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EDUCATIONAL ENTREPRENEURSHIP: HOW CAN EDUCATIONAL


INSTITUTIONS REINVENT THEMSELVES?

Article · January 2023

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3 authors:

Andreia Carvalho Sancha Campanella


Instituto Superior de Administração e Línguas Instituto Superior de Administração e Linguas
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Leonilde Olim
Instituto Superior de Administração e Línguas Madeira
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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Revista de Divulgação Científica AICA


Dezembro de 2022
Revista Semestral

Diretor
Professor Doutor João Manuel de Lemos Baptista

Editor da Revista
Professor Doutor João Lemos Baptista

Conselho Científico
Prof. Doutor Jorge Gaspar – Professor Jubilado da Universidade Nova de Lisboa
Prof. Doutor Celso Figueiredo Gomes - Professor Jubilado da Universidade de Aveiro
Prof. Doutor Jafar Jafari – Professor Emérito da Universidade de Wisconsing, EUA
Profª. Doutora Teresa Medeiros – Professora Catedrática da Universidade dos Açores
Prof. Doutor Gerardo Delgado Aguiar – Decano da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria
Prof. Doutor Liorenço Huguest Rotger – Reitor da Universidade das Ilhas Baleares
Prof. Doutor Umberto Solimeme – Professor da Universidade de Milão e Diretor da OMS
Prof. Doutor Francisco Maraver – Professor Titular da Universidade Complutense de Madrid
Prof. Doutor Saul Neves de Jesus – Vice-Reitor da Universidade do Algarve
Prof. Doutor José Eduardo Franco – Prof. Catedrático da Universidade Aberta
Prof. Doutor Adalto Félix de Godoi – Professor da Universidade de São Paulo, Brasil
Prof. Doutor Pedro Moncada Jiménez – Professor da Universidade do Caribe, Cancun, México
Prof. Doutor Engenheiro João Baptista – Professor e Investigador da Universidade de Aveiro
Profª Doutora Joana Oliveira Neves – Professora Associada da Universidade Lusófona
Prof. Doutor Dimitrios Buhails – Professor e Investigador da Universidade de Surrey
Prof. Doutor João José Monteiro Porteiro – Professor Auxiliar da Universidade dos Açores
Prof. Doutor Leandro de Almeida – Professor Jubilado da Universidade do Minho
Profª.Doutora Bienvenida Vera – Professora da Universidade de Las Palmas de Gran Canaraia
Prof. Doutor Jacinto Jardim – Professor e Investigador da Universidade Aberta
Prof. Doutor Hori Keiko – Professor do Centro Universitário da Ásia-Pacífico, Japão
Prof. Doutor João Lemos – Investigador convidado da Universidade Aberta (CEG) e Professor
Prof. Doutor Duarte Morais – Professor Associado da Universidade da Carolina do Norte, EUA
Prof. Doutor Alejandro Gonzalez – Professor Jubilado da Universidade de Las Palmas de Gran Canaraia
Prof. Doutor Eduardo Parra Lopez – Professor Titular da Universidade de La Laguna de Tenerife
Profª Doutora Margarida Pocinho – Professora com Agregação em Psicologia da Universidade da Madeira
Profª.Doutora Maria Lisete Bruges – Professora e Investigadora da Universidade dos Açores
Prof. Doutor Nuno Abranja – Professor e Investigador no Instituto Superior de Ciências Educativas
Profª Doutora Cláudia de Almeida – Professora e Investigadora da Universidade do Algarve
Profª Doutora Rita Maria Lemos Baptista Silva – Profª da Universidade da Madeira e Investigadora
Profª Doutora Manuela Martins – Profª e Investigadora da E. S. Enfermagem – Universidade do Porto
Prof. Doutor Miguel Cardoso – Professor e Investigador na área da Biotecnologia
Profª. Doutora Maria Manuela Pereira – Professora e Investigadora da AICA
Profª Doutora Soraia Garcês – Professora e Investigadora na Universidade da Madeira
Profª. Doutora Vanda Bastos Martins – Professora e Investigadora da AICA
Prof. Doutor João Manuel Viveiros – Professor e Investigador da AICA

Conselho Redatorial
Profª. Doutora Margarida Pocinho
Prof. Doutor João Lemos Baptista
Profª. Doutora Rita Baptista da Silva
Profª. Doutora Soraia Garcês

Contactos
Associação de Investigação Científica do Atlântico
Site: www.aica-madeira.org
e-mail: investigacao.aica@gmail.com

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Ficha Técnica
Propriedade: Associação de Investigação Científica do Atlântico
Paginação e colocação no sistema online: João Lemos e Bruno Rodrigues
Periodicidade: Semestral
ISSN: 1647-3531
Ano: 2022

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Editorial
João Manuel Lemos Baptista *
joaolemosbaptista@hotmail.com

A produção científica só tem sentido quando os trabalhos de investigação vão de encontro às


necessidades das próprias comunidades ou do aprofundamento do conhecimento, visando acrescentar à
Ciência mais atributos e proporcionar aos políticos e responsáveis pela educação, um olhar global acerca
dos problemas que afetam as populações em diversos países, principalmente nos mais pobres.
Por outro lado, realizar projetos de investigação ou estudos científicos nas diversas áreas do
conhecimento e não publicar em revistas apropriadas para o efeito, em livros específicos ou mesmo nos
órgãos de comunicação social, estarão os investigadores a prestar um mau serviço ao desenvolvimento da
Ciência e à comunidade científica.
A Revista de Divulgação Científica AICA tem sido ao longo dos 14 anos de vida, um veículo de
transmissão do conhecimento e de projetos de investigação de diversa natureza, contribuindo para o
aprofundamento do conhecimento dos nossos jovens, da nossa sociedade e da Ciência em sentido lato.
Esta é a razão principal da existência da Revista e da vontade proporcionada pelos nossos colaboradores,
objetivando, interrogando e experienciando em cada vertente do saber, o que é mais aconselhável
desenvolver para adicionar novas dinâmicas a nível da investigação científica e do próprio conhecimento.
O ano 2022 será um marco histórico muito significativo para a nossa Revista, porque passamos a
publicar dois números por ano, como forma de responder às solicitações dos colaboradores a quem
aproveito o momento para agradecer todo o empenho emprestado e a colaboração que vêm evidenciando
ao longo dos anos, sem exigir nada em troca. Fruto dessa exigência e desafio, no próximo ano 2023 a
Revista de Divulgação Científica AICA será indexada a outras de renome internacional, assim como
vamos publicar mais artigos em inglês, com o objetivo de chagarmos a um público-alvo mais vasto.
Este número 15 apresenta um conjunto de artigos com muita relevância científica e que passo a
referir: Avaliação pedagógica para uma Escola mais inclusiva: reflexões a partir de uma experiência
formativa nos açores; Estudo preliminar de validação de uma escala de bem-estar familiar; Educação
inclusiva - pilar pró-globalização e globalização/educação; Violência nas pessoas com deficiência
intelectual no norte de Portugal: um estudo em construção; Literatura em canção: a música como
estratégia didático-pedagógica do ensino da literatura no ensino médio; Currículo, perspectivas de análisis
para un concepto polisémico y polémico en la formación de oficiales de las fuerzas armadas angolanas; A
teoria da complexidade e a inovação pedagógica - convergências e dissonâncias da atualidade; O
contributo comunitário para a educação sustentável do século XXI; Os centros: social e de convívio - o
desenvolvimento visto de baixo; Visitas domiciliárias: os caminhos da vulnerabilidade; Educational

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

entrepreneurship: how can educational institutions reinvent themselves?; O geoturismo como segmento
complementar nas ilhas; Um breve desenraizar das Ciências Sociais: a primavera das Ciências da
Educação; A liderança e motivação de equipas de enfermagem numa unidade de saúde; Religião e
Globalização: o culto da Senhora do Rosário, entre o Tejo e o Brasil e Impacto dos animais de estimação no
bem-estar da pessoa idosa.
Os 15 artigos que constam deste número e a sua diversidade em termos de conteúdos dos mesmos,
evidencia o interesse e o carinho que muitos investigadores têm pela Revista de Divulgação Científica
AICA, assim como a transversalidade do conhecimento que a carateriza, permitindo que todos tenham a
possibilidade de publicar os seus trabalhos e contribuir para a formação/aprofundamento do saber de
todos quantos leem online a nossa Revista.
Como diretor da Revista, sinto uma enorme satisfaçam pelo elevado número de investigadores que
têm colaborado ao longo destes 14 anos, no entanto, a responsabilidade passou a ser muito exigente para
satisfazer as solicitações em cada semestre, com o intuito de apresentarmos um “produto” mais rico em
termos de conhecimento científico e de pluralidade em relação à natureza dos artigos que compõem cada
número.
Atendendo a que o novo ano está a chegar, desejo a todos os colaboradores da Revista, um Feliz
Ano 2023, com saúde e muito sucesso e a concretização de todos o projetos que ambicionam materializar,
assim como, gostaria de ver um mundo mais solidário, onde a paz seja vivenciada por todos e que os
povos sejam mais cooperantes uns com os outros, visando a diminuição das assimetrias económicas,
sociais e políticas que caraterizam as sociedades a nível global.

* Professor Adjunto Convidado na Universidade da Madeira, presidente da Direção da Associação de Investigação Científica
do Atlântico e diretor da Revista AICA.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Índice Página
Editorial
João Manuel de Lemos Baptista………………………………………………………………….. 3
1. AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA PARA UMA ESCOLA MAIS INCLUSIVA: REFLEXÕES A
PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA NOS AÇORES
Cristiana Madureira e Louise Lima ………………………………………………………………. 7

2. ESTUDO PRELIMINAR DE VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE BEM-ESTAR FAMILIAR


Estela Pereira, Soraia Garcês e Margarida Pocinho ……………………………………………………….. 17

3.EDUCAÇÃO INCLUSIVA - PILAR PRÓ-GLOBALIZAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO/EDUCAÇÃO


Susana Jardim……………………………………………………………………………………… 27

4. VIOLÊNCIA NAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO NORTE DE


PORTUGAL: UM ESTUDO EM CONSTRUÇÃO
Luísa Martins Fernandes e Rosalina Veiga ………………………………………………………. 45

5. LITERATURA EM CANÇÃO: A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA


DO ENSINO DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO
Mary Joice Paranaguá Rios Rodrigues e Silmayra Pinto Lima …………………………………… 58

6. CURRÍCULO, PERSPECTIVAS DE ANÁLISIS PARA UN CONCEPTO POLISÉMICO


Y POLÉMICO EN LA FORMACIÓN DE OFICIALES DE LAS FUERZAS ARMADAS
ANGOLANAS
Felisberto Kiluange Fragoso da Costa ……………………………………………………………. 75

7. A TEORIA DA COMPLEXIDADE E A INOVAÇÃO PEDAGÓGICA CONVERGÊNCIAS


E DISSONÂNCIAS DA ATUALIDADE
Gorete Pereira ……………………………………………………………………………………. 89

8. O CONTRIBUTO COMUNITÁRIO PARA A EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL DO SÉCULO XXI


Ana Cristina Rainha e Ana Sofia Gonçalves …………………………………………………….. 102

9. OS CENTROS: SOCIAL E DE CONVÍVIO - O DESENVOLVIMENTO VISTO DE BAIXO


Maria Manuela Vieira Teixeira Pereira …………………………………………………………. 117

10. VISITAS DOMICILIÁRIAS: OS CAMINHOS DA VULNERABILIDADE


Paulo Silvestre e António Pinto ....................................................................................................... 129

