Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DESENVOLVIMENTO
EAD
DIRIGENTES FICHA TÉCNICA
| PRESIDÊNCIA | AUTOR
Prof. Dr. Clèmerson Merlin Clève Prof. Me. Matheus Henrique Vosgerau
| PROJETO GRÁFICO
| DIRETORIA ACADÊMICA EAD Esp. Janaína de Sá Lorusso
Profa. Me. Daniela Ferreira Correa Esp. Cinthia Durigan
| ORGANIZAÇÃO
NEAD (Núcleo de Educação a Distância) -
UniBrasil
| IMAGENS
Shutterstock
EAD
EDIÇÃO: SETEMBRO/2021
SUMÁRIO
1.5 Senescência...................................................................................47
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................49
REFERÊNCIAS.......................................................................................94
UNIDADE
01
INTRODUÇÃO
À PSICOLOGIA
DO DESENVOLVI-
MENTO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 01
de duas células pôde, com o devido cuidado do ambiente, engendrar um ser vivo dotado de caracte-
rísticas complexas, com potencialidade a um desenvolvimento infinito, podemos também apreender
que esse desenvolvimento envolverá fatores bastante variados e de importante reflexão.
Mas quais os impactos que essas transformações possuem para cada indivíduo? É possível auxi-
liar nesse processo ou devemos somente respeitar o tempo de desenvolvimento singular? Há um
conhecimento sistematizado que seja capaz de nos guiar nesses questionamentos? E, por fim, isso
7
1.1 CIÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO
Como mencionamos, para se pensar a ciência do desenvolvimento, precisamos primeiro definir
o significado do que entendemos por ciência. A ciência, segundo Bock, Furtado e Teixeira (2018),
consiste em um conjunto de conhecimentos sobre fatos ou aspectos da realidade, o qual será
UNIDADE 01
expresso por meio de uma linguagem rigorosa, hierarquicamente sistematizada, capaz de dialogar
de maneira adequada com várias esferas e produções do saber humano. “Dessa forma, o saber
pode ser transmitido, verificado utilizado e desenvolvido” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p. 7).
Para que esse conhecimento seja produzido de maneira rigorosa e sistemática, é necessário,
portanto, que se possua um objeto bem definido para sua investigação. Afinal, a ciência precisa
ser um conhecimento sobre algo que também deve ser apreendido de maneira sistemática. Desse
8
De maneira resumida, Bee e Boyd (2011, p. 26) definem a ciência do desenvolvimento como:
“O estudo de mudanças, relacionadas à idade, com comportamento, no pensamento, nas emo-
ções e nos relacionamentos sociais”. Observamos como a concepção de faixas etárias, estágios,
fases é fundamental para a ciência do desenvolvimento, que estudará o que caracteriza cada
fase e como identificar seus momentos de transição e dificuldades. Todavia, antes de avançar-
UNIDADE 01
mos nos principais debates situados nesse campo, é importante lembrar que a divisão do ciclo
de vida das mais diversas maneiras trata-se de uma construção social, ou seja, de algo que não
é encontrado de modo imediato na natureza ou ambiente, mas construído socialmente em cada
cultura de maneira específica.
Se os períodos do ciclo de vida são construídos socialmente em acordo com a cultura vigente
em determinada sociedade, já temos uma primeira e valiosa dica acerca do motivo que a ciência
9
didos pela didática necessária, esses domínios atuam em ampla interconexão, determinando o
desenvolvimento de maneira integral. Ao longo de nossos estudos, vamos abordar melhor suas
características e suas inter-relações.
A periodização considerada atualmente na ciência do desenvolvimento corresponde, de acordo
com Cortinaz (2018) e Papalia e Feldman (2013), a oito períodos diversos entre si – que veremos
UNIDADE 01
com mais detalhes nas próximas Unidades –, quais sejam:
» período pré-natal (da concepção ao nascimento);
» primeira infância (do nascimento aos 3 anos de idade);
» segunda infância (dos 3 aos 6 anos de idade);
» terceira infância (dos 6 aos 11 anos de idade);
10
subjetividade, nesse sentido, consiste tanto em nossa identidade como naquilo que nos diferen-
cia enquanto sujeito únicos na sociedade, como em nossa igualdade com as outras pessoas, pois
aquilo que nos constitui é vivenciado no campo comum do que é social. Por fim, também podemos
entender esse objeto da Psicologia como “o mundo de ideias, significados e emoções construído
internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição
UNIDADE 01
biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais” (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2018, p. 10).
Ainda que seu objeto possa ser expresso de maneira mais ampla a partir do conceito de subjeti-
vidade, a Psicologia terá diferentes formas de investigar esse objeto e, dessa maneira, terá teorias
diversas sobre sua constituição e funcionamento. Abordaremos em sequência as principais teorias
que direcionarão nossa compreensão acerca do desenvolvimento humano, porém, por ora, pode-
11
As linhas de pensamento e áreas de incursão da Psicologia científica vão, com o desenvol-
vimento histórico, gerando novos campos de estudo e permitindo dedicações mais específicas
aos problemas modernos selecionados e exigidos pela sociedade. Uma dessas áreas e diversas
dessas teorias terão foco no desenvolvimento humano, contribuindo para a construção da Psi-
cologia do Desenvolvimento.
UNIDADE 01
1.3 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Tendo abordado a constituição da ciência do desenvolvimento e a caracterização da Psicolo-
gia como área do conhecimento, estamos diante agora do momento de unificar essas áreas e
buscar apreender como a Psicologia contribui para a ciência do desenvolvimento e o porquê
desse objeto ser tão importante para a própria construção da Psicologia.
12
Os aspectos básicos do desenvolvimento, a seu modo, devem ser entendidos como uma to-
talidade – fatores que se determinam mutuamente –, porém são separados para que possamos
melhor estudá-los. São eles:
» Aspecto Físico-motor: Aborda o crescimento orgânico, a maturação neurofisiológica e a ca-
pacidade manipulatória de objetos e exercícios do próprio corpo.
UNIDADE 01
» Aspecto Intelectual: Capacidade de utilizar a função psicológica do pensamento, seu raciocínio.
» Aspecto Afetivo-Emocional: É o sentir humano, modo particular de o indivíduo integrar as
suas experiências de vida.
» Aspecto Social: Maneira com a pessoa interage e reage em situações que envolvem outras pessoas.
Tanto para o desenvolvimento humano “esperado” quanto para os problemas de desenvolvimen-
SAIBA MAIS
Desde o marco de sua fundação, em 1879, com Wundt, a Psicologia se desenvolveu como ciência
por vários caminhos diversos entre si, gerando concepções teóricas bastante diferentes. Se con-
tarmos apenas a rica introdução fornecida por Bock, Furtado e Teixeira (2018), podemos verificar
a presença das seguintes linhas teóricas dentro da Psicologia: Funcionalismo, Associacionismo,
Estruturalismo, Psicanálise, Behaviorismo, Psicologia Sócio-Histórica, Psicologia Analítica, Análise
do Caráter, Fenomenologia, Dasein análise, Gestalt terapia, Psicodrama. Para os autores, as três
grandes matrizes teóricas que originaram os possíveis campos dentro da Psicologia são a Psicaná-
lise, o Behaviorismo e a Gestalt. Também podemos citar como linhas teóricas a Neuropsicologia,
a Teoria Cognitiva-Comportamental, a Psicologia Positiva, a Psicologia Social, entre várias outras.
Conforme mencionado, as linhas teóricas presentes na Psicologia apresentam uma grande va-
riedade e crescem constantemente, e o mesmo pode ser dito para suas concepções de desen-
volvimento. Desse modo, focaremos, aqui, nas principais linhas teóricas que, por seu impacto no
campo ou influência no progresso de demais estudos, tiveram papel decisivo na descrição das
características estáveis e mutáveis dos estágios do desenvolvimento humano em seu ciclo de vida.
UNIDADE 01
Estudaremos os principais representantes das teorias: cognitivista (Teoria de Piaget); sociointera-
cionista (Teoria Histórico-Cultural de Vigotski); e psicanalíticas (teorias de Freud e Winnicott). Com
base, centralmente, nas categorias teóricas desses autores, a Psicologia pôde auxiliar a ciência do
desenvolvimento e se alicerçar em terreno sólido para lançar mão de contribuições cada vez mais
avançadas sobre o crescimento e o desenvolvimento humano. Ao longo de nosso livro didático,
porém, outras concepções teóricas da Psicologia serão mencionadas ou utilizadas sempre que nos
14
Uma teoria cognitivista refere-se ao estudo do processo de compreensão, transformação, ar-
mazenamento e utilização de informações no plano da cognição e seu desenvolvimento. Cognição
apreendida, nesse sentido, como significação do mundo, como atribuição de significados aos ob-
jetos e relações com que a pessoa entrará em contato ao longo da vida, tendo em vista que esse
processo se elabora constantemente, pois não há significados que não sejam atualizados a cada
UNIDADE 01
nova experiência com seu referencial (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).
Piaget (1976) objetivava descrever e interpretar os mecanismos construídos pelas crianças para
a construção de seu conhecimento sobre o mundo para, assim, poder verificar as características
presentes em fases diversas da vida de cada pessoa. Um ponto central de seu pensamento que
legou importante marca à Psicologia do Desenvolvimento é o entendimento de que a criança é
participante ativa na construção de seu conhecimento e entendimento sobre o mundo. Isto é,
15
» Assimilação – A assimilação é responsável pela adição de novos eventos e informações a um
esquema já existente. Utilizando nosso exemplo, poderíamos pensar na criança aprendendo a
brincar com um animal de pelúcia novo e ampliando os modos que esse esquema pode ocorrer.
» Acomodação – A alteração de esquemas já estabelecidos ou criação de novos para contem-
plar novas informações e situações experienciadas pelas pessoas. Pode ser compreendida
UNIDADE 01
como uma transformação. A criança, ao se deparar com a diferença de reações dos animais
de estimação diante de suas ações destinadas comumente aos animais de pelúcia, poderá
alterar seu esquema para agir diferentemente com cada tipo de situação ou criar um esque-
ma novo que aborde um repertório adequado a situações que envolvam animais de verdade.
» Equilibração – Responsável pelo equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Consiste
em uma reestruturação periódica e necessária dos esquemas disponíveis para abarcar as
16
O Estágio Pré-Operatório (entre 2 a 7 anos) é marcado pelo surgimento e desenvolvimento
dos esquemas envolvendo símbolos e a linguagem. Junto de sua maturação neurofisiológica que
permite movimentos coordenados mais precisos, a criança passa a depender menos dos objetos
imediatos ao seu redor e elaborar seu pensamento a partir de si mesma. Nesse período, observa-
-se o egocentrismo da criança, que é sua “incapacidade de entender pontos de vista diferentes do
UNIDADE 01
seu, de se colocar no lugar do outro” (CORTINAZ, 2018, p. 44). Isso se dá em razão da incipiência
de seu pensamento simbólico que, após o período inicial de vida, ainda não consegue manter uma
objetividade em seus esquemas, tomando todas as relações e objetos a partir do seu eu.
Marcado pela centração – pensamento de uma variável a cada momento (BEE; BOYD, 2018) –,
o processo de desenvolvimento nessa fase estará relacionado com a capacidade de adaptar seus
esquemas e sair cada vez mais da aparência dos objetos e do egocentrismo de seu pensamento
17
maior abstração e criação de teorias sobre si e o mundo pode também chocar-se constantemente
com seus interesses e visões próprias, fazendo com que o indivíduo passe a criar amplas teorias
sobre o funcionamento da realidade que abarquem suas vontades próprias e aquilo que é neces-
sário mudar no mundo para que se realize. Sob o nome de idealismo ingênuo (BEE; BOYD, 2011),
entendemos o fenômeno observado majoritariamente no início desse período, em adolescentes
UNIDADE 01
com um afastamento da realidade em nome de um mundo mais agradável criado no pensamento.
