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PSICOLOGIA DO

DESENVOLVIMENTO

EAD
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EAD

EDIÇÃO: SETEMBRO/2021
SUMÁRIO

UNIDADE 01 - INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM............................................................6
INTRODUÇÃO.........................................................................................7

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1. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: OBJETO, HISTÓRIA E CATEGO-
RIAS........................................................................................................7
1.1 Ciência do desenvolvimento............................................................8
1.2 Afinal, o que é e o que estuda a Psicologia?...................................10
1.3 A Psicologia do Desenvolvimento..................................................12
2. PRINCIPAIS CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA PSICOLOGIA DO DESENVOL-
VIMENTO.......................................................................................13
2.1 A teoria cognitivista de Piaget – epistemologia genética................14
2.2 A teoria histórico-cultural do desenvolvimento e o sociointeracio-
nismo............................................................................................18
2.3 As teorias psicanalíticas.................................................................22
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................26

UNIDADE 02 - DESENVOLVIMENTO HUMANO


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................28
INTRODUÇÃO.......................................................................................29
1. DESENVOLVIMENTO HUMANO NOS CICLOS DE VIDA: DA GESTAÇÃO
AO ENVELHECIMENTO...................................................................29
1.1 Gravidez – psicologia pré-natal, parto e puerpério.........................33
1.2 Nascimento do bebê: representações dos pais em relação à criança...38
1.3 Desenvolvimento na 1ª, 2ª e 3ª infâncias.......................................39
1.4 Adolescência e vida adulta............................................................44
SUMÁRIO

1.5 Senescência...................................................................................47
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................49

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UNIDADE 03 - DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E APRENDIZAGEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................51
INTRODUÇÃO.......................................................................................52
1. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA CRIANÇA...............................52
2. FUNÇÕES COGNITIVAS: ATENÇÃO, PERCEPÇÃO, MEMÓRIA E LIN-
GUAGEM.......................................................................................60
2.1 Atenção.........................................................................................61
2.2 Percepção......................................................................................62
2.3 Memória.......................................................................................64
2.4 Linguagem.....................................................................................66
3. FUNÇÕES EXECUTIVAS...................................................................67
4. PSICOMOTRICIDADE E DESENVOLVIMENTO INFANTIL....................70
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................72

UNIDADE 04 - INTER-RELAÇÃO PSICOLOGIA, FO-NOAUDIOLOGIA E


ÁREA DA SAÚDE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM..........................................................73
INTRODUÇÃO.......................................................................................74
1. ASPECTOS GERAIS SOBRE DISTÚRBIOS COGNITIVOS: DÉFICIT COGNI-
TIVO, DISLEXIA E TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM......................74
1.1 Déficit cognitivo.............................................................................75
1.2 Dislexia..........................................................................................78
SUMÁRIO

1.3 Transtorno de aprendizagem.........................................................82


2. ASPECTOS GERAIS SOBRE DISTÚRBIOS NEUROPSIQUIÁTRICOS NA IN-
FÂNCIA: TDAH, TEA E TOD..............................................................84

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2.1 TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade............84
2.2 TEA – Transtorno do Espectro Autista............................................87
2.3 TOD – Transtorno de Oposição Desafiante.....................................89
3. NOÇÕES DE PSICOLOGIA APLICADA À SAÚDE: ADOECIMENTO E AS-
PECTOS EMOCIONAIS DO PACIENTE COM DOENÇA CRÔNICA/DEFICI-
ÊNCIA............................................................................................90
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................92

REFERÊNCIAS.......................................................................................94
UNIDADE

01
INTRODUÇÃO
À PSICOLOGIA
DO DESENVOLVI-
MENTO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» Definir o que é e quais são as funções da ciência do desenvolvimento;


» Identificar os objetos da Psicologia, sua origem e influências;
» Caracterizar as definições e os objetivos da Psicologia do Desenvolvimento;
» Descrever as principais concepções teóricas da Psicologia do Desenvolvimento.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://bit.ly/3lKNrsj https://bit.ly/39mJeW7 https://bit.ly/3tWjRne


INTRODUÇÃO
Do momento da concepção ao fim da vida, os seres humanos passam por transformações radicais
em todos os aspectos possíveis de sua existência. Se compreenderemos a realidade de que a união

UNIDADE 01
de duas células pôde, com o devido cuidado do ambiente, engendrar um ser vivo dotado de caracte-
rísticas complexas, com potencialidade a um desenvolvimento infinito, podemos também apreender
que esse desenvolvimento envolverá fatores bastante variados e de importante reflexão.
Mas quais os impactos que essas transformações possuem para cada indivíduo? É possível auxi-
liar nesse processo ou devemos somente respeitar o tempo de desenvolvimento singular? Há um
conhecimento sistematizado que seja capaz de nos guiar nesses questionamentos? E, por fim, isso

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nos será útil nas nossas práticas profissionais cotidianas?
Se essas perguntas ou similares estiveram presentes no seu pensamento até aqui, saiba que
é exatamente isso que busca questionar e responder a ciência do desenvolvimento. Foi a partir
desses questionamentos que estudiosos dedicaram suas pesquisas para compreender melhor o
ser humano e oferecer explicações capazes de auxiliar em nosso processo de evolução como so-
ciedade. Um dos campos – mas não o único – que apresenta grandes contribuições para essa área
é a Psicologia do Desenvolvimento, tema desta e das próximas Unidades que estudaremos aqui.
Fundamentados na compreensão de seus fundamentos, bases teóricas e contribuições científicas,
poderemos entender melhor como se dá o desenvolvimento humano em suas especificidades
e, desse modo, orientar nossa prática e reflexão para níveis cada vez mais adequados. Para isso,
porém, necessitamos primeiro entender sobre o que estamos falamos quando utilizamos o termo
ciência do desenvolvimento, qual a contribuição da Psicologia para essa área, e, então, analisar-
mos como foi construída e no que consiste e Psicologia do Desenvolvimento.

1. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: OB-


JETO, HISTÓRIA E CATEGORIAS
A Psicologia do Desenvolvimento, como área da ciência, tem sua história bastante próxima
à história da Psicologia como um todo, posto que estudar as capacidades psicológicas de uma
pessoa implica em compreender de onde se originaram, sua progressão e seu funcionamento
próprios. Para que possamos chegar à compreensão de diversas teorias psicológicas sobre o
desenvolvimento humano, devemos estabelecer em bases seguras o que significa estudar o de-
senvolvimento, quais as contribuições da ciência para essa perspectiva e como se estabelece um
método adequado para sua investigação. Percorreremos esse caminho até o final de nosso livro
didático, mas, para iniciar, vamos entender melhor como funciona a ciência e como ela investiga
o desenvolvimento humano.

7
1.1 CIÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO
Como mencionamos, para se pensar a ciência do desenvolvimento, precisamos primeiro definir
o significado do que entendemos por ciência. A ciência, segundo Bock, Furtado e Teixeira (2018),
consiste em um conjunto de conhecimentos sobre fatos ou aspectos da realidade, o qual será

UNIDADE 01
expresso por meio de uma linguagem rigorosa, hierarquicamente sistematizada, capaz de dialogar
de maneira adequada com várias esferas e produções do saber humano. “Dessa forma, o saber
pode ser transmitido, verificado utilizado e desenvolvido” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p. 7).
Para que esse conhecimento seja produzido de maneira rigorosa e sistemática, é necessário,
portanto, que se possua um objeto bem definido para sua investigação. Afinal, a ciência precisa
ser um conhecimento sobre algo que também deve ser apreendido de maneira sistemática. Desse

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modo, podemos caracterizar a ciência como um conhecimento que possui objeto específico, lin-
guagem que dialogue com seu objeto e com demais áreas, métodos e técnicas particulares, em
um processo de investigação que possa ser construído de maneira cumulativa, pautado pela
objetividade e hierarquia de saberes.
Quando voltamos nosso olhar científico para o desenvolvimento humano, estamos dizendo que
este será o objeto de nossa investigação. Mas o que seria o desenvolvimento humano?
Para Papalia e Feldman (2013), o campo do desenvolvimento humano é caracterizado pelo estudo
científico de processos sistemáticos de mudança e estabilidade que ocorrem nas pessoas. Os cien-
tistas que se dedicam a esse campo – também chamados de desenvolvimentistas – analisam aspec-
tos centrais às transformações pelas quais as pessoas passam de sua concepção até a maturidade (e
mesmo após a maturidade) e quais características mantêm-se estáveis nesse mesmo período.
O estudo do desenvolvimento humano, assim, envolve as principais características da transfor-
mação e manutenção dos sujeitos ao longo de sua vida, apreendido no conceito que os cientistas
denominam de desenvolvimento do ciclo de vida. Isto é, o desenvolvimento hoje abarca não ape-
nas o período de maturação geral tradicional das pessoas (nascimento, infância, adolescência até a
vida adulta), mas também passa a entender o desenvolvimento humano presente no processo de
vida adulta e envelhecimento (senescência).

FIGURA 1 - DIFERENTES MOMENTOS NO DESENVOLVIMENTO DO CICLO DA VIDA

8
De maneira resumida, Bee e Boyd (2011, p. 26) definem a ciência do desenvolvimento como:
“O estudo de mudanças, relacionadas à idade, com comportamento, no pensamento, nas emo-
ções e nos relacionamentos sociais”. Observamos como a concepção de faixas etárias, estágios,
fases é fundamental para a ciência do desenvolvimento, que estudará o que caracteriza cada
fase e como identificar seus momentos de transição e dificuldades. Todavia, antes de avançar-

UNIDADE 01
mos nos principais debates situados nesse campo, é importante lembrar que a divisão do ciclo
de vida das mais diversas maneiras trata-se de uma construção social, ou seja, de algo que não
é encontrado de modo imediato na natureza ou ambiente, mas construído socialmente em cada
cultura de maneira específica.
Se os períodos do ciclo de vida são construídos socialmente em acordo com a cultura vigente
em determinada sociedade, já temos uma primeira e valiosa dica acerca do motivo que a ciência

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do desenvolvimento se encontra em constante evolução e revolução, expandindo seu conheci-
mento para novas áreas e aspectos da vida humana e revisando seus pressupostos sempre que
possível, diante do avanço da ciência e da sociedade.
Conforme a necessidade por concepções mais precisas sobre o desenvolvimento infantil e hu-
mano eram exigidas na sociedade, a ciência do desenvolvimento – por vias, métodos e teorias
diversas – colaborou para uma melhor compreensão desse processo. Conforme esse campo tor-
nou-se uma disciplina científica, seus objetivos passaram a, cada vez mais, incluir: descrição, expli-
cação, previsão e intervenção (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Papalia e Feldman exemplificam com a
aquisição da linguagem a importância dessas funções; descrevendo quando a maioria das crianças
enunciaria sua primeira palavra, seria possível explicar os mecanismos de construção da lingua-
gem, suas possibilidades e limitações para idades esperadas. Com esse conhecimento, realiza-se
uma previsão mais acurada de comportamentos futuros que dependem da progressão da lingua-
gem, identificando também possíveis problemas com a fala. Tornar-se-ia, desse modo, possível a
intervenção de maneira a auxiliar o desenvolvimento de acordo com um nível conhecido e espe-
rado, como, por exemplo, disponibilizando terapia fonoaudiológica para a criança que apresentou
dificuldades em relação à sua fala.
Para alcançar os objetivos propostos, os cientistas do desenvolvimento pesquisam no mais
amplo espectro de disciplinas conectadas ao campo do conhecimento, como a psicologia, a psi-
quiatria, a sociologia, a antropologia, a biologia, a genética, a ciência da família, a educação, a
história e a medicina.
Também em direção aos objetivos descritos, o desenvolvimento humano é dividido em três
principais domínios: desenvolvimento físico, desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento psi-
cossocial (CORTINAZ, 2018; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
O desenvolvimento físico corresponde ao crescimento do corpo e do cérebro, as capacida-
des sensoriais, as habilidades motoras e a saúde. O desenvolvimento cognitivo, por sua vez,
abarca o padrão presente nas mudanças em habilidade mentais, como aprendizagem, atenção,
memória, linguagem, pensamento, raciocínio e criatividade; isto é, aborda as funções psicológi-
cas dos indivíduos. Por fim, o desenvolvimento psicossocial refere-se a emoções, personalidade
e relações sociais presentes na vida de cada sujeito em sua singularidade. Embora sejam divi-

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didos pela didática necessária, esses domínios atuam em ampla interconexão, determinando o
desenvolvimento de maneira integral. Ao longo de nossos estudos, vamos abordar melhor suas
características e suas inter-relações.
A periodização considerada atualmente na ciência do desenvolvimento corresponde, de acordo
com Cortinaz (2018) e Papalia e Feldman (2013), a oito períodos diversos entre si – que veremos

UNIDADE 01
com mais detalhes nas próximas Unidades –, quais sejam:
» período pré-natal (da concepção ao nascimento);
» primeira infância (do nascimento aos 3 anos de idade);
» segunda infância (dos 3 aos 6 anos de idade);
» terceira infância (dos 6 aos 11 anos de idade);

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» adolescência (aproximadamente dos 11 até os 20 anos de idade);
» início da vida adulta (dos 20 aos 40 anos de idade);
» vida adulta intermediária (dos 40 aos 65 anos de idade);
» vida adulta tardia (dos 65 anos em diante).
Essa periodização, como destacamos, é uma construção social e, como tal, servirá de referên-
cia para nossos questionamentos e aprendizagens ao longo desta disciplina. No entanto, antes de
adentrarmos nos principais debates presentes na elaboração dessa divisão do desenvolvimento,
os principais fatores presentes nesse campo do conhecimento e as contribuições da Psicologia a
essa ciência, vamos entender como se constituiu historicamente a Psicologia e como ela chegou ao
desenvolvimento humano, para abordamos, enfim, a Psicologia do Desenvolvimento.

1.2 AFINAL, O QUE É E O QUE ESTUDA A PSICOLOGIA?


Em nosso cotidiano, quando somos questionados sobre a origem dos nossos sentimentos, a
razão de uma pessoa agir de certa maneira ou, mesmo, quais são os nossos interesses e traços de
personalidade, não estamos tão distantes daquilo que estuda cientificamente a Psicologia. Quan-
do fornecemos explicações acerca de nossos próprios estados ou opiniões sobre aquilo que é
“psicológico” estamos próximos do objeto da Psicologia, mas largamente afastados de seu método
e campo científico. Nesse sentido, como foi possível analisar cientificamente o que estuda a Psico-
logia e definir métodos para o avanço no conhecimento nessa área?
No sentido mais amplo, podemos pensar o objeto da Psicologia como o ser humano. Porém,
demais áreas das ciências humanas também possuem como objeto o ser humano em suas mais
diversas esferas: na Economia, na Política, na História, para citar apenas algumas entre todas as
áreas possíveis. Desse modo, é necessário olhar para aquilo que é específico da Psicologia e as
contribuições que essa área fornecerá em sua particularidade para o campo do conhecimento
humano em geral. Bock, Furtado e Teixeira (2018) definem o objeto da Psicologia como a subje-
tividade. Para os autores, a subjetividade é a síntese daquilo que é singular e individual em cada
pessoa e que é construído ao longo do desenvolvimento e experiência da vida social e cultural. A

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subjetividade, nesse sentido, consiste tanto em nossa identidade como naquilo que nos diferen-
cia enquanto sujeito únicos na sociedade, como em nossa igualdade com as outras pessoas, pois
aquilo que nos constitui é vivenciado no campo comum do que é social. Por fim, também podemos
entender esse objeto da Psicologia como “o mundo de ideias, significados e emoções construído
internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição

UNIDADE 01
biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais” (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2018, p. 10).
Ainda que seu objeto possa ser expresso de maneira mais ampla a partir do conceito de subjeti-
vidade, a Psicologia terá diferentes formas de investigar esse objeto e, dessa maneira, terá teorias
diversas sobre sua constituição e funcionamento. Abordaremos em sequência as principais teorias
que direcionarão nossa compreensão acerca do desenvolvimento humano, porém, por ora, pode-

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mos entender que teorias como a Análise do Comportamento, a Neuropsicologia, a Psicanálise e
a Histórico-Cultural possuem objetos que podem ser representados pela subjetividade, mas que
também apresentam diferenças – muitas vezes inconciliáveis – entre si.
O problema da diversidade de objetos da Psicologia constituiu-se ao longo da própria história
dessa ciência. Mesmo em seus primórdios como ciência, a Psicologia resultava da influência de
algumas tendências que moldavam a busca pelo conhecimento científico na modernidade. Schultz
e Schultz (2019) descrevem o papel que as tendências filosóficas do positivismo, do materialismo
e do empirismo tiveram para a concepção da Psicologia como ciência própria.
O positivismo é compreendido como doutrina que reconhece somente os fenômenos consi-
derados naturais ou fatos que podem ser observados. O materialismo é a doutrina filosófica que
determina que todos os fatos que ocorrem no universo são ou possuem causas necessariamente
materiais. E o empirismo, por sua vez, é definido como a busca pelo conhecimento por vias de ob-
servação da natureza e atribuição de todo conhecimento à experiência (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).
Com o médico, filósofo e psicólogo Wilhelm Wundt (1832-1920), a Psicologia torna-se uma
área própria da ciência. Mais especificamente, a história da Psicologia remonta à fundação de seu
Laboratório de Psicologia Experimental em Leipzig, na Alemanha, no ano de 1879, como marco de
fundação dessa área.
Com o objetivo de estudar a consciência, Wundt elaborou o método introspectivo. O método
desenvolvido consistia no relato pela própria pessoa analisada – após treinamento específico – so-
bre suas sensações, emoções, sentimentos, crenças, memórias, pensamentos etc., sendo objeto de
estudo e sujeito do conhecimento ao mesmo tempo. Para Wundt, esse método era essencial, pois
apenas a pessoa que passa por determinada experiência é capaz de acessá-la (CONRTINAZ, 2018).
Com base nos estudos de Wundt, a Psicologia pôde, concomitantemente, tornar-se uma ciência
própria e se desenvolver em direções mais diversas, constituindo-se sobre uma base científica. De
acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), ao definir seu objeto de estudo, delimitar seu campo em
relação a áreas como a Filosofia e a Fisiologia, formular métodos próprios de estudo e teorias como
um corpo consistente de conhecimentos na área, a Psicologia passa a se estabelecer e atrair novos
pesquisadores, podendo se aventurar em outros domínios e fundar áreas diversas para suas pesquisas.

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As linhas de pensamento e áreas de incursão da Psicologia científica vão, com o desenvol-
vimento histórico, gerando novos campos de estudo e permitindo dedicações mais específicas
aos problemas modernos selecionados e exigidos pela sociedade. Uma dessas áreas e diversas
dessas teorias terão foco no desenvolvimento humano, contribuindo para a construção da Psi-
cologia do Desenvolvimento.

UNIDADE 01
1.3 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Tendo abordado a constituição da ciência do desenvolvimento e a caracterização da Psicolo-
gia como área do conhecimento, estamos diante agora do momento de unificar essas áreas e
buscar apreender como a Psicologia contribui para a ciência do desenvolvimento e o porquê
desse objeto ser tão importante para a própria construção da Psicologia.

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De acordo com Cortinaz (2018) e Papalia e Feldman (2013), a Psicologia do Desenvolvimento
pode ser definida como o estudo e pesquisa da maneira como variáveis externas e internas
aos sujeitos determinam e acarretam mudanças em seu desenvolvimento ao longo da vida,
entendendo essas mudanças como reflexo de adaptações internas e externas a um mundo em
constante movimento e transformação. Como vimos, os objetos centrais à ciência do desenvol-
vimento humano são as características mutáveis e estáticas ao longo da transformação de cada
sujeito em sua vida.
Similares aos domínios do desenvolvimento que estudamos anteriormente, Bock, Furtado e Tei-
xeira (2018) elaboram fatores que influenciam e aspectos que expressam o desenvolvimento como
objeto de estudo para a Psicologia nessa área. Os fatores que influenciam o desenvolvimento são:
hereditariedade (genética), crescimento orgânico, maturação neurofisiológica e meio. Enquanto
os aspectos do desenvolvimento humano considerados pela Psicologia são similares aos domínios
que observamos, sendo eles: aspecto físico-motor, aspecto intelectual, aspecto afetivo-emocional
e aspecto social. Vejamos o que significam essas influências e aspectos com mais detalhes.
» Hereditariedade: Estabelece o potencial do indivíduo por meio de sua carga genética, po-
dendo esta desenvolver-se ou não, influenciando de maneiras mais ou menos efetivas os
sujeitos, de acordo com o ambiente social em que se desenvolvem.
» Crescimento Orgânico: Refere-se ao desenvolvimento físico como possibilitador de habilida-
des e capacidades que permitem mudanças nos sujeitos ao longo de sua vida. Por exemplo,
a possibilidade de uma criança deixar de engatinhar e passar a abordar o mundo por meio
de uma posição ereta.
» Maturação Neurofisiológica: É o possibilitador de certo padrão de comportamento; refere-
-se à capacidade cognitiva e neurológica desenvolvida ao longo da vida – por vias biológicas
e sociais. Por maturação, entendemos os “Padrões sequenciais de mudança governados por
instruções contidas no código genético e compartilhadas por todos os membros de uma
espécie” (BEE; BOYD, 2011, p. 478).
» Meio: Série de influências e estímulos ambientais com que o sujeito entra em contato ao
longo da vida e que permite alterações em seu comportamento.

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Os aspectos básicos do desenvolvimento, a seu modo, devem ser entendidos como uma to-
talidade – fatores que se determinam mutuamente –, porém são separados para que possamos
melhor estudá-los. São eles:
» Aspecto Físico-motor: Aborda o crescimento orgânico, a maturação neurofisiológica e a ca-
pacidade manipulatória de objetos e exercícios do próprio corpo.

UNIDADE 01
» Aspecto Intelectual: Capacidade de utilizar a função psicológica do pensamento, seu raciocínio.
» Aspecto Afetivo-Emocional: É o sentir humano, modo particular de o indivíduo integrar as
suas experiências de vida.
» Aspecto Social: Maneira com a pessoa interage e reage em situações que envolvem outras pessoas.
Tanto para o desenvolvimento humano “esperado” quanto para os problemas de desenvolvimen-

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to que podemos observar ou experienciar, os aspectos e influências destacadas atuam de maneira
conjunta, sendo impossível encontrar alguma situação em que apenas uma parte do desenvolvimen-
to está envolvida, sem ter determinação ou influência de outros aspectos ou fatores. Na constante
interação entre esses fatores, estabeleceu-se um sério debate acerca da dualidade entre a determi-
nação e autonomia do desenvolvimento, sua continuidade e descontinuidade e os limites de sua
própria influência. Como veremos nas teorias psicológicas a seguir, cada investigação levou a uma
concepção própria da ação desses fatores e sua hierarquia na determinação do desenvolvimento.
Ou seja, precisamos verificar quais são os principais fatores que são ressaltados por cada concepção
teórica para entender como esta explica a sequência de etapas no ciclo de vida de uma pessoa.

2. PRINCIPAIS CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA


PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Para que a Psicologia do Desenvolvimento pudesse avançar de modo a elaborar os conhecimen-
tos anteriormente analisados, foi necessário que, além da capacidade de identificar e descrever as
características centrais de determinados estágios do desenvolvimento, a Psicologia pudesse explicar os
reflexos, as causas e potencialidades desses períodos ao desenvolvimento psicológico de cada pessoa.

SAIBA MAIS

Desde o marco de sua fundação, em 1879, com Wundt, a Psicologia se desenvolveu como ciência
por vários caminhos diversos entre si, gerando concepções teóricas bastante diferentes. Se con-
tarmos apenas a rica introdução fornecida por Bock, Furtado e Teixeira (2018), podemos verificar
a presença das seguintes linhas teóricas dentro da Psicologia: Funcionalismo, Associacionismo,
Estruturalismo, Psicanálise, Behaviorismo, Psicologia Sócio-Histórica, Psicologia Analítica, Análise
do Caráter, Fenomenologia, Dasein análise, Gestalt terapia, Psicodrama. Para os autores, as três
grandes matrizes teóricas que originaram os possíveis campos dentro da Psicologia são a Psicaná-
lise, o Behaviorismo e a Gestalt. Também podemos citar como linhas teóricas a Neuropsicologia,
a Teoria Cognitiva-Comportamental, a Psicologia Positiva, a Psicologia Social, entre várias outras.
Conforme mencionado, as linhas teóricas presentes na Psicologia apresentam uma grande va-
riedade e crescem constantemente, e o mesmo pode ser dito para suas concepções de desen-
volvimento. Desse modo, focaremos, aqui, nas principais linhas teóricas que, por seu impacto no
campo ou influência no progresso de demais estudos, tiveram papel decisivo na descrição das
características estáveis e mutáveis dos estágios do desenvolvimento humano em seu ciclo de vida.

UNIDADE 01
Estudaremos os principais representantes das teorias: cognitivista (Teoria de Piaget); sociointera-
cionista (Teoria Histórico-Cultural de Vigotski); e psicanalíticas (teorias de Freud e Winnicott). Com
base, centralmente, nas categorias teóricas desses autores, a Psicologia pôde auxiliar a ciência do
desenvolvimento e se alicerçar em terreno sólido para lançar mão de contribuições cada vez mais
avançadas sobre o crescimento e o desenvolvimento humano. Ao longo de nosso livro didático,
porém, outras concepções teóricas da Psicologia serão mencionadas ou utilizadas sempre que nos

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auxiliarem a compreender melhor o fenômeno do desenvolvimento humano.

2.1 A TEORIA COGNITIVISTA DE PIAGET – EPISTEMOLOGIA


GENÉTICA
Jean Piaget (1896-1980) originalmente graduou-se como biólogo, tendo sido atraído pela Psi-
cologia com o desenvolvimento de seu interesse pela construção do conhecimento. Segundo Cor-
tinaz (2018), suas pesquisas de bases experimentais objetivavam compreender a gênese (origem)
e a evolução do conhecimento humano, com foco na identificação de quais mecanismos eram
utilizados pela criança para conhecer o mundo.
Vemos, portanto, que o reconhecimento de sua teoria como cognitivista advém do fato de sua
preocupação com as formas de conhecer o mundo e o impacto desse processo no desenvolvimen-
to humano. Mas o que significa uma teoria cognitivista?

FIGURA 2 - BUSTO DE JEAN PIAGET EM GENEVA, SUÍÇA

14
Uma teoria cognitivista refere-se ao estudo do processo de compreensão, transformação, ar-
mazenamento e utilização de informações no plano da cognição e seu desenvolvimento. Cognição
apreendida, nesse sentido, como significação do mundo, como atribuição de significados aos ob-
jetos e relações com que a pessoa entrará em contato ao longo da vida, tendo em vista que esse
processo se elabora constantemente, pois não há significados que não sejam atualizados a cada

UNIDADE 01
nova experiência com seu referencial (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).
Piaget (1976) objetivava descrever e interpretar os mecanismos construídos pelas crianças para
a construção de seu conhecimento sobre o mundo para, assim, poder verificar as características
presentes em fases diversas da vida de cada pessoa. Um ponto central de seu pensamento que
legou importante marca à Psicologia do Desenvolvimento é o entendimento de que a criança é
participante ativa na construção de seu conhecimento e entendimento sobre o mundo. Isto é,

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reconhecendo a importância do meio e do desenvolvimento biológico, Piaget acredita que não há
um determinismo no desenvolvimento, mas, sim, um processo ativo de construção da cognição
pela criança em seu ambiente.
Segundo Bee e Boyd (2011), um conceito piagetiano essencial é o esquema. Para Piaget, esque-
ma não se referia somente a um agrupamento ou complexo de ideias; consistia, na verdade, em
uma ação (mental ou física) de experienciar e categorizar as percepções adquiridas. Esquema,
nesse sentido, corresponde ao grupo de conhecimentos sobre as ações que a criança realiza ao
longo da vida. Esse conceito poderá ser utilizado nas tarefas mais complexas às mais simples, por
exemplo, como o esquema de compreender uma obra de arte ao esquema de pegar um objeto e
segurá-lo nas mãos.
Por via dessa compreensão teórica do conceito de esquema, Piaget propôs que o bebê inicia
sua vida com um repertório simples de esquemas sensoriais e motores simples, e, ao longo da
vida, adquire novos esquemas mais complexos que requalificariam seu repertório e seu desen-
volvimento. A partir da organização – outro conceito-chave na teoria piagetiana –, a criança irá
deduzir esquemas generalizáveis de experiências específicas (BEE; BOYD, 2011). Como exemplo,
podemos pensar na criança que tenta brincar com animais de estimação da mesma maneira que
brinca com seus animais de pelúcia. Nesse caso, vemos que os animais de estimação são enqua-
drados inicialmente dentro do esquema de repertório dos animais de pelúcia, porém, como dife-
rem em inúmeros aspectos, provavelmente esse esquema terá de ser alterado para lidar melhor
com a nova situação presente no ambiente.
Quando os esquemas que possuímos revelam-se insuficientes para lidar com a situação em
que estamos em nosso ambiente – como no exemplo dos animais de estimação citado –, Piaget
postulou que utilizamos um processo complementar à organização. Esse processo, que balizará os
níveis de desenvolvimento, é a adaptação.
Adaptação é o nome do processo pelo qual alteramos os esquemas mentais elaborados an-
teriormente, quando estes não se ajustam adequadamente às condições exigidas pelo nosso
ambiente. Essa alteração se dá por meio de três subprocessos elementares:

15
» Assimilação – A assimilação é responsável pela adição de novos eventos e informações a um
esquema já existente. Utilizando nosso exemplo, poderíamos pensar na criança aprendendo a
brincar com um animal de pelúcia novo e ampliando os modos que esse esquema pode ocorrer.
» Acomodação – A alteração de esquemas já estabelecidos ou criação de novos para contem-
plar novas informações e situações experienciadas pelas pessoas. Pode ser compreendida

UNIDADE 01
como uma transformação. A criança, ao se deparar com a diferença de reações dos animais
de estimação diante de suas ações destinadas comumente aos animais de pelúcia, poderá
alterar seu esquema para agir diferentemente com cada tipo de situação ou criar um esque-
ma novo que aborde um repertório adequado a situações que envolvam animais de verdade.
» Equilibração – Responsável pelo equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Consiste
em uma reestruturação periódica e necessária dos esquemas disponíveis para abarcar as

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transformações conquistadas por meio do processo de conhecimento. Seu processo pode
ser responsável pelo descarte total de esquemas e construção de outros similares ou pela
mudança de alguns pressupostos básicos que constroem os esquemas elaborados.
De acordo com Bee e Boyd (2011), há três pontos principais de equilibração ou reorganização
da vida infantil que gerarão os quatro estágios do desenvolvimento descritos por Piaget, marcados
principalmente pela mudança no tipo de esquemas utilizados pelas crianças nesses períodos.
Como dissemos, para Piaget, a criança nasce com alguns esquemas básicos que irão guiar sua
interação com o mundo e se alterar ao longo desse processo de interação. Em razão de seus esque-
mas estarem profundamente ligados ao seu corpo e exploração sensorial que a criança desenvolve
nos primeiros 24 meses de vida, ao primeiro período de desenvolvimento humano Piaget deu o
nome de Estágio Sensório-Motor. Esse estágio compreende o desenvolvimento do nascimento
aos 2 anos de idade, aproximadamente. Lembrando que, por conta da própria importância no de-
senvolvimento ativo do conhecimento nessa teoria, os marcos de idade e transição são elaborados
como guias e não como normas fixas.
No Estágio Sensório-Motor (0 a 2 anos), ainda não há a utilização de símbolos e linguagem
para a mediação dos esquemas da criança. Mesmo seus comportamentos similares à fala e símbo-
los estão mais relacionados à imitação do comportamento adulto do que a um desenvolvimento
de repertório próprio. Nessa fase, a criança se desenvolverá de acordo com a exploração cada vez
maior e aquisição de experiências a partir das consequências e reflexos de seus comportamentos.
Um dos principais aspectos desse período é a progressiva diferenciação experienciada pela
criança do seu eu e do mundo exterior, processo em que também iniciará a definição de seus ob-
jetos favoritos e seus interesses. Em síntese, nesse estágio, o desenvolvimento de esquemas por
meio de aparelho reflexo, de fundo hereditário, permite a coordenação e interação progressiva
com o mundo ao redor, criando novas habilidades complexas. Isto é, há um processo ativo de
conhecimento do mundo e assimilação e acomodação a partir das experiências registradas com as
interações com objetos e pessoas.
No intervalo entre 18 e 24 meses, a criança vivencia o desenvolvimento do uso de símbolos para re-
presentar objetos, pessoas, eventos, entre outros. Com base nessa representação, sua forma de utilizar
seus esquemas se alterará radicalmente, num período que Piaget nomeou de Estágio Pré-Operatório.