11. EDUCATIONAL ENTREPRENEURSHIP: HOW CAN EDUCATIONAL INSTITUTIONS


REINVENT THEMSELVES?
Andreia Carvalho, Leonilde Olim e Sancha de Campanella …………………………………...... 144

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

12. O GEOTURISMO COMO SEGMENTO COMPLEMENTAR NAS ILHAS


João Manuel de Lemos Baptista ………………………………………………………………… 155

13. UM BREVE DESENRAIZAR DAS CIÊNCIAS SOCIAIS: A PRIMAVERA DAS CIÊNCIAS


DA EDUCAÇÃO

Ana Cristina Guerreiro Rainha ………………………………………………………………….. 172

14. A LIDERANÇA E MOTIVAÇÃO DE EQUIPAS DE ENFERMAGEM NUMA UNIDADE DE


SAÚDE
Paula Oliveira …………………………………………………………………………………… 185

15. RELIGIÃO E GLOBALIZAÇÃO: O CULTO DA SENHORA DO ROSÁRIO, ENTRE O


TEJO E O BRASIL
Lina Maria Soares ………………………………………………………………………………. 196

16. IMPACTO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO BEM-ESTAR DA PESSOA IDOSA


Daniela Medeiros Couto ………………………………………………………………………….. 205

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA PARA UMA ESCOLA MAIS INCLUSIVA:


REFLEXÕES A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA
NOS AÇORES

Cristiana Madureira *
cristiana.madureira@ipleiria.pt
Louise Lima **
louise.lima@ulusofona.pt

Resumo

A partir de uma experiência formativa na Lagoa, em S. Miguel, no arquipélago dos Açores, este artigo partilha
reflexões em torno da avaliação pedagógica e os seus contributos para a coconstrução de uma escola mais
inclusiva, debruçando-se sobre as conceções, práticas avaliativas e inquietações suscitadas pelos participantes.
Recorrendo à proximidade com a diversidade dos contextos educativos e às diversas conceções associadas ao
conceito de avaliação, a experiência desenvolveu-se numa relação dialógica pautada pela comunicação interpessoal
no contexto de uma aprendizagem ao longo da vida. Para tanto, discutiu-se a polissemia do conceito de avaliação –
enquadrando-o numa lógica pedagógica e que difere da classificação – e a co-construção de práticas que possam
corporificar os pressupostos de uma avaliação que é indissociável dos atos de ensinar e aprender e que está
comprometida com a garantia das aprendizagens de todos e cada um dos alunos e, por isso, comprometida com a
inclusão. A perceção dos envolvidos indica que é necessário uma ação conjunta de reflexão dialógica sobre os
processos de ensino-aprendizagem-avaliação de modo a compreender as necessidades de cada aluno de forma a
adaptar o seu processo de aprendizagem, aceitando a diferença como fator positivo. Porque é o coletivo que opera a
mudança, devemos apostar na ecologia, combinar diferentes intervenientes, áreas do saber, tarefas e técnicas e
instrumentos de avaliação.

Palavras-chave: Avaliação pedagógica; Inclusão; Práticas pedagógicas

Abstract

Based on a training experience in S. Miguel, in the Azores archipelago, this article shares reflections on
pedagogical evaluation and its contributions to the co-construction of a more inclusive school, focusing on the
conceptions, evaluation practices and concerns raised by the participants. Using the proximity to the diversity of
educational contexts and the different conceptions associated with the concept of evaluation, the experience was
developed in a dialogical relationship guided by interpersonal communication in the context of lifelong learning.
To this end, the polysemy of the concept of evaluation is discussed – framing it in a pedagogical logic that differs
from classification – and the co-construction of practices that can embody the budgets of an evaluation that is
inseparable from the acts of teaching and learning and that is committed to ensuring the learning of every student
and, therefore, committed to inclusion. The perception of those involved indicates that joint action of dialogic
reflection on the teaching-learning evaluation processes is necessary to understand the needs of each student to
adapt their learning process, accepting difference as a positive factor. Because it is the collective that operates
change, we must bet on ecology, combining different players, areas of knowledge, tasks and techniques and
assessment instruments.
Key words: Pedagogical assessment; Inclusion; Pedagogical practices

* Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, Instituto Politécnico de Leiria.


** Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, Universidade Lusófona.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Introdução
Este artigo desenvolve-se a partir de uma experiência formativa realizada no Seminário Avaliar e
diferenciar para incluir, promovida pela Associação Portuguesa de Dislexia, polo dos Açores, que
decorreu em Lagoa, na ilha de São Miguel, nos Açores, em 19 de novembro de 2022; dedicado às
reflexões e perspetivas sobre a inclusão. Centraremos a discussão desenvolvida neste texto a partir do
workshop promovido pelas autoras que se centrou em torno das potencialidades da avaliação pedagógica
na coconstrução de uma escola mais inclusiva.
Através de diferentes palavras associadas à avaliação, educadores, professores, encarregados de
educação e técnicos especializados discutiram diversos significados atribuídos ao conceito de avaliação,
no sentido de se refletir sobre como promover práticas avaliativas - que numa perspetiva pedagógica se
assumem como sendo também de ensino e aprendizagem - que estejam comprometidas com o sucesso de
todos e cada um dos nossos alunos. Por isso, que garantam a participação e a inclusão de todos os alunos,
numa escola cidadã, solidária e democrática.
Urge o desenvolvimento de práticas pedagógicas comprometidas com o sucesso de todos e cada
um, sob o reconhecimento de que os desafios ao longo da sua operacionalização são vários. No entanto,
porque “não se muda a cara da escola por portaria” (Freire, 2000:25), temos que co construir esse
caminho. É o coletivo que opera a mudança (Gadotti, 2003)! Para tanto, importa a consciencialização
sobre as práticas pedagógicas que sustentam os processos de ensino-aprendizagem-avaliação e que
possam corroborar com uma escola mais inclusiva.
Deste modo, na próxima secção pretendemos apresentar um encadeamento entre os pressupostos
de uma avaliação pedagógica e os da inclusão para depois explorarmos a experiência formativa
desenvolvida, entrecruzando-se com os discursos dos participantes, que foram recolhidos por via de um
questionário e por registo em diário de bordo, porque importa conhecer e refletir sobre as formas como a
comunidade escolar entende tais pressupostos. Por fim, tecemos algumas considerações em jeito de
síntese sob a esperança que se possa constituir útil para a construção de um sentido comum em prol da
inclusão escolar e social.

1. A Avaliação comprometida com a construção de uma escola mais inclusiva

O reconhecimento da inclusão como direito humano não pode afastar o discurso daquelas que são
as práticas pedagógicas, porque, como argumenta David Rodrigues (2006:2), incluir “Implica, antes de
mais, rejeitar, por princípio, a exclusão (presencial ou académica) de qualquer aluno da comunidade
escolar. Para isso, a escola que pretende seguir uma política de Educação Inclusiva (EI) desenvolve
políticas, culturas e práticas que valorizam o contributo ativo de cada aluno para a construção de um

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conhecimento construído e partilhado e desta forma atingir a qualidade académica e sócio cultural sem
discriminação”.

No âmbito do desenvolvimento de tais políticas, culturas e práticas, direcionaremos o nosso olhar


para a avaliação pedagógica, porque é comprometida com as aprendizagens de todos e de cada um dos
alunos e está integrada nos processos de ensino-aprendizagem. Desta forma assumimos o compromisso
com uma escola inclusiva, que valoriza a diversidade e que procura no seu quotidiano pedagógico “tomar
todas as medidas necessárias para dar aos mais desfavorecidos boas condições de formação e contrariar
todos os mecanismos que conduzam a colocá-los nas piores” (Bourdieu, 1987: 107).
Neste sentido, urge repensar o trabalho docente de modo a reorientá-lo a partir dos pressupostos
de uma avaliação de caráter eminentemente pedagógico e, portanto, inclusivo. Acreditamos que a
monitorização do desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, através de uma diversificação das
tarefas, num espaço dialogado e de comunicação poderá constituir a alavanca necessária à redefinição de
práticas pedagógicas mais inclusivas. Estas práticas consideram também um processo contínuo de
reflexão sobre o processo de desenvolvimento das aprendizagens por parte dos alunos que, seja com o
apoio do professor, dos pares, ou autonomamente.
A avaliação pedagógica é, assim, aquela em que dá destaque ao caráter reflexivo, criando
oportunidades para o desenvolvimento da autonomia dos alunos. Estando a avaliação pedagógica a
acompanhar constantemente o processo de ensino-aprendizagem defende a necessidade de existir uma
racionalidade desta tríade ensino-aprendizagem-avaliação de modo que todas estejam subordinadas a um
mesmo paradigma, isto é, aos mesmos princípios. Desta forma, ultrapassamos uma visão centrada na
lógica do paradigma da instrução (Trindade & Cosme, 2010) - que faz prevalecer um sistema curricular
com matérias definidas, horários inflexíveis e salas fixas (Machado & Formosinho, 2016) -, para conferir
destaque às práticas de diferenciação pedagógica (Perrenoud, 2001) e às estratégias de diversificação a
todos os níveis (Cosme et al., 2021), pois só assim poderemos contribuir para fornecer feedback constante
aos nossos alunos, permitindo assim que possam aprender com mais significado e desenvolver
capacidades e atitudes que contribuirão para o desenvolvimento, também, de competências.
Estamos, assim, perante o paradigma da comunicação em que se apela a práticas que reconheçam
que aprendemos em contextos cooperativos, de modo que seja “por via da qualidade da comunicação
entre os atores em presença, e subsequente entre estes e o património cultural, que se pode garantir a
possibilidade da ocorrência dos mais diversos tipos de aprendizagens” (Trindade & Cosme, 2010:65).
Deste modo, como professores, assumimos o compromisso de considerar o cariz pedagógico da
avaliação, se constituindo esta como oportunidade para reorientar os processos de ensino e de
aprendizagem.