Em resumo, podemos observar que a teoria do desenvolvimento de Piaget busca demonstrar
a importância do processo ativo de cognição e apreensão do mundo por parte da criança. Seus
estágios aqui descritos mostram não uma simples cronologia de etapas, mas sim mudanças quali-
tativas no pensamento infantil que são construídas continuamente ao longo do desenvolvimento,
sem rupturas ou mudanças radicais. Como observaremos ao entender melhor a teoria históri-
18
Vigotski produziu sua obra enquanto pesquisava os processos de desenvolvimento humano,
voltado principalmente à educação, com foco na contribuição da ciência ao momento em que vivia
no seu contexto histórico, na construção da União das República Socialistas Soviéticas (URSS). Por
esse motivo, seu pensamento, enraizado no marxismo, voltou-se a entender o papel das relações
sociais para o psiquismo e o desenvolvimento. Vamos analisar as principais categorias teóricas
UNIDADE 01
desse autor e como se encaixam em sua proposição de desenvolvimento.
Vigotski criou experimentos e teorizou sobre como as funções psicológicas de uma pessoa atua-
vam e adquiriam complexidade a partir das relações sociais em que a criança estava envolvida. Em
especial, Vigotski percebeu que umas das chaves essenciais para entender esse processo é a cultura.
Vygotski (1991, 2004) afirmou que os humanos possuíam funções psicológicas com as quais
nasciam e das quais obtinham seu repertório psicológico mais básico, de modo mais imediato, sem
19
Um conceito elementar elaborado por Vigotski para explicitar o processo de desenvolvimento e
aprendizagem foi a ZDP (Zona de Desenvolvimento Potencial ou Proximal). Para o autor, devemos
compreender e avaliar as habilidades infantis de acordo com aquilo que a criança não é capaz de fazer
sozinha, porém consegue realizar quando tem à sua disposição mediações instrumentais (calculadora,
formas geométricas, material didático), simbólicas (palavras específicas) e sociais (outras crianças e
UNIDADE 01
adultos para auxiliar), pois é com base nessas mediações que a criança operaria com seu nível potencial
de ação e conhecimento. Isto é, no desenvolvimento, há uma zona de desenvolvimento real (aquilo
que a criança é capaz de realizar por si mesma) e uma zona de desenvolvimento proximal (aquilo que
a criança consegue realizar somente com auxílio de orientações adequadas). O intervalo entre essas
habilidades estaria no foco, portanto, da aprendizagem e seu direcionamento.
Vigotski e seus colaboradores notaram que o desenvolvimento infantil era demarcado por pe-
20
Na idade escolar primária (dos 7 aos 11 ou 12 anos), há um desenvolvimento afetivo e cogni-
tivo significativo por meio da atividade de estudo. A criança, inserida no ambiente escolar, passa a
ter sua atividade socialmente reconhecida, o que a impulsiona, por sua vez, a se apropriar dos con-
teúdos escolares que permitem maior reflexão, mediação de símbolos e a utilização de operações
mentais (comparação, diferenciação e generalização de objetos). Ao mesmo tempo, a inserção no
UNIDADE 01
ambiente escolar irá denotar para a criança a importância de suas próprias relações sociais, por
meio de colegas, com quem tende a formar grupos e estreitar progressivamente seus laços afeti-
vos, gerando as condições para a atividade principal e seu próximo período de desenvolvimento.
Com a adolescência, no período da idade escolar média (11 ou 12 anos aos 15 anos), obser-
va-se que o alargamento das capacidades cognitivas e a centralidade das relações sociais levam a
atividade da comunicação íntima e pessoal a direcionar o desenvolvimento. Por meio dessa ativi-
21
Tendo compreendido as teorias do desenvolvimento cognitivista e sociointeracionista de Jean Piaget
e Lev Vigotski, respectivamente, podemos abordar teorias que observam o desenvolvimento por um
ponto de vista mais subjetivo e relacionado à família – as teorias psicanalíticas de Freud e Winnicott.
UNIDADE 01
No fim do século XIX, um médico psiquiatra de Viena dedicava-se a investigar a gênese de pro-
blemas neuróticos, que não demonstravam sinais de qualquer origem física ou metabólica no corpo,
todavia causavam impactos de maneira severa no próprio corpo. Com o avanço de seus estudos e
práticas clínicas, esse médico anunciou que a razão de não ser possível localizar a origem dos pro-
blemas de seus pacientes devia-se ao fato de que sua gênese tinha origem psicológica e, mesmo as-
22
E o superego, originado a partir do Complexo de Édipo, consiste na internalização das proibições,
dos limites e autoridades estabelecidos ao longo da vida, “controlando” o próprio ego da pessoa.
A energia depositária do id é a libido, energia sexual que está presente desde o início até o fi-
nal do ciclo de vida das pessoas e que irá influenciar a motivação e a ligação delas com os objetos
e com sua realidade. A energia psíquica, desse modo, é originária da energia sexual presente no
UNIDADE 01
desenvolvimento da personalidade dos sujeitos.
Por esse motivo, quando falamos do desenvolvimento para Freud e para a Psicanálise, estamos
falando do desenvolvimento psicossexual do indivíduo, cujas fases estarão relacionadas com a
organização da libido e seus reflexos na estrutura do psiquismo, como veremos a seguir, com base
em Bee e Boyd (2011) e Bock, Furtado e Teixeira (2018).
23
esse momento. Para Freud, era possível observar apenas que a resolução do conflito edípico com
a identificação com o pai de mesmo gênero tende a se estender a todas as figuras desse gênero,
sejam adultos ou demais crianças.
Dos 12 anos aos 18 anos e idade adulta, a experiência da puberdade demarcará novamente
uma centralidade nos órgãos genitais como principal área sensível. Entretanto, nesse momento, o
UNIDADE 01
adolescente experiencia intimidades sexuais de maneira mais madura, tendo seus objetos sexuais
ligados a pessoas do sexo oposto. O desenvolvimento das demais fases desse processo poderá
mostrar consequências já nesse período, sendo possível identificar nas formas de ligação da ener-
gia sexual a seus objetos como reflexo já do desenvolvimento individual até o momento.
Observa-se, por meio da análise da teoria do desenvolvimento freudiana, que a teoria psica-
nalítica inicialmente apresenta uma concepção do desenvolvimento bastante relacionada com o
24
meio. Os estágios descritos pelo autor refletem sua percepção acerca da dependência e indepen-
dência dos indivíduos, sendo classificados entre estágios maiores de dependência absoluta, tran-
sicionalidade e dependência e independência relativas. São eles, segundo Dias (2003):
1. Estágios primitivos – A dependência absoluta (estágio pré-natal à primeira mamada teórica)
– essa fase é marcada pelos desafios do amadurecimento de integração no tempo e espaço,
UNIDADE 01
personalização, início do contato com a realidade e a constituição do si-mesmo primário. Nesse
estágio inicial não há, para o bebê, um senso de realidade específico, nem de si mesmo. Sua
concepção de que tudo que está em seu entorno – meio e objetos – pertence a seu mundo sub-
jetivo fornecerá uma ilusão de onipotência. É de extrema importância que o ambiente (e a mãe
ou cuidador) alimentem essa ilusão por meio de uma estabilidade e previsibilidade, para que,
aos poucos, o bebê possa iniciar o processo de compreensão de que há objetos no mundo para
25
7. Estágio edípico – Bastante próximo à concepção de fase fálica para Freud, corresponde ao início
do desejo e rivalização com os pais, tendo alcançado um nível de desenvolvimento adequado a
partir dos processos anteriores que permitam esse direcionamento dos instintos e impulsos.
Observamos, com Winnicott, um processo de desenvolvimento gradual e bastante referen-
ciado nas figuras de cuidado do bebê desde o início da sua vida. É possível, assim, notar o obje-
UNIDADE 01
tivo de expansão da teoria psicanalítica a momentos mais iniciais da vida e suas consequências
para a formação do indivíduo. Como destaca Dias (2008), a incapacidade de resolução adequada
das tarefas de cada estágio impede que o desenvolvimento ocorra de maneira autêntica. Isto
é, o desenvolvimento não se encerra em uma determinada etapa não cumprida, porém seu
prosseguimento ocorre sobre bases falsas, o falso si-mesmo, de onde podemos entender o sur-
gimento de distúrbios emocionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme nossos objetivos, pudemos observar no desenvolvimento desta Unidade como a Psi-
cologia do Desenvolvimento se originou e estabeleceu seus marcos em proximidade com a própria
ciência psicológica, tendo suas principais linhas teóricas corroborado esse processo de constante
aproximação e diálogo.
26
Ao cabo de termos exposto as teorias de Piaget, Vigotski, Freud e Winnicott acerca do desenvol-
vimento, podemos destacar algumas similaridades e diferenças nessas concepções teóricas da Psi-
cologia, em especial para sintetizarmos esse conteúdo para seu uso ao longo de nosso livro didático.
A seu modo, todas as teorias qualificaram o desenvolvimento em inseparável conexão com o
meio. Vigotski, por conta do papel das relações sociais em sua concepção, é o teórico que mais
UNIDADE 01
deu destaque a essa conexão, tornando possível – a partir de conceitos como ZDP – conceber ma-
neiras de utilizar o meio como propulsor do próprio desenvolvimento humano. O autor soviético,
no entanto, não foi o único. O destaque ao papel ativo da criança em seu processo de equilibra-
ção ao longo da vida dado por Piaget, a importância explicitada por Freud na construção de laços
familiares adequados em uma cultura historicamente localizada e o papel elementar da mãe ou
do cuidador na teoria winnicottiana revelam como um fio condutor do desenvolvimento dentro
ANOTAÇÕES
27
UNIDADE
02
DESENVOLVI-
MENTO HUMANO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 02
ou nenhum contraponto à percepção de sua progressão. Mas será que ele é um processo linear?
Ao longo desta Unidade, você verá como o desenvolvimento pode ser compreendido, mesmo
na sua principal sequência de etapas e faixas etárias, de maneira mais complexa, como uma tota-
lidade, com rupturas, retrocessos, avanços e estabilidades. Optamos por seguir a descrição mais
detalhada dos momentos do desenvolvimento para poder fornecer a você, aluno(a), a capacidade
de identificar as características principais de cada momento, precisamente em relação aos demais
29
Com base nas obras de Bee e Boyd (2011) e Papalia e Feldman (2013), podemos pensar melhor
a importância desse debate para a Psicologia do Desenvolvimento.
Sobre o questionamento acerca da maior determinação entre a hereditariedade e a genética,
verificamos que atualmente o debate tem cedido lugar a uma melhor compreensão sobre como
UNIDADE 02
esses dois fatores atuam em conjunto, e não qual possui maior determinação. Ou seja, enten-
de-se que quando “consideramos uma determinada pessoa, a pesquisa relativa a quase todas
suas características aponta para uma combinação de hereditariedade e experiência” (PAPALIA;
FELDMAN, 2013, p. 42).
Quando nos questionamos se o desenvolvimento se dá de forma contínua ou descontínua,
porém, não teremos uma síntese tão coesa no debate contemporâneo. Se avaliarmos o cresci-
30
QUADRO 1 - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DOS OITO PERÍODOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Formação de estruturas
Resposta aos estí-
UNIDADE 02
e órgãos corporais
fundamentais. mulos sensoriais, em Desenvolvimento de
Pré-natal (da especial, de sons e preferência pela voz
Crescimento físico é o movimentos da mãe.
concepção ao da mãe e o começo
mais acelerado ao longo
nascimento) Há uma incipiente ca- do estabelecimento
de todo o ciclo de vida.
pacidade de aprender das relações sociais.
Grande vulnerabilidade a e lembrar.
influências ambientais.
O autoconceito e
Crescimento constante a compreensão de
e maior proximidade de Pensamento emoções tornam-se
aparência com adultos. egocêntrico. mais complexos.
Segunda Apetite diminui e são co- Ideias ilógicas sobre o Aumentam a inde-
infância muns distúrbios de sono. mundo devido à ima- pendência e a inicia-
(3 a 6 anos) turidade cognitiva. tiva de autocontrole.
Aprimoram-se habili-
dades motoras finas e A inteligência se torna Desenvolve-se uma
gerais, com aumento de mais previsível. compreensão inicial
força física. sobre identidade de
gênero.
Complexificação do
autoconceito pode
afetar a auwtoestima.