16
O Estágio Pré-Operatório (entre 2 a 7 anos) é marcado pelo surgimento e desenvolvimento
dos esquemas envolvendo símbolos e a linguagem. Junto de sua maturação neurofisiológica que
permite movimentos coordenados mais precisos, a criança passa a depender menos dos objetos
imediatos ao seu redor e elaborar seu pensamento a partir de si mesma. Nesse período, observa-
-se o egocentrismo da criança, que é sua “incapacidade de entender pontos de vista diferentes do

UNIDADE 01
seu, de se colocar no lugar do outro” (CORTINAZ, 2018, p. 44). Isso se dá em razão da incipiência
de seu pensamento simbólico que, após o período inicial de vida, ainda não consegue manter uma
objetividade em seus esquemas, tomando todas as relações e objetos a partir do seu eu.
Marcado pela centração – pensamento de uma variável a cada momento (BEE; BOYD, 2018) –,
o processo de desenvolvimento nessa fase estará relacionado com a capacidade de adaptar seus
esquemas e sair cada vez mais da aparência dos objetos e do egocentrismo de seu pensamento

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em direção a um ponto de vista mais operativo e abstrato, em relação às pessoas e objetos. Com
a busca pela razão causal e a possibilidade de compreender pontos de vista que não a envolvam,
a criança passará cada vez mais a trabalhar com o raciocínio lógico em relação a objetos concretos
na realidade e com operações, que são esquemas complexos, abstratos e internos (BEE; BOYD,
2018). Para esse novo período, Piaget deu o nome de Estágio das Operações Concretas.
No Estágio das Operações Concretas (entre 7 a 11 ou 12 anos), notamos, portanto, meca-
nismo de raciocínio que buscarão apreender a realidade de maneira mais lógica. A grande marca
desse período é o fato de que mesmo as reflexões mais abstratas da criança ainda estão ligadas às
suas experiências, passadas ou presentes. Isto é, a criança já é capaz de pensar fora de seu ponto
de vista, mas este ainda corresponde a referenciais experenciados por ela ao longo da vida. Segun-
do Bock, Furtado e Teixeira (2018), nesse nível de pensamento, a criança é capaz de: sequenciar
ideias ou eventos; estabelecer corretamente relações de causa e efeito ou meio e fim; trabalhar
com ideias sob dois pontos de vista simultaneamente (ao contrário da centração que observamos
no estágio anterior) e formar o conceito de número.
Ou seja, de acordo com Bee e Boyd (2011), Piaget afirmava que as crianças nesse estágio apre-
sentam a capacidade de reversibilidade (habilidade ou entendimento da possibilidade de ações
físicas ou mentais serem revertidas), inclusão de classe (entender como objetos e símbolos po-
dem estar contidos em grupos maiores) e lógica indutiva (raciocinar de sua experiência para um
princípio geral). Para além do aspecto individual, desenvolve autonomia própria e passa a dar mais
ênfase aos grupos afetivos construídos em atividades cotidianas, tendo o grupo de amigos e suas
regras centralidade em sua vida.
Por fim, no período que corresponde à adolescência, é possível observar o desenvolvimento no
raciocínio lógico da criança, sistematizando-se de maneira ainda mais abstrata e dedutiva, sendo
capaz de afastar-se completamente de suas experiências ou pontos de vista, caso necessário. É a
fase em que a criança é capaz de agir com operações formais.
No Estágio das Operações Formais (11 ou 12 anos até o fim da vida adulta), a criança é capaz
de pensar de maneira mais hierarquizada e sistemática sobre o mundo, desenvolvendo o racio-
cínio hipotético-dedutivo, que consiste na utilização da lógica para deduzir teorias e abstrações
livre de experiências próprias que eram uma necessidade para si até então. Esse processo de

17
maior abstração e criação de teorias sobre si e o mundo pode também chocar-se constantemente
com seus interesses e visões próprias, fazendo com que o indivíduo passe a criar amplas teorias
sobre o funcionamento da realidade que abarquem suas vontades próprias e aquilo que é neces-
sário mudar no mundo para que se realize. Sob o nome de idealismo ingênuo (BEE; BOYD, 2011),
entendemos o fenômeno observado majoritariamente no início desse período, em adolescentes

UNIDADE 01
com um afastamento da realidade em nome de um mundo mais agradável criado no pensamento.
Em resumo, podemos observar que a teoria do desenvolvimento de Piaget busca demonstrar
a importância do processo ativo de cognição e apreensão do mundo por parte da criança. Seus
estágios aqui descritos mostram não uma simples cronologia de etapas, mas sim mudanças quali-
tativas no pensamento infantil que são construídas continuamente ao longo do desenvolvimento,
sem rupturas ou mudanças radicais. Como observaremos ao entender melhor a teoria históri-

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co-cultural do desenvolvimento, o pensamento de Piaget, embora ressaltasse a importância da
experiência na construção do conhecimento, estava mais focado na construção da cognição e do
conhecimento e, por isso, ele não se dedicou tanto às interações sociais e seu papel no desenvol-
vimento humano. Um cientista que, debatendo com as ideias piagetianas, buscou dar essa ênfase
ao aspecto social foi Lev Vigotski.

2.2 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DO DESENVOLVIMENTO E


O SOCIOINTERACIONISMO
O principal nome lembrado quando falamos de sociointeracionismo e de teoria histórico-cul-
tural é Lev Semyonovitch Vigotski (1896-1934). O autor bielorrusso teve um curto período de vida
(morreu com 37 anos, vítima de tuberculose) e uma vasta bibliografia, produzida com foco no
desenvolvimento e aprendizagem humana. Suas contribuições perpassam diversas áreas da Psi-
cologia e do conhecimento humano, notadamente: Psicologia Histórico-Cultural (vertente de base
vigotskiana na Psicologia), Pedagogia, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Educação, Psi-
cologia Clínica, Psicologia da Arte, entre outras.

FIGURA 3 - O CIENTISTA LEV VIGOTSKI

Fonte: Nova Escola (2021).

18
Vigotski produziu sua obra enquanto pesquisava os processos de desenvolvimento humano,
voltado principalmente à educação, com foco na contribuição da ciência ao momento em que vivia
no seu contexto histórico, na construção da União das República Socialistas Soviéticas (URSS). Por
esse motivo, seu pensamento, enraizado no marxismo, voltou-se a entender o papel das relações
sociais para o psiquismo e o desenvolvimento. Vamos analisar as principais categorias teóricas

UNIDADE 01
desse autor e como se encaixam em sua proposição de desenvolvimento.
Vigotski criou experimentos e teorizou sobre como as funções psicológicas de uma pessoa atua-
vam e adquiriam complexidade a partir das relações sociais em que a criança estava envolvida. Em
especial, Vigotski percebeu que umas das chaves essenciais para entender esse processo é a cultura.
Vygotski (1991, 2004) afirmou que os humanos possuíam funções psicológicas com as quais
nasciam e das quais obtinham seu repertório psicológico mais básico, de modo mais imediato, sem

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que pudessem controlar tanto sua funcionalidade e seu objetivo. Essas funções são as funções
psicológicas elementares.
Funções como a memória, atenção, sensação, percepção, imaginação, pensamento e consci-
ência são, de modo geral, encontradas como um aparato biológico inato aos humanos. Todavia,
seu funcionamento está condicionado somente por essa base natural e obedecendo a princípios
de estímulo e resposta. Não há, desse modo, a mediação e o autocontrole daquilo que experien-
ciamos quando nascemos, pois não possuímos um desenvolvimento próprio capaz de atuar como
mediação nessas funções psicológicas.
Ao sermos inseridos nas relações sociais, das mais básicas às mais complexas – da família às pes-
soas ao nosso entorno –, apreendemos o processo social que determina nossa cultura e adquirimos
mediações simbólicas para o funcionamento de nossas funções psicológicas. Ou seja, Vigotski afirma
que o psiquismo possui base biológica, mas a supera e a determina a partir do fator social.

As funções psicológicas que se desenvolvem mediadas


pela linguagem e a cultura Vigotski denominou de funções VÍDEO
psicológicas superiores. O desenvolvimento dessas funções
se dará como um todo complexo, sem que uma função esteja
totalmente separada das demais. O que o autor observou, O vídeo “Funções Psico-
lógicas Superiores”, do
portanto, foi que o comportamento humano não apresen-
professor Ricardo Eleu-
tava um desenvolvimento maturacional, mas, sim, especial- terio, apresenta uma
mente por meio da linguagem, passava por uma apropriação breve explicação sobre
das formas culturais de comportamento. Por esse motivo, a como ocorre o processo
aprendizagem foi uma das principais áreas de dedicação do de mediação cultural no
psiquismo e o desen-
autor e onde é utilizada até os dias de hoje. O desenvolvimen- volvimento das funções
to em Vigotski refere-se às atividades e mediações utilizadas psicológicas superiores
pela criança – e pelos adultos – para uma crescente apropria- por meio dessa relação.
ção do universo de significados e relações sociais presentes Disponível em: https://
bit.ly/3insGlV. Acesso
na cultura em determinado período histórico. Existe, pois,
em: 26 abr. 2021.
uma diferença qualitativa entre as funções psicológicas ele-
mentares e as funções psicológicas superiores.

19
Um conceito elementar elaborado por Vigotski para explicitar o processo de desenvolvimento e
aprendizagem foi a ZDP (Zona de Desenvolvimento Potencial ou Proximal). Para o autor, devemos
compreender e avaliar as habilidades infantis de acordo com aquilo que a criança não é capaz de fazer
sozinha, porém consegue realizar quando tem à sua disposição mediações instrumentais (calculadora,
formas geométricas, material didático), simbólicas (palavras específicas) e sociais (outras crianças e

UNIDADE 01
adultos para auxiliar), pois é com base nessas mediações que a criança operaria com seu nível potencial
de ação e conhecimento. Isto é, no desenvolvimento, há uma zona de desenvolvimento real (aquilo
que a criança é capaz de realizar por si mesma) e uma zona de desenvolvimento proximal (aquilo que
a criança consegue realizar somente com auxílio de orientações adequadas). O intervalo entre essas
habilidades estaria no foco, portanto, da aprendizagem e seu direcionamento.
Vigotski e seus colaboradores notaram que o desenvolvimento infantil era demarcado por pe-

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ríodos de maior estabilidade intermediados por períodos críticos de transição. Nos períodos de
estabilidade notaram-se atividades principais que direcionavam o desenvolvimento por exigirem
um arranjo de funções psicológicas específicas à criança naquela etapa, dada sua situação social
de desenvolvimento (FACCI, 2004). Essas atividades não excluíam a existência de outras funda-
mentais nesses períodos, porém apresentavam maior preponderância por conta das exigências
que realizam à criança. Com base em Facci (2004) e Rios e Rossler (2017), podemos vislumbrar o
desenvolvimento para a Psicologia Histórico-Cultural conforme exposto.
No primeiro ano de vida (0 a 1 ano), observou-se uma centralidade na atividade de comuni-
cação emocional direta do bebê com aqueles que estavam em seu entorno. Há, nesse período,
uma relação de profunda dependência da criança com seus cuidadores, vivendo a contradição de
máxima sociabilidade e mínimas condições de comunicação. A atividade da comunicação emocio-
nal direta irá, desse modo, coordenar o direcionamento da atenção, emoção, sensação e, mesmo,
dos primórdios da linguagem por meio da imitação.
Após superar o período o crítico ao fim de seu primeiro ano, a criança adentra na primeira infância
(1 a 3 anos), tendo na atividade objetal manipulatória a sua principal ação de desenvolvimento nesse
período. As crianças concentram-se a se apropriar dos modos socialmente adequados de interação e
utilização de signos e instrumentos, aprendendo as funções dos objetos e suas funcionalidades. Há um
encadeamento lógico mais estável em seu psiquismo. Com a progressão do desenvolvimento, formas
diferentes de uso e representação de um objeto vão se elaborando e permitindo um processo imagina-
tivo maior, o que permitirá o desenvolvimento da atividade principal do próximo período.
Na idade pré-escolar (3 a 7 anos), as crianças almejam atuar como adultos, porém, desprovidas
das possibilidades concretas e psicológicas para esse objetivo, encontram na brincadeira e jogos
de papéis a solução para suas necessidades. Por meio dessas atividades, as crianças são capazes
de exercitar e apreender com maior qualidade as relações sociais que observam ao seu entorno
e desenvolver suas próprias concepções sobre os objetos e significados sociais presentes em sua
cultura. Brincar, desse modo, permite o desenvolvimento da imaginação, do pensamento e da
memória, por ser uma atividade que exige essas funções psicológicas para sua execução. Com a
progressão desse período, os papéis sociais emulados na brincadeira passam a criar na criança
uma necessidade de reconhecimento social por um papel próprio para si e a atividade de estudo
na próxima etapa irá auxiliar nesse reconhecimento.

20
Na idade escolar primária (dos 7 aos 11 ou 12 anos), há um desenvolvimento afetivo e cogni-
tivo significativo por meio da atividade de estudo. A criança, inserida no ambiente escolar, passa a
ter sua atividade socialmente reconhecida, o que a impulsiona, por sua vez, a se apropriar dos con-
teúdos escolares que permitem maior reflexão, mediação de símbolos e a utilização de operações
mentais (comparação, diferenciação e generalização de objetos). Ao mesmo tempo, a inserção no

UNIDADE 01
ambiente escolar irá denotar para a criança a importância de suas próprias relações sociais, por
meio de colegas, com quem tende a formar grupos e estreitar progressivamente seus laços afeti-
vos, gerando as condições para a atividade principal e seu próximo período de desenvolvimento.
Com a adolescência, no período da idade escolar média (11 ou 12 anos aos 15 anos), obser-
va-se que o alargamento das capacidades cognitivas e a centralidade das relações sociais levam a
atividade da comunicação íntima e pessoal a direcionar o desenvolvimento. Por meio dessa ativi-

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dade, os adolescentes formam pontos de vista e concepções acerca do mundo e de seus próprios
interesses. Partilhando opiniões e interesses de maneira próxima com outras pessoas, a estrutura
de hierarquias e motivações próprias irá se revelando e estabelecendo. Aliado a esse processo, o
desenvolvimento permitirá cada vez mais a utilização de conceitos para mediação do pensamento,
auxiliando no processo de abstração e generalização sobre o mundo e suas teorias.
Por fim, na idade escolar juvenil (15 aos 17 ou anos), verificamos que os adolescentes têm e
recebem como exigência a utilização de suas potencialidades no mundo adulto, tendo na ativida-
de profissional de estudo sua principal guia para o desenvolvimento nesse período. Os conheci-
mentos adquiridos e a intervenção cada vez mais ativa na vida social permitem que o adolescente
passe a compreender sua localização na sociedade e deseje estar mais ativo no processo de sua
construção. Assim, o estudo para a profissionalização e busca de uma direção para si próprio irão
demarcar o processo de entrada no mundo do trabalho e no mundo adulto.
Como em Piaget, as etapas de desenvolvimento em Vigotski não são classificadas como uma linha
cronológica fixa que a criança deverá seguir para que alcance um “desenvolvimento efetivo”. Ao contrá-
rio, mesmo contra argumentos piagetianos, Vigotski insiste na necessidade de se pensar nas mediações
e nas relações presentes na vida da criança para possibilitar seu desenvolvimento. Diz o autor:

A INTERNALIZAÇÃO DE FORMAS CULTURAIS DE COMPORTAMENTO ENVOLVE


A RECONSTRUÇÃO DA ATIVIDADE PSICOLÓGICA TENDO COMO BASE AS OPE-
RAÇÕES COM SIGNOS. OS PROCESSOS PSICOLÓGICOS, TAL COMO APARECEM
NOS ANIMAIS, REALMENTE DEIXAM DE EXISTIR; SÃO INCORPORADOS NESSE
SISTEMA DE COMPORTAMENTO E SÃO CULTURALMENTE RECONSTITUÍDOS E
DESENVOLVIDOS PARA FORMAR UMA NOVA ENTIDADE PSICOLÓGICA. [...]

A INTERNALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES SOCIALMENTE ENRAIZADAS E HISTORI-


CAMENTE DESENVOLVIDAS CONSTITUI A ASPECTO CARACTERÍSTICO DA PSI-
COLOGIA HUMANA; É A BASE DO SALTO QUALITATIVO DA PSICOLOGIA ANIMAL
PARA A PSICOLOGIA HUMANA. ATÉ AGORA, CONHECE-SE APENAS UM ESBOÇO
DESSE PROCESSO.
- (VYGOTSKI, 1991, p. 41)

21
Tendo compreendido as teorias do desenvolvimento cognitivista e sociointeracionista de Jean Piaget
e Lev Vigotski, respectivamente, podemos abordar teorias que observam o desenvolvimento por um
ponto de vista mais subjetivo e relacionado à família – as teorias psicanalíticas de Freud e Winnicott.

2.3 AS TEORIAS PSICANALÍTICAS

UNIDADE 01
No fim do século XIX, um médico psiquiatra de Viena dedicava-se a investigar a gênese de pro-
blemas neuróticos, que não demonstravam sinais de qualquer origem física ou metabólica no corpo,
todavia causavam impactos de maneira severa no próprio corpo. Com o avanço de seus estudos e
práticas clínicas, esse médico anunciou que a razão de não ser possível localizar a origem dos pro-
blemas de seus pacientes devia-se ao fato de que sua gênese tinha origem psicológica e, mesmo as-

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sim, localizava-se em um local que a própria pessoa não poderia acessar livremente. Esse psiquiatra
chamava-se Sigmund Freud (1856-1939) e sua descoberta era de uma instância psicológica chamada
inconsciente, fundando nesse processo o que hoje conhecemos como Psicanálise.
Freud (2001), por meio das falas de suas pacientes, chegou à conclusão de que o inconsciente
era formado por um conjunto de conteúdos que não eram acessíveis de maneira intencional à
consciência, tendo conteúdos que outrora foram conscientes e foram reprimidos ou originados
já no próprio consciente. Para Freud, existia no psiquismo humano uma força chamada resistên-
cia, que se opunha à conscientização de determinado pensamento pela pessoa, e a repressão, que
objetiva encobrir, remover da consciência uma ideia ou representação que fosse insuportável para
o psiquismo. Por meio da prática psicanalítica seria possível o acesso a esses conteúdos reprimidos
e a compreensão da gênese dos aspectos da personalidade saudáveis e prejudiciais à pessoa.
Apesar de uma rica história de construção própria, foi entre os anos de 1920 e 1923 que Freud
formulou sua definição mais elaborada de organização do psiquismo, com as instâncias do id, ego
e superego (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

O id seria a porção inata e primitiva da personalida-


de, onde se encontraria depositada a energia psíquica SAIBA MAIS
dos indivíduos, que, como veremos, é energia sexual.
Essa instância seria regida pelo princípio do prazer e O Complexo de Édipo é um
localidade das pulsões, que demandam resolução en- momento do desenvolvimento
quanto tensões. É a partir do id que se desenvolvem o psíquico teorizado por Freud com
base na obra de teatro grega Édipo
ego e, posteriormente, o superego. O id corresponde Rei, escrita por Sófocles aproxima-
à reformulação freudiana de inconsciente, ainda que damente em 427 a.C. Considerada
mantenha suas características elementares citadas. por Aristóteles como perfeito
exemplo de tragédia grega, a obra
O ego, por sua vez, é o sistema que estabelece o ilustrava em sua trama a inevitabi-
equilíbrio entre o funcionamento psíquico e a própria lidade do destino e serviu de base
realidade. Regido pelo princípio da realidade, possui para Freud exemplificar a força de
determinação desse complexo na
as funções psicológicas básicas como: linguagem,
formação da vida psíquica.
pensamento, memória, sentimentos e percepção.

22
E o superego, originado a partir do Complexo de Édipo, consiste na internalização das proibições,
dos limites e autoridades estabelecidos ao longo da vida, “controlando” o próprio ego da pessoa.
A energia depositária do id é a libido, energia sexual que está presente desde o início até o fi-
nal do ciclo de vida das pessoas e que irá influenciar a motivação e a ligação delas com os objetos
e com sua realidade. A energia psíquica, desse modo, é originária da energia sexual presente no

UNIDADE 01
desenvolvimento da personalidade dos sujeitos.
Por esse motivo, quando falamos do desenvolvimento para Freud e para a Psicanálise, estamos
falando do desenvolvimento psicossexual do indivíduo, cujas fases estarão relacionadas com a
organização da libido e seus reflexos na estrutura do psiquismo, como veremos a seguir, com base
em Bee e Boyd (2011) e Bock, Furtado e Teixeira (2018).

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Do nascimento ao final do primeiro ano, a criança possui em sua boca, lábios e língua as fontes
centrais de prazer e de sobrevivência, apresentando um apego mais precoce com a pessoa que for-
necerá o prazer e sustento por via oral, geralmente centrado na figura da mãe, caracterizando a fase
oral. Se a quantidade adequada de estimulação não estiver disponível nessa etapa, a energia libidinal
permanecerá fixada ao modo oral de gratificação, acarretando consequências à pessoa no futuro.
Na faixa etária entre 1 e 3 anos, a criança vivenciará o que Freud chamou de fase anal. Nesse
estágio, à medida que o corpo amadurece, o bebê terá uma centralidade de sua energia na re-
gião anal, correspondente principalmente ao treino de utilizar a toalete da maneira correta e a
aprovação dos pais advinda desse uso aprendido. Esses motivos são capazes de deslocar a região
fundamental ao desenvolvimento da boca ao ânus, denotando um processo mais ativo em relação
a seu desenvolvimento e suas capacidades corporais.
O próximo estágio é de bastante relevância para o desenvolvimento, de acordo com a teoria
psicanalítica. Entre 3 e 5 anos, a criança experienciará o estágio fálico. Com a maior sensibilidade
presente nos órgãos genitais, há uma mudança no órgão central de sensibilidade na organização
psíquica e uma necessidade ingênua de utilização dessa nova fonte de prazer descoberta. Ou seja,
especialmente nessa etapa, explicita-se como, para a Psicanálise, a teoria do desenvolvimento da
personalidade está bastante relacionada com a maturação biológica dos indivíduos.
Por conta da própria ingenuidade dessa fonte de prazer, as crianças vivem inconscientemente
uma ligação de seus desejos às figuras dos pais. Para Freud, portanto, meninos teriam o desejo em
relação à figura materna e meninas em relação à figura paterna. A impossibilidade da realização
desse desejo se daria por conta do pai – para os meninos – e da mãe – para as meninas. Freud
descreveu como os meninos experenciavam um processo que denominou de Complexo de Édipo,
no qual a vivência dessa impossibilidade era sentida como uma castração por parte do pai, com
sequencial identificação com a figura paterna, de modo a evitar o antagonismo com essa figura
e a tentativa de aquisição de um pouco de seu poder. De maneira própria, mas similar, o oposto
ocorreria com as meninas e a figura materna.
Após vivenciar a intensidade da resolução desse conflito inconsciente, há um estágio de latên-
cia para o desenvolvimento infantil que ocorre na faixa etária de 5 a 12 anos. Não há uma área
do corpo sensível específica nesse momento, nem um conflito mais generalizado que caracterize

23
esse momento. Para Freud, era possível observar apenas que a resolução do conflito edípico com
a identificação com o pai de mesmo gênero tende a se estender a todas as figuras desse gênero,
sejam adultos ou demais crianças.
Dos 12 anos aos 18 anos e idade adulta, a experiência da puberdade demarcará novamente
uma centralidade nos órgãos genitais como principal área sensível. Entretanto, nesse momento, o

UNIDADE 01
adolescente experiencia intimidades sexuais de maneira mais madura, tendo seus objetos sexuais
ligados a pessoas do sexo oposto. O desenvolvimento das demais fases desse processo poderá
mostrar consequências já nesse período, sendo possível identificar nas formas de ligação da ener-
gia sexual a seus objetos como reflexo já do desenvolvimento individual até o momento.
Observa-se, por meio da análise da teoria do desenvolvimento freudiana, que a teoria psica-
nalítica inicialmente apresenta uma concepção do desenvolvimento bastante relacionada com o

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próprio desenvolvimento biológico das pessoas e com conceitos bastante específicos ao momento
histórico em que foi elaborada. As questões explicitadas em relação ao desenvolvimento, com
efeito, estarão presentes para a compreensão da própria teoria psicanalítica, sendo um fator fun-
damental que deverá ser levado em conta em suas aplicações na clínica e demais esferas.
Posteriormente à obra freudiana, o pediatra e psicanalista Donald Wood Winnicott (1896-1971)
ofertou à teoria do desenvolvimento da Psicanálise uma continuação e uma alternativa próprias.
Focando-se principalmente na relação materna e nos primeiros anos do desenvolvimento infan-
til, o médico inglês elaborou uma concepção psicanalítica de desenvolvimento com maior foco
na determinação do ambiente no desenvolvimento psicológico. Winnicott (1983) caracteriza o
desenvolvimento humano pensando em graus de dependência que o indivíduo tem em relação
ao ambiente, sendo o caminho de desenvolvimento caracterizado pela possibilidade de maior
autonomia individual.
Segundo Dias (2003, 2008), a teoria do amadurecimento é a própria “espinha dorsal” do traba-
lho teórico e clínico de Winnicott. Podemos compreender nesse sentido alguns princípios gerais
de sua obra e teoria que determinarão os períodos específicos que descreveremos em sequência.
Todo indivíduo é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento (nature – natureza, em
inglês). Todavia, é uma tendência e não uma determinação exclusiva, como se bastasse a passa-
gem de tempo para que se realize. A sua efetividade depende de um ambiente suficientemente
bom para o desenvolvimento (nurture – nutrição, em inglês). Essa asserção é tão mais verdadeira
quanto mais primitivo o estágio da criança considerado.
O amadurecimento se inicia em algum momento após a concepção e não se encerra até a morte.
A saúde, durante esse processo de vida, não é entendida por Winnicott como ausência de doença,
mas, sim, como um processo complexo que possui suas próprias exigências e dificuldades. Desse
modo, viver é uma tarefa difícil e permanecer vivo e amadurecendo é “uma batalha que sempre
permanece” (DIAS, 2008, p. 33). Por fim, observamos que todos os aspectos da existência humana,
sejam eles saudáveis ou doentes, remetem ao processo ao qual pertencem ou tiveram origem.
Assim, entendemos que, para Winnicott, o desenvolvimento está relacionado a uma busca e
construção progressiva da autonomia e liberdade do sujeito, em sua constante relação com seu

24
meio. Os estágios descritos pelo autor refletem sua percepção acerca da dependência e indepen-
dência dos indivíduos, sendo classificados entre estágios maiores de dependência absoluta, tran-
sicionalidade e dependência e independência relativas. São eles, segundo Dias (2003):
1. Estágios primitivos – A dependência absoluta (estágio pré-natal à primeira mamada teórica)
– essa fase é marcada pelos desafios do amadurecimento de integração no tempo e espaço,

UNIDADE 01
personalização, início do contato com a realidade e a constituição do si-mesmo primário. Nesse
estágio inicial não há, para o bebê, um senso de realidade específico, nem de si mesmo. Sua
concepção de que tudo que está em seu entorno – meio e objetos – pertence a seu mundo sub-
jetivo fornecerá uma ilusão de onipotência. É de extrema importância que o ambiente (e a mãe
ou cuidador) alimentem essa ilusão por meio de uma estabilidade e previsibilidade, para que,
aos poucos, o bebê possa iniciar o processo de compreensão de que há objetos no mundo para

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além de si mesmo. A amamentação, dessa maneira, estará ligada tanto à alimentação quanto
ao início da relação com a realidade externa.
2. Estágio da desilusão, desmame e início das funções mentais – A partir de um desenvolvimen-
to adequado no primeiro estágio, no qual a ilusão de onipotência pôde ser vivida de maneira
completa, agora o bebê terá de passar pela desilusão. Munido das conquistas dos desafios do
amadurecimento no estágio anterior, o bebê apresenta algumas características que formarão
um si-mesmo primário que verá que as coisas existem independentemente de seu desejo e,
também, encarará o desafio de ter sua mãe aos poucos desconectando-se dele. Começa, nesse
momento, a entender a possibilidade de falhas no ambiente e nos objetos. O processo de desi-
lusão tende a ocorrer entre os seis ou sete meses de vida do bebê.
3. Transicionalidade – Marcado pela incipiente capacidade de simbolizar, esse estágio remete a
um meio-termo entre a capacidade de possuir objetos externos e a compreensão de que estes
não fazem parte de si. Inaugura-se uma nova instância da realidade, entre a realidade psíquica
interna e a realidade externa. Ocorre entre os oito e dez meses.
4. Estágio do uso do objeto – A partir da experimentação com objetos no período transicional, o
bebê progressivamente “conquista” o mundo externo por meio do reconhecimento do prazer
do manuseio dos objetos, como confirmação de sua externalidade. Nesse momento, é impor-
tante que os objetos permaneçam e sejam capazes de aguentar longos períodos de manuseio e
utilização, para reforçar o princípio de realidade que sintetizam para o bebê.
5. Estágio do Eu Sou – Momento de diferenciação total de si e do ambiente que circunda a crian-
ça, é o ponto de chegada da expulsão do bebê de sua ilusão de onipotência. Tudo aquilo que
se localiza no ambiente, portanto, passa a ser entendido como um não-eu e, potencialmente,
hostil, sendo importante a mediação da mãe ou do cuidador para uma adaptação saudável nes-
se período. Ocorre, para Winnicott, entre um ano e um ano e meio.
6. Estágio do concernimento – Há um reconhecimento cada vez maior da criança acerca de seus
impulsos e instintos em relação à sua personalidade total. De maneira sintética, nesse momen-
to há uma crescente responsabilização da criança por seus atos e impulsos, entendendo inicial-
mente as consequências de seus atos de amor e ódio. Esse estágio sucede-se por volta dos dois
anos e meio de idade.