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Essas práticas de avaliação pedagógica devem considerar modos de “fazer com que os diferentes
tenham acesso à sua diferença e, simultaneamente, a um lugar na escola e na sociedade, é condição
essencial de uma educação democrática” (Benavente, 1993:94). Neste sentido, e enfatizando a ação do
professor numa pedagogia de proximidade (Baptista, 2009), defendemos que é necessário coconstruir
ambientes de aprendizagens cada vez mas inclusivos, considerando múltiplos meios de representação,
com vista à construção de um caminho que possa garantir que todos os alunos possam se desenvolver
tendo em conta os princípios, os valores e as áreas de competências enunciadas no Perfil dos Alunos à
Saída da Escolaridade Obrigatória (Martins et al., 2017). Importa ainda contribuir para que os alunos
sejam sujeitos ativos e coautores da sua própria educação (Charlot, 2000).
Para o cumprimento dos princípios e pressupostos que sustentam uma avaliação pedagógica,
interessa a seleção de tarefas que promovam contextos pautados na comunicação; já que são contextos
férteis para fornecermos feedback no seu sentido mais amplo: situando os alunos sobre onde estão e para
onde vão. Este é um aspeto que nos parece central e que está intimamente relacionado com o facto de a
avaliação ser reguladora dos processos de ensino e de aprendizagem tanto na perspetiva do professor,
enquanto orientador do processo de ensino, como na perspetiva dos alunos, porque tem o potencial de
contribuir para a regulação das aprendizagens. Aqui, nos referimos a uma regulação não apenas no âmbito
dos conhecimentos, mas também das capacidades e atitudes e, por isso, importa uma seleção de tarefas, a
partir do que é específico do conteúdo e do contexto, que possam ser propulsoras da cooperação,
comunicação; que impulsionem e exijam a tomada de decisões, a resolução de problemas a proposição de
desafios de ordem também pessoal e social.
Entendemos que um grande desafio com que se depara um professor é responder cada vez mais ao
amplo espetro de alunos com diversos estilos de aprendizagens. Mas se cada aluno aprende de um modo,
porque continuaríamos a ensinar tudo a todos como se de um só se tratasse? (Barroso, 1995). Aqui reside
a importância da diversificação das tarefas e do feedback tão individualizado quando possível (quando for
necessário fornecer feedback), sob a perspetiva da diferenciação pedagógica. Isto é, um processo assente
na seleção ajustada de métodos, estratégias, tarefas e recursos que permitam que um aluno desenvolva as
suas aprendizagens e progrida no currículo, estando em situação de grupo (Perrenoud, 2001). Tal
perspetiva implica romper com o paradigma da instrução para desenhar caminhos de aprendizagens que
coloquem cada aluno perante a situação mais favorável no contexto de uma escola que se pretende cada
vez mais “democrática, intercultural para todos, por todos e com todos, aberta à diversidade e inclusão”
(Peres, 2011:125).
Deste modo, rejeitamos a ideia de uma única opção de avaliação – como tem sido considerado,
relativamente à importância que tem sido dada ao teste escrito de avaliação. Neste sentido, tem sentido

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refletir sobre o contexto histórico em que se procurava categorizar as pessoas através de escalas, onde o
teste escrito de avaliação parece situar-se num tempo em que se procurava medir tudo de forma objetiva,
avaliando processos e avaliando pessoas ou comportamentos. No entanto, a considerar o aluno enquanto
sujeito numa perspetiva holística, necessitamos identificar as suas potencialidades e desafios no âmbito
dos conhecimentos, capacidades e atitudes e, para isso, é importante diversificarmos – ao ensinar,
aprender e avaliar – ao nível dos procedimentos (tarefas), técnicas e instrumentos. Isto é, numa escola
com práticas inclusivas coexistem as tarefas, técnicas e instrumentos de diversa natureza.
O diálogo entre os pressupostos aqui discutidos foi construído numa experiência formativa,
apresentada na próxima secção, a expetar o desenvolvimento de práticas pedagógicas mais articuladas
com as necessidades e desafios dos contextos concretos em que desenvolvemos a nossa práxis,
recorrendo assim aos pressupostos da diferenciação pedagógica, de modo a que todos e cada um dos
nossos alunos possam aprender mais e melhor. Foram assim discutidas propostas de desenvolvimento de
“circuitos múltiplos de comunicação que estimulem os alunos a desenvolver formas variadas de
representação e a construírem, em interação, os conhecimentos sobre o mundo e a vida” (Niza, 1998:
355).

2. A experiência formativa nos Açores

A experiência formativa que desenvolvemos na Lagoa resultou da resposta às necessidades de


formação evidenciadas por educadores e professores que exercem atividade profissional no arquipélago
dos Açores.
As formadoras iniciaram a sessão com uma reflexão sobre a importância da avaliação pedagógica,
articulando o seu discurso, numa relação dialogante, desenvolvida através da observação de imagens
previamente selecionadas que retratavam situações pedagógicas em diversos contextos políticos,
históricos, sociais, culturais e ideológicos. Essas imagens estavam espalhadas pelo chão de modo a que os
participantes as pudessem observar e refletir sobre as mesmas, para que posteriormente se promovesse um
diálogo reflexivo sobre diversas situações e contextos de ensino-aprendizagem-avaliação. Com vista a
suscitar um debate mais fundamentado e articulado, foram colocadas no chão da sala, diferentes palavras
associadas à pergunta “Avaliar é...” para que os participantes pudessem explorar a polissemia do
conceito. Foram assim diferenciados os conceitos de avaliação e classificação, pois embora exista uma
articulação entre os mesmos, sabemos que numa perspetiva eminentemente pedagógica se avalia para que
os alunos aprendam cada vez mais e melhor, desenvolvendo assim capacidades autorreflexivas e
autorreguladoras, de modo a promover processos de autoavaliação.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Foram ainda trazidas à reflexão questões inerentes à necessidade de uma reflexão individual por
parte de cada professor de modo a permitir a reorientação da própria prática docente, por via da perceção
“se as estratégias que estão sendo implementadas têm resultados, ou seja se a criança evoluiu desde o
ponto de partida”. Estas reflexões apoiaram a compreensão dos conceitos, levando-os à consideração da
avaliação formativa enquanto principal modalidade de avaliação, destacando-a da avaliação sumativa,
cujos conceitos assentam apenas em intencionalidades distintas: enquanto a avaliação formativa ocorre no
quotidiano da sala de aula, com vista ao apoio aos alunos para superar as suas dificuldades; a avaliação
sumativa objetiva fazer uma síntese das aprendizagens realizadas até aquele momento. Deste modo,
destacamos que a avaliação não depende de classificação; embora a classificação se baseie em elementos
da avaliação.
No que diz respeito ao objetivo da avaliação pedagógica, os participantes concordam
maioritariamente que a mesma acontece durante o processo de ensino-aprendizagem e que exige um
mapeamento das “áreas a melhorar e que ainda não foram adquiridas” no âmbito das aprendizagens dos
alunos; bem como das suas capacidades, “potencialidades e dificuldades específicas”. No entanto, nem
todos referem que o complemento ao mapeamento é a intervenção; isto é, a definição de estratégias que
permitam os alunos a ultrapassarem as barreiras à aprendizagem, de modo a “orientar e reorientar o
ensino”, bem como ampliar as possibilidades de “adequação às necessidades específicas da
criança/adolescente”.
Ao longo do debate, os participantes concordaram de forma unânime que o potencial da avaliação
pedagógica reside no que faremos com o mapeamento realizado, isto é, na intervenção, o que implica
“conhecer individualmente o aluno para desenvolver um caminho que facilite o seu conhecimento e
motivação para superar as dificuldades”. Embora inicialmente as reflexões associadas à avaliação
estavam mais próximas à classificação, ao longo do debate aproximaram-se da discussão em torno da
inclusão – temática do Seminário no qual decorreu o workshop, concordando que “a avaliação é um
processo que se desenvolve em várias etapas para garantir o sucesso de todos os alunos”.
Relativamente à finalidade da avaliação pedagógica, os significados atribuídos misturam-se com o
próprio objetivo discutido; sobretudo, agora num debate mais maduro, no que tange a “acompanhar os
alunos da melhor forma, adaptando as estratégias e atividades de modo que todos atinjam os objetivos
previstos”. Para dar resposta ao desafio de “ajudar o aluno a atingir o sucesso”, implica “adaptar o
currículo, de forma individualizada, de cada criança” – o que distância o exercício da docência a um
exercício técnico e o aproxima a um exercício de gestão curricular (Trindade, 2018). Para realizar tal
adaptação, importa “aceder a informação útil à redefinição da prática pedagógica” para “determinar
pontos a melhorar”. Os discursos dos sujeitos levam à inserção do conceito de avaliação ao referencial

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

ipsativo (Cosme et al., 2020), quando consideram que “a avaliação deve contribuir para que cada um se
compare consigo mesmo e veja o seu ponto de partida e o ponto de chegada”; bem como a importância de
“referenciar progressos/evolução” aquando da construção de uma “avaliação justa sem competitividade, a
qual estará sempre em permanente reestruturação”.
No âmbito das tarefas a serem privilegiadas, concordam que devemos selecionar aquelas que
apoiam o processo de reflexão sobre as aprendizagens dos alunos e sobre as práticas docentes, tendo sido
dados diversos exemplos: leitura, escrita, brincadeiras, resolução de problemas, testes, tarefas ligadas à
oralidade, produção de tralhos escritos em grupo, portfólio, entre outros. No entanto, também
sublinharam a relevância da observação direta (técnica de avaliação) do aluno nos seus vários contextos
circundantes, bem como sobre as “questões direcionadas às diferentes áreas do desenvolvimento,
recolhendo feedback dos diferentes intervenientes no dia a dia da criança”. Destaca-se também os
registos, as escalas de avaliação. Notamos ainda alguma inconsistência entre a diferenciação entre os
conceitos de tarefas, técnicas e instrumentos. Importa a sua apropriação para uma efetiva diferenciação
aos três níveis. Isto é, se diferenciarmos apenas, a título de exemplo, alternando entre teste, mini-teste e
questão aula, não estamos a diferenciar ao nível da técnica (testagem). Por isso, para além das tarefas e
instrumentos, precisamos diversificar no que é inerente às técnicas: testagem, inquérito, análise e
observação.
Sendo a avaliação um processo de caráter subjetivo, discutiu-se como garantir o rigor ao longo do
seu processo. Este foi um aspeto que gerou alguma inquietação e muitas questões – sobretudo por via de
um esclarecimento que distancia o teste a uma conceção equivocada de suposta objetividade. No final do
debate, os participantes consideraram que o rigor poderia ser obtido por via da diversificação das tarefas,
técnicas e instrumentos; “utilizando critérios rigorosos, previamente testados”; mas que respeitem, “ao
máximo, o ritmo da criança e atendendo às suas especificidades e necessidades”; o que implica a
realização de uma “avaliação equitativa” por via do conhecimento de “cada aluno e sua realidade”, o que
exige “olhar para a criança como um todo”. Tal compromisso leva-nos à “definição de critérios segundo
os objetivos de aprendizagem previamente definidos e [que possam ser] reajustados se necessário em
função do perfil dos alunos”.
Por fim, para a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva deverá entender-se a
avaliação no seu caráter verdadeiramente pedagógico, colaborando “na redefinição de caminhos
diferentes à consecução de objetivos de aprendizagem”; ao “atender a todos os alunos, não só às suas
dificuldades, mas principalmente às suas características”. Para tanto, “é importante avaliar para
compreender o que há a melhorar”, a partir de “estratégias para trabalhar com diferentes realidades”. Isto
é, “compreender as necessidades de cada aluno de forma a adaptar o seu processo de aprendizagem”,

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“aceitando a diferença como fator positivo”. Porque é o coletivo que opera a mudança, devemos “apostar
na ecologia, combinar diferentes intervenientes, áreas do saber e técnicas”.

3. Algumas considerações
Esta experiência formativa constituiu-se como uma oportunidade de desenvolvimento pessoal e
profissional, uma vez que ao centrar a nossa ação na reflexão sobre conceitos e práticas de avaliação
pedagógica no contexto de uma escola inclusiva, compreendemos os desafios relacionados com a
aprendizagem que os sujeitos confrontam no quotidiano da sala de aula e que exigem processos de
interlocução pedagógica e cultural com os seus pares e os professores. Estamos assim a defender a
premissa de que o papel do professor numa escola que se quer cada vez mais inclusiva, adquire novos
contornos, enquadrando-se numa perspetiva em que o professor é o interlocutor qualificado (Cosme,
2009).