O crescimento torna-se Redução do egocen-
Terceira mais lento. trismo. Colegas assumem
infância uma importância
(6 a 11 anos) A força física e as habilida- Há o início do pensa-
fundamental no
des atléticas aumentam. mento operacional.
desenvolvimento e
na organização social
da criança.
31
FAIXA ETÁRIA DOMÍNIO FÍSICO DOMÍNIO COGNITIVO DOMÍNIO PSICOSSOCIAL
Torna-se possível
pensar em termos
abstratos e a partir do A busca pela iden-
UNIDADE 02
Adolescência
Ocorre a puberdade e, ao raciocínio científico. tidade, e também a
(11 a aproxima-
seu término, a maturida- identidade sexual,
damente Educação focada na
de reprodutiva. torna-se elementar
20 anos) preparação para a na vida da pessoa.
faculdade ou futura
profissão.
Traços, estilos e
A possibilidade de
Tempo de reação mais aposentadoria altera
lento afeta alguns aspec- Nota-se uma dete- a relação com o tem-
Vida adulta
tos funcionais. rioração em alguns po de vida.
tardia ou
aspectos cognitivos
senescência Declínio de saúde e capa- Necessidade de
que são compensa-
(65 anos em cidades físicas em íntima enfrentamento de
dos pela plasticidade
diante) relação com o estilo de questões relacio-
cerebral.
vida levado. nadas ao luto e à
morte.
Com esse quadro, obtemos uma síntese dos principais elementos relevantes ao desenvolvi-
mento humano nos domínios cognitivo, físico e psicossocial. Ao longo desta Unidade, abordare-
mos cada período de maneira mais detalhada, expandindo as informações aqui apresentadas.
Os desenvolvimentos cognitivo e executivo, todavia, serão foco de nossa próxima Unidade, de
modo separado. Por ora, vamos aos períodos do desenvolvimento e seus principais elementos
de relevância para a Psicologia.
32
1.1 GRAVIDEZ – PSICOLOGIA PRÉ-NATAL, PARTO E PUERPÉRIO
Em que momento se inicia o desenvolvimento humano? Quão cedo devemos nos preocupar
com as condições ambientais e características singulares de cada pessoa para verificar um de-
senvolvimento adequado? Essas questões, à sua maneira, nos remetem diretamente à indagação
UNIDADE 02
sobre quando se inicia a vida humana. E a resposta dessas problemáticas localiza-se, progressiva-
mente, mais próxima. O início da vida humana e as melhores condições para seu desenvolvimento
têm cada vez mais sido objetos conhecidos pelos cientistas do desenvolvimento em suas diversas
áreas, permitindo-nos, hoje, saber a forma como ocorre o processo de formação de uma nova
vida, suas etapas e condições fundamentais ao sucesso de sua progressão.
Ainda que seja possível um maior debate político e filosófico sobre quando de fato podemos
33
Por ora, como síntese prévia a um importante estudo das influências genéticas no campo da
Psicologia do Desenvolvimento, podemos adicionar dois conceitos para direcionar nossos estudos:
genótipo e fenótipo. A cor dos seus olhos é o seu fenótipo, pelo qual o seu genótipo, ou constitui-
ção genética, irá se expressar. Ou seja, chamamos de fenótipo as características observáveis de
uma pessoa e de genótipo a estrutura genética de uma pessoa, contendo as características que
UNIDADE 02
são expressas e aquelas que não são expressas. Para um fenótipo específico, mais de um gene
pode estar influenciando aquela característica, por isso a importância da compreensão de uma
transmissão multifatorial (combinação de aspectos genéticos e ambientais na produção de traços
complexos) quando pensamos no desenvolvimento de modo científico.
Tendo compreendido de maneira inicial a base genética que compõe a nossa vida, vamos ob-
servar os estágios pelos quais passamos ainda antes de nascer.
Normalmente, a gestação dura entre 37 e 41 semanas, sendo a idade gestacional considerada
a partir do primeiro dia do último ciclo menstrual experienciado. Bee e Boyd (2011) estimam o
período gestacional em 38 semanas (cerca de 265 dias). De acordo com Papalia e Feldman (2013)
e Lima (2018), podemos dividir a gestação em três períodos considerados de acordo com as ca-
racterísticas de desenvolvimento observadas. Nesse momento, o desenvolvimento procede de
acordo com dois princípios fundamentais: crescimento e amadurecimento motor ocorrendo de
cima para baixo e do centro para a periferia do corpo. A cabeça e o tronco desenvolvem-se antes
dos membros, e os braços e pernas, antes dos dedos das mãos e pés.
Os três períodos de desenvolvimento considerados são:
» Período germinal (da fecundação até a segunda semana) – Há a transformação do zigoto
em blastocisto e sua implantação na parede uterina. Antes da implantação, com o início da
34
diferenciação de algumas células do blastocisto, forma-se o disco embrionário. Essa massa
celular densa será o ponto de partida do desenvolvimento embrionário.
» Período embrionário (da segunda semana à oitava semana) – É um estágio bastante crítico
às influências destrutivas do ambiente pré-natal, sendo de fundamental verificar a qualidade
UNIDADE 02
de apoio ofertado à mulher grávida, em seus níveis nutricionais, físicos, sociais, psicológicos
e cognitivos. Embriões com defeitos graves ao desenvolvimento geralmente não sobrevivem
além do primeiro semestre da gravidez; nesses casos verifica-se o aborto espontâneo, que
é a expulsão do embrião que se encontra no útero e é incapaz de viver fora dele (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Esse período se encerra quando a organogênese (crescimento dos prin-
cipais sistemas e órgãos do corpo) está completa e as células ósseas começam a se formar
35
Observamos, portanto, a relevância de um acompanhamento profissional pré-natal não somen-
te para verificar as características físicas do desenvolvimento do feto, mas também entendendo o
processo psicológico que envolve a gestação, parto e puerpério, considerando as pessoas envolvi-
das nesses momentos. Proporcionar apoio social e aconselhamento a mulheres grávidas estressa-
das ou deprimidas pode levar a melhorias tanto na saúde da mãe quanto do feto (BROCKINGTON
UNIDADE 02
apud BEE; BOYD, 2011).
Um fator histórico de importância psicológica a ser considerado quando pensamos em gravidez,
por exemplo, é o próprio papel da mãe e como sua centralidade (ou exclusividade) nesse proces-
so é algo relativamente recente em nossa cultura. De acordo com Maldonado (1991), o próprio
“instinto materno” na literatura histórica aparece como algo contemporâneo à nossa sociedade.
O lugar da gravidez, parto, maternidade e desenvolvimento infantil é historicamente localizado e,
REFLITA
Podemos pensar uma contraposição a esse argumento de duas maneiras, seguindo o exemplo
de Maldonado (1991). Primeiramente, pensando a experiência de nascimento de um filho como
uma experiência familiar e não somente materna. Segundo a autora, para se ofertar uma assistência
pré-natal adequada e mais global é necessário pensar não somente em termos de “mulher grávida”,
mas, sim, de “família grávida”. Vemos, desse modo, que a experiência pré-natal deve ser compreen-
dida em acordo com os cuidadores e pessoas evolvidas nos laços sociais próximos à gravidez e não
restrita à pessoa que está grávida. A autora destaca a importância da participação da família como
um todo no processo de gravidez e de pensar nisso como um sistema que está construindo subsiste-
mas novos, em que a alteração de uma parte acarretará consequências ao sistema como um todo.
A segunda possibilidade é verificar que, junto do desenvolvimento fetal, há uma outra pessoa
que passa por um estágio de seu desenvolvimento e, como tal, possuirá características mutáveis e
36
estáveis que deverão ser consideradas nesse momento – essa pessoa é aquela que está grávida do
feto. Desse modo, podemos evitar uma visão romântica do processo gestacional que desconsidera
possibilidades psicológicas complexas como a construção da figura de ser mãe e o papel social que
a mulher passa a cumprir nesse processo.
A gravidez é uma transição que faz parte do desenvolvimento normal. Há, porém, uma reestru-
UNIDADE 02
turação de várias dimensões, incluindo a identidade e definição de papéis na vida da mulher.
Para entender esse “outro lado” da gravidez, levando em conta os aspectos psicológicos da
gravidez para a mulher grávida, Maldonado (1991) divide a gestação por seus três trimestres, de-
notando as principais características psicológicas envolvidas em cada um.
No primeiro trimestre, é a partir do momento de percepção da gravidez que se inicia verdadei-
ramente a relação materno-filial e familiar com o bebê. Uma vivência básica inicial da gravidez é a
37
O puerpério é o período após o parto, considerado de recuperação da mulher até que seus
órgãos e seu corpo recuperem suas condições pré-gestação. Ele se inicia, portanto, com a saída
da placenta e termina com a primeira ovulação, seguida de menstruação. Em média, considera-se
que esse período dure cerca de 45 a 60 dias após o parto, quando as condições dos órgãos da
mãe (exceto suas mamas, principalmente quando ocorre a amamentação) retornam às condições
UNIDADE 02
prévias. Nesse momento, as impressões físicas e psicológicas causadas pela gravidez e parto são
mais explícitas, sendo fundamental que todas as pessoas envolvidas na rede de apoio da gestação
estejam presentes para auxiliar a mãe. Vamos aproveitar e abordar um pouco mais o processo de
parto e as questões que podem estar presentes nos ideais dos pais em relação à criança.
38
tica, o bebê imaginário corresponde mais a um desejo e uma perspectiva da mãe do que ao feto
propriamente dito. Também vale destacar que esse processo tende a se iniciar após o período
mais crítico da gravidez, após o terceiro mês, no qual a possibilidade de abortos espontâneos
ainda era uma realidade mais concreta.
Por meio desse processo, porém, é possível dar ao feto o estatuto de sujeito, de pessoa, capaz
UNIDADE 02
de uma vida própria, ainda que em explícita relação com aquilo que os pais esperam daquela nova
vida em formação. Tavares (2016) ressalta que a questão a própria história de vida, gestação, nas-
cimento e infância da mãe ocupa um lugar de destaque naquele objeto que é imaginado como o
bebê. Ou seja, a história de vida dos pais possui representações fundamentais para entender as
expectativas colocadas sobre aquele feto em desenvolvimento.
Como veremos a seguir, o desenvolvimento concreto do bebê em sua primeira infância tem
Ao nascer, em casos de peso ideal, o bebê terá uma variação de peso entre 3 a 5 quilogramas e
medir em torno de 50 cm. Ao cabo do primeiro ano, sua altura deverá aumentar em torno de 50%
e seu peso cerca de 200%. Logo, notamos o quão rápido o crescimento se dá nessa fase e estamos
abordando apenas o primeiro ano de vida. Ao todo, a primeira infância compreende a fase do
nascimento aos três anos de idade e terá a passagem da completa passividade e dependência da
criança a momentos mais ativos e autônomos.
Um autor abordado anteriormente, Lev Vigotski, denomina esse período pós-natal de período
de passividade, por conta da absoluta dependência do bebê ao adulto. Para o autor, a vida psíqui-
39
ca nesse momento estaria mais vinculada aos centros subcorticais do que ao córtex propriamente
dito, dado sua imaturidade. Não há ainda ideias, nem sentimentos inatos, pois não há uma lingua-
gem capaz de significar os processos mentais propriamente. Porém é possível admitir estados de
consciência nebulosos, como estados sensitivos emocionais ou estados de sensações marcadas
emocionalmente (CHEROGLU; MAGALHÃES, 2016). Atração, afeto e sensação estão fundidos em
UNIDADE 02
uma percepção subjetiva da realidade, seus objetos e mesmo de si próprio.
Nesse estado, verificamos o choro como função básica de um bebê, para comunicar uma
necessidade. “Visto que os bebês não podem se mover para perto de alguém, eles têm que tra-
zer alguém até eles” (BEE; BOYD, 2011, p. 96). Interessante notar como a própria produção da
necessidade de se comunicar é um processo social que se baseia em dois elementos essenciais:
a completa dependência do bebê dos cuidadores (denotada no choro inicial) e a realização do
40
que compreendem o temperamento da criança tendem a estar menos propensos a se sentirem
antagonizados pela criança, entendendo melhor seu comportamento (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Entre o primeiro e o segundo aniversário, pode-se considerar que o bebê se torna uma criança,
com padrões de comportamentos e atitudes mais observáveis e explícitos. As três principais questões
psicológicas que permearão o crescimento nesse período são: o desenvolvimento da autoconsciência
UNIDADE 02
e identidade, o desenvolvimento da autonomia e a socialização (internalização de padrões sociais).
