PRODUTO (COMO MEIO DE ATINGIR UM MERCADO MAIS AMPLO) E À REDUÇÃO
DOS CUSTOS (COMO MEIO DE ALCANÇAR UM LUCRO MAIS ELEVADO).

FIGURA 7 – FÁBRICA DE ALGODÃO: O ALGODÃO PRODUZIDO ERA NEGOCIADO


POR COMERCIANTES E OS ARTESÃOS PASSARAM A SER ASSALARIADOS.

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Fonte: Shutterstock (2020).

As distâncias e os custos foram encurtados com as novas tecnologias, mas essas melhorias trou-
xeram sérias consequências, como destaca Araújo (2016, p. 79):

A ENERGIA A VAPOR E O FERRO TAMBÉM FORAM UTILIZADOS NOS MEIOS DE TRANS-


PORTE, COM A CRIAÇÃO DA LOCOMOTIVA E DO NAVIO A VAPOR, NÃO APENAS DIMI-
NUINDO AS DISTÂNCIAS, MAS TAMBÉM OS CUSTOS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL.
NA ESTEIRA DESTES ACONTECIMENTOS, A IMIGRAÇÃO E OS PROBLEMAS AMBIENTAIS
EM DECORRÊNCIA DA POLUIÇÃO TRAZIDA PELAS FÁBRICAS AMPLIAM-SE.

Araújo (2016) apresenta ainda as consequências sociais dessa nova organização de trabalho e
sistema de mercado, com uma nascente estrutura e divisão social, a de burgueses e proletários
(ou assalariados):

NO QUE DIZ RESPEITO ÀS QUESTÕES SOCIAIS, COM O CAPITALISMO INDUSTRIAL


DUAS CLASSES SÃO CLARAMENTE DEFINIDAS. OS BURGUESES SERIAM AQUE-
LES QUE DETÊM CAPITAL PARA OBTER A PROPRIEDADE PRIVADA DOS MEIOS
DE PRODUÇÃO (MÁQUINAS, MATÉRIA-PRIMA E INSTALAÇÕES), CONSEGUINDO
LUCROS CRESCENTES COM O DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA. CHAMAMOS
DE PROLETÁRIO TODO AQUELE QUE, SEM CONDIÇÕES DE CONTROLAR OS MEIOS
DE PRODUÇÃO, SOBREVIVE DA VENDA DE SUA FORÇA DE TRABALHO
(ARAÚJO, 2016, p. 79).

26
Burgueses e proletários passam a compor uma nova estrutura social baseada no poderio eco-
nômico. Ora, aquele que controlava financeiramente quem vendia sua mão de obra (força de tra-
balho) detinha a maior parcela de poder comercial, pois poderia negociar os produtos, definir os
salários e ficar com o lucro (mais-valia). Araújo (2016, p. 79-80) contextualiza:

UNIDADE 01
SERIA MEDIANTE A MAIS-VALIA QUE OS LUCROS PASSAM A SE REALIZAR A PARTIR
DE ENTÃO. O TRABALHADOR, AGORA APENAS UM OPERÁRIO, ERA OBRIGADO A
CONVIVER COM PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE TRABALHO: LONGAS JORNADAS (14 A
18 HORAS POR DIA), BAIXOS SALÁRIOS, FALTA DE SEGURANÇA, EXPLORAÇÃO DO
TRABALHO FEMININO E INFANTIL E DESEMPREGO, QUE DESEMBOCAVAM NA MISÉ-
RIA DOS TRABALHADORES, MORADIAS PRECÁRIAS E EPIDEMIAS CONSTANTES. TAIS
CONDIÇÕES AGRAVAVAM-SE NO CONTEXTO DE CRISES ECONÔMICAS, RECONHECI-

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DAS JÁ NAQUELA ÉPOCA COMO FENÔMENOS PERIÓDICOS REGULARES, COMO AS
QUE ASSOLARAM A EUROPA ENTRE 1836-1837, 1846-1848 E 1873.

Inicia então o que ficou conhecido como “luta de classes”, quando os operários reagem, de
diversas formas, contra o patronato. São exemplos, estudados por Marx e Engels no “Manifesto
Comunista”, o ludismo, o cartismo e o unionismo (ARAÚJO, 2016).

SAIBA MAIS
Araújo (2016) explica os movimentos da luta de classes abordados por Marx e Engels:
» O ludismo era baseado na quebra das máquinas, quando os trabalhadores invadiam as fábricas à
noite para realizar a quebradeira. A estratégia ficou conhecida como “negociação coletiva através
da arruaça”.
» O cartismo consistia no envio de cartas (chamadas “Cartas do Povo”) peticionando ao Parlamento
inglês por reformas de base, melhores condições de trabalho, questões eleitorais e de representa-
ção, uma variedade de temas visando a uma maior participação política dos trabalhadores.
» O unionismo representava o que hoje conhecemos como associação de trabalhadores. A primeira
articulação foi a criação de “caixas de assistência”, que de ilegais passaram a ser legalizadas pelo
governo e se tornaram os primeiros sindicatos.

Fonte: ARAÚJO (2016).

Saes e Saes (2013, p. 179) sintetizam comparativamente a evolução que significou a Revolução
Industrial:

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL PROVOCOU SUBSTANCIAL MODIFICAÇÃO NOS FLU-


XOS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL. AS TROCAS INTERNACIONAIS, ATÉ O SÉCU-
LO XV, COMPORTAVAM O VELHO COMÉRCIO DE ESPECIARIAS COM O ORIENTE, AO

Continua >

27
Continuação >

QUAL SE ACRESCENTOU, A PARTIR DO SÉCULO XVI, O COMÉRCIO COM A AMÉRICA


(POR EXEMPLO, AÇÚCAR, FUMO, COUROS E PELES) E O TRÁFICO DE ESCRAVOS.
ALÉM DISSO, HAVIA O COMÉRCIO INTRAEUROPEU EM QUE PREDOMINAVAM AS
MANUFATURAS, EM ESPECIAL OS TECIDOS, ALÉM DE ALGUMAS MATÉRIAS-PRIMAS
E ALIMENTOS. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL EXIGIU NOVOS FLUXOS COMERCIAIS PELA

UNIDADE 01
PRÓPRIA NATUREZA DE SUA PRODUÇÃO; PARALELAMENTE, O AUMENTO POPULA-
CIONAL AMPLIOU A DEMANDA POR ALIMENTOS DE MODO A ALTERAR AS FORMAS
TRADICIONAIS DE SUPRIMENTO DESSES BENS. EM SUMA, AO LONGO DO SÉCULO
XIX, O COMÉRCIO INTERNACIONAL SOFREU PROFUNDAS MUDANÇAS TANTO EM
RELAÇÃO ÀS PRINCIPAIS MERCADORIAS QUE O COMPUNHAM COMO EM RELAÇÃO
AOS PAÍSES OU REGIÕES PRODUTORES ENVOLVIDOS NESSE COMÉRCIO.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


O imperialismo (ou neocolonialismo) guiava o desenvolvimento ou não das colônias, minando
as produções coloniais quando conveniente. Mas havia um “outro lado da moeda”:

AO LONGO DO SÉCULO XIX, A GRÃ-BRETANHA TAMBÉM PASSOU A DEPENDER DE


OUTRAS MERCADORIAS IMPORTADAS EM VIRTUDE DO RITMO DE CRESCIMENTO DA
INDÚSTRIA E DO AUMENTO DA POPULAÇÃO. METAIS, MADEIRAS, FIBRAS TÊXTEIS,
ALIMENTOS COMO GRÃOS E MESMO PERECÍVEIS COMO FRUTAS E CARNE FORAM
INCLUÍDOS NA PAUTA DE IMPORTAÇÕES. EM PARTE, ISSO RESULTAVA DAS NOVAS
NECESSIDADES DA ECONOMIA BRITÂNICA; PORÉM HOUVE TAMBÉM UMA REALO-
CAÇÃO DE FATORES PRODUTIVOS NA ESFERA INTERNACIONAL QUE AFETOU A
BALANÇA COMERCIAL BRITÂNICA.
(SAES; SAES, 2013, p. 182)

O imperialismo já não se sustentava em meio à globalização nascente e à acumulação de capi-


tal concentrado fruto dos excedentes industriais. Todo esse contexto ocorre após a 2ª Revolução
Industrial, na segunda metade do século XIX, com as produções em massa e o uso da energia elé-
trica, motores a explosão e petróleo (ARAÚJO, 2016).
Sobre a 2ª Revolução Industrial, Araújo (2016, p. 82) ainda informa: “Economicamente, a 2ª Re-
volução Industrial colocava fim à abstenção governamental, à ortodoxia do livre comércio e à era
do individualismo, onde grandes empresários e banqueiros controlavam as ações”. Culminando,
mais tarde, na 1ª Guerra Mundial e no fim do imperialismo, e passando gradativamente ao terceiro
modelo capitalista, o Capitalismo Financeiro, ou Monopolista, fruto do pós-2ª Guerra Mundial.
Nesse mesmo período também passam a ser mais fortemente difundidas as ideologias da es-
querda (socialismos, por exemplo), que objetivavam mudanças econômico-sociais por meio da
diminuição ou fim das diferenças de classes (ARAÚJO, 2016).

2.2.1 LIBERALISMO ECONÔMICO

O Capitalismo Industrial é permeado pelas ideias do liberalismo econômico, tendo Adam Smith
como sua base e principal teórico.

28
Em 1776, Smith publicou o livro “A riqueza das Nações: uma investigação sobre a natureza e as cau-
sas da riqueza das nações”, considerado o primeiro tratado completo sobre economia política. Coin-
cidentemente ou não, como lembra Mankiw (2019), no mesmo ano da Declaração da Independência
dos Estados Unidos, um marco das liberdades. Nesse sentido, o mesmo autor (2019, p. 8) afirma:

UNIDADE 01
OS DOIS DOCUMENTOS COMPARTILHAM UM PONTO DE VISTA PREDOMINANTE NA
ÉPOCA: OS INDIVÍDUOS TOMARÃO MELHORES DECISÕES SE PUDEREM AGIR POR
CONTA PRÓPRIA, SEM A MÃO OPRESSIVA DO GOVERNO PARA CONDUZIR SUAS
AÇÕES. ESSA FILOSOFIA POLÍTICA PROPORCIONA A BASE INTELECTUAL PARA A
ECONOMIA DE MERCADO E, DE MANEIRA MAIS GERAL, PARA A SOCIEDADE LIVRE.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


Conceituando economia de mercado como “uma economia que aloca recursos por meio das
decisões descentralizadas de muitas empresas e famílias quando estas interagem nos mercados de
bens e serviços” (MANKIW, 2019, p. 8), o autor sintetiza a ideia de maneira clara, o que facilita sua
diferenciação com relação à economia planificada – na qual essas decisões vêm do governo, como
era o caso na Alemanha Oriental e União Soviética (URSS), durante a Guerra Fria.
Quem está por trás da economia de mercado são os agentes econômicos da iniciativa privada,
que contam com liberdade para atuar, organizando suas empresas, estratégias e funcionários da
maneira que acreditam ser mais conveniente (e lucrativa), desde que dentro da lei, cabendo ao
Estado apenas legislar e fiscalizar, também sem extrapolar seus limites.
Esses agentes econômicos podem ser famílias e empresas que, ao interagir, de acordo com
Adam Smith, são conduzidos por uma “mão invisível” que os leva a resultados de mercado dese-
jáveis (MANKIW, 2019).
A economia de mercado obedece à lei natural da oferta e da procura, que também acirra a livre
concorrência, outra ideia basilar do liberalismo, ao lado da liberdade de comércio (entre países) e
produção, bem como a propriedade privada.
Ainda no século XVIII, Adam Smith conseguiu desenvolver uma teoria que se mantém atual e
explica muitos dos erros cometidos em nosso passado recente:

A VISÃO DE SMITH APRESENTA UM IMPORTANTE COROLÁRIO: QUANDO O GOVER-


NO IMPEDE QUE OS PREÇOS SE AJUSTEM DE FORMA NATURAL À OFERTA E À
DEMANDA, IMPEDE QUE A MÃO INVISÍVEL COORDENE AS DECISÕES DE FAMÍLIAS
E EMPRESAS QUE COMPÕEM A ECONOMIA. ESSE COROLÁRIO EXPLICA POR QUE
OS IMPOSTOS TÊM UM EFEITO ADVERSO SOBRE A ALOCAÇÃO DE RECURSOS: ELES
DISTORCEM OS PREÇOS E, COM ISSO, AS DECISÕES DAS EMPRESAS E FAMÍLIAS.
EXPLICA TAMBÉM O MAL AINDA MAIOR QUE PODE SER CAUSADO POR POLÍTICAS
DE CONTROLE DIRETO DOS PREÇOS, COMO A DE CONTROLE DOS ALUGUÉIS. E
EXPLICA O FRACASSO DO COMUNISMO. NOS PAÍSES COMUNISTAS, OS PREÇOS
NÃO ERAM DETERMINADOS PELO MERCADO, MAS DITADOS PELOS PLANEJADORES
CENTRAIS. OS PLANEJADORES NÃO TINHAM AS INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS

Continua >

29
Continuação >

SOBRE O GASTO DOS CONSUMIDORES E OS CUSTOS DOS PRODUTORES QUE, EM


UMA ECONOMIA DE MERCADO, SÃO REFLETIDAS NOS PREÇOS. OS PLANEJADORES
CENTRAIS FALHARAM PORQUE TENTARAM CONDUZIR A ECONOMIA COM UMA MÃO
AMARRADA NAS COSTAS – A MÃO INVISÍVEL DO MERCADO.

UNIDADE 01
(MANKIW, 2019, p. 9)

As ideias do liberalismo econômico seguem aplicáveis; algumas delas coexistem com o capi-
talismo financeiro atual, apesar da diminuição dos adeptos quando da Quebra da Bolsa de Nova
Iorque, em 1929. É por isso que o pensamento liberal sobrevive até hoje e o livro escrito por Adam
Smith é considerado um clássico.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


SAIBA MAIS
A livre iniciativa constitui um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, figu-
rando nos artigos 1º e 170 da Constituição de 1988.
O artigo 170 da Carta Magna trata da ordem econômica brasileira, pautada por ideais liberais:

ART. 170. A ORDEM ECONÔMICA, FUNDADA NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO


HUMANO E NA LIVRE INICIATIVA, TEM POR FIM ASSEGURAR A TODOS EXISTÊN-
CIA DIGNA, CONFORME OS DITAMES DA JUSTIÇA SOCIAL, OBSERVADOS OS
SEGUINTES PRINCÍPIOS: I - SOBERANIA NACIONAL; II - PROPRIEDADE PRIVADA;
III - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE; IV - LIVRE CONCORRÊNCIA; V - DEFESA
DO CONSUMIDOR; VI - DEFESA DO MEIO AMBIENTE, INCLUSIVE MEDIANTE TRA-
TAMENTO DIFERENCIADO CONFORME O IMPACTO AMBIENTAL DOS PRODUTOS E
SERVIÇOS E DE SEUS PROCESSOS DE ELABORAÇÃO E PRESTAÇÃO; VII - REDUÇÃO
DAS DESIGUALDADES REGIONAIS E SOCIAIS; VIII - BUSCA DO PLENO EMPREGO;
IX - TRATAMENTO FAVORECIDO PARA AS EMPRESAS DE PEQUENO PORTE CONSTI-
TUÍDAS SOB AS LEIS BRASILEIRAS E QUE TENHAM SUA SEDE E ADMINISTRAÇÃO
NO PAÍS. PARÁGRAFO ÚNICO. É ASSEGURADO A TODOS O LIVRE EXERCÍCIO DE
QUALQUER ATIVIDADE ECONÔMICA, INDEPENDENTEMENTE DE AUTORIZAÇÃO DE
ÓRGÃOS PÚBLICOS, SALVO NOS CASOS PREVISTOS EM LEI.

Fica claro pelo texto do artigo supracitado quais são as restrições à livre iniciativa em território
nacional. As garantias e restrições ocorrem em razão do reconhecimento de que: “O ser humano,
na concepção capitalista vigente, garante a sua subsistência e a de sua família com o trabalho”
(SIQUEIRA JUNIOR, 2016, p. 139), merecendo esse quesito atenção especial do Estado.

2.3 CAPITALISMO FINANCEIRO OU CAPITALISMO MONOPOLISTA


A década de 1930 foi particularmente difícil para a economia contemporânea em razão da Crise
de 1929. Nela, as restrições ao comércio internacional ganharam destaque como medidas prote-
cionistas aos estragos causados pela Quebra da Bolsa de Nova Iorque.

30
Estavam em voga os acordos bilaterais entre os Estados: “como reação à depressão, os gover-
nos procuravam limitar as importações a fim de manter o nível de produção e de emprego dentro
de seus países (ou ao menos evitar sua queda mais acentuada)”, mas também conseguir “promo-
ver a expansão das trocas internacionais” (SAES; SAES, 2013, p. 473, 474).
Após a 2ª Guerra Mundial, já em cenário de globalização, ocorre a 3ª Revolução Industrial, ba-

UNIDADE 01
seada na automação e nos eletrônicos, com novos e variados eletrodomésticos chegando às casas
e, mais adiante, os computadores.
Na década de 1950 ocorre o que ficou conhecido como “Revolução Verde”, um grande salto
tecnológico na questão de sementes, insumos e maquinários agrícolas que ocasiona grande au-
mento na produção de alimentos. No Brasil, essa Revolução ocorreu mais tarde, durante o Regime
Militar (entre as décadas de 1960 e 1970), tendo contribuído para o chamado “milagre econômi-

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


co”. A Revolução Verde representou o boom da mecanização do campo, rompendo com o estilo de
vida rural tradicional e ocasionando acelerada urbanização (FRIEDEN, 2008).
Frieden cita um cuidado maior tomado pelas potências mundiais no pós-2ª Guerra Mundial
com relação às suas economias:

DO MESMO MODO QUE O COMÉRCIO INTERNACIONAL, O SISTEMA FINANCEIRO INTERNA-


CIONAL HAVIA SOFRIDO O IMPACTO DA GRANDE DEPRESSÃO DOS ANOS 1930. FALÊNCIA
DE BANCOS, MORATÓRIA DE DÍVIDA EXTERNA DE MUITOS PAÍSES E PERDAS NAS BOLSAS
DE VALORES DESORGANIZARAM O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL PRIVADO. AO FIM
DA SEGUNDA GUERRA, HOUVE A PREOCUPAÇÃO DE RECONSTITUIR MECANISMOS DE FI-
NANCIAMENTO INTERNACIONAL DE ACORDO COM AS CONDIÇÕES PECULIARES DA ÉPOCA.
(FRIEDEN, 2008, p. 477)

O autor menciona as novas indústrias surgidas ou mais bem desenvolvidas ainda no período en-
treguerras, que foram ganhando cada vez mais destaque nas décadas posteriores. Elas que repre-
sentavam, para as pessoas da sociedade daquela época, um verdadeiro sinal do desenvolvimento
tecnológico:

PARA A MAIOR PARTE DAS PESSOAS, O PRINCIPAL INDÍCIO DO AVANÇO TECNOLÓGICO


FOI O APARECIMENTO DE NOVOS ELETRODOMÉSTICOS. ALGUNS JÁ EXISTIAM ANTES
DE 1914, MAS APENAS COMO NOVIDADES; MUITOS JÁ ERAM LUGAR-COMUM EM
1939 E, PORTANTO, ALGUNS HISTORIADORES FALAM DE UMA REVOLUÇÃO DOS BENS
DE CONSUMO DURÁVEIS NOS ANOS ENTREGUERRAS. A PRODUÇÃO E A UTILIZAÇÃO
NOS ESTADOS UNIDOS ULTRAPASSARAM AS DO RESTO DO MUNDO. ANTES DA
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, CERCA DE 10% DOS PRODUTOS FINAIS COMPRADOS
PELOS NORTE-AMERICANOS ERAM BENS DE CONSUMO DURÁVEIS. EM 1929 ESSA
PROPORÇÃO CAIU PARA 25%. QUASE TODO ESSE AUMENTO DEVEU-SE AOS VEÍCULOS
MOTORIZADOS E AOS ELETRODOMÉSTICOS, COMO RÁDIOS E GELADEIRAS. ALGUNS
PAÍSES DESENVOLVIDOS NÃO ESTAVAM TÃO ATRÁS DOS ESTADOS UNIDOS NO QUE
DIZ RESPEITO À OFERTA DE BENS DURÁVEIS, APESAR DE A RENDA MENOR, A INSTABI-
LIDADE POLÍTICA E AS GUERRAS RESTRINGIREM AS OPERAÇÕES DE MERCADO.
(FRIEDEN, 2008, p. 174)

31
Passa a surgir então a noção de “sociedade de consumo”, em que cada vez mais as pessoas se
veem compelidas a comprar. O consumo desmedido é marca do desenvolvimento do capitalismo
financeiro, que também conta com o crescimento do mercado consumidor.
O cenário é de crescente globalização – desenfreada a partir da internet – que rompe barreiras
fronteiriças e diminui distâncias, aproximando mercados e pessoas. A globalização também au-

UNIDADE 01
menta a concorrência internacional, pois facilita o comércio entre diferentes países e, mais recen-
temente, entre pessoas e empresas de diferentes países.
As primeiras empresas multinacionais começam a surgir de modo significativo ainda na década
de 1920, conforme Frieden (2008, p. 183), que adiciona: “A liderança, novamente, era dos Estados
Unidos, e o automóvel, mais uma vez, foi a quintessência desse tipo de empresa. Empresas norte-
-americanas estabeleceram, ou compraram, milhares de subsidiárias na Europa, no Canadá e na

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


América Latina”. Lentamente o modelo das multinacionais (empresas globais) foi ganhando mais
forma e expandindo para outros segmentos, constituindo hoje, ao que tudo indica, um caminho
sem volta, pois há, além de empresas, bancos globais que funcionam sob esse conceito.
Com a chegada dos anos 2000, as tecnologias cibernéticas ganham desta-
Fonte: Shutterstock.com

que. Termos como “nuvem”, “big data” e “smart” tornam-se parte do cotidia-
no. Eletroeletrônicos sem fio, assim como a internet wi-fi, tornam-se impres-
cindíveis. Conexões remotas por meio de um aparelho celular, por exemplo,
são possíveis tanto entre pessoas, como entre pessoas e máquinas. Tudo isso
faz parte do que começa a ser chamado de 4ª Revolução Industrial, quem
sabe em uma nova modalidade de capitalismo: o Capitalismo Informacional
ou Capitalismo Cognitivo.
Atualmente vivemos a “Era do Grande Enriquecimento”, denominação criada pela economista
Deindre McCloskey, com uma economia de mercado baseada em: predomínio da livre iniciativa;
especulação financeira; crescente investimento em ações, inclusive por parte de pessoas comuns
e famílias; e a fusão entre empresas e entre capital bancário e industrial. Na contramão, baixos
salários e elevadas taxas de desemprego persistem.

LEITURA

Recomendamos a leitura das seções “Trabalho e Educação” e “Trabalho e Gênero” do livro “Ges-
tão, Trabalho e Cidadania: novas articulações”, organizado por Pimenta e Corrêa (2001), para re-
flexão acerca de questões atuais afetas a essas temáticas.
PIMENTA, S.M.; CORRÊA, M.L. Gestão Trabalho e Cidadania: novas articulações. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001.

Estudadas as três fases do capitalismo e seus contextos, finalizamos com uma sintética linha do
tempo representando as quatro revoluções industriais:

32
FIGURA 8 – REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS

UNIDADE 01
UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
Fonte: Shutterstock (2020).

REFLITA
Com base em tudo o que vimos nesta Unidade e na linha do tempo da Figura 8, quais as principais
mudanças ocorridas?
Evoluímos, apenas melhorando, ou há retrocessos? Se você concorda que há retrocessos, enu-
mere três que lhe chamam atenção. Você consegue perceber em qual momento eles passaram a
ocorrer? Algo tem sido feito para que esses retrocessos cessem ou sejam reduzidos?