25
7. Estágio edípico – Bastante próximo à concepção de fase fálica para Freud, corresponde ao início
do desejo e rivalização com os pais, tendo alcançado um nível de desenvolvimento adequado a
partir dos processos anteriores que permitam esse direcionamento dos instintos e impulsos.
Observamos, com Winnicott, um processo de desenvolvimento gradual e bastante referen-
ciado nas figuras de cuidado do bebê desde o início da sua vida. É possível, assim, notar o obje-

UNIDADE 01
tivo de expansão da teoria psicanalítica a momentos mais iniciais da vida e suas consequências
para a formação do indivíduo. Como destaca Dias (2008), a incapacidade de resolução adequada
das tarefas de cada estágio impede que o desenvolvimento ocorra de maneira autêntica. Isto
é, o desenvolvimento não se encerra em uma determinada etapa não cumprida, porém seu
prosseguimento ocorre sobre bases falsas, o falso si-mesmo, de onde podemos entender o sur-
gimento de distúrbios emocionais.

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REFLITA

As teorias cognitivista, sociointeracionista e psicanalíticas expostas demonstraram como a adoção


de um objeto de estudo específico em um mesmo campo pode levar a teorias radicalmente dife-
rentes. Há, porém, pontos de aproximação entre as teorias. A utilização de símbolos, por exemplo,
ocorre em períodos bastante similares nas teorias descritas e caracteriza a passagem a momentos
importantes do desenvolvimento. Você consegue localizar outras similaridades e diferenças na
periodização proposta pelas teorias por conta de seus objetos de pesquisa?

De modo geral, as teorias apresentadas representam os avanços disponíveis na área da Psi-


cologia e devem, a seu modo, auxiliar nossa atuação profissional de acordo com os objetivos da
ciência do desenvolvimento que mencionamos no início de nossa Unidade. Por meio da descrição
de como cada teoria entende o desenvolvimento, podemos compreender melhor a explicação
teórica para cada mecanismo presente nesse processo. Com isso, a partir de cada base, é possível
prever alguns aspectos esperados no desenvolvimento de cada pessoa e intervir, de acordo com as
proposições de nossa prática e dos pressupostos de cada teoria com a qual dialogamos. Nas suas
atividades, assim como na prática cotidiana, a capacidade de identificar esses aspectos e realizar
esse diálogo será essencial para uma compreensão total do complexo fenômeno sobre o qual es-
tamos aqui focando, o desenvolvimento humano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme nossos objetivos, pudemos observar no desenvolvimento desta Unidade como a Psi-
cologia do Desenvolvimento se originou e estabeleceu seus marcos em proximidade com a própria
ciência psicológica, tendo suas principais linhas teóricas corroborado esse processo de constante
aproximação e diálogo.

26
Ao cabo de termos exposto as teorias de Piaget, Vigotski, Freud e Winnicott acerca do desenvol-
vimento, podemos destacar algumas similaridades e diferenças nessas concepções teóricas da Psi-
cologia, em especial para sintetizarmos esse conteúdo para seu uso ao longo de nosso livro didático.
A seu modo, todas as teorias qualificaram o desenvolvimento em inseparável conexão com o
meio. Vigotski, por conta do papel das relações sociais em sua concepção, é o teórico que mais

UNIDADE 01
deu destaque a essa conexão, tornando possível – a partir de conceitos como ZDP – conceber ma-
neiras de utilizar o meio como propulsor do próprio desenvolvimento humano. O autor soviético,
no entanto, não foi o único. O destaque ao papel ativo da criança em seu processo de equilibra-
ção ao longo da vida dado por Piaget, a importância explicitada por Freud na construção de laços
familiares adequados em uma cultura historicamente localizada e o papel elementar da mãe ou
do cuidador na teoria winnicottiana revelam como um fio condutor do desenvolvimento dentro

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


da Psicologia é necessariamente a interação que a criança terá com seu ambiente, e não somente
uma concepção maturacional simples de seus estágios biológicos.
Embora, como observamos, na teoria freudiana há uma base bastante apoiada na maturação
neurofisiológica para o desenvolvimento, ainda há alguns critérios presentes no meio que são fun-
damentais para o progresso esperado das etapas propostas pelo autor.
Desse modo, como veremos nas próximas Unidades, não podemos relegar nenhum fator de
influência do desenvolvimento que mencionamos anteriormente. Hereditariedade (genética),
crescimento orgânico, maturação neurofisiológica e meio atuam em complexa interação para pos-
sibilitar o desenvolvimento humano completo, sendo fundamental entender qual o papel desses
fatores e como cada um pode assumir preponderância em determinado momento, sem determi-
nar unicamente a direção desse processo.

ANOTAÇÕES

27
UNIDADE

02
DESENVOLVI-
MENTO HUMANO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» Caracterizar a perspectiva da Psicologia nos diferentes ciclos de vida humana;

» Identificar as diferenças e similaridades do desenvolvimento entre os ciclos de vida;

» Compreender o processo de caracterização das faixas etárias e períodos específi-


cos da vida humana sob uma perspectiva psicológica.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://bit.ly/3lOXIUx https://bit.ly/2XPyxsG https://bit.ly/3hV9nQl


INTRODUÇÃO
O desenvolvimento em sua forma cronológica como avanço de idades que acarretam em mu-
danças físicas, cognitivas e psicossociais, de certa maneira é conhecido por todos, existindo pouco

UNIDADE 02
ou nenhum contraponto à percepção de sua progressão. Mas será que ele é um processo linear?
Ao longo desta Unidade, você verá como o desenvolvimento pode ser compreendido, mesmo
na sua principal sequência de etapas e faixas etárias, de maneira mais complexa, como uma tota-
lidade, com rupturas, retrocessos, avanços e estabilidades. Optamos por seguir a descrição mais
detalhada dos momentos do desenvolvimento para poder fornecer a você, aluno(a), a capacidade
de identificar as características principais de cada momento, precisamente em relação aos demais

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


estágios, tanto anteriores quanto posteriores, que cada pessoa vive ao longo de sua vida.
Não obstante, você verá que, ao nos aprofundarmos de maneira cada vez mais significativa no
processo de desenvolvimento, as linhas que separam os diferentes domínios, aspectos, estágios,
crises e fatores de modo geral tornam-se mais tênues, em movimento contraditório, no qual, quanto
mais se conhece, mais torna-se difícil limitar onde se encerra um processo e onde se inicia outro.
Essa contradição é elementar à vida humana e aparece nesta Unidade refletida pelos diferentes perí-
odos do desenvolvimento, com suas principais características mutáveis e estáveis ao longo do tempo.

1. DESENVOLVIMENTO HUMANO NOS CI-


CLOS DE VIDA: DA GESTAÇÃO AO ENVE-
LHECIMENTO
Agora que possuímos uma leitura mais geral acerca da constituição e da história da Psicologia
do Desenvolvimento e as principais teorias que irão nos auxiliar na compreensão dos diversos
estágios e momentos no ciclo de vida humana, poderemos abordar com mais profundidade as
características elementares de cada período do desenvolvimento e as mudanças pelas quais as
pessoas passam para transitar de um período ao próximo. Segundo a definição que extraímos de
nossa Unidade anterior, o estudo do desenvolvimento pressupõe a análise dos elementos que se
alteram e aqueles que permanecem estáveis em cada período da vida, considerando os fatores
externos e internos capazes de influenciar nesse processo. Em especial, para nós, os aspectos
psicológicos presentes nessas mudanças e permanências.
Assim, já encaramos de início dois debates muito centrais na ciência do desenvolvimento, cuja
resolução se dará ao longo do percurso de nossa própria disciplina, quais sejam: há uma maior deter-
minação no desenvolvimento a partir de nossa hereditariedade ou do ambiente que nos circunda?
E esse desenvolvimento é contínuo ou permeado por rupturas e reconstruções? Isto é, os debates
sobre hereditariedade (genética) x ambiente e a questão da continuidade-descontinuidade.

29
Com base nas obras de Bee e Boyd (2011) e Papalia e Feldman (2013), podemos pensar melhor
a importância desse debate para a Psicologia do Desenvolvimento.
Sobre o questionamento acerca da maior determinação entre a hereditariedade e a genética,
verificamos que atualmente o debate tem cedido lugar a uma melhor compreensão sobre como

UNIDADE 02
esses dois fatores atuam em conjunto, e não qual possui maior determinação. Ou seja, enten-
de-se que quando “consideramos uma determinada pessoa, a pesquisa relativa a quase todas
suas características aponta para uma combinação de hereditariedade e experiência” (PAPALIA;
FELDMAN, 2013, p. 42).
Quando nos questionamos se o desenvolvimento se dá de forma contínua ou descontínua,
porém, não teremos uma síntese tão coesa no debate contemporâneo. Se avaliarmos o cresci-

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


mento de uma criança utilizando como critério sua altura, veremos uma mudança quantitativa
e contínua, que deverá se estabilizar somente ao final da puberdade. Entretanto, se pensarmos
na capacidade de uma criança entender concepções aritméticas, veríamos mudanças radicais
entre seu processo de desenvolvimento e um nível qualitativo de diferença entre os estágios.
Observamos, também, como a teoria histórico-cultural de Vigotski abordada integra o conceito
de desenvolvimento contínuo e descontínuo de maneira dialética para explicar o progresso do
sujeito nos estágios de sua vida. Vigotski lembrava a importância de entender as crises (ruptu-
ras) entre os estágios como fundamentais ao desenvolvimento, sendo de suma importância para
as próximas etapas de modo geral.
Podemos pensar essa complexa questão sob o foco de conceitos como período crítico e pe-
ríodo sensível, que não determinam de sobremaneira o que deverá acontecer ou qual a maior
influência no desenvolvimento, porém demarcam importante momentos e interações ao longo
das diversas fases elaboradas.
Desse modo, período crítico refere-se a um período de tempo durante o desenvolvimento
em que um organismo é especificamente responsivo e capaz de aprender a partir de um tipo
específico de estimulação, sendo que em outros momentos do desenvolvimento a estimulação
seria nula ou quase nula. Em períodos sensíveis (muito mais comuns nos seres humanos), ob-
servamos uma faixa de tempo na qual determinadas experiências podem contribuir mais para o
desenvolvimento adequado, momento em que uma experiência particular poderá ser melhor
incorporada ao processo maturacional.
Veremos que, ao longo dos períodos no ciclo de vida humana, características específicas serão
condições e consequências para o desenvolvimento, integrando conceito como períodos críticos e
sensíveis, contínuos e descontínuos, e inatos ou adquiridos.
Conforme mencionamos anteriormente, vamos considerar os momentos do desenvolvimen-
to humano divididos aqui em oito estágios com características específicas próprias, compreen-
didas principalmente nos domínios cognitivo, físico e psicossocial. Os estágios e suas principais
características em cada faixa podem ser sintetizados no quadro a seguir, elaborado de acordo
com Papalia e Feldman (2013):

30
QUADRO 1 - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DOS OITO PERÍODOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

FAIXA ETÁRIA DOMÍNIO FÍSICO DOMÍNIO COGNITIVO DOMÍNIO PSICOSSOCIAL

Formação de estruturas
Resposta aos estí-

UNIDADE 02
e órgãos corporais
fundamentais. mulos sensoriais, em Desenvolvimento de
Pré-natal (da especial, de sons e preferência pela voz
Crescimento físico é o movimentos da mãe.
concepção ao da mãe e o começo
mais acelerado ao longo
nascimento) Há uma incipiente ca- do estabelecimento
de todo o ciclo de vida.
pacidade de aprender das relações sociais.
Grande vulnerabilidade a e lembrar.
influências ambientais.

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Funcionamento de senti-
dos e sistemas corporais Vínculos afetivos
em graus variados. Desenvolvimento do com os pais e outras
uso de símbolos e ca- pessoas.
Cérebro aumenta sua pacidade de resolver
Primeira
complexidade e é problemas. Desenvolvimento da
infância
altamente suscetível à autoconsciência.
(nascimento Surgem e se desen-
influência ambiental.
aos 3 anos) volvem rapidamente a Passagem da passivi-
Crescimento físico e compreensão e o uso dade para a ativida-
desenvolvimento de da linguagem. de, da dependência à
habilidade motoras são autonomia.
rápidos.

O autoconceito e
Crescimento constante a compreensão de
e maior proximidade de Pensamento emoções tornam-se
aparência com adultos. egocêntrico. mais complexos.
Segunda Apetite diminui e são co- Ideias ilógicas sobre o Aumentam a inde-
infância muns distúrbios de sono. mundo devido à ima- pendência e a inicia-
(3 a 6 anos) turidade cognitiva. tiva de autocontrole.
Aprimoram-se habili-
dades motoras finas e A inteligência se torna Desenvolve-se uma
gerais, com aumento de mais previsível. compreensão inicial
força física. sobre identidade de
gênero.

Complexificação do
autoconceito pode
afetar a auwtoestima.
O crescimento torna-se Redução do egocen-
Terceira mais lento. trismo. Colegas assumem
infância uma importância
(6 a 11 anos) A força física e as habilida- Há o início do pensa-
fundamental no
des atléticas aumentam. mento operacional.
desenvolvimento e
na organização social
da criança.

31
FAIXA ETÁRIA DOMÍNIO FÍSICO DOMÍNIO COGNITIVO DOMÍNIO PSICOSSOCIAL

Torna-se possível
pensar em termos
abstratos e a partir do A busca pela iden-

UNIDADE 02
Adolescência
Ocorre a puberdade e, ao raciocínio científico. tidade, e também a
(11 a aproxima-
seu término, a maturida- identidade sexual,
damente Educação focada na
de reprodutiva. torna-se elementar
20 anos) preparação para a na vida da pessoa.
faculdade ou futura
profissão.

Traços, estilos e

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características da
personalidade se
Início da Pensamento e
Auge da condição física, estabilizam, ainda
vida adulta julgamentos morais
com seu posterior declínio. que sejam bastante
(20 a 40 anos) complexificam-se.
determinados pelo
momento da vida de
cada pessoa.

Pode ocorrer uma


lenta deterioração de Capacidades mentais Senso de identi-
Vida adulta habilidades sensoriais, de alcançam seu auge. dade continua seu
intermediária saúde, de vigor e força Produção criativa pode desenvolvimento,
(40 a 65 anos) física, mas dependendo declinar, mas melhora em especial relação à
bastante do estilo de vida em sua qualidade. meia-idade.
individual.

A possibilidade de
Tempo de reação mais aposentadoria altera
lento afeta alguns aspec- Nota-se uma dete- a relação com o tem-
Vida adulta
tos funcionais. rioração em alguns po de vida.
tardia ou
aspectos cognitivos
senescência Declínio de saúde e capa- Necessidade de
que são compensa-
(65 anos em cidades físicas em íntima enfrentamento de
dos pela plasticidade
diante) relação com o estilo de questões relacio-
cerebral.
vida levado. nadas ao luto e à
morte.

Fonte: Elaborado com base em Papalia; Feldman (2013).

Com esse quadro, obtemos uma síntese dos principais elementos relevantes ao desenvolvi-
mento humano nos domínios cognitivo, físico e psicossocial. Ao longo desta Unidade, abordare-
mos cada período de maneira mais detalhada, expandindo as informações aqui apresentadas.
Os desenvolvimentos cognitivo e executivo, todavia, serão foco de nossa próxima Unidade, de
modo separado. Por ora, vamos aos períodos do desenvolvimento e seus principais elementos
de relevância para a Psicologia.

32
1.1 GRAVIDEZ – PSICOLOGIA PRÉ-NATAL, PARTO E PUERPÉRIO
Em que momento se inicia o desenvolvimento humano? Quão cedo devemos nos preocupar
com as condições ambientais e características singulares de cada pessoa para verificar um de-
senvolvimento adequado? Essas questões, à sua maneira, nos remetem diretamente à indagação

UNIDADE 02
sobre quando se inicia a vida humana. E a resposta dessas problemáticas localiza-se, progressiva-
mente, mais próxima. O início da vida humana e as melhores condições para seu desenvolvimento
têm cada vez mais sido objetos conhecidos pelos cientistas do desenvolvimento em suas diversas
áreas, permitindo-nos, hoje, saber a forma como ocorre o processo de formação de uma nova
vida, suas etapas e condições fundamentais ao sucesso de sua progressão.
Ainda que seja possível um maior debate político e filosófico sobre quando de fato podemos

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considerar um momento inicial para a vida humana, podemos afirmar com segurança atualmente
que a psique humana já é permeada por sentimentos e sensações mesmo em seu período pré-
-natal. Desse modo, o período pré-natal de vida (período de desenvolvimento anterior ao parto)
pode fornecer profícuas respostas às questões que nos levantamos em nosso conteúdo e requer
seu conhecimento mais atento.
Todo processo de desenvolvimento humano se inicia necessariamente a partir da fecundação,
que é o processo pelo qual espermatozoide (gameta ou célula sexual masculina) e óvulo (gameta
ou célula sexual feminina) se combinam e originam o zigoto, célula inicial que se duplicará suces-
sivas vezes e produzirá todas as células que constituem o bebê. Neste momento, já é importante
notar que desde seu princípio a vida humana será composta de carga genética advinda do pai e da
mãe, transmitida por meio de suas células sexuais ao se combinarem. A partir da fecundação, o fu-
turo feto já está dotado de um código genético que determinará uma gama de características que,
em relação direta com o meio, terá impacto em seu desenvolvimento. A base dessa carga genética
é o DNA (ácido desoxirribonucleico) e sua importância na vida humana se deve a seu papel de
orientar a formação de proteínas que determinarão as estruturas e funções das células vivas.
Esse DNA encontra-se em nossos cromossomos, mais especificamente nos 23 pares de cro-
mossomos que todas as células de um corpo humano normal (exceto as células sexuais) possuem.
Cromossomos são espirais de DNA que contêm os genes, que, por sua vez, são os pequenos seg-
mentos de DNA localizados em posições específicas do cromossomo, fornecendo a “receita”
para a produção das proteínas, que especializarão a célula. A sequência completa de nossos
genes é o genoma humano.
E qual a influência que essa “receita” tem em nosso desenvolvimento? Essa questão é a mesma que
se perguntam os estudiosos da genética comportamental. Essa área da ciência do desenvolvimento
tenta compreender quantitativamente qual a influência da genética e do ambiente sobre característi-
cas humanas específicas. No entanto, atualmente acredita-se que a abordagem quantitativa seja dema-
siadamente simplista para entender como nosso código genético influencia em nossas características,
sendo melhor compreendida essa relação a partir da concepção de um sistema de desenvolvimento
complexo. Isto é, da concepção em diante, observamos uma combinação de múltiplos fatores que,
juntos, influenciarão no desenvolvimento à sua maneira (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

33
Por ora, como síntese prévia a um importante estudo das influências genéticas no campo da
Psicologia do Desenvolvimento, podemos adicionar dois conceitos para direcionar nossos estudos:
genótipo e fenótipo. A cor dos seus olhos é o seu fenótipo, pelo qual o seu genótipo, ou constitui-
ção genética, irá se expressar. Ou seja, chamamos de fenótipo as características observáveis de
uma pessoa e de genótipo a estrutura genética de uma pessoa, contendo as características que

UNIDADE 02
são expressas e aquelas que não são expressas. Para um fenótipo específico, mais de um gene
pode estar influenciando aquela característica, por isso a importância da compreensão de uma
transmissão multifatorial (combinação de aspectos genéticos e ambientais na produção de traços
complexos) quando pensamos no desenvolvimento de modo científico.

FIGURA 1 - O DESENVOLVIMENTO NA GESTAÇÃO

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1º MÊS 2º MÊS 3º MÊS

4º MÊS 5º MÊS 6º MÊS

7º MÊS 8º MÊS 9º MÊS

Tendo compreendido de maneira inicial a base genética que compõe a nossa vida, vamos ob-
servar os estágios pelos quais passamos ainda antes de nascer.
Normalmente, a gestação dura entre 37 e 41 semanas, sendo a idade gestacional considerada
a partir do primeiro dia do último ciclo menstrual experienciado. Bee e Boyd (2011) estimam o
período gestacional em 38 semanas (cerca de 265 dias). De acordo com Papalia e Feldman (2013)
e Lima (2018), podemos dividir a gestação em três períodos considerados de acordo com as ca-
racterísticas de desenvolvimento observadas. Nesse momento, o desenvolvimento procede de
acordo com dois princípios fundamentais: crescimento e amadurecimento motor ocorrendo de
cima para baixo e do centro para a periferia do corpo. A cabeça e o tronco desenvolvem-se antes
dos membros, e os braços e pernas, antes dos dedos das mãos e pés.
Os três períodos de desenvolvimento considerados são:
» Período germinal (da fecundação até a segunda semana) – Há a transformação do zigoto
em blastocisto e sua implantação na parede uterina. Antes da implantação, com o início da

34
diferenciação de algumas células do blastocisto, forma-se o disco embrionário. Essa massa
celular densa será o ponto de partida do desenvolvimento embrionário.
» Período embrionário (da segunda semana à oitava semana) – É um estágio bastante crítico
às influências destrutivas do ambiente pré-natal, sendo de fundamental verificar a qualidade

UNIDADE 02
de apoio ofertado à mulher grávida, em seus níveis nutricionais, físicos, sociais, psicológicos
e cognitivos. Embriões com defeitos graves ao desenvolvimento geralmente não sobrevivem
além do primeiro semestre da gravidez; nesses casos verifica-se o aborto espontâneo, que
é a expulsão do embrião que se encontra no útero e é incapaz de viver fora dele (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Esse período se encerra quando a organogênese (crescimento dos prin-
cipais sistemas e órgãos do corpo) está completa e as células ósseas começam a se formar

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


(em torno de oito semanas).
» Período fetal (da oitava semana ao nascimento) – Nota-se, segundo estudos, a tendência
à atividade e aprendizado do bebê, tendo percepções acerca da voz da mãe, melodias espe-
cíficas e padrões sonoros que se revelam após o nascimento. De um peso de 600 gramas e
cerca de 2,5 centímetros, o feto terá ao final desse período em torno de 3 ou 4 quilogramas
e 50 centímetros. A viabilidade (possibilidade de nascimento com vida e condições de sobre-
vivência) é estimada em torno da 24ª semana (BEE; BOYD, 2011).
Há uma importante preocupação com as influências ambientais de parte materna, dado que
o desenvolvimento fetal tem como ambiente a própria mãe. O período pré-natal, por toda a
complexidade de seu desenvolvimento, exige um ambiente bastante adequado para que o em-
brião se torne um feto e nasça de maneira saudável. Em especial, deve-se atentar aos teratóge-
nos – agentes ambientais que podem interferir no desenvolvimento pré-natal normal e causar
anormalidades, como vírus e radiações, por exemplo. Demais fatores essenciais que poderão
influenciar a gravidez são: nutrição, atividade física e trabalho pesado, consumo de drogas, do-
enças maternas, ansiedade, estresse e depressão materna, idade materna, ameaças ambientais
externas (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
O estado psicológico da mãe e das pessoas envolvidas no período pré-natal é também ponto
fundamental ao desenvolvimento saudável do feto. Como Lima (2018, p. 58) assevera, “O estado
de espírito da gestante também interfere no estado emocional do feto em formação”. A autora
demarca a importância de uma compreensão psicológica do fenômeno da gravidez, separando a
visão romântica que geralmente é esperada. Há uma formação de vínculo gradativa entre pais e
feto, sendo processual, e não algo que ocorre instantaneamente (LIMA, 2018).
É importante compreender que ansiedades, preocupações e mesmo estresse fazem parte do
processo de gestação por parte dos pais. Porém, estudos mostram (PAPALIA; FELDMAN, 2013)
como estresse e ansiedade em níveis considerados acima do regular estão relacionados com um
temperamento mais ativo e irritável em recém-nascidos, falta de atenção em avaliações de bebês
de oito meses, afetividade negativa ou transtornos comportamentais na segunda infância e, mes-
mo, resultar em um parto prematuro.

35
Observamos, portanto, a relevância de um acompanhamento profissional pré-natal não somen-
te para verificar as características físicas do desenvolvimento do feto, mas também entendendo o
processo psicológico que envolve a gestação, parto e puerpério, considerando as pessoas envolvi-
das nesses momentos. Proporcionar apoio social e aconselhamento a mulheres grávidas estressa-
das ou deprimidas pode levar a melhorias tanto na saúde da mãe quanto do feto (BROCKINGTON

UNIDADE 02
apud BEE; BOYD, 2011).
Um fator histórico de importância psicológica a ser considerado quando pensamos em gravidez,
por exemplo, é o próprio papel da mãe e como sua centralidade (ou exclusividade) nesse proces-
so é algo relativamente recente em nossa cultura. De acordo com Maldonado (1991), o próprio
“instinto materno” na literatura histórica aparece como algo contemporâneo à nossa sociedade.
O lugar da gravidez, parto, maternidade e desenvolvimento infantil é historicamente localizado e,

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


como a autora denota, encontramo-nos atualmente sob bases que apregoam que a pessoa mais
responsável pelas questões do pré-natal, parto e puerpério é a mãe. Embora isso possa auxiliar nos
cuidados necessários, como vimos anteriormente, também contribui para uma excessiva respon-
sabilização da mãe e mesmo a culpando por desvios no desenvolvimento esperado.

REFLITA

Em algumas teorias da Psicologia do Desenvolvimento, a responsabilização da mãe pelo desenvol-


vimento psicológico dos filhos não ficaria restrita ao período pré-natal, mas permearia também
toda a infância. Será que é possível – ou justo – legar tanta ênfase somente à figura materna no
desenvolvimento de uma pessoa, desconsiderando processos ambientais e históricos? Como te-
mos estudado, contextos sociais que envolvem várias relações familiares e culturais impactam o
processo de desenvolvimento, apontando para a importância de descentralizar o cuidado (ou a
responsabilização) unicamente da figura materna, pensando nos pais, familiares e na sociedade
como um todo como responsáveis pelo desenvolvimento da criança.
Qual sua opinião sobre esse assunto? Há mais fatores que podem levar à centralização da res-
ponsabilidade do desenvolvimento infantil somente à pessoa da mãe?

Podemos pensar uma contraposição a esse argumento de duas maneiras, seguindo o exemplo
de Maldonado (1991). Primeiramente, pensando a experiência de nascimento de um filho como
uma experiência familiar e não somente materna. Segundo a autora, para se ofertar uma assistência
pré-natal adequada e mais global é necessário pensar não somente em termos de “mulher grávida”,
mas, sim, de “família grávida”. Vemos, desse modo, que a experiência pré-natal deve ser compreen-
dida em acordo com os cuidadores e pessoas evolvidas nos laços sociais próximos à gravidez e não
restrita à pessoa que está grávida. A autora destaca a importância da participação da família como
um todo no processo de gravidez e de pensar nisso como um sistema que está construindo subsiste-
mas novos, em que a alteração de uma parte acarretará consequências ao sistema como um todo.
A segunda possibilidade é verificar que, junto do desenvolvimento fetal, há uma outra pessoa
que passa por um estágio de seu desenvolvimento e, como tal, possuirá características mutáveis e

36
estáveis que deverão ser consideradas nesse momento – essa pessoa é aquela que está grávida do
feto. Desse modo, podemos evitar uma visão romântica do processo gestacional que desconsidera
possibilidades psicológicas complexas como a construção da figura de ser mãe e o papel social que
a mulher passa a cumprir nesse processo.
A gravidez é uma transição que faz parte do desenvolvimento normal. Há, porém, uma reestru-

UNIDADE 02
turação de várias dimensões, incluindo a identidade e definição de papéis na vida da mulher.
Para entender esse “outro lado” da gravidez, levando em conta os aspectos psicológicos da
gravidez para a mulher grávida, Maldonado (1991) divide a gestação por seus três trimestres, de-
notando as principais características psicológicas envolvidas em cada um.
No primeiro trimestre, é a partir do momento de percepção da gravidez que se inicia verdadei-
ramente a relação materno-filial e familiar com o bebê. Uma vivência básica inicial da gravidez é a

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


ambivalência afetiva, que é a sensação psicológica da noção de que não há gravidez totalmente
aceita ou totalmente rejeitada; mesmo que exista a predominância da aceitação ou rejeição, o sen-
timento oposto jamais está totalmente ausente. A possibilidade de abordar a ambivalência afetiva,
conversando com os futuros cuidadores e estabelecendo uma percepção honesta acerca de seus
próprios sentimentos, pode atenuar o desgaste e estresse envolvidos na gestação.
Sobre sentimentos complexos na gravidez, ainda no primeiro semestre, o feto não é concre-
tamente sentido, o que pode levar a emoções relacionadas a dúvidas da gravidez (tanto positivas
quanto negativas). A reação que se instala diante da gravidez, porém, não se cristaliza para
sempre! Por fim, nesse trimestre, também observamos alguns “sintomas” mais físicos da gesta-
ção, que também terão consequências no estado psicológico experienciado. São eles: hipersonia
(maior necessidade de sono que normalmente), náuseas e vômitos, desejos e aversões alimenta-
res, aumento de apetite, oscilações de humor, aumento da sensibilidade e irritabilidade.
No segundo semestre, verificamos que os primeiros movimentos fetais têm um grande im-
pacto, sendo a primeira vez que a mulher sente o feto como uma realidade concreta dentro de
si. Há, nesse momento, a possibilidade e necessidade de personificação do feto. A interpretação
dos movimentos do feto, portanto, passa a marcar uma etapa na relação materno-filial, o mesmo
ocorrendo com a relação paterno-filial.
No terceiro trimestre, observa-se um prosseguimento e uma complexificação do processo de
personificação do feto em desenvolvimento, com expectativas sobre o parto e as etapas subse-
quentes à vida daquela criança. O nível de ansiedade tende a se elevar novamente com a pro-
ximidade do parto e há um retorno de preocupações que caracterizaram o início da gestação.
Lembrando, como abordado anteriormente, que os níveis de ansiedade e estresse terão influência
no desenvolvimento fetal.
As vivências psicológicas experienciadas pela família, em especial pela mãe, assim como as etapas
do próprio desenvolvimento, não devem ser pensadas em ordem cronológica, em que as sensações
anteriores desaparecem para dar lugar às novas. Na verdade, esse todo complexo que envolve a
percepção psicológica de uma gravidez é um processo e pode ter sensações conflitivas ao longo de
sua totalidade. Vemos, inclusive, que muitos dos sentimentos e emoções vivenciados podem estar
presentes durante toda a gestação, do início ao fim, podendo ser intensificados no puerpério.

37
O puerpério é o período após o parto, considerado de recuperação da mulher até que seus
órgãos e seu corpo recuperem suas condições pré-gestação. Ele se inicia, portanto, com a saída
da placenta e termina com a primeira ovulação, seguida de menstruação. Em média, considera-se
que esse período dure cerca de 45 a 60 dias após o parto, quando as condições dos órgãos da
mãe (exceto suas mamas, principalmente quando ocorre a amamentação) retornam às condições

UNIDADE 02
prévias. Nesse momento, as impressões físicas e psicológicas causadas pela gravidez e parto são
mais explícitas, sendo fundamental que todas as pessoas envolvidas na rede de apoio da gestação
estejam presentes para auxiliar a mãe. Vamos aproveitar e abordar um pouco mais o processo de
parto e as questões que podem estar presentes nos ideais dos pais em relação à criança.