Como observamos, o processo de diferenciação entre as pessoas, os objetos e si mesmo no
mundo envolve a mediação de um adulto, com etapas progressivas até que se alcance a diferen-
ciação de si e do mundo (a autoconsciência). A discriminação perceptual entre si e o mundo pode
ser a base para uma autoconsciência conceptual, que se desenvolve entre 15 e 18 meses.
41
Como afirmamos, iremos focar no processo cognitivo de maneira mais profunda em nossa pró-
xima Unidade, todavia é importante notar que, na segunda infância, as crianças apresentam con-
quistas importantes na atenção e processamento de informação, o que permite a aquisição da
habilidade de formar memórias de longo prazo (LIMA, 2018).
No campo do desenvolvimento motor e psicossocial, temos avanços basilares para o desenvol-
UNIDADE 02
vimento subsequente, em aspectos como: habilidades motoras grossas e finas, lateralidade manu-
al, emoções autodirigidas, entendimento e regulação emocional. Vejamos o que essas conquistas
do desenvolvimento significam, segundo Papalia e Feldman (2013).
As habilidades motoras grossas referem-se às habilidades físicas que envolvem os grandes
músculos, como correr, escalar e saltar, o que permite uma melhor coordenação entre o que de-
sejam e o que de fato conseguem fazer. As habilidades motoras finas, por sua vez, dizem respeito
SAIBA MAIS
Por conta de seu desenvolvimento, e a crescente compreensão das regras sociais e de suas pró-
prias vontades, podem surgir dificuldades no diálogo e na educação das crianças no período da
segunda infância. Um importante fator deve ser destacado, porém: a punição física não é uma op-
ção saudável para a educação, sob todos os aspectos. Bee e Boyd (2011) revelam como há pouco
ou nenhum efeito positivo na punição física com objetivo de alterar o comportamento da criança
e vários efeitos negativos. Como principais, podemos citar que os próprios pais estão se condicio-
nando a utilizar a punição física sempre que se depararem com um comportamento inadequado
da criança. A criança aprende que o uso de força física é adequado em situações mais severas e
pode adquirir um repertório mais violento para lidar com problemas, além de afetar sua socia-
lização ao longo da vida. De modo geral, a punição não é uma estratégia efetiva para alterar os
comportamentos infantis, devendo-se prezar mais pelo reforço de comportamentos que julguem
adequados e o diálogo em situações adversas, auxiliando no processo de socialização da criança.
42
Como verificamos em Rios e Rossler (2017), a atividade de brincar é fundamental nessa etapa
da vida, por permitir que a criança imite papéis sociais e regras que precisa internalizar por meio
de um processo ativo em sua compreensão. Assim, a brincadeira deve ser incentivada e subsidiada
pelos adultos ao redor, para que tenha um conteúdo concreto e um direcionamento específico,
não devendo legar a criança somente a um espaço vazio e esperar que, com isso, seja capaz de
UNIDADE 02
realizar o complexo processo da brincadeira. O brincar propicia um importante desenvolvimento
saudável tanto para o corpo quanto para o cérebro, afinal, possibilita “que as crianças se envolvam
com o mundo à volta delas, usem sua imaginação, descubram formas flexíveis de usar objetos e
solucionar problemas e preparem-se para papéis adultos” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 296).
Ao final dos 6 anos de idade, a criança deverá ter acumulado capacidades e características que
poderão ser enquadradas em um novo período do desenvolvimento, a terceira infância.
VÍDEO
No vídeo “Como incentivar seu filho(a) a estudar”, a psicóloga Daniella Freixo de Faria debate a
importância da associação dos valores de estudo ao próprio processo de desenvolvimento da
criança, relembrando seu valor social, para além do resultado esperado – o que auxilia no desen-
volvimento da aprendizagem e da regulação emocional atrelado a esse processo. Disponível em:
https://bit.ly/3rWofSm. Acesso em: 17 maio 2021.
Apesar de ser recomendado para todas as fases do desenvolvimento (LIMA, 2018), na terceira
infância é importante o estímulo à prática de atividades que possibilitem a aquisição e aprimora-
mento de habilidades motoras, para maior domínio dessas capacidades. A atividade física é re-
levante não apenas para o desenvolvimento, mas também por verificar-se que a obesidade e o
questionamento sobre a própria imagem corporal tendem a surgir durante a terceira infância, o
43
que terá impacto principalmente para o âmbito psicossocial durante a adolescência. De acordo
com Papalia e Feldman (2013), a obesidade prejudicial à saúde frequentemente aparece como
resultado de uma tendência genética agravada por muito pouco exercício físico e alimentação
excessiva ou equivocada, sendo recomendável para alunos do Ensino Fundamental uma média de
150 minutos de educação física por semana.
UNIDADE 02
Do ponto de vista psicossocial, na terceira infância a criança torna-se mais consciente de seus
próprios sentimentos e dos sentimentos dos outros – em avanço às habilidades adquiridas na
segunda infância –, com a verbalização de emoções conflitantes. Isto é, há a possibilidade de com-
preensão de pontos de vista diversos mesmo em relação a si própria e suas emoções. Uma criança
nesse período pode compreender que é possível não se sentir bem em relação a alguma nota
obtida na escola e, ainda assim, ir bem em outras disciplinas, ou sentir-se bem em relação a seus
44
geral. Vamos entender agora as características específicas dessa transição e sua importância para o
desenvolvimento, bem como, avaliar como esse período lança as bases para a relativa estabilidade
no desenvolvimento que observamos na vida adulta.
Como demais períodos do desenvolvimento, a adolescência consiste em uma construção
social que, assim como a infância, remete ao período moderno da história da humanidade, em
UNIDADE 02
especial a partir da industrialização e do domínio do modo capitalista de produção. Comumente
observamos no senso comum a concepção de que a adolescência é um período em que as crian-
ças são guiadas basicamente pelos hormônios advindos do período de puberdade e, portanto,
têm comportamentos menos controlados, enquanto buscam provar que são adultas e estão ap-
tas a ter sua autonomia. Mas de onde vêm essas concepções sobre a imagem do adolescente?
E será que elas estão corretas?
45
FIGURA 2 - A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA
UNIDADE 02
UNIBRASIL EAD | PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Segundo Rios e Rossler (2017), sob uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento,
com a ampliação dos interesses cognitivos e o progressivo alargamento das relações sociais, na
adolescência a comunicação íntima e pessoal auxilia o indivíduo a formar pontos de vista acerca
da vida, dos relacionamentos e de si próprio e seu futuro. Essa possibilidade é uma necessidade
e uma consequência da socialização que se inicia na terceira infância e terá centralidade durante
o período inicial da adolescência. Por esse motivo, o desenvolvimento é bastante afetado por
questões de relacionamento sociais nesse período da vida. Nesse momento, exigir a responsa-
bilidade e explicitar uma atitude de respeito diante do adolescente é bastante importante para
sua personalidade, cognitiva e social, pois ele está bastante próximo da vida adulta e requer ser
inserido nela sempre que possível.
Dada a importância dos relacionamentos sociais e o impacto das condições de vida no desen-
volvimento, também é possível verificar nesse período a continuidade do processo diagnóstico já
revelado na terceira infância. Papalia e Feldman (2013) destacam como a imagem corporal é um
aspecto essencial à adolescência, tendo em fenômenos como a anorexia (transtorno alimentar
caracterizado pela autoinanição) e a bulimia nervosa (transtorno alimentar no qual a pessoa de-
seja esvaziar o corpo após ingerir alimentos, seja por meio de laxantes, vômito induzido, jejum ou
excesso de exercícios) aspectos críticos para a saúde mental nessa esfera. Também na adolescên-
cia, a prevalência de depressão aumenta, com cerca de 9% de crianças entre 12 e 17 anos já tendo
experienciado ao menos um episódio de depressão maior (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Com a progressão do desenvolvimento e a conquista de maior cognição e autonomia, o ado-
lescente também experienciará a vontade e necessidade de se preparar para a tão desejada inser-
ção no mundo adulto. Após se dedicar à comunicação íntima e pessoal, conquistando visões de
mundo próprias e relações sociais mais fortes, o próximo passo do desenvolvimento é a dedicação
novamente à atividade de estudo, porém, agora, com foco já no âmbito profissional, que será
fundamental na sua organização de vida adulta. A atividade profissional de estudo, portanto, per-
46
mite a aquisição de ferramentas – teóricas e práticas – para a atividade profissional, o pensamento
teórico com níveis elevados de abstração e generalização, sentimento fortes diante de questões
sociais e interesse em transformar a realidade, como uma busca de sentido pessoal na atividade
cotidiana (RIOS; ROSSLER, 2017).
Considerando que vivemos em uma sociedade na qual a principal fonte de renda da maior
UNIDADE 02
parte da população é a venda de sua mão de obra por meio do assalariamento (trabalho formal),
em que busca se dedicar e se aprimorar com objetivo de obter melhores condições, não nos é
estranho notar como o trabalho passará a determinar uma importante parte do desenvolvimento
e sua estabilidade, como veremos na idade adulta.
Tanto do ponto de vista psicossocial quanto do neurofisiológico, ao alcançar a idade adulta o
desenvolvimento terá um dos seus momentos de maior capacidade. A densidade óssea atinge
1.5 SENESCÊNCIA
Para além das condições singulares que cada pessoa experiencia durante o processo de vida
adulta, bem como os aspectos de saúde, gênero, raça/etnia, nível socioeconômico que determina-
rão de sobremaneira o modo como se dará seu desenvolvimento e, mesmo, sua estabilidade, em
níveis gerais podemos observar que algumas características neurofisiológicas sofrem perdas em
idades a partir dos 40 anos.
Papalia e Feldman (2013) elencam algumas das principais alterações que vivenciamos nesse
período: 12% dos adultos de 45 a 65 anos experimentam declínios na visão, presbiopia (perda pro-
47
gressiva associada à idade, da capacidade dos olhos focalizarem objetos próximos), presbiacusia
(perda gradual da audição, associada à idade, em especial sobre frequência mais altas a partir dos
55 anos), redução da sensibilidade gustativa e olfativa, redução da força e coordenação motora,
fibra muscular sendo substituída por gordura, diminuição gradativa do metabolismo basal (uso
de energia para manter as funções vitais), redução na capacidade de atenção, degeneração da
UNIDADE 02
mielina, afinamento da camada de gordura sob a pele e rigidez das moléculas de colágeno, o que
torna a pele mais flácida. Enfim, essas e várias outras alterações são notáveis durante o processo
de envelhecimento próprio do corpo humano e parecem indicar um processo negativo de perdas
do desenvolvimento conquistado. Porém, também podemos encarar esse processo sob outras
lentes, como veremos a seguir.
Entendemos a senescência como “Período de vida marcado por declínios no funcionamento
48
Todavia, Reis e Facci (2016) enfatizam que não apenas é possível, como também fundamental,
a manutenção de atividades práticas e cognitivas capazes de auxiliar no processo de desenvolvi-
mento durante o período da senescência. Os autores destacam que, se o trabalho, a família e as
relações sociais estabelecidas foram motivos principais para a estabilidade na vida adulta, não é
possível esperar que a velhice ocorra sem maiores perdas se retiramos esses aspectos da vida da
UNIDADE 02
pessoa. Assim, seria importante compreender a velhice sob uma perspectiva social para atual em
conjunto com as possíveis perdas – físicas, cognitivas e sociais –vivenciadas nesse período.
Os motivos que poderiam constituir uma crise para o desenvolvimento, como a saída do mundo
formal do trabalho, a perda da maior proximidade com a família, o afastamento de relações sociais
com o envelhecimento, também podem ser parte de um processo de reorganização saudável para
o desenvolvimento, em que a pessoa possui mais tempo para se dedicar a atividades que propor-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a jornada pelas principais etapas do desenvolvimento humano, observamos a dificuldade
de encerrar seu conteúdo, considerando a infinitude de conteúdos passíveis de serem mais bem
estudados e capazes de influenciar direta ou indiretamente na vida do sujeito, tanto singular quan-
to coletivamente.