A práxis docente sustenta-se num conjunto de intenções pedagógicas de modo a se (re)pensar e


(re)organizar o trabalho pedagógico numa escola que se assume ser de todos e para todos. Nesta
perspetiva, os alunos passam a assumir o papel de protagonistas de um projeto educativo e formativo
individual em que, com a colaboração dos seus pares e do professor integrará um conjunto de
aprendizagens desenvolvidas num ambiente em que se privilegia a comunicação em detrimento da
instrução. Niza (1998:356) acrescenta que a estrutura cooperativa “(...) pressupõe que cada um dos
membros do grupo só possa atingir o seu objetivo se cada um dos outros o tiver atingido também. O que
distingue fundamentalmente a aprendizagem cooperativa é o facto de o sucesso de um aluno contribuir
para o sucesso do conjunto dos membros do grupo”.
Foi uma ação que primou pelo exercício da “pedagogia do laço e da convivência” (Madureira,
2022), no sentido de suscitar a reflexão dos educadores, professores e encarregados de educação e
técnicos especializados presentes para a necessidade de se articular processos de ensino, aprendizagem e
avaliação que permitam o desenvolvimento do “(...) pilar do “aprender a viver juntos e com os outros”,
sabendo que estes saberes não exigem apenas o conhecimento do contexto sociocultural dos alunos, mas
também o conhecimento e as competências para nos relacionarmos com alteridade, valorizando as
diferenças” (Madureira, 202:119). Destaca-se o envolvimento ativo dos participantes nesta atividade, num
ambiente acolhedor e propício à relação, bem como a sua motivação para colaborativamente se
desconstruíssem conceitos, pressupostos paradigmáticos e práticas referentes à avaliação pedagógica.
Estamos cientes de que esta experiência formativa ao valorizar a avaliação pedagógica, centrada
na diferenciação, também ela eminentemente pedagógica, contribuirá para que os professores encarem o
ato de ensinar “(...) como a possibilidade de produzir e construir conhecimento, questionando-se “não só

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como aprende esta criança, mas como aprende esta criança face a este modo de ensinar, face a este
contexto de aprendizagem” (Roldão, 2003:57). Deixamos como desafio a necessidade de que os
educadores e professores (re)inventem “permanentemente novas situações de aprendizagem, investir [a]
sua energia na busca de demonstrações mais eficazes e de mediações que permitam ao aluno ter acesso à
cultura que o livrará dos seus preconceitos e que lhe oferecerá os meios de se pensar no mundo. É por isso
que o seu trabalho parece uma espécie de “caça ao aleatório”, uma procura sistemática dos obstáculos que
impedem de aprender e um esforço constante para trabalhar os saberes e trabalhar sobre os saberes até se
conseguir superar tais obstáculos” (Meirieu, 2002:123-124).
Esse processo de (re)invenção do papel do educador e do professor passa também pela sua
dimensão enquanto mediador sociopedagógico, pois a sua práxis desenvolve-se em simultâneo em torno
da (re)definição de estratégias sociais e pedagógicas que vão contribuindo, num processo de educação ao
longo da escolaridade obrigatória, para o empoderamento dos alunos, verificando-se uma sequência
mútua de transformação pessoal. Estes são alguns dos desafios que enquanto professores nos fazem
crescer e desenvolver em termos humanos e com sentido ético, dando assim um contributo para a
cumprimento dos princípios orientadores de uma escola que se pretende cada vez mais inclusiva, cidadã e
valorizadora das diferenças e da diversidade.

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ESTUDO PRELIMINAR DE VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA


DE BEM-ESTAR FAMILIAR

Estela Pereira *
estela2003717@gmail.com
Soraia Garcês **
soraia@staff.uma.pt
Margarida Pocinho ***
mpocinho@staff.uma.pt

Resumo

O estudo e compreensão da felicidade, e as consequências positivas que acarreta para a experiência humana está cada vez mais
em estudo pela Psicologia, havendo um aumento de interesse de autores dedicados a compreender este fenómeno. A definição
de bem-estar familiar difere na literatura, mas é geralmente conceptualizado tendo por base áreas significativas e relevantes.
Assim, este estudo preliminar tem como principal objetivo de explorar as características psicométricas de uma escala que
pretende avaliar o bem-estar familiar. Participaram neste estudo 410 professores de Portugal. O modelo PERMA foi a base
para a construção deste instrumento, constituído por 15 afirmações baseadas em cada um dos seus elementos. Tendo por base a
analise fatorial exploratória e segundo o critério de kaiser a escala apresenta 2 fatores que explicam 52,997%. No que concerne
à sua fiabilidade o fator 1 apresenta o valor de .896 e o fator 2 o valor de .627. Contudo, uma análise mais profunda dos dados,
possibilita também considerar o instrumento numa dimensão unifatorial com resultado psicométrico adequado

Palavras-chave: Bem-estar; Bem-estar Familiar; Escala de bem-estar familiar; psychometric characteristics.

Abstract

The study and understanding of happiness, and the positive consequences it entails for the human experience, is increasingly
being studied by Psychology, with an increase in the interest of authors dedicated to understanding this phenomenon. The
definition of family well-being differs in the literature, but is generally conceptualized based on significant and relevant areas,
Thus, this preliminary study has as its main objective the exploration of psychometric characteristics of a scale that intends to
assess family well-being. 410 teachers from Portugal participated in this study. The PERMA model was the basis for the
construction of this instrument, creating 15 statements based on each of its elements. Based on exploratory factor analysis and
according to Kaiser's criterion, the scale presents 2 factors that explain 52.997%. Regarding its reliability, factor 1 has a value
of .896 and factor 2 has a value of .627.Further analysis also allows to consider a 1-factor scale, with good psychometric
values.

Keywords: Well-being; Family well-being; Family well-being scale; psychometrics characteristics.

* Universidade da Madeira
** Universidade da Madeira & Research Centre for Tourism, Sustainability and Well-being of Universidade do Algarve.
*** Universidade da Madeira & Research Centre for Tourism, Sustainability and Well-being of Universidade do Algarve.

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Introdução
Na atualidade, existe um número crescente de indivíduos e até mesmo de organizações dedicadas
ao estudo do bem-estar, formulando políticas potencializadoras do mesmo. As investigações neste âmbito
mostram que construtos positivos (e.g. satisfação com a vida, otimismo) estão relacionados com
resultados positivos (e.g. sucesso educacional, bom ambiente conjugal) (Butler & Kern, 2016).
Nesta perspetiva, a Psicologia Positiva que surgiu do humanismo e do construtivismo, trouxe
tópicos de estudo diferentes dos geralmente abordados, tal como o bem-estar, otimismo, entre outros.
Com o surgimento destes novos conceitos, houve um despertar de interesses de outras ciências e da
própria ciência psicológica (Novo, 2005). Tendo por base a perspetiva da Psicologia Positiva, o bem-estar
não está apenas relacionado com a ausência de aspetos negativos na vida das pessoas, mas está também
relacionada com outros aspetos da experiência humana. Por este motivo, os modelos desenvolvidos neste
âmbito são multidimensionais visto que pretendem agregar adequadamente diferentes aspetos que
caracterizam a complexidade psicológica (Butler & Kern, 2016).
O bem-estar é reconhecido como uma aspiração humana universal, porém os estudos revelam que
há uma grande variação entre os diferentes países na forma como interpretam e estudam o bem-estar,
habitualmente associado à satisfação com a vida pessoal, sabendo-se pouco sobre outros tipos de bem-
estar. Assim, pensar na dimensão da família por comparação com o individuo surge como uma nova
perspetiva de avaliar o bem-estar e de perceber como este é valorizado (Krys et al., 2021). O bem-estar
familiar deve ser visto de uma forma global, não estando concentrado apenas em dados individuais,
envolvendo características individuais, das relações e da família como um todo. Este é assim um termo
muito utilizado em políticas publicam porém ainda existe a necessidade de criar uma conceptualização
única, sendo muitas vezes definida tendo em conta as diferentes teorias que fundamentam o contexto e
objetivo das pesquisas (Wollny et al., 2010).

1. Bem-estar
Desde a Grécia antiga, os conceitos de bem-estar e de felicidade são temáticas importantes e alvo
de curiosidade, desde cedo sendo construtos representativos dos grandes filósofos que se dedicavam a
tentar compreender e encontrar o significado da felicidade, os resultados desta no quotidiano dos
indivíduos e sobretudo como atingi-la (Rossi et al., 2020). No mundo atual e com as suas crescentes
inconstâncias, o bem-estar é cada vez mais uma temática ambicionada, existindo um crescente
reconhecimento da sua importância. Este conceito é de tal forma relevante que é considerado e definido
pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2011) como um objetivo e aspiração humana universal,
destacando-se como um indicador do funcionamento de uma dada comunidade (Krys et al., 2021).

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O enfoque no bem-estar tem assim a sua relevância em várias áreas científicas, e destaca-se no
domínio da Psicologia em duas grandes perspetivas influenciadas pelos “tempos antigos”: a hedonia
numa perspetiva mais direcionada para uma visão subjetiva de felicidade (bem-estar subjetivo) e a
eudaimonia numa perspetiva que se concentra nas potencialidades humanas (bem-estar psicológico)
(Rossi et al., 2020).
Porém o caminho para um definição de bem-estar não tem sido sem sobressaltos e sem visões
distintas. Diener (1984), numa perspetiva hedonista remete para o conceito de bem-estar subjetivo e
defende que o mesmo poderá ser encarado como um sinónimo para a conceptualização de felicidade.
Nesta linha de raciocínio, o bem-estar subjetivo estará mais ligado a uma avaliação geral que cada pessoa
faz da sua própria vida, tendo por base a os seus estados emocionais (emoções positivas e negativas) ao
longo do seu percurso de vida. Nesta ótica, é importante relevar que quando um indivíduo realiza este
balanço da sua vida, a vivência de emoções positivas deve ser relativamente superior. Se as experiências
que os sujeitos vivem ao longo da vida forem maioritariamente positivas este vivenciaram o bem-estar
subjetivo. Contudo, tal não implica que os sujeitos que na sua vida vivenciam maioritariamente estas
emoções, estarão reduzidos a experienciar apenas emoções positivas (Rossi et al., 2020) ao longo da sua
vida.
Em função do modelo de bem-estar subjetivo criado por Diener, ressalta-se três características
essenciais: a subjetividade (o bem estar está profundamente relacionado com a experiência pessoal de
cada pessoa); a perceção (o bem estar não se restringe à ausência de aspetos negativos); e por fim refere-
se a capacidade de ter uma perspetiva global e não limitada a um aspeto (Rossi et al., 2020), o bem-estar é
multidimensional
Outros têm também centrado as suas investigações na tentativa de compreender o bem-estar,
sendo um dos mais autores mais conceituados neste campo e, concomitantemente a teoria, o modelo
defendido por Ryff (1989). Neste é dado particular relevo à importância do potencial humano,
defendendo Ryff (1989) que a definição de bem-estar deverá pressupor um funcionamento psicológico
positivo, autoconhecimento e maturidade para suplantar e lidar com os diversos desafios que a vida nos
coloca.
Porém, um dos desenvolvimentos mais recentes no estudo do bem-estar está espelhado no
movimento da Psicologia Positiva. Com esta surge ainda um interesse crescente pelo constructo de
“flourishing”, em português traduzido por florescimento. Estes conceitos descrevem um estado ótimo de
funcionamento psicológico, conjugando diferentes domínios psicossociais. Nesta perspetiva, surgem
distintos modelos que caracterizam o bem-estar que são fundamentais para a criação de diferentes