1.2 NASCIMENTO DO BEBÊ: REPRESENTAÇÕES DOS PAIS EM

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RELAÇÃO À CRIANÇA
O parto é uma experiência que combina grande estresse físico com uma ampla variedade de
emoções. Quando o desenvolvimento fetal está completo, o bebê e a mãe entrarão em trabalho
de parto, que é dividido em três estágios, cada qual com suas características específicas. No es-
tágio 1 ocorre a dilatação (abertura do colo do útero) e esvaecimento (achatamento do colo do
útero). No momento do parto propriamente dito, espera-se que o colo do útero esteja dilatado
cerca de 10 centímetros.
Segundo Bee e Boyd (2011), o estágio 1 é dividido em fases próprias. Na fase inicial, ou latente,
ocorre as contrações relativamente espaçadas e não tão desconfortáveis. Em sequência, há a fase
ativa, que compreende o período no qual a dilatação do colo do útero irá de 3 cm ou 4 cm até chegar
aos 8 cm, com contrações mais próximas e intensas. Os últimos 2 cm necessários à dilatação com-
pleta ocorrerão na fase de transição, com contrações mais espaçadas e fortes, considerado pelas
mulheres como o mais doloroso. O primeiro estágio costuma durar aproximadamente 8 horas.
O segundo estágio do trabalho de parto consiste no parto propriamente dito, durando cerca de
50 minutos, em que a cabeça do bebê se moverá do colo do útero expandido para o canal de nas-
cimento e, então, para fora do corpo da mãe. O terceiro estágio, geralmente breve, é a liberação da
placenta e outros materiais residuais do útero. O processo de parto também poderá ser realizado
cirurgicamente (cirurgia cesariana) quando se observarem alguns fatores que tornem complicado
o parto natural, como: sofrimento fetal, trabalho de parto que não progride, feto muito grande
para o canal vaginal, condições de saúde maternas que possam ser agravadas por parto vaginal ou
perigosas ao feto nascido por via vaginal (BEE; BOYD, 2011).
Após a ocorrência do trabalho de parto, de acordo com os estágios abordados e o início da fase
puerperal, há também outro processo importante no desenvolvimento que passa a ganhar desta-
que: os ideais e as representações que os pais fazem do bebê.
De acordo com Maldonado (1991) e Tavares (2016), as representações que os pais constroem
acerca do bebê que esperam para sua família têm ligação tanto com os valores culturais pre-
sentes durante a gestação quanto com as questões pessoais – em especial da mãe – sobre seu
próprio processo de se tornar sujeito. Isto é, para Tavares (2016), em uma perspectiva psicanalí-

38
tica, o bebê imaginário corresponde mais a um desejo e uma perspectiva da mãe do que ao feto
propriamente dito. Também vale destacar que esse processo tende a se iniciar após o período
mais crítico da gravidez, após o terceiro mês, no qual a possibilidade de abortos espontâneos
ainda era uma realidade mais concreta.
Por meio desse processo, porém, é possível dar ao feto o estatuto de sujeito, de pessoa, capaz

UNIDADE 02
de uma vida própria, ainda que em explícita relação com aquilo que os pais esperam daquela nova
vida em formação. Tavares (2016) ressalta que a questão a própria história de vida, gestação, nas-
cimento e infância da mãe ocupa um lugar de destaque naquele objeto que é imaginado como o
bebê. Ou seja, a história de vida dos pais possui representações fundamentais para entender as
expectativas colocadas sobre aquele feto em desenvolvimento.
Como veremos a seguir, o desenvolvimento concreto do bebê em sua primeira infância tem

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uma cronologia própria que, ainda que totalmente dependente dos pais, terá de confrontar a
expectativa que estes vislumbravam em seu bebê imaginário e reconstruir a relação a partir dos
momentos concretos que vivenciam juntos. Assim como na gravidez, o apoio e diálogo honesto so-
bre as expectativas, superações e decepções em torno desse processo é fundamental para garantir
uma relação saudável entre os pais como indivíduos vivendo esse momento do desenvolvimento
e a relação saudável deles com seu filho concreto, que possuirá um desenvolvimento próprio, às
vezes reforçando, às vezes contrapondo as expectativas criadas.

1.3 DESENVOLVIMENTO NA 1ª, 2ª E 3ª INFÂNCIAS


Após um período de intenso desenvolvimento dentro do corpo da mãe, o bebê recém-nascido
inaugura uma nova fase de sua vida, agora fora do útero. Como havíamos mencionado, por mui-
to tempo a Psicologia do Desenvolvimento dedicou-se exclusivamente ao período da infância para
entender as especificidades em seu desenvolvimento e suas consequências para o resto do ciclo
de vida humana. Atualmente, vemos uma ciência do desenvolvimento que compreende todos os
estágios presentes ao longo da vida de uma pessoa. Porém, a infância continua exigindo extrema
atenção e pesquisas teóricas, pois é um período de riquíssimas transformações físicas, cognitivas e
psicossociais em um relativo curto período de tempo. Desse modo, vamos abordar agora as caracte-
rísticas elementares da 1ª, 2ª e 3ª infâncias de modo geral e, em nossa próxima Unidade, trataremos
especificamente do desenvolvimento cognitivo e suas funções sob o ponto de vista da Psicologia.
1.3.1 PRIMEIRA INFÂNCIA

Ao nascer, em casos de peso ideal, o bebê terá uma variação de peso entre 3 a 5 quilogramas e
medir em torno de 50 cm. Ao cabo do primeiro ano, sua altura deverá aumentar em torno de 50%
e seu peso cerca de 200%. Logo, notamos o quão rápido o crescimento se dá nessa fase e estamos
abordando apenas o primeiro ano de vida. Ao todo, a primeira infância compreende a fase do
nascimento aos três anos de idade e terá a passagem da completa passividade e dependência da
criança a momentos mais ativos e autônomos.
Um autor abordado anteriormente, Lev Vigotski, denomina esse período pós-natal de período
de passividade, por conta da absoluta dependência do bebê ao adulto. Para o autor, a vida psíqui-

39
ca nesse momento estaria mais vinculada aos centros subcorticais do que ao córtex propriamente
dito, dado sua imaturidade. Não há ainda ideias, nem sentimentos inatos, pois não há uma lingua-
gem capaz de significar os processos mentais propriamente. Porém é possível admitir estados de
consciência nebulosos, como estados sensitivos emocionais ou estados de sensações marcadas
emocionalmente (CHEROGLU; MAGALHÃES, 2016). Atração, afeto e sensação estão fundidos em

UNIDADE 02
uma percepção subjetiva da realidade, seus objetos e mesmo de si próprio.
Nesse estado, verificamos o choro como função básica de um bebê, para comunicar uma
necessidade. “Visto que os bebês não podem se mover para perto de alguém, eles têm que tra-
zer alguém até eles” (BEE; BOYD, 2011, p. 96). Interessante notar como a própria produção da
necessidade de se comunicar é um processo social que se baseia em dois elementos essenciais:
a completa dependência do bebê dos cuidadores (denotada no choro inicial) e a realização do

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cuidado em termos que estão além do próprio bebê, como a linguagem; e a atividade antecipa-
dora do adulto que, ao compreender as reações não comunicacionais do bebê, passa a respon-
dê-las, incluindo progressivamente o recém-nascido naquela atividade de seu próprio cuidado
(CHEROGLU; MAGALHÃES, 2016).
Ainda segundo as autoras, ao final do segundo mês de vida, observamos a ocorrência do com-
plexo de animação, que consiste em um complexo que expressa mudanças sensoriais, motoras e de
percepção significativas ao desenvolvimento. O bebê inicia a diferenciação do adulto entre todo o
ambiente circundante (concentração), realiza a comunicação mímica (por meio do sorriso) e vocal,
além de uma excitação motora geral. Verificamos, pelas tentativas de ação com o adulto por meio
do complexo de animação, a incipiência de uma capacidade de comunicação e volição próprias. A
partir desse momento, há um progressivo desenvolvimento da percepção em relação a objetos e in-
divíduos diferentes no seu entorno. A capacidade do adulto em auxiliar o bebê a alcançar os objetos
desejados e lhe expressar afetos relacionados a estes fará parte do próprio desenvolvimento.
Do ponto de vista da personalidade, apesar de existiram padrões gerais observáveis no de-
senvolvimento dos bebês na primeira infância, já é perceptível uma personalidade singular ali
distinta. Consideramos a personalidade a combinação consistente de emoções, temperamen-
to, pensamento e comportamento que torna uma pessoa única (PAPALIA; FELDMAN, 2013). As
emoções, que são reações subjetivas a experiências que estão associadas a mudanças fisio-
lógicas e comportamentais, constituem um aspecto básico e são profundamente influenciadas
pelo caráter social do ser humano.
Os primeiros sinais de emoção advêm do todo complexo de sensações que visualizamos an-
teriormente, em que estados de desconforto podem ser acompanhados de choro e estados de
bem-estar acompanhados de silêncio ou, progressivamente, risadas ou sorrisos. É a resposta do
adulto às expressões de emoção do bebê que irá fornecer a sensação de autocontrole e modelar
seu estado emocional com o desenvolvimento.
Uma crença comum é a de que as pessoas possuem um temperamento inato e hereditário,
impassível de mudanças ao longo da vida. Embora a primeira parte tenha evidências científicas
(BEE; BOYD, 2011), hoje sabemos, também, que mesmo o temperamento é suscetível a mudanças
por conta das práticas da realidade social de cada indivíduo. Importante destacar que cuidadores

40
que compreendem o temperamento da criança tendem a estar menos propensos a se sentirem
antagonizados pela criança, entendendo melhor seu comportamento (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Entre o primeiro e o segundo aniversário, pode-se considerar que o bebê se torna uma criança,
com padrões de comportamentos e atitudes mais observáveis e explícitos. As três principais questões
psicológicas que permearão o crescimento nesse período são: o desenvolvimento da autoconsciência

UNIDADE 02
e identidade, o desenvolvimento da autonomia e a socialização (internalização de padrões sociais).
Como observamos, o processo de diferenciação entre as pessoas, os objetos e si mesmo no
mundo envolve a mediação de um adulto, com etapas progressivas até que se alcance a diferen-
ciação de si e do mundo (a autoconsciência). A discriminação perceptual entre si e o mundo pode
ser a base para uma autoconsciência conceptual, que se desenvolve entre 15 e 18 meses.

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Entre os 20 e 24 meses (ao final do segundo ano), crianças pequenas começam a usar prono-
mes em primeira pessoa (PAPALIA; FELDMAN, 2013). A capacidade de se referir a si mesma por
um pronome em primeira pessoa denota um desenvolvimento importante na autoconsciência e
alavanca a necessidade de busca por autonomia.
A autorregulação, isto é, a capacidade de controlar independentemente o próprio comporta-
mento que a criança apresenta em conformidade com as expectativas sociais, é uma conquista
também da primeira infância, e é a base da socialização que vincula todos os domínios do desen-
volvimento (físico, cognitivo e psicossocial). A socialização é, por sua vez, o processo pelo qual
as crianças “desenvolvem hábitos, habilidades, valores e motivações que as tornam membros
responsáveis e produtivos de uma sociedade” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 228).
Por meio da socialização, o desenvolvimento infantil, que já era socialmente mediado pelos
adultos cuidadores, terá ainda mais influência do ambiente social, como a escola, os colegas e as
atividades que a criança irá requerer e ser capaz de executar progressivamente. Vejamos como
isso ocorre na segunda infância.

1.3.2 SEGUNDA INFÂNCIA

Na segunda infância, que compreende o período entre 3 e 6 anos de idade, observamos a


progressiva perda de características infantis mais próximas ao bebê e aquisição de habilidades e
características mais próximas ao adulto, sendo o momento em que a criança adquire capacidades
motores e psicossociais fundamentais ao desenvolvimento que terá pelo resto da vida.
De acordo com Papalia e Feldman (2013), nesse período, há um fortalecimento dos músculos
que permite que a criança adquira uma forma menos “roliça”, particular aos bebês. Tanto meninas
quanto meninos experienciam um crescimento anual de aproximadamente 5 cm a 7,6 cm por ano
e ganhos de aproximadamente 1,8 kg a 2,7 kg, também anualmente.
Há um crescimento muscular e esquelético, com a transformação maior de cartilagens em os-
sos e o amadurecimento do cérebro (em especial, as regiões frontais) e do sistema nervoso, o que
permite uma maior gama de habilidades motoras (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Ainda segundo as
autoras, nesse período também são regulares os distúrbios de sono, ainda que as crianças dessa
idade tendam a dormir 11 horas por dia e abandonem as sonecas durante o dia.

41
Como afirmamos, iremos focar no processo cognitivo de maneira mais profunda em nossa pró-
xima Unidade, todavia é importante notar que, na segunda infância, as crianças apresentam con-
quistas importantes na atenção e processamento de informação, o que permite a aquisição da
habilidade de formar memórias de longo prazo (LIMA, 2018).
No campo do desenvolvimento motor e psicossocial, temos avanços basilares para o desenvol-

UNIDADE 02
vimento subsequente, em aspectos como: habilidades motoras grossas e finas, lateralidade manu-
al, emoções autodirigidas, entendimento e regulação emocional. Vejamos o que essas conquistas
do desenvolvimento significam, segundo Papalia e Feldman (2013).
As habilidades motoras grossas referem-se às habilidades físicas que envolvem os grandes
músculos, como correr, escalar e saltar, o que permite uma melhor coordenação entre o que de-
sejam e o que de fato conseguem fazer. As habilidades motoras finas, por sua vez, dizem respeito

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a capacidades físicas que envolvem pequenos músculos, com uma maior coordenação olhos-mão,
como desenhar e vestir algumas roupas próprias. Por conta desse desenvolvimento, também ob-
servamos na segunda infância a lateralidade manual, que corresponde à crescente preferência
por utilizar uma das mãos, por volta dos 3 anos de idade. De acordo com Lima (2018), observamos
a aquisição da capacidade de realizar tarefas como: escovar os dentes, desenhar linhas e fazer con-
tornos, utilizar os talheres para comer, andar de triciclo, usar tesouras para recortar papel, descer
escadas com desenvoltura – com um pé em cada degrau –, entre diversas outras.
Nos aspectos psicossociais, observamos que as crianças entre 3 e 6 anos de idade adquirem
entendimento e regulação emocional, com a aptidão para discernir emoções em outras pessoas
e, mesmo, falar sobre seus sentimentos de maneira coerente e basicamente coesa. Ao final do
terceiro ano, em média, observamos as emoções autodirigidas, como vergonha, culpa e orgulho,
que aparecem como consequência da crescente autoconsciência que as crianças têm de si, desen-
volvendo sentimentos em relação àquilo que desejam, o que realizam e as normas sociais – prin-
cipalmente aquelas vindas dos pais.

SAIBA MAIS

Por conta de seu desenvolvimento, e a crescente compreensão das regras sociais e de suas pró-
prias vontades, podem surgir dificuldades no diálogo e na educação das crianças no período da
segunda infância. Um importante fator deve ser destacado, porém: a punição física não é uma op-
ção saudável para a educação, sob todos os aspectos. Bee e Boyd (2011) revelam como há pouco
ou nenhum efeito positivo na punição física com objetivo de alterar o comportamento da criança
e vários efeitos negativos. Como principais, podemos citar que os próprios pais estão se condicio-
nando a utilizar a punição física sempre que se depararem com um comportamento inadequado
da criança. A criança aprende que o uso de força física é adequado em situações mais severas e
pode adquirir um repertório mais violento para lidar com problemas, além de afetar sua socia-
lização ao longo da vida. De modo geral, a punição não é uma estratégia efetiva para alterar os
comportamentos infantis, devendo-se prezar mais pelo reforço de comportamentos que julguem
adequados e o diálogo em situações adversas, auxiliando no processo de socialização da criança.

42
Como verificamos em Rios e Rossler (2017), a atividade de brincar é fundamental nessa etapa
da vida, por permitir que a criança imite papéis sociais e regras que precisa internalizar por meio
de um processo ativo em sua compreensão. Assim, a brincadeira deve ser incentivada e subsidiada
pelos adultos ao redor, para que tenha um conteúdo concreto e um direcionamento específico,
não devendo legar a criança somente a um espaço vazio e esperar que, com isso, seja capaz de

UNIDADE 02
realizar o complexo processo da brincadeira. O brincar propicia um importante desenvolvimento
saudável tanto para o corpo quanto para o cérebro, afinal, possibilita “que as crianças se envolvam
com o mundo à volta delas, usem sua imaginação, descubram formas flexíveis de usar objetos e
solucionar problemas e preparem-se para papéis adultos” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 296).
Ao final dos 6 anos de idade, a criança deverá ter acumulado capacidades e características que
poderão ser enquadradas em um novo período do desenvolvimento, a terceira infância.

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1.3.3 TERCEIRA INFÂNCIA

O período entre os 6 e 11 anos de idade recebe a denominação de terceira infância. Nesse


momento do desenvolvimento, observamos a progressão nas habilidades adquiridas nas “demais
infâncias” e os avanços nos domínios físico, cognitivo e social que preparam o indivíduo para o
processo de puberdade, que veremos a seguir. Na terceira infância, vislumbramos um crescimento
de 5 cm a 7,5 cm por ano, com a aquisição de quase o dobro do peso ao longo desses 5 anos que
compõem o período (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Com o predomínio da atividade de estudo como guia do progresso nesse momento, observa-
mos o desenvolvimento de características importantes como: a volição no comportamento, aten-
ção, memória e inteligência; o início do pensamento por conceitos mais científicos; e uma pro-
gressiva preponderância nos relacionamentos baseados em interesses coletivos (RIOS; ROSSLER,
2017). Vemos, portanto, que ao mesmo tempo que propicia o desenvolvimento específico para
esse momento, a atividade de estudo também prepara o terreno para a comunicação mais íntima
e pessoal que observaremos na adolescência.

VÍDEO

No vídeo “Como incentivar seu filho(a) a estudar”, a psicóloga Daniella Freixo de Faria debate a
importância da associação dos valores de estudo ao próprio processo de desenvolvimento da
criança, relembrando seu valor social, para além do resultado esperado – o que auxilia no desen-
volvimento da aprendizagem e da regulação emocional atrelado a esse processo. Disponível em:
https://bit.ly/3rWofSm. Acesso em: 17 maio 2021.

Apesar de ser recomendado para todas as fases do desenvolvimento (LIMA, 2018), na terceira
infância é importante o estímulo à prática de atividades que possibilitem a aquisição e aprimora-
mento de habilidades motoras, para maior domínio dessas capacidades. A atividade física é re-
levante não apenas para o desenvolvimento, mas também por verificar-se que a obesidade e o
questionamento sobre a própria imagem corporal tendem a surgir durante a terceira infância, o

43
que terá impacto principalmente para o âmbito psicossocial durante a adolescência. De acordo
com Papalia e Feldman (2013), a obesidade prejudicial à saúde frequentemente aparece como
resultado de uma tendência genética agravada por muito pouco exercício físico e alimentação
excessiva ou equivocada, sendo recomendável para alunos do Ensino Fundamental uma média de
150 minutos de educação física por semana.

UNIDADE 02
Do ponto de vista psicossocial, na terceira infância a criança torna-se mais consciente de seus
próprios sentimentos e dos sentimentos dos outros – em avanço às habilidades adquiridas na
segunda infância –, com a verbalização de emoções conflitantes. Isto é, há a possibilidade de com-
preensão de pontos de vista diversos mesmo em relação a si própria e suas emoções. Uma criança
nesse período pode compreender que é possível não se sentir bem em relação a alguma nota
obtida na escola e, ainda assim, ir bem em outras disciplinas, ou sentir-se bem em relação a seus

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colegas independentemente disso.
O conhecimento de regras culturais aumenta, o que possibilita a expressão emocional mais
aceitável. As crianças tendem a se tornar mais empáticas e pró-sociais nessa época, sendo que
esse mecanismo pode possuir até mesmo uma base maturacional, com a ativação pré-frontal
do cérebro aos 6 anos (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Há um aumento das atividades em grupos de
pares, mesmo de maneira espontânea, o que permite uma menor influência parental e auxilia no
desenvolvimento da autonomia. Por conta da ênfase no aspecto social nesse momento, também é
possível observar o fenômeno do bullying se tornar mais frequente com crianças dessa faixa etá-
ria. Por bullying entendemos a agressão persistente e deliberada dirigida a uma pessoa específica,
que normalmente apresenta uma característica que a torna diferente dos padrões socialmente
construídos naquela sociedade, escola ou mesmo família (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Embora seja possível identificar transtornos na saúde mental em outros momentos da infância, é
entre os 6 e 11 anos que há uma maior quantidade de diagnósticos sendo utilizados para compreen-
der os problemas no desenvolvimento esperado das crianças dessa idade. Veremos alguns principais
desses mais à frente em nossa disciplina e entenderemos, também, a problemática que cerca o pro-
cesso de diagnósticos excessivos em crianças para seu desenvolvimento. Por ora, podemos desta-
car, entretanto, que alguns dos diagnósticos mais recorrentes nessa faixa etária (PAPALIA; FELDMAN,
2013) têm relação com transtornos de conduta, que são padrões repetitivos de comportamento
agressivo ou antissocial que violam as normas sociais hegemônicas ou o direito dos outros. De
modo geral, os principais diagnósticos emitidos a crianças dessa idade são: TDO (transtorno desafia-
dor de oposição), fobia escolar e outros transtornos de ansiedade, fobia social, transtorno de ansieda-
de generalizada, TOC (transtorno obsessivo e compulsivo) e depressão infantil. Também são comuns
diagnósticos relacionados à capacidade de aprendizado da criança, dada a centralidade e importância
dessa atividade para sua vida e seu desenvolvimento, como veremos ao final de nossa disciplina.

1.4 ADOLESCÊNCIA E VIDA ADULTA


Conforme havíamos destacado, entendemos a adolescência como o período do desenvolvi-
mento que vai dos 11 aos 20 anos de idade, considerado de modo geral um período de transição
à vida adulta, a qual, por sua vez, compreende a faixa de idade dos 20 anos aos 65 anos, de modo

44
geral. Vamos entender agora as características específicas dessa transição e sua importância para o
desenvolvimento, bem como, avaliar como esse período lança as bases para a relativa estabilidade
no desenvolvimento que observamos na vida adulta.
Como demais períodos do desenvolvimento, a adolescência consiste em uma construção
social que, assim como a infância, remete ao período moderno da história da humanidade, em

UNIDADE 02
especial a partir da industrialização e do domínio do modo capitalista de produção. Comumente
observamos no senso comum a concepção de que a adolescência é um período em que as crian-
ças são guiadas basicamente pelos hormônios advindos do período de puberdade e, portanto,
têm comportamentos menos controlados, enquanto buscam provar que são adultas e estão ap-
tas a ter sua autonomia. Mas de onde vêm essas concepções sobre a imagem do adolescente?
E será que elas estão corretas?

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Como a adolescência é uma construção histórica, podemos entender que o comportamento
guiado por “hormônios” não é algo eterno na história do desenvolvimento humano e que, por-
tanto, apenas recentemente demarcamos essa faixa etária como transição e vemos a influência
específica dos hormônios nessa fase. Porém é inegável o papel que a puberdade tem no desen-
volvimento humano.
Por puberdade entendemos a série de alterações hormonais e físicas que ocorrem durante a
adolescência e que levam à maturidade sexual (BEE; BOYD, 2011). E, de fato, os hormônios, que
são secreções de várias glândulas do corpo, governam as mudanças e o crescimento puberal ob-
servados nesse período. Ainda que não possamos entrar em detalhes sobre os efeitos que cada
hormônio acarretará no corpo humano, vale destacar que o processo da puberdade possui dois
estágios: o primeiro corresponde ao início da secreção de hormônios androgênicos entre os 6 e
8 anos, que irá contribuir para o crescimento mais rápido do corpo, maior oleosidade e desen-
volvimento de odores corporais; já o segundo estágio ocorre com o amadurecimento dos órgãos
sexuais, que ativa um segundo surto de produção hormonal. Ao todo o processo puberal leva nor-
malmente entre 3 a 4 anos para ambos os sexos (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
As principais e mais explícitas mudanças advindas da puberdade relacionam-se à maturidade
sexual. Observamos o desenvolvimento de caracteres sexuais primários, que são os órgãos
diretamente relacionados à reprodução, os quais aumentam de tamanho e amadurecem du-
rante a adolescência. E também se nota mudanças em caracteres sexuais secundários, aqueles
sinais fisiológicos de amadurecimento sexual que não envolvem diretamente os órgãos sexuais,
como o desenvolvimento de seios em meninas, a mudança na voz e o crescimento de pelos
faciais em meninos e o crescimento de pelos corporais em ambos gêneros (BEE; BOYD, 2011;
PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Além dessas grandes mudanças fisiológicas, também verificamos que a busca pela autonomia
terá papel fundamental no desenvolvimento psicológico nesse momento da vida. Num processo
já intensificado pela puberdade, vemos que as brincadeiras e a atividade de estudo que guiavam
o desenvolvimento anteriormente perdem sua centralidade para a comunicação íntima e pessoal
com os pares, posteriormente retornando somente como atividade profissional de estudo. Veja-
mos o que isso significa.

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FIGURA 2 - A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA

UNIDADE 02
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Segundo Rios e Rossler (2017), sob uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento,
com a ampliação dos interesses cognitivos e o progressivo alargamento das relações sociais, na
adolescência a comunicação íntima e pessoal auxilia o indivíduo a formar pontos de vista acerca
da vida, dos relacionamentos e de si próprio e seu futuro. Essa possibilidade é uma necessidade
e uma consequência da socialização que se inicia na terceira infância e terá centralidade durante
o período inicial da adolescência. Por esse motivo, o desenvolvimento é bastante afetado por
questões de relacionamento sociais nesse período da vida. Nesse momento, exigir a responsa-
bilidade e explicitar uma atitude de respeito diante do adolescente é bastante importante para
sua personalidade, cognitiva e social, pois ele está bastante próximo da vida adulta e requer ser
inserido nela sempre que possível.
Dada a importância dos relacionamentos sociais e o impacto das condições de vida no desen-
volvimento, também é possível verificar nesse período a continuidade do processo diagnóstico já
revelado na terceira infância. Papalia e Feldman (2013) destacam como a imagem corporal é um
aspecto essencial à adolescência, tendo em fenômenos como a anorexia (transtorno alimentar
caracterizado pela autoinanição) e a bulimia nervosa (transtorno alimentar no qual a pessoa de-
seja esvaziar o corpo após ingerir alimentos, seja por meio de laxantes, vômito induzido, jejum ou
excesso de exercícios) aspectos críticos para a saúde mental nessa esfera. Também na adolescên-
cia, a prevalência de depressão aumenta, com cerca de 9% de crianças entre 12 e 17 anos já tendo
experienciado ao menos um episódio de depressão maior (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Com a progressão do desenvolvimento e a conquista de maior cognição e autonomia, o ado-
lescente também experienciará a vontade e necessidade de se preparar para a tão desejada inser-
ção no mundo adulto. Após se dedicar à comunicação íntima e pessoal, conquistando visões de
mundo próprias e relações sociais mais fortes, o próximo passo do desenvolvimento é a dedicação
novamente à atividade de estudo, porém, agora, com foco já no âmbito profissional, que será
fundamental na sua organização de vida adulta. A atividade profissional de estudo, portanto, per-

46
mite a aquisição de ferramentas – teóricas e práticas – para a atividade profissional, o pensamento
teórico com níveis elevados de abstração e generalização, sentimento fortes diante de questões
sociais e interesse em transformar a realidade, como uma busca de sentido pessoal na atividade
cotidiana (RIOS; ROSSLER, 2017).
Considerando que vivemos em uma sociedade na qual a principal fonte de renda da maior

UNIDADE 02
parte da população é a venda de sua mão de obra por meio do assalariamento (trabalho formal),
em que busca se dedicar e se aprimorar com objetivo de obter melhores condições, não nos é
estranho notar como o trabalho passará a determinar uma importante parte do desenvolvimento
e sua estabilidade, como veremos na idade adulta.
Tanto do ponto de vista psicossocial quanto do neurofisiológico, ao alcançar a idade adulta o
desenvolvimento terá um dos seus momentos de maior capacidade. A densidade óssea atinge

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seu auge dos 20 aos 30 anos, assim como a força e a coordenação motora (PAPALIA; FELDMAN,
2013); o desenvolvimento do cérebro, embora nunca finalizado, encontra-se “completo”; a fibra
muscular está em seu melhor desenvolvimento no corpo humano. Tudo parece apontar para um
estágio em que o desenvolvimento chega ao seu ponto mais alto e, por consequência, ao seu fim.
Todavia, como lembramos, o desenvolvimento não é somente influenciado pelo aspecto biológico
maturacional da vida humana e é necessário que as pessoas tenham condições para utilizar e se
realizar a partir do desenvolvimento que obtiveram até então.
Na vida adulta, como mencionado, a atividade de trabalho terá um importante papel, como
organizador do tempo, das relações sociais e de si próprio, bem como, há o surgimento da
possibilidade de uma organização pessoal disposta a partir de uma nova unidade social, a criação da
própria família. Verificamos, desse modo, que a construção do desenvolvimento em seus estágios
até o momento dependerá de uma organização social para manutenção de suas conquistas e
possibilidades de avanço. Podemos imaginar o papel que terá o desenvolvimento muscular obtido
até o momento no caso de uma pessoa que não dispõe de tempo ou condições para se exercitar.
E o mesmo pode ser dito para todos aspectos do desenvolvimento humano.
Essa relativa estabilidade vivenciada a partir dos 20 anos, considerando os domínios físico, cogni-
tivo e psicossocial, deverá se manter, em condições sociais ideais, até os 45 anos, em média, quando
o corpo humano começa a revelar sinais de algum desgaste que devem ser atentados pela Psicologia
do Desenvolvimento. Falamos, assim, do processo que posteriormente chegará à senescência.