Nesta segunda Unidade, verificamos como os domínios físicos e psicossociais do desenvolvimento
entrelaçam-se e se determinam mutuamente ao longo de todo processo, sendo impossível conceber
algum desses fatores independentemente. A perspectiva histórico-cultural da Psicologia do Desen-
volvimento utilizada ao longo deste material demonstra como, para cada preparação biológica, neu-
rofisiológica ou maturacional, há uma atividade e um nível de inserção social correspondente, que
não apenas vai depender do aparato físico para lhe fornecer suporte, mas também vai exigir desse
aparato maiores desenvolvimentos, em um processo dialético de constante movimento.
Assim como a ciência do desenvolvimento em seu início trouxe contribuições elementares para
que se pudesse estudar a infância e suas principais características, alterando a forma como esses
indivíduos eram inseridos na sociedade em níveis quase radicais, a Psicologia do Desenvolvimento
49
almeja realizar o mesmo processo ao longo de todo o ciclo de vida humana. Compreender, pois, os
fatores que determinam a maneira como nos desenvolvemos garante não apenas uma contribuição
à ciência enquanto teoria, mas também pode auxiliar nossa prática cotidiana como profissionais, en-
tendendo as demandas de cada sujeito singular, em seus aspectos físicos, cognitivos e psicossociais.
UNIDADE 02
ANOTAÇÕES
50
UNIDADE
03
DESENVOLVIMEN-
TO COGNITIVO E
APRENDIZAGEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 03
pais avanços e os dilemas que permanecem exigindo respostas de todos os profissionais que se
dedicam à ciência do desenvolvimento ou áreas afins. Estudamos as características elementares
de todas as fases do desenvolvimento em seus domínios físico e psicossocial, bem como as ca-
racterísticas que encontram estabilidade e instabilidade ao longo do percurso de cada sujeito
singular em sua história de vida, em contato direto com seu ambiente e as relações sociais que
balizam esse processo.
1. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA
CRIANÇA
Imagine a seguinte situação: Ana Clara, uma
criança de 4 anos, monta um quebra-cabeça en-
quanto seus pais assistem à TV na sala de estar da
família. Tudo ocorre em harmonia e sem maiores
percalços, até que a criança encontra um buraco
no quebra-cabeça montado e não consegue achar
a peça adequada que está faltando naquele lugar.
Após tentativas de encaixar diversas peças aleatoria-
mente no local faltante, Ana Clara pede auxílio dos
pais, falando que não consegue resolver ou que o
quebra-cabeça está “quebrado”. Seus pais, buscan-
do o desenvolvimento da filha e focados na progra-
52
mação da TV, dizem para ela continuar tentando e que logo encontrará a resposta. A criança tenta
mais algumas peças aleatórias, sem muito raciocínio sobre sua adequação, e depois para e fica
olhando para o quebra-cabeça montado e as peças faltantes; então seus pais a ouvem falar em
tom de voz mais baixo, para si: “A peça que falta tá no canto, então tem que ser uma peça de can-
to”. Ao final de sua frase, Ana Clara encontra uma peça com apenas três “lados” e a encaixa no
UNIDADE 03
local que faltava, e os pais observam felizes a capacidade da filha.
As idades podem variar, bem como as atividades que exigem o raciocínio infantil, mas cenas
como essa descrita são bastante comuns no desenvolvimento da criança e, como veremos, até
mesmo nas atitudes simples, como as alternativas escolhidas por Ana Clara para a resolução de
seu problema, é possível observar diversas etapas importantes do domínio cognitivo e da crescen-
te relação que a criança possui de controle do seu comportamento e do ambiente ao seu redor,
53
O MOMENTO DE MAIOR SIGNIFICADO NO CURSO
DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL, QUE DÁ
ORIGEM ÀS FORMAS PURAMENTE HUMANAS DE
UNIDADE 03
INTELIGÊNCIA PRÁTICA E ABSTRATA, ACONTECE
QUANDO A FALA E A ATIVIDADE PRÁTICA, ENTÃO
DUAS LINHAS COMPLETAMENTE INDEPENDENTE
DE DESENVOLVIMENTO, CONVERGEM.
- (VYGOTSKI, 1991, P. 20)
54
números e conceitos de modo geral que sejam capazes de realizar essa tarefa. Em seus experimentos,
Vigotski e seus colaboradores notaram que, de acordo com o desenvolvimento infantil e com a dificul-
dade da tarefa proposta, as crianças requeriam cada vez mais a utilização de signos como mediações
para alcançar as respostas almejadas e de modo mais planejado. Ao mesmo tempo, o instrumento é
o objeto mediador de forma externa, algo capaz de auxiliar na ação humana para execução de seus
UNIDADE 03
objetivos. Podemos pensar nos instrumentos como ferramentas que permitem ao indivíduo realizar
tarefas e alterações em seu ambiente que, sozinho, seria incapaz. Um exemplo de instrumento mais
simples é uma cadeira sendo utilizada para alcançarmos um objeto em um local muito alto.
SAIBA MAIS
De acordo com Vigotski (1991), a possibilidade da utilização de signos como forma de mediar o
comportamento e o raciocínio forneceria uma das principais chaves para a compreensão do com-
portamento humano. Mesmo no exemplo do quebra-cabeça que descrevemos, é possível notar o
papel da fala para a execução da tarefa de Ana Clara. Primeiro, a criança tenta diversas peças em
uma execução quase imediata de seus comportamentos, depois refere-se aos pais pedindo auxílio,
tentando utilizar suas palavras e os adultos como mediadores e, por fim, fala consigo mesma de
modo a organizar quais são as etapas necessárias para alcançar aquilo que deseja, refletindo pre-
viamente e, então, selecionando uma peça específica para o local que estava vazio.
Em síntese, são essas etapas que o cientista histórico-cultural Vigotski verificou no desenvolvimen-
to cognitivo humano. Ao nascer, a criança não possui ferramentas para mediar seu comportamento,
agindo de acordo com o modelo estímulo-resposta quase imediato. Com o desenvolvimento e as
relações sociais que a englobam, a criança passa a ser capaz de utilizar a linguagem primeiro para co-
municar suas necessidades aos outros, depois falar consigo mesma acerca daquilo que precisa (fala
egocêntrica) e, posteriormente, utilizar os signos de maneira interna, mediando desde o princípio
seu comportamento. A compreensão de que a presença da mediação da linguagem requalifica todas
as funções psicológicas humanas foi um dos pontos decisivos da teoria vigotskiana e estará presente
em todas a discussões de desenvolvimento cognitivo que teremos nesta Unidade.
55
FIGURA 1 - O PROCESSO DE MEDIAÇÃO
SIGNO
UNIDADE 03
ESTÍMULO RESPOSTA
56
» Abordagem da neurociência cognitiva – busca a identificação de quais estruturas do cére-
bro estão envolvidas em aspectos específicos da cognição.
» Abordagem sociocontextual – analisa os efeitos ambientais dos processos de aprendizagem
e cognição, principalmente das figuras dos pais e cuidadores.
UNIDADE 03
De modo geral, todas essas abordagens estarão presentes em nossa Unidade para falarmos
sobre cognição, atenção, percepção, memória, linguagem, funções executivas e desenvolvimento
psicomotor infantil. Para abordar o desenvolvimento cognitivo e aproveitar o diálogo mais profícuo
com a teoria histórico-cultural vigotskiana, porém, vamos retomar e sintetizar as contribuições de
Jean Piaget e sua teoria cognitivista para a análise do desenvolvimento cognitivo infantil.
Na abordagem piagetiana, vimos como os principais mecanismos cognoscitivos da criança
57
Não obstante tenhamos explorado de maneira sucinta as periodizações propostas por Piaget
para o desenvolvimento, iremos retomar e especificar algumas contribuições específicas que
cada etapa do desenvolvimento infantil apresenta para a cognição e a compreensão de si e do
mundo, de modo a verificar o direcionamento geral do desenvolvimento cognitivo de acordo
com a teoria cognitivista.
UNIDADE 03
Como verificamos, para o biólogo suíço Piaget, há três pontos principais de equilibração do de-
senvolvimento cognitivo que, por sua vez, demarcam a existência de quatro períodos específicos
na cognição humana: o estágio sensório-motor (de 0 a 2 anos); o estágio pré-operatório (de 2 a 7
anos); o estágio das operações concretas (7 a 11 ou 12 anos); e o estágio das operações formais
(11 ou 12 anos em diante). Vamos entender as contribuições de cada período para o desenvolvi-
mento cognitivo, de acordo com Bee e Boyd (2011) e Papalia e Feldman (2013).
NOMENCLATURA
SUBESTÁGIO IDADE CARACTERÍSTICAS
DE PIAGET
58
Os seis desenvolvimentos cognitivos principais que esse período lega à criança são: imitação,
permanência do objeto, desenvolvimento simbólico, categorização, casualidade e manipulação
numérica. As aquisições cognitivas desses desenvolvimentos fundamentais apontam para uma
incipiência nas capacidades de compreender o ambiente que cerca a criança, com um progressivo
avanço a partir da possibilidade da utilização de símbolos, característica do pensamento represen-
UNIDADE 03
tativo. Esse fato demonstra uma convergência entre Vigotski e Piaget, revelando que as capacida-
des cognitivas da criança se transformam e se requalificam sob bases simbólicas com a progressão
do desenvolvimento.
No período que segue, o estágio pré-operatório, podemos notar algumas características cog-
nitivas que apontam para o início da possibilidade de operações mentais envolvendo esquemas
mais simbólicos e conceituais, porém ainda atuando mais de acordo com a incipiência dessas ope-
59
Por fim, na adolescência, vemos a culminação do desenvolvimento cognitivo básico infantil com
o estágio das operações formais. Como observamos anteriormente, esse momento tem como
característica a habilidade de realizar operações de acordo com a lógica dedutiva, o que expande
de maneira considerável o universo de habilidade e possibilidade cognitivas da criança, posto que
esta é capaz de lidar com problemas bastante abstratos sem perder a linha de raciocínio ou o foco
UNIDADE 03
na problemática central.
O desenvolvimento cognitivo infantil para Piaget, portanto, está alicerçado sob a base da matura-
ção neurofisiológica da criança, porém revela seu verdadeiro caráter de progressão de acordo com as
possibilidades cognitivas que a criança adquire, de manusear símbolos e os utilizar como instrumen-
tos para a execução de esquemas cada vez mais complexos, que alcançarão o nível mais abstrato no
raciocínio dedutivo e moral característico da adolescência e do estágio das operações formais.
60
2.1 ATENÇÃO
A todo momento, somos bombardeados por um infinito número de estímulos de todas as qua-
lidades e graus possíveis, advindos de fontes externas e internas, sendo que muitos desses estí-
mulos exigem uma resposta nossa, seja ela automática ou consciente. Como vimos sobre o desen-
UNIDADE 03
volvimento cognitivo, a possibilidade de planejar uma ação e realizar uma quantidade menor de
movimentos para executar aquilo que desejamos exige que sejamos capazes de manter o foco em
alguns estímulos principais e ignorar outros que não farão parte daquela tarefa específica. Quem
realiza essa tarefa para nós é a atenção.
De modo geral, a atenção pode ser definida como a seleção de informação necessária, com
o asseguramento de programas seletivos de ação e a manutenção de um controle permanente
61
motora nítidas, que surgem sempre que acontece algo incomum ou importante na situação geral
em que se encontra a pessoa ou o animal. Assim, podemos pensar na atenção involuntária como
um reflexo incondicionado presente em nosso aparato neurofisiológico como forma de resposta a
estímulos em nosso ambiente.
A atenção arbitrária corresponde à forma especificamente humana de atenção e tem o caráter
UNIDADE 03
socialmente mediado. Mas que queremos dizer com socialmente mediado? Assim como obser-
vamos no desenvolvimento cognitivo explicitado por Vigotski, na atenção arbitrária observamos
que, inicialmente, o processo de focar em um objeto e direcionar sua ação a ele era realizado por
duas pessoas – o bebê e o cuidador – e, com a crescente internalização dessa relação e o apoio
da linguagem, a criança adquire a capacidade de direcionar sua atenção somente aos estímulos
advindos do objeto desejado, superando a resposta automática aos estímulos de outras fontes.