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos nesta primeira Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas, no primeiro item,
um breve panorama histórico do desenvolvimento da humanidade, que serviu e servirá de apoio
a nossos estudos.
O segundo tópico apresentou a questão econômica da modernidade à contemporaneidade,
com base nos principais conceitos e no funcionamento organizacional.
Esses dois tópicos viabilizam a discussão e reflexão de diferentes temáticas que serão apre-
sentadas no decorrer desta disciplina e que, somadas a outros conceitos e vieses, possibilitarão a
você um olhar mais amplo e apurado na análise das mais variadas demandas contemporâneas que
surgirem em seu cotidiano – sejam elas pessoais ou profissionais.

33
A análise e discussão do todo, o global (macro), deve ser aliada às questões regionais (micro) e
vice-versa. Ora, a parte não se dissocia do todo e o todo não é todo sem uma parte. Compreender
qualquer sistema de forma geral nos permite entender que qualquer ação gera efeitos que impac-
tam no todo. Essa dinâmica global só funciona porque mudanças que começam localmente vão,
com o passar do tempo e sucesso do movimento, alterando o funcionamento da engrenagem, até

UNIDADE 01
quem sabe alterá-la por completo. Normalmente as mudanças são para melhor e objetivando o
progresso, mas retrocessos fazem parte do processo e é com relação aos perigos destes que deve-
mos estar atentos ao pensar sobre qualquer demanda contemporânea.
A próxima Unidade apresentará a visão de importantes sociólogos no que diz respeito à Socio-
logia e à sociedade, além de questões relacionadas à cidadania e variados aspectos do meio am-
biente. Esse conteúdo o ajudará na formação de um pensamento mais crítico e sistematizado para

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


a formulação de questionamentos e reflexões acerca das demandas contemporâneas, tirando-o
do lugar comum e apresentando ideias e métodos científicos que fortalecerão seus argumentos.
Vamos juntos!

ANOTAÇÕES

34
UNIDADE

02
SOCIEDADE
E CIDADANIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» C
aracterizar a sociologia de Durkheim, Marx e Weber, de modo a compreender
o século XIX e a visão da sociedade como objeto;
» A
valiar as mudanças de atitude em relação à natureza, à produção e ao consu-
mo a partir do Renascimento;
» Elucidar a construção da cidadania com base nos estudos de Thomas Marshall.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qrgo.page.link/bVccL https://qrgo.page.link/U7bgt https://qrgo.page.link/ZZESm


INTRODUÇÃO
Olá! Seja bem-vindo à segunda Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas!
Na Unidade anterior, vimos um breve panorama histórico da humanidade da Idade Média à

UNIDADE 02
Idade Contemporânea, bem como as variadas formas de capitalismo em paralelo a seu contexto
histórico-econômico pautado pelas Revoluções.
Nesta Unidade analisaremos mais algumas questões basilares à discussão de demandas con-
temporâneas e começaremos a apontar e questionar determinadas demandas, o que seguirá com
maior destaque nas próximas duas Unidades da disciplina.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


O primeiro tópico apresentará a Sociologia de Marx, Durkheim e Weber, com o objetivo de
compreender o pensamento desses sociólogos do século XIX e a visão da sociedade como objeto.
O segundo tópico trará questões de mercado e meio ambiente debatendo questionamentos re-
lativos à natureza, à produção e ao consumo, sem descuidar da contextualização desses conceitos
atrelados a seus principais momentos históricos a partir do Renascimento.
Por fim, o terceiro tópico elucidará a construção da cidadania com base nos estudos realizados
pelo sociólogo Thomas Marshall, mostrando a relevância do conceito.
Especialmente a partir desta Unidade, seu sucesso na disciplina de Demandas Contemporâneas
depende de você!
É necessário que você tenha bem estabelecidos em mente os períodos históricos e suas di-
ferenças, os principais fatos históricos e as correntes econômicas e sociais. Com esse mapa
mental definido, você terá a contextualização das demandas contemporâneas, o que facilitará
sua compreensão, organização e debate da temática, sempre pautada pela equidade – objetivo
maior da disciplina.
A compreensão e discussão desses temas permitirá seu desenvolvimento pessoal e profissio-
nal. (Re)Pense conforme caminhamos.
Vamos juntos!

1. ESTUDOS SOCIAIS:
SOCIEDADE E SOCIOLOGIA
O termo “sociologia” foi utilizado pela primeira vez pelo francês Auguste Comte (1798-1857),
mas apenas com Émile Durkheim – considerado um dos “pais fundadores” – a Sociologia ganhou
status de disciplina científica. Castro (2014, p. 19) relata como se deu esse início:

36
O FRANCÊS ÉMILE DURKHEIM (1858-1917) FOI UM DOS PRINCIPAIS “PAIS FUN-
DADORES” DA SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA. FOI PERSONAGEM
FUNDAMENTAL DE SUA “INSTITUCIONALIZAÇÃO” NA FRANÇA – ISTO É, NA CRIAÇÃO,
FORMALIZAÇÃO E CONTINUIDADE DA SOCIOLOGIA NO ESPAÇO ACADÊMICO. ESSE

UNIDADE 02
PROCESSO PASSOU PELA CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS CURSOS, REVISTAS E DIPLOMAS
DE SOCIOLOGIA. DURKHEIM OCUPOU A PRIMEIRA CADEIRA UNIVERSITÁRIA COM
ESSE NOME (EM BORDÉUS, 1887) E FUNDOU, EM 1896, O L’ANNÉE SOCIOLOGIQUE
(ANUÁRIO SOCIOLÓGICO), QUE SE TORNOU A PRINCIPAL REVISTA DE SOCIOLOGIA DA
FRANÇA, DIVULGANDO O PENSAMENTO DA “ESCOLA” DURKHEIMIANA, QUE TEVE
MUITOS DISCÍPULOS. ESSE NÃO FOI, TODAVIA, UM PROCESSO SIMPLES NEM FÁCIL.
PARA FUNDAR A DISCIPLINA NA FRANÇA, DURKHEIM PRECISOU EM PRIMEIRO LUGAR
SE DIFERENCIAR TANTO DE FILÓSOFOS QUE PUBLICARAM TEXTOS A RESPEITO DO

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


QUE CHAMARAM TAMBÉM DE “SOCIOLOGIA”, COMO AUGUSTE COMTE E HERBERT
SPENCER, BEM COMO DISPUTAR RECONHECIMENTO E LEGITIMIDADE COM CON-
TEMPORÂNEOS COMO GABRIEL TARDE E ARNOLD VAN GENNEP. ESSE PROCESSO
ENVOLVEU TAMBÉM, E ACIMA DE TUDO, A DEFESA DA EXISTÊNCIA DE UM OBJETO
EXCLUSIVA E PROPRIAMENTE SOCIOLÓGICO – O “FATO SOCIAL”, DISTINTO DO OBJETO
DE OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO, COMO A BIOLOGIA, A FILOSOFIA, A PSICOLO-
GIA, O DIREITO, A ECONOMIA ETC. ESSE OBJETO DEMANDARIA A CODIFICAÇÃO DE UM
MÉTODO ESPECÍFICO PARA TRATÁ-LO E DE UMA CIÊNCIA DISTINTA E AUTÔNOMA – A
SOCIOLOGIA – PARA DESCOBRIR AS LEIS DE SEU FUNCIONAMENTO.

O fato social de que Durkheim tratava compreendia a sociedade ou parcelas dela, por isso a
novidade com relação às ciências até então existentes à época (CASTRO, 2014). Reside nisso tam-
bém a “crise de identidade” – conforme define Johnson (1997) – da Sociologia enquanto ciência.
O autor explica que a ideia de “sociedade” é bastante genérica para definir o objeto da disciplina,
por isso deve-se pensar em “fato social”. Ora:

A DISCIPLINA É MUITAS VEZES DESCRITA COMO O “ESTUDO DA SOCIEDADE”, MAS


ESSA DEFINIÇÃO EXCLUI A VASTA MAIORIA DE VIDA SOCIAL QUE OCORRE EM SIS-
TEMAS MUITO MENORES DO QUE SOCIEDADES. ESTUDOS DE GRUPOS, EMPRESAS,
SALAS DE AULA E FAMÍLIAS DISFUNCIONAIS ESTÃO TODOS, EM ÚLTIMA HIPÓTESE,
LIGADOS À SOCIEDADE, EMBORA POSSAMOS FORMULAR NUMEROSAS PERGUNTAS
SOBRE ELES, SEM JAMAIS NOS REFERIRMOS AO MAIOR DOS SISTEMAS SOCIAIS
NOS QUAIS ELES SE ENCARTAM. NA OUTRA EXTREMIDADE DO ESPECTRO, É OUVIDA
A OBJEÇÃO DE QUE PROBLEMAS CADA VEZ MAIS INTERESSANTES OCORREM EM
NÍVEIS MAIS AMPLOS DO QUE SOCIEDADES, EM NÍVEIS QUE ABRANGEM SISTEMAS
ECONÔMICOS E POLÍTICOS MUNDIAIS.
(JOHNSON, 1997, p. 217)

Além dessa compreensão amplificada de sociedade que se deve ter, também não cabe diminuir
o objeto da Sociologia ao estudo de grupos ou ao estudo do comportamento social – este não
porque pode levar à confusão entre sociologia e psicologia; aquele não porque nem tudo que

37
pode ser analisado pela Sociologia se enquadra no critério de grupo, como, por exemplo, sistemas
econômicos e políticos (JOHNSON, 1997).
Assim sendo, em suma, Sociologia estuda também a sociedade, mas esse não é seu único objeto,
que, em verdade, é o fato social, pois este, sim, engloba a sociedade e todo o restante mencionado.

UNIDADE 02
Neste item analisaremos os estudos realizados por Marx, Durkheim e Weber – a ordem adotada
não é de importância (até porque não há razão de se discutir isso), mas cronológica de nascimento,
bem como da publicação da principal obra de cada um deles, critérios que coincidem.
O estudo desses três pensadores e de suas obras é de extrema relevância, pois são conside-
rados autores clássicos. Seus trabalhos inspiraram e inspiram gerações de sociólogos e cientistas
sociais, sendo considerados os principais representantes da sociologia histórica1 – pois aliaram

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


análises desses dois ramos para realizar seus estudos sociais –, além de serem considerados “pre-
cursores da sociologia moderna” (JOHNSON, 1997, p. 218).

REFLITA
Antes de iniciar o estudo dos itens a seguir, sobre Marx, Durkheim e Weber, analise as datas de
nascimento e falecimento de cada um desses sociólogos. Ao avançar no conteúdo, coordene o
momento histórico vivido com seus pensamentos; tente compreender o que pode tê-los levado a
desenvolver seus estudos da maneira desempenhada e o impacto de seus estudos para a socie-
dade contemporânea.
Repare que os três nasceram no século XIX, tendo vivido na Idade Contemporânea. Mais especifi-
camente: viveram ao longo de parte do período marcado pela 1ª e 2ª Revoluções Industriais, com
uma economia baseada no sistema do capitalismo industrial influenciado pelas ideias liberais,
assim como pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa.
FIGURA 1 - MARX, DURKHEIM E WEBER

KARL MARX ÉMILE DURKHEIM MAX WEBER

Fonte: Wikimedia Commons.

1 Sobre o objeto da sociologia histórica, Johnson aponta: “Atualmente, a sociologia histórica estuda sobretudo
o desenvolvimento do CAPITALISMO, além da NAÇÃO-ESTADO, RELIGIÃO, COMPORTAMENTO COLETIVO e MOVIMEN-
TOS SOCIAIS” (1997, p. 218, destaques do original).

38
1.1 MARX (1818-1883)
Karl Marx acompanhou o surgimento do capitalismo industrial e a consolidação dos Estados
Modernos, em especial na Alemanha/Prússia (sua terra natal) – país de unificação tardia se com-
parado ao restante da Europa. Morou também em Paris e na Inglaterra, onde faleceu.

UNIDADE 02
Em parceria com Friedrich Engels, escreveu “A Sagrada Família” (1844) e “A Ideologia Alemã”
(1845) – esta considerada por muitos a base do materialismo histórico.
Nesse sentido, Oliveira, Melo e Araújo (2018, p. 62) destacam que Marx: “teve como princípio
estudar a sociedade capitalista, os seus efeitos na e para com a sociedade (materialismo histórico),
defendendo a revolução como meio para findar a exploração dos operários pelo Estado capitalista”.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


Antes de completar 30 anos, publicou seu livro intitulado “O Manifesto Comunista” (1847), obra
que já demonstrava o que viriam a ser as preocupações fundamentais da maturidade de Marx: a
análise e a crítica da economia capitalista, em especial em sua obra “O Capital” (1867).
Frise-se: a terminologia “sociologia” não chegou a ser usada por Marx em suas obras, pois foi
novidade institucionalizada por Durkheim pouco tempo depois.

1.1.1 MATERIALISMO HISTÓRICO


O materialismo histórico é um método de estudo da sociologia marxista. Foi elaborado por
Marx e Engels e estuda a sociedade capitalista por meio de seu processo histórico, ou seja: analisa
as evoluções históricas para, então, demonstrar as relações entre proletariado e burguesia (res-
pectivamente, empregados e patrões).
Castro (2014) sumariza da seguinte forma o entendimento defendido pela dupla e definidor do
materialismo histórico:

MARX E ENGELS ACREDITAM QUE OS SERES HUMANOS, TÃO LOGO COMEÇARAM A


PRODUZIR SEUS MEIOS MATERIAIS DE VIDA (O QUE OS DISTINGUE DOS ANIMAIS),
TORNARAM-SE DEPENDENTES DAS CONDIÇÕES MATERIAIS DESSA PRODUÇÃO. ESSA
CONCEPÇÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA HUMANA PERMITIRIA COMPREENDER COMO
AS RELAÇÕES DOS INDIVÍDUOS ENTRE SI E SUAS FORMAS DE PROPRIEDADE SE AL-
TERARAM À MEDIDA QUE FORAM SE DESENVOLVENDO FORÇAS PRODUTIVAS NOVAS
E MAIS PODEROSAS. TERÍAMOS, ASSIM, UMA INTERCONEXÃO DA ESTRUTURA SOCIAL
E POLÍTICA COM O MODO DE PRODUÇÃO. AS IDEIAS E REPRESENTAÇÕES ESTARIAM,
PARA MARX E ENGELS, ENTRELAÇADAS NA ATIVIDADE E NO INTERCÂMBIO MATERIAL
DO HOMEM, E SERIAM POR ELAS DETERMINADAS. DAÍ A DEFINIÇÃO DE IDEOLOGIA DE
MARX E ENGELS COMO REPRESENTAÇÃO INVERTIDA DA REALIDADE.
(CASTRO, 2014, p. 4)

Podemos depreender que o método assimila o desenvolvimento histórico ao desenvolvimento


econômico, tornando um indissociável do outro. A sociedade foi-se desenvolvendo economica-
mente à medida que os meios de produção e as necessidades materiais iam-se modificando e de-

39
senvolvendo, transmutando as relações naturais em relações monetárias. Pari passu, as relações
de trabalho foram sendo construídas: com o crescente poderio de maquinário e fábricas, novas
estruturas sociais se formaram e acabaram “aprisionando” os que oferecem sua mão de obra em
troca de salário.
Essa relação de trabalho e tantas outras relações sociais são necessárias e inevitáveis, produ-

UNIDADE 02
zindo a própria existência humana, que corresponde ao grau de desenvolvimento de suas forças
produtivas materiais.
Com o passar do tempo, as forças produtivas materiais de uma sociedade entram em contradi-
ção com as relações de produção existentes e o desenvolvimento da força produtiva deixa de ser
uma evolução e passa a ser um entrave, o que leva à revolução social.

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Surge também desse entendimento o conceito de “mais-valia” – que será apresentado no tópi-
co seguinte e consiste, basicamente, no lucro do sistema capitalista.

SAIBA MAIS
Curioso em saber sobre a rotina de Karl Marx? O site (inativo) Daily Routines*, que produziu os
livros “Daily Rituals: how artists work” e “Daily Rituals: women at work” contou um pouquinho dos
hábitos do sociólogo (e de várias outras pessoas influentes da história e atualidade). Disponível
em: https://bit.ly/3dfDDkg. Acesso em: 15 fev. 2020.
*material em inglês, traduzido pela revista Galileu em: https://glo.bo/2SPW6uZ.
E leia a matéria do Site da Revista Galileu publicada em 4 de maio de 2018. Disponível em:
https://glo.bo/2SAAbcw. Acesso em: 15 fev. 2020.

1.2 DURKHEIM (1858-1917)


O francês Émile Durkheim, considerado “pai da sociologia”, viveu durante a Era Napoleônica,
tendo acompanhado a queda de Napoleão e todas as consequências trazidas à França em de-
corrência desse fato histórico. Também vivenciou o início da 1ª Guerra Mundial, que teve forte
impacto negativo em sua vida.
Suas principais obras são: “Da Divisão do Trabalho Social” (1893), “As Regras do Método So-
ciológico” (1895), “O Suicídio: estudo de sociologia” (1897) e “As Formas Elementares da Vida
Religiosa” (1912).
Oliveira, Melo e Araújo (2018, p. 62-63), destacam as seguintes ideias do sociólogo:

NA OBRA AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO, [...] DURKHEIM EXPÔS A SUA VISÃO


SOBRE O FATO SOCIAL SER O OBJETO DA SOCIOLOGIA. ALÉM DISSO, NA OBRA INTITU-
LADA O SUICÍDIO, [...] DURKHEIM DEFENDEU SER A EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA O ELE-
MENTO ADEQUADO PARA ENTENDER O SUICÍDIO. ALÉM DISSO, A VISÃO DE DURKHEIM
CONTRIBUI NO ESTUDO DA SOLIDARIEDADE E DA DIVISÃO DO TRABALHO.

40
Outro destaque devido vai para as ideias de altruísmo, anomia e egoísmo, presentes no livro “O
Suicídio” como motivadoras que tipificam o suicídio.
O conceito de anomia foi formulado por Durkheim como “parte da explicação dos padrões de
suicídio na Europa do século XIX” (JOHNSON, 1997, p. 17). O autor ainda conceitua da seguinte
maneira: “situação social onde falta coesão e ordem, especialmente no tocante a normas e valores”

UNIDADE 02
(JOHNSON, 1997, p. 17), ou seja, faltam normas, há desorganização social. O termo “anomia” pode
ser utilizado para descrever uma condição psicológica de um indivíduo, mas, na sociologia, descreve:

UMA CONDIÇÃO EM SISTEMAS SOCIAIS COMO UM TODO. O QUE DURKHEIM DESCRE-


VEU COMO SUICÍDIO ANÔMICO ERA UM PADRÃO DE COMPORTAMENTO QUE CONSTI-

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


TUÍA RESULTADO DE CONDIÇÕES SOCIAIS ANÔMICAS — EM OUTRAS PALAVRAS, CA-
RACTERÍSTICAS CULTURAIS E ESTRUTURAIS DE SISTEMAS SOCIAIS QUE PRODUZIAM
BAIXA COESÃO E UM CONSEQUENTE SENSO FRACO DE APEGO DOS MEMBROS ÀS
SUAS COMUNIDADES.
(JOHNSON, 1997, p. 17)

O altruísmo, para Durkheim, poderia ser uma das razões para o cometimento de suicídio – tal
qual a anomia e o egoísmo. Consiste na “tendência a considerar as necessidades dos outros como
mais importantes do que as próprias e, por conseguinte, estar disposto a sacrificar-se por eles”
(JOHNSON, 1997, p. 7). O sociólogo considerava o altruísmo ensejo ao suicídio quando, em certas
sociedades, os indivíduos “se identificam de maneira tão forte com um grupo ou comunidade que
se sacrificam tranquilamente para defender seus interesses ou sustentar suas tradições” (JOHN-
SON, 1997, p. 7).
Por fim, a tendência suicida egoísta, totalmente oposta ao altruísmo, ocorre ao “indivíduo [...]
focalizar-se intensamente em si mesmo, com exclusão de outras pessoas e sistemas sociais, tais
como grupos, comunidades e sociedades” (JOHNSON, 1997, p. 82). Johnson (1997, p. 82) aponta
o argumento de Durkheim: “o suicídio egoístico resulta de baixa coesão social em grupos que en-
fatizam o individualismo”.

VÍDEO

Na linha de pensamento durkheimiana, é interessante assistir ao filme “A Onda”, produção alemã


do ano de 2008.
Esse filme, inspirado em fatos reais, relata a história de um professor – responsável por lecionar
a temática Estado Autocrático a estudantes de Ensino Médio em uma escola alemã – que propõe
aos alunos uma atividade prática para simular os moldes do regime nazista. A pergunta que os
movia: será que esse modelo se repetiria e funcionaria na atualidade?
Ao assistir, repare nos aspectos sociológicos de Durkheim expressos no filme.

41
1.2.1 MÉTODO SOCIOLÓGICO
Com visão holística da sociedade, Durkheim produziu trabalho pioneiro à sua época, pois rom-
peu com a tradição atomista da natureza e análise da vida social – ou seja, em sociedade –, o que
Johnson (1997, p. 21) distingue da seguinte forma:

UNIDADE 02
A PERSPECTIVA ATOMISTA É INDIVIDUALISTA E PSICOLÓGICA, ARGUMENTANDO QUE
UM SISTEMA SOCIAL NADA MAIS É DO QUE UM CONJUNTO DE INDIVÍDUOS. SE PODE-
MOS ENTENDÊ-LOS, SABEMOS TUDO QUE PRECISAMOS SABER SOBRE OS SISTEMAS
SOCIAIS DE QUE ELES PARTICIPAM. EM SUMA, O TODO É A SOMA DE SUAS PARTES,
E NADA MAIS. EM CONTRASTE, O HOLISMO CONSTITUI O PRÓPRIO ÂMAGO DO PEN-
SAMENTO SOCIOLÓGICO. ELE CONSIDERA O TODO DO SISTEMA SOCIAL COMO MAIS

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


DO QUE OS INDIVÍDUOS QUE DELE PARTICIPAM. A GUERRA, POR EXEMPLO, NÃO PODE
SER COMPREENDIDA COMO UMA SIMPLES SOMA DE IMPULSOS E COMPORTAMENTO
AGRESSIVOS E BELICOSOS DE INDIVÍDUOS.

É dessa visão holística durkheimiana que surge a ciência denominada Sociologia – conforme
apresentado no início desta Unidade – e o método sociológico.

1.3 WEBER (1864-1920)


O alemão Max Weber sempre esteve ligado à academia; durante a 1ª Guerra Mundial, serviu ao
exército atuando como diretor de hospitais e foi um dos representantes da Alemanha em Versalhes
(França) quando da assinatura do Tratado de Versalhes – o tratado de paz pós-1ª Guerra Mundial.
Dentre suas várias obras, cumpre destacar: “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”
(1904), e as póstumas “A Ciência como Vocação” (1917) e “Economia e Sociedade” (1922).
A importância de Weber é evidenciada por Johnson (1997, p. 282):

WEBER DEU GRANDES E CLÁSSICAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DA RELIGIÃO,


HISTÓRIA ECONÔMICA, CAPITALISMO, E LEI. FOI UM DOS PRIMEIROS CULTORES
DA PERSPECTIVA DE CONFLITO, ESPECIALMENTE EM SEU TRABALHO PIONEIRO
SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA BUROCRACIA COMO FORMA SATURANTE DE
ORGANIZAÇÃO SOCIAL. WEBER ARGUMENTAVA QUE A RACIONALIZAÇÃO ESTAVA
SE TRANSFORMANDO EM UM PRINCÍPIO CADA VEZ MAIS PODEROSO SOB O CA-
PITALISMO INDUSTRIAL, À MEDIDA QUE CUSTO, LUCRO E EFICIÊNCIA CRESCIAM
EM IMPORTÂNCIA SOCIAL. O RESULTADO, ACREDITAVA, SERIA UMA “JAULA DE
FERRO” QUE CADA VEZ MAIS MANTERIA A VIDA DE PESSOAS EM SUAS GARRAS,
COM POUCA ESPERANÇA DE FUGA OU ALÍVIO DE SEUS SUFOCANTES EFEITOS
SOBRE O ESPÍRITO HUMANO.