1.5 SENESCÊNCIA
Para além das condições singulares que cada pessoa experiencia durante o processo de vida
adulta, bem como os aspectos de saúde, gênero, raça/etnia, nível socioeconômico que determina-
rão de sobremaneira o modo como se dará seu desenvolvimento e, mesmo, sua estabilidade, em
níveis gerais podemos observar que algumas características neurofisiológicas sofrem perdas em
idades a partir dos 40 anos.
Papalia e Feldman (2013) elencam algumas das principais alterações que vivenciamos nesse
período: 12% dos adultos de 45 a 65 anos experimentam declínios na visão, presbiopia (perda pro-

47
gressiva associada à idade, da capacidade dos olhos focalizarem objetos próximos), presbiacusia
(perda gradual da audição, associada à idade, em especial sobre frequência mais altas a partir dos
55 anos), redução da sensibilidade gustativa e olfativa, redução da força e coordenação motora,
fibra muscular sendo substituída por gordura, diminuição gradativa do metabolismo basal (uso
de energia para manter as funções vitais), redução na capacidade de atenção, degeneração da

UNIDADE 02
mielina, afinamento da camada de gordura sob a pele e rigidez das moléculas de colágeno, o que
torna a pele mais flácida. Enfim, essas e várias outras alterações são notáveis durante o processo
de envelhecimento próprio do corpo humano e parecem indicar um processo negativo de perdas
do desenvolvimento conquistado. Porém, também podemos encarar esse processo sob outras
lentes, como veremos a seguir.
Entendemos a senescência como “Período de vida marcado por declínios no funcionamento

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


físico, normalmente associado à idade; começa em idades diferentes para pessoas diferentes”
(PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 576). Ainda segundo as autoras, possuímos dois mecanismos de
envelhecimento. O envelhecimento primário diz respeito ao processo gradual de deterioração
física ao longo da vida. Já o envelhecimento secundário refere-se ao processo de envelheci-
mento resultante de doenças, abusos e maus hábitos físicos passíveis de serem evitados. Ou
seja, temos um envelhecimento que é resultado de um processo normal de deterioração soma-
do a um envelhecimento que corresponde a formas desgastantes do próprio viver a vida, seja
por via externa ou por via interna.
Porém, para a Psicologia do Desenvolvimento, devemos compreender, para além dos diversos
sinais de envelhecimento presentes em uma pessoa, a sua idade funcional, que é uma medida
da capacidade de uma pessoa funcionar efetivamente em um ambiente físico e social em compa-
ração com outras pessoas da mesma idade cronológica (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Isto é, uma
idade que se referencia naquilo que possível para uma pessoa, para além do somatório das suas
características físicas e cognitivas.
É importante notar, também, que o cérebro, apesar de apresentar características de envelheci-
mento (funcionamento mais lento), também apresenta a atuação de sua plasticidade. Assim como
em outros momentos do desenvolvimento, o cérebro humano no processo de senescência atua
em esquema compensatório, objetivando manter um funcionamento ideal, mesmo quando verifi-
ca que algumas de suas áreas estão prejudicadas, buscando novas vias e conexões que permitam
seu processo de funcionamento.
Alguns dos principais problemas que interferem nesse mecanismo compensatório cerebral no
período de senescência são a demência, o mal de Alzheimer e o mal de Parkinson. Vejamos o que são
esses problemas segundo Papalia e Feldman (2013). A demência é caracterizada ela deterioração no
funcionamento comportamental e cognitivo em razão de causas fisiológicas na pessoa. O mal de Al-
zheimer, por sua vez, corresponde a um distúrbio cerebral, progressivo, degenerativo e irreversível,
no qual há uma deterioração cognitiva e perda do controle das funções corporais, levando à morte.
Por fim, o mal de Parkinson é um distúrbio neurológico degenerativo, irreversível e progressivo, ca-
racterizado por tremores, rigidez, movimentos lentos e postura instável.

48
Todavia, Reis e Facci (2016) enfatizam que não apenas é possível, como também fundamental,
a manutenção de atividades práticas e cognitivas capazes de auxiliar no processo de desenvolvi-
mento durante o período da senescência. Os autores destacam que, se o trabalho, a família e as
relações sociais estabelecidas foram motivos principais para a estabilidade na vida adulta, não é
possível esperar que a velhice ocorra sem maiores perdas se retiramos esses aspectos da vida da

UNIDADE 02
pessoa. Assim, seria importante compreender a velhice sob uma perspectiva social para atual em
conjunto com as possíveis perdas – físicas, cognitivas e sociais –vivenciadas nesse período.
Os motivos que poderiam constituir uma crise para o desenvolvimento, como a saída do mundo
formal do trabalho, a perda da maior proximidade com a família, o afastamento de relações sociais
com o envelhecimento, também podem ser parte de um processo de reorganização saudável para
o desenvolvimento, em que a pessoa possui mais tempo para se dedicar a atividades que propor-

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


cionam mais saúde, mas de acordo com seus interesses, estreitar laços sociais e atuar ativamente
em processos que exijam sua cognição.
Desse modo, com o aumento da expectativa de vida (idade máxima que uma pessoa nascida
em determinado momento histórico provavelmente viverá) nas últimas décadas e o aumento da
população de idosos no Brasil (REIS; FACCI, 2016), é fundamental que entendamos as complicações
vivenciadas pela pessoa em processo de envelhecimento, mas que também busquemos alterna-
tivas que não permitam que a senescência seja simplesmente considerada um aspecto negativo
da vida, como oposto do desenvolvimento vivenciado até aquele momento. Exigindo condições
adequadas de vida, em nível individual e social, e estudando as possibilidades disponíveis para a
velhice, a Psicologia do Desenvolvimento tem uma chave fundamental para garantir um processo
mais saudável às pessoas nesse momento de suas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a jornada pelas principais etapas do desenvolvimento humano, observamos a dificuldade
de encerrar seu conteúdo, considerando a infinitude de conteúdos passíveis de serem mais bem
estudados e capazes de influenciar direta ou indiretamente na vida do sujeito, tanto singular quan-
to coletivamente.
Nesta segunda Unidade, verificamos como os domínios físicos e psicossociais do desenvolvimento
entrelaçam-se e se determinam mutuamente ao longo de todo processo, sendo impossível conceber
algum desses fatores independentemente. A perspectiva histórico-cultural da Psicologia do Desen-
volvimento utilizada ao longo deste material demonstra como, para cada preparação biológica, neu-
rofisiológica ou maturacional, há uma atividade e um nível de inserção social correspondente, que
não apenas vai depender do aparato físico para lhe fornecer suporte, mas também vai exigir desse
aparato maiores desenvolvimentos, em um processo dialético de constante movimento.
Assim como a ciência do desenvolvimento em seu início trouxe contribuições elementares para
que se pudesse estudar a infância e suas principais características, alterando a forma como esses
indivíduos eram inseridos na sociedade em níveis quase radicais, a Psicologia do Desenvolvimento

49
almeja realizar o mesmo processo ao longo de todo o ciclo de vida humana. Compreender, pois, os
fatores que determinam a maneira como nos desenvolvemos garante não apenas uma contribuição
à ciência enquanto teoria, mas também pode auxiliar nossa prática cotidiana como profissionais, en-
tendendo as demandas de cada sujeito singular, em seus aspectos físicos, cognitivos e psicossociais.

UNIDADE 02
ANOTAÇÕES

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50
UNIDADE

03
DESENVOLVIMEN-
TO COGNITIVO E
APRENDIZAGEM

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» Descrever o processo de desenvolvimento cognitivo na criança;

» Definir o que são e como funcionam as funções cognitivas;

» Definir o que são e como funcionam as funções executivas;

» Caracterizar o papel da psicomotricidade no desenvolvimento infantil.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://bit.ly/3hSNJME https://bit.ly/3AHRBrn https://bit.ly/39phPCY


INTRODUÇÃO
Até o presente momento de nossa disciplina, abordamos as diferentes concepções de desen-
volvimento no percalço de sua construção histórica, os debates que protagonizaram seus princi-

UNIDADE 03
pais avanços e os dilemas que permanecem exigindo respostas de todos os profissionais que se
dedicam à ciência do desenvolvimento ou áreas afins. Estudamos as características elementares
de todas as fases do desenvolvimento em seus domínios físico e psicossocial, bem como as ca-
racterísticas que encontram estabilidade e instabilidade ao longo do percurso de cada sujeito
singular em sua história de vida, em contato direto com seu ambiente e as relações sociais que
balizam esse processo.

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Nesta terceira Unidade, iremos nos concentrar nos processos de conhecimento adquiridos ao
longo do desenvolvimento, com especial enfoque na infância, e as funções psicológicas centrais
para uma compreensão mais integral da forma como somos influenciados por nosso ambiente
e nossos próprios corpos. Desse modo, caso você já tenha se perguntado como aprendemos a
aprender ou como é possível a evolução de uma criança que, com o tempo, passa da resolução
de simples contas de matemática a complexas equações de segundo grau, esta Unidade almeja
apresentar algumas respostas nessa direção. Abordaremos aqui o desenvolvimento cognitivo de
modo geral na infância e, em seguida, falaremos sobre a especificidade desse desenvolvimento
nas funções psicológicas da atenção, percepção, memória e linguagem. Também entenderemos
como somos capazes de regular tantas informações e ações ao mesmo tempo por meio das fun-
ções executivas. E, por fim, verificaremos como nossos corpos estão diretamente envolvidos em
nosso desenvolvimento psicológico, por meio da psicomotricidade.

1. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA
CRIANÇA
Imagine a seguinte situação: Ana Clara, uma
criança de 4 anos, monta um quebra-cabeça en-
quanto seus pais assistem à TV na sala de estar da
família. Tudo ocorre em harmonia e sem maiores
percalços, até que a criança encontra um buraco
no quebra-cabeça montado e não consegue achar
a peça adequada que está faltando naquele lugar.
Após tentativas de encaixar diversas peças aleatoria-
mente no local faltante, Ana Clara pede auxílio dos
pais, falando que não consegue resolver ou que o
quebra-cabeça está “quebrado”. Seus pais, buscan-
do o desenvolvimento da filha e focados na progra-

52
mação da TV, dizem para ela continuar tentando e que logo encontrará a resposta. A criança tenta
mais algumas peças aleatórias, sem muito raciocínio sobre sua adequação, e depois para e fica
olhando para o quebra-cabeça montado e as peças faltantes; então seus pais a ouvem falar em
tom de voz mais baixo, para si: “A peça que falta tá no canto, então tem que ser uma peça de can-
to”. Ao final de sua frase, Ana Clara encontra uma peça com apenas três “lados” e a encaixa no

UNIDADE 03
local que faltava, e os pais observam felizes a capacidade da filha.
As idades podem variar, bem como as atividades que exigem o raciocínio infantil, mas cenas
como essa descrita são bastante comuns no desenvolvimento da criança e, como veremos, até
mesmo nas atitudes simples, como as alternativas escolhidas por Ana Clara para a resolução de
seu problema, é possível observar diversas etapas importantes do domínio cognitivo e da crescen-
te relação que a criança possui de controle do seu comportamento e do ambiente ao seu redor,

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por meio de suas intervenções.
Mas, afinal, o que entendemos por desenvolvimento cognitivo? Como você deve ter apreen-
dido em nossas Unidades anteriores, o desenvolvimento humano apresenta determinados movi-
mentos e estabilidades para se adaptar à trajetória de vida de cada pessoa, observando domínios
físicos, psicossociais e cognitivos. Enquanto o domínio físico refere-se às conquistas de crescimento
orgânico, maturação neurofisiológica, psicomotora e suas conexões, o domínio psicossocial refe-
re-se ao modo particular do indivíduo em vivenciar as experiências de sua vida, as relações sociais
e seus impactos no desenvolvimento. A cognição, por sua vez, remete-nos ao ato ou processo de
conhecimento que envolve a utilização e coordenação de várias ferramentas ou instrumentos
mentais, como: atenção, percepção, processamento, memória, raciocínio, visualização, planifi-
cação, resolução de problemas, execução e expressão de informação (FONSECA, 2014).
Nessa seção, portanto, iremos descobrir como se desenvolve o processo de conhecimento in-
fantil, de suas formas mais elementares às mais complexas, buscando compreender, de modo ge-
ral, o significado da cognição para o desenvolvimento humano. Para essa tarefa, lançaremos mão
de dois autores já abordados em nossa disciplina, que destacaram seu foco no desenvolvimento,
precisamente nas maneiras de conhecer o mundo experienciadas pela criança: Lev Vigotski e Jean
Piaget. Esses dois autores irão embasar nossa compreensão de desenvolvimento cognitivo, porém
o conteúdo aqui abordado não se resumirá somente às suas teorias, bem como as principais con-
cepções de desenvolvimento cognitivo não se resumem somente à contribuição deles, existindo
uma miríade de abordagens válidas presentes em nosso campo.
A contribuição de Vigotski para o entendimento do desenvolvimento cognitivo estará presen-
te ao longo de todas as seções da presente Unidade, por ser uma das principais chaves do desen-
volvimento humano como um todo. Em suas pesquisas e teorias, o soviético buscava investigar
e demonstrar como, a partir da linguagem, o ser humano deixa a esfera da espontaneidade
biológica e atua com base em preceitos socioculturais que permitem um comportamento de
nível superior ao comportamento animal. As conclusões que Vigotski obteve permitiram aos
cientistas verificar como as mais diversas esferas da cognição e do desenvolvimento de modo
geral alteravam-se e se requalificavam ao serem mediadas por mecanismos culturais da lingua-
gem. O próprio autor destaca que:

53
O MOMENTO DE MAIOR SIGNIFICADO NO CURSO
DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL, QUE DÁ
ORIGEM ÀS FORMAS PURAMENTE HUMANAS DE

UNIDADE 03
INTELIGÊNCIA PRÁTICA E ABSTRATA, ACONTECE
QUANDO A FALA E A ATIVIDADE PRÁTICA, ENTÃO
DUAS LINHAS COMPLETAMENTE INDEPENDENTE
DE DESENVOLVIMENTO, CONVERGEM.
- (VYGOTSKI, 1991, P. 20)

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


Desse modo, observamos como a fala (ou a linguagem), ao contribuir de maneira significativa
nos diversos domínios do desenvolvimento, permite a atuação cada vez mais humana das crianças
– e também dos adultos – diante dos problemas que encontram em seu ambiente e em si mesmos.
Mas como isso ocorre?
Para o autor, o desenvolvimento cognitivo poderia ser compreendido – para além dos estágios
e atividades destacadas em nossa 1ª Unidade – como um mecanismo de internalização de capa-
cidades e relações sociais externas para sua ocorrência de modo interno. Esse processo seria ele-
mentarmente mediado por signos e instrumentos. Vejamos como isso ocorre.
A internalização das atividades socialmente enraizadas é a capacidade de, progressivamente,
o indivíduo emular as atividades, que antes se davam de forma externa em uma relação social,
de modo interno, como processo psicológico. Ou seja, passando das atividades interpessoais às
habilidades intrapessoais. Esse processo de desenvolvimento cognitivo ocorreria por meio de três
principais transformações:
a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e passa a
ocorrer internamente;
b) Um processo interpessoal é transformado em uma função intrapessoal;
c) Essa transformação do interpessoal para o intrapessoal ocorre por meio de uma longa série de
eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento.
A habilidade especificamente humana para a linguagem permite às crianças providenciarem ins-
trumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, superando uma ação impulsiva, planejando a
solução para um problema antes de sua execução e, assim, controlando seu comportamento. Os
signos e palavras constituem, para as crianças, antes de tudo um meio de contato social com outras
pessoas. As funções cognitivas e de comunicação da linguagem constituem, assim, a base de uma
forma nova e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais (VIGOTSKI, 1991).
O signo, destarte, é um estímulo artificial existente ou autogerado capaz de ser colocado em
uma operação cognitiva entre o estímulo original e a resposta automática. Em outras palavras, o
signo possui um papel de mediação na cognição infantil e pode apreender palavras, frases, figuras,

54
números e conceitos de modo geral que sejam capazes de realizar essa tarefa. Em seus experimentos,
Vigotski e seus colaboradores notaram que, de acordo com o desenvolvimento infantil e com a dificul-
dade da tarefa proposta, as crianças requeriam cada vez mais a utilização de signos como mediações
para alcançar as respostas almejadas e de modo mais planejado. Ao mesmo tempo, o instrumento é
o objeto mediador de forma externa, algo capaz de auxiliar na ação humana para execução de seus

UNIDADE 03
objetivos. Podemos pensar nos instrumentos como ferramentas que permitem ao indivíduo realizar
tarefas e alterações em seu ambiente que, sozinho, seria incapaz. Um exemplo de instrumento mais
simples é uma cadeira sendo utilizada para alcançarmos um objeto em um local muito alto.

SAIBA MAIS

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Vigotski descreveu um experimento que realizou com seus colegas para estudar o comporta-
mento de escolha em crianças (VIGOTSKI, 1991). Pediram a crianças de 4 ou 5 anos para que
pressionassem uma de cinco teclas de um teclado assim que fosse possível identificar uma
série de figuras-estímulo, cada uma com um correspondente em cada tecla. O resultado que
chamou atenção dos pesquisadores foi como o processo de escolha das crianças se realizava
por via motora, em uma sequência de movimentos para comparar, testar e então selecionar a
tecla adequada. No adulto, o comportamento seria de, após visualizar a figura-estímulo, pensar
consigo e apertar a tecla correspondente, num único movimento. Esse experimento permitiu
aos pesquisadores apreenderem que a mediação dos signos possibilitava um maior controle do
comportamento e a redução da necessidade de sua expressão motora, resumindo o processo
de decisão a alguns raciocínios internos.

De acordo com Vigotski (1991), a possibilidade da utilização de signos como forma de mediar o
comportamento e o raciocínio forneceria uma das principais chaves para a compreensão do com-
portamento humano. Mesmo no exemplo do quebra-cabeça que descrevemos, é possível notar o
papel da fala para a execução da tarefa de Ana Clara. Primeiro, a criança tenta diversas peças em
uma execução quase imediata de seus comportamentos, depois refere-se aos pais pedindo auxílio,
tentando utilizar suas palavras e os adultos como mediadores e, por fim, fala consigo mesma de
modo a organizar quais são as etapas necessárias para alcançar aquilo que deseja, refletindo pre-
viamente e, então, selecionando uma peça específica para o local que estava vazio.
Em síntese, são essas etapas que o cientista histórico-cultural Vigotski verificou no desenvolvimen-
to cognitivo humano. Ao nascer, a criança não possui ferramentas para mediar seu comportamento,
agindo de acordo com o modelo estímulo-resposta quase imediato. Com o desenvolvimento e as
relações sociais que a englobam, a criança passa a ser capaz de utilizar a linguagem primeiro para co-
municar suas necessidades aos outros, depois falar consigo mesma acerca daquilo que precisa (fala
egocêntrica) e, posteriormente, utilizar os signos de maneira interna, mediando desde o princípio
seu comportamento. A compreensão de que a presença da mediação da linguagem requalifica todas
as funções psicológicas humanas foi um dos pontos decisivos da teoria vigotskiana e estará presente
em todas a discussões de desenvolvimento cognitivo que teremos nesta Unidade.

55
FIGURA 1 - O PROCESSO DE MEDIAÇÃO

SIGNO

UNIDADE 03
ESTÍMULO RESPOSTA

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Fonte: Vosgerau (2021).

Como observamos, o desenvolvimento cognitivo engloba o processo em que a fala, progressi-


vamente, vai se deslocando do final da ação para seu acompanhamento e, depois, para seu início,
permitindo um planejamento e abstração. Desse modo, há a passagem das funções elementares
– biologicamente condicionadas – para as funções superiores, cuja característica essencial é a es-
timulação autogerada, ou seja, a criação e o uso de estímulos artificiais que se tornam a causa do
comportamento. Para Vigotski, portanto, as características fundamentais que deverão ser observa-
das no desenvolvimento cognitivo referem-se mais à capacidade da linguagem em permear as fun-
ções psicológicas das crianças ao longo dos períodos de seu desenvolvimento, com isso verificando a
capacidade intencional de controle de seu comportamento e resolução de tarefas da mais alta gama
de dificuldades. Afinal, “A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente de-
senvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana” (VIGOTSKI, 1991, p. 41).
Com base na abordagem histórico-cultural de Vigotski, compreendemos que a linguagem é um
mecanismo central para a organização e transformação cognitiva no desenvolvimento infantil como
uma forma de mediação do comportamento para a elaboração de tarefas mais complexas e mediadas.
Mas de quais outras maneiras a Psicologia do Desenvolvimento compreende a evolução da cog-
nição no âmbito infantil? Segundo Papalia e Feldman (2013), é possível destacar seis abordagens
principais, além da que mencionamos até o momento:
» Abordagem behaviorista (comportamental) – estuda os mecanismos básicos da aprendiza-
gem, verificando a resposta comportamental da criança diante das experiências que encon-
tra e vivencia.
» Abordagem psicométrica – mede e avalia as diferenças quantitativas nas capacidades cog-
nitivas, por meio de testes capazes de realizar essa avaliação.
» Abordagem piagetiana – refere-se à qualidade do funcionamento cognitivo, à sua estrutura
e adaptação ao ambiente.
» Abordagem do processamento de informação – tem seu foco na percepção, aprendizagem,
memória e resolução de problemas. Objetiva descobrir como as crianças processam as infor-
mações que chegam até elas e as utilizam.

56
» Abordagem da neurociência cognitiva – busca a identificação de quais estruturas do cére-
bro estão envolvidas em aspectos específicos da cognição.
» Abordagem sociocontextual – analisa os efeitos ambientais dos processos de aprendizagem
e cognição, principalmente das figuras dos pais e cuidadores.

UNIDADE 03
De modo geral, todas essas abordagens estarão presentes em nossa Unidade para falarmos
sobre cognição, atenção, percepção, memória, linguagem, funções executivas e desenvolvimento
psicomotor infantil. Para abordar o desenvolvimento cognitivo e aproveitar o diálogo mais profícuo
com a teoria histórico-cultural vigotskiana, porém, vamos retomar e sintetizar as contribuições de
Jean Piaget e sua teoria cognitivista para a análise do desenvolvimento cognitivo infantil.
Na abordagem piagetiana, vimos como os principais mecanismos cognoscitivos da criança

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


e do adolescente vão se elaborando por meio de aquisições e transformações presentes em
determinadas etapas específicas do desenvolvimento. A partir da organização ou adaptação de
esquemas, a criança se adequa às expectativas de si e de seu ambiente e transforma qualitativa-
mente seu próprio repertório à medida que entra em contato com experiências e necessidades
cada vez mais complexas.
Mas, se para Vigotski a fonte do desenvolvimento cognitivo viria da internalização de signos,
instrumentos e conteúdos sociais presentes nas mais diversas relações como forma de mediação
do próprio comportamento, quais seriam as causas do desenvolvimento cognitivo para Piaget?
Segundo Bee e Boyd (2011, p. 170), “Piaget sugeriu justamente que existe um plano inato para
desenvolvimento cognitivo [...], mas que ele depende de fatores ambientais para sua total expres-
são”. Ao contrário do autor soviético, Piaget acreditava que as mediações criadas pela criança em
seu desenvolvimento cognitivo tinham caráter inato e determinado, que dependeria da capacida-
de ambiental para que possa alcançar sua total expressão. Verificamos que ambos os autores dão
profunda relevância ao contexto ambiental, porém de maneira bastante diversa. Enquanto para
Vigotski o meio faz parte daquilo que será internalizado no desenvolvimento cognitivo, para Piaget
o ambiente possui qualidade de critério para o sucesso do desenvolvimento cognitivo, já, a seu
modo, pré-determinado.
Conforme afirmam Bee e Boyd (2011), as quatro causas do desenvolvimento cognitivo na teo-
ria piagetiana seriam: transmissão social, experiência, equilibração e amadurecimento. A trans-
missão social refere-se à informação que a criança obtém em uma ou sucessivas experiências
com outras pessoas, a nomeação de objetos e fenômenos, bem como, as razões para os acon-
tecimentos poderão auxiliar ou entrar em conflito com os esquemas já elaborados pela criança,
alavancando o seu desenvolvimento. A experiência corresponde às próprias oportunidades que
a criança tem para agir sobre o mundo e observar o resultado de suas ações, requalificando os
esquemas que possui a partir desse mecanismo. A equilibração, como vimos, é o mecanismo
pelo qual há a reestruturação periódica de esquemas para criar um equilíbrio entre assimilação
e acomodação. E, por fim, o amadurecimento, em especial o amadurecimento cerebral, tam-
bém influiria de maneira elementar na velocidade do desenvolvimento cognitivo, fornecendo as
bases biológicas para a cognição.

57
Não obstante tenhamos explorado de maneira sucinta as periodizações propostas por Piaget
para o desenvolvimento, iremos retomar e especificar algumas contribuições específicas que
cada etapa do desenvolvimento infantil apresenta para a cognição e a compreensão de si e do
mundo, de modo a verificar o direcionamento geral do desenvolvimento cognitivo de acordo
com a teoria cognitivista.

UNIDADE 03
Como verificamos, para o biólogo suíço Piaget, há três pontos principais de equilibração do de-
senvolvimento cognitivo que, por sua vez, demarcam a existência de quatro períodos específicos
na cognição humana: o estágio sensório-motor (de 0 a 2 anos); o estágio pré-operatório (de 2 a 7
anos); o estágio das operações concretas (7 a 11 ou 12 anos); e o estágio das operações formais
(11 ou 12 anos em diante). Vamos entender as contribuições de cada período para o desenvolvi-
mento cognitivo, de acordo com Bee e Boyd (2011) e Papalia e Feldman (2013).

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


No estágio sensório-motor notamos seis subestágios e seis desenvolvimentos fundamentais à
cognição que merecem nossa atenção. Lembrando que esse período compreende as crianças da
primeira infância, de 0 a 2 anos. Vejamos os subestágios no quadro a seguir, elaborado de acordo
com Bee e Boyd (2011):

QUADRO 1 - SUBESTÁGIOS DO PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR PARA PIAGET

NOMENCLATURA
SUBESTÁGIO IDADE CARACTERÍSTICAS
DE PIAGET

Nascimento Utilização de reflexos ou esquemas ina-


1 Reflexos
ao 1º mês tos, incondicionados e imediatos.

Acomodação de esquemas básicos


Reações circulares (olhar, agarrar ou sugar). Início da
2 1 a 4 meses
primárias coordenação de esquemas envolvendo
diferentes sentidos.

Maior consciência de acontecimentos


Reações circulares alheios ao próprio corpo, com tentativas
3 4 a 8 meses
secundárias de os fazer acontecer novamente, em
forma de aprendizagem.

Comportamentos de meios e fins inten-


cionais mais explícitos. Transferência
Coordenação de es-
4 8 a 12 meses modal cruzada (transferência de informa-
quemas secundários
ção de um sentido a outro). Imitação de
comportamentos novos.

Experimentação com busca de


12 a 18 Relações circulares
5 novas formas de manuseio e
meses terciárias
brincadeiras com objetos.

18 a 24 Início do pensamen- Desenvolvimento do uso de símbolos para


6
meses to representativo representação de objetos ou eventos.

Fonte: Adaptado de Bee; Boyd (2011).

58
Os seis desenvolvimentos cognitivos principais que esse período lega à criança são: imitação,
permanência do objeto, desenvolvimento simbólico, categorização, casualidade e manipulação
numérica. As aquisições cognitivas desses desenvolvimentos fundamentais apontam para uma
incipiência nas capacidades de compreender o ambiente que cerca a criança, com um progressivo
avanço a partir da possibilidade da utilização de símbolos, característica do pensamento represen-

UNIDADE 03
tativo. Esse fato demonstra uma convergência entre Vigotski e Piaget, revelando que as capacida-
des cognitivas da criança se transformam e se requalificam sob bases simbólicas com a progressão
do desenvolvimento.
No período que segue, o estágio pré-operatório, podemos notar algumas características cog-
nitivas que apontam para o início da possibilidade de operações mentais envolvendo esquemas
mais simbólicos e conceituais, porém ainda atuando mais de acordo com a incipiência dessas ope-

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


rações. São características cognitivas desse período:
» Centração – concentração limitada a um aspecto da situação em detrimento de outros;
» Irreversibilidade – incompreensão sobre a possibilidade de reverter algumas operações re-
tornando a seu conteúdo ao original;
» Foco maior em estados do que em transformações – incapacidade cognitiva de entender
que a diferença entre estados de uma matéria pode ocorrer com sua transformação (por
exemplo: a mesma quantia de água pode parecer à criança como mais ou menos quantidade
de acordo com o copo em que se encontra);
» Raciocínio transdutivo – a criança segue detalhes aparentemente sem nexo em um mesmo
raciocínio, atribuindo causa e consequência onde não necessariamente existem;
» Egocentrismo – a criança acredita que todas as pessoas ao seu redor possuem o mesmo
ponto de vista que o seu e não consegue conceber situações em que isso seja diferente;
» Animismo – atribuição de vida a objetos inanimados;
» Incapacidade de distinguir aparência e realidade – a aparência dos objetos confunde a
criança por não corresponder à sua realidade (notamos essa característica nas suas percep-
ções sobre alimentos; por exemplo, a criança pode achar um alimento gostoso, pois tem
uma aparência bonita para ela e vice-versa).
No período que compreende o estágio das operações concretas, observamos a perspectiva do
uso de esquemas ou operações mais complexas do ponto de vista simbólico, permitindo à criança
abordar o mundo e seu próprio comportamento com maior liberdade cognitiva, construindo as
principais conquistas desse período sobre as bases lançadas a partir das últimas etapas do desen-
volvimento anterior. Nesse momento da vida – que coincide, aproximadamente, com a terceira
infância – a criança desenvolve as seguintes capacidades cognitivas: pensamento espacial, rever-
sibilidade, categorização (inclusão de classe), seriação e inferência transitiva (compreensão de
formas e tamanhos diversos), raciocínio indutivo desenvolvido e raciocínio dedutivo incipiente,
conservação (uma mesma massa conserva seu peso mesmo em formatos diferentes) e capacida-
de de numérica (como fazer contas internamente).

59
Por fim, na adolescência, vemos a culminação do desenvolvimento cognitivo básico infantil com
o estágio das operações formais. Como observamos anteriormente, esse momento tem como
característica a habilidade de realizar operações de acordo com a lógica dedutiva, o que expande
de maneira considerável o universo de habilidade e possibilidade cognitivas da criança, posto que
esta é capaz de lidar com problemas bastante abstratos sem perder a linha de raciocínio ou o foco

UNIDADE 03
na problemática central.
O desenvolvimento cognitivo infantil para Piaget, portanto, está alicerçado sob a base da matura-
ção neurofisiológica da criança, porém revela seu verdadeiro caráter de progressão de acordo com as
possibilidades cognitivas que a criança adquire, de manusear símbolos e os utilizar como instrumen-
tos para a execução de esquemas cada vez mais complexos, que alcançarão o nível mais abstrato no
raciocínio dedutivo e moral característico da adolescência e do estágio das operações formais.

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Com as abordagens vigotskiana e piagetiana do desenvolvimento cognitivo, conseguimos vis-
lumbrar a linha geral que esse desenvolvimento apresenta na infância e qual direção deve ser
verificada e trabalhada para a busca de um processo mais saudável de crescimento e educação
para as crianças. Esse desenvolvimento, porém, realiza-se de maneira mais concreta a partir da
organização e utilização das funções psicológicas da cognição, como atenção, percepção, memó-
ria e linguagem. O que são e como se comportam essas funções ao longo do desenvolvimento
será o tema de nossa próxima seção, em diálogo próximo com o desenvolvimento cognitivo
geral apontado até aqui.

2. FUNÇÕES COGNITIVAS: ATENÇÃO, PER-


CEPÇÃO, MEMÓRIA E LINGUAGEM
Se entendemos o desenvolvimento cognitivo como a progressiva capacidade de utilização de fer-
ramentas e habilidades mentais para o processo de conhecimento e execução de atividades sobre si e
sobre o mundo, com as funções cognitivas entenderemos quais são essas ferramentas e qual o seu pa-
pel no complexo funcionamento mental que cada um de nós apresenta e desenvolve ao longo da vida.
O entendimento sobre as funções cognitivas que temos atualmente permite que o estudo de
cada uma dessas funções seja aprofundado a níveis que demandariam diversas páginas só para
introduzir o assunto. Além disso, o número de funções psicológicas que conhecemos expande-se
com o progresso científico que obtemos ao longo da história. Vigotski, por exemplo, concebia as
funções psicológicas superiores (funções tipicamente humanas) como: memória, consciência, per-
cepção, atenção, fala, pensamento, vontade, formação de conceitos e emoção. A concatenação
dessas funções psicológicas atuando em conjunto caracterizaria os períodos do desenvolvimento
e as possibilidades cognitivas humanas de modo geral. Em nosso objetivo de entender a cogni-
ção junto da Psicologia do Desenvolvimento, abordaremos quatro funções cognitivas elementares
para o processamento de informações e compreensão dos níveis de desenvolvimento de crianças
e adultos, sendo elas: a atenção, a percepção, a memória e a linguagem.