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conceptualizações e dar origem a diferentes domínios que podem ser medidos e desenvolvidos (Butler &
Kern, 2016).
Nesta perspetiva, e fundamentado na Psicologia Positiva, o modelo PERMA surge com Martim
Seligman e encontra-se aqui um modelo multidimensional que visa definir bem-estar numa multiplitude
de variáveis (Rusk & Waters, 2015). Deste modo, Seligman (2012) define os seguintes cinco
componentes fundamentais que “dão forma” ao conceito de bem-estar: Emoções positivas (P-Positive
Emotions), Envolvimento (E-Engagement), Relações significativas (R- Relationship), Significado da vida
(M- Meaning), Sentimento de autoeficácia (A- Achivement).
As emoções podem ter diferentes níveis de ativação e serem positivas ou negativas, porém
experienciar mais emoções positivas gera consequências positivas na vida das pessoas. Segundo este
modelo as emoções positivas englobam outros sentimentos além da felicidade, tais como a gratidão,
amor, etc. Estas são momentâneas e podem ocorrer de forma distinta de acordo com as vivências do nosso
dia a dia (Farmer & Cotter, 2021).
O envolvimento está muito ligado ao conceito de fluxo, isto é, atinge-se altos níveis de
envolvimento através da concentração, absorção e foco (Butler & Kern, 2016). Em atividades de grande
envolvimento, sendo ela de trabalho ou lazer existe a sensação que o tempo passa muito mais rápido,
existindo um estado de imersão completa no momento (Ferreira et al., 2020; Farmer & Cotter, 2021).
As relações positivas, concentram-se em ligações saudáveis e positivas com os outros. Este tipo de
relações gera o estreitamento dos laços gerando um maior bem-estar e o sentimento de pertença (Ferreira
et al., 2020). O papel das relações está muito bem estabelecido na maioria dos estudos de bem-estar, pois
é uma dimensão com grande impacto na vida dos sujeitos e está muitas vezes associado a menor
depressão, a comportamentos mais saudáveis e outros aspetos positivos (Butler & Kern, 2016).
O Significado de vida ou propósito requere um esforço por parte do individuo para conseguir
estabelecer uma orientação de modo a atingir determinadas metas que são consideradas de grande
relevância para este (Ferreira et al., 2020). Este senso de significado relaciona-se também com uma
conexão estabelecida com algo maior que o individuo o que lhe dá valor aos atos que realiza (Butler &
Kern, 2016).
A autoeficácia ou realização é uma dimensão intimamente ligada à procura do sucesso e da
conquista de metas delineadas. Esta componente do modelo é impulsionadora de maior motivação para a
definição de objetivos futuros, sendo fundamental para orientar uma vida significativa e com maior bem-
estar (Ferreira, et al., 2020).

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2. Bem-estar familiar

A família é sem dúvida alguma um dos grupos mais importantes e relevantes na vida de todos os
indivíduos (Krys et al., 2021). Neste sentido, falar do bem-estar familiar é algo também imprescindível
para um desenvolvimento ótimo da própria família, ainda que falar de bem-estar familiar é igualmente
falar de um constructo multidimensional, que engloba dimensões objetivas e subjetivas (Wollny et al.,
2010).
O conceito de bem-estar familiar carece de uma definição universalmente aceite, porém é
geralmente encarado como detentor de um conjunto de áreas significativas e relevantes, tal como os
conceitos de resiliência, conflitos conjugais, entre outros (Krys et al., 2021). De acordo com Diener et al.,
(1985) a satisfação com a vida familiar é encarada tendo por base a avaliação geral que os indivíduos
constroem de acordo com a sua perceção da sua qualidade de vida familiar considerando critérios
idiossincráticos.
Num estudo desenvolvido por Delle Fave et al. (2016), a família foi tida como o elemento
essencial para a compreensão do bem-estar. Desta forma, compreender o bem-estar no seio familiar pode
também ser relevante para compreender este constructo da sua multidimensionalidade, considerando
igualmente a sua relevância em diferentes contextos culturais. No estudo desenvolvido por Krys et al.,
(2019) foi constatado que a família é sem dúvida uma parte fundamental na vida das pessoas e que esta
componente é reconhecida como aspeto comum às diferentes culturas. Num outro estudo Krys e
colaboradores (2021) concluíram igualmente que independentemente da cultura onde os indivíduos estão
inseridos o bem-estar familiar é mais desejado do que o bem-estar pessoal.
Considerando a relevância do bem-estar e particularmente do bem-estar no seio familiar
considerou-se pertinente procurar explorar este constructo em Portugal, particularmente no contexto
educativo. Porém, ao longo do trabalho de revisão constatou-se a escassez de instrumentos desenvolvidos
nesta ótica. Como tal, o estudo que se apresenta procura apresentar um primeiro passo na construção e
análise preliminar das caraterísticas psicométricas de uma escala que pretende avaliar a perceção do bem-
estar familiar.

3. Construindo um novo instrumento de bem-estar familiar


Ao longo do processo de revisão da literatura verificou-se que em Portugal existe uma escassez de
instrumentos que visem avaliar o bem-estar para além da sua esfera pessoal. Neste caso, referimo-nos à
esfera familiar onde apesar da clara importância deste núcleo para o sentimento de bem-estar individual,
pouco ou nenhum enfoque tem sido dado à construção de instrumentos fiáveis para a sua análise
científica.

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Dada esta escassez de elementos, e tendo por base a literatura, construi-se um instrumento a
“Escala de Bem-Estar Familiar”. Esta escala foi construída tendo por base o Modelo PERMA
amplamente reconhecido e acolhido pela comunidade científica. Como tal, para cada componente do
Modelo, entenda-se, Emoções positivas, Envolvimento, Relações positivas, Significado e Realização
foram construídos dois itens. No final obteve-se uma escala composta por 15 afirmações. Optou-se ainda
por colocar alguns itens numa formulação negativa de modo a evitar desejabilidade social. As respostas
da escala tiveram em consideração uma escala Likert com variação entre 1 (discordo completamente) e 7
(concordo plenamente).
Esta primeira versão do instrumento foi enviada para experts em processos de validação que se
procedeu à sua análise, possibilitando a validade de conteúdo do instrumento. Posteriormente, o
instrumento foi ainda aplicado a indivíduos sem relação com o processo investigativo de modo a avaliar a
compreensão dos itens por parte dos respondentes. Decorrente deste processo, na tabela 1 encontra-se os
itens que compõem esta primeira versão do instrumento, a qual foi alvo da análise estatística que se
apresenta nos resultados.

Tabela 1 - Itens que compõem a 1ª versão da escala de bem-estar familiar


Item nº Descrição do item

1 Na minha família existe pouca confiança e suporte entre as pessoas

2 Gostaria de ter mais tempo para as reuniões familiares

3 Não me sinto realizado(a) com a minha família

4 A minha família não se interessa pelo sucesso dos seus membros

5 Sinto-me feliz nos momentos de convívio familiar

6 A minha família não me faz feliz

7 A minha família trabalha em conjunto para o mesmo objetivo

8 Realizar dinâmicas/tarefas em contexto familiar faz-me sentir bem

9 Procuro manter relações saudáveis com todos os meus familiares

10 A minha base familiar dá sentido às decisões da minha vida

11 Dedico-me e envolvo-me completamente aos momentos familiares

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12 Tenho pouco interesse sobre o que se passa na minha família

13 A minha família representa tudo aquilo que sempre sonhei

14 Ter um bom ambiente familiar é um dos meus propósitos de vida

15 Tento sempre fortalecer a relação entre os meus familiares

Fonte: Elaboração própria.

3. Metodologia do estudo preliminar

3.1 Participantes

A amostra deste estudo foi constituída por 410 docentes de Portugal Continental e ilhas (Madeira
e Açores). No que concerne ao género, esta amostra é constituída por 76.1% do género feminino (n=312)
e 23.9% do género masculino (n=98). No que concerne à idade, esta varia entre os 21 e os 69 anos de
idade (M=47.5). Relativamente ao estado civil, 52.7% da amostra identificou-se como casado/a, 21% é
solteiro/a, 14.4% vive em união de facto, 11% são divorciados e 1% viúvo/a. No que diz respeito à área
onde lecionam obtivemos 46,8% na Região Autónoma da Madeira, 30,5% na Região Autónoma dos
Açores e as restantes percentagem distribuídas pelos diferentes distritos de Portugal Continental.

3.2 Instrumento

Como foi referido anteriormente, o instrumento utilizado designa-se por “Escala de Bem-estar
Familiar”, construída para o efeito. A mesma apresenta 15 afirmações que têm por base a Psicologia
Positiva, nomeadamente, o modelo PERMA, com respostas que variam entre 1 = Discordo
completamente até 7 = Concordo completamente. De seguida apresentam-se os resultados do estudo
psicométrico preliminar.

3.3. Resultados

Após a recolha dos dados da escala os mesmos foram submetidos a uma análise fatorial
exploratória (AFE). Obteve-se o valor de .915 no Kaiser-Meye-Olkin, o que permitiu dar continuidade à
AFE. Neste sentido, e segundo o critério de Kaiser surgiram 2 fatores que conseguiram explicar 53% da
variância do constructo.
Uma análise mais profunda através do gráfico de scree plot também foi possível constatar a
existência de dois fatores. Ao realizar nova AFE, desta vez, recorrendo-se à rotação varimax e a uma

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supressão dos coeficientes a .4, verificou-se que o item 12 não suportou em nenhum fator, levando à sua
eliminação. Nesta conjuntura, observa-se a existência de dois fatores relevantes, F1 (fator 1) constituído
pela média dos itens 5,6,8,9,10,11,13,14,15 e o F2 (fator 2) constituído pela média dos itens 1,2,3,4 e 6.
Refira-se que dada a construção no sentido negativo dos itens 1, 2, 3, 4 e 6, este último fator pode ser
considerado um fator de análise do mal-estar.
Apesar da evidência da existência de dois fatores, teoricamente, considera-se pertinente considerar
a possibilidade de um único fator geral que possibilite uma análise global do bem-estar familiar no seu
todo. Deste modo, a análise da fiabilidade através do alfa de Cronbach de ambos os fatores foi F1 = .896
e F2 = .627. Numa análise global verificou-se um alfa de .857ue nos leva a considerar que este
instrumento também poderá ser interpretado numa configuração unifatorial. Na tabela 2 apresenta-se a
configuração final da escala, após este estudo preliminar.
Tabela 2 - Itens que compõem a escala de bem-estar familiar – versão preliminar
Item nº Descrição do item
1 Na minha família existe pouca confiança e suporte entre as pessoas
2 Gostaria de ter mais tempo para as reuniões familiares
3 Não me sinto realizado(a) com a minha família
4 A minha família não se interessa pelo sucesso dos seus membros
5 Sinto-me feliz nos momentos de convívio familiar
6 A minha família não me faz feliz
7 A minha família trabalha em conjunto para o mesmo objetivo
8 Realizar dinâmicas/tarefas em contexto familiar faz-me sentir bem
9 Procuro manter relações saudáveis com todos os meus familiares
10 A minha base familiar dá sentido às decisões da minha vida
11 Dedico-me e envolvo-me completamente aos momentos familiares
13 A minha família representa tudo aquilo que sempre sonhei
14 Ter um bom ambiente familiar é um dos meus propósitos de vida
15 Tento sempre fortalecer a relação entre os meus familiares

Fonte: Elaboração própria.