No que tange à burocracia, cumpre ensinar os três tipos puros de dominação legítima estatuídos
por Weber, quais sejam: dominação legal, dominação tradicional e dominação carismática. Essas

42
três modalidades de dominação costumam ter bases jurídicas que as legitimam; uma vez abalada a
crença na legitimidade da dominação, grandes consequências podem surgir (CASTRO, 2014, p. 46).
A dominação legal tem em seu tipo mais puro a dominação burocrática, fruto de estatuto.
Castro (2014, p. 47) simplifica que “a ideia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado
mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma”. Não se obedece a uma pessoa,

UNIDADE 02
mas à regra, como que em uma organização.
Noutro sentido, a dominação tradicional é a que ocorre em decorrência da “crença na santi-
dade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da
dominação patriarcal” (CASTRO, 2014, p. 49).
O último dos três tipos é a dominação carismática, que tem fulcro na “devoção afetiva à pessoa

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do senhor e a seus dotes por graça (carisma)” (CASTRO, 2014, p. 52). Comumente reside em figuras
vistas como detentoras das seguintes particularidades: “faculdades mágicas, revelações ou heroís-
mo, poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento
emotivo que provocam constituem aqui a força de devoção pessoal” (CASTRO, 2014, p. 52).

1.3.1 SOCIOLOGIA INTERPRETATIVA


Oliveira, Melo e Araújo (2018, p. 63) pontuam que “Weber descreveu a propensão crescente
das pessoas de colocar em prática o pensamento lógico e científico em todas as situações no
intuito de alcançar objetivos”, vindo disso a necessidade da empatia – como compreensão – ser
incluída no método sociológico de análise de interações sociais (JOHNSON, 1997). Ademais:

WEBER FOI RESPONSÁVEL POR DEFENDER QUE A SOCIOLOGIA DEVERIA CUIDAR DE


ENTENDER A AÇÃO SOCIAL, OU SEJA, A CONDUTA HUMANA VOLTADA PARA O OU-
TRO, QUE WEBER CLASSIFICOU EM QUATRO TIPOS IDEAIS: A AFETIVA, A TRADICIO-
NAL, A RACIONAL COM RELAÇÃO A VALORES E A RACIONAL COM RELAÇÃO A FINS.
(OLIVEIRA; MELO; ARAÚJO, 2018, p. 63)

Esses quatro tipos de ação social descendem da visão weberiana de que os indivíduos não são
passivos em suas interações, mas ativos e reagentes, visto que interação é “o processo que ocorre
quando pessoas agem em relação recíproca em um contexto social” (JOHNSON, 1997, p. 131).
Essa é a teoria da ação desenvolvida por Weber, um “método geral para compreender o que
fazemos em termos do significado que atribuímos ao nosso comportamento e ao do nosso seme-
lhante” (JOHNSON, 1997, p. 131). O argumento weberiano em defesa da teoria da ação é expresso
por Johnson da seguinte forma:

NÃO PODEMOS COMPREENDER O QUE PESSOAS FAZEM SEM TER ALGUMA IDEIA
DE COMO ELAS, DE FORMA SUBJETIVA, INTERPRETAM SEU PRÓPRIO COMPORTA-
MENTO. ESSE INSIGHT BÁSICO PEDE AOS SOCIÓLOGOS QUE INCLUAM A EMPATIA
NO MÉTODO QUE USAM PARA COMPREENDER A VIDA SOCIAL, JUNTAMENTE COM
OUTROS MÉTODOS CIENTÍFICOS MAIS OBJETIVOS.
(JOHNSON, 1997, p. 131)

43
Deriva daí a sociologia interpretativa, que se distingue das demais perspectivas teóricas socio-
lógicas da seguinte forma:

DIVERGE PROFUNDAMENTE DA IDEIA DE QUE A VIDA SOCIAL É GOVERNADA PELAS

UNIDADE 02
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS E CULTURAIS OBJETIVAS DE SISTEMAS SOCIAIS,
QUE SÃO EXTERNOS AO INDIVÍDUO E RELATIVAMENTE INDEPENDENTES DELES.
REJEITA TAMBÉM O ARGUMENTO DE QUE É POSSÍVEL ELABORAR LEIS CIENTÍFICAS
RÍGIDAS, QUE EXPLICAM PADRÕES DE COMPORTAMENTO SOCIAL COMO FIXOS E
DETERMINADOS PELAS SITUAÇÕES SOCIAIS EM QUE PESSOAS SE ENCONTRAM.
(JOHNSON, 1997, p. 218)

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


Assim sendo, Weber deu uma visão humanista à Sociologia, sendo um representante do huma-
nismo liberal.

LEITURA
Apontadas as principais obras e ideias de Marx, Durkheim e Weber, cabe a você, aluno, buscar
outras fontes para aprofundar seus conhecimentos sobre o trabalho desenvolvido por esses pen-
sadores. Além dos livros utilizados para a confecção deste material, há muitos manuais que você
pode adotar para compreender um pouco mais da Sociologia.
Mas, saindo do mundo acadêmico, sugerimos a leitura do livro de Jostein Gaarder, “O Mundo de
Sofia: romance da história da filosofia”. Nele, a personagem Sofia, às vésperas de completar quin-
ze anos, começa a receber cartas, bilhetes, postais que a ensinam sobre filosofia – e sociologia
– ocidental, tudo isso permeado por um ambiente de inteligente ficção e leveza didática.

2. MERCADO E MEIO AMBIENTE:


COMPETIÇÃO OU COOPERAÇÃO?
Ao pensar rapidamente na ideia de mercado, inúmeras coisas podem vir à mente, mas dificil-
mente será o termo “meio ambiente” e tudo mais que ele engloba.
Vimos, na Unidade anterior, que do Renascimento à Contemporaneidade muito mudou, princi-
palmente com relação aos aspectos econômico-produtivos. As Revoluções Industriais, bem como
a Revolução Verde, alteraram radicalmente o modo de vida da humanidade.
Novas estruturas sociais surgiram, com novas demandas, novos recursos, novas formas de co-
mércio, novos conceitos e a ciência denominada Sociologia.
Mas e a preocupação com o meio ambiente em meio a isso tudo, como ficou? Tanto em relação
ao meio ambiente natureza quanto em relação ao meio ambiente de trabalho, novos anseios pas-

44
sam a surgir, bem como necessidades, direitos e deveres. O que antes não preocupava, ou sequer
existia, hoje pode até alarmar.

REFLITA

UNIDADE 02
Retorne às linhas do tempo apresentadas na primeira Unidade, em relação à agricultura e às fases
do capitalismo. Reflita acerca das novidades acima mencionadas e pense em exemplos. Quais
alterações chamam mais sua atenção positiva e negativamente?

O conceito de mercado já foi abordado em nossa primeira Unidade, mas a mais-valia foi apenas

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


mencionada. Qual é, então, o conceito de “mais-valia”?
As relações de classe, para Marx, correspondem a uma relação de alienação – assim como as
relações de consumo e produção, na qual:

O TRABALHADOR ASSALARIADO É DESTITUÍDO DA PROPRIEDADE DE SEUS MEIOS


DE PRODUÇÃO, E PORTANTO SE ENCONTRA NUMA POSIÇÃO DE BARGANHA DE-
SIGUAL EM RELAÇÃO AO EMPREGADOR CAPITALISTA. ISSO PERMITE QUE ESTE
DOMINE O PROCESSO DE PRODUÇÃO E SE APROPRIE DO PRODUTO DO TRABALHA-
DOR. ENQUANTO O CAPITALISTA PAGA SALÁRIOS AO EMPREGADO, SEU DOMÍNIO DA
EMPRESA POSSIBILITARÁ QUE ELE GERE UM EXCEDENTE.
(SCOTT, 2010, p. 21)

A ideia de mais-valia elaborada por Marx consiste em uma extorsão da força de trabalho, um
excesso – por este motivo equiparada ao “lucro” do sistema capitalista, que é o valor conservado
pelos empregadores após o pagamento dos empregados e despesas:

MARX INSISTIA EM QUE O TRABALHADOR NÃO VENDIA UM TRABALHO ESPECÍFICO,


MAS SIM UMA “POTÊNCIA DE TRABALHO” CUJA ARTICULAÇÃO ESPECÍFICA SERIA
DETERMINADA PELO EMPREGADOR, POSSIBILITANDO QUE ESTE EXTRAÍSSE
MAIS-VALIA. UMA VEZ CONCRETIZADA ESSA MAIS-VALIA, ELA RETORNARIA PARA
RENOVAR O DOMÍNIO DO CAPITALISTA SOBRE OS EMPREGADOS.
(SCOTT, 2010, p. 23)

A mais-valia pode ser absoluta ou relativa. A primeira diz respeito a quando o empregador exige
maior empenho do empregado, sem a isso oferecer-lhe algo em troca, enquanto a segunda está
ligada ao avanço científico-tecnológico, pois o aumento da produção não se dá diretamente pelas
mãos dos empregados.
A questão é: a já inevitável corrida pelo lucro no mercado atual parece competir ou cooperar
com o meio ambiente? E mais: você tem feito sua parte?

45
Nos itens a seguir, veremos conceitos e demandas contemporâneas relativos à natureza, à pro-
dução e ao consumo nesta temática.

2.1 NATUREZA

UNIDADE 02
“Quando do Renascimento e início da Idade Moderna, o meio ambiente era totalmente preservado”.
Se alguém fizesse a você o comentário acima, responda rápido: você concordaria ou discordaria?
Engano seu se, porventura, concordasse. Ora, pensando apenas no caso brasileiro, rememore
suas aulas no colégio: o território brasileiro passou por elevado desmatamento (lembre-se do pau-
-brasil) e, mais tarde, desmedida exploração de minérios em decorrência da descoberta do ouro.
Tudo isso já demonstrava despreocupação com relação aos aspectos ambientais, não sendo o ca-

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


pitalismo pioneiro no desrespeito ao meio ambiente e único responsável pelo problema ambiental
da atualidade.
Por óbvio o processo de degradação ambiental restou acentuado com o passar das Revoluções
Industriais e a utilização de novas fontes de energia – grande parte delas altamente poluentes e
não renováveis – que aceleram o aquecimento global. Mas será que a culpa pela ainda baixa taxa
de utilização de energias renováveis é apenas das grandes empresas? Qual a sua preocupação,
por exemplo, com relação ao descarte do seu lixo reciclável? E seu consumo de descartáveis que
poderia ser facilmente evitado, a quantas anda? Qual tipo de meio de transporte você prioriza, ao
menos no quesito distâncias curtas?
Fato: o descaso com a natureza não é novidade; mas, na atualidade, também em decorrência
das invenções da modernidade, esse problema foi-se agravando.
Só piora se levarmos em conta que hoje são muitos os estudos acerca dos perigos do dese-
quilíbrio ecológico – situação distinta da pesquisa científica de relativamente poucos anos atrás,
quando não havia embasamento científico concreto nessa área. Ora, insistir no descaso, mesmo
com tantas evidências, não faz sentido, pois as consequências e os perigos agora são conhecidos.

VÍDEO

Assista ao filme “Uma Verdade Inconveniente” (2006), documentário norte-americano que acom-
panha Al Gore, ex-candidato à presidência dos Estados Unidos da América, em suas palestras so-
bre aquecimento global pelo mundo. Objetiva conscientizar as pessoas do impacto das mudanças
de hábitos diários individuais.

Marx associou o trajeto histórico-social das mudanças fruto do progresso, afirmando que esse
progresso vindo da exploração capitalista ocasionaria uma irreversível destruição.
O progresso atingido por meio da automação “aumenta em muito a capacidade humana de al-
terar o meio ambiente, extrair matérias-primas e produzir bens em grandes quantidades” (JOHN-

46
SON, 1997, p. 22). Analisado sob o aspecto das classes sociais2 e relações trabalhistas, o progresso
constitui “uma das principais maneiras para a classe capitalista aumentar seus lucros às expensas
dos trabalhadores (porque ocasiona uma perda líquida de empregos) e controlar a classe operária,
ao despertar nela o medo de ser substituída por máquinas” (JOHNSON, 1997, p. 22).
Desse modo, na visão marxista, o desequilíbrio ecológico ocasionaria destruição ambiental e social.

UNIDADE 02
O cenário até agora descrito de progresso industrial-econômico tem gerado consequências à
natureza, mas toda essa estrutura não funciona sem a produção fruto de mão de obra (mediata ou
imediatamente), que por sua vez é influenciada pela demanda comandada pelo consumo. Vere-
mos esses dois aspectos nos próximos dois itens, respectivamente: produção e consumo.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


LEITURA
Leia o livro de Cristal Muniz, que foi de blogueira a escritora. Autora do blog “Um ano sem lixo”,
ela escreveu o livro “Uma vida sem lixo: guia para reduzir o desperdício na sua casa e simplificar
a vida” – título autoexplicativo.
Fica aqui também a recomendação de seu perfil no Instagram, que apresenta várias dicas nesse
segmento: @umavidasemlixo. Outro perfil que segue a temática é o @menos1lixo. Que tal repen-
sar o consumo e produção de lixo? Melhor ainda: o que você acha de reduzir o seu lixo? Nesses
perfis você encontra variadas dicas bastante práticas para aplicar no dia a dia!

2.2 PRODUÇÃO
Ao pensar em “meio ambiente”, em se tratando de mercado, deve-se pensar também no am-
biente de trabalho, que, idealmente, deve ser salutar e igualitário. Exigências mínimas devem ser
respeitadas, mas será que são mesmo?
Casos envolvendo exploração de mão de obra são bastante conhecidos, principalmente na indús-
tria da moda e na dos eletrônicos – sendo essas algumas das indústrias com maior fetichização na
atualidade. Há ainda exemplos de situações análogas à escravidão, com regimes de trabalho forçado.
Se antes a escravidão era aceita, como brevemente comentado na primeira Unidade da pre-
sente disciplina, hoje os países contam com normas nacionais e internacionais de trabalho, abo-
lindo (em tese) essa prática do mundo. O que normalmente ocorria antes eram grupos espe-
cíficos sendo escravizados – mais comumente negros e/ou índios –; hoje, apesar de não haver

2 Sobre classe social, interessante destacar o ponto de vista marxista: “Marx [...] afirmava que uma verdadeira
classe social nem mesmo existe, a menos que seus membros estejam conscientes de si mesmos como classe. Analoga-
mente, pode-se argumentar que os interesses de classe tornam-se reais apenas através de uma classe consciente de si
mesma, e que, a não ser assim, ela não existe de qualquer outra maneira, em qualquer sentido objetivo. Ou podemos
afirmar ainda que os interesses de classe são determinados objetivamente — que o fato da automação resultar em
perda de empregos, por exemplo, é contrário aos interesses da classe operária, exista ou não uma classe operária
consciente de si mesma” (JOHNSON, 1997, p. 131).

47
especificidade, há grupos com maior vulnerabilidade, a depender da localidade do planeta e da
atividade desempenhada.
Para além das vulnerabilidades e discrepâncias, há violações e abusos cotidianos. Desigualdade
de gênero, assédios moral e sexual, horas extras não pagas e tantas outras situações que, no caso
brasileiro, atolam a justiça trabalhista.

UNIDADE 02
VÍDEO
Assista ao filme “Tempos Modernos” (1936), com roteiro, direção, produção e composição mu-
sical de Charlie Chaplin. Um clássico do cinema! Chaplin apresenta o cotidiano de operários em
uma fábrica no contexto pós-Revolução Industrial, quando as máquinas começaram a ganhar

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


mais espaço.
Destaque merecido à cena que retrata Chaplin (também ator no filme) tentando acompanhar o
ritmo desenfreado da máquina. Disponível em: http://bit.ly/2HIDV5z. Acesso em: 15 fev. 2020.

REFLITA

A partir da cena destacada do filme “Tempos Modernos”, reflita sobre as seguintes demandas
contemporâneas:
1. O trabalhador autônomo e seu descanso: organização da jornada de trabalho e férias;
2. D
emandas intelectuais: como organizar empregados que realizam produções intelectuais, ou
seja, trabalham com ideias? Como ficam os horários de produção? Exemplo: espaços de convi-
vência em agências de publicidade e rotinas de trabalho com maior flexibilidade e liberdade (por
exemplo, empresas como Google e Facebook, que comumente tem suas sedes “descoladas” e
“inovadoras” noticiadas);
3. “ Workaholic” (em tradução literal do inglês, “viciado em trabalho”): Um dos males da humanida-
de no século XXI. Até que ponto o ritmo de trabalho é aceitável ou passa a ser prejudicial? Eis uma
linha bastante tênue; se o trabalhador não tomar cuidado, acabará atribulado igual a Chaplin no
recorte cinematográfico destacado anteriormente.

A hipossuficiência do empregado com relação ao empregador é fato, tanto que há garantias


legais para tentar equilibrar essas partes, ao menos judicialmente. Isso decorre também da divi-
são social do trabalho, analisada em separado, e sob distintos aspectos pelos, três sociólogos que
estudamos no tópico anterior.
No livro “Da Divisão do Trabalho Social”, Durkheim aborda a temática. Para esse sociólogo, a
anomia (ausência de normas) norteia a crescente divisão social do trabalho. O trabalho começa
a se especializar, tornando as atividades das pessoas cada vez mais específicas e limitadas, fazen-
do com que fiquem mais dependentes umas das outras, formando uma sociedade – que, para
Durkheim, deveria ser preservada, dada a coesão que promove (SCOTT, 2010).

48
Em Marx, a relação da divisão social assalariado-proletariado gera alienação da mão de obra,
que acaba se tornando ultradependente, pois, de tão específico o trabalho desempenhado, um
empregado não conhece a atividade do outro, alienando cada um de seu entorno (SCOTT, 2010).
Ainda na visão marxista, interessante destacar acerca da alienação, da emancipação e do progresso:

UNIDADE 02
MARX FAZ UMA ANÁLISE CÁUSTICA DA ALIENAÇÃO E DO MUNDO DO TRABALHO
ASSALARIADO, MAS É MENOS CLARO QUANTO AO QUE CONSTITUIRIA A DESALIENA-
ÇÃO, EMBORA A “AUTOEMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA” E O “GOVERNO
DOS PRODUTORES ASSOCIADOS” DEEM CONTA DE UMA PARCELA DA QUESTÃO.
E APESAR DE AS REFERÊNCIAS AO CAPITALISMO E AO MERCADO SEREM QUASE
TOTALMENTE NEGATIVAS EM SEUS PRIMEIROS TEXTOS, NO MANIFESTO COMUNIS-

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


TA E NAS OBRAS SUBSEQUENTES, ELE ENXERGA UM CRESCENTE POTENCIAL DE
PROGRESSO NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA, QUE CRIARIA FONTES DE PRO-
DUTIVIDADE E COOPERAÇÃO QUE PERMITIRIAM AOS PRODUTORES ASSOCIADOS
SUPRIMIR A ALIENAÇÃO DA PROPRIEDADE PRIVADA CAPITALISTA.
(SCOTT, 2010, p. 22)

Finalmente, em Weber a visão é de que o trabalho é fundamental; uma virtude que levará à
salvação espiritual à medida que o sucesso profissional, fruto de trabalho árduo, seja desempe-
nhado e gere lucro. Para ele, religião e trabalho caminham lado a lado. Em sua visão, o puritanismo
“promoveu o capitalismo” (SCOTT, 2010, p. 36).

LEITURA

O capítulo 9 do livro “Sociologia: sua bússola para um novo mundo”, de Brym et al. (2015), conta
com uma seção denominada “‘Bons’ versus ‘maus’ empregos”, com importante análise socioló-
gica para questionamentos acerca da divisão social do trabalho no modelo vigente. Disponível na
Biblioteca Virtual do UniBrasil.
BRYM et al. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. 1. ed. São Paulo: Cengage Learning,
2015.
As alterações sociais e trabalhistas desde os estudos dos sociólogos clássicos são grandes, decor-
rendo daí a necessidade de atualização dos anseios atuais. Se nos séculos XIX e XX, por exemplo, o
trabalho em fábricas era o mais comum, hoje a realidade é outra. Há grandes escritórios e corpo-
rações também. Outro aspecto relevante é a questão da (des)qualificação. Como ficam os ques-
tionamentos sociológicos em relação a esse ambiente? Vale a leitura e consequentes reflexões.

2.3 CONSUMO
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, o consumo cresceu cada vez mais. É possível
dizer que vivemos em uma “sociedade de consumo”, fruto do desenvolvimento do capitalismo em
suas diferentes formas ao longo do anos.

49
Quando do Renascimento, ainda na Idade Média, o escambo prevalecia, conforme visto na
Unidade anterior. Apenas com o mercantilismo, na Idade Moderna, quando o capitalismo começa
a se desenvolver, inicia a prevalência da prática de compra e venda.
O escambo, mais comumente denominado “permuta” atualmente, não morreu; apesar de menos
evidente, vem sendo reinventado. Um exemplo disso são os “recebidos” de blogueiros, que nem

UNIDADE 02
sempre recebem dinheiro para fazer a divulgação dos produtos em seus perfis em redes sociais;
outro exemplo é a plataforma de troca de tempo Bliive®, onde o usuário se cadastra e pode usar seu
tempo como moeda para aprender e ensinar coisas novas às pessoas que também estão nessa rede.
Com as revoluções industriais, o mercado cresce na mesma medida que as indústrias, gradu-
almente expandindo as relações de compra e venda para um nível global. Qualquer pessoa pode
realizar uma compra internacional com poucos cliques pelo computador ou celular – o que acaba

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


se tornando até mesmo perigoso, pois muitas vezes são feitas compras impensadas, por impulso.
O consumo desenfreado se torna um problema quando pensamos no lixo produzido. Nem tudo
é descartado da maneira correta, nem tudo é reciclado ou reciclável. Há embalagens demais, mui-
tas vezes desnecessárias, como na imagem da banana solitária embalada em plástico filme e ven-
dida em bandeja de isopor que circulou na internet. A conscientização é primordial e urgente!
Repensar a necessidade de consumo é importante, principalmente quando empresas come-
çam a trabalhar com conceitos como obsolescência programada – quando, por exemplo, um apa-
relho eletrônico como um celular é lançado já com a perspectiva de logo não ser o modelo mais
atualizado da marca.
Carro e celular obrigatoriamente no modelo do ano seriam necessidades básicas? Há que se
refletir acerca do conceito de fetichização, adotado por Marx, para quem a mercadoria acaba ga-
nhando ares de indispensável e incrível. Um “não posso viver sem” criado a partir do desejo que a
economia capitalista injeta na posse de bens.
No livro “O Capital” (1867), Marx discute o “caráter fetichista da mercadoria” (CASTRO, 2014, p.
4). Para ele: “A ideia religiosa de “fetiche” – objeto ao qual se atribuem poderes sobrenaturais e se
presta culto – serve de metáfora para a análise da mercadoria no modo de produção capitalista”
(CASTRO, 2014, p. 04).
Consumir é uma atividade comunicativa. Para Pierre Bourdieu,

O CONSUMO É MOTIVADO PELA NECESSIDADE DOS GRUPOS SOCIAIS DE GANHA-


REM STATUS MEDIANTE FORMAS DE “DISTINÇÃO” QUE REFORÇAM A POSIÇÃO DE
CLASSE. OS JULGAMENTOS DE VALOR, ENRAIZADOS NO HABITUS, SÃO INDICADO-
RES DE CLASSE SOCIAL E ESTÃO PROFUNDAMENTE LIGADOS AO ACESSO HIERÁR-
QUICO A CAPITAL ECONÔMICO, CAPITAL CULTURAL E CAPITAL SOCIAL.
(SCOTT, 2010, p. 51, grifos do original)

A questão da sociedade de consumo foi abordada no segundo tópico da Unidade anterior, ao


apresentarmos o boom dos eletrodomésticos no entreguerras, em texto do livro de Frieden (2008).

50
Foi nesse momento que a tecnologia entrou, de fato, na vida das pessoas e o consumo aumenta
exponencialmente desde então.