60
2.1 ATENÇÃO
A todo momento, somos bombardeados por um infinito número de estímulos de todas as qua-
lidades e graus possíveis, advindos de fontes externas e internas, sendo que muitos desses estí-
mulos exigem uma resposta nossa, seja ela automática ou consciente. Como vimos sobre o desen-

UNIDADE 03
volvimento cognitivo, a possibilidade de planejar uma ação e realizar uma quantidade menor de
movimentos para executar aquilo que desejamos exige que sejamos capazes de manter o foco em
alguns estímulos principais e ignorar outros que não farão parte daquela tarefa específica. Quem
realiza essa tarefa para nós é a atenção.
De modo geral, a atenção pode ser definida como a seleção de informação necessária, com
o asseguramento de programas seletivos de ação e a manutenção de um controle permanente

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atuando sobre elas. O caráter seletivo daquilo que será o foco da atividade consciente, que é fun-
ção da atenção, manifesta-se igualmente em nossa percepção, nossos processos motores e nosso
pensamento (LURIA, 1979b).
Como em todo processo psicológico, portanto, deve haver um objeto dominante e um “fundo”
– para que haja um controle organizado do pensamento; assim podemos pensar na atenção de
acordo com critérios para sua avaliação, como: volume da atenção, sua estabilidade e suas osci-
lações. Ou seja, utilizamos esses critérios de modo a avaliar a capacidade de nos mantermos com
foco em um mesmo estímulo, na intensidade desse foco e no processo de mudar o foco e retornar
ao objeto original de acordo com as situações experienciadas.
Podemos pensar na situação que está ocorrendo enquanto você lê esta apostila como um gran-
de exemplo de atenção. Sua capacidade cognitiva desenvolvida ao longo de anos é capaz de per-
ceber estímulos diversos de seu ambiente, bem como outros pensamentos e sensações que possa
ter, e, ainda, realizar um esforço consciente para se manter lendo esta frase. Com isso, dizemos
que sua atenção está sendo mantida no objeto, que é esta apostila.
Um importante nome da Neuropsicologia, Alexander Luria (1902-1977), em seus estudos sobre
as bases neurofisiológicas das funções cognitivas humanas, argumentou que temos dois grupos de
fatores determinantes para a atenção, os fatores externos e os fatores internos. Entre os fatores
externos estariam a intensidade (força) do estímulo que chega à pessoa e a novidade do estímulo
(sua diferenciação daquilo que é percebido e conhecido), o que revela a importância do sentido e
do volume da atenção presente em um processo psicológico. Já os fatores internos poderiam ser
compreendidos como a própria organização da atividade humana (quais objetivos estão centrali-
zando a atenção); o automatismo próprio da ação (ações que realizamos repetidas vezes tendem
a demandar menor atenção centralizada); e o mecanismo de controle que a atenção exerce sobre
a atividade. Desse modo, “a atenção do homem é determinada pela estrutura de sua atividade,
reflete o seu processo e lhe serve de mecanismo de controle” (LURIA, 1979b, p. 6 ).
Podemos verificar a existência de dois tipos básicos de atenção, uma involuntária e outra arbi-
trária. A atenção involuntária pode ser observada em humanos e animais; refere-se à atenção que
é atraída como resposta a estímulos fortes, novos ou interessantes. Esse tipo de atenção possui
base no reflexo orientado que se resume a uma série de reações eletrofisiológicas, vasculares e

61
motora nítidas, que surgem sempre que acontece algo incomum ou importante na situação geral
em que se encontra a pessoa ou o animal. Assim, podemos pensar na atenção involuntária como
um reflexo incondicionado presente em nosso aparato neurofisiológico como forma de resposta a
estímulos em nosso ambiente.
A atenção arbitrária corresponde à forma especificamente humana de atenção e tem o caráter

UNIDADE 03
socialmente mediado. Mas que queremos dizer com socialmente mediado? Assim como obser-
vamos no desenvolvimento cognitivo explicitado por Vigotski, na atenção arbitrária observamos
que, inicialmente, o processo de focar em um objeto e direcionar sua ação a ele era realizado por
duas pessoas – o bebê e o cuidador – e, com a crescente internalização dessa relação e o apoio
da linguagem, a criança adquire a capacidade de direcionar sua atenção somente aos estímulos
advindos do objeto desejado, superando a resposta automática aos estímulos de outras fontes.

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“Com o auxílio da função indicativa das palavras, a criança começa a dominar sua atenção, criando
centros estruturais novos dentro da situação percebida” (VYGOTSKI, 1991, p. 27).
O desenvolvimento cognitivo da atenção ocorre, dessa maneira, de modo a dominar progressi-
vamente a capacidade de escolher a fonte de estímulos que se deseja focar, a partir de uma aten-
ção involuntária, originária do reflexo orientado.
No primeiro ano de vida, nota-se inicialmente que atenção involuntária obedece a regras de
estímulos fortes ou novos. A nomeação ou instrução adulta só permite reter a atenção se o objeto
referenciado se encontra no campo de visão e de maneira próxima à criança. No segundo ano, o
cumprimento da orientação verbal torna-se mais estável. Na metade do segundo ano, a instrução
organizadora possui base sólida, mas perde facilmente seu caráter regulador. Somente no terceiro
ano de vida, a instrução do adulto, completada com participação da própria linguagem da criança,
converte-se em fator que orienta solidamente a atenção.
A partir do terceiro ano, a criança será capaz de utilizar sua atenção de maneira mais orientada,
embora seu desenvolvimento ainda terá de percorrer o trajeto mais amplo abordado no início de
nossa Unidade, para se tornar cada vez mais autoconsciente e intencional, permitindo à criança,
por meio de signos auxiliares, escolher cada vez mais o objeto de sua atenção.

2.2 PERCEPÇÃO
Para podermos selecionar o foco de nossa atenção, porém, necessitamos desenvolver uma
capacidade cognitiva que nos permita compreender o ambiente ao nosso redor, bem como os
estados psicológicos internos que possuímos. Para que a atenção possa realizar sua tarefa adequa-
damente, portanto, precisamos de uma função cognitiva denominada de percepção.
Podemos definir a percepção como a atividade receptora do sujeito, em um processo de
unificação dos principais indícios (existentes e inexistentes) que chegam à pessoa com os co-
nhecimentos anteriores que ela tem do objeto percebido. Caso o objeto seja reconhecido nesse
processo, podemos dizer que se conclui a percepção; caso contrário, a procura por uma solução
persistirá (LURIA, 1979a). A percepção, nessa perspectiva, remete-nos à concepção piagetiana de
organização e adaptação, num processo de constante transformação dos esquemas para que pos-
sam compreender o ambiente da criança e suas capacidades em determinada experiência.

62
Importante destacar que, no processo perceptivo, estão sempre presentes componentes
motores. Isso porque, para que possamos falar da percepção de algo, precisamos apreender
que todo objeto possui mais de um estímulo em sua expressão, sendo sempre necessária uma
síntese dos estímulos recebidos de modo a perceber aquele objeto como tal, realizando mu-
danças motoras em nós mesmos a fim de verificar todas as expressões possíveis para definição

UNIDADE 03
daquilo que estamos percebendo.
Com isso, verificamos que o processo de percepção não é, de forma alguma, o resultado da
simples excitação de órgãos do sentido e unicamente da chegada ao córtex cerebral das exci-
tações registradas nos receptores periféricos (pele, olhos, ouvidos etc.). A percepção consiste
em uma atividade, pois, além da recepção das excitações periféricas, há um processo de rea-
nimação dos remanescentes das experiências anteriores, de modo a comparar a informação

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que chega até nós com as concepções anteriores que já apreendemos. Por isso, mesmo a mais
simples percepção consiste em um processo ativo de reconhecimento dos estímulos. Como
exemplo, podemos imaginar a percepção de uma cadeira ao ser arrastada pelo chão. Inicialmente,
recebemos estímulos de todas as informações disponíveis naquela cena: a imagem da cadeira, seu
material, sua posição se movendo, o som de seus pés sendo arrastado pelo chão, a intensidade
dos sons que chegam a nós etc. A habilidade cognitiva da percepção é capaz de receber todas
essas informações simultaneamente, organizá-las e compará-las com outras experiências que ti-
vemos com cadeiras sendo arrastadas, por exemplo, bem como o que conhecemos sobre esse
fenômeno, formando uma imagem integral em uma fração de segundo.

SAIBA MAIS

O córtex cerebral é uma fina camada (com espessura aproximada de 1 a 4 mm) mais externa de
nosso cérebro. Formado pela substância cinzenta (que contém o corpo celular do neurônio), é o
local de processamento neural mais sofisticado e distinto.

Luria (1979a) destacou quatro traços peculiares à percepção humana que a diferenciam da per-
cepção animal, os quais apresentam características próprias ao longo do desenvolvimento cogniti-
vo de cada pessoa em seu ciclo de vida. São eles:

» Primeiro traço peculiar – a percepção tem caráter ativo e imediato. Seu funcionamento
corresponde à comparação com experiências anteriores, em um processo de análise e sín-
tese que compreende a criação da hipótese do caráter do objeto perceptível e a decisão
acerca da adequação do objeto perceptível a essa hipótese.
» Segundo traço peculiar – a percepção possui caráter material e genérico. Principalmente
com o desenvolvimento humano, torna-se notável como o sujeito percebe não só o conjun-
to de indícios que lhe chega, mas também analisa esse conjunto em relação a determinada
categoria do conhecimento humano. Isto é, percebemos de modo estreitamente ligado aos
significados sociais dos objetos ao nosso redor.

63
» Terceiro traço peculiar – a percepção apresenta determinada constância e correção (or-
toscopicidade). O conhecimento anterior que possuímos de determinado objeto, junto do
conhecimento geral dos objetos humanos, permite-nos “corrigir” as pequenas imperfeições
dos órgãos de sensação, possibilitando uma percepção mais constante de formas objetais
que não se altera por conta dos “defeitos” naturais de nossos próprios órgãos periféricos.

UNIDADE 03
» Quarto traço peculiar – a percepção humana é móvel e dirigível. De acordo com a atividade
desenvolvida pelo sujeito ou por suas necessidades no momento, a percepção pode apre-
sentar maior foco em determinadas qualidades dos objetos em detrimento de outras. Pode-
mos pensar em um pintor que, por sua formação e profissão, é capaz de visualizar qual técni-
ca foi utilizada ao observar um quadro antes de perceber sua moldura ou outros elementos.
Com base nessas quatro peculiaridades da percepção, podemos verificar como o desenvolvi-

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mento dessa função cognitiva está mais relacionada a um caráter de reorganização qualitativa da
percepção com avanços na compreensão mais integral daquilo que chega a nós como estímulos
específicos do que um aumento da quantidade de estímulos que podemos perceber de uma só
vez. Ou seja, o desenvolvimento da percepção está diretamente relacionado com a qualidade com
que conseguimos realizar a síntese de determinado objeto e a comparação com experiências e
conhecimentos anteriores que possuímos (LURIA, 1979a). E isso não poderá se restringir somente
à percepção, pois, como lembra Vygotski (1991, p. 25-26), “A percepção é parte de um sistema di-
nâmico de comportamento; por isso, a relação entre as transformações dos processos perceptivos
e as transformações em outras atividades intelectuais é de fundamental importância”.
A percepção, por sua vez, pode ser categorizada de acordo com a natureza do estímulo que
recebe e analisa para formar sua imagem integral, e cada área vale-se de estruturas específicas
do cérebro e do sistema nervoso para seu funcionamento, possuindo especificações próprias para
seu desenvolvimento. As formas de percepção são divididas, conforme Luria (1979a), em: percep-
ção tátil, percepção visual, percepção do espaço, percepção auditiva e percepção do tempo.
Com a percepção de determinados estímulos, dependente da atenção focal que dispomos para
cada situação, também possuímos uma função cognitiva capaz de registrar o ocorrido e melhor
nos preparar para situações futuras: a memória.

2.3 MEMÓRIA
Em nosso cotidiano, constantemente percebemos a importância de lembrar sobre alguns
fatos que aconteceram em nossa vida, seja para poder fornecer a uma pessoa um recado
que lhe foi destinado, seja para lembrar em qual ano experimentamos determinado tipo de
culinária pela última vez. Mas será que a função da memória consiste apenas na recordação
de fatos específicos quando estes se tornam necessários à nossa cognição? Vamos pensar
um pouco mais sobre isso enquanto abordamos o funcionamento elementar da memória em
nossos processos psicológicos.
De modo geral, podemos compreender a memória como o registro, a conservação e a repro-
dução de vestígios da experiência anterior, registro esse que permite ao sujeito uma possibi-

64
lidade de acumular informação e, assim, operar com esses vestígios da experiência, mesmo
após o desaparecimento dos fenômenos que os originaram (LURIA, 1979b). Ou seja, a memória,
como ferramenta cognitiva, permite-nos continuar a operar com estímulos que já cessaram em
nosso ambiente, levando a uma complexificação de todo o processo de raciocínio e pensamento
no desenvolvimento humano.

UNIDADE 03
A memória humana encontra sua base mais elementar na memória fisiológica, que é a con-
tinuação de descargas elétricas no sistema nervoso mesmo após o fim de uma excitação única.
Os neurônios, por exemplo, não apenas recebem e reagem a sinais, mas também são capazes de
conservar vestígios dos estímulos que chegam a eles. Tanto o sistema nervoso como um todo
quanto o neurônio são capazes de reter o arquétipo do sinal apresentado e o comparar com os
novos estímulos sob períodos bastante longos (LURIA, 1979b). Apenas dessa base mais elementar,

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já podemos inferir a importância do processo de memória (mnemônico) para as demais funções
cognitivas, como a percepção.
A formação de determinado vestígio do estímulo recebido, porém, não significa a formação
de uma memória, sendo preciso a confluência de uma série de fatores para esse processo. Em
especial, é necessária a passagem de certo tempo. Isto é, a formação de memórias não ocorre
automaticamente, exigindo uma preparação neurofisiológica prévia (destacando a importância de
mecanismos como a atenção) e um tempo de consolidação posterior ao estímulo.
De modo geral, a compreensão de que esse tempo posterior à memória é necessário à conso-
lidação levou os cientistas a criarem critérios para divisão da memória em: memória breve (ou de
curto prazo) e memória longa (ou de longo prazo).
A memória breve consiste em um estágio no qual os vestígios do estímulo se formam, no
entanto ainda não se consolidam. A memória longa, por seu turno, representa um estágio em
que os vestígios não apenas se consolidam, como também podem existir durante muito tempo,
resistindo mesmo ao efeito destruidor de ações externas. Há áreas cerebrais, como o hipocam-
po, cujos neurônios são adaptados para a conservação de vestígios das excitações, comparação
destas com novas excitações, tendo, ainda, a finalidade de ativar as descargas em resposta ou
as inibir (LURIA, 1979b).
A memória de longa duração, como nos lembram Bock, Furtado e Teixeira (2018), depende
também de outros fatores de caráter fisiológico e emocional. Armazenamos por um longo período
apenas aquelas informações que são importantes para nossa vida, mesmo que sejam corriqueiras.
A memória, assim, apresenta também uma profunda ligação com a linguagem e com a trajetória
de vida singular de cada pessoa, já que os signos utilizados para esse processo psicológico e as in-
formações relevantes para a pessoa serão também determinados pela construção de sua história
de vida. Por exemplo, duas pessoas podem realizar juntas o mesmo trajeto para o trabalho todos
os dias, ao longo de meses, e após alguns anos somente uma delas lembrar exatamente o nome
das ruas pelas quais passavam, pois essa pessoa gostava muito do caminho realizado e das conver-
sas que tinham naqueles momentos.

65
Por fim, é importante lembrarmos que a memória verbal consiste na modalidade mais com-
plexa e mais elevada da forma especificamente humana de recordação. O maior volume de
conhecimentos e informações nos chega por via verbal e, assim, são fixados em associações
verbais em nossos processos cognitivos. A memória verbal refere-se menos às palavras utiliza-
das (vestígios de forma direta) e mais às ideias que nos foram transmitidas, em um processo de

UNIDADE 03
recodificação (LURIA, 1979b).
No desenvolvimento das funções cognitivas, a memória cumpre um papel fundamental, for-
necendo conteúdo ao próprio ato de pensar da criança. Como a capacidade de trabalhar com a
linguagem e seus signos desenvolve-se ao longo do tempo, verificamos que as lembranças con-
cretas ocupam um papel elementar do pensamento infantil antes mesmo do próprio pensamento
abstrato. Como lembra Vigotski (1991, p. 37): “do ponto de vista do desenvolvimento psicológico,

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a memória, mais do que o pensamento abstrato, é característica definitiva dos primeiros estágios
do desenvolvimento cognitivo”.

2.4 LINGUAGEM
Como viemos denotando, a linguagem consiste em uma função cognitiva elementar para a
compreensão do desenvolvimento de modo geral, dado que sua aquisição e complexificação im-
plica diretamente na mediação em qualidade superior de outras funções cognitivas. Embora não
nos seja possível aqui abordar em detalhes o papel da linguagem quanto a seu aspecto social, vale
apontar que o desenvolvimento dela percorre a direção que havíamos notado no desenvolvimento
cognitivo de modo geral. Isto é, a linguagem se constrói de modo a representar objetos, ações e
relações externas de maneira simbólica e interna. Por exemplo, ao mencionarmos o conceito de
mesa, não apenas você é capaz de visualizar uma mesa em sua cabeça, como também de pensar
em uma série de relações que esse conceito possui para você, desde seus possíveis usos às memó-
rias mais importantes ou recentes que você pode ter utilizando uma mesa. Dessa maneira, verifi-
camos que houve uma internalização de toda uma série de relações que ocorreram de maneira
externa para dentro de sua cognição.
Podemos pensar no desenvolvimento e utilização da linguagem em dois níveis fundamentais:
um baseado em uma concepção mais ampla da linguagem como mediadora do comportamento,
como verificamos em Vigotski (1991), e outro num sentido mais explícito da linguagem como o
desenvolvimento da capacidade de se expressar por meio de sons de maneira coesa e dotada de
significado, isto é, como fala. Vejamos como se desenvolve esse segundo nível de acordo com Bee
e Boyd (2011).
Ao nascer, o bebê encontra-se em uma fase pré-linguística que perdurará durante o primeiro
ano de vida, mas que não significa que ele não tenha capacidade de comunicação de modo geral,
apenas incapacidade para fala. O primeiro tipo de som que o bebê possui para sua comunicação é
o arrulho, constituído de sons de vogal repetitivos. Em torno dos 6 meses surge uma forma mais
complexa de comunicação denominada balbucio, bastante similar ao arrulho, o qual compreende
também consoantes e muda gradualmente com a passagem do tempo, para se adequar aos sons
incluídos na língua que o bebê está aprendendo a falar.

66
As primeiras palavras de fato aparecem aproximadamente quando a criança tem em torno de
1 ano, costumam ser altamente específicas e relacionadas ao contexto em seu significado. Inicial-
mente verificamos que a comunicação apresenta a característica de holofrases, uso de palavras
únicas combinadas com gestos para dar sentido em forma de frases. Essa forma de comunicação
compreenderá toda uma gama de significados que a criança está construindo para si e já atua de

UNIDADE 03
maneira a mediar o comportamento, como havíamos apontado anteriormente. Aos 2 anos, por
exemplo, já é possível notar a adaptação da linguagem ao contexto cultural específico da língua
utilizada, bem como seu uso para regular o próprio comportamento da criança.
O desenvolvimento de uma consciência acerca dos padrões sonoros da língua utilizada durante
a primeira infância é fundamental para a aprendizagem da leitura e da escrita, que nada mais é do
que a forma representada dos signos utilizados para a comunicação falada. Dessa maneira, auxiliar

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a criança na compreensão da correspondência som-letra, partes de palavras e em estratégias simi-
lares é elementar para o processo de alfabetização. Apesar de fundamental, não devemos resumir
a linguagem somente à alfabetização, sendo que essa função cognitiva segue realizando seu papel
mediador mesmo em pessoas não alfabetizadas, dado seu caráter simbólico. É válido notar, nesse
sentido, que a sequência de desenvolvimento da linguagem é consistente entre as mais diversas
línguas humanas, apontando para um processo regular de desenvolvimento do papel da lingua-
gem na cognição humana, apesar de suas especificidades culturais.
A contribuição da linguagem no desenvolvimento cognitivo, portanto, sobressai-se à linguagem
em sua forma de comunicação, escrita ou falada, para assumir o papel elementar de responsável
por todo o processo de atividade psicológica. Afinal, “O signo age como um instrumento da ativida-
de psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho” (VYGOTSKI, 1991, p.
38). Outro mecanismo psicológico importante para o controle, mediação e execução de atividades
consiste nas funções executivas, que serão o tópico de nossa próxima seção.

VÍDEO
O documentário “Borboletas de Zagorsk” aborda a importância e as potencialidades da lingua-
gem para o desenvolvimento humano ao mostrar a experiência de educadores russos no ensino
de crianças com deficiência auditiva e visual. Esse documentário permite a compreensão das
duas esferas da linguagem aqui apontadas e revela a potencialidade dos indivíduos ao encontra-
rem educação e mediações adequadas na sociedade em que vivem. Disponível em: https://bit.
ly/3lwgUI5. Acesso em: 01 jun. 2021.

3. FUNÇÕES EXECUTIVAS
Conforme fomos destacando ao longo de nossa Unidade, o desenvolvimento e o funcionamen-
to cognitivo não podem ser compreendidos a partir de suas funções isoladas, dado que todas as
funções atuam de maneira conjunta em um complexo sistema de potencialidades e limitações, de
acordo com as atividades e condições biológicas e sociais dispostas a cada pessoa na trajetória de

67
sua vida. Porém, para além de seu funcionamento conjunto, o ser humano desenvolveu, ao longo
de sua evolução, um mecanismo capaz de agir na regulação, verificação e execução de tarefas
complexas do comportamento, atuando de maneira sistêmica em relação às habilidades cogniti-
vas. Esse é o papel das funções executivas.
De modo geral, podemos definir as funções executivas como conjuntos de habilidades de con-

UNIDADE 03
trole top-down do comportamento. Isto é, habilidades que atuam na regulação e no controle
de outros processos comportamentais, como cognição e emoção. Segundo Dias e Seabra (2013,
p. 206), as funções executivas (FEs) “são requeridas sempre que o indivíduo se engaja em tarefas
ou situações novas, para as quais não possui esquema comportamental prévio ou automatizado,
bem como na resolução de problemas e no estabelecimento de objetivos”.
Muitas vezes, as FEs são referidas como um processo de metacognição, como um movimento de

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verificação do funcionamento adequado da cognição por si mesma. Podemos imaginar uma situação
em que uma criança precise manter o foco (atenção e percepção) em uma tarefa de casa de Português
(memória e linguagem) que teve naquela semana. Cada uma dessas funções cognitivas cumprirá um
papel imprescindível para a resolução daquela tarefa e atuará em conjunto em sua resolução, mas é pa-
pel das FEs verificar se esse trabalho está sendo executado de maneira satisfatória e tentar corrigir esse
processo durante seu desenvolvimento de acordo com os objetivos estipulados pela criança para si.
Há diversos componentes que possuímos para atuar nesse papel organizativo das funções exe-
cutivas, porém três são principais e tidos como sinônimos das FEs na maior parte do tempo. São
seus principais componentes: a inibição ou controle inibitório, a memória de trabalho ou memória
operacional e a flexibilidade cognitiva. Vejamos como cada uma dessas habilidades executivas opera.
A inibição ou controle inibitório atua como forma de domínio sobre um comportamento ina-
propriado, sendo capaz de inibir determinada resposta ou atuar como maneira de autocontrole,
de modo similar à autorregulação comportamental. Segundo Rocha (2018), podemos pensar o
controle inibitório como a habilidade de controle de atenção, comportamento, pensamento ou
emoções, de modo a sobrepor uma forte predisposição interna ou tentação externa, conseguindo,
assim, realizar aquilo que é mais apropriado ou necessário a determinada situação. Desse modo,
“A inibição é grandemente relevante em inúmeras tarefas e situações do dia a dia, pois provê ao
indivíduo o controle de seus processos cognitivos, emocionais e comportamentais, suplantando o
controle por eventos externos” (DIAS; SEABRA, 2013, p. 207). Podemos pensar na importância na
inibição como forma superior de comportamento culturalmente mediado, em que os estímulos
que chegam a nós do ambiente externo são passíveis de serem ignorados ou reduzidos por meio
de signos internos que organizam nosso comportamento.
A inibição, ainda, pode ser dividida em duas formas específicas. Como controle de interferên-
cia, atua no controle da atenção e na inibição cognitiva, envolvendo o direcionamento da atenção
para um dentre vários estímulos, também resistindo a determinados pensamentos ou memórias.
Como inibição de respostas, de maneira a impedir respostas automáticas ou equivocadas a de-
terminadas situações, mesmo nas quais estímulos intensos estejam demandando uma resposta.
Tarefas humanas complexas, como dirigir um carro, podem demonstrar a atuação dessas duas
formas específicas em conjunto para execução de tarefas determinadas.

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Outro principal componente das funções executivas é a memória de trabalho, cuja definição
pode ser compreendida como habilidade de realizar a manutenção da informação em mente
por tempo limitado e habilidade de manipulação da informação mentalmente, atualizando ou
utilizando os dados disponíveis. A memória de trabalho nos permite relacionar ideias, integrar
informações presentes com outras armazenadas na memória de longo prazo e lembrar sequências

UNIDADE 03
ou ordens de acontecimentos, sendo responsável pela organização e planejamento de comporta-
mentos complexos (DIAS; SEABRA, 2013).
Podemos abordar a memória de trabalho como
o componente das funções executivas capaz de
trabalhar com informações em abstração, organi-
zando os estímulos recebidos e os conhecimentos

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


disponíveis para o melhor planejamento e orde-
nação das ações, de acordo com os objetivos re-
queridos para o momento específico. Na memória
operacional, observamos em funcionamento a sín-
tese entre memória e atenção, compreendendo a
importância de reter determinada quantidade de
informação para se trabalhar com ela.
Por fim, temos a flexibilidade cognitiva, que é a última a se desenvolver na infância, devido à
necessidade das demais funções executivas para seu funcionamento. Refere-se à adaptação às de-
mandas do ambiente e adequação do comportamento a novas regras, envolvendo a mudança de
perspectiva (espacial e interpessoal) e a capacidade de adotar novas maneiras de pensar, criando
novas soluções para problemas antigos (ROCHA, 2018).
A flexibilidade cognitiva, portanto, diz respeito à plasticidade cognitiva que possuímos para bus-
car novas soluções ou diferentes perspectivas para os problemas com os quais nos deparamos em
nosso cotidiano. Isto é, como função de regulação, avaliação e execução, a flexibilidade cognitiva
aborda o trabalho de diferentes funções para a solução de problemas das maneiras mais diversas,
de acordo com as nossas necessidades em cada momento.
De modo geral, Dias e Seabra (2013) apontam para o lento desenvolvimento das funções exe-
cutivas ao longo da infância, o que as lega uma importante potencialidade e uma crítica limitação.
Como a principal área cerebral responsável pelas FEs (o córtex pré-frontal) é a última região do
cérebro a atingir sua total maturação, as funções executivas têm um período de desenvolvimento
longo, o que permite que sejam continuamente potencializadas pelas interações sociais, porém
também as deixa suscetíveis à vulnerabilidade em seu desenvolvimento por um tempo mais longo.
Além das funções cognitivas e executivas, temos também de abordar nossa habilidade de uti-
lizar nosso corpo, em coordenação motora, tanto para a resolução de tarefas com as quais nos
deparamos cotidianamente quanto para nosso desenvolvimento de modo geral. Entendendo, as-
sim, como o corpo e seu funcionamento motor consiste em um processo único e total do sistema
psicológico humano estudado pela Psicologia do Desenvolvimento, como parte da cognição e das
funções executivas. Vamos estudar, dessa maneira, o desenvolvimento psicomotor humano.

69
4. PSICOMOTRICIDADE E DESENVOLVIMEN-
TO INFANTIL

UNIDADE 03
Com o passar do tempo, em nosso desenvolvimento, automatizamos comportamentos com-
plexos e os tornamos de tal maneira inconscientes que fica difícil a nós relembrarmos a dificuldade
que tivemos com o aprendizado de seus mecanismos em todas suas operações. Quando falamos
da importância da linguagem para a mediação de toda função cognitiva e seu papel de comunica-
ção em todas as relações sociais, seja de modo escrito ou oral, pode ser também difícil reparar que
essa comunicação exige uma série de movimentos musculares muito precisos para sua efetivida-

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de. O mesmo pode-se dizer sobre movimentos mais gerais que empregamos em nosso cotidiano,
até mesmo em casa, como escovar os dentes, banhar-se, vestir roupas, cozinhar, enfim... uma
infinidade de atividades. Para todas essas atividades e todos esses movimentos, foram necessárias
etapas de aprendizado e desenvolvimento que nos permitissem a coordenação e execução ade-
quada de suas sequências, e esse é o papel do desenvolvimento psicomotor.
De acordo com Fonseca (2008), a psicomotricidade pode ser definida como o campo transdis-
ciplinar responsável pelo estudo e investigação das relações, influências, recíprocas e sistêmicas,
entre o psiquismo e a motricidade. Por sua vez, a motricidade é entendida como o conjunto de
expressões, mentais ou corporais, que envolvem funções tônicas, posturais e práxicas (sucessão
de movimentos com um fim determinado) que suportam ou sustentam as funções psicológicas.
Embora não sejam os únicos, podemos compreender a psicomotricidade no desenvolvimento
infantil de acordo com os seguintes elementos:
» Esquema corporal – Conhecimento pré-consciente que o sujeito possui de seu próprio cor-
po. A partir do esquema corporal é que nos posicionamos e interagimos com nosso ambien-
te, pensando em nosso tamanho e capacidades físicas para agir de acordo com as necessida-
des no momento, tanto para operações em movimento quanto em repouso.
» Lateralidade – Dominância lateral por um dos lados para realização de operações oculares,
manuais, pedais (em relação aos pés) e auditivas. Estabelece-se de maneira mais integral
por volta dos 4 anos de idade e é reforçada de acordo com as possibilidades e hábitos per-
mitidos de acordo com o ambiente da criança.
» Orientação espaço-temporal – Refere-se à orientação que possuímos em relação ao nosso
ambiente englobando o movimento também em sua forma temporal. Isto é, a capacidade
no desenvolvimento de formas de compreensão de suas possibilidades e do movimento no
ambiente de acordo com uma lógica específica de velocidade, espaço e as possibilidades de
intervenção nesse intervalo.
» Ritmo – Relacionado diretamente com a orientação espaço-temporal, esse elemento diz
respeito à capacidade de apreender as manifestações que acontecem consecutivamente de
forma sistemática, tanto em seus aspectos motores quanto em seus aspectos perceptivos.

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» Coordenação global ou motricidade ampla – Como observamos anteriormente, refere-se
à capacidade de execução de movimentos com os grandes músculos, como correr, escalar
e saltar.
» Coordenação ou motricidade fina – Movimentação coordenada da utilização dos músculos
periféricos, com maior coordenação olhos-mão.