5. Conclusão

Segundo Skinner e colaboradores (2000) avaliar o funcionamento familiar é algo desafiante pois é
preciso considerar diferentes fatores, tal como as características individuais, as interações dentro e fora da
família e ver esta como um todo.
Aliando a família ao modelo PERMA, modelo este multidimensional que se foca em diferentes
componentes do bem-estar (Emoções Positivas; Envolvimento; Relações Positivas; Significado e

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Autoeficácia), pode ser importante para conseguir obter uma visão ampla do bem-estar, e desta forma
encontrar novas formas de avaliar o bem-estar no seio familiar (Rossi et al., 2020 & Seligman 2018).
Com este estudo espera-se ter algum impacto na comunidade científica da área da psicologia, pois
apesar de este ser um estudo exploratório, mostra a importância de considerar diferentes aspetos da vida
humana para avaliar o bem-estar. A construção desta escala representa um ponto de partida para a
melhoria e construção de novas escalas que estudem esta outra componente do bem-estar. Propõe-se que
em estudos futuros a construção dos itens seja reformulada de modo a que se consiga obter os 5 fatores,
inicialmente planeados e representativos de cada uma das componentes do modelo PERMA. Apesar de
não termos conseguido atingir este objetivo, os dois fatores que surgiram apresentavam-se com F1 com
fiabilidade de .896 e F2 com fiabilidade de .627, o que é fundamental, porque descreve o bem-estar
familiar e o mal-estar familiar.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

EDUCAÇÃO INCLUSIVA - PILAR PRÓ-GLOBALIZAÇÃO


E GLOBALIZAÇÃO/EDUCAÇÃO

Susana Jardim *
susalook2014@gmail.com

Resumo

No geral, este artigo científico objetiva avaliar a relação globalização/educação no domínio da psicologia, em particular, reflete
o tema Educação Inclusiva. Pilar Pró-Globalização no âmbito da frequência de uma formação de turismo e globalização na
educação, observa a carência de estudos-reflexão de investigação psicológica, quer regional, quer internacional. No todo,
alarga-se o conhecimento/conceitos resultantes da reflexão fundamentada com base na metodologia de pesquisa bibliográfica
sugerida na formação, entre outras, coadjuvada com a área de estudos/intervenção psicológico-educativa profissional. Em
síntese, confirma-se a hipótese de que a educação inclusiva não só qualifica como dá alicerces/sustentabilidade à globalização.
Assume-se portanto, a priorização do investimento público na educação inclusiva que estimula/maximiza a aprendizagem de
sucesso de todos para todos, em direção a competências/habilidades mais reflexivas/abstratas, associado à saúde psicológica e
bem-estar, ambos de igual nível de investimento/importância. Tendo em consideração o alinhamento qualidade de
educação/qualidade de emprego, a educação inclusiva é um pilar pró-globalização, porque gera o (re)ordenamento de
competências/habilitações/qualificações, é (re)estruturante das qualificações, e estas coadjuvantes da globalização.

Palavras-chave: educação inclusiva; globalização; desigualdades; qualificação; desenvolvimento.

Abstract

In general, this scientific article aims to evaluate the globalization/education relationship in the field of psychology, in
particular, it reflects the theme Inclusive Education Pilar Pro-Globalization in the scope of the attendance of a tourism training
and globalization in education, observes the lack of studies- reflection of psychological research, whether regional or
international. As a whole, the knowledge/concepts resulting from the reflection based on the bibliographic research
methodology suggested in the training, among others, supported by the area of studies/professional psychological-educational
intervention, are expanded. In summary, the hypothesis that inclusive education not only qualifies but also provides a founda-
tion/sustainability to globalization is confirmed. It is therefore assumed the prioritization of public investment in inclusive
education that stimulates/maximizes successful learning for all, towards more reflective/abstract skills/abilities associated with
psychological health and well-being, both at the same level. of investment/importance. Bearing in mind the alignment of
education quality/employment quality, inclusive education is a pro-globalization pillar because it generates the (re)ordering of
skills/qualifications, it (re)structuring qualifications, and these supporting globalization.

Keywords: inclusive education; globalization; inequalities; qualification; development.

* Psicóloga, Doutorada em Desenvolvimento e Intervenção Psicológica em Crianças pela Univer-sidade de Extremadura,


Badajoz, Espanha. Especialidades em Psicologia Clínica e da Saúde, em Necessidades Educativas Especiais, e em
Psicoterapia pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. CREE FUNCHAL – Direção Regional de Educação/Secretaria Regional
de Educação, Ciência e Tecnologia.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Introdução
A escolha do tema Educação Inclusiva Pilar Pró-Globalização no domínio da psicologia insere-
se na reflexão da relação globalização/educação levada a cabo no contexto da formação frequentada em
outubro de 2022 de turismo e globalização na educação.
Sustentado na metodologia de pesquisa bibliográfica sugerida na formação, entre outras,
complementado com o conhecimento/experiência de intervenção psicológica-educativa profissional,
perspetiva-se não só apresentar os contributos suscitados, como alargar o conhecimento/conceitos
resultantes e ultrapassar a carência de estudos-reflexão da investigação produzida no âmbito da
psicologia, quer regional, quer internacional.
Aliado a esta realidade, pretende-se estudar a hipótese de que, se a educação de natureza inclusiva,
qualifica/alicerça melhor a globalização, então é necessário considerá-la uma prioridade de investimento
público enquanto paradigma educativo que maximiza a aprendizagem de sucesso de todos para todos, em
direção às competências/habilidades, mais reflexivas/abstratas, como associado à saúde psicológica e
bem-estar, ambos de igual investimento e importância, e assim robustece-se a capacidade de
resiliência/desenvolvimento de um país globalizado.
Na parte Educação Inclusiva, Pilar Pró-Globalização, afigura-se-nos que no contexto da
preparação educativa, a acessibilidade à Educação pública é de per si insuficiente, ainda que a abstinência
em tempo útil seja de evitar em virtude da promoção da literacia e dos cuidados que representa, tendo
presente a organização de uma escola impulsionadora nas suas práticas, e social nos seus cuidados.
Por outro lado, destaca-se a relevante distinção dos modelos escola tradicional – “ensinar a todos
como se de um só se tratasse” (Cosme & Trindade, 2010, 2016) vs. inclusiva que preconiza o direito não
só à aprendizagem de sucesso como o respeito pelos interesses/necessidades/diversidade de todos e de
cada um, como também pelos ambientes inovadores de aprendizagem que prioriza a
participação/aprendizagem mais ativas, centradas nos alunos, são promotores da aprendizagem
culturalmente significativa, transformando as aulas em “experiências vivas de aprendizagem” (Cosme &
Trindade, 2010, 2016; Alves et al., 2018; DL 54/2018; DL 55/2018; DL 11/2020/M; Jardim, 2019;
Vigotsky, 2000), conduzem a disparidades com implicações nomeadamente no tipo de competências
exigíveis para o mercado de trabalho no Séc. XXI.
Seguidamente, em aspetos da globalização, define-se não só a globalização como um conjunto de
mudanças políticas/económicas à escala mundial, mais visíveis a partir dos finais do Séc. XX por via da
expansão/conquista das trocas comerciais transnacionais de produtos/serviços/capitais/pessoas resultando
nos fluxos de capitais e de mercadorias nas vertentes económica, social, cultural, política, locais,
regionais e nacionais (Baptista, 2022), como também aponta-se as contribuições do processo de

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

globalização para o aparecimento/aumento do sistema económico global, também origina a abertura de


fronteiras ao investimento e à exportação em escala como intensifica as relações internacionais e
aproxima interesses de empresas/sociedade a nível político/económico/social/cultural (Vinholo et al.,
2005).
Não sendo consequência direta da globalização, em todas as épocas assiste-se, mesmo nos países
mais industrializados e desenvolvidos, a fenómenos de pobreza, desemprego, desigualdades
socioeconómicas, precariedade laboral que se agudizam com as crises/pandemias/alterações
climáticas/guerras. O setor do emprego mostra-se bipolarizado entre as escassas oportunidades para os
menos qualificados, e melhores oportunidades para os mais qualificados, a estes abrindo-se janelas de
melhores carreiras, com melhores remunerações. Neste âmbito, assume-se que a verdadeira riqueza dos
países está no desenvolvimento humano com mais sustentabilidade e igualdade (Relatórios do
Desenvolvimento Humano 1990/2013).
Como adiante se reflete, releva-se a necessidade de ultrapassar um dos principais problemas
inclusão/exclusão que remete para a rejeição/marginalização de alguns países do processo positivo da
globalização devido às barreiras impostas pelos países mais ricos aos bens/serviços dos países em vias de
desenvolvimento ou mais pobres, que vêm-se rejeitados/ignorados (Vinholo et al., 2005).
Na subparte seguinte, propõe-se integrar a relevância da Agenda 2030 para a globalização ao
serviço da economia social (sustentável, igualitária) e do bem-estar (psicológico, económico) da
Humanidade.
Finalmente, pretende-se neste contributo de artigo científico no domínio da psicologia, não só
refletir como fundamentar a temática da relação da globalização/educação relativamente à proposta da
educação inclusiva, e verificar as centralidades contributivas que se destacam, quer para a ciência, quer
para a sociedade.

1. Método

Perspetiva-se considerar/alargar o conhecimento/conceitos resultantes da reflexão fundamentada,


com base na metodologia de pesquisa bibliográfica sugerida na formação, entre outras, e complementar
também com o conhecimento/experiência de intervenção psicológica-educativa profissional.
Para estudo, apresenta-se a seguinte hipótese:
Se a educação inclusiva qualifica/alicerça melhor a globalização, então é necessário considerá-la
uma prioridade de investimento público com paradigmas educativos que maximizam a aprendizagem de
sucesso de todos para todos, em direção tanto a competências/habilidades mais reflexivas/abstratas como

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

a saúde psicológica e bem-estar, ambos de igual investimento e importância. Pretende-se robustecer as


capacidades de resiliência/desenvolvimento de um país globalizado.
Assim, propõe-se responder a este argumento, simultaneamente salientar os contributos que o
mesmo suscita.