VÍDEO

UNIDADE 02
Assista “Ilha das Flores” (1989), documentário dirigido por Jorge Furtado, disponível em: https://
bit.ly/3nObtEP. Acesso em: 15 fev. 2020.
O documentário proporciona reflexão acerca do consumo de alimentos, desperdício, dignidade
humana, desigualdades sociais… mas causou polêmica com relação a um aspecto alimentar exibi-
do. Mais: na contramão às latentes evidências sociais apontadas, houve relevante impacto nega-
tivo aos moradores da ilha – é o que reporta o vídeo “Ilha das Flores: depois que a sessão acabou”

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


(2011), produzido pelo Editorial J, disponível em: http://bit.ly/38CoOpQ. Acesso em: 15 fev. 2020.

3. A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Pertencimento – Cidadania é pertencer a uma nação com uma via de mão dupla de direitos e
deveres.
Juridicamente falando, conforme Scott (2010, p. 41): “Em termos estritamente legais, a ideia
de cidadania diz respeito às regras segundo as quais é conferida a pertença nacional, que podem
ser baseadas na linhagem (jus sanguinis), no território (jus soli) ou numa combinação de ambos”.

Fonte: Shutterstock (2020).

Mas, pelo viés sociológico, cidadania é algo maior, que envolve conceitos variados.
Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 231) a conceituam da seguinte maneira:

51
A CIDADANIA CREDENCIA O CIDADÃO A ATUAR NA VIDA EFETIVA DO ESTADO COMO
PARTÍCIPE DA SOCIEDADE POLÍTICA. O CIDADÃO PASSA A SER PESSOA INTEGRADA
NA VIDA ESTATAL. A CIDADANIA TRANSFORMA O INDIVÍDUO EM ELEMENTO INTE-
GRANTE DO ESTADO, NA MEDIDA EM QUE O LEGITIMA COMO SUJEITO POLÍTICO,

UNIDADE 02
RECONHECENDO O EXERCÍCIO DE DIREITOS EM FACE DO ESTADO.

Desse modo, cidadania é um exercício que expressa o pertencimento de uma pessoa a um Es-
tado. Por meio da cidadania, o indivíduo ganha voz ao ser transformado em sujeito político que é
integrado nos problemas sociais.
Nesse sentido, os autores complementam:

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


NO ESTADO DEMOCRÁTICO, OS DIREITOS HUMANOS SÃO RECONHECIDOS A TODOS.
O CIDADÃO É AQUELE QUE PARTICIPA DA DINÂMICA ESTATAL, SENDO QUE ATUA
PARA CONQUISTAR, PRESERVAR OU PROTEGER SEUS DIREITOS. A CIDADANIA É ESSE
EFETIVO EXERCÍCIO POLÍTICO. A CIDADANIA É O ÁPICE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
QUANDO O SER HUMANO SE TRANSFORMA EM SER POLÍTICO NO SENTIDO AMPLO DO
TERMO, PARTICIPANDO ATIVAMENTE DA SOCIEDADE EM QUE ESTÁ INSERIDO.
(SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 231)

A concepção de cidadania nem sempre existiu, sendo relativamente nova na história da huma-
nidade, pois sua formação teve início apenas no século XVIII. É o que veremos no item a seguir.

3.1 FORMAÇÃO
Sociólogo dedicado à temática da cidadania, o britânico Thomas Marshall (1893-1981) realizou
estudo e categorização desse assunto em seu livro “Cidadania e Classe Social” (1950).
Para Marshall, cidadania é:

SITUAÇÃO SOCIAL QUE INCLUI TRÊS TIPOS DISTINTOS DE DIREITOS, ESPECIAL-


MENTE EM RELAÇÃO AO ESTADO: 1) DIREITOS CIVIS, QUE INCLUEM O DIREITO DE
LIVRE EXPRESSÃO, DE SER INFORMADO SOBRE O QUE ESTÁ ACONTECENDO, DE
REUNIR-SE, ORGANIZAR-SE, LOCOMOVER-SE SEM RESTRIÇÃO INDEVIDA E RECE-
BER IGUAL TRATAMENTO PERANTE A LEI; 2) DIREITOS POLÍTICOS, QUE INCLUEM
O DIREITO DE VOTAR E DISPUTAR CARGOS EM ELEIÇÕES LIVRES; E 3) DIREITOS
SOCIOECONÔMICOS, QUE INCLUEM O DIREITO AO BEM-ESTAR E À SEGURANÇA
SOCIAL, A SINDICALIZAR-SE E PARTICIPAR DE NEGOCIAÇÕES COLETIVAS COM
EMPREGADORES E MESMO O DE TER UM EMPREGO.
(apud JOHNSON, 1997, p. 34)

Esse sociólogo foi responsável pela inclusão dos direitos sociais no rol de direitos que compõem
a cidadania, formando a tríade: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais/socioeconômicos.

52
O principal interesse de Marshall com seu estudo:

ERA O PAPEL QUE DESEMPENHAVAM OS DIREITOS SOCIAIS NA MINIMIZAÇÃO DA


TENSÃO ENTRE CAPITAL E CIDADANIA, E A POSSIBILIDADE DE QUE A IGUALDADE
DE STATUS (VIA CIDADANIA) PUDESSE SOBREPUJAR AS DESIGUALDADES MA-

UNIDADE 02
TERIAIS DE CLASSE SOCIAL. OS DEVERES, COMO CONTRAPARTIDA NECESSÁRIA
AOS DIREITOS, RECEBERAM BREVE MENÇÃO, PARTICULARMENTE O DIREITO AO
TRABALHO, EMBORA MARSHALL ACREDITASSE QUE A MUDANÇA SE TIVESSE
DADO DOS DEVERES PARA OS DIREITOS.
(SCOTT, 2010, p. 41, grifos do original)

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


A divisão foi feita por Marshall para evidenciar o período de formação dos direitos, sendo cada
elemento atribuído a um diferente século: “os direitos civis ao século XVIII, os políticos, ao XIX, e
os sociais, ao século XX” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 233).
Rememorando brevemente o que vimos na primeira Unidade da disciplina, quando apresen-
tado o panorama histórico, merecem destaque alguns momentos que influenciaram a tríade de
direitos formadores da cidadania:
» S éculo XVIII: Iluminismo e seus ideais inspiradores da Independência dos Estados Unidos da
América e da Revolução Francesa; início da 1ª Revolução Industrial;
» S éculo XIX: término da 1ª Revolução Industrial e 2ª Revolução Industrial na segunda metade do
século; imperialismo; sufrágio; processo de abolição da escravatura ao redor do mundo;
» S éculo XX: guerras mundiais e consequente criação da ONU (posteriormente, os sistemas re-
gionais de proteção dos direitos humanos) e novos tratados internacionais humanistas; 3ª e 4ª
Revoluções Industriais.
Tendo em mente esses momentos históricos FIGURA 2 - FACHADA DE PRÉDIO PARISIENSE COM
em paralelo aos direitos civis, políticos e sociais, INSCRIÇÃO DOS IDEAIS DA REVOLUÇÃO FRANCESA
fica fácil compreender a formação da cidadania.
Ora, a partir dos anseios gerados por esses acon-
tecimentos, novas necessidades e desejos sur-
giam; também novas garantias se faziam neces-
sárias, o que viabilizou a formação da cidadania
até o estágio atual de direitos e deveres estatuí-
dos em leis ou frutos de costumes e bom senso.
Cidadania pode ser desde a civilidade ao tra-
tar o outro com cordialidade e zelar pelo que é
de uso comum, até a liberdade de expressão; o
direito de voto; e a possibilidade de organização
de trabalhadores em sindicatos.
Fonte: Acervo pessoal da autora.

53
3.2 CIDADANIA E DIGNIDADE
O exercício da cidadania é alicerce da democracia, que é construída em “dois pilares institucio-
nais, que são os partidos políticos e a sociedade civil. O exercício da cidadania ocorre nesses dois
contextos, nos quais se realiza o cotidiano da política” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 234).

UNIDADE 02
Cidadania e democracia devem andar de mãos dadas, não havendo uma sem a outra, como
evidenciam Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 234): “Sem democracia, não há possibilidade de
haver cidadania, a qual é exercida no espaço público, por indivíduos conscientes”.
Cidadania é, ainda, a construção do bem comum:

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


A CIDADANIA SIGNIFICA UMA AÇÃO QUE PERMITE AO CIDADÃO PARTICIPAR
DA VIDA DO ESTADO. A CIDADANIA É O EXERCÍCIO DA CONSTRUÇÃO DO BEM
COMUM REALIZADA PELOS CIDADÃOS. CIDADANIA É PARTICIPAÇÃO. O ESTADO
DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO EXIGE UMA MAIOR PARTICIPAÇÃO DO CIDA-
DÃO, VEZ QUE A PRÓPRIA ESFERA DE ATUAÇÃO ESTATAL É AMPLA, ENVOLVENDO
A GARANTIA DE LIBERDADES NEGATIVAS E POSITIVAS.
(SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 235)

Apesar disso tudo, permanece uma inquietação. Tendo em conta que há grupos excluídos na
cidadania, será que todo cidadão é tratado com dignidade?
Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 246) afirmam: “A cidadania é o ápice dos direitos fundamen-
tais”. No artigo 1º 3, a Constituição da República Federativa do Brasil aponta cidadania e dignidade
da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, ao que Siquei-
ra Junior e Oliveira (2016, p. 235) consideram:

A CONSTITUIÇÃO COMPÕE O ESTADO DEMOCRÁTICO EM DOIS FUNDAMENTOS


RELACIONADOS AO INDIVÍDUO: CIDADANIA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É O VALOR FUNDAMENTAL DO INDIVÍDUO, AO
PASSO QUE A CIDADANIA SE REFERE AO ASPECTO SOCIAL.

Mas, resgatando a indicação, feita nesta Unidade, do documentário “Ilha das Flores” – e o vídeo
posterior em consequência dele, “Ilha das Flores: depois que a sessão acabou” –, a quantas anda a
dignidade da pessoa humana quando, por exemplo, há quem precise se alimentar de lixo?

3 In verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo po-
lítico. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988).

54
O que fazer perante a violência das cidades? É evidente a maior vulnerabilidade de parcelas da
sociedade como vítimas e agentes nesse cenário. As políticas públicas adotadas pelo Estado com
relação a esse problema têm sido eficazes? Como equilibrar os cidadãos nesse quesito a ponto de
reduzir o cometimento desses crimes, a fim de garantir segurança social igualitária?
Como ficam as questões relacionadas à igualdade na cidadania? Como integrar os grupos ex-

UNIDADE 02
cluídos desse processo?
Esses são alguns questionamentos contundentes e necessários ao se tratar de cidadania, abran-
gendo problemas que afetam o mundo todo.
Independentemente dessas questões, uma coisa é certa: muito já foi conquistado no quesito
cidadania, mas muito mais há de ser feito. A sociedade precisa caminhar rumo à plena inclusão

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social e igualdade entre os cidadãos.

VÍDEO
Assista “A corrente do bem” (2000), filme com Haley Joel Osment, Kevin Spacey e Helen Hunt no
elenco, que conta a história do professor de Estudos Sociais de uma escola que propõe a seus alu-
nos um trabalho: pensar em ideias para mudar o mundo e torná-lo melhor. Trevor, um dos alunos,
tem a ideia da corrente do bem, o “passe adiante”, onde cada pessoa que recebesse um favor
deveria retribui-lo para outras três pessoas, o que geraria uma enorme mudança social positiva
de alto impacto.
Interessante para refletir acerca do nosso impacto na vida dos outros. Ser cidadão é também agir
de modo a pensar na coletividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos, nesta segunda Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas, estes três as-
suntos: a Sociologia em Marx, Durkheim e Weber; questões afetas à natureza, produção e consumo
contrapondo mercado e meio ambiente; e a construção da cidadania.
Esses três tópicos encerram a introdução à disciplina, pois capacitam o aluno a pensar as próxi-
mas duas Unidades com raciocínio científico e crítico, balizado em estudos (métodos e conceitos)
com larga difusão acadêmica, além do senso histórico apurado, que viabiliza a visão holística das
demandas contemporâneas.
Ademais, com os conhecimentos adquiridos até aqui, já deve ser possível notar algumas mu-
danças em seu pensamento. Avalie sua posição, por exemplo, diante do consumo e da natureza
– sua postura já começou a mudar em relação a comprar determinados produtos? Eis um dos ob-
jetivos de Demandas Contemporâneas: mudar também você, aluno; provocá-lo a melhorar. Cada
um fazendo sua parte, o mundo muda!

55
Note: todo conhecimento está interligado de maneira interdisciplinar. Não há que se falar atu-
almente sobre um tema sem pensá-lo de modo global, despregado dos contextos econômico,
histórico e social.
Se, porventura, um desses aspectos não ficou suficientemente claro para você, retome o con-
teúdo, reflita, aprofunde suas leituras e pesquise mais a respeito. Não avance sem antes ter uma

UNIDADE 02
compreensão satisfatória.
A terceira Unidade da disciplina seguirá na linha de sociedade e cidadania, passando à criação
dos Direitos Humanos e ao conceito de dignidade da pessoa humana, já brevemente abordado
nesta Unidade.
Vamos juntos!

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ANOTAÇÕES

56
UNIDADE

03
DIREITOS HUMANOS:
CONSTRUÇÃO
NECESSÁRIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» E xplicar as gerações dos direitos por meio da reconstrução contextual dos direi-
tos humanos no pós-guerra;
» C
aracterizar a dignidade da pessoa humana, demonstrando suas variadas vul-
nerabilidades: desigualdades econômica, de gênero, étnico-racial e de geração.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qrgo.page.link/HsS5T https://qrgo.page.link/fwzuX https://qrgo.page.link/eHcPR


INTRODUÇÃO
Olá! Seja bem-vindo à terceira Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas!
Na Unidade anterior, vimos quem foram os sociólogos Marx, Durkheim e Weber, bem como sua

UNIDADE 03
maneira de analisar, entre outros objetos, a sociedade. Estudamos também questões atinentes ao
mercado e meio ambiente sob as perspectivas da natureza, da produção e do consumo. Por fim,
foi apresentada a construção da cidadania e discutida adicionalmente à dignidade.
Na presente Unidade, por sua vez, veremos a construção dos direitos humanos e a dignidade
da pessoa humana, conceitos basilares que envolvem uma miríade de demandas contemporâneas
de extrema urgência.

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O primeiro tópico contextualizará historicamente os direitos humanos no panorama global pós-
-guerra, apresentando a teoria geracional desses direitos. Também será apresentada brevemente
a criação dos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, com destaque ao Sistema
Interamericano, no qual o Estado brasileiro está inserido.
O segundo tópico abordará a questão da dignidade da pessoa humana e todo contexto por ela
envolvido, apresentando alguns aspectos geradores das demandas contemporâneas em evidência
na atualidade em razão de vulnerabilidades.
Esta Unidade, apesar de contar com conteúdo basilar explicativo introdutório, avança com
maior propriedade às demandas contemporâneas, as quais devem sempre considerar em alto
patamar os direitos humanos, bem como ponderá-los quando e conforme necessário.
Com seu bom acompanhamento da disciplina até aqui e com todas as ideias planificadas de
modo claro em sua mente, será simples compreender essas questões para (re)pensá-las de manei-
ra equitativa – algo que a sociedade como um todo necessita fazer.
Vamos juntos! 

1. DIREITOS HUMANOS:
CONSTRUÇÃO NECESSÁRIA
O senso comum que tem se espalhado popularmente acerca de para quem e o que são os di-
reitos humanos limita-os a determinadas parcelas estigmatizadas da sociedade. No entanto, a De-
claração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Paris em 10 de dezembro de 1948, pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) – ou seja, no contexto pós-Segunda
Guerra Mundial –, prevê em seu texto o seguinte:

58
Artigo I: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade”.

Desse modo, os direitos humanos são para todos os humanos, não cabendo qualquer exceção

UNIDADE 03
ou ressalva. São irrenunciáveis (não se pode abrir mão deles), irrevogáveis (não podem ser abo-
lidos), intransmissíveis (não podem ser transferidos entre pessoas, pois são personalíssimos, ou
seja, fazem parte do “eu” de cada um) e inegociáveis (não podem ser vendidos negociados).
Ramos (2019, p. 29) conceitua os direitos humanos como “conjunto de direitos considerado
indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos
humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”. E explica o porquê de consistir

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


em rol aberto de direitos:

NÃO HÁ UM ROL PREDETERMINADO DESSE CONJUNTO MÍNIMO


DE DIREITOS ESSENCIAIS A UMA VIDA DIGNA. AS NECESSIDADES
HUMANAS VARIAM E, DE ACORDO COM O CONTEXTO HISTÓRICO
DE UMA ÉPOCA, NOVAS DEMANDAS SOCIAIS SÃO TRADUZIDAS
JURIDICAMENTE E INSERIDAS NA LISTA DOS DIREITOS HUMANOS.
(RAMOS, 2019, p. 29)

Quando prescritos no ordenamento jurídico interno de um país, os direitos humanos passam a


ser também denominados direitos fundamentais.
A Declaração Universal de Direitos Humanos conta com 30 artigos, que deveriam ser de leitura
e conhecimento obrigatório, posto que apresentam direitos e deveres atinentes a todos nós na
condição de seres humanos.

LEITURA
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”. 1948. Disponível em: https://uni.cf/3qse3Sh. Aces-
so em: 16 fev. 2020.
Conheça seus direitos e deveres mais básicos! Saiba quais são, de fato, os direitos humanos.
Realize essa leitura não por ser amplamente cobrada em provas e concursos, mas para sair dos
“achismos” e se inserir no contexto global como um cidadão do mundo; ora, os direitos humanos
são globais, valendo no Ocidente e no Oriente, acima e abaixo da Linha do Equador, sem distin-
ções – basta ser humano.

Mas, afinal, por que uma “construção necessária”?


Porque nem sempre a demanda pela entabulação/especificação dos direitos humanos foi vista
como necessária ou urgente. O que fez esse contexto se alterar foram principalmente as atrocida-
des cometidas no contexto da Segunda Guerra Mundial, quando foi possível notar que era primor-

59
dial uma proteção mínima dos direitos das pessoas – os direitos humanos. Sem essa construção,
muito não teria mudado no mundo e outras tantas situações de desigualdades e vulnerabilidades
ainda presentes atualmente não seriam encaradas como problemas de ordem mundial.
Nesse sentido, apresentaremos o referido contexto histórico e alguns de seus reflexos normativos e
organizacionais; na sequência, explicaremos a Teoria Geracional dos Direitos Humanos de Karel Vasak.

UNIDADE 03
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO
Já vimos nas Unidades anteriores a temática Segunda Guerra Mundial sob variadas perspecti-
vas. Cabe agora apresentar seu impacto para o Direito, mais especificamente para as disciplinas
Direito Internacional e Direitos Humanos.

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


Comparato (2019, p. 219-220) sintetiza alguns números e atrocidades da referida guerra:

CALCULA-SE QUE 60 MILHÕES DE PESSOAS FORAM MORTAS DURANTE A SEGUNDA


GUERRA MUNDIAL, A MAIOR PARTE DELAS CIVIS, OU SEJA, SEIS VEZES MAIS DO QUE NO
CONFLITO DO COMEÇO DO SÉCULO, EM QUE AS VÍTIMAS, EM SUA QUASE TOTALIDADE,
ERAM MILITARES. ALÉM DISSO, ENQUANTO A GUERRA DO INÍCIO DO SÉCULO PROVOCOU
O SURGIMENTO DE CERCA DE 4 MILHÕES DE REFUGIADOS, COM A CESSAÇÃO DAS
HOSTILIDADES NA EUROPA, EM MAIO DE 1945, CONTAVAM-SE MAIS DE 40 MILHÕES
DE PESSOAS DESLOCADAS, DE MODO FORÇADO OU VOLUNTÁRIO, DOS PAÍSES ONDE
VIVIAM EM MEADOS DE 1939. [...] A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL [...] FOI DEFLAGRADA
COM BASE EM PROCLAMADOS PROJETOS DE SUBJUGAÇÃO DE POVOS CONSIDERADOS
INFERIORES, LEMBRANDO OS EPISÓDIOS DE CONQUISTA DAS AMÉRICAS A PARTIR DOS
DESCOBRIMENTOS. ADEMAIS, O ATO FINAL DA TRAGÉDIA – O LANÇAMENTO DA BOMBA
ATÔMICA EM HIROSHIMA E NAGASAKI, EM 6 E 9 DE AGOSTO DE 1945, RESPECTIVAMEN-
TE – SOOU COMO UM PRENÚNCIO DE APOCALIPSE: O HOMEM ACABARA DE ADQUIRIR O
PODER DE DESTRUIR TODA A VIDA NA FACE DA TERRA. AS CONSCIÊNCIAS SE ABRIRAM,
ENFIM, PARA O FATO DE QUE A SOBREVIVÊNCIA DA HUMANIDADE EXIGIA A COLABORA-
ÇÃO DE TODOS OS POVOS, NA REORGANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS COM
BASE NO RESPEITO INCONDICIONAL À DIGNIDADE HUMANA.

VÍDEO
“A Lista de Schindler” (1993), dirigido por Steven Spielberg, é um premiado
filme, baseado em fatos reais, que conta como o empresário alemão Oskar
Schindler salvou a vida de mais de mil judeus durante o holocausto.
A história inicia em 1939, com a realocação de judeus poloneses para um
gueto, ainda no começo da Segunda Guerra Mundial, e mostra muitas das
violações sofridas pelo povo judeu durante todo o conflito, uma das gran-
des máculas do período.
“Aquele que salva uma vida salva o mundo inteiro”, citação do Talmude
inscrita no anel com o qual Schindler é presenteado pelos judeus que salvou.
Fonte: Shutterstock (2020).
A cena é retratada no filme.

60
Constatado o fracasso da Liga ou Sociedade das Nações e findada a Segunda Guerra Mundial,
nasce a crença da cooperação internacional entre os povos para o bem comum, a fim de evitar que
tamanhos abusos se repetissem. É criada, então, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 24
de outubro de 1945, com a ratificação da Carta das Nações Unidas, tendo como principal objetivo
manutenir a paz – apesar de boa parte de sua existência, ainda quando de sua criação, se dar jus-

UNIDADE 03
tamente no período da Guerra Fria.

FIGURA 1 – SÍMBOLO DAS NAÇÕES UNIDAS - É UMA PROJEÇÃO AZIMUTAL DO GLOBO


DEMONSTRANDO NÃO HAVER DESTAQUE PARA DETERMINADO PAÍS OU REGIÃO.

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Fonte: Shutterstock (2020).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, representa um marco para os direitos
humanos, pois foi a primeira vez que um documento estabeleceu a proteção universal dos direitos
humanos, apesar de a universalização desses direitos constituir obra inacabada, nos dizeres de
Ramos (2019).
Mencionada Declaração é fruto do trabalho da Comissão de Direitos Humanos da ONU e não
tem fim em si mesma, originando novos tratados internacionais. As Nações Unidas sintetizam o
conjunto normativo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa e influencia:

A DUDH, EM CONJUNTO COM O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E


POLÍTICOS E SEUS DOIS PROTOCOLOS OPCIONAIS (SOBRE PROCEDIMENTO DE
QUEIXA E SOBRE PENA DE MORTE) E COM O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS E SEU PROTOCOLO OPCIONAL, FORMAM A CHA-
MADA CARTA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. UMA SÉRIE DE TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E OUTROS INSTRUMENTOS ADOTADOS
DESDE 1945 EXPANDIRAM O CORPO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS. ELES INCLUEM A CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E A REPRESSÃO DO
CRIME DE GENOCÍDIO (1948), A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO
DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL (1965), A CONVENÇÃO SOBRE
A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES
(1979), A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA (1989) E A CONVENÇÃO
SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (2006), ENTRE OUTRAS.

61
LEITURA
O livro “Homens em Tempos Sombrios” (1968), de Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã de
origem judaica responsável por importantes análises da Segunda Guerra Mundial com seu tota-

UNIDADE 03
litarismo e suas consequências, apresentou perspectiva fora do lugar comum praticado à época,
revolucionando a análise da temática.
Nesse livro, Arendt apresenta onze ensaios com perfis biográficos de homens e mulheres que
resistiram de maneira crítica às violações do século XX. Leitura interessante para compreender
melhor as personalidades analisadas pela autora, bem como seu contexto histórico e influência.
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1988.