2.2 PERCEPÇÃO
Para podermos selecionar o foco de nossa atenção, porém, necessitamos desenvolver uma
capacidade cognitiva que nos permita compreender o ambiente ao nosso redor, bem como os
estados psicológicos internos que possuímos. Para que a atenção possa realizar sua tarefa adequa-
damente, portanto, precisamos de uma função cognitiva denominada de percepção.
Podemos definir a percepção como a atividade receptora do sujeito, em um processo de
unificação dos principais indícios (existentes e inexistentes) que chegam à pessoa com os co-
nhecimentos anteriores que ela tem do objeto percebido. Caso o objeto seja reconhecido nesse
processo, podemos dizer que se conclui a percepção; caso contrário, a procura por uma solução
persistirá (LURIA, 1979a). A percepção, nessa perspectiva, remete-nos à concepção piagetiana de
organização e adaptação, num processo de constante transformação dos esquemas para que pos-
sam compreender o ambiente da criança e suas capacidades em determinada experiência.
62
Importante destacar que, no processo perceptivo, estão sempre presentes componentes
motores. Isso porque, para que possamos falar da percepção de algo, precisamos apreender
que todo objeto possui mais de um estímulo em sua expressão, sendo sempre necessária uma
síntese dos estímulos recebidos de modo a perceber aquele objeto como tal, realizando mu-
danças motoras em nós mesmos a fim de verificar todas as expressões possíveis para definição
UNIDADE 03
daquilo que estamos percebendo.
Com isso, verificamos que o processo de percepção não é, de forma alguma, o resultado da
simples excitação de órgãos do sentido e unicamente da chegada ao córtex cerebral das exci-
tações registradas nos receptores periféricos (pele, olhos, ouvidos etc.). A percepção consiste
em uma atividade, pois, além da recepção das excitações periféricas, há um processo de rea-
nimação dos remanescentes das experiências anteriores, de modo a comparar a informação
SAIBA MAIS
O córtex cerebral é uma fina camada (com espessura aproximada de 1 a 4 mm) mais externa de
nosso cérebro. Formado pela substância cinzenta (que contém o corpo celular do neurônio), é o
local de processamento neural mais sofisticado e distinto.
Luria (1979a) destacou quatro traços peculiares à percepção humana que a diferenciam da per-
cepção animal, os quais apresentam características próprias ao longo do desenvolvimento cogniti-
vo de cada pessoa em seu ciclo de vida. São eles:
» Primeiro traço peculiar – a percepção tem caráter ativo e imediato. Seu funcionamento
corresponde à comparação com experiências anteriores, em um processo de análise e sín-
tese que compreende a criação da hipótese do caráter do objeto perceptível e a decisão
acerca da adequação do objeto perceptível a essa hipótese.
» Segundo traço peculiar – a percepção possui caráter material e genérico. Principalmente
com o desenvolvimento humano, torna-se notável como o sujeito percebe não só o conjun-
to de indícios que lhe chega, mas também analisa esse conjunto em relação a determinada
categoria do conhecimento humano. Isto é, percebemos de modo estreitamente ligado aos
significados sociais dos objetos ao nosso redor.
63
» Terceiro traço peculiar – a percepção apresenta determinada constância e correção (or-
toscopicidade). O conhecimento anterior que possuímos de determinado objeto, junto do
conhecimento geral dos objetos humanos, permite-nos “corrigir” as pequenas imperfeições
dos órgãos de sensação, possibilitando uma percepção mais constante de formas objetais
que não se altera por conta dos “defeitos” naturais de nossos próprios órgãos periféricos.
UNIDADE 03
» Quarto traço peculiar – a percepção humana é móvel e dirigível. De acordo com a atividade
desenvolvida pelo sujeito ou por suas necessidades no momento, a percepção pode apre-
sentar maior foco em determinadas qualidades dos objetos em detrimento de outras. Pode-
mos pensar em um pintor que, por sua formação e profissão, é capaz de visualizar qual técni-
ca foi utilizada ao observar um quadro antes de perceber sua moldura ou outros elementos.
Com base nessas quatro peculiaridades da percepção, podemos verificar como o desenvolvi-
2.3 MEMÓRIA
Em nosso cotidiano, constantemente percebemos a importância de lembrar sobre alguns
fatos que aconteceram em nossa vida, seja para poder fornecer a uma pessoa um recado
que lhe foi destinado, seja para lembrar em qual ano experimentamos determinado tipo de
culinária pela última vez. Mas será que a função da memória consiste apenas na recordação
de fatos específicos quando estes se tornam necessários à nossa cognição? Vamos pensar
um pouco mais sobre isso enquanto abordamos o funcionamento elementar da memória em
nossos processos psicológicos.
De modo geral, podemos compreender a memória como o registro, a conservação e a repro-
dução de vestígios da experiência anterior, registro esse que permite ao sujeito uma possibi-
64
lidade de acumular informação e, assim, operar com esses vestígios da experiência, mesmo
após o desaparecimento dos fenômenos que os originaram (LURIA, 1979b). Ou seja, a memória,
como ferramenta cognitiva, permite-nos continuar a operar com estímulos que já cessaram em
nosso ambiente, levando a uma complexificação de todo o processo de raciocínio e pensamento
no desenvolvimento humano.
UNIDADE 03
A memória humana encontra sua base mais elementar na memória fisiológica, que é a con-
tinuação de descargas elétricas no sistema nervoso mesmo após o fim de uma excitação única.
Os neurônios, por exemplo, não apenas recebem e reagem a sinais, mas também são capazes de
conservar vestígios dos estímulos que chegam a eles. Tanto o sistema nervoso como um todo
quanto o neurônio são capazes de reter o arquétipo do sinal apresentado e o comparar com os
novos estímulos sob períodos bastante longos (LURIA, 1979b). Apenas dessa base mais elementar,
65
Por fim, é importante lembrarmos que a memória verbal consiste na modalidade mais com-
plexa e mais elevada da forma especificamente humana de recordação. O maior volume de
conhecimentos e informações nos chega por via verbal e, assim, são fixados em associações
verbais em nossos processos cognitivos. A memória verbal refere-se menos às palavras utiliza-
das (vestígios de forma direta) e mais às ideias que nos foram transmitidas, em um processo de
UNIDADE 03
recodificação (LURIA, 1979b).
No desenvolvimento das funções cognitivas, a memória cumpre um papel fundamental, for-
necendo conteúdo ao próprio ato de pensar da criança. Como a capacidade de trabalhar com a
linguagem e seus signos desenvolve-se ao longo do tempo, verificamos que as lembranças con-
cretas ocupam um papel elementar do pensamento infantil antes mesmo do próprio pensamento
abstrato. Como lembra Vigotski (1991, p. 37): “do ponto de vista do desenvolvimento psicológico,
2.4 LINGUAGEM
Como viemos denotando, a linguagem consiste em uma função cognitiva elementar para a
compreensão do desenvolvimento de modo geral, dado que sua aquisição e complexificação im-
plica diretamente na mediação em qualidade superior de outras funções cognitivas. Embora não
nos seja possível aqui abordar em detalhes o papel da linguagem quanto a seu aspecto social, vale
apontar que o desenvolvimento dela percorre a direção que havíamos notado no desenvolvimento
cognitivo de modo geral. Isto é, a linguagem se constrói de modo a representar objetos, ações e
relações externas de maneira simbólica e interna. Por exemplo, ao mencionarmos o conceito de
mesa, não apenas você é capaz de visualizar uma mesa em sua cabeça, como também de pensar
em uma série de relações que esse conceito possui para você, desde seus possíveis usos às memó-
rias mais importantes ou recentes que você pode ter utilizando uma mesa. Dessa maneira, verifi-
camos que houve uma internalização de toda uma série de relações que ocorreram de maneira
externa para dentro de sua cognição.
Podemos pensar no desenvolvimento e utilização da linguagem em dois níveis fundamentais:
um baseado em uma concepção mais ampla da linguagem como mediadora do comportamento,
como verificamos em Vigotski (1991), e outro num sentido mais explícito da linguagem como o
desenvolvimento da capacidade de se expressar por meio de sons de maneira coesa e dotada de
significado, isto é, como fala. Vejamos como se desenvolve esse segundo nível de acordo com Bee
e Boyd (2011).
Ao nascer, o bebê encontra-se em uma fase pré-linguística que perdurará durante o primeiro
ano de vida, mas que não significa que ele não tenha capacidade de comunicação de modo geral,
apenas incapacidade para fala. O primeiro tipo de som que o bebê possui para sua comunicação é
o arrulho, constituído de sons de vogal repetitivos. Em torno dos 6 meses surge uma forma mais
complexa de comunicação denominada balbucio, bastante similar ao arrulho, o qual compreende
também consoantes e muda gradualmente com a passagem do tempo, para se adequar aos sons
incluídos na língua que o bebê está aprendendo a falar.
66
As primeiras palavras de fato aparecem aproximadamente quando a criança tem em torno de
1 ano, costumam ser altamente específicas e relacionadas ao contexto em seu significado. Inicial-
mente verificamos que a comunicação apresenta a característica de holofrases, uso de palavras
únicas combinadas com gestos para dar sentido em forma de frases. Essa forma de comunicação
compreenderá toda uma gama de significados que a criança está construindo para si e já atua de
UNIDADE 03
maneira a mediar o comportamento, como havíamos apontado anteriormente. Aos 2 anos, por
exemplo, já é possível notar a adaptação da linguagem ao contexto cultural específico da língua
utilizada, bem como seu uso para regular o próprio comportamento da criança.
O desenvolvimento de uma consciência acerca dos padrões sonoros da língua utilizada durante
a primeira infância é fundamental para a aprendizagem da leitura e da escrita, que nada mais é do
que a forma representada dos signos utilizados para a comunicação falada. Dessa maneira, auxiliar
VÍDEO
O documentário “Borboletas de Zagorsk” aborda a importância e as potencialidades da lingua-
gem para o desenvolvimento humano ao mostrar a experiência de educadores russos no ensino
de crianças com deficiência auditiva e visual. Esse documentário permite a compreensão das
duas esferas da linguagem aqui apontadas e revela a potencialidade dos indivíduos ao encontra-
rem educação e mediações adequadas na sociedade em que vivem. Disponível em: https://bit.
ly/3lwgUI5. Acesso em: 01 jun. 2021.
3. FUNÇÕES EXECUTIVAS
Conforme fomos destacando ao longo de nossa Unidade, o desenvolvimento e o funcionamen-
to cognitivo não podem ser compreendidos a partir de suas funções isoladas, dado que todas as
funções atuam de maneira conjunta em um complexo sistema de potencialidades e limitações, de
acordo com as atividades e condições biológicas e sociais dispostas a cada pessoa na trajetória de
67
sua vida. Porém, para além de seu funcionamento conjunto, o ser humano desenvolveu, ao longo
de sua evolução, um mecanismo capaz de agir na regulação, verificação e execução de tarefas
complexas do comportamento, atuando de maneira sistêmica em relação às habilidades cogniti-
vas. Esse é o papel das funções executivas.
De modo geral, podemos definir as funções executivas como conjuntos de habilidades de con-
UNIDADE 03
trole top-down do comportamento. Isto é, habilidades que atuam na regulação e no controle
de outros processos comportamentais, como cognição e emoção. Segundo Dias e Seabra (2013,
p. 206), as funções executivas (FEs) “são requeridas sempre que o indivíduo se engaja em tarefas
ou situações novas, para as quais não possui esquema comportamental prévio ou automatizado,
bem como na resolução de problemas e no estabelecimento de objetivos”.
Muitas vezes, as FEs são referidas como um processo de metacognição, como um movimento de
68
Outro principal componente das funções executivas é a memória de trabalho, cuja definição
pode ser compreendida como habilidade de realizar a manutenção da informação em mente
por tempo limitado e habilidade de manipulação da informação mentalmente, atualizando ou
utilizando os dados disponíveis. A memória de trabalho nos permite relacionar ideias, integrar
informações presentes com outras armazenadas na memória de longo prazo e lembrar sequências
UNIDADE 03
ou ordens de acontecimentos, sendo responsável pela organização e planejamento de comporta-
mentos complexos (DIAS; SEABRA, 2013).
