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No exercício a seguir, vamos distinguir males que constituem dilemas do cotidiano, mas que tenham −
detalhe altamente significativo − bases universalistas. Analise o evento e qualifique o po de mal que está em
jogo: ■ O mal menor (Mm) procura evitar um mal maior. ■ O mal necessário (Mn) procura alcançar um bem
maior. Alguns casos poderão ser interpretados como mal menor ou mal necessário, dependendo da
perspectiva que se adote. Por exemplo, tomar remédios a despeito dos efeitos colaterais e das reações
adversas pode ser encarado como mal menor diante da gravidade da doença (mal maior) ou como mal
necessário para curar-se de doença ou combatê-la (bem maior).
EVENTO RESPOSTA
1 Expropriar prédios particulares para a construção de estações de metrô cujas linhas se Mn
destinam a transportar centenas de milhares de usuários.
2 Usar a “pílula do dia seguinte” para dificultar a fecundação e evitar o nascimento de Mm
uma criança indesejada, apesar das contraindicações existentes (coágulos no sangue
para quem sofre de doença hematológica ou vascular, quem é hipertenso ou obeso
mórbido) e efeitos colaterais (alteração do ciclo menstrual e do tempo de ovulação).
3 Ordenar que caças derrubem aviões intrusos e suspeitos que entram no espaço aéreo e Mn
se recusam a aterrissar.
4 Confinar doentes infectocontagiosos. Mm
5 A delação premiada para obter informações valiosas que desbaratem operações Mn
ilícitas, em troca do abrandamento da pena.
6 A adição de iodo no sal para prevenir o bócio em adultos ou o cretinismo em crianças, Mm
embora o excesso cause tireoidite autoimune.
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS
COLEGIADO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS
TRIMESTRE LETIVO EXCEPCIONAL – 2020.T
CAC 017 ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS
COLEGIADO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS
TRIMESTRE LETIVO EXCEPCIONAL – 2020.T
CAC 017 ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
A esta altura, três esclarecimentos se impõem. O primeiro diz respeito a uma questão bastante delicada: será
que o bem de muitos justifica o mal de poucos? Em certas circunstâncias, sim, e por razões óbvias. Por
exemplo: confinar doentes infectocontagiosos, construir hidrelétricas, desapropriar imóveis para construir
linhas de metrô, demitir funcionários para evitar uma iminente falência, encarcerar criminosos.
Todavia − e é preciso insis r nisso −, os interesses da maioria não podem atropelar os interesses da minoria.
Os doentes infectocontagiosos devem receber os cuidados necessários, poder se comunicar com os parentes
e, tão logo curados, retornar à convivência social. As hidrelétricas devem minimizar os efeitos negativos que
sua construção provoca: ressarcir a população que ocupava a área inundada, realocar a fauna e resgatar os
espécimes mais raros da flora regional. Os proprietários dos imóveis desapropriados para a construção de
metrô devem ser adequadamente indenizados, e o mesmo vale para funcionários demitidos. Os criminosos
devem ser encarcerados em condições dignas e libertados tão logo tiverem cumprido a pena.
O segundo esclarecimento também diz respeito a algo francamente perturbador: será que o bem de poucos
justifica o mal de muitos? Em situações excepcionais, e desde que respeitados os direitos básicos da maioria,
sim. Por exemplo: a fila preferencial para idosos, gestantes e portadores de deficiência; a escolha, com base
em critérios objetivos, de um paciente para ocupar a única vaga disponível na UTI, embora outros pacientes
aguardem a vez; instituições bancárias criarem divisões premium para atender clientes abonados, evitando-se
assim os “jeitinhos” que discriminam e humilham.