UNIDADE 03
» Tônus e equilíbrio – Chamamos de tônus a tensão fisiológica dos músculos responsáveis
pelo equilíbrio estático, dinâmico, pela postura e, mesmo, a própria coordenação. É o ele-
mento que assegura as atitudes e as emoções das quais emergem todas as atividades mo-
toras humanas.
Pensar o desenvolvimento infantil de acordo com sua psicomotricidade a partir desses elemen-

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tos citados anteriormente requer, desse modo, apreender que, desde suas primeiras experiências
comunicativas às mais elaboradas atividades, a criança realiza seu desenvolvimento por meio do
movimento de si própria. Como explicita Fonseca (2008, p. 514): “A evolução da criança advém,
pois, de uma sequência e simultaneidade de processos de maturação e de hierarquização”.
A psicomotricidade apresenta um desenvolvimento em conjunto com as esferas cognitivas e
executivas aqui abordadas que, mesmo de forma resumida, permite-nos a percepção da integra-
lidade do desenvolvimento humano de modo geral. Fonseca (2008) afirma que a evolução psico-
motora tem sua evolução paralela à progressão psicolinguística, sendo impossível dissociar essas
duas esferas. O autor também elabora alguns critérios centrais à compreensão das fases do desen-
volvimento psicomotor, que seriam:
» Desenvolvimento do sistema de respostas inatas – neuromotricidade e os reflexos incon-
dicionados;
» Desenvolvimento do sistema motor global – como a locomoção, envolve a motricidade
ampla destacada acima;
» Desenvolvimento do sistema motor fino – micromotricidade, movimentos mais periféricos
e precisos, como a preensão;
» Desenvolvimento do sistema óculo-motor – coordenação mãos-olhos, refere-se à visuo-
motricidade e às praxias;
» Desenvolvimento do sistema audiomotor – a oromotricidade como fator psicolinguístico
de desenvolvimento das funções de recepção, integração e expressão da linguagem falada;
» Desenvolvimento das funções de visualização e de identificação visual – a grafomotricida-
de (integração, conexão e expressão da linguagem escrita);
» Desenvolvimento do sistema perceptivo – processo de compreensão e edificação da rela-
ção entre criança e ambiente, intermediada pelos fatores sociais.
Com base nessas etapas de complexidades diversas, que ocorrem em ordem cronológica pró-
pria, embora possuam influência mútua umas sobre as outras, compreendemos de maneira mais
acurada como ocorre e como deve se expressar o desenvolvimento psicomotor durante o período

71
da infância. Desse modo, podemos averiguar os critérios supracitados e buscar suas possibilidades
de funcionamento adequado na relação da criança com seu ambiente, entendendo as limitações
e potencialidades que podem exigir a intervenção de profissionais qualificados nesses aspectos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNIDADE 03
Ao final desta Unidade, você deve ter notado que o direcionamento geral do desenvolvimen-
to cognitivo humano está profundamente imbricado numa concepção integral de ser humano
e suas funções psicológicas. Como vimos, a cognição de modo geral, a atenção, a percepção, a
memória, a linguagem, as funções executivas e a psicomotricidade são momentos específicos

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do desenvolvimento que atuam em conjunto para que possamos intervir melhor sobre nosso
ambiente e sobre nós mesmos.
As funções que estudamos aqui são fruto de milhares de anos de desenvolvimento do ser hu-
mano e representam avanços radicais no desenvolvimento de cada indivíduo de modo singular,
que, ao seu modo, precisa refazer todo o percurso evolutivo da humanidade ao passo de uma só
vida. Por esse motivo, o aparato neurofisiológico em sua maturação, bem como as relações sociais
ao nosso redor servem para propiciar esse processo infinitamente complexo que é o desenvolvi-
mento humano em cada uma de suas iterações.
Tendo compreendido o desenvolvimento ao longo de todo o ciclo de vida humana, bem como
suas especificidades nos domínios cognitivo, físico-motor e psicossocial, falta-nos, agora, estudar
os principais distúrbios decorrentes do processo de desenvolvimento sob o foco da Psicologia do
Desenvolvimento. Esse será o tema de nossa próxima Unidade!

ANOTAÇÕES

72
UNIDADE

04
INTER-RELAÇÃO
PSICOLOGIA, FO-
NOAUDIOLOGIA E
ÁREA DA SAÚDE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

» Identificar os aspectos gerais dos principais distúrbios cognitivos;

» Identificar os aspectos gerais dos principais distúrbios neuropsiquiátricos na infância;

» Explicar as contribuições da Psicologia ao campo da saúde.

VÍDEOS DA UNIDADE

https://bit.ly/3zxlTvk https://bit.ly/3CC28F1 https://bit.ly/3hPraZ1


INTRODUÇÃO
Quando pensamos na prática profissional em esferas do conhecimento relacionadas ao desen-
volvimento humano, inevitavelmente nos deparamos com as áreas da saúde e da educação de

UNIDADE 04
maneira conjunta. Nessas esferas, diferentes profissionais e disciplinas apresentam uma contribui-
ção específica para o objetivo de fomentar e permitir o desenvolvimento integral mais adequado
a todas as pessoas que serão afetadas pelas práticas técnicas cotidianas.
Se até o presente momento de nossa disciplina objetivamos estudar o desenvolvimento em
seus mais diversos domínios e sua progressão esperada, iremos agora nos deparar com um ques-
tionamento que é, na maioria dos casos, a forma com que de fato entramos em contato com o de-

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senvolvimento como profissionais, isto é, a partir das dificuldades, dos transtornos e distúrbios do
desenvolvimento. Em especial, teremos como foco os distúrbios cognitivos e neuropsiquiátricos
que têm maior prevalência e relevância para o campo prático e teórico da Psicologia e da Fonoau-
diologia. Vale destacar, também, que, diversos distúrbios aqui abordados terão uma inter-relação
em seu desenvolvimento e execução, sendo que sua separação, ainda que momentaneamente,
ocorrerá somente com propósitos pedagógicos, sendo fundamental ao profissional estar atento à
complexidade do fenômeno na realidade.
Dessa maneira, objetivamos com esta Unidade fornecer material crítico para a avaliação diag-
nóstica dos distúrbios e transtornos relacionado ao desenvolvimento, em especial no período da
infância, entendendo suas relações com as funções cognitivas abordadas até o momento, com
os períodos do desenvolvimento e suas principais características e como expressões das teorias
psicológicas do desenvolvimento abordadas anteriormente. Ou seja, mostrando, pelo fenômeno
concreto, a síntese de muito (ou tudo) que estudamos até aqui. Vamos lá!

1. ASPECTOS GERAIS SOBRE DISTÚRBIOS


COGNITIVOS: DÉFICIT COGNITIVO, DISLE-
XIA E TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM
Como mencionado, abordaremos agora as principais dificuldades do desenvolvimento com
que podemos nos deparar no campo teórico e profissional da Psicologia e da Fonoaudiologia.
Abordar as dificuldades, porém, não significa uma separação do conteúdo que vínhamos dis-
cutindo em relação ao desenvolvimento; ao contrário, trataremos das expressões mais con-
cretas que costumam se apresentar ao profissional voltado às áreas da saúde e educação no
desenvolvimento humano.
Antes de prosseguirmos, no entanto, também precisamos explicitar sobre o que falamos
quando nomeamos questões cognitivas e neuropsiquiátricas do desenvolvimento como distúr-

74
bios, transtornos e dificuldades. Será que os podemos tratar como sinônimos? Acreditando na
importância de dispormos do saber científico para auxiliar o senso comum, diferenciaremos
cada um desses termos, para que possam ser utilizados de maneira adequada, de acordo com
o rigor exigido em cada situação, mas que não impeça seu diálogo com a coloquialidade para
abordar questões complexas.

UNIDADE 04
Entendemos como distúrbios as perturbações ou o mau funcionamento de órgãos ou fun-
ções vitais, como um distúrbio mental ou anomalia funcional de um órgão ou sistema especí-
fico. Por sua vez, os transtornos são, de acordo com Ohlweiler (2016), um conjunto de sinais
sintomatológicos, capazes de provocar uma série de perturbações no processo próprio de
aprendizado e desenvolvimento, de modo a causar interferência no processo de aquisição e
manutenção de informações de maneira acentuada. Por fim, as dificuldades são utilizadas

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como um termo mais global e abrangente em relação ao sujeito que as apresenta, sua relação
com o ambiente e possíveis desvios de percurso diante daquilo que é geralmente adequado
ao desenvolvimento.
Dessa maneira, observamos como distúrbios e transtornos possuem muito em comum em sua
relação com a perturbação de um sistema ou órgão específico de cada pessoa, enquanto as difi-
culdades têm um caráter mais aberto e almejam captar o senso de movimento e percurso dado a
determinado desvio enfrentado por cada sujeito.
Como verificamos em nossa Unidade anterior, podemos entender a cognição como o ato ou
processo de conhecimento pelo qual a atividade intelectual possui sua expressão. As aptidões
do processo do conhecimento, portanto, são sinônimas às aptidões cognitivas (FONSECA, 2008).
Assim, quando falamos sobre distúrbios cognitivos, desejamos abordar a perturbação ou o mau
funcionamento de um órgão ou sistema elementar ao processo de conhecimento e à expressão
da atividade intelectual de cada indivíduo.
Como veremos, os distúrbios cognitivos são particularmente notáveis em ambientes de apren-
dizagem durante a infância, sendo o principal deles a escola. Conforme abordado em nossa última
Unidade, entendendo a importância do processo de cognição para o desenvolvimento, sua iden-
tificação, seu diagnóstico e tratamento adequados serão essenciais para o desenvolvimento do
sujeito, posto que é por intermédio da cognição que nos desenvolvemos também nos domínios
físicos e psicossociais. Também por meio dos distúrbios cognitivos, poderemos entender de ma-
neira mais qualificada o funcionamento regular das funções psicológicas e as potencialidades e
limitações presentes em seu processo de desenvolvimento.
Vejamos de que modo o rebaixamento da capacidade cognitiva geral em relação ao esperado
para a idade se expressa e afeta o desenvolvimento a partir do déficit cognitivo ou deficiência mental.

1.1 DÉFICIT COGNITIVO


Ao mencionarmos neste material os avanços e as conquistas do desenvolvimento infantil,
principalmente na esfera cognitiva, destacamos que os períodos estipulados, suas idades e as
conquistas esperadas eram frutos de construções que assim se estabeleceram historicamente
e estavam sujeitos a mudanças de acordo com o padrão de entendimento e conhecimento da

75
sociedade. Agora iremos nos deparar com a outra face dessa mesma moeda: o que significa
afirmar que um desenvolvimento está aquém daquilo que, socialmente, estipulamos como ade-
quado para cada idade?
Para responder a essa pergunta, vamos abordar a temática do déficit cognitivo, que também

UNIDADE 04
pode ser nomeado como deficiência mental ou transtorno do desenvolvimento intelectual. De
modo geral, a deficiência mental está relacionada a limitações substanciais no desenvolvimento
corrente. De acordo com Fierro (2007), ainda que em termos mais descritivos que explicativos,
podemos pensar a deficiência mental como um funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, que tem de ocorrer juntamente com limitações associadas em duas ou mais das
seguintes áreas de habilidades adaptativas: cuidado pessoal, comunicação, vida doméstica, habili-
dades sociais, utilização da comunidade, autogoverno, saúde e segurança, habilidades acadêmicas

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funcionais, lazer e trabalho.
Podemos apreender dessa definição inicial que o déficit cognitivo ou deficiência mental diz res-
peito a um prejuízo geral da intelectualidade em relação à média esperada para aquela etapa do
desenvolvimento, prejudicando determinadas habilidades adaptativas do cotidiano social.
De modo geral, a deficiência mental começou a ser estudada no final do século XVIII e este-
ve bastante relacionada à psicometria (área da Psicologia voltada à avaliação e mensuração das
características psicológicas por meio de testes padronizados). Por esse motivo, seu diagnóstico
e reconhecimento foi desde muito cedo expresso por meio do QI (quociente intelectual), o que,
apesar de apresentar um rigor técnico e sistemático, por muito tempo impediu que se compre-
endesse a deficiência intelectual em termos educacionais e práticos (FIERRO, 2007). Para a OMS
(Organização Mundial da Saúde) e a APA (Associação Norte-Americana de Psicologia), todavia, os
critérios diagnósticos relacionados com o QI continuam sendo utilizados conforme os seguintes
critérios para aferir os níveis psicométricos de deficiência mental aproximados:

» Deficiência mental leve: QI de 55 a 70;


» Deficiência mental moderada: QI de 40 a 55;
» Deficiência mental séria: QI de 25 a 40;
» Deficiência mental profunda: QI abaixo de 25.

Apesar de sua sistematização, atualmente não se resume o diagnóstico de deficiência mental


somente aos critérios estabelecidos pela avaliação de QI de cada pessoa. Principalmente para a
prática profissional, busca-se entender o processo diagnóstico já aliado com as potencialidades
para mediações e possibilidades de retomada de um desenvolvimento adequado para o sujeito.
Como lembra Fierro (2007, p. 195), “A deficiência mental constitui uma condição permanente,
embora não imutável”. Sendo assim, o processo diagnóstico está relacionado ao percurso de mu-
danças possíveis desde seu momento inicial até o fim da vida da pessoa com deficiência mental.

76
SAIBA MAIS

O DSM é a sigla, em inglês, para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – em por-
tuguês, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Criado originalmente como DS-

UNIDADE 04
M-I, em 1952, pela Associação Norte-Americana de psiquiatria, esse manual apresenta critérios
de diagnóstico para todos os casos de alterações ou transtornos de ordem psíquica reconhecidos
cientificamente pela Psiquiatria, de acordo com a avaliação mais recente dos profissionais e das
pesquisas desenvolvidas. Seu objetivo é a padronização diagnóstica, o que é fonte de benefícios e
críticas até a contemporaneidade. A versão mais recente utilizada é o DSM-V, lançado inicialmen-
te em 2013, substituindo a versão anterior (DSM-IV, criado em 1994 e revisado em 2000).

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A deficiência intelectual é categorizada pela APA (2014) no Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-V) dentro dos transtornos de neurodesenvolvimento, sendo também
diferenciada em níveis de gravidade, como: leve, moderada, grave e profunda. Também estima
que esse distúrbio cognitivo apresente uma prevalência de 1% na população como um todo. Ainda
segundo a APA (2014), as características centrais estabelecidas como critérios diagnósticos que
devem estar presentes são:
a) Déficits em funções intelectuais como raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensa-
mento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência;
b) Déficits em funções adaptativas que resultam em fracasso para atingir padrões de desenvolvi-
mento e socioculturais em relação a independência pessoal e responsabilidade social;
c) Início dos déficits intelectuais e adaptativos durante o período de infância e adolescência.

A etiologia (causa ou origem de determinado fenômeno) da deficiência intelectual costuma


ser dividida em dois grupos: de origem biológica e de origem ambiental/psicossocial. Em 30 a
50% dos casos, porém, não é possível encontrar uma ou mais causas específicas para o fenômeno
(PAPALIA; FELDMAN, 2013). De acordo com a APA (2014), as etiologias mais reconhecidas como
causadoras da deficiência intelectual podem se dar: no período pré-natal (síndromes genéticas,
erros inatos do metabolismo, malformações encefálicas, doenças maternas e influências ambien-
tais); no período perinatal (eventos no trabalho de parto e nascimento que levem à perturbações
no funcionamento ou estrutura cerebral); e no período pós-natal (lesão isquêmica hipóxica, lesão
cerebral traumática, infecções, doenças desmielinizantes, doenças convulsivas, privação social gra-
ve e crônica, síndromes metabólicas tóxicas ou intoxicações).
Se focarmos no desenvolvimento pós-natal com base nas concepções cognitivas abordadas an-
teriormente, podemos entender a importância do convívio social não apenas como modo de pre-
venção ao déficit cognitivo, mas também no processo de sua mediação. Por meio do contato so-
cial, desenvolvemos os meios elementares que farão parte de nossa cognição, como a linguagem
na comunicação e no pensamento. Nos casos de déficit cognitivo, é necessária atenção para que
a condição experienciada pela criança ou adulto não a(o) esteja impedindo de realizar atividades
sociais de modo geral, contribuindo para a manutenção ou piora do quadro existente.

77
Sob um ponto de vista psicológico, devemos nos atentar também às determinações do déficit
intelectual presentes na personalidade do sujeito. Segundo Fierro (2007), o traço mais marcante
da personalidade em quadros de deficiência mental é a rigidez comportamental. Por conta de um
repertório cognitivo reduzido para sua etapa no desenvolvimento, o sujeito diagnosticado com dé-
ficit intelectual tende a preferir uma rotina bastante estabelecida e fixa, com elementos repetitivos

UNIDADE 04
e dentro de padrões controláveis e já experienciados anteriormente. Isso porque, como vimos, ao
desenvolver nossas habilidades cognitivas, vamos adquirindo meios para lidar com as situações
com base nos conhecimentos e experiências que já tivemos; sem esse desenvolvimento cognitivo,
situações novas podem parecer à pessoa como difíceis ou impossíveis de ser manejadas, gerando
angústia. Ainda conforme Fierro (2007, p. 199), “A pessoa com baixa capacidade intelectual en-
contra maiores dificuldades nessa adaptação [a mudanças] e, consequentemente, experimenta

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insegurança e ansiedade diante da novidade na situação ou na tarefa”.
Do mesmo modo, por possuir menos recursos cognitivos para lidar com determinadas situa-
ções, verifica-se nos quadros de deficiência mental uma dependência de estabilidade afetiva nos
relacionamentos interpessoais, como uma variação emocional maior e menor capacidade para li-
dar com adversidades. Uma das principais dificuldades que essa característica pode legar à pessoa
com deficiência mental é a dificuldade no processo de tomar decisões e realizar planejamentos de
vida que possam envolver prazos, meios e fins mais distantes.
Desse modo, verificamos que o déficit cognitivo está relacionado a um rebaixamento geral das
funções intelectuais capaz de alterar a capacidade do indivíduo de abordar situações novas ou que
envolvam elementos desconhecidos para si. Concomitantemente, podemos compreender como,
independentemente das razões de sua origem, o diagnóstico de deficiência mental não significa
que o desenvolvimento estará permanentemente alijado de progresso, sendo, ao contrário, funda-
mental a contínua inserção dessas pessoas em ambientes que lhes proporcionem a capacidade de
executar e desenvolver suas capacidades cognitivas de acordo com seus níveis possíveis.

1.2 DISLEXIA
FIGURA 1 – OBSERVANDO O MUNDO DA DISLEXIA

78
Ao abordarmos os distúrbios cognitivos, temos um foco mais explícito nas alterações capazes
de afetar significativamente o desenvolvimento humano sobre seus mais variados domínios. Um
distúrbio relativamente comum e que pode acarretar consequências bastante severas ao desen-
volvimento é a dislexia.
A dislexia pode ser compreendida de modo mais amplo como o transtorno manifestado por di-

UNIDADE 04
ficuldade na aprendizagem da leitura, independentemente de instrução convencional, inteligência
adequada e oportunidade sociocultural. No senso comum, temos uma visão bastante específica
da leitura como a capacidade de perceber, interpretar e compreender palavras de modo geral,
porém, será que a leitura se resume somente às palavras? De acordo com Rotta e Pedroso (2006,
p. 134), a leitura é “a interpretação de qualquer sinal que, chegando aos órgãos dos sentidos,
conduza o pensamento a outra situação além dele próprio”. A leitura compreende, desse modo,

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a interpretação de sinais gráficos convencionais utilizados para substituir sinais linguísticos da
fala, não sendo limitada à decodificação das palavras em sons, envolvendo também o processo
de dar sentido ao que está escrito. Sendo assim, a leitura é uma aprendizagem simbólica, que
envolve linguagem escrita, atenção, habilidade motora, vários tipos de memória, organização
de texto e imagem mental.
A dislexia como um distúrbio cognitivo, à primeira vista, representa, pois, uma dificuldade no
processo de leitura em todos ou alguns dos componentes envolvidos nesses processos mencio-
nados. Com base em Rotta e Pedroso (2006), podemos construir a definição de dislexia como
um transtorno específico do aprendizado de origem neurobiológica, caracterizado por difi-
culdades no reconhecimento exato das palavras, na fluência, na soletração e nas habilidades
de decodificação linguística escrita. Essas dificuldades resultam, a seu modo, de um déficit no
componente fonológico da linguagem não esperado em relação às outras habilidades cognitivas
e posterior a uma efetiva instrução escolar. Outros autores (MOOJEN; FRANÇA, 2006) delimitam
que a dislexia tem como definição o déficit específico de operações implicadas no reconheci-
mento das palavras que compromete a compreensão da leitura (escrita ortográfica e produção
textual também sendo comprometidas).
Uma importante ressalva para verificarmos se estamos diante de um caso de dislexia, porém, é
assegurar que se trata de um problema persistente, mesmo com tratamento adequado, passível
de apresentar sinais desde os primeiros anos de escolaridade, acompanhado de capacidade in-
telectual normal, com visão e audição normais, sem problemas psíquicos ou neurológicos graves
(MOOJEN; FRANÇA, 2016). Por que é importante realizar essa ressalva? Pois, como mencionamos,
muitos dos distúrbios cognitivos apresentam causas e expressões múltiplas, podendo o sintoma
de uma dificuldade de leitura se referir mais a uma lesão cerebral ou dificuldade visual específica
do que a um quadro de dislexia propriamente dito. Com esse cuidado, podemos evitar que muitas
crianças sejam diagnosticadas equivocada e precipitadamente e pensar nas condições adequadas
para seu tratamento.
O diagnóstico da dislexia tem início comumente com uma queixa de dificuldade de alfabetiza-
ção da criança, com pouco interesse pela leitura e escrita. Em condições socioculturais adequadas,
esse diagnóstico torna-se necessário e possível a partir da escolarização, tornando-se mais eviden-

79
te no período entre 6 e 7 anos, ou seja, no início da terceira infância. Muitas crianças apresentam
características de disfasia (distúrbio ou dificuldade na fala) antes de se confirmar a possibilidade
de dislexia. Rotta e Pedroso (2006) citam algumas características observáveis e bastante marcantes
para o diagnóstico de dislexia:
» Leitura e escrita muitas vezes incompreensíveis;

UNIDADE 04
» Confusões de letras com diferente orientação espacial (p/q; b/d);
» Inversões de sílabas ou palavras (par/pra; lata/alta);
» Confusões de letras com sons semelhantes (b/p; d/t; g/j);
» Substituições de palavras com estrutura semelhante (contribuiu/construiu);

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» Supressão ou adição de letras ou de sílabas (caalo/cavalo; berla/bela);
» Repetição de sílabas ou palavras (bolo de chococolate / eu jogo jogo futebol);
» Fragmentação inadequada (querojo garbola /quero jogar bola);
» Dificuldade na compreensão de texto lido.

Do ponto de vista psicológico, podemos observar alguns sinais como expressões de ansiedade
e baixa autoestima em temáticas relacionadas à leitura ou alfabetização como um todo. Também
é possível verificar um crescente desinteresse pelo ambiente escolar nesses casos, o que mostra
como é relevante estar atento aos mais diversos sinais no desenvolvimento infantil para a identifi-
cação de dificuldades específicas vivenciadas por cada criança. A dislexia, desse modo, vem acom-
panhada de diferentes fatores psicossociais que são capazes de tanto prejudicar quanto auxiliar a
criança em seu desenvolvimento. O papel dos profissionais nesse domínio está associado também
à habilidade de demonstrar à criança e aos pais que o distúrbio cognitivo não significa uma falta
de vontade ou simples incapacidade do indivíduo com dislexia, mas, sim, refere-se a uma condição
passível de melhorias e adequação ao modo de vida de cada um, embora permanente.
A etiologia desse distúrbio é similar ao que observamos na deficiência mental, podendo ser
compreendida entre fatores biológicos e ambientais ou multifatoriais. Geneticamente, as pesqui-
sas recentes verificaram uma estimativa de 35 a 40% de proximidade familiar na dislexia em paren-
tes de primeiro grau, o que revela uma forte hereditariedade. Do ponto de vista de características
adquiridas relacionadas à dislexia, podemos apontar malformação do sistema nervoso central
(SNC), mau desenvolvimento do SNC, problemas perinatais, danos no SNC pós-natal, privação
ambiental e oportunidade educacional inadequada (ROTTA; PEDROSO, 2016). Muitos desses fa-
tores podem figurar conjuntamente na causa de um quadro de dislexia, sendo importante investi-
gar todas essas possibilidades durante o processo diagnóstico.
Contemporaneamente, cientistas do desenvolvimento das mais diversas áreas têm conside-
rado a dislexia em três tipos diversos, de acordo com o mecanismo de dificuldade presente no
processo de leitura. A dislexia fonológica sublexical ou disfonética diz respeito a problemas na
conversão de fonemas (menor unidade sonora de uma língua) e grafemas (unidade fundamental
ou mínima da escrita) e/ou no momento de junção de sons parciais em uma palavra completa.

80
Nessa modalidade, o esforço maior para reconhecer palavras leva à dificuldade na compreensão
do que foi lido, pois exige dedicação extra da memória de trabalho (função executiva). Ou seja, o
processo de reconhecimento de palavras demanda maior complexidade, de modo a tornar difícil,
ao final de uma frase ou parágrafo, apreender seu conteúdo total, pois o foco esteve em cada pa-
lavra isoladamente.

UNIDADE 04
Na dislexia lexical não há um reconhecimento direto entre a forma visual da palavra, sua pro-
núncia e seu significado, isto é, não há um processo imediato de reconhecimento do símbolo das
palavras com seu reflexo simbólico no psiquismo. Nesses casos, observa-se que há a utilização do
processo fonológico para compensar as dificuldades no reconhecimento lexical direto, aplicando-
-se as regras de conversão som-letra mesmo em palavras conhecidas. Nesse caso, há dificuldades
relacionadas a palavras irregulares, com uma leitura lenta, com hesitações e erros frequentes. Por

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fim, verificamos a dislexia mista, que reflete a dificuldade das duas formas mencionadas anterior-
mente, tornando mais acentuado o comprometimento de leitura e exigindo vias mais diversas que
possibilitem o acesso às vias lexicais (MOOJEN; FRANÇA, 2016).
Durante o desenvolvimento, podemos observar várias manifestações da dislexia de acordo com
o nível de desenvolvimento singular de cada pessoa em seus domínios próprios e o ambiente em
que ela se encontra inserida. De acordo com Moojen e França (2016), podemos observar as carac-
terísticas da manifestação da dislexia nos seguintes períodos:
» Educação infantil (0 a 6 anos) – determinada lentidão no desenvolvimento de habilidades
e fala e linguagem expressiva; dificuldade em tarefas que exijam habilidades de consciência
fonológica (como dividir palavras em pedaços ou rimar); dificuldade para conhecer as letras
e evocar palavras (vocabulário restrito).
» Período escolar (terceira infância e adolescência) – desempenho inferior nas tarefas que
exigem consciência fonológica; dificuldade em nomeação rápida; dificuldade para aprender
a ler e escrever; memória verbal de curto prazo deficiente; dificuldade para aprender sequ-
ências comuns ao cotidiano (dias da semana, meses do ano); dificuldade para aprender lín-
guas estrangeiras; dificuldades matemáticas (se relacionadas a dificuldades interpretativas).
» Período adulto – tendência de leitura mais lenta, embora possa ler corretamente; dificulda-
de com ortografia e produção textual; dificuldade para aprender línguas estrangeiras.
Não obstante tenhamos focado em nossa Unidade no fenômeno da incompreensão adequada
da leitura a partir de bases neurológicas e sociais presentes na dislexia, atualmente observamos
que dificuldades similares podem ocorrer em áreas próximas à leitura e podem ter a mesma qua-
lidade de distúrbios cognitivos. Entre os principais distúrbios que achamos importante ressaltar
e que apresentam mecanismo similar à dislexia, estão: disgrafia (transtorno de aprendizagem
específico com prejuízo na expressão escrita); discalculia (prejuízo no domínio da matemática,
dificuldade em leitura e operação com conceitos numéricos); disgnosia (dificuldade ou alteração
na percepção dos objetos ao redor e sua interpretação; especifica-se de acordo com a área da per-
cepção afetada); e dispraxias (dificuldade ou impossibilidade de planejar e coordenar os próprios
movimentos motores, ocorrendo em crianças saudáveis).

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Por fim, é importante a psicólogos e fonoaudiólogos que se deparam com o distúrbio cognitivo
da dislexia, segundo Moojen e França (2016), trabalhar no sentido de garantir uma série de adap-
tações pedagógicas, principalmente no ambiente escolar. Como a dislexia aparece e apresenta
seus desafios centralmente na escola, e como as condições intelectuais da pessoa disléxica estão
preservadas, não havendo uma cura específica, é fundamental a capacidade de adaptar o processo

UNIDADE 04
de aprendizagem às necessidades do desenvolvimento do indivíduo nesses casos.
Ainda segundo os mesmos autores, há uma série de atitudes, propostas, avaliações e ensinos
complementares que podem ser utilizados para essas situações. O fundamental é a compreensão
da importância de uma equipe multidisciplinar atuando conjuntamente para permitir que as me-
diações necessárias aos níveis de dificuldade da criança, adulto ou adolescente sejam fornecidas,
de forma a evitar frustrações paralelas e mesmo dificuldades psicológicas, como decepções exa-

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cerbadas e baixa autoestima (MOOJEN; FRANÇA, 2016).
Desse modo, compreendemos como identificar e auxiliar profissionalmente o sujeito diagnos-
ticado com distúrbio ou transtorno disléxico, reconhecendo sua etiologia e principais expressões
ao longo do desenvolvimento. Para concluirmos os distúrbios cognitivos, porém, necessitamos
abordar o conjunto geral das dificuldades de aprendizagem com causas sociais e neurobiológicas,
no qual encontra-se a própria dislexia. Trataremos agora dos transtornos de aprendizagem.

1.3 TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM


Seguindo a definição que construímos anteriormente, podemos iniciar a abordagem dos trans-
tornos de aprendizagem diferenciando-os das dificuldades de aprendizagem. Enquanto as últimas
se referem a possíveis obstáculos de percurso em um processo de aprendizado que apresenta deter-
minada regularidade, os quais podem ser corrigidos ou superados ofertando-se ações pedagógicas
adequadas, os primeiros dizem respeito a uma inabilidade específica, como na leitura, escrita ou
cálculo, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para
seu nível e desenvolvimento, escolaridade e capacidade cognitiva (OHLWEILER, 2016).
De acordo com Bee e Boyd (2011), atualmente há uma grande dificuldade envolvendo os diag-
nósticos de transtorno de aprendizagem, dado que sua definição ampla permite que muitos casos
dessas dificuldades ou de complicações específicas de outros distúrbios, ao se aplicarem à apren-
dizagem, levem a um diagnóstico equivocado de transtorno de aprendizagem. Estima-se, por
exemplo, que a prevalência de transtorno de aprendizagem e seu diagnóstico seja de 5 a 15%,
dependendo da testagem utilizada (OHLWEILER, 2016).
Apesar disso, podemos nos orientar pela definição de que nos transtornos de aprendizagem os
padrões normais de aquisição de aprendizagem estão perturbados desde estágios mais iniciais do
desenvolvimento, não sendo resultados de outros transtornos, ainda que possam ocorrer conco-
mitantemente. Isso significa que, apesar de sua ampla abrangência, os transtornos de aprendiza-
gem são específicos ao desenvolvimento e apresentam uma consistência em perturbar padrões de
aprendizagem específicos ao longo das mais diversas fases do ciclo de vida de maneira específica.