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1.2 SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Também no contexto do pós-Segunda Guerra Mun-
dial, começam as buscas pelos responsáveis pelas vio- SAIBA MAIS
lações cometidas durante o período. Como não havia
tribunais internacionais especializados nesse tipo de Tribunais ad hoc são tribunais criados
demanda, passa-se a discutir a necessidade de tribu- com função específica. Foi o caso, por
nais permanentes para o julgamento de crimes interna- exemplo, do Tribunal de Nuremberg,
cionais e de violações de direitos humanos, bem como responsável pelo julgamento dos cri-
minosos da 2ª Guerra Mundial, con-
a ideia da criação de sistemas regionais de proteção dos vocado pelo Acordo de Londres de
direitos humanos, não restringindo essa missão apenas 1945. Foi pioneiro no processo de
à Organização das Nações Unidas – que atua em nível justicialização dos direitos humanos,
global –, e viabilizando a internacionalização desses di- conforme aponta Piovesan (2019).
reitos no plano regional.
É nesse cenário que começam a ser percebidas as diferenças culturais e de costumes entre os po-
vos, mostrando que o sistema internacional global poderia gerar injustiças ou não assistir da maneira
adequada às violações ocorridas. Assim, são criados os sistemas europeu, interamericano e africano
de proteção dos direitos humanos, respectivamente em 1950, 1969 e 1981. Já em 1998, por meio do
Estatuto de Roma, foi criado o Tribunal Penal Internacional, jurisdição permanente com o objetivo de
julgar crimes relativos a violações de direitos humanos praticadas por indivíduos.

LEITURA
O livro “Eichmann em Jerusalém”, de 1963, é outra obra escrita por Hannah Arendt. Nela, a filó-
sofa explana o conceito por ela cunhado: “banalidade do mal”, ao analisar o julgamento que ela
acompanhou de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela “solução final”, que consistia no plano
nazista de genocídio dos judeus em todos os territórios ocupados pela Alemanha.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de
José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

62
1.2.1 SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Cumpre destacar o sistema no qual o Brasil está inserido, qual seja, o sistema interamericano de
direitos humanos, no âmbito na Organização dos Estados Americanos (OEA).
O instrumento mais relevante nesse sistema é a Convenção Americana de Direitos Humanos,

UNIDADE 03
também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, assinada em 1969 e em vigor desde 1978.
Apenas podem aderir a essa Convenção Estados que são membros da OEA (PIOVESAN, 2019).
A Convenção Americana de Direitos Humanos em conjunto com o Protocolo de Direitos Econômi-
cos, Sociais e Culturais representam a primazia dos direitos humanos, expressando uma novidade:

APLICA-SE, A ESSAS DISPOSIÇÕES NOVAS, O PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DOS DI-

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


REITOS MAIS VANTAJOSOS PARA A PESSOA HUMANA; OU SEJA, NA VIGÊNCIA SIMUL-
TÂNEA DE VÁRIOS SISTEMAS NORMATIVOS – O NACIONAL E O INTERNACIONAL – OU
NA DE VÁRIOS TRATADOS INTERNACIONAIS, EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS,
DEVE SER APLICADO AQUELE QUE MELHOR PROTEGE O SER HUMANO.
(COMPARATO, 2019, p. 370)

Ao contrário do sistema global da ONU, fundado no pós-Segunda Guerra Mundial, o sistema inte-
ramericano de proteção dos direitos humanos tem seu início em conturbado período marcado por
regimes ditatoriais militares e suas transições para democracia. Chega a ser contraditória a criação
de um sistema como esse na constância de estados de exceção conhecidamente responsáveis pela
violação de direitos humanos.
Piovesan (2009, p. 151) aponta as peculiaridades regionais que impactam na necessidade de um
sistema regional interamericano:

TRATA-SE DE UMA REGIÃO MARCADA POR ELEVADO GRAU DE EXCLUSÃO E DESI-


GUALDADE SOCIAL, AO QUAL SE SOMAM DEMOCRACIAS EM FASE DE CONSOLIDA-
ÇÃO. A REGIÃO AINDA CONVIVE COM AS REMINISCÊNCIAS DO LEGADO DOS REGIMES
AUTORITÁRIOS DITATORIAIS, COM UMA CULTURA DE VIOLÊNCIA E DE IMPUNIDADE,
COM A BAIXA DENSIDADE DE ESTADOS DE DIREITO E COM A PRECÁRIA TRADIÇÃO
DE RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DOMÉSTICO.

A autora evidencia os desafios enfrentados pela região:

A REGIÃO LATINO-AMERICANA TEM UM DUPLO DESAFIO: ROMPER EM


DEFINITIVO COM O LEGADO DA CULTURA AUTORITÁRIA DITATORIAL E CON-
SOLIDAR O REGIME DEMOCRÁTICO, COM O PLENO RESPEITO AOS DIREITOS
HUMANOS, AMPLAMENTE CONSIDERADOS — DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS,
ECONÔMICOS, SOCIAIS, CULTURAIS E AMBIENTAIS.
(PIOVESAN, 2019, p. 152)

63
O sistema interamericano é composto por equipe interdisciplinar que atua na Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos e na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Essa divisão com-
põe o aparato de monitoramento e implementação dos direitos humanos no âmbito do sistema
interamericano (PIOVESAN, 2019).
A Comissão não conta com competência jurisdicional, ou seja, competência para julgar. Suas

UNIDADE 03
funções são de:

FAZER RECOMENDAÇÕES AOS GOVERNOS DOS ESTADOS-PARTES, PREVENDO A


ADOÇÃO DE MEDIDAS ADEQUADAS À PROTEÇÃO DESSES DIREITOS; PREPARAR
ESTUDOS E RELATÓRIOS QUE SE MOSTREM NECESSÁRIOS; SOLICITAR AOS GO-
VERNOS INFORMAÇÕES RELATIVAS ÀS MEDIDAS POR ELES ADOTADAS CONCER-

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NENTES À EFETIVA APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO; E SUBMETER UM RELATÓRIO
ANUAL À ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS.
(PIOVESAN, 2019, p. 157)

É função também da Comissão submeter casos sob seu acompanhamento à Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, que conta com competência consultiva e contenciosa. A competência
consultiva consiste em prestar esclarecimentos interpretativos por meio de parecer acerca da Con-
venção Americana de Direitos Humanos a qualquer membro da OEA; já a competência contencio-
sa é limitada aos Estados-partes da Convenção que reconhecem expressamente a jurisdição da
Corte. Piovesan complementa acerca da Corte:

A CORTE TEM JURISDIÇÃO PARA EXAMINAR CASOS QUE ENVOLVAM A DENÚNCIA


DE QUE UM ESTADO-PARTE VIOLOU DIREITO PROTEGIDO PELA CONVENÇÃO.
SE RECONHECER QUE EFETIVAMENTE OCORREU A VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO,
DETERMINARÁ A ADOÇÃO DE MEDIDAS QUE SE FAÇAM NECESSÁRIAS À RES-
TAURAÇÃO DO DIREITO ENTÃO VIOLADO. A CORTE PODE AINDA CONDENAR O
ESTADO A PAGAR UMA JUSTA COMPENSAÇÃO À VÍTIMA.
(PIOVESAN, 2019, p. 171)

Importante frisar que as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos possuem força ju-
rídica vinculante e obrigatória, devendo o Estado condenado tão logo cumpri-las (PIOVESAN, 2019).

1.3 TEORIA GERACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS


A Teoria Geracional dos Direitos Humanos foi apresentada pela primeira vez por Karel Vasak
(1929-2015), jurista tcheco que, após estudar Direito na França, obteve nacionalidade francesa,
tendo optado por fixar residência neste Estado em razão da invasão sofrida pela Tchecoslováquia
pelos soviéticos no ano de 1968.
No ano de 1979, Vasak, em conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Hu-
manos de Estrasburgo (França), apresentou sua teoria de classificação dos direitos humanos em

64
três gerações com características próprias que as distinguiam (RAMOS, 2019), estando cada uma
dessas gerações abarcadas por um dos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fra-
ternidade – conforme já abordado nas Unidades anteriores.
A terminologia “geração” é criticada por alguns autores, que preferem “dimensão”, podendo
qualquer uma delas ser utilizada. A preferência pelo termo “dimensão” em detrimento de “gera-

UNIDADE 03
ção” por parcela dos estudiosos decorre da ideia de que “geração” supõe sobreposição e ultra-
passagem, ou seja, ao optar por “geração”, denota-se que cada um dos direitos venceu o anterior,
extinguindo-o, o que não é verdade; ora, as gerações/dimensões coexistem, não se exaurindo, e
a teoria diz respeito apenas ao momento pelo qual houve maior anseio por determinado direito
humano e quando ele surgiu. Isso bem compreendido, fica, assim, claro que “gerações” e “dimen-
sões” dos direitos humanos são termos sinônimos.

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Veremos nos subitens a seguir como cada uma das gerações é explicada por Vasak a partir da
liberdade, da igualdade e da fraternidade aliadas a seus momentos históricos. Não será realizado
pormenor histórico, em virtude do trabalho já realizado nas Unidades anteriores, bastando, agora,
situá-las historicamente conforme as menções.
Vasak estabeleceu três gerações de direitos humanos baseadas no dístico da Revolução Fran-
cesa, mas há autores como Cançado Trindade que apontam para a existência da quarta e quinta
gerações, ligadas à bioética e à informática/cibernética – frutos do momento de globalização –,
mas ainda há divergências, por isso basta a mera menção aqui.

1.3.1 DIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO: LIBERDADE


A geração que abre a Teoria Geracional dos Direitos Humanos de Karel Vasak compreende os
direitos relacionados à liberdade, que limitam o poderio estatal, ou seja: “os direitos e garantias in-
dividuais e políticos clássicos (liberdades públicas), que exigem uma prestação negativa do Estado.
São as liberdades clássicas, negativas ou formais” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 64). Em
suma: são os direitos civis e políticos.
Sua estipulação é fruto do Iluminismo, do surgimento do Estado Liberal e suas revoluções, com
a independência dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa. Ramos (2019, p. 58) ex-
plica e exemplifica:

SÃO CONHECIDOS COMO DIREITOS (OU LIBERDADES) INDIVIDUAIS, TENDO COMO


MARCO AS REVOLUÇÕES LIBERAIS DO SÉCULO XVIII NA EUROPA E ESTADOS
UNIDOS (VIDE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS). ESSAS REVO-
LUÇÕES VISAVAM RESTRINGIR O PODER ABSOLUTO DO MONARCA, IMPINGINDO
LIMITES À AÇÃO ESTATAL. SÃO, ENTRE OUTROS, O DIREITO À LIBERDADE, IGUAL-
DADE PERANTE A LEI, PROPRIEDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA, TRADUZINDO
O VALOR DE LIBERDADE. O PAPEL DO ESTADO NA DEFESA DOS DIREITOS DE
PRIMEIRA GERAÇÃO É TANTO O TRADICIONAL PAPEL PASSIVO (ABSTENÇÃO EM
VIOLAR OS DIREITOS HUMANOS, OU SEJA, AS PRESTAÇÕES NEGATIVAS) QUANTO
ATIVO, POIS HÁ DE SE EXIGIR AÇÕES DO ESTADO PARA GARANTIA DA SEGURAN-
ÇA PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, ENTRE OUTRAS.

65
Tem como marco teórico a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fruto da
Revolução Francesa.
Como a primeira geração abrange os direitos civis e políticos, cumpre apresentá-los.
Os direitos civis, também conhecidos como direitos individuais, servem para proteger a integrida-

UNIDADE 03
de do indivíduo com relação ao Estado. São alguns exemplos: a liberdade de expressão e de locomo-
ção; a proteção à vida privada; a presunção de inocência; e o direito ao devido processo legal.
Quando se trata de direitos políticos, o rol engloba direitos que envolvem a participação po-
pular no controle do Estado ou na ocupação da própria administração estatal, por isso podem
também ser chamados de direitos de cidadania. Exemplificativamente: votar e ser votado; filiar-se
a partidos políticos; e ocupar cargo público.

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Os direitos civis são garantidos a todos, ao passo que os direitos políticos demandam o reconhe-
cimento da cidadania, que conta com variados critérios definidos pelos Estados individualmente.
Os direitos humanos exemplificados estão também elencados na Constituição da República Fe-
derativa do Brasil, o que os torna direitos fundamentais no território nacional.

1.3.2 DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO: IGUALDADE


Se na primeira geração de direitos humanos a influência estatal advinha do Estado Liberal, na se-
gunda geração o modelo de estado em voga era o Estado de Bem-Estar Social (ou “Welfare State”).
Naquele, ao Estado era interessante impor limites para que se aumentasse a liberdade das pessoas
e para que elas o controlassem por determinados meios; neste último, o Estado passa a controlar a
ordem econômica e social, garantindo às pessoas, por exemplo, acesso a saúde, educação, moradia
e trabalho – constituindo também esses exemplos alguns dos direitos que essa geração engloba.
No Estado de Bem-Estar Social, o Estado passa a ser agente de políticas públicas que objetivam
o alcance de maior igualdade entre a população.
A alteração na forma de enxergar a atuação estatal ocorre no contexto do pós-Primeira Guerra
Mundial, quando os regimes socialistas começam a ganhar espaço no cenário global influenciando
a ordem mundial e os interesses dos Estados e população, que passam a ver como indispensável a
adoção de políticas públicas de ações sociais em prol do bem comum.
Ramos (2019, p. 58) coloca essa mudança da função estatal do seguinte modo:

A SEGUNDA GERAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS REPRESENTA A MODIFICAÇÃO DO


PAPEL DO ESTADO, EXIGINDO-LHE UM VIGOROSO PAPEL ATIVO, ALÉM DO MERO
FISCAL DAS REGRAS JURÍDICAS. ESSE PAPEL ATIVO, EMBORA INDISPENSÁVEL
PARA PROTEGER OS DIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO, ERA VISTO ANTERIORMEN-
TE COM DESCONFIANÇA, POR SER CONSIDERADO UMA AMEAÇA AOS DIREITOS
DO INDIVÍDUO. CONTUDO, SOB A INFLUÊNCIA DAS DOUTRINAS SOCIALISTAS,
CONSTATOU-SE QUE A INSERÇÃO FORMAL DE LIBERDADE E IGUALDADE EM
DECLARAÇÕES DE DIREITOS NÃO GARANTIAM A SUA EFETIVA CONCRETIZAÇÃO, O
QUE GEROU MOVIMENTOS SOCIAIS DE REIVINDICAÇÃO DE UM PAPEL ATIVO DO ES-
TADO PARA ASSEGURAR UMA CONDIÇÃO MATERIAL MÍNIMA DE SOBREVIVÊNCIA.

66
Isso significa dizer o seguinte: com o passar dos anos, após o cenário de revoluções que deu en-
sejo à primeira geração de direitos humanos, viu-se que apenas pregar a “liberdade e a igualdade”
não as garantia de maneira real; era necessário que o Estado adotasse meios para promover essa
igualdade contida no papel. Vem daí a segunda geração de direitos humanos, a dos direitos sociais,
econômicos e culturais; esses direitos “exigem uma prestação positiva do Estado. São as liberdades

UNIDADE 03
positivas, reais ou concretas. Nessa esfera, não se exige do Estado uma abstenção que se verifica
numa atitude negativa, mas a ação do Estado com o intuito de alcançar o bem comum” (SIQUEIRA
JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 64).
Além do contexto histórico e sobre os marcos teóricos da segunda geração de direitos huma-
nos, Ramos (2019, p. 58) leciona:

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OS DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA GERAÇÃO SÃO FRUTOS DAS CHAMADAS
LUTAS SOCIAIS NA EUROPA E AMÉRICAS, SENDO SEUS MARCOS A CONSTITUIÇÃO
MEXICANA DE 1917 (QUE REGULOU O DIREITO AO TRABALHO E À PREVIDÊNCIA
SOCIAL), A CONSTITUIÇÃO ALEMÃ DE WEIMAR DE 1919 (QUE, EM SUA PARTE II, ES-
TABELECEU OS DEVERES DO ESTADO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS) E, NO
DIREITO INTERNACIONAL, O TRATADO DE VERSAILLES, QUE CRIOU A ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO, RECONHECENDO DIREITOS DOS TRABALHADORES.

O titular dos direitos sociais econômicos e culturais são os próprios indivíduos, além de ser opo-
níveis ao Estado (RAMOS, 2019), o que significa que o Estado pode ser cobrado por eles. Assim,
garante-se o acesso às liberdades antes restritas às classes mais abastadas e, consequentemen-
te, maior igualdade. Exemplos reconhecidos são “o direito à saúde, educação, previdência social,
habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento”
(RAMOS, 2019, p. 58).

1.3.3 DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO: FRATERNIDADE


A terceira geração de direitos humanos de acordo com a Teoria Geracional de Vasak diz respeito
à fraternidade do dístico da Revolução Francesa. São os chamados direitos de solidariedade.
Surgiram por volta da década de 1960, permeados pela criação dos sistemas de proteção dos
direitos humanos fruto do pós-Segunda Guerra Mundial e a criação de organizações não governa-
mentais, que passam a ocupar espaço na sociedade civil compartilhando alguns deveres que antes
eram vistos como obrigações exclusivas dos Estados.
A titularidade é da comunidade, pois os direitos de terceira geração dizem respeito aos interes-
ses difusos e coletivos, não cabendo aos indivíduos de forma isolada (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA,
2016). Necessário explicar: entende-se por interesse difuso aquele que não se consegue mensurar
quantas pessoas atinge, ou seja, quem são os exatos titulares; ao passo que interesse coletivo
atinge um grupo determinável que compartilha de uma mesma necessidade ou interesse, como
as minorias vulneráveis.
Ramos (2019, p. 58) exemplifica os direitos de fraternidade também denunciando sua impor-
tância e, consequentemente, impacto à comunidade:

67
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO, DIREITO À PAZ, DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO
E, EM ESPECIAL, O DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. [...] SÃO ORIUN-
DOS DA CONSTATAÇÃO DA VINCULAÇÃO DO HOMEM AO PLANETA TERRA, COM
RECURSOS FINITOS, DIVISÃO ABSOLUTAMENTE DESIGUAL DE RIQUEZAS EM
VERDADEIROS CÍRCULOS VICIOSOS DE MISÉRIA E AMEAÇAS CADA VEZ MAIS

UNIDADE 03
CONCRETAS À SOBREVIVÊNCIA DA ESPÉCIE HUMANA.

VÍDEO
A terceira geração dos direitos humanos é também fruto do sentimento comum de não repetição

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das violações causadas durante a Segunda Guerra Mundial, com todas as atrocidades cometidas
e que abalaram o mundo – tendo, como vimos anteriormente, inspirado a organização e a tipi-
ficação dos direitos humanos que até então não existiam como disciplina e não contavam com
proteção no patamar internacional.
O premiado filme italiano “A vida é bela” (1997), dirigido por Roberto Benigni, retrata a vida de
uma família em um campo de concentração que, apesar de toda tragédia a que estão expostos,
consegue explorar o lado belo da vida.
O pai, Guido (papel principal assumido pelo diretor), cria um interessante jogo para entreter o fi-
lho Giosué (Giorgio Cantarini) e mantê-lo à margem dos abusos nazistas, sempre acreditando que
o melhor está por vir. São sentimentos como esses que fazem a fraternidade florescer. Vale assistir
ao filme e refletir acerca da realidade do período e suas consequências positivas, que também
existem, apesar de ser difícil notá-las em um primeiro momento.

Tudo isso posto acerca da Teoria Geracional dos Direitos Humanos de Karel Vasak, é válido en-
cerrar o presente tópico com a síntese de Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 65):

“Podemos verificar que os direitos humanos de primeira geração referem-se aos


direitos individuais [civis] e políticos; os de segunda geração, aos direitos sociais,
culturais e econômicos; e os de terceira geração, aos direitos difusos e coletivos”.

2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo I:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São do-
tados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito
de fraternidade”.

Como visto na Unidade anterior: “A dignidade da pessoa humana é o valor fundamental do in-
divíduo” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 235); é também a “finalidade última e a razão de

68
ser de todo o sistema jurídico” (COMPARATO, 2019, p. 77) – do contrário, não há fundamento em
legislar –, não podendo ser puro conceito (COMPARATO, 2019), mas, em verdade, consistindo um
valor intrínseco respeitado e defendido mirando a igualdade, sendo dever da sociedade como um
todo e, principalmente, do Estado resguardá-la (MORAES; KIM, 2013).
Rememorando a temática do regionalismo por meio da implementação dos sistemas regionais

UNIDADE 03
de proteção dos direitos humanos, Piovesan (2019, p. 19) aborda a vantagem à dignidade da pes-
soa humana dessa segmentação:

SÃO VANTAGENS DO REGIONALISMO NO CAMPO DA JUSTICIALIZAÇÃO DOS DI-


REITOS HUMANOS A PROXIMIDADE QUE DERIVA DA CONJUGAÇÃO DA GEOGRA-
FIA COM CONCEPÇÕES COMPARTILHADAS SOBRE AS FORMAS DE CONCEBER

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A VIDA EM SOCIEDADE, QUE DÃO PREEMINÊNCIA HIERÁRQUICA AO VALOR DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

A dignidade da pessoa humana é inerente a todo ser humano de maneira igualitária, conforme
consta do artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Também outros tratados
corroboram a importância da dignidade da pessoa humana, como é o caso do Protocolo Adicional
à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais (ou simplesmente “Protocolo de San Salvador”), que dispõe sobre a primazia da dignidade da
pessoa humana em detrimento de outros valores.
Em âmbito nacional, basta dizer que a Constituição da República Federativa do Brasil – texto
máximo do ordenamento jurídico interno –, já em seu artigo 1º, elenca a dignidade da pessoa hu-
mana como um dos princípios fundamentais da República, tamanha a importância desse valor ao
Estado brasileiro, não comportando exceções. In verbis os princípios fundamentais:

ART. 1º A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, FORMADA PELA UNIÃO INDISSOLÚ-


VEL DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS E DO DISTRITO FEDERAL, CONSTITUI-SE EM ES-
TADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E TEM COMO FUNDAMENTOS: I - A SOBERANIA;
II - A CIDADANIA; III - A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; IV - OS VALORES SOCIAIS
DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA; V - O PLURALISMO POLÍTICO. PARÁGRAFO
ÚNICO. TODO O PODER EMANA DO POVO, QUE O EXERCE POR MEIO DE REPRESEN-
TANTES ELEITOS OU DIRETAMENTE, NOS TERMOS DESTA CONSTITUIÇÃO.
(BRASIL, 1988)

No tocante à interpretação desse artigo da Constituição da República, Moraes e Kim (2013, p.


26) ponderam:

NESSE DISPOSITIVO, TEMOS QUE INTERPRETÁ-LO NO SENTIDO DA EXTENSÃO


MÁXIMA, RECONHECENDO-A COMO DEVER DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
DE RECONHECER E GARANTIR A PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA,

Continua >
69
Continuação >

SEM QUALQUER DISCRIMINAÇÃO OU EXCLUSÃO. NÃO HÁ COMO SE ENTENDER, EM


UM PROCESSO HERMENÊUTICO SOBRE ESSE DISPOSITIVO, QUE SE DÊ UMA VISÃO
MERAMENTE FORMALISTA DO ESTADO DE DIREITO, QUE EXCLUA DETERMINADOS
INDIVÍDUOS OU QUE SE AFASTE DO SEU CONTEÚDO POLÍTICO, ÉTICO OU SOCIAL,
SOB PENA DE SE ACEITAR EM NOME DE UM “ESTADO DE DIREITO”, AINDA QUE

UNIDADE 03
SOB A DENOMINAÇÃO “DEMOCRÁTICA”, QUAISQUER ATIVIDADES QUE IMPORTEM
EM RESULTADOS OUTROS QUE NÃO A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA OU QUE SEJAM AUTORIZADOS PRIVILÉGIOS OU INJUSTIÇAS.