Contudo, as prioridades devem assegurar à maioria o direito de ter um atendimento digno nos
estabelecimentos que estabelecem filas preferenciais. Idem para os pacientes preteridos na única vaga
disponível na UTI: merecem saber quais critérios objetivos os impediram de obter a vaga. Idem para os
clientes que, por falta de renda suficiente ou de volume de investimentos, não foram autorizados a integrar o
segmento prime: merecem ser convidados quando tiverem preenchido os requisitos.
Em suma, decisões pelo mal menor e pelo mal necessário não correspondem a um vale-tudo errático:
precisam estar devidamente fundamentadas e cuidar o tempo todo para não incorrer no viés particularista, o
que detonaria sua legitimidade ética.
Isso nos leva a um terceiro esclarecimento pertinente. É possível justificar meios ilícitos ou “impuros” em
nome de ideais retoricamente igualitários? Por exemplo, desviar recursos públicos em nome da perpetuação
no poder de um partido que se proclama portador da “sociedade dos amanhãs cantantes”, ou seja, do
socialismo? Dando nome aos bois, é o caso do “mensalão” no Brasil.
A cooptação de apoio parlamentar ao governo do presidente Lula, em seu primeiro mandato inaugurado em
2003, se fez por meio do desvio de recursos públicos. Se não, vejamos. Do Fundo Visanet, de quem o Banco
do Brasil era acionista, foram R$73,9 milhões; do próprio Banco do Brasil foram 2,9 milhões; da Câmara dos
Deputados foi 1,1 milhão; do Banco Rural foram 32 milhões, disfarçados em empréstimos (fictícios) para o
Partido dos Trabalhadores e para as agências de publicidade de Marcos Valério, operador da propinoduto; do
Banco BMG, nos mesmos moldes, foram R$31,9 milhões.
A crônica desse episódio infame da história brasileira começa em junho de 2005 quando o presidente do
PTB, deputado Roberto Jefferson, afirma que o PT pagava R$ 30 mil por mês para que parlamentares
votassem a favor do governo Lula na Câmara. As acusações forçaram o ministro-chefe da Casa Civil, José
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CAC 017 ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
Dirceu, a pedir demissão. Em agosto de 2007, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, fez
a leitura da denúncia contra 40 suspeitos de envolvimento no mensalão. Logo depois, o STF aceitou a
denúncia e todos se tornaram réus. Em agosto de 2012, após 49 sessões e quatro meses e meio, o julgamento
terminou com 25 réus condenados, 12 absolvidos e 3 excluídos da ação (acolhido um recurso em 2014, um
dos condenados foi absolvido). Finalmente, em novembro de 2013, ou seja, mais de oito anos após a
denúncia do esquema, o STF determinou a prisão imediata dos condenados, entre eles o ex-ministro José
Dirceu.
O mensalão foi um caso de corrupção política sob o falso pretexto de que “os fins justificam os meios”.
Quais fins? Particularistas. Expectativas de que o PT obtivesse uma maioria estável para governar e pudesse
prolongar sua permanência no poder; de que o aparelhamento da máquina do Estado permanecesse nem que
fosse com o apoio dos velhos patrimonialistas de sempre; e de que ministérios e cargos públicos fossem
loteados como butim, desde que velhos militantes petistas e sindicalistas de chapa branca pudessem continuar
a se banquetear. Para tanto, perpetraram-se seguidos crimes contra a cidadania e contra a coisa pública. A
República foi conspurcada. Não se tratou de causa nobre que pusesse em jogo interesses universalistas. Não:
foi caso típico de falseamento, de racionalização antiética do “mal necessário” (corrupção) em prol de um
pseudo “bem maior” (o socialismo). Ora, nem esse mal era necessário, nem o socialismo totalitário
pretendido era o bem maior, haja vista as experiências fracassadas do planejamento central e as brutais
repressões dos tempos da União Soviética, dos países do Leste Europeu, da China, da Coreia do Norte, do
Camboja, de Cuba e de outros países congêneres.
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Srour, R.H. Casos de ética empresarial: chaves para entender e decidir. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. (Edição do Kindle).