2. Educação Inclusiva, Pilar Pró-Globalização


A finalidade geral do ensino de 1º grau é estimular a assimilação ativa dos conhecimentos sistematizados,
das capacidades, habilidades e atitudes necessárias à aprendizagem, tendo em vista a preparação para o
prosseguimento de estudos…,para o mundo do trabalho, para a família e para as demais exigências da
vida social.
(Libâneo, 2006:43)

(…) métodos de ensino (…) depende dos objetivos-conteúdos-métodos das matérias, das peculiaridades
dos alunos, e do trabalho criativo do professor.
(Libâneo, 2006:160)

Na realidade, a acessibilidade à Educação pública é de per si insuficiente, ainda que a


abstinência em tempo útil seja de evitar, em virtude da promoção da literacia e dos cuidados que
representa. Está em causa a organização de uma escola impulsionadora nas suas práticas, e social nos seus
cuidados.
Por outro lado, garantido o acesso à Educação, a marcante distinção dos modelos escola
tradicional – “ensinar a todos como se de um só se tratasse” (Cosme & Trindade, 2010, 2016)
(expositivo, repetitivo, centrado no professor/objetivos/desenvolvimento real, estrutura/cultura rígidas) vs.
inclusiva (comunicacional, centrado no aluno/aprendizagem/ sucesso de todos para todos, personalizado,
multicultural, prioriza ritmos individuais face a objetivos, antecipação/desenvolvimento habilidades
cognitivas, complexas/funções executivas (conceitos/raciocínio abstrato, pensamento crítico,
criatividade), competências/autorregulação da saúde psicológica-emocional (interelação pessoal/grupal,
cooperação e comunicação), conduzem a disparidades com implicações nomeadamente no tipo de
competências exigíveis para o mercado de trabalho no Séc. XXI - pensamento crítico, criatividade,
colaboração, comunicação (Harari, 202:302), autorregulação socioemocional, autonomia/independência.
Com efeito, está em causa a variável escola-tipo, tendo em conta o alinhamento qualidade de
educação/qualidade de emprego aonde uma Educação Inclusiva (EI) pelas suas especificidades é decisiva
para responder aos desafios de uma Economia Globalizada, uma das condições estratégicas para o
progresso intelectual/social das regiões, porque promotora não só de melhor qualificação, melhor
emprego, melhor salário, como de melhores condições para a inserção bem-sucedida da região na
economia global (Maciel, 2010; Fundação José das Neves (FJN), 2022a, 2022b; UNESCO, 2017, 2019).
Em concreto, a escola tradicional em relação ao paradigma de instrução pensado de forma
unidirecional “entende ser possível confirmar a existência de aprendizagens sempre que um aluno é capaz

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

de reproduzir informação, exercícios e gestos” (Cosme & Trindade, 2016, p.1039). Munida de
métodos/práticas pedagógicas expositivos/repetitivos centrados no professor que sabe o conteúdo e passa
ao aluno que quer aprender, releva a utilização de estratégias predominantemente instrutivas que impõem
referenciais prescritivos de produção de sentido para as experiências pessoais de crianças/jovens,
distancia-se da necessidade de transformação da relação aluno-mundo, encontrada mais nas metodologias
de ação-reflexão, mais visíveis nas perspetivas inclusivas sob processos de exploração/investimento,
como forma de ultrapassar o reducionismo informação/conhecimento no percurso de transformar os
conteúdos em saber.
Ainda, o paradigma instrutivo não estimula/responde ao funcionamento do cérebro e à
neuroeducação compatíveis com modelos de aprendizagem ativa alternativos (Alves et al., 2018) as aulas
expositivas, passivas, tradicionais, nem respeita os interesses/necessidades/diversidade de todos e de cada
um, o que contraria os ambientes inovadores de aprendizagem que cria condições para uma
participação/aprendizagem centradas nos alunos e mais ativas através da produção/construção do
(auto)conhecimento, potenciador da qualidade das relações das interações e da relação pedagógica
professor/aluno/saber, que em estreita relação com o feedback são promotores de aprendizagem
culturalmente significativa, transformando as aulas em “experiências vivas de aprendizagem” (Cosme &
Trindade, 2010).
Em específico, a EI é regulamentada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 11/2020/M, de 29 de
julho, que adapta à Região Autónoma da Madeira os regimes constantes do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6
de julho, alterado pela Lei n.º 116/2019, de 13 de setembro, em substituição do Decreto-Lei nº 3/2008, de
7 de janeiro, e do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, e estabelece o regime jurídico através de
princípios e normas promotores, tanto da integração como da inclusão de todos para todos, no respeito
pelas diferenças, diversidade de capacidades/potencialidades/necessidades, multiculturalidades, e
mobilização dos diversos meios da comunidade educativa.
Neste âmbito, a partir da adequação dos processos de ensino/aprendizagem às características de
todos e de cada um dos alunos, procura-se garantir possibilidades/competências do Perfil dos Alunos à
Saída da Escolaridade Obrigatória através de recursos/estratégias diferenciados, personalizados, para
elevar os níveis de desenvolvimento/aprendizagem, com isso, o sucesso escolar ao longo do percurso
educativo (DL 55/2018).
Por outro lado, a EI baseia-se no Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) cuja evidência
científica assenta nas neurociências, ciências da educação, e psicologia cognitiva. Preconiza três
princípios construídos sobre o conhecimento de como o cérebro aprende através de três redes:
reconhecimento, ação/expressão, e afetiva/envolvimento. Defende a importância da mudança das práticas

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

de ensino e pedagógicas, pró-diversificação a partir, quer da motivação/envolvimento dos alunos, quer do


equacionar múltiplos, processos de apresentação/reconhecimento dos conteúdos, quer da utilização de
múltiplas formas de ação/expressão de todos para todos (Alves et al., 2018; DL 54/2018).
A EI destaca também a Abordagem Multinível (AM) no acesso ao currículo nomeadamente,
assente na flexibilidade curricular, avaliação formativa, feedback contínuo nas situações/tarefas,
intervenção/interação com as famílias/comunidade, e medidas de apoio à aprendizagem de sucesso de
todos para todos, consoante as competências/interesses/projetos de vida (Alves et al., 2018; DL 54/2018).
Visivelmente, a inclusão escolar objetiva garante a todos e a cada um, o direito à
diferenciação/equidade nas oportunidades/condições de socialização, desenvolvimento de habilidades
cognitivas complexas ao nível das funções executivas (raciocínio lógico e aritmético, linguagem
expressiva/compreensiva, memória, desenvolvimento conceitos abstratos, pensamento crítico,
criatividade, etc), e de competências sócio-emocionais (interelação pessoal/grupal, capacidade
cooperativa/comunicativa, autorregulação intelectual/comportamental, autoconceito, etc) no acesso ao
currículo/aprendizagem, frequência e progressão ao longo da escolaridade obrigatória.
Acresce que a proposta central inclusiva de elevar a qualidade/eficácia do processo educativo,
bem como acionar as mudanças no ensino e práticas pedagógicas de forma a responder não só à
diversidade das necessidades/potencialidades como acresce a aprendizagem, tendo em vista a promoção
da realização plena, desenvolvimento pessoal/interpessoal/intervenção social ativa, imprescindíveis à
inclusão pedagógica/comunitária.
No todo, a construção de medidas/estratégias pedagógicas pró-inclusão escolares torna-se um
instrumento por meio do qual a aprendizagem é propagada/multifacetada, e reflete-se no quadro de uma
cidadania/sociedade mais ativa/justa, e psicoemocionalmente mais saudável.
Afinal, a convivência com a diversidade/equidade/heterogeneidade de respostas, especificamente,
a elaboração de métodos/recursos pedagógicos que sejam tanto acessíveis a todos e a cada aluno, como
simultaneamente respeite as diferenças, priorize o ritmo individual de aprendizado face ao cumprimento
de objetivos, promova um ensino mais efetivo/igualitário, no geral, a personalização/multiplicidade no
ensino, consagra uma diversidade de conteúdos que dá a oportunidade de cada aluno explorar as suas
múltiplas facetas, favorece a mudança de paradigma nos objetivos, papeis de alunos e professores, e
remete para alterações na organização estrutural e cultural do ambiente escolar.
Esquematicamente:

Figura 1 - Algumas centralidades da Educação Inclusiva (EI)

Capacitação da Aprendizagem/Sucesso educativos


Direito à EI de Ter condições Tomada de decisões no currículo/avaliação
Todos para Todos para aceder Feedback contínuo
Envolvimento/participação ativos

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

No global, o maior desafio do sistema escolar em todo o mundo é o da inclusão educacional


(Ainscow, 2006) (Figura1). Privilegia uma visão holística/exploradora de todos para todos com o
macrossistema, numa experiência/ação e questionamento dos investimentos/interesses/projetos
individuais próprios, onde se enquadra o desenvolvimento de competências/habilidades mais
reflexivas/abstratas, alargando-se também à saúde psicológica e bem-estar (OPP, 2014 & 2022). Assim,
perspetiva-se o incremento de capacidades intelectuais/sociais em direção ao acentuar de competências
exigíveis à contemporaneidade tripartida: qualificação, profissão, e carreira, com implicações a
médio/longo prazo no emprego e salário (Maciel, 2010; FJN, 2022a, 2022b; UNESCO, 2017, 2019).
Com efeito, a EI é um multiplicador da capacitação das qualificações direta ou indiretamente
associado aos fatores emprego/salário. De outro modo, a escola sobretudo inclusiva, imprime
movimentações promotoras do reordenamento de competências, qualificações, emprego, e
carreiras/profissões a nível do mercado de trabalho (vide figura 2).

Figura 2 - Esboço de caraterísticas do determinante Educação face ao fator Qualificações

De outro modo, a partir da figura 2 a Educação, sobretudo de natureza inclusiva, é um fator


estratégico e determinante, gera/(re)ordena as mais-valias da literacia/competências/habilidades pessoais-
sociais ao longo do ciclo de vida do indivíduo e de um país. Daí, o que isso representa, ou pode
representar, em ganhos do fator preponderante Qualificação numa economia de mercado globalizada,
num mundo global.
De encontro ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4) – Educação de Qualidade -
“até 2030, acordou-se “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (Agenda 2030, ODS 4)” (UNESCO,
2017:5).
Historicamente, as profissões do futuro respondem às mudanças/exigências dos tempos, cada vez
mais requerem perfis de curiosidade não aprisionados a uma especialidade, e com capacidade de aprender
de forma permanente. A divisória entre carreiras técnicas e humanas esbate-se, a tecnologia permeia tudo,
além de acentuar-se a utilidade do conhecimento transversal/multifatorial, a exemplo, da Psicologia e
Ciências Sociais, para entender-se as necessidades humanas ao conceber-se produtos. Acresce, a realidade

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

subjacente às carreiras/profissões exigíveis para o século XXI pontua competências generalizáveis,


nomeadamente de inteligência emocional, liderança, trabalho em equipa, e capacidade para falar em
público, sempre reajustáveis no decorrer do tempo às necessidades da economia e do mercado de
trabalho.
Segundo a Fundação José das Neves (FJN, 2022), “as mudanças impostas por estes novos tempos
são particularmente evidentes no domínio do trabalho. Os avanços tecnológicos e a globalização
multiplicaram as oportunidades de crescimento económico, mas também os desafios. Por um lado, a
globalização deslocalizou empregos na indústria e nos serviços. A automação substituiu algumas tarefas
mais rotineiras de trabalhadores menos qualificados. E a indústria 4.0, a inteligência artificial e o machine
learning realizam cada vez mais tarefas, o que também põe em risco empregos e profissões mais
qualificados. Assim, as exigências de muitas profissões foram alteradas ou vão alterar-se drasticamente.
Este é um desafio para todos, não só de alguns” (2022b: 1), sendo apologista de “transformar Portugal
numa sociedade do conhecimento, através da educação alinhada com as necessidades do futuro” (FJN,
2022ª:1).

Para acompanhar o desenvolvimento local/regional globalizado, a estratégia de investimento na educação de natureza


inclusiva sob o primado da elaboração/reestruturação de competências/habilitações/qualificações, valorizando-se as
carreiras, tem um papel fulcral na ampliação da massa crítica bem habilitada (UNESCO, 2017, 2019), e contraria o
abismo das disparidades/vulnerabilidades económico-social-cultural da iliteracia ou das baixas
qualificações/desigualdades mais presente no modelo de escola instrutivo tradicional.