82
Desse modo, temos como critério de classificação do transtorno as seguintes característi-
cas apresentadas pelo indivíduo: grau de compreensão substancialmente abaixo do esperado para
idade, nível cognitivo e escolarização; presença desde o início da escolaridade; persistente apesar
de atendimento específico; avaliação cognitiva descartando déficit cognitivo; afastadas causas am-
bientais e/ou secundárias; histórico de vida e familiar (OHLWEILER, 2016).

UNIDADE 04
A APA (2014) situa os transtornos de aprendizagem como específicos, de acordo sua dife-
renciação de demais distúrbios possíveis no desenvolvimento humano. Segundo o DSM-V,

O TRANSTORNO ESPECÍFICO DE APRENDIZAGEM É UM

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TRANSTORNO DO NEURODESENVOLVIMENTO COM UMA
ORIGEM BIOLÓGICA QUE É A BASE DAS ANORMALIDADES
NO NÍVEL COGNITIVO AS QUAIS SÃO ASSOCIADAS COM MA-
NIFESTAÇÕES COMPORTAMENTAIS. A ORIGEM BIOLÓGICA
INCLUI UMA INTERAÇÃO DE FATORES GENÉTICOS, EPIGENÉ-
TICOS E AMBIENTAIS QUE INFLUENCIAM A CAPACIDADE DO
CÉREBRO PARA PERCEBER OU PROCESSAR INFORMAÇÕES
VERBAIS OU NÃO VERBAIS COM EFICIÊNCIA E EXATIDÃO.
- (APA, 2014, p. 68)

Os transtornos de aprendizagem, portanto, referem-se ao grupo mais amplo de distúrbios que


podem ser enquadrados como específicos à aprendizagem. A dislexia anteriormente abordada –
bem como a discalculia e a disgrafia – é exemplo de um transtorno de aprendizagem, considerado
a partir da caracterização da dificuldade enfrentada pelo sujeito. Há também a possibilidade de
classificar os transtornos de aprendizagem de acordo com os critérios de causa e de funções psi-
cológicas alteradas.
Para o critério de causa, utilizamos a classificação de transtorno de causas primárias e secun-
dárias. As dificuldades primárias não têm causa psiconeurológica exata, considerando nesse cri-
tério os transtornos da leitura, da matemática, da expressão escrita, da linguagem falada ou da
linguagem expressiva. Já as dificuldades secundárias são consequentes de alterações biológicas
específicas e bem compreendidas, sendo o transtorno de aprendizagem uma consequência destas
(OHLWEILER, 2016). Quanto às funções psicológicas, verifica-se quais funções (como as estudadas
em nossa terceira Unidade) estão alteradas e se aborda o transtorno de aprendizagem com base
nas formas de mediação necessárias a essa função psicológica superior específica.
Tendo discutido os aspectos gerais dos principais distúrbios cognitivos passíveis de afetar o
desenvolvimento humano, iremos tratar, a seguir, de outra esfera que tem muita relação com
as questões cognitivas apresentadas até agora, porém afeta o desenvolvimento de maneira mais
global, requerendo uma compreensão distinta: os transtornos neuropsiquiátricos do desenvolvi-
mento na infância.

83
REFLITA

Como observamos, o processo de diagnóstico pode envolver complexas variáveis que muitas
vezes se interconectam ou são esquecidas em meio à totalidade que se observa. Você acredita

UNIDADE 04
que um diagnóstico equivocado pode trazer consequências negativas para o sujeito que o
recebe? Considere principalmente que o diagnóstico implica em um conhecimento de causas
na vida da pessoa e de alterações futuras para um tratamento adequado e retorno ao desen-
volvimento “esperado”.
Com base na sua resposta, reflita sobre o impacto dos diagnósticos equivocados na contem-
poraneidade, momento em que vemos um crescimento do número de pessoas com algum
diagnóstico próprio, seja por conta de suas dificuldades emocionais, psicológicas, de desen-

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volvimento ou sociais.

2. ASPECTOS GERAIS SOBRE DISTÚRBIOS


NEUROPSIQUIÁTRICOS NA INFÂNCIA:
TDAH, TEA E TOD
Como trabalhamos até o momento, a infância consiste em um período de sequências de con-
quistas elementares ao desenvolvimento, que permeiam a vida de um indivíduo até sua morte.
Aspectos como aquisição da linguagem, desenvolvimento das funções psicológicas superiores, ha-
bilidades motoras, habilidades psicossociais, entre diversas outras características essenciais, têm
sua gênese no desenvolvimento infantil e, por esse motivo, requerem especial atenção quando há
alterações psicológicas e comportamentais relevantes que prejudiquem esse processo conforme
ele é socialmente elaborado e incentivado. Assim, abordaremos os distúrbios neuropsiquiátricos
na infância de modo a permitir que os profissionais que se defrontem com casos similares estejam
aptos a buscar as melhores condições de desenvolvimento para o sujeito atendido.

2.1 TDAH – TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E


HIPERATIVIDADE
Imagine uma criança que, mesmo com o apoio adequado, segue apresentando algumas dificul-
dades no ambiente escolar e em suas relações com os colegas. Mesmo com ordens expressas para
realizar as tarefas, nunca as termina, saindo antecipadamente ou demonstrando não ter entendi-
do a proposição de modo geral; qualquer estímulo que acontece ao seu redor é capaz de retirar
completamente seu foco daquilo que estava estudando e, mesmo nos momentos em que está
tentando resolver uma atividade, está constantemente agitada, mexendo-se na cadeira e brincan-
do com os colegas ao redor. Com essa descrição geral, podemos estar diante de duas situações

84
complexas: a dificuldade de atenção e agitação pode significar apenas um momento mais ativo no
desenvolvimento infantil ou pode ser expressões de um caso de TDAH (transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade). Mas como diferenciar esses dois casos?
Ao contrário de um momento específico no desenvolvimento infantil, o TDAH tem caracterís-
ticas de um distúrbio de desenvolvimento que se inicia na primeira infância e pode continuar

UNIDADE 04
presente até a idade adulta. O TDAH pode ser definido como uma síndrome neurocomporta-
mental que apresenta sintomas classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e
impulsividade. “Portanto, o TDAH se caracteriza por um nível inadequado de atenção em relação
ao esperado para a idade, o que leva a distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e comporta-
mentais” (ROTTA, 2016, p. 276).
Papalia e Feldman (2013) relatam que o TDAH é hoje considerado o transtorno mental mais co-

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mum na infância, fato comprovado pelos números apresentados por Rotta (2016), que revela uma
prevalência estimada de 3 a 30% nas crianças em idade escolar em nível mundial, sendo que esse
número pode na verdade encontrar-se na casa dos 3,6%, de acordo com estudos mais precisos.
Apenas por essas cifras podemos perceber a dificuldade de um diagnóstico adequado de TDAH. O
fundamental, de acordo com Russell Barkley, um dos principais teóricos e pesquisadores acerca do
TDAH, é compreender que o transtorno diz respeito a uma dificuldade exacerbada da pessoa em ini-
bir comportamentos, seja impedindo o início de um comportamento impróprio, reagindo a um estí-
mulo geral ou interrompendo um comportamento uma vez que o tenha iniciado (BEE; BOYD, 2011).
Assim, vemos que o déficit de atenção e hiperatividade diz respeito a expressões da dificuldade
na inibição comportamental. Essas expressões, por sua vez, correspondem às vertentes possíveis
de formas que o TDAH ocorre na via comportamental infantil. De modo geral, observamos o TDAH
tipo hiperativo/impulsivo, que ocorre quando a hiperatividade é o principal problema, sendo a
atenção prejudicada como consequência, e verificamos também o TDAH tipo desatento, no qual
a desatenção destaca-se como principal problema, não sendo acompanhada necessariamente de
uma hiperatividade comportamental. Há também quadros de TDAH tipo combinado, nos quais
tanto a desatenção quanto a hiperatividade estão bem presentes (BEE; BOYD, 2011).
Assim como observamos nos casos de dislexia e transtornos de aprendizagem de modo geral,
o TDAH não se refere a uma criança que não gosta ou não é capaz de prestar atenção somente na
escola ou em assuntos específicos, mas, sim, aborda a incapacidade neurocomportamental dessa
criança em dirigir sua atenção de modo intencional por um período suficiente a um objeto ou as-
sunto. O mesmo pode ser afirmado acerca da hiperatividade; para casos de TDAH, o controle com-
portamental e a redução da atividade são muito difíceis para aquela criança, sendo importante
não a culpabilizar por aquilo que não é capaz de realizar. Infelizmente, como destaca Rotta (2016),
o diagnóstico de TDAH deve ser fundamentado com base no quadro clínico comportamental, visto
que “Não há nenhum teste psicométrico, neurológico ou laboratorial que por si só forneça o diag-
nóstico de TDAH” (ROTTA, 2016, p. 278).
O TDAH, portanto, apresenta três ordens de alterações: as neurológicas, as comportamentais e
os problemas escolares. Essas alterações se interconectam e autorreforçam, caso não ocorra um
acompanhamento profissional adequado.

85
Até hoje, a etiologia do TDAH continua a ser motivo de ampla discussão entre os pesquisadores do
desenvolvimento. Embora saibamos que se pode afirmar que há uma multifatorialidade em sua cau-
sa, a especificidade de cada componente continua a ser motivo de pesquisas. De modo geral, enten-
demos que o TDAH apresenta uma combinação de possíveis causas genéticas e ambientais. Segundo
Papalia e Feldman (2013), há uma base substancial para acreditar na transmissão genética desse trans-

UNIDADE 04
torno, verificando uma taxa de 80% de fator de hereditariedade próximo. Como causas ambientais ou
biológicas, podemos destacar os fatores exógenos, em especial no período pré e pós-natal: fatores
pré-natais são as infecções maternas, intoxicações da mãe, irradiações e causas de comprometimento
do sistema nervoso central de modo geral, como doenças maternas crônicas e traumatismo; os fato-
res pós-natais são infecções (meningites, encefalites), hemorragias, traumatismo cranioencefálicos,
intoxicações e processos expansivos. Ainda nas causas ambientais, podemos pensar no local em que

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a criança cresce, sendo fundamental um nível socioeconômico adequado para um desenvolvimento
saudável e relações psicoafetivas favoráveis na família (ROTTA, 2016).
De forma mais coloquial, observamos que o quadro clínico do TDAH, principalmente em crianças,
de acordo com Rotta (2016), é marcado pela dificuldade em prestar atenção a detalhes, com fre-
quentes erros nas atividades escolares, não sendo capaz de acompanhar instruções mais longas ou
permanecer até o final de atividades escolares ou domésticas. Nesses casos, também é possível notar
dificuldade na organização e planejamento de tarefas que demandem esforço mental sustentado. A
hiperatividade é facilmente observada, como afirmado, pois a atividade motora se apresenta de ma-
neira exageradamente intensa para os níveis adequados socialmente estabelecidos. Por conta de sua
impulsividade, é possível que a criança tenha dificuldade em aguardar sua vez, respondendo antes de
outras pessoas, e mesmo ter comportamentos acompanhados de agressividade, irritabilidade, insta-
bilidade, apatia, baixo limiar a frustrações e reações catastróficas (exageradas) quando confrontada.
O TDAH pode ser acompanhado de comorbidades como: transtorno de aprendizagem, transtorno de
linguagem, epilepsia, transtorno opositor desafiante, transtorno de conduta, transtorno de ansieda-
de, transtorno de humor, tique, enurese (perda de controle da bexiga) e abuso de substâncias.
Para ofertar condições adequadas à pessoa diagnosticada com TDAH, é necessário que profis-
sionais das mais diversas áreas da saúde atuem de modo inter e transdisciplinar, de forma a coor-
denar o manejo acertado de acordo com quatro importantes itens:
» Modificação do comportamento – alteração progressiva de comportamentos inadequados,
com substituição daqueles possíveis à criança que se enquadrem de melhor maneira às nor-
mas socialmente estabelecidas.
» Ajustamento acadêmico – verificar as condições de ensino e aprendizagem de modo que
o comprometimento da atenção ou hiperatividade não constitua somente obstáculo à
aprendizagem, mas parte desse processo.
» Atendimento psicoterápico – fundamental para a compreensão de estratégias a serem tra-
çadas nos demais itens e para abordagem das possíveis comorbidades citadas.
» Terapia farmacológica – inserção de fármacos que contribuam com o processo de conten-
ção da hiperatividade e aumento da atenção focal em apoio ao projeto pedagógico ou tera-
pêutico traçado para aquele indivíduo.

86
2.2 TEA – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Além do TDAH, há outro transtorno que vem se destacando dentre os distúrbios neuropsiquiá-
tricos capazes de afetar o processo de desenvolvimento infantil de forma significativa, tanto pelo
aumento de sua prevalência, quanto pela descoberta de mais características sobre o seu próprio

UNIDADE 04
processo. Estamos falando do transtorno do espectro autista (TEA).
O TEA, desde o início de seus relatos na medicina, de maneira geral, aparece demarcado por
uma díade bastante definida de sintomas: déficits na interação social e repertório bem restrito
de interesses (APA, 2014; BECKER; RIESGO, 2016). Assim, podemos definir o espectro autista como
transtorno do desenvolvimento que, surgindo na infância, caracteriza-se por importante atraso
na aquisição da linguagem, na interação social, com interesses restritos e comportamentos este-

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reotipados ou repetitivos. É um distúrbio complexo, que pode estar relacionado a sintomas também
fora do domínio psicossocial especificamente, como, por exemplo, apresentando dificuldades na co-
ordenação motora ampla e fina, no equilíbrio e com anormalidades sensoriais (GADIA; ROTTA, 2016).
Segundo Becker e Riesgo (2016), a prevalência diagnóstica desse transtorno tem apresentado
significativo aumento, sendo de 1 para 2.500 crianças na década de 1980 e passando a 1 para cada
68 crianças atualmente. Uma importante discussão realizada nesse sentido é tentar compreender
se estamos desenvolvendo a capacidade de identificar esse transtorno nas crianças de maneira
eficaz ou se temos ampliado o diagnóstico de modo a conformar antecipadamente alguns desvios
do desenvolvimento em comunicação e habilidades sociais como transtornos.
Muitos pais de crianças com autismo relatam perceber peculiaridades em seus filhos logo nos
primeiros meses de sua vida. Um dos primeiros e mais proeminentes sinais é a falta de interesse que
o bebê apresenta, retraindo-se ou focando em objetos diversos àqueles que os pais utilizam para
chamar sua atenção. Com a progressão do desenvolvimento, nota-se a presença de características
do TEA na ausência de capacidade simbólica ou de comunicação emocional com as pessoas ao seu
redor. Há possibilidades de a criança não demonstrar qualquer sinal verbal no início de sua infância,
não apontando nem gesticulando para aqueles ao seu entorno, ou, quando entra em contato com
outra pessoa, essa comunicação aparece em um nível basicamente instrumental: “Quando essas
crianças com TEA têm necessidade de algo que não alcançam sozinhas, pegam o braço do adulto e
o levam como se fosse uma ferramenta para alcançar seu objetivo” (GADIA; ROTTA, 2016, p. 370).

FIGURA 2 – AUTISMO E INFÂNCIA

87
Outros sinais possíveis para o diagnóstico de TEA referem-se ao atraso ou ausência de lingua-
gem até períodos mais avançados de idade, em comparação ao desenvolvimento esperado para
uma criança daquela mesma idade. Alguns marcadores de risco aos 12 meses podem confirmar o
diagnóstico aos 24 meses, como: contato e seguimento visuais atípicos; dificuldades em se orien-
tar ao ser chamado pelo nome; dificuldades para imitação e para apresentar sorriso social; déficits

UNIDADE 04
de reatividade, de interesse social e de comportamentos de orientação sensorial (GADIA; ROTTA,
2016). Em idades mais avançadas, é possível à criança com TEA utilizar-se de brincadeiras e ins-
trumentos, mas sempre com ausência ou redução de seu significado simbólico, isto é, com focos
desnecessários à brincadeira, organizações próprias, fascínio com objetos não lúdicos.
Falamos em espectro autista, portanto, como forma de identificação dos variados graus possí-
veis a esse diagnóstico, sendo que cada caso dependerá das condições próprias do sujeito, aliadas

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às capacidades do ambiente social de auxiliar na mediação de seu próprio desenvolvimento.
Quanto às causas do TEA, cientistas também ainda não têm uma resposta definitiva, sendo que
atualmente as pesquisas indicam um forte índice de hereditariedade, com risco, por exemplo, de
recorrência 15 a 20 vezes maior em irmãos a partir de um diagnóstico de uma das partes (BECKER;
RIESGO, 2016). Podemos afirmar, em média, que há uma relação de 50% entre a genética e o
ambiente, com a explicação atual mais aceita sendo relacionada à epigenética, ou seja, a genes
herdados na família que dependeriam de situações ambientais para sua expressão de maneira to-
tal ou parcial. Acredita-se na existência de fatores ambientais de risco como gatilhos em períodos
vulneráveis do desenvolvimento, embora ainda não se possa dizer precisamente quais são eles
(BECKER; RIESGO, 2016).
Apesar das dificuldades de precisão quanto à etiologia do transtorno, cada vez mais as pesqui-
sas têm apontado para tratamentos adequados com maior especificidade. De acordo com Gadia
e Rotta (2016), o tratamento deverá necessariamente ser multidisciplinar, sendo que as melho-
res intervenções têm dois objetivos principais: aquisição de habilidades funcionais e redução de
comportamentos mal-adaptativos que podem interferir no comportamento. Para esses objetivos
principais são notórias as contribuições das áreas de: fonoaudiologia, terapia ocupacional, psico-
pedagogia, psicologia, musicoterapia, arteterapia, hidroterapia, técnicas de modificação de com-
portamento, programas educacionais e/ou de trabalho. A utilização de fármacos nos casos de
TEA está mais relacionada aos sintomas incapacitantes, sendo importante avaliar a totalidade da
situação de desenvolvimento presente na vida daquele sujeito.

LEITURA
Sugerimos a leitura da entrevista com o pediatra Rodrigo Carneira, especialista em neurologia
infantil, sobre o aumento dos números de diagnóstico de autismo e o papel que os pais e a socie-
dade podem ter em relação a esse aumento, bem como a necessidade de se repensar o cuidado
infantil como um todo em nossa cultura e sociedade.
DIAS, M. Neuropediatra afirma que há aumento real na incidência de autismo. Revista Encontro,
26 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3lBZoSv. Acesso em: 17 jun. 2021.

88
2.3 TOD – TRANSTORNO DE OPOSIÇÃO DESAFIANTE
Outro transtorno neuropsiquiátrico capaz de influenciar no desenvolvimento infantil e que
apresenta marcas comportamentais bem específicas é o transtorno de oposição desafiante (TOD)
ou transtorno desafiador de oposição (TDO). Nesses casos, os critérios diagnósticos apontam para

UNIDADE 04
dificuldades comportamentais que mais facilmente podem ser confundidas com padrões tem-
peramentais e de personalidade considerados normais ou mesmo adequados (dependendo da
cultura e de diferenciações de gênero).
De modo sintético, podemos definir o TOD como um padrão de comportamento moralmente
negativo, desafiador, desobediente e hostil em relação aos pais e outras figuras de autoridade,
que se estabelece antes dos 8 anos (BEE; BOYD, 2011). De acordo com o DSM-V (APA, 2014), as

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expressões comportamentais podem ser enquadradas em três categorias, que devem ocorrer com
pelo menos um indivíduo que não um irmão: humor raivoso/irritável; comportamento questio-
nador/desafiante e índole vingativa.
É importante notar que as crianças que se enquadram no diagnóstico de TOD tendem a apre-
sentar seus comportamentos desafiadores mais frequentemente com pessoas que conhecem me-
lhor, o que torna o processo diagnóstico ainda mais complexo. Nesses casos, é fundamental levar
em conta os diferentes relatos das figuras de autoridade que interagem com a criança, para buscar
uma totalidade acerca da personalidade e do repertório comportamental estabelecido por ela nos
diferentes ambientes que frequenta.
A etiologia do TOD também ainda é desconhecida em sua precisão, sendo considerado um
transtorno de causas multifatoriais, com especial relação com o ambiente para sua expressão,
em especial o ambiente familiar. Alguns apontamentos que compreendemos atualmente sobre
suas causas são: homens são diagnosticados mais frequentemente com TOD do que mulheres;
o temperamento pode ser um indicativo do desenvolvimento do transtorno no desenvolvimento
subsequente; e exposição pré-natal a álcool, nicotina e outros teratógenos. De modo geral, verifi-
ca-se também que os pais de crianças com diagnóstico de TOD apresentam transtornos emocio-
nais, como ansiedade e depressão, também sendo comum a presença de um alto grau de conflito
familiar ou conjugal (BEE; BOYD, 2011).
Desse modo, entende-se que o transtorno de oposição desafiante pode ter uma maior referência
em comportamentos que a criança aprende em seu ambiente familiar ou escolar e que são reforça-
dos, seja por uma predisposição temperamental ou pela acentuação das situações críticas que levam
ao comportamento desafiador. Como nos diz o DSM-V, “Com frequência, os sintomas do transtorno
fazem parte de um padrão de interações problemáticas com outras pessoas” (APA, 2014, p. 463).
Também é importante ressaltar que o diagnóstico de TOD é bastante similar com o diagnóstico de
TDAH, observando-se que a prevalência de TOD entre crianças com TDAH varia de 21 a 60%, enquan-
to a prevalência de TOD de modo geral é estimada entre 2 e 16% (BEE; BOYD, 2021).
Além disso, é válido investigar, ao cogitar uma possibilidade de diagnóstico de TOD, se as mani-
festações do transtorno parecem ser consistentes ao longo do desenvolvimento, pois essa é uma
característica identificável nesses casos, não obstante a frequência de muitos dos comportamen-
tos associados ao TOD aumentarem no período pré-escolar e na adolescência (APA, 2014).

89
Os sintomas de TOD, todavia, apresentam possibilidades mais efetivas de melhora utilizando-se
treinamento parental. Para Bee e Boyd (2011), o treinamento parental permite que a atuação
profissional seja focada no padrão de comportamentos de resposta dos pais já estabelecido diante
dos comportamentos desafiantes da criança diagnosticada, considerando que, até o profissional

UNIDADE 04
entrar em contato com o caso, é provável que os pais estejam reforçando as ações desafiadoras
dessa criança há certo tempo, como forma de resposta à complexa situação que precisam manejar.
Ainda de acordo com as autoras (BEE; BOYD, 2011, p. 429), “Nas sessões de treinamento dos pais,
os terapeutas ensinam pais a romper o ciclo: eles aprendem a estabelecer limites concreto para o
comportamento da criança e a cumprir as consequências prometidas”, mesmo em situações em
que o comportamento infantil seja demasiadamente difícil ou até abusivo.

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Portanto, observamos que as características comportamentais presentes no TOD não devem
ser reduzidas a uma condição única, estável e permanente, entendendo que os comportamentos
têm origem em determinado local e que podem ser manejados no sentido do benefício psicológi-
co de todos indivíduos envolvidos naquela situação. Também é importante, de um ponto de vista
psicológico, apontar que o diagnóstico e o transtorno como um todo devem ser cogitados em
casos que há um prejuízo para as pessoas envolvidas, e não estabelecidos a partir de dificuldades
que necessariamente estarão presentes no desenvolvimento infantil.

3. NOÇÕES DE PSICOLOGIA APLICADA À


SAÚDE: ADOECIMENTO E ASPECTOS
EMOCIONAIS DO PACIENTE COM DOENÇA
CRÔNICA/DEFICIÊNCIA
Comentamos, até o momento, principalmente como alguns dos distúrbios, por apresentarem
características específicas à cognição, aparecem em ambientes familiares e escolares. Todavia, sa-
bemos que, como profissionais, teremos uma grande probabilidade de encontrar os casos citados
anteriormente no âmbito da saúde. Como a Psicologia compreende essa área e quais contribuições
do seu arcabouço podem ser úteis para encararmos problemas relacionados ao desenvolvimento
humano? Esse será o assunto desta seção.
De acordo com Straub (2014), os objetivos específicos da Psicologia aplicada à Saúde são
promover a saúde, prevenir e tratar doenças, investigar o papel de fatores comportamentais e
sociais na doença, avaliar e aperfeiçoar a formulação de políticas, estratégias e serviços de saú-
de para todas as pessoas.
Desse modo, podemos pensar a Psicologia como um amplo componente da multidisciplinari-
dade necessária para atenção à saúde das pessoas. Em sua especificidade, a Psicologia é capaz de

90
auxiliar em um processo que não deveria ser restrito à área, mas, devido à predominância do mo-
delo biomédico de entender as doenças, acaba sendo esquecido ou secundarizado no momento
de pensarmos no tratamento. Estamos falando da dimensão subjetiva do adoecimento.
A Psicologia, no campo da saúde, auxilia-nos a lembrar da importância de entender que há um

UNIDADE 04
sujeito sempre presente junto de uma doença, transtorno, distúrbio ou dificuldade. Assim, com-
preende o adoecimento não somente resumido ao curso natural de uma patologia ou síndrome,
mas como algo presente em uma totalidade que, inevitavelmente, também envolve alguém que
está sentindo e passando por todo aquele processo. Como explicitam Palmeira e Gewehr (2018, p.
2473), “Isso implica dizer que a subjetividade está lá, participando do processo de adoecimento e
de cura, seja este fato reconhecido ou não, incluso ou não na terapêutica”.

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


Pensar a saúde por essa totalidade significa compreender de modo diverso o conteúdo que
abordamos até o momento. Quando falamos de distúrbios cognitivos e neuropsiquiátricos, por
exemplo, delimitamos características gerais, com base nas pesquisas científicas disponíveis, que
demonstram como reconhecer o quadro em sua forma mais generalizada possível. No entanto,
quando adentramos o campo da saúde e do cotidiano profissional, cada caso, para além das carac-
terísticas gerais que devemos conhecer, é também demarcado por um sujeito que está presente
naquele processo e que deverá ser investigado conjuntamente com sua doença, distúrbio, trans-
torno ou dificuldade.
Para assegurar essa compreensão no momento da prática profissional, atualmente um dos mo-
delos mais difundidos de atenção à saúde consiste na perspectiva da totalidade biopsicossocial
(STRAUB, 2014). Nesse modelo, estudamos a saúde e a doença com base em quatro perspectivas
que se sobrepõem:
» Perspectiva do curso de vida – foco em como aspectos de saúde e doença variam com o
passar da idade e do desenvolvimento;
» Perspectiva sociocultural – compreensão de como fatores sociais e culturais podem influen-
ciar na saúde, como variações étnicas, de raça e classe social;
» Perspectiva de gênero – distinção entre homens e mulheres no risco de determinadas do-
enças e condições, bem como nas diferenças de gênero presentes nos comportamentos
preventivos ou destrutivos na saúde;
» Perspectiva biopsicossocial – combina as modalidades anteriores, reconhecendo que forças
biológicas, psicológicas e sociais agem de forma conjunta para determinar a saúde e a vulne-
rabilidade de um indivíduo à doença.
Por meio de uma compreensão biopsicossocial, verificamos, portanto, a possibilidade de incluir
a subjetividade do indivíduo que passa por um momento de doença, ou mesmo contribuir para
que seus comportamentos possam auxiliá-lo a prevenir futuras enfermidades. No entanto, como
destacamos sobre os diversos distúrbios abordados nesta Unidade, há condições que, seja por sua
gravidade ou por sua própria natureza, fazem-se presentes pelo resto da vida de uma pessoa, isto
é, de modo crônico.

91
Quando a Psicologia se depara com um processo crônico de alteração das funções esperadas
para o desenvolvimento adequado, seja por uma cronificação de um transtorno ou síndrome, seja
por abordar uma deficiência específica, ela possui duas principais vias de atuação que se comple-
mentam e são necessárias à compreensão integral do indivíduo. A primeira via encontra-se como
o tratamento mais coloquialmente difundido, no qual caberá ao psicólogo investigar a gênese da-

UNIDADE 04
quele fenômeno, seu possível tratamento e adequar a estratégia de mediações disponíveis na re-
alidade daquela pessoa para sua condição. Ou seja, entender a doença crônica ou deficiência não
como um obstáculo intransponível, mas, sim, como condição diversa para um desenvolvimento
que ainda pode (e deve!) ocorrer. A condição crônica, desse modo, não representa somente uma
limitação – ainda que esta possa ser severa –, mas também uma forma pela qual aquele indivíduo
está experienciando seu desenvolvimento.

UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


Outra via importante que a Psicologia, atuando na saúde, pode ofertar é a investigação da
gênese daqueles sintomas crônicos de modo a verificar se há, nas condições de vida daquela
pessoa, elementos que estão reforçando a cronicidade de seu sofrimento. Em complemento à
via anterior, essa alternativa busca justamente entender se, por conta das condições crônicas
presentes no quadro, cessaram-se as mediações para seu desenvolvimento adequado ou,
mesmo, se estão presentes condições capazes de influenciar diretamente na manutenção da
permanência daquela condição.
Assim, como notamos em Straub (2014) e Palmeira e Gewehr (2018), a Psicologia voltada
à saúde atua não exclusivamente na relação com o adoecimento, mas também intervém nas
formas de prevenção e adequação às condições de vida necessárias em busca de um desen-
volvimento saudável. Acima de tudo, porém, uma fundamental contribuição da Psicologia é o
destaque, muitas vezes esquecido, do papel do sujeito que está presente naquele processo de
adoecimento, cronicidade ou deficiência, seja para contribuição no processo de tratamento de
modo efetivo, seja para investigação das condições subjetivas e objetivas que o levaram àquele
momento de sua vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de apresentar uma expressão mais concreta do desenvolvimento humano, tra-
tamos, nesta Unidade, de avaliar alguns dos principais distúrbios relevantes à prática profissional
daqueles que, em suas respectivas áreas, dedicam-se ao desenvolvimento do ser humano e sua
compreensão. Como verificamos ao longo de nossa disciplina, o campo para atuação é amplo,
permitindo que os profissionais se adaptem conforme os contextos em que estão inseridos e, con-
comitantemente, exigindo um amplo conhecimento do desenvolvimento, em suas regularidades,
domínios, déficits e desafios.
Especificamente ao final desta Unidade, você compreendeu melhor como são diagnosticados
alguns dos principais distúrbios e transtornos relacionados à cognição e à neuropsiquiatria. Ade-
mais, também apreendeu a importância e os limites do diagnóstico na prática, dado seu caráter

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descritivo que, necessariamente, não será capaz de englobar a totalidade do processo de de-
senvolvimento humano, que envolve características objetivas e subjetivas, biológicas e sociais,
externas e internas.
Com base na importância dada pela Psicologia na área da saúde ao sujeito que adoece ou pos-
sui uma condição crônica, a leitura desta Unidade se requalifica, permitindo que as esferas das

UNIDADE 04
aplicações práticas aqui destacadas voltem a incluir o sujeito como centro de atenção de nossa
compreensão do desenvolvimento.

ANOTAÇÕES

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