Para Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 136), a dignidade da pessoa humana consiste no “mais
importante fundamento constitucional da República Federativa do Brasil”, devendo ser norte para

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todas as nações do globo. Isso se dá porque: “Dela decorre todo o raciocínio jurídico interpretati-
vo” (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 136).
Acerca de seu surgimento, Siqueira Junior e Oliveira (2016, p. 138) observam: “Quanto à evolu-
ção histórica da dignidade da pessoa humana, devemos observar que ela segue de perto a evolu-
ção histórica dos direitos humanos fundamentais” – evolução essa apresentada na primeira parte
da presente Unidade.
Apesar da Declaração Universal de Direitos Humanos estatuir que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, pergunta-se: em verdade, na prática, essa afir-
mação é de fato inteiramente correta ou há diferentes níveis de dignidade da pessoa humana a
depender da vulnerabilidade a qual está exposto o indivíduo? É o que veremos no item a seguir.

2.1 QUANDO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É VIOLADA


Infelizmente a resposta à pergunta
recém-realizada é negativa. Há seres
humanos que não nascem “livres e
iguais em dignidade”.
Interessante apresentar os “Objeti-
vos do Desenvolvimento Sustentável”,
da Organização das Nações Unidas (su-
cessores dos “Objetivos de Desenvolvi-
mento do Milênio”, válidos até o ano de
2015). Esses objetivos constituem uma
agenda global válida até o ano de 2030,
estando vigente desde o final de 2015,
que visam, entre outras coisas, dimi-
nuir as desigualdades, proporcionando
dignidade àqueles que parecem estar
à margem da sociedade em razão das
Fonte: Shutterstock (2020). vulnerabilidades a que estão expostos.

70
Objetivo 1: Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lu-
gares;

UNIDADE 03
Objetivo 2: Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da
nutrição e promover a agricultura sustentável;
Objetivo 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos,
em todas as idades;
Objetivo 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e pro-
mover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;
Objetivo 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e
meninas;

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Objetivo 6: Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e sanea-
mento para todos.;
Objetivo 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço aces-
sível à energia para todos;
Objetivo 8: Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sus-
tentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;
Objetivo 9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização
inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;
Objetivo 10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;
Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, segu-
ros, resilientes e sustentáveis;
Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;
Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e
seus impactos;
Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos re-
cursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;
Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossiste-
mas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertifica-
ção, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade;
Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimen-
to sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir institui-
ções eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;
Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria
global para o desenvolvimento sustentável. (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015).

O trabalho em prol desses objetivos garantirá – dentre outros avanços e melhorias – menores
vulnerabilidades e desigualdades, zelando pela dignidade da pessoa humana, sobretudo dos que
por vezes parecem esquecidos.
Cabe neste momento frisar que os quatro subitens a seguir não exaurem as vulnerabilidades
atinentes à questão da dignidade da pessoa humana. Há variadas outras vulnerabilidades que você
pode ser forçado a confrontar em seu cotidiano; para pensá-las, lembre-se sempre da equidade,

71
pondere os valores e normas que dizem respeito ao problema, mas tenha sempre em mente que
a dignidade da pessoa humana deve prevalecer.

LEITURA

UNIDADE 03
Um exemplo de vulnerabilidade que não será abordada na disciplina de Demandas Contempo-
râneas, mas tão urgente quanto – tal qual qualquer outra –, é a questão da vulnerabilidade das
pessoas portadoras de deficiência. Você pode ler mais sobre o assunto no livro “Pessoas com de-
ficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas”, escrito por Sidney Madruga.
A obra está disponível na Biblioteca Virtual do UniBrasil.

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REFLITA
Além das vulnerabilidades que serão abordadas nos subitens a seguir, quais outras você consegue
notar?
Você faz parte de algum grupo de vulnerabilidade?
Independentemente de sua resposta ser positiva ou negativa, você age de alguma forma para
combater as desigualdades e minimizar as situações de vulnerabilidade no seu entorno?

2.1.1 VULNERABILIDADE ECONÔMICA


A vulnerabilidade econômica pode ser encarada de variadas formas, mas destacam-se as vulne-
rabilidades decorrentes da desigualdade social e da desigualdade entre Estados.
A desigualdade social gera diferenças que impactam nos mais variados âmbitos da vida, ficando
os vulneráveis economicamente desfavorecidos em relação àqueles com maior poder aquisitivo.
Restam com sua dignidade diminuída e, muitas vezes, desassistidos à margem da sociedade.
Os vulneráveis econômicos acabam alocados em regiões menos privilegiadas das cidades, ten-
do que enfrentar longas jornadas para chegar a seus empregos, que não são os mais bem remu-
nerados, sendo muitas vezes expostos a condições de trabalho insalubres ou perigosas, quando
não a exploração.
Eles também não costumam contar com acesso às melhores escolas, tendo sua formação pre-
judicada. Para isso foi criada, por exemplo, no caso brasileiro, a política de cotas e bolsas, a fim de
tentar democratizar o acesso ao ensino superior.
É também esse grupo que acaba mais exposto a piores condições de higiene – exemplificativa-
mente: no acesso ao saneamento básico; e na vivência em proximidade a áreas poluídas ou conta-
minadas, às vezes em moradias irregulares. Além disso, também costuma depender dos serviços
públicos de saúde, que muitas das vezes se encontram em situação precária ou com longas filas de

72
espera. Essa combinação acaba atribulando hospitais e postos de saúde – visto que más condições
de higiene aumentam a propensão a doenças – aviltando a dignidade dessas pessoas que igual-
mente merecem acesso a serviços de saúde de qualidade, condições dignas de moradia e higiene.
A vulnerabilidade econômica pode também ser fruto da crise do desemprego que, de modo ge-
ral, assola o mundo, gerando cada vez mais desigualdade social. Estão aqui embutidas também a

UNIDADE 03
vulnerabilidade de gênero e a vulnerabilidade étnico-racial, tendo em vista a diferenciação estere-
otipada entre esses grupos quando da contratação ou ofertas de aumento de salário e progressão
em plano de carreira, muito mais comuns àqueles que não se encontram entre as minorias.
O desemprego, no atual cenário, não atinge apenas as camadas mais baixas da população,
mas também a mão de obra mais qualificada, fazendo surgir um novo fenômeno: o do indivíduo
qualificado que aceita emprego fora de sua área ou que aceita receber salário muito abaixo do

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


compatível à sua qualificação em mercado, apenas para não perder a oportunidade encontrada e
conseguir um sustento.
Disso surgem alguns problemas, como, por exemplo:
» O
pessoal sem qualificação que perde vagas em razão da concorrência com o pessoal com mão
de obra mais qualificada e que encara salários menores ou empregos em profissões que não
são de sua área de formação – gerando situação desconfortável para todos: a mão de obra des-
qualificada desempregada e a qualificada recebendo menos do que o merecido em razão de
seu preparo e investimento;
» A
mão de obra qualificada desempregada porque empregadores preferem contratar um fun-
cionário não tão especializado, mas que receba menos para desempenhar (muitas vezes) exa-
tamente o mesmo serviço;
» O
fenômeno do empreendedorismo, que não é de todo ruim, mas que se torna um problema
quando a maior motivação é a fuga do desemprego, e não o empreender em razão de uma
nova ideia de negócio ou real interesse e aptidão.
A vulnerabilidade econômica também pode se originar da discrepância entre os países do glo-
bo. Ora, há países com poderio econômico, político e/ou militar muito maior do que os demais.
Há também países com mais bens naturais aproveitáveis pelas indústrias, tornando seu potencial
de negócio maior e mais rentável aos Estados. Outra alternativa encontrada é daqueles países
que acabam criando um melhor ambiente de negócios ao aviltar sua mão de obra, permitindo sua
exploração extenuante e sem as mínimas condições de trabalho. Além de surgir a guerra tarifária,
na qual “vence” o país que oferece as melhores condições para que as grandes empresas se esta-
beleçam em seu território – mas as sedes destas costumam continuar nos países mais ricos.
Enfim, são várias as formas de vulnerabilidade econômica e grandes são as dificuldades em
dirimi-las.

2.1.2 VULNERABILIDADE DE GÊNERO


No que tange à vulnerabilidade de gênero, ainda na questão econômica e de trabalho, é perti-
nente apontar o apresentado por Girão (apud PIMENTA; CORRÊA, 2001, p. 313):

73
O ACESSO DA MULHER AO TRABALHO REMUNERADO, PRINCIPALMENTE A PARTIR
DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, NÃO SE DEU POR OPÇÃO OU BUSCA DE INDEPENDÊN-
CIA. MOVIDAS PELA MISÉRIA E PELAS GUERRAS, AS MULHERES FORAM LEVADAS A
DESEMPENHAR TAREFAS PENOSAS E DE PIOR REMUNERAÇÃO. SUA PARTICIPAÇÃO
NO MERCADO DE TRABALHO CRESCEU A PARTIR DOS ANOS 70, HAJA VISTA AS

UNIDADE 03
ALTAS TAXAS APRESENTADAS EM TODOS OS PAÍSES, EMBORA NOS ÚLTIMOS [...]
ANOS, POR GÊNERO, O DESEMPREGO FEMININO TAMBÉM TENHA CRESCIDO.

Apesar dos variados motivos que deram acesso às mulheres ao mercado de trabalho ao longo
dos anos, muito foi conquistado e deve ser celebrado, mas a vulnerabilidade de gênero persiste. Elas
ainda são as que mais sofrem abusos no ambiente de trabalho e seguem sendo, na maior parte das

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vezes, exploradas com a não percepção do mesmo salário que os homens ao ocupar o mesmo cargo
que eles, bem como não alcançando tantos cargos de chefia ou de alto escalão como os homens.
Há quem justifique a desigualdade salarial em razão de as mulheres ficarem grávidas e com isso
receberem o direito à licença (dentre outras garantias), vista como regalia, e não como necessidade.
Não se pensa no ser humano mulher e no nascituro, mas nos gastos e nos lucros.
Além disso, a mulher costuma contar com dupla jornada de trabalho, pois é ela quem costuma
desempenhar as tarefas do lar, muitas das vezes sozinha, mesmo que – tal qual seu companheiro
– trabalhe fora. Lava, passa, cozinha, limpa e arruma casa e filhos, algumas vezes ainda conciliando
com estudos, pois não se encontra acomodada em seu serviço e almeja melhores condições de vida.
É também o gênero feminino que mais sofre violência doméstica, contando com proteção espe-
cial no ordenamento jurídico pátrio por meio da “Lei Maria da Penha” (Lei nº 11.340/2006).
São comuns os casos que ganham a mídia denunciando violência contra a mulher, relatando es-
tupros, sequestros, agressões e homicídios, muitas vezes sendo o agressor seu próprio marido, na-
morado, ex-namorado ou algum homem ao qual a vítima não tenha dado alguma oportunidade
amorosa. Também são as mulheres as que mais sofrem violências e abusos em casa de familiares e
por padrastos, e isso sem barreiras de idade.
Mesmo com o grande caminho de conquistas feministas, ainda há muito a ser modificado para
que mulheres e homens convivam em igualdade de dignidade e direitos.

2.1.3 VULNERABILIDADE ÉTNICO-RACIAL


Em se tratando da vulnerabilidade étnico-racial, ela muito advém da escravidão e das segregações.
Tal qual as cotas para alunos oriundos de escolas públicas, o Estado brasileiro criou a cota racial, a
fim de promover maior acesso ao ensino superior a essa parcela da população em vulnerabilidade.
Os problemas relatados com relação à vulnerabilidade econômica atingem muito mais a popula-
ção negra do que a população branca. São normalmente os negros que acabam morando nas regiões
mais afastadas ou nas piores condições de moradia, que necessitam do serviço público de saúde e
todo o restante já mencionado.
Essa população acaba sendo colocada à margem da sociedade e com difícil inserção.

74
Independentemente se homem ou mulher, negros encontram maiores dificuldades para adentrar
o mercado de trabalho, sobretudo em cargos de mais elevada hierarquia ou de chefia, sendo raras
exceções aqueles que os alcançam.
A igualdade de oportunidades é prejudicada também pelo preconceito, ainda existente, e fruto
dos motivos mais variados e infundados.

UNIDADE 03
É a população negra que mais morre em tiroteios em operações policiais e a que mais passa por
constrangimentos. São os negros (e menos abastados) que compõem a maior parcela da população
carcerária brasileira e também os que mais sofrem pelas mazelas do sistema jurídico e carcerário,
bem como com suas injustiças e erros.
Ainda hoje os afrodescendentes encontram limitações maiores em razão da barreira do precon-

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ceito e da desigualdade de oportunidades e tratamento. Há muito a ser feito, não só pelos Estados,
mas também localmente, com a intenção de acabarmos com o preconceito.

2.1.4 VULNERABILIDADE DE GERAÇÃO


A vulnerabilidade de geração pode ser analisada sob variados aspectos. Um deles é sob a
dignidade da pessoa humana da criança, do jovem e do idoso, sendo que convém destacar essas
duas últimas vulnerabilidades, apesar de ainda haver muito que se fazer com relação aos direi-
tos das crianças.
A vulnerabilidade do jovem reside ao lado da étnico-racial no quesito carcerário, pois a maior par-
te da população carcerária brasileira é composta por jovens (sendo a maioria jovens negros pobres).
São os jovens também os mais expostos ao tráfico e consumo de drogas. Acerca do tráfico, são
utilizados como intermediários nas comunidades, pois, como não atingiram a maioridade penal, os
traficantes tiram proveito deles, fazendo-os de refém desse sistema.
Há também os jovens viciados que acabam se envolvendo com o tráfico ou que acabam com suas
vidas mergulhando no mundo da dependência. Nas camadas mais baixas da sociedade, muito disso
ocorre como fuga da realidade, busca por poder ou por pura falta de informação, não se devendo re-
tirar a parcela de participação, bem como de culpa, das camadas sociais mais abastadas no contexto
do tráfico e consumo de drogas.
Há muito que se pensar e analisar acerca da política de drogas no Brasil e de todo o contexto social
por ela abarcado principalmente nas comunidades, como o financiamento da violência e de crimes,
assim como a disputa pelo poder, causando a morte diária de inocentes, muitas das vezes crianças.
No quesito mercado de trabalho, os jovens, pela falta de experiência, acabam ficando para trás
com relação àqueles com experiência e com melhores oportunidades de vida.
Ainda no que tange ao mercado de trabalho, mas passando para a vulnerabilidade do idoso: o
outro lado da moeda do desemprego no quesito idade. É crescente o número de idosos desempre-
gados que não conseguem se reinserir no mercado de trabalho, seja porque não se atualizaram ao
longo dos anos como empregados em um mesmo lugar, seja porque há preconceito em contratar
alguém com idade já avançada.

75
São profissionais, muitas das vezes, qualificados e com vasta experiência, mas que, tal qual a mão
de obra qualificada e altamente especializada de jovens, acabam aceitando ofertas com salários abai-
xo dos que recebiam ou em funções também abaixo da que costumavam ocupar, ou, ainda, em áreas
distintas da sua formação – isso tudo para não perder uma oportunidade de emprego, podendo
continuar ativos e com as despesas em dia de maneira independente.

UNIDADE 03
Idosos também são vítimas da violência doméstica e, não raras vezes, esquecidos ou abandona-
dos à própria sorte ou em asilos sem o menor carinho e cuidado familiar.
Outro quesito a ser levado em conta é o acesso à saúde, que merece especial atenção quando
se alcança essa fase da vida, mas que, como já relatado, resta desigual no sistema público de saúde
brasileiro, que enfrenta as mais variadas dificuldades. Sendo assim, muitas vezes é necessária a con-
tratação de caros planos de saúde para que se tenha acesso a serviços de melhor qualidade e mais

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ágeis, o que, obviamente, não é acessível a todos.

FIGURA 2 - A UNIÃO FAZ A FORÇA QUANDO O OBJETIVO COMUM É A IGUALDADE

Fonte: Shutterstock (2020).

Analisadas essas quatro vulnerabilidades, resta a cada um de nós refletir o que pode fazer para
contribuir com a diminuição delas, revendo preconceitos e condutas. Cada um fazendo sua parte,
aos poucos o mundo se torna um lugar melhor e mais igualitário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos, nesta terceira Unidade, questões afetas aos direitos humanos e sua construção, assim
como relativas à dignidade da pessoa humana e algumas de suas vulnerabilidades.
Merece destaque o estudo realizado no primeiro tópico acerca do Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos, inserido no contexto dos Sistemas Regionais – tema não grande-
mente explorado fora dos cursos de Direito e Relações Internacionais, mas de grande relevância
social-humanista, em razão do que representa no avanço dos direitos humanos.
Essas duas principais temáticas abordadas fornecem visão de mundo humanista, o que viabiliza
a análise equitativa das demandas contemporâneas que cada pessoa enfrenta e enfrentará em sua

76
vida; por isso a importância da presente disciplina e de sua abordagem não finalista, mas abran-
gente e jamais almejando o esgotamento – visto que é inimaginável.
A equidade garante que as decisões sejam tomadas da melhor forma possível dentro do cenário
de diuturna desigualdade em que estamos inseridos; é ela também que possibilita a reformulação
para melhor dessa situação, correspondendo ao melhor caminho dialético.

UNIDADE 03
A quarta e última Unidade de Demandas Contemporâneas caracterizará o Estado pensando-o
aliado às perspectivas da igualdade e da equidade sob olhar crítico quanto às políticas públicas e
relações sociais. Também haverá discussão acerca das novas ameaças à sociedade contemporâ-
nea, destacando os aspectos ligados à violência, ao meio ambiente, à previdência, às migrações e
ao multiculturalismo. São temas difíceis de se enfrentar, em razão de sua complexidade, mas que
fazem parte do cotidiano, não sendo possível deixar de lado sua análise cautelosa.

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Ao adentrar na próxima Unidade, tente caminhar sem opiniões e ideias pré-concebidas – isso
facilitará a (re)formulação de suas próprias opiniões e ideias.
Vamos juntos!

ANOTAÇÕES

77
UNIDADE

04
APENAS
LEGISLAR NÃO
É GARANTIR

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» Avaliar a ideia de igualdade e de equidade por meio da caracterização do Esta-


do, das políticas públicas e da mediação nas relações sociais;

» Apresentar e pensar novas ameaças e novos riscos presentes nas sociedades


contemporâneas.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://qrgo.page.link/7wY1i https://qrgo.page.link/yty8U https://qrgo.page.link/UnhGo


INTRODUÇÃO
Olá! Seja bem-vindo à última Unidade da disciplina de Demandas Contemporâneas!
Na Unidade anterior, vimos como se deu a construção dos direitos humanos – necessária para

UNIDADE 04
o mundo como o conhecemos hoje, fundamental para avanços e melhorias. Também compreen-
demos o conceito de “dignidade da pessoa humana”, bem como parte do contexto nele envolvido.
Nesta Unidade avaliaremos a ideia de igualdade e de equidade por meio da caracterização do
Estado, das políticas públicas e da mediação nas relações sociais; também serão apresentadas e
pensadas novas ameaças e novos riscos presentes nas sociedades contemporâneas.

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O primeiro tópico explicará o que é Estado e abordará questões como igualdade, equidade,
mediação nas relações sociais e políticas públicas.
Por sua vez, o segundo tópico analisará a sociedade contemporânea com algumas de suas de-
mandas mais urgentes, por se tratarem de verdadeiras ameaças, sendo elas: violência e guerra;
meio ambiente, recursos e desastres naturais; transição demográfica, envelhecimento e sustentabi-
lidade previdenciária; migrações e deslocamentos forçados; choques culturais e multiculturalismo.
A esta altura, sua percepção da disciplina e o entendimento de seu conteúdo e aplicabilidade
devem estar claros.
Os conteúdos devem estar estruturados de maneira lógica em sua mente, de modo que você
consiga traçar um mapa correlacional entre todos os temas até aqui apresentados – mapa ao qual
você acrescentará a bagagem a ser adquirida nesta Unidade.
O conhecimento obtido até aqui possibilitará a conclusão da presente disciplina com chave de
ouro, garantindo que você analise as mais variadas demandas contemporâneas – atuais e vindou-
ras – com base na equidade, ponderando valores.
Vamos juntos!

1. ESTADO E RELAÇÕES SOCIAIS


Falamos até aqui, entre outros assuntos, sobre indivíduos e sociedade, sem adentrar no concei-
to de Estado e ideias que se tornaram a ele adjacentes. É chegado o momento disso; mas, antes de
iniciar sua abordagem, é importante citar a ressalva de Maluf (2019, p. 34): “Um esclarecimento se
impõe antes de tudo: Não há nem pode haver uma definição de Estado que seja geralmente acei-
ta. As definições são pontos de vista de cada doutrina, de cada autor. Em cada definição se espelha
uma doutrina” – ou seja, não há um conceito definitivo de Estado. Há variáveis até mesmo no que
diz respeito a seus elementos constitutivos. Aqui, focaremos no seu conceito e nos elementos
clássicos de sua formação (os mais comumente apresentados e elencados).
Dessa feita, afinal, o que é Estado?

79
Beviláqua conceitua da seguinte maneira: “O Estado é um agrupamento humano, estabelecido
em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá unidade orgânica” (apud
MALUF, 2019, p. 35). Desse conceito já derivam os clássicos três elementos constitutivos dos Esta-
dos, quais sejam: população, território e governo.
O termo “Estado” foi utilizado pela primeira vez durante a Idade Moderna, “para designar a

UNIDADE 04
sociedade política por excelência” (FILOMENO, 2019, p. 15), baseada no poder institucionalizado.
Mas, em Grécia e Roma, na Antiguidade Clássica, essa preocupação já era existente e discus-
sões daquela época em torno da temática são conhecidas até hoje, como em Platão, Aristóteles e
Cícero (FILOMENO, 2019).
Rememorando o que apresentamos no início da disciplina, a Idade Média foi período marcado

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por forte influência da Igreja, bem como pelo poder personalizado concentrado na figura do rei,
que herdava o poder e o exercia de maneira vitalícia; outro forte aspecto do período foi a orga-
nização dos feudos, criando o “sistema feudal”. Esses aspectos impediam a utilização da acepção
moderna de Estado, conforme destaca Filomeno (2019), apesar de haver quem já apontasse para
a distinção existente entre o poder civil e o espiritual. Vejamos:

DE QUALQUER FORMA, OS DOUTORES DA IGREJA, NOTADAMENTE S. TOMÁS DE


AQUINO (SUMA TEOLÓGICA) E SANTO AGOSTINHO (A CIDADE DE DEUS), SEMPRE
CHAMARAM A ATENÇÃO DOS ESTUDIOSOS NO SENTIDO DE QUE DEVE HAVER UMA
DISTINÇÃO ENTRE O PODER CIVIL, OU TEMPORAL, E O ESPIRITUAL, EMBORA DEVA
O PRIMEIRO SEMPRE SER INSPIRADO PELO SEGUNDO, SOBRETUDO NA PROTEÇÃO
DOS INTERESSES DO SER HUMANO, JUSTIFICANDO-SE ATÉ MESMO A INSURREIÇÃO
COMO MANEIRA DE FAZER CESSAR ABUSOS DO MENCIONADO PODER TEMPORAL.
(FILOMENO, 2019, p. 15)

Assim, apenas na Idade Moderna começa a ser utilizada a terminologia “Estado”, em Maquiavel
e Montesquieu.
Nicolau Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” (escrita em 1513, com publicação póstuma em
1532), destinada a Lourenço de Médici, príncipe de Florença, explica que todos os Estados/do-
mínios que já existiram sobre homens eram repúblicas ou principados, sendo estes hereditários
(valendo-se do critério sanguíneo para a manutenção do poder), ou eram Estados novos (FILO-
MENO, 2019). Na obra, Maquiavel aborda o funcionamento do Estado e o modo como governan-
tes devem atuar.
Já Montesquieu, autor do livro “O Espírito das Leis” (1748), adota o termo “État” (“Estado”,
em francês), caracterizando-o da seguinte maneira: “ente autônomo e capaz de irradiar poder e
direito” (FILOMENO, 2019, p. 16), apresentando sua teoria de freios e contrapesos – também co-
nhecida como “checks and balances”, adotada até hoje.

80
SAIBA MAIS
O Iluminista Barão de Montesquieu (1689-1755) é responsável pela teoria de freios e contrapesos,
que dava limites aos monarcas, pois idealizava a criação de um sistema mais autônomo por meio

UNIDADE 04
da separação dos Poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, dando a cada um destes os po-
deres de autonomia (contrapesos) e de complementaridade (freios), dividindo as competências,
mas mantendo o poder de fiscalização e de controle em suas próprias mãos, as mãos do Estado.