(Cosme & Trindade, 2010, 2016; Jardim, 2019; FJN, 2022a, 2022b & Vigotsky, 2000)

Urge combater/interromper os ciclos de desigualdades/discrepâncias no ensino que remetem para


a iliteracia/insuficiências nas qualificações/carreiras, mas também a nível social-económico-cultural. A EI
é o principal determinante, e fator preponderante, potenciador das mais-valias do desenvolvimento
pessoal-social, com potencial de capacitação da qualificação da mão-de-obra, necessário a uma sociedade
economicamente mais igualitária e desenvolvida (Maciel, 2010; FJN, 2022a, 2022b; UNESCO, 2017,
2019).
Noutra perspetiva, define-se globalização como um conjunto de mudanças políticas/económicas à
escala mundial mais visíveis a partir dos finais do Séc. XX, por via da expansão/conquista das trocas
comerciais transnacionais de produtos/serviços/capitais/pessoas, donde resulta os fluxos de capitais e de
mercadorias nas vertentes económicas/social/cultural/política/locais/regionais/nacionais, o que contribui
para o alargamento do sistema económico do plano global, tornando, por isso, o mundo interligado: a
Aldeia Global (Baptista, 2022).
Assim, a globalização contribui tanto para surgir/aumentar o sistema económico global como
origina a abertura de fronteiras não só para a atração de investimento estrangeiro numa tentativa de

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

maximizar a competitividade, como também exportar em escala produtos/serviços para o mercado


globalizado, mas também intensifica as relações internacionais e aproxima interesses de
empresas/sociedade a nível político, económico, social, cultural (Vinholo et al., 2005).
No quadro da globalização, face à competitividade do mercado externo/interno é essencial uma
mão-de-obra altamente qualificada tendo em vista adequar/desenvolver produtos/serviços com vantagens
competitivas para enfrentar as exigências (Vinholo et al., 2005), e retirar mais-valias, o que demanda para
a questão não só da natureza da educação como do tipo de competências/habilitações/profissões - reforça
o alinhamento qualidade da educação/qualidade de emprego (Maciel, 2010, FJN, 2022a, 2022b) - aptos
para enfrentar as disputas de um mercado de trabalho de ponta conciliável com
mudanças/constrangimentos mais complexos/exigentes.

Como visto:

Em síntese:

A Educação Inclusiva qualifica/alicerça a Globalização

3. Aspetos da Globalização
As fontes de riqueza recém-descobertas se convertem por artes de um estranho malefício, em fontes de
qualidades morais. O domínio do homem sobre a natureza é cada vez maior; mas, ao mesmo tempo, o
homem se transforma em escravo de outros homens ou da sua própria infâmia.

(Karl Marx, cit. Vinholo et al, 2005:2)

No conceito «mundialização», ou «globalização», termo anglo-saxónico (Franco & Caetano,


2020:8), segundo Castles (2005), o fluxo acelerado de produtos/mercadorias à escala mundial é facilitador
da vida das empresas/serviços principalmente transnacionais. Repare-se que os efeitos da globalização
provocaram novos desafios à ordem social/política de cada país e a nível internacional, surgindo uma
Nova Ordem Internacional onde cada Estado tem de preparar-se em organização e dar respostas aos
desafios, o que coloca exigências à educação de um país.
Por outro lado, a multiplicidade de fluxos de capitais/mercadorias/serviços, assim como de
ideias/pessoas criou uma nova realidade assente em redes transnacionais, derrubando a ordem nacional
que prevalecia. Com isso, o crescimento das comunidades transnacionais torna-se necessária a
transformação dos enquadramentos institucionais de modo a corresponder às novas formas de identidade

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social. O modelo de cidadania - nacionalidade única/exclusiva do Estado-nação - carece de revisão. A


produção de bens/serviços é pensada globalmente: aumento da capacidade de competitividade, redução de
custos, e aumento da tecnologia (Baptista, 2022).
Quer parecer que o progresso de um país evidencia-se pelo nível de desenvolvimento/ crescimento
económico e social, por sua vez, compatível com a diminuição/maior controle dos níveis de
pobreza/desemprego/vulnerabilidades, hábitos de saúde, também de melhores indicadores de
competências/qualificações no mercado de carreiras/profissões (FJN, 2022a). Uma melhor adequação às
vicissitudes da globalização dita a disponibilidade de vantagens competitivas de capacitações e massa
crítica visível nos níveis de competências/funções mentais/socioemocionais mais reflexivas/complexas,
com o tempo, observa-se uma distribuição entre os diversos setores da economia como acentua-se a mão-
de-obra qualificada conciliável com níveis de melhor produtividade tendo em conta a produção/
exportação em escala pensada globalmente.
Portanto, observa-se no fenómeno da globalização aspetos positivos e negativos, onde salienta-se
a interdependência de mercados e produtores de diferentes países. Como refere Castles (2005), o
aparecimento do surto Covid-19, desde 1 de dezembro de 2019, e o sequencial confinamento de
pessoas/bens/serviços constitui uma ameaça de desestabilização da economia globalizada no mundo. O
fechamento de fronteiras cessa as relações transnacionais, impede as movimentações de fluxos de
pessoas/turistas/mercadorias/capitais/serviços no espaço comercial transnacional entre os países do
Norte/Norte, países do Norte/Sul, e países do Sul/Sul.
Neste processo que torna o mundo interligado numa aldeia global, constata-se que os países mais
ricos ficam mais ricos, e os países pobres permanecem mais pobres. Especificamente, a divisória países
ricos – desenvolvidos/localizados praticamente todos na Zona do Norte – e países pobres –
subdesenvolvidos/quase todos no Hemisfério Sul - é revelador não só de profundas desigualdades sociais
e económicas como de oposição Norte/Sul na medida em que as grandes potências ocidentais
industrializadas do Norte, incluindo os novos países industrializados asiáticos (Singapura, Taiwan e
Coreia do Sul), concentram recursos/fluxos comerciais, a maioria das chamadas cidades globais, bancos
centrais, sedes das empresas transnacionais, e dos organismos intergovernamentais, e as regiões mais
pobres do Sul permanecem marginalizadas/dependentes do Norte reforçando o fraco grau de
desenvolvimento à escala mundial (Castles, 2005).
Donde, a estratégia globalização é penalizadora na medida em que evidencia fatores de rejeição/
marginalização/ameaças: a riqueza crescente do mundo ocidental devido às trocas comerciais Norte-Sul é
geradora tanto de disparidades como de aprofundamento das desigualdades sociais e económicas entre
países ricos do Norte/países pobres em desenvolvimento do Sul (Castles, 2005).

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Não obstante, as mais-valias da globalização (abertura de fronteiras, maior circulação de


capitais/bens/serviços/pessoas, redução de impostos/barreiras alfandegárias), os aspetos negativos deitam
por terra o sucesso absoluto deste processo nomeadamente do ponto de vista socioeconómico resultado
das barreiras impostas pelos países ricos aos produtos/serviços dos países em desenvolvimento, também
as desvantagens e exclusão/marginalização de alguns países face aos benefícios de outros. Em particular,
preocupa não só o fato de participar ou não participar como também a não-participação poder significar
um futuro ingresso ou exclusão total/irreversível. Uma questão a ponderar entre os intervenientes tendo
em vista a resolução de erros/consequências futuros, o que parece tardar (Vinholo et al., 2005).
Com o tempo, as pandemias/crises/guerra/alterações climáticas são penalizadoras/bloqueadoras da
globalização, por isso, geradoras a montante de níveis economicamente deficitários/recessivos onde
enraíza-se a pobreza/exclusão social/desemprego/precariedade laboral/desigualdades, por sua vez,
agudizam a jusante fragilidades/vulnerabilidades do ponto de vista da saúde psicológica-mental e física, e
carências socioeconómicas-culturais na população, que antecipam/cristalizam-se no amanhã.
Nestes casos, estamos em presença de estados de mal-estar determinados pelas vivências da
realidade vivida, a cada minuto, a cada hora, e a cada dia, em virtude de ameaças/constrangimentos
socioeconómicos da experiência no aqui-e-agora, por sua vez, potenciador de reações que podem ser mais
ou menos intensas, de maior ou menor sofrimento/constrangimento, por isso, também penalizador do
sentido da existência, e gerador da luta pela sobrevivência, coartando a qualidade de vida desde as
vivências mais básicas.

Derivado, ou não, da globalização, os problemas socioeconómicos resultantes das crises económicas


recessivas/desemprego prolongado/baixa qualificação persistente afetam a saúde mental/psicológica
porque geradores de fragilidades/vulnerabilidades pessoais/sociais, e agravam-se por não ter resposta no
acesso a intervenção/apoio nomeadamente psicológico, social e comunitário.
(OPP, 2020)

Perante o exposto, face á urgência de interrupção dos ciclos de pobreza/iliteracia/cristalização de


baixas qualificações/baixos salários a educação de natureza inclusiva é o determinante potenciador do
desenvolvimento pessoal-social (Cosme & Trindade, 2010, 2016; Jardim, 2019; Vigotsky, 2000;
UNESCO, 2017, 2019; DL 11/2020/M; DL 54/2018), paralelamente à aposta no desenvolvimento tanto
mais integrado como socioeconomicamente mais igualitário (Maciel, 2010; FJN, 2022a, 2022b), porque
baseado no direito de todos e para todos, e na procura de satisfação das necessidades das pessoas através
do aumento das competências, qualidade de vida, e bem-estar psicológico e económico (Maciel, 2010;
FJN, 2022a, 2022b; OPP, 2014, 2020, 2022; UNESCO, 2017, 2019), que em nada se coaduna com uma
economia de consumismo e de subsídios de per si redutores e restritivos: a história comprova ser ineficaz.

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Está tudo interligado. O turismo afigura-se um fenómeno da globalização porque sofre destas
influências sobretudo nas regiões/países aonde é um fator estratégico de desenvolvimento em termos
políticos/económicos e socioculturais, e fragiliza-se com os bloqueios/problemas nos fluxos/relações do
espaço transnacional determinados pelas crises/pandemias/guerras/alterações climáticas (Baptista, 2022,
Castles, 2005).
Como exemplo, a Região Autónoma da Madeira convive desde os Descobrimentos Portugueses
(séc. XV) com os fluxos comerciais/serviços/capitais/pessoas no espaço/mercado transnacional
globalizado (turismo, Vinho Madeira, bolo de mel/bebidas alcoólicas provenientes da cana-de-açúcar,
bordados/tapeçarias regionais, banana, etc). “A Madeira foi o começo do processo dos Descobrimentos
europeus e da mundialização que eles trouxeram. (…) transformou-se numa placa giratória para outras
aventuras. (…) abraçando, sem conflito, os múltiplos caminhos da globalização” (Vieira, 2020, cit.
Baptista, 2022:11).
Na atualidade, assiste-se ao acentuar da presença de fatores mais complexos, porque de natureza
multifatorial, transversais a diversas disciplinas, assentes nas interligações/contributos das mais variadas
áreas do conhecimento, vivências humanas, desafiam permanentemente as certezas e a coesão social, e
requer não a compartimentação restrita mas o saber multidisciplinar/longitudinal para maior
conhecimento/ampliação da realidade, nomeadamente a relação globalização/educação aqui em
consideração.

Cada vez mais o desenvolvimento da Saúde Psicológica/Mental e do Bem-Estar


(psicológico, económico) aponta o caminho: criação de sentido, (re)equilíbrio
das situações de incerteza, precariedade, e crises/constrangimentos não-
controlados.

Franco & Caetano (2020), citando Giddens (1992:50), referem que no conceito de globalização
cada vez mais assiste-se “à multiplicação de abordagens sobre temas/problemas do fenómeno nesta era de
interconexão entre povos, culturas, religiões e territórios”, e afirma um “novo paradigma de
conhecimento multidisciplinar, multidimensional, implicando a consideração de diferentes