Podemos abordar a memória de trabalho como
o componente das funções executivas capaz de
trabalhar com informações em abstração, organi-
zando os estímulos recebidos e os conhecimentos
69
4. PSICOMOTRICIDADE E DESENVOLVIMEN-
TO INFANTIL
UNIDADE 03
Com o passar do tempo, em nosso desenvolvimento, automatizamos comportamentos com-
plexos e os tornamos de tal maneira inconscientes que fica difícil a nós relembrarmos a dificuldade
que tivemos com o aprendizado de seus mecanismos em todas suas operações. Quando falamos
da importância da linguagem para a mediação de toda função cognitiva e seu papel de comunica-
ção em todas as relações sociais, seja de modo escrito ou oral, pode ser também difícil reparar que
essa comunicação exige uma série de movimentos musculares muito precisos para sua efetivida-
70
» Coordenação global ou motricidade ampla – Como observamos anteriormente, refere-se
à capacidade de execução de movimentos com os grandes músculos, como correr, escalar
e saltar.
» Coordenação ou motricidade fina – Movimentação coordenada da utilização dos músculos
periféricos, com maior coordenação olhos-mão.
UNIDADE 03
» Tônus e equilíbrio – Chamamos de tônus a tensão fisiológica dos músculos responsáveis
pelo equilíbrio estático, dinâmico, pela postura e, mesmo, a própria coordenação. É o ele-
mento que assegura as atitudes e as emoções das quais emergem todas as atividades mo-
toras humanas.
Pensar o desenvolvimento infantil de acordo com sua psicomotricidade a partir desses elemen-
71
da infância. Desse modo, podemos averiguar os critérios supracitados e buscar suas possibilidades
de funcionamento adequado na relação da criança com seu ambiente, entendendo as limitações
e potencialidades que podem exigir a intervenção de profissionais qualificados nesses aspectos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 03
Ao final desta Unidade, você deve ter notado que o direcionamento geral do desenvolvimen-
to cognitivo humano está profundamente imbricado numa concepção integral de ser humano
e suas funções psicológicas. Como vimos, a cognição de modo geral, a atenção, a percepção, a
memória, a linguagem, as funções executivas e a psicomotricidade são momentos específicos
ANOTAÇÕES
72
UNIDADE
04
INTER-RELAÇÃO
PSICOLOGIA, FO-
NOAUDIOLOGIA E
ÁREA DA SAÚDE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
VÍDEOS DA UNIDADE
UNIDADE 04
maneira conjunta. Nessas esferas, diferentes profissionais e disciplinas apresentam uma contribui-
ção específica para o objetivo de fomentar e permitir o desenvolvimento integral mais adequado
a todas as pessoas que serão afetadas pelas práticas técnicas cotidianas.
Se até o presente momento de nossa disciplina objetivamos estudar o desenvolvimento em
seus mais diversos domínios e sua progressão esperada, iremos agora nos deparar com um ques-
tionamento que é, na maioria dos casos, a forma com que de fato entramos em contato com o de-
74
bios, transtornos e dificuldades. Será que os podemos tratar como sinônimos? Acreditando na
importância de dispormos do saber científico para auxiliar o senso comum, diferenciaremos
cada um desses termos, para que possam ser utilizados de maneira adequada, de acordo com
o rigor exigido em cada situação, mas que não impeça seu diálogo com a coloquialidade para
abordar questões complexas.
UNIDADE 04
Entendemos como distúrbios as perturbações ou o mau funcionamento de órgãos ou fun-
ções vitais, como um distúrbio mental ou anomalia funcional de um órgão ou sistema especí-
fico. Por sua vez, os transtornos são, de acordo com Ohlweiler (2016), um conjunto de sinais
sintomatológicos, capazes de provocar uma série de perturbações no processo próprio de
aprendizado e desenvolvimento, de modo a causar interferência no processo de aquisição e
manutenção de informações de maneira acentuada. Por fim, as dificuldades são utilizadas
75
sociedade. Agora iremos nos deparar com a outra face dessa mesma moeda: o que significa
afirmar que um desenvolvimento está aquém daquilo que, socialmente, estipulamos como ade-
quado para cada idade?
Para responder a essa pergunta, vamos abordar a temática do déficit cognitivo, que também
UNIDADE 04
pode ser nomeado como deficiência mental ou transtorno do desenvolvimento intelectual. De
modo geral, a deficiência mental está relacionada a limitações substanciais no desenvolvimento
corrente. De acordo com Fierro (2007), ainda que em termos mais descritivos que explicativos,
podemos pensar a deficiência mental como um funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, que tem de ocorrer juntamente com limitações associadas em duas ou mais das
seguintes áreas de habilidades adaptativas: cuidado pessoal, comunicação, vida doméstica, habili-
dades sociais, utilização da comunidade, autogoverno, saúde e segurança, habilidades acadêmicas
76
SAIBA MAIS
O DSM é a sigla, em inglês, para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – em por-
tuguês, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Criado originalmente como DS-
UNIDADE 04
M-I, em 1952, pela Associação Norte-Americana de psiquiatria, esse manual apresenta critérios
de diagnóstico para todos os casos de alterações ou transtornos de ordem psíquica reconhecidos
cientificamente pela Psiquiatria, de acordo com a avaliação mais recente dos profissionais e das
pesquisas desenvolvidas. Seu objetivo é a padronização diagnóstica, o que é fonte de benefícios e
críticas até a contemporaneidade. A versão mais recente utilizada é o DSM-V, lançado inicialmen-
te em 2013, substituindo a versão anterior (DSM-IV, criado em 1994 e revisado em 2000).
77
Sob um ponto de vista psicológico, devemos nos atentar também às determinações do déficit
intelectual presentes na personalidade do sujeito. Segundo Fierro (2007), o traço mais marcante
da personalidade em quadros de deficiência mental é a rigidez comportamental. Por conta de um
repertório cognitivo reduzido para sua etapa no desenvolvimento, o sujeito diagnosticado com dé-
ficit intelectual tende a preferir uma rotina bastante estabelecida e fixa, com elementos repetitivos
UNIDADE 04
e dentro de padrões controláveis e já experienciados anteriormente. Isso porque, como vimos, ao
desenvolver nossas habilidades cognitivas, vamos adquirindo meios para lidar com as situações
com base nos conhecimentos e experiências que já tivemos; sem esse desenvolvimento cognitivo,
situações novas podem parecer à pessoa como difíceis ou impossíveis de ser manejadas, gerando
angústia. Ainda conforme Fierro (2007, p. 199), “A pessoa com baixa capacidade intelectual en-
contra maiores dificuldades nessa adaptação [a mudanças] e, consequentemente, experimenta
1.2 DISLEXIA
FIGURA 1 – OBSERVANDO O MUNDO DA DISLEXIA
78
Ao abordarmos os distúrbios cognitivos, temos um foco mais explícito nas alterações capazes
de afetar significativamente o desenvolvimento humano sobre seus mais variados domínios. Um
distúrbio relativamente comum e que pode acarretar consequências bastante severas ao desen-
volvimento é a dislexia.
A dislexia pode ser compreendida de modo mais amplo como o transtorno manifestado por di-
UNIDADE 04
ficuldade na aprendizagem da leitura, independentemente de instrução convencional, inteligência
adequada e oportunidade sociocultural. No senso comum, temos uma visão bastante específica
da leitura como a capacidade de perceber, interpretar e compreender palavras de modo geral,
porém, será que a leitura se resume somente às palavras? De acordo com Rotta e Pedroso (2006,
p. 134), a leitura é “a interpretação de qualquer sinal que, chegando aos órgãos dos sentidos,
conduza o pensamento a outra situação além dele próprio”. A leitura compreende, desse modo,
79
te no período entre 6 e 7 anos, ou seja, no início da terceira infância. Muitas crianças apresentam
características de disfasia (distúrbio ou dificuldade na fala) antes de se confirmar a possibilidade
de dislexia. Rotta e Pedroso (2006) citam algumas características observáveis e bastante marcantes
para o diagnóstico de dislexia:
» Leitura e escrita muitas vezes incompreensíveis;
UNIDADE 04
» Confusões de letras com diferente orientação espacial (p/q; b/d);
» Inversões de sílabas ou palavras (par/pra; lata/alta);
» Confusões de letras com sons semelhantes (b/p; d/t; g/j);
» Substituições de palavras com estrutura semelhante (contribuiu/construiu);
Do ponto de vista psicológico, podemos observar alguns sinais como expressões de ansiedade
e baixa autoestima em temáticas relacionadas à leitura ou alfabetização como um todo. Também
é possível verificar um crescente desinteresse pelo ambiente escolar nesses casos, o que mostra
como é relevante estar atento aos mais diversos sinais no desenvolvimento infantil para a identifi-
cação de dificuldades específicas vivenciadas por cada criança. A dislexia, desse modo, vem acom-
panhada de diferentes fatores psicossociais que são capazes de tanto prejudicar quanto auxiliar a
criança em seu desenvolvimento. O papel dos profissionais nesse domínio está associado também
à habilidade de demonstrar à criança e aos pais que o distúrbio cognitivo não significa uma falta
de vontade ou simples incapacidade do indivíduo com dislexia, mas, sim, refere-se a uma condição
passível de melhorias e adequação ao modo de vida de cada um, embora permanente.
A etiologia desse distúrbio é similar ao que observamos na deficiência mental, podendo ser
compreendida entre fatores biológicos e ambientais ou multifatoriais. Geneticamente, as pesqui-
sas recentes verificaram uma estimativa de 35 a 40% de proximidade familiar na dislexia em paren-
tes de primeiro grau, o que revela uma forte hereditariedade. Do ponto de vista de características
adquiridas relacionadas à dislexia, podemos apontar malformação do sistema nervoso central
(SNC), mau desenvolvimento do SNC, problemas perinatais, danos no SNC pós-natal, privação
ambiental e oportunidade educacional inadequada (ROTTA; PEDROSO, 2016). Muitos desses fa-
tores podem figurar conjuntamente na causa de um quadro de dislexia, sendo importante investi-
gar todas essas possibilidades durante o processo diagnóstico.
Contemporaneamente, cientistas do desenvolvimento das mais diversas áreas têm conside-
rado a dislexia em três tipos diversos, de acordo com o mecanismo de dificuldade presente no
processo de leitura. A dislexia fonológica sublexical ou disfonética diz respeito a problemas na
conversão de fonemas (menor unidade sonora de uma língua) e grafemas (unidade fundamental
ou mínima da escrita) e/ou no momento de junção de sons parciais em uma palavra completa.
80
Nessa modalidade, o esforço maior para reconhecer palavras leva à dificuldade na compreensão
do que foi lido, pois exige dedicação extra da memória de trabalho (função executiva). Ou seja, o
processo de reconhecimento de palavras demanda maior complexidade, de modo a tornar difícil,
ao final de uma frase ou parágrafo, apreender seu conteúdo total, pois o foco esteve em cada pa-
lavra isoladamente.
UNIDADE 04
Na dislexia lexical não há um reconhecimento direto entre a forma visual da palavra, sua pro-
núncia e seu significado, isto é, não há um processo imediato de reconhecimento do símbolo das
palavras com seu reflexo simbólico no psiquismo. Nesses casos, observa-se que há a utilização do
processo fonológico para compensar as dificuldades no reconhecimento lexical direto, aplicando-
-se as regras de conversão som-letra mesmo em palavras conhecidas. Nesse caso, há dificuldades
relacionadas a palavras irregulares, com uma leitura lenta, com hesitações e erros frequentes. Por
81
Por fim, é importante a psicólogos e fonoaudiólogos que se deparam com o distúrbio cognitivo
da dislexia, segundo Moojen e França (2016), trabalhar no sentido de garantir uma série de adap-
tações pedagógicas, principalmente no ambiente escolar. Como a dislexia aparece e apresenta
seus desafios centralmente na escola, e como as condições intelectuais da pessoa disléxica estão
preservadas, não havendo uma cura específica, é fundamental a capacidade de adaptar o processo
UNIDADE 04
de aprendizagem às necessidades do desenvolvimento do indivíduo nesses casos.