Acerca dos elementos constitutivos de Estado, retomando, tem-se: população, território e go-
verno como elementos necessários. Conforme Maluf (2019, p. 37): “A condição de Estado perfeito

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pressupõe a presença concomitante e conjugada desses três elementos, revestidos de caracterís-
ticas essenciais: população homogênea, território certo e inalienável e governo independente”, ou
seja, esses três elementos são primordiais – note-se, “primordiais”, e não “determinantes”, “indis-
cutíveis”, ou algo que o valha. Ora, há divergências doutrinárias que não necessitam ser levantadas
nesta disciplina, mas que são discutidas, por exemplo, na disciplina de Teoria Geral do Estado,
presente na grade curricular do curso de Direito, pois, entre outros assuntos, é necessário explicar,
por exemplo, a situação da Palestina.
A população, posta por Maluf (2019) como devendo ser homogênea, engloba o fator humano
– este, indiscutível, afinal, não há Estado sem pessoas para governar ou exercer poder. É, puramen-
te, o conjunto de todos os habitantes do território do Estado (FILOMENO, 2019), com intenção de
ali permanecer e se estabelecer de maneira definitiva (MALUF, 2019).
Ao elencar território como “certo e inalienável”, Maluf (2019) aponta a necessidade, ao Esta-
do, de porção de terra definida ocupada pela população e que não pode ser vendida ou cedida.
É nesse espaço que se encontra a “base física” (MALUF, 2019, p. 39) do Estado e onde vige seu
ordenamento jurídico.
Aqui entra a questão da diferenciação entre Estado e nação, que Maluf (2019, p. 39) denomina
uma “realidade sociológica”, pois à nação é dada a possibilidade de existência sem território pró-
prio e sem se constituir em Estado, como a nação judaica e as populações nômades.
Por fim, tem-se o elemento governo, necessariamente independente (MALUF, 2019) – o que
significa dizer que o Estado deve ser autossuficiente em se tratando de seu poder e soberania, não
havendo de se falar em dependência com relação a outro Estado.
Maluf (2019, p. 41) define o elemento governo como sendo: “Positivamente, o conjunto das
funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública”, mas explica que
seu conceito varia de acordo com o ponto de vista doutrinário, apesar de sempre se basear no
exercício da soberania, consistindo a organização governamental.
No decorrer dos próximos itens, analisaremos aspectos como igualdade, equidade, mediação e
políticas públicas como elementos integrantes dos Estados modernos voltados à população, mas
que, muitas vezes, correspondem a práticas governamentais.

81
1.1 IGUALDADE
“Igualdade” é acepção que remete ao “mesmo nível” em algo.
Exemplo: igualdade entre homens e mulheres. O que se almeja é que ambos os sexos sejam
tratados da mesma maneira, não há de se falar em poréns ou exceções. É como se linhas retas

UNIDADE 04
mantivessem os dois em um mesmo nível acima e abaixo.

FIGURA 1 - IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


Fonte: Shutterstock (2020).

Recorde-se do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres huma-
nos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem
agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

SAIBA MAIS

Além da previsão internacional já apresentada, a Constituição da República Federativa do Brasil,


no capítulo II, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, em seu artigo 5º, estabelece
o direito à igualdade no Estado brasileiro. In verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição [...].

Assim sendo, todos os seres humanos, sem distinção, são iguais e, dentro do estipulado em
referido artigo, não há o que se discutir.
Mas, se na Declaração Universal dos Direitos Humanos há a previsão da igualdade entre seres
humanos, por que há de se falar em luta pela igualdade?
Respondo: legislar não é garantir. Dessa diferença decorre a razão do título desta Unidade e
toda a temática nela apresentada. Disso também decorre a necessidade da luta pela igualdade.

82
A igualdade deve ser buscada e conquistada. Consiste em direito de todos e dever do Estado
objetivar a igualdade, apesar de, por vezes, isso parecer impossível em princípio. Pense na con-
quista do sufrágio universal, por exemplo, que passou pela luta de diversas minorias para que se
alcançasse o patamar atual; quem diria, há alguns séculos, que a igualdade seria alcançada?

UNIDADE 04
REFLITA
Redigir um texto legislativo (seja em âmbito nacional ou internacional) e a ele dar vigência faz,
automaticamente, que a garantia do direito ali expresso seja uma realidade, um fato?
Não! É primordial a aplicação desse texto normativo, pois, do contrário, tem-se mera letra morta,
e qual é a finalidade de criar legislação se não a de aplicá-la melhorando a qualidade de vida das

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pessoas?

Em se tratando de igualdade, é essencial a apresentação do filósofo prussiano Immanuel Kant


(1724-1804), autor, entre outros títulos, de “Crítica da Razão Pura” (1781), estudioso da moral e
criador dos Imperativos.
O termo “imperativo” foi adotado por Kant em seu livro “Fundamentação da Metafísica dos
Costumes” (1785). Sempre pautados pela ética, os imperativos têm variados enunciados, cabendo
apresentar aqui o formato de imperativo categórico na fórmula de lei universal1: “Age como se a
máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza”. Ou seja, ao agir,
o ser humano deve estar pautado por aquilo que esperaria que fosse a ação universal, realizar o
que seria ideal que todos realizassem, tal qual fosse expresso em uma lei universal/lei da natureza,
inclusive, sem necessidade de codificação; algo como agir com o “espírito de fraternidade” ex-
presso no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (supramencionado). Em suma,
igualdade no agir pautado pela moral e pela ética.
Diante do exposto, cabe diferenciar igualdade de equidade, acepção que veremos no item a
seguir. Ao final do item, poderemos realizar contraposição entre igualdade e equidade para bem
compreender a diferença entre esses dois conceitos em análise.

1.2 EQUIDADE
O termo “equidade” remete à ideia de equivalência. Não há igualdade, mas correspondência,
mutualidade.
Não se fala nas linhas retas paralelas mencionadas para exemplificar igualdade anteriormente,
mas em linhas que, estando uma reta embaixo, a outra acaba desajustada, com uma ponta mais
para cima com relação à outra, que fica mais para baixo.

1 Há ainda as fórmulas do fim em si mesmo e da autonomia. Além do imperativo categórico, há também o


imperativo hipotético, mas todos esses não vêm ao caso no contexto da disciplina.

83
A equidade serve para quando há um desequilíbrio tamanho que se torna necessária a adoção
de medidas que desigualem, mas pautadas pela ética e pelo alcance da universalidade (ou seja,
que todos naquela mesma situação sejam vistos de modo par, universal).

FIGURA 2 - “PESO” NECESSÁRIO PARA QUE SERES HUMANOS EM SITUAÇÕES DISTINTAS SE EQUIVALHAM

UNIDADE 04
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Fonte: Shutterstock (2020).

Exemplo: acesso à saúde. Sabe-se que o acesso à saúde é complicado à parcela mais pobre da
sociedade. Como a garantia do igual acesso à saúde entre as variadas classes sociais é impossível
no momento, são criadas medidas que facilitem o acesso às camadas mais baixas por meio da
implementação de políticas públicas, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e a entrega de medica-
mentos. Esse processo viabiliza a equidade, mas não há de se falar em igualdade entre a saúde que
as diferentes classes conseguem acessar2. Pense na fila enfrentada para que se consiga realizar um
exame de saúde em três casos distintos: paciente do SUS; paciente com plano de saúde; paciente
particular. Todos são seres humanos que merecem ser tratados de maneira igualitária, porém, o
que melhor se consegue é a equidade para tentar equilibrá-los.
Outro exemplo possível é o ponto de equilíbrio entre tempo e dinheiro. São duas coisas dis-
tintas que qualquer pessoa precisa administrar: equiparar seu tempo investido em trabalho para
conseguir produzir dinheiro a fim de (ao menos tentar) alcançar seu ideal de qualidade de vida,
ponderando entre o que é mais necessário a ela: mais dinheiro “em caixa” ou maior tempo dispo-
nível. Não há igualdade de tratamento entre essas grandezas para as pessoas, mas sim equidade;
ora, cada um deve, individualmente, encontrar sua equidade entre esses fatores de maneira satis-
fatória para sua existência.

2 Imprescindível destacar que os exemplos explicitados no caso do acesso à saúde (quais sejam, Sistema Único
de Saúde e distribuição de medicamentos) são direitos de todos os brasileiros, não favores ou benesses do Estado,
sendo sequer voltados a um público determinado. Usa do Sistema quem quer; fica a cargo de cada um avaliar suas
condições e necessidades.

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FIGURA 3 - EQUIDADE ENTRE TEMPO E DINHEIRO

UNIDADE 04
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Fonte: Shutterstock (2020).

Falamos, no parágrafo anterior, em “ponderação”, mas o que é isso juridicamente?


É a técnica por vezes adotada pelos juízes para sua tomada de decisão. Por exemplo: uma de-
manda que envolve o conflito entre dois valores de extrema grandeza, como direito à privacidade
e à publicidade. Qual deve se sobrepor? Cada caso merecerá uma análise ponderada distinta; não
há fórmula igualitária que, como o passar de uma régua, resolva todos os casos que envolvam es-
ses dois direitos. Ponderar é tratar equitativamente.
Diante de todo o exposto, resta diferenciada a “igualdade” da “equidade”, cabendo aqui a máxi-
ma do Princípio Constitucional da Igualdade, agora facilmente compreendido: “tratar igualmente
os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.

FIGURA 4 - DIFERENÇA ENTRE IGUALDADE E EQUIDADE

IGUALDADE EQUIDADE

Fonte: Shutterstock (2020).

Ainda sobre ponderação, é importante destacar que qualquer um a realiza em seu dia a dia,
apesar de ser considerada uma técnica de interpretação para hard cases (“casos difíceis”). Mas,
será que todo caso (no sentido de demanda, lide) mereceria e deveria ser julgado pelo Poder Ju-
diciário? Seria essa sempre a via ideal? A resposta para esses questionamentos é negativa, como
você poderá melhor compreender no item a seguir.

85
1.3 MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES SOCIAIS
Voltemos nossa atenção ao Judiciário brasileiro. Há um elevado número de processos sobrecar-
regando o sistema e o tornando a cada dia mais moroso. Seria culpa apenas dos juízes e demais
funcionários técnicos desse setor ou também da sociedade como um todo? A segunda opção é a

UNIDADE 04
mais correta; ora, o número de processos envolvendo causas de pequena monta ou às vezes até
infundadas e mesquinhas é tão elevado que levou à criação dos Juizados Especiais (antigos “Juiza-
dos de Pequenas Causas”, nome que falava por si).
Os Juizados Especiais contam com um “processo simplificado” para o ajuizamento de ações
“corriqueiras” de menor violação e/ou baixo valor envolvido. O objetivo é agilizar o trâmite pro-
cessual até a decisão, fazendo com que as partes tenham sua demanda analisada e decidida com

UNIBRASIL EAD | DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS


maior rapidez e também economia, visto a sua gratuidade de acesso; outro objetivo é retirar esses
casos da análise convencional, enxugando um pouco as demandas que acessam a Justiça Comum.

SAIBA MAIS
O valor da causa no Juizado Especial Cível não pode ultrapassar 40 salários mínimos, sendo que
em demandas de até 20 salários mínimos pode ser dispensada a contratação de advogado. Já no
Juizado Especial da Fazenda Pública, o teto máximo é de 60 salários mínimos.
O Juizado Especial Criminal é voltado aos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles crimes
e contravenções penais cujas penas máximas não ultrapassam dois anos de privação de liberdade.

Mas, apesar da criação dos Juizados Especiais, o problema da morosidade no Poder Judiciário
brasileiro persiste.
É comum circular pela internet e de vez em quando em noticiários casos absurdos que chegam
aos tribunais, como o dos irmãos que brigam por um moletom, do homem que processou um bar
pelo tamanho da caipirinha e do aluno de direito da Universidade de São Paulo (USP) que pediu
usucapião de armário de seu uso dentro da instituição e que passaria por política de redistribuição.
Esses são apenas alguns exemplos esdrúxulos recentes e marcantes, mas diversos outros casos
inusitados chegam aos tribunais sem necessidade, o que demonstra falta de compreensão por
parte da população acerca do que representa ingressar com uma ação, de todo o custo de tempo e
dinheiro que isso demanda dos cofres públicos (além de seu próprio tempo, dinheiro e desgaste).
Apesar desses exemplos pitorescos, não são apenas eles que atravancam os tribunais. Há ainda
picuinhas que são levadas à justiça: casos de famílias, vizinhos, danos morais sem danos reais (quan-
do só se busca enriquecimento fácil)… enfim, uma miríade de casos que poderiam ser resolvidos
facilmente por meio de diálogo e acordo, conciliação, mediação, arbitragem, justiça restaurativa.
Esses são exemplos de medidas que podem ser adotadas apenas entre as partes ou não para que se
chegue a um consenso sem intervenção judiciária. Essa é a tendência: desjudicialização. O caminho
não é fácil, muito menos breve, mas renderá frutos à sociedade brasileira como um todo.

86
Outro rumo que vem sendo adotado no Brasil é a criação dos centros judiciários de solução de
conflitos e cidadania (Cejusc), que atuam com as modalidades de conciliação e mediação, formas
de autocomposição – método de solução de conflito entre pessoas que se distingue da hetero-
composição, por não envolver a eleição de um terceiro que atue na decisão, casos da arbitragem
e da própria jurisdição, exercida pelo Poder Judiciário (e que podem levar as partes à necessidade

UNIDADE 04
de acatamento de uma decisão a ambas desconfortável).
Não vem ao caso, nesta disciplina, diferenciar pormenorizadamente cada uma dessas modali-
dades, sobretudo com termos técnicos atinentes ao curso de Direito, apenas deixar claro em que
elas consistem, além da já demonstrada vantagem social de “destravar” o Poder Judiciário.
O diálogo que leva a um acordo entre partes é a maneira mais simples de se resolver problemas
consensualmente – e tão ancestral quanto as disputas que modernamente se tornaram judiciais,

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sobrepondo também a retaliação proporcional do “olho por olho, dente por dente” da Lei de Ta-
lião, encontrada no Código de Hamurabi.

SAIBA MAIS

Fonte: Shutterstock (2020).


O Código de Hamurabi data de aproximadamente 1750 a.C. e repre-
senta o conjunto de leis que regia o Império Babilônico, na região
da Mesopotâmia, àquela época. Rompeu com a tradição de trans-
missão oral e consuetudinária (relativa a costumes) ao codificar
uma síntese escrita de como deveria ser regida aquela sociedade.
Código de Hamurabi, monumento monolítico em exposição no
Museu do Louvre, Paris. Tem 2,25m de altura e 1,90m de base.

A conciliação envolve a contratação de um profissional que deverá conduzir de modo imparcial


o diálogo entre as partes, ouvindo-as, expondo prós e contras das diferentes decisões que podem
ser tomadas e fornecendo possíveis alternativas de resolução, sem interferir na decisão, que fica a
cargo das partes envolvidas no conflito.
A mediação, por sua vez, é ideal quando não há mais diálogo entre as partes. Será o mediador o
responsável por esse restabelecimento de diálogo, mas serão as partes que chegarão ao consenso.
Difere da conciliação porque naquela o conciliador atua alinhando o diálogo entre as partes.
A arbitragem corresponde a uma saída da autotutela (autocomposição) anteriormente exem-
plificada. É técnica de heterocomposição que requer a contratação de um árbitro e que pode ser
posterior a uma falha tentativa de autocomposição. É função do árbitro decidir a controvérsia ao
invés de dar esse poder às partes. Sua decisão conta com força judicial, funcionando como senten-
ça sem recurso, a qual as partes devem acatar.
Por fim, a justiça restaurativa, aplicável também em casos que envolvem violência, tem sido
adotada até mesmo por escolas. É pautada pela escuta das partes – vítima e ofensor – que obje-

87
tiva, de forma humanizada, reparar o dano causado à vítima. Requer colaboração entre as partes,
que devem estar alinhadas à intenção de restauração, não de culpa e penalização.

UNIDADE 04
Fonte: Shutterstock (2020)

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O item a seguir representa uma retomada das acepções de igualdade e equidade, na medida
em que nele abordaremos a questão das políticas públicas.

1.4 POLÍTICAS PÚBLICAS


Como anteriormente mencionado, a adoção de políticas públicas é um dos meios possíveis para
promover a equidade. Mas, afinal, o que são políticas públicas?
Lopes Filho (2018, p. 196) as conceitua e explica sinteticamente da seguinte maneira:

AS POLÍTICAS PÚBLICAS SÃO COMPOSTAS POR PROGRAMAS, AÇÕES E PRÁTI-


CAS QUE VISAM A ASSEGURAR DIREITOS BÁSICOS PARA TODOS OS CIDADÃOS.
ATINGEM SETORES DA CULTURA E DA ECONOMIA, ASSIM COMO BUSCAM PRE-
SERVAR E ANGARIAR UM ESTADO DE DIREITOS MÍNIMOS NECESSÁRIOS PARA
PRESERVAR O BEM-ESTAR SOCIAL. VOLTADAS AO SUSTENTO DE UMA QUALIDA-
DE DE VIDA MÍNIMA PARA TODO CIDADÃO, AS POLÍTICAS PÚBLICAS PODEM TER
FOMENTO PÚBLICO OU PRIVADO E ESTÃO EMBASADAS NO ENTENDIMENTO DE
QUE TODO SER HUMANO NECESSITA DE UMA ESTRUTURA BÁSICA QUE ATENDA
A SUAS NECESSIDADES EMERGENCIAIS.

Destaque-se “estado de direitos mínimos necessários”, ou seja: um mínimo necessário para que
qualquer pessoa viva com dignidade – a dignidade da pessoa humana –, dentro de parâmetros
básicos de condições.
Não compreendem política partidária, mas política de Estado, sempre em prol do cidadão, não
da promoção de partido político ou de candidato. Por essa razão, devem ser mantidas apesar das
possíveis alterações político-partidárias e dos ocupantes dos cargos a cada pleito, sendo ideal sem-
pre seu aprimoramento, nunca seu retrocesso ou estagnação, havendo continuidade mesmo de
um governo para outro.
Também não devem ser vistas como “moeda de troca” ou de “compra” da população. Não há de
se falar em “dívida” por parte de quem usufrui da política pública com relação ao governo e Estado.

88
O Estado promove políticas públicas a fim de que se garantam necessidades básicas à população; não
são os políticos ou partidos que promovem a implementação ou melhoria em uma política pública
com a finalidade de angariar carisma e mais votos – ou ao menos não é assim que deveria ser.
Podem ser adotadas políticas públicas em vários setores essenciais à população. Lopes Filho
(2018) exemplificou, como supracitado, cultura e economia. Complemento com: saúde, educação,

UNIDADE 04
transporte, habitação, alimentação, segurança, e assim por diante – qualquer setor primordial à
vida dos seres humanos.
Alguns exemplos brasileiros de destaque são:
» Saúde: com o já mencionado Sistema Único de Saúde (SUS);
» Educação: escolas e universidades públicas, bem como a política de cotas para ingresso nestas últimas;

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» Habitação: programa Minha Casa, Minha Vida;
» Renda: programa Bolsa Família;
» Alimentação: extinto Fome Zero (incorporado pelo Bolsa Família).
Podem ser implementadas em variados âmbitos, concorrendo ou não entre si sua competência
de aplicação. Podem ser medidas municipais, estaduais ou federais, a depender do determinado
no ordenamento jurídico de cada Estado que as aplique.
Têm como principal objetivo, de acordo com Lopes Filho (2018), assegurar o bem-estar social
da população por meio de leis. Para tanto, é primordial “ter uma clara compreensão das necessida-
des públicas, além de uma percepção esclarecida das nuances que compõe o conjunto de pessoas
que compõe a sociedade” (LOPES FILHO, 2018, p. 200), sendo necessárias consultas públicas e
estudos e pesquisas de levantamento do perfil social do Estado.
Lopes Filho (2018, p. 200-201) alerta para outro aspecto de suma importância relativo às po-
líticas públicas: “é importante pensar a sociedade em sua pluralidade, independente de grupos
econômicos, étnicos, religiosos, partidários e qualquer outra estrutura segregacionista possível de
existir”. Deve-se pensar no bem social comum, pois a sociedade só funciona bem quando o todo
vai bem, buscando-se equidade e igualdade.
As políticas públicas não devem ser finalistas e assistenciais, mas remediais e impulsionadoras.
Elas têm total relação com as demandas contemporâneas, em razão da tentativa de saneamen-
to de algumas dessas questões, inclusive as que veremos no item a seguir. A contemporaneidade
e abrangência resta explícita por Lopes Filho (2018, p. 202) no seguinte excerto:

O DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS GANHA CADA VEZ MAIS EM


COMPLEXIDADE E APROXIMA A TOMADA DE DECISÕES DE ASPECTOS MULTI-
DISCIPLINARES EXPRESSOS NA TRANSVERSALIDADE DE DIVERSOS ASSUNTOS
QUE PERMEIAM O ENTENDIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS EM PERSPECTIVA
TANTO DOS DIREITOS INDIVIDUAIS QUANTO COLETIVOS, AFINAL CADA VEZ MAIS
IDENTIDADES MÚLTIPLAS ESTÃO SE ACENTUANDO DENTRO DA COMPOSIÇÃO
SOCIAL DOS DIFERENTES PAÍSES DO GLOBO.

89
É a partir desse raciocínio de Lopes Filho que partimos ao último tópico da disciplina de Deman-
das Contemporâneas – homônimo à disciplina e com análise destacada de cinco distintas deman-
das (mais uma vez, sem a pretensão de esgotá-las, pois seria impossível).

FIGURA 5 - POLÍTICAS PÚBLICAS: SEMEANDO IGUALDADE

UNIDADE 04
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Fonte: Shutterstock (2020).

2. DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS
A sociedade contemporânea é marcada pela globalização; a Era Digital, dizem alguns. Tudo
pode acontecer em um piscar de olhos. A informação se propaga com velocidade tamanha que o
que acontece em um lado do globo pode ser transmitido e assistido ao vivo noutro.
Nessa mesma velocidade em que informações são transmitidas, cresce o consumo indiscrimi-
nado e por impulso, facilitado pelas compras por meio do uso de cartão de crédito e das vendas
on-line (por meio de aplicativos, redes sociais e sites). Também é possível encomendar um produto
do outro lado do mundo e, se ele não for digital e você puder receber na hora, basta aguardar o
tempo do frete que o produto chegará em sua casa.
O tempo de espera pelo produto passa a ser um angústia, pois as gerações mais jovens são
acostumadas com tudo na velocidade de um clique. A ansiedade e a depressão são alguns dos
males do século.
O gerenciamento do tempo também passa a ser um problema. As queixas com relação à “falta
de tempo” são cada vez mais frequentes em rodas de conversa, mas muitas das vezes o problema
não é a falta de tempo, mas seu péssimo gerenciamento. Grande parte da população não sabe es-
colher suas prioridades, nem dizer não, o que torna as agendas cada vez mais bagunçadas, dando
a sensação de tempo em falta.
A complexidade de organização e priorização da utilização do tempo decorrente da indefinição
com relação às prioridades pode ocorrer em razão da dificuldade de desligar-se do trabalho, como
no caso dos workaholics, ou da necessidade de acumulação de cargos e funções para a obtenção
de êxito na conquista de renda compatível ao necessário para cada um – sendo esses apenas

90
alguns exemplos. Este último aspecto, cumpre ressaltar, traz consigo o problema do abandono
familiar ou do “eu”, quando a pessoa se perde de si mesma e de sua família ao priorizar o sucesso
financeiro (há desequilíbrio até nisto!).
Essa dificuldade de gerenciamento do tempo também se dá pela exposição quase que ininter-
rupta a novas informações, culturas e conteúdo.

UNIDADE 04
“Conteúdo” – outra palavra que define a contemporaneidade. A criação e o compartilhamento de
conteúdo se tornaram parte do dia a dia de qualquer pessoa por meio das redes sociais. Conteúdo de
qualidade ou não, o que importa é dividir, contar o que está acontecendo para seus amigos e familia-
res e, por que não, seu público. Acompanhar e produzir isso tudo causa obesidade mental – aquele
sentimento de cabeça pesada a ponto de explodir com tanta informação que tentamos abraçar.

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O compartilhamento também pode gerar distúrbios, como os de imagem. Utilização desenfre-
ada de filtros e edição de imagens incutem padrões inatingíveis no subconsciente das pessoas.
Surge também a sensação de que “a grama do vizinho é sempre mais verde”, pois esquece-se de
que o que é exposto nas redes é uma parcela da realidade, normalmente romantizada.
No tocante aos distúrbios de imagem, acabam elevados os índices de transtornos alimentares
em busca do “corpo perfeito”. Deixa-se de encarar a alimentação como uma necessidade básica e
passa-se a encará-la como um mero fator de engorda e emagrecimento. Contagem de calorias e
de “likes” incansáveis – likes esses ocultados de uma das redes sociais recentemente com a justi-
ficativa de preservação da autoestima dos usuários (dentre outros motivos), mas há céticos com
relação ao real objetivo dessa decisão.
Enquanto há pessoas sofrendo com transtornos alimentares, há ainda muita fome no planeta.
Pessoas sobrevivem com o mínimo de comida, muitas das vezes fruto de doação. A má distribuição
de alimentos é um fato – assim como a de renda. Muito alimento é descartado indiscriminada-
mente ou sem seu real aproveitamento.
Outro problema é o consumo excessivo não só de bens, mencionado no início do tópico, como de
comidas – aqui se encaixando os alimentos (“comida de verdade”) e os produtos alimentícios. Nesse
último quesito, pode-se retomar, mais uma vez, a temática dos bens de consumo, pois a indústria
alimentícia gera a falsa necessidade do consumo de seus produtos em detrimento dos alimentos.
Outro revés dos produtos é a carga de lixo que vem atrelada a seu consumo; ora, em se tratando
de alimentos, não há lixo (na pior das hipóteses, desperdício). Daí decorre também a importância
da alimentação equilibrada baseada em comida de verdade, não em produtos. Essa alimentação
colaboraria, inclusive, com a melhora da saúde, qualidade de vida e bem-estar das pessoas.
Todo esse lixo descartado é lançado também – figurativamente – nas mídias sociais e de comu-
nicação. Vê-se uma queda na qualidade informacional com a ampla disseminação de fake news
(“notícias falsas”), gerando descrença de fontes e a necessidade de verificação da veracidade das
notícias rapidamente disseminadas, tornando-se, muitas das vezes, virais.
Esse enfraquecimento de credibilidade é acompanhado pelo enfraquecimento cultural. O mun-
do globalizado não apenas transpassa barreiras, mas as rompe, acabando por padronizar hábitos,

91
gostos, estilos etc. Ao mesmo tempo que é interessante encontrar pessoas, por exemplo, com os
mesmos hobbies que você em um canto escondido do planeta, pode ser assustador pensar na
facilitação que isso promove para a perda ou enfraquecimento da prática de costumes regionais.
Você está preparado para nadar contra essa corrente quando necessário ou prefere apenas se-
guir o fluxo? Lembre-se: a ausência de inquietação diante dos desafios leva à comodidade. Se toda

UNIDADE 04
sociedade se acomodar, qual progresso conquistaremos?
Todos esses são alguns dos dilemas enfrentados na atualidade – não havendo pretensão de
esgotamento aqui na disciplina, como variadas vezes mencionamos.
Nos próximos cinco itens, analisaremos brevemente cinco demandas contemporâneas distin-
tas. Cada uma delas também não terá sua análise exaurida pela disciplina. Há diversificados meios

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de pensá-las, apresentá-las e debatê-las, sendo sua discussão social primordial. Quando temas
desse calibre são pautados em conversas (casuais ou formais), a cidadania é exercitada e a empatia
deve ser trabalhada. Tente se colocar nas mais variadas posições possíveis ao refletir sobre esses
aspectos e cenários; exerça o pensamento equitativo ao ponderar e chegar às suas conclusões.

2.1 VIOLÊNCIA E GUERRAS

Fonte: Shutterstock (2020).

Esta demanda contemporânea pode ser analisada sob dois aspectos básicos: interno e externo.
Sob o aspecto interno, tem-se a violência nas cidades e grandes centros urbanos fruto da desi-
gualdade social, já abordada na Unidade 3 da disciplina de Demandas Contemporâneas.
Há também a questão da aceitação da violência. Há comodidade em proteger-se ao invés de
combater – mas isso não diminui o medo que esse problema social causa.
É cada vez mais comum o isolamento social em condomínios residenciais, em razão do medo de
habitar casas; já as casas, ficam cada vez mais monitoradas e com muros mais altos. A sociedade
fica acuada, refém da expectativa de que pode acontecer alguma violação/violência a qualquer
momento, sendo essencial estar sempre vigilante.

92
É parte da grade de emissoras de televisão aberta programas sensacionalistas que abordam
pura e simplesmente a temática da violência. Apresentadores propositadamente exaltados narram
violências – não poucas vezes ocorridas simultaneamente à transmissão.

UNIDADE 04
LEITURA
Imagine uma sociedade com jovens praticantes da “ultraviolência”, sem limites e sádicos. Esse é o con-
texto de “Laranja Mecânica” (1962), livro do inglês Anthony Burguess, que ganhou, no ano de 1971,
adaptação para o cinema em filme dirigido por Stanley Kubrick. Tanto a partir do filme quanto a partir
do livro, é possível refletir acerca de questões afetas à violência e o modo como (não) combatê-la.

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REFLITA
A melhor maneira de combater a violência internamente é por meio da diminuição, em sentido
amplo, da desigualdade social. Oferta de emprego, incentivo à melhoria da qualidade de vida e
maiores oportunidades são aspectos-chave para o combate à violência.

No âmbito internacional, o problema permanece sendo os conflitos armados com guerras que
se estendem ao longo de anos e que levam às diásporas – tema da quarta demanda contemporâ-
nea a ser analisada no presente material.
Esses conflitos têm origem nas mais variadas diferenças entre países, sendo que sua motivação
costuma ser política ou religiosa.
Deram origem a um específico ramo do Direito, o Direito Humanitário, também denominado
Direito Internacional dos Conflitos Armados (PIOVESAN, 2019), que engloba o conjunto de leis
internacionais vigentes em territórios em condições de conflito armado. Aborda, por exemplo,
questões relativas à proteção dos civis e feridos, condutas que podem ou não ser adotadas, lo-
cais e profissionais que devem ser respeitados (exemplificativamente: todos aqueles identificados
como membros da Cruz Vermelha).
Pergunta-se: é possível alcançarmos um dia a paz absoluta?
É válido apresentarmos os conceitos de “paz negativa” e “paz positiva”, formulados pelo soci-
ólogo norueguês Johan Galtung (1930-) e apresentados em 1995. Para Galtung, a paz negativa é
pura e simplesmente a ausência de guerra, ao passo que a paz positiva envolve a promoção da
cooperação pela paz entre os Estados e a interdependência entre povos.
Outro problema relativo a conflitos armados internacionais envolve o terrorismo3 – hoje no-
tadamente praticado com finalidade religiosa. Importante destacar o conjunto de ações coorde-

3 Possíveis exemplos de atentados terroristas anteriores ao 11 de setembro e com finalidade política são as ações
promovidas pelos grupos separatistas Exército Republicano Irlandês (IRA) e Organização Pátria Basca e Liberdade (ETA).

93
nadas que estarreceu o mundo e marcou uma nova era nas relações internacionais: os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América, com conflitos armados
consequentes que perduram até hoje.

UNIDADE 04
VÍDEO
“Atentado ao Hotel Taj Mahal” (lançado no Brasil em julho de 2019), dirigido por Anthony Maras
e estrelado por Dav Patel.
O filme, baseado em fatos reais, retrata os atentados ocorridos em Mumbai, na Índia, em 26 de
novembro de 2008, com ênfase na ação realizada dentro do luxuoso Hotel Taj Mahal (que se
estendeu até a manhã do dia 29 de novembro), apesar de os atentados terem envolvido outros

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onze pontos da cidade.
Interessante notar, na história, o sentimento de união e colaboração que passa a surgir entre as
pessoas de diferentes nacionalidades, classes sociais e religiões que estão escondidas em variadas
partes do hotel para que não sejam feitas reféns pelos terroristas que por ali circulam.

2.2 MEIO AMBIENTE, RECURSOS E DESASTRES NATURAIS

Fonte: Shutterstock (2020).

Questões relacionadas ao meio ambiente, consumo e gerenciamento de seus recursos e desas-


tres naturais foram vistas ao longo de toda a disciplina de Demandas Contemporâneas. Cumpre
agora realizar síntese reflexiva integradora, além de apontar o posicionamento legal brasileiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil traz, em seu artigo 225, caput, a seguinte dis-
posição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, além das incumbências
ao Poder Público para assegurá-lo.

94
O texto prevê igualdade de acesso ao meio ambiente, bem como dever de conservação, que
deve ser feita objetivando tanto as futuras quanto as presentes gerações.
A ideia por trás de “meio ambiente ecologicamente equilibrado” engloba fauna e flora, mere-
cendo ambas a mesma atenção, com cuidados, preservação, proteção e recuperação.

UNIDADE 04
Acerca dos recursos naturais, é importante que você rememore as ideias de fontes renováveis
e não renováveis de energia, quais são as mais e as menos poluentes – que, consequentemente,
agridem menos o meio ambiente.
O fator comodidade é o que muitas vezes leva à opção pelas fontes não renováveis, cabendo ur-
gente reflexão social e de governo, que deveria adotar e incentivar a opção por energias renováveis.
Além disso, há a questão do consumo consciente. Quanto do consumo no mundo é de fato

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avaliado conscientemente antes da decisão da compra? Outro viés: quanto material de descarte é
gerado pelo consumo inconsciente?
Relativamente ao primeiro aspecto, retomamos as questões de necessidade de consumo, im-
posições sociais, sentimento de pertencimento, fetichização, obsolescência programada. Todos
esses critérios podem levar ao consumo por impulso e desencadear aumento na produção de lixo
– e aqui entramos no segundo aspecto mencionado –, assim como maior consumo de matéria-pri-
ma, visto que cada vez mais bens são produzidos para suprir as demandas sociais e de mercado
(alçados ao patamar mundial).
Para nadar contra o fluxo do consumo desenfreado e da economia por vezes desnecessária e in-
gratamente globalizada, é interessante a proposta do movimento “glocal” – aglutinação inglesa dos
termos “global” e “local” –, que consiste na inserção nessa “tribo global” ao comprar de modo de-
sacelerado e consciente, optando por produtores e empresas locais, o que incentiva o comércio e a
economia de cada localidade, além de valorizar a mão de obra do artesão ou pequeno empresário.

REFLITA
Quais substituições de compras (marcas e produtos) você poderia fazer para aderir a esse movimento
global de consumo local? Que tal pensar nessa possibilidade antes de realizar sua próxima compra?
Com toda certeza sua experiência de compra será mais humanizada e, quem sabe, fará com que você
se sinta mais parte de uma comunidade. O sentimento de pertencimento é valioso, sobretudo em
tempos de solidão atrás de telas. Compre de modo consciente e com propósito em suas escolhas!

Acerca dos desastres naturais, cabe diferenciá-los dos desastres humanos.


Desastres humanos são aqueles causados pela ação do homem. Ocorrem por culpa humana,
decorrente, por exemplo, da inobservância de regras, falhas, ganância etc. Alguns exemplos são os
vazamentos de petróleo no oceano, deslizamento de barragens, contaminações, e por aí vai.
Os desastres naturais são resultados de ações da natureza, que aconteceriam mesmo sem a atu-

95
ação do homem – mas que podem ser intensificados em razão, por exemplo, do aquecimento glo-
bal. Podemos nomear aqui os tornados, tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas, entre outros.
Esses desastres naturais resultam muitas vezes em tragédias de grandes proporções, causando,
inclusive, problemas sociais, como quando destroem casas e matam elevado número de pessoas.
Consequentemente, levam pessoas à fuga dos seus países de origem para encontrar melhores

UNIDADE 04
condições de vida (como veremos no quarto item desta análise de demandas contemporâneas,
ao tratar das migrações). Motivam também a manutenção e adoção de algumas políticas públicas.

2.3 TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA, ENVELHECIMENTO E


SUSTENTABILIDADE PREVIDENCIÁRIA

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Fonte: Shutterstock (2020).

A transição demográfica diz respeito à dinâmica do crescimento populacional e leva em conta


fatores como: taxas de natalidade e mortalidade decorrentes de avanços tecnológicos; desenvolvi-
mentos na área de saúde; planejamento familiar; urbanização; e assim por diante.
É alterada com o passar dos anos e muda a depender do objeto de análise, que pode ser uma
cidade, um estado, um país ou determinada região do globo.
A situação europeia é de longa data conhecida: população cada vez mais velha e com menor
taxa de natalidade, o que torna insustentável o sistema previdenciário. O tema ainda não foi paci-
ficado em todos os Estados, menos ainda na União Europeia.
Fato é que a previdência sustentando parte maior da população do que aquela economicamen-
te ativa já se mostrou um fracasso que leva a uma desastrosa crise financeira.
No caso brasileiro, o envelhecimento é ainda recente, mas já é, também, um fato – afinal, a
cada geração com menor taxa de natalidade e/ou alta taxa de mortalidade, menor será a popula-
ção daquele grupo, não havendo como se reverter a situação.

96
O Estado brasileiro foi por muito tempo considerado um Estado com população jovem, o que
significa dizer: um Estado com maior parte da população em idade economicamente ativa (logo,
não são crianças, nem idosos). Essa configuração populacional viabiliza o sustento de um sistema
previdenciário estatal que, inclusive, não requeira o aumento da idade mínima para aposentadoria.
Ocorre que essa já deixa de ser a situação brasileira. O país está envelhecendo e, com isso, sur-

UNIDADE 04
ge o cenário da falta de população economicamente ativa que sustente os gastos previdenciários,
pois não há recolhimento suficiente para sustentar o valor de aposentadorias que devem ser pagas
pelo Estado aos aposentados.
Entre outras questões, o planejamento familiar é um dos responsáveis pelo envelhecimento
populacional brasileiro. Mulheres (e famílias) deixam de ter numerosos filhos para ter filho único
ou sequer tê-lo. O envelhecimento populacional é mera decorrência.

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Primordial, então, discutir e reformular a política previdenciária, que está sendo debatida no
Senado. A sustentabilidade previdenciária brasileira estará ameaçada se em pouco tempo não
houver sua reformulação, que deve ser muito bem pensada.
Alguns fatores que devem ser levados em conta para a tomada de decisão no caso atinente à
sustentabilidade previdenciária são:
» Q
uantas pessoas economicamente ativas são (ou serão) necessárias para manter uma inativa
(aposentado)?
» Quais os valores recolhidos pela parcela ativa da população e quais os valores pagos aos inativos?
» Qual a idade mínima de aposentadoria e qual a expectativa de vida da população?
Relativamente ao último aspecto, é importante sua explicação: a idade mínima de aposenta-
doria deve levar em conta os outros dois aspectos, mas, adicionalmente, é preciso analisar a ex-
pectativa de vida da população, afinal, se as pessoas estão vivendo mais, por mais tempo será
necessário ao Estado pagar a aposentadoria da parcela economicamente inativa. Faz-se necessário
encontrar um ponto de equilíbrio entre idade de aposentadoria, tempo de recolhimento do ativo
e projeção de tempo de pagamento de previdência ao inativo.
A questão da sustentabilidade previdenciária é complexa e, por isso, demanda tanta cautela,
debate e análise. Ademais, uma vez alterada, dificultada sua nova reformulação.

VÍDEO

“Intocáveis”, comédia francesa de 2011, dirigida por Olivier Nakache e Éric Toledano, com Omar
Sy e François Cluzet atuando nos papéis principais. O filme pode não acrescentar muito à disci-
plina em si, mas pode fazer você refletir acerca da efemeridade da vida, da importância de saber
vivê-la e aproveitá-la apesar das dificuldades, tanto na vida adulta quanto na velhice, além das
reflexões sobre preconceito e deficiência física.

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2.4 MIGRAÇÕES E DESLOCAMENTOS FORÇADOS

UNIDADE 04
Fonte: Shutterstock (2020).

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As migrações podem ser internas ou externas, ou seja, dentro do próprio país ou entre países.
Fruto da vontade ou da necessidade. Várias são as possíveis motivações.
Não há que se falar neste momento nas classificações de migração, pois é conteúdo visto no
ensino fundamental e médio. Não abordaremos aqui questões relativas ao êxodo rural, às migra-
ções pendulares e internas (como o caso do êxodo dos nordestinos que migraram em direção ao
Sudeste, especialmente para São Paulo e sua capital).
Para este item, a temática de migrações e deslocamentos forçados será apresentada sob o viés
internacional, o mais em voga no momento.
A crise migratória mundial atual é a maior desde a ocorrida em decorrência da Segunda Guerra
Mundial. É alarmante pelos seus motivos desencadeadores e pela falta de estrutura de acolhimen-
to dos refugiados pelos demais países.
Na Europa, as ondas migratórias vêm, principalmente, da África e do Oriente Médio, ocasionan-
do verdadeira crise migratória no continente europeu, que não consegue receber o elevado núme-
ro de migrantes de maneira digna, sendo comuns os assentamentos de refugiados com condições
de extremo improviso e precariedade.
Em noticiários, a veiculação de botes lotados de refugiados tentando adentrar a Europa são
recorrentes – assim como tantas outras imagens de forte impacto. Desses botes, alguns obtêm
sucesso, outros não; estes últimos podem ter seu acesso negado pelo Estado a que se destinavam
ou, pior, acabam com um trágico destino.
A jornada da saída do país de origem ao novo país do refugiado é dolorosa não apenas física,
como emocional e mentalmente. O conflito da necessidade de abandono do lar e de toda sua vida
em direção ao incerto em um país, na maior parte das vezes, totalmente desconhecido é sofrido.
A reconstrução de uma nova vida do zero não é fácil. Normalmente os refugiados deixam seus
países de origem com pouco mais que as roupas do corpo, então acabam precisando de assistên-
cia e amparo ao se instalar em um novo país. Além disso, podem sofrer com preconceito e contar
com a dificultante barreira do idioma, que pode ser completamente desconhecido.
Já no caso brasileiro, as ondas migratórias vêm, principalmente, do Haiti e da Venezuela. Esta
em decorrência da crise política do país; aquela em razão dos desastres naturais sofridos.

98
Para os venezuelanos, a proximidade com o Brasil é um atrativo, ao passo que para aos haitianos o
que inicialmente motivou sua diáspora para cá foi a missão de paz do Exército brasileiro lá instalada,
sendo o Brasil visto por ambos como um país com perspectiva para seu crescimento próprio.
Como mencionado, o idioma pode ser uma das dificultantes do processo de inserção do mi-
grante na nova sociedade; a cultura e os costumes, muitas vezes completamente diferentes, tam-

UNIDADE 04
bém. Esse é o tema do último item representativo das demandas contemporâneas.

VÍDEO
O filme “Samba” (2014), com a mesma direção do filme “Intocáveis” anteriormente indicado,

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conta novamente com Omar Sy em um dos papéis principais. A história gira em torno do imigrante
ilegal senegalês Samba, que é preso e conhece a executiva Alice, a qual, como terapia para sua
crise de burnout, acaba se voluntariando em uma ONG de amparo a imigrantes.
É retratada a dificuldade de inserção dos imigrantes na cultura do novo país que adotam como
seu novo lar – no caso do filme, a França.

2.5 CHOQUES CULTURAIS E MULTICULTURALISMO

Fonte: Shutterstock (2020).

Ao mesmo tempo em que a globalização diminuiu distâncias e compartilhou a prática dos cos-
tumes – muitas das vezes uniformizando culturas –, os choques culturais persistem, principalmen-
te como nos mencionados casos das migrações e deslocamentos forçados.
Para o sucesso da manutenção das diferentes culturas ao redor do mundo, é primordial o res-
peito. A coexistência harmoniosa do diferente em um mesmo espaço deve ser exercida e respeita-
da, e não apenas tolerada – o ideal é que seja, inclusive, almejada.
É apenas com o novo e o compartilhamento de ideias e de diferentes pontos de vista que con-
seguimos evoluir como sociedade e civilização.
Interessante diferenciar três conceitos atinentes ao culturalismo, que pode ser inter, pluri ou multi.
O interculturalismo diz respeito à relação harmônica entre culturas diferentes, havendo recipro-
cidade e interação. É como um diálogo “de igual para igual”.

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O pluriculturalismo, por sua vez, é a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço, por
exemplo, um país, em pé de igualdade, sem que uma se sobressaia com relação às demais e seja
predominante. Pretende a manutenção da autenticidade e espaço para cada cultura.
Finalmente, o multiculturalismo se assemelha ao pluriculturalismo, com o porém de que há
uma cultura dominante. Reconhece a existência de diferentes culturas em um mesmo território,

UNIDADE 04
mas é sabido que existe uma cultura predominante em relação às demais. Um exemplo seria a
indústria cinematográfica, com a predominância do cinema hollywoodiano.
A sociedade contemporânea é cada vez mais plural. Apenas por meio do exercício do senso de
coletividade é que pode ser, de fato, vivido o culturalismo em todas as suas facetas.

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VÍDEO
O filme “A Cem Passos de um Sonho” (2014), com Helen Mirren no elenco e dirigido por Lasse
Hallström, retrata a inserção de uma família indiana em uma pequena cidade francesa, onde abre
seu restaurante típico indiano e sofre com a desleal concorrência do premiado restaurante fran-
cês localizado logo em frente.
Tendo a gastronomia como peça central da produção, fica nítido no filme o choque cultural de
costumes e de culinária.

Vista toda a disciplina e abordadas essas cinco demandas contemporâneas de maneira mais de-
talhada, é essencial repetirmos e insistirmos na relevância do título da presente Unidade: “Apenas
legislar não é garantir”. Ora, todas essas questões aqui apontadas estão mais do que legisladas,
com previsão em ordenamentos jurídicos internos e externos, mas as violações, injustiças, desi-
gualdades permanecem. É por essa razão que não basta apenas legislar; deve-se almejar o cum-
primento do documento legislativo.
Apenas por meio da aplicação da legislação é que ela fará sentido.
Não são necessárias mais leis: basta sua correta aplicação, seu cumprimento e fiscalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos nesta quarta e última Unidade o conceito de Estado e seu modo de atuar em prol da
equidade por meio de políticas públicas. Também abordamos a categoria igualdade e a questão da
mediação na sociedade e tivemos a oportunidade de analisar a sociedade contemporânea, bem
como cinco demandas contemporâneas distintas e relevantes na atualidade.
Com essas temáticas concluímos a disciplina de Demandas Contemporâneas, mas, obviamente,
não encerramos a discussão sobre as demandas atuais, nem esgotamos a análise das questões
abordadas – dada sua característica multifacetada.

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A pretensão aqui não é “sepultar” a temática ao aluno quando da conclusão do curso, mas ex-
pandir horizontes e conferir novo modo de análise dessas questões por meio da equidade.
Rememoramos, assim, o objetivo da disciplina: demonstrar a complexidade dos padrões sociais
contemporâneos pela abordagem de temas variados, visando à quebra de paradigmas por meio
de exposição crítica e reflexiva pautada pela equidade.

UNIDADE 04
Desse modo, antes de dar esse material e a disciplina por vencidos, reflita: o que você aprendeu
em Demandas Contemporâneas? Quanto do aqui exposto você levará para seu dia a dia? A quan-
tas das indicações de leituras e filmes você aderiu para aproveitar o aprendizado, maximizando-o?
Quais atitudes e maneiras de pensar e agir você já modificou? Como você aplicará a equidade e
pensará e discutirá as demandas contemporâneas daqui para frente?

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Espero que todas essas últimas reflexões lhe façam notar o quanto aprendeu e evoluiu com esta
disciplina, valorizando-a e valorizando a si mesmo, seu aprendizado, dedicação e investimento de
tempo para seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional.
Obrigada por permitir que caminhássemos juntos até aqui! Espero ter contribuído para seu
crescimento!

ANOTAÇÕES

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