Ainda segundo os mesmos autores, há uma série de atitudes, propostas, avaliações e ensinos
complementares que podem ser utilizados para essas situações. O fundamental é a compreensão
da importância de uma equipe multidisciplinar atuando conjuntamente para permitir que as me-
diações necessárias aos níveis de dificuldade da criança, adulto ou adolescente sejam fornecidas,
de forma a evitar frustrações paralelas e mesmo dificuldades psicológicas, como decepções exa-
82
Desse modo, temos como critério de classificação do transtorno as seguintes característi-
cas apresentadas pelo indivíduo: grau de compreensão substancialmente abaixo do esperado para
idade, nível cognitivo e escolarização; presença desde o início da escolaridade; persistente apesar
de atendimento específico; avaliação cognitiva descartando déficit cognitivo; afastadas causas am-
bientais e/ou secundárias; histórico de vida e familiar (OHLWEILER, 2016).
UNIDADE 04
A APA (2014) situa os transtornos de aprendizagem como específicos, de acordo sua dife-
renciação de demais distúrbios possíveis no desenvolvimento humano. Segundo o DSM-V,
83
REFLITA
Como observamos, o processo de diagnóstico pode envolver complexas variáveis que muitas
vezes se interconectam ou são esquecidas em meio à totalidade que se observa. Você acredita
UNIDADE 04
que um diagnóstico equivocado pode trazer consequências negativas para o sujeito que o
recebe? Considere principalmente que o diagnóstico implica em um conhecimento de causas
na vida da pessoa e de alterações futuras para um tratamento adequado e retorno ao desen-
volvimento “esperado”.
Com base na sua resposta, reflita sobre o impacto dos diagnósticos equivocados na contem-
poraneidade, momento em que vemos um crescimento do número de pessoas com algum
diagnóstico próprio, seja por conta de suas dificuldades emocionais, psicológicas, de desen-
84
complexas: a dificuldade de atenção e agitação pode significar apenas um momento mais ativo no
desenvolvimento infantil ou pode ser expressões de um caso de TDAH (transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade). Mas como diferenciar esses dois casos?
Ao contrário de um momento específico no desenvolvimento infantil, o TDAH tem caracterís-
ticas de um distúrbio de desenvolvimento que se inicia na primeira infância e pode continuar
UNIDADE 04
presente até a idade adulta. O TDAH pode ser definido como uma síndrome neurocomporta-
mental que apresenta sintomas classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e
impulsividade. “Portanto, o TDAH se caracteriza por um nível inadequado de atenção em relação
ao esperado para a idade, o que leva a distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e comporta-
mentais” (ROTTA, 2016, p. 276).
Papalia e Feldman (2013) relatam que o TDAH é hoje considerado o transtorno mental mais co-
85
Até hoje, a etiologia do TDAH continua a ser motivo de ampla discussão entre os pesquisadores do
desenvolvimento. Embora saibamos que se pode afirmar que há uma multifatorialidade em sua cau-
sa, a especificidade de cada componente continua a ser motivo de pesquisas. De modo geral, enten-
demos que o TDAH apresenta uma combinação de possíveis causas genéticas e ambientais. Segundo
Papalia e Feldman (2013), há uma base substancial para acreditar na transmissão genética desse trans-
UNIDADE 04
torno, verificando uma taxa de 80% de fator de hereditariedade próximo. Como causas ambientais ou
biológicas, podemos destacar os fatores exógenos, em especial no período pré e pós-natal: fatores
pré-natais são as infecções maternas, intoxicações da mãe, irradiações e causas de comprometimento
do sistema nervoso central de modo geral, como doenças maternas crônicas e traumatismo; os fato-
res pós-natais são infecções (meningites, encefalites), hemorragias, traumatismo cranioencefálicos,
intoxicações e processos expansivos. Ainda nas causas ambientais, podemos pensar no local em que
86
2.2 TEA – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Além do TDAH, há outro transtorno que vem se destacando dentre os distúrbios neuropsiquiá-
tricos capazes de afetar o processo de desenvolvimento infantil de forma significativa, tanto pelo
aumento de sua prevalência, quanto pela descoberta de mais características sobre o seu próprio
UNIDADE 04
processo. Estamos falando do transtorno do espectro autista (TEA).
O TEA, desde o início de seus relatos na medicina, de maneira geral, aparece demarcado por
uma díade bastante definida de sintomas: déficits na interação social e repertório bem restrito
de interesses (APA, 2014; BECKER; RIESGO, 2016). Assim, podemos definir o espectro autista como
transtorno do desenvolvimento que, surgindo na infância, caracteriza-se por importante atraso
na aquisição da linguagem, na interação social, com interesses restritos e comportamentos este-
87
Outros sinais possíveis para o diagnóstico de TEA referem-se ao atraso ou ausência de lingua-
gem até períodos mais avançados de idade, em comparação ao desenvolvimento esperado para
uma criança daquela mesma idade. Alguns marcadores de risco aos 12 meses podem confirmar o
diagnóstico aos 24 meses, como: contato e seguimento visuais atípicos; dificuldades em se orien-
tar ao ser chamado pelo nome; dificuldades para imitação e para apresentar sorriso social; déficits
UNIDADE 04
de reatividade, de interesse social e de comportamentos de orientação sensorial (GADIA; ROTTA,
2016). Em idades mais avançadas, é possível à criança com TEA utilizar-se de brincadeiras e ins-
trumentos, mas sempre com ausência ou redução de seu significado simbólico, isto é, com focos
desnecessários à brincadeira, organizações próprias, fascínio com objetos não lúdicos.
Falamos em espectro autista, portanto, como forma de identificação dos variados graus possí-
veis a esse diagnóstico, sendo que cada caso dependerá das condições próprias do sujeito, aliadas
LEITURA
Sugerimos a leitura da entrevista com o pediatra Rodrigo Carneira, especialista em neurologia
infantil, sobre o aumento dos números de diagnóstico de autismo e o papel que os pais e a socie-
dade podem ter em relação a esse aumento, bem como a necessidade de se repensar o cuidado
infantil como um todo em nossa cultura e sociedade.
DIAS, M. Neuropediatra afirma que há aumento real na incidência de autismo. Revista Encontro,
26 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3lBZoSv. Acesso em: 17 jun. 2021.
88
2.3 TOD – TRANSTORNO DE OPOSIÇÃO DESAFIANTE
Outro transtorno neuropsiquiátrico capaz de influenciar no desenvolvimento infantil e que
apresenta marcas comportamentais bem específicas é o transtorno de oposição desafiante (TOD)
ou transtorno desafiador de oposição (TDO). Nesses casos, os critérios diagnósticos apontam para
UNIDADE 04
dificuldades comportamentais que mais facilmente podem ser confundidas com padrões tem-
peramentais e de personalidade considerados normais ou mesmo adequados (dependendo da
cultura e de diferenciações de gênero).
De modo sintético, podemos definir o TOD como um padrão de comportamento moralmente
negativo, desafiador, desobediente e hostil em relação aos pais e outras figuras de autoridade,
que se estabelece antes dos 8 anos (BEE; BOYD, 2011). De acordo com o DSM-V (APA, 2014), as
89
Os sintomas de TOD, todavia, apresentam possibilidades mais efetivas de melhora utilizando-se
treinamento parental. Para Bee e Boyd (2011), o treinamento parental permite que a atuação
profissional seja focada no padrão de comportamentos de resposta dos pais já estabelecido diante
dos comportamentos desafiantes da criança diagnosticada, considerando que, até o profissional
UNIDADE 04
entrar em contato com o caso, é provável que os pais estejam reforçando as ações desafiadoras
dessa criança há certo tempo, como forma de resposta à complexa situação que precisam manejar.
Ainda de acordo com as autoras (BEE; BOYD, 2011, p. 429), “Nas sessões de treinamento dos pais,
os terapeutas ensinam pais a romper o ciclo: eles aprendem a estabelecer limites concreto para o
comportamento da criança e a cumprir as consequências prometidas”, mesmo em situações em
que o comportamento infantil seja demasiadamente difícil ou até abusivo.
90
auxiliar em um processo que não deveria ser restrito à área, mas, devido à predominância do mo-
delo biomédico de entender as doenças, acaba sendo esquecido ou secundarizado no momento
de pensarmos no tratamento. Estamos falando da dimensão subjetiva do adoecimento.
A Psicologia, no campo da saúde, auxilia-nos a lembrar da importância de entender que há um
UNIDADE 04
sujeito sempre presente junto de uma doença, transtorno, distúrbio ou dificuldade. Assim, com-
preende o adoecimento não somente resumido ao curso natural de uma patologia ou síndrome,
mas como algo presente em uma totalidade que, inevitavelmente, também envolve alguém que
está sentindo e passando por todo aquele processo. Como explicitam Palmeira e Gewehr (2018, p.
2473), “Isso implica dizer que a subjetividade está lá, participando do processo de adoecimento e
de cura, seja este fato reconhecido ou não, incluso ou não na terapêutica”.
91
Quando a Psicologia se depara com um processo crônico de alteração das funções esperadas
para o desenvolvimento adequado, seja por uma cronificação de um transtorno ou síndrome, seja
por abordar uma deficiência específica, ela possui duas principais vias de atuação que se comple-
mentam e são necessárias à compreensão integral do indivíduo. A primeira via encontra-se como
o tratamento mais coloquialmente difundido, no qual caberá ao psicólogo investigar a gênese da-
UNIDADE 04
quele fenômeno, seu possível tratamento e adequar a estratégia de mediações disponíveis na re-
alidade daquela pessoa para sua condição. Ou seja, entender a doença crônica ou deficiência não
como um obstáculo intransponível, mas, sim, como condição diversa para um desenvolvimento
que ainda pode (e deve!) ocorrer. A condição crônica, desse modo, não representa somente uma
limitação – ainda que esta possa ser severa –, mas também uma forma pela qual aquele indivíduo
está experienciando seu desenvolvimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de apresentar uma expressão mais concreta do desenvolvimento humano, tra-
tamos, nesta Unidade, de avaliar alguns dos principais distúrbios relevantes à prática profissional
daqueles que, em suas respectivas áreas, dedicam-se ao desenvolvimento do ser humano e sua
compreensão. Como verificamos ao longo de nossa disciplina, o campo para atuação é amplo,
permitindo que os profissionais se adaptem conforme os contextos em que estão inseridos e, con-
comitantemente, exigindo um amplo conhecimento do desenvolvimento, em suas regularidades,
domínios, déficits e desafios.
Especificamente ao final desta Unidade, você compreendeu melhor como são diagnosticados
alguns dos principais distúrbios e transtornos relacionados à cognição e à neuropsiquiatria. Ade-
mais, também apreendeu a importância e os limites do diagnóstico na prática, dado seu caráter
92
descritivo que, necessariamente, não será capaz de englobar a totalidade do processo de de-
senvolvimento humano, que envolve características objetivas e subjetivas, biológicas e sociais,
externas e internas.
Com base na importância dada pela Psicologia na área da saúde ao sujeito que adoece ou pos-
sui uma condição crônica, a leitura desta Unidade se requalifica, permitindo que as esferas das
UNIDADE 04
aplicações práticas aqui destacadas voltem a incluir o sujeito como centro de atenção de nossa
compreensão do desenvolvimento.
ANOTAÇÕES
93
REFERÊNCIAS
94
REFERÊNCIAS
MALDONADO, M. T. P. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
MOOJEN, S.; FRANÇA, M. P. Dislexia: visão fonoaudiológica e psicopedagógica. In: ROTTA, N. T.;
OHLWEILER. L; RIESGO. R. dos S. (Org.) Transtorno da aprendizagem: abordagem neurobiológica
e Multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
OHLWEILER, L. Introdução aos transtornos de aprendizagem. In: ROTTA, N. T.; OHLWEILER. L; RIES-
GO. R. dos S. (Org.) Transtorno da aprendizagem: abordagem neurobiológica e Multidisciplinar. 2.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
95
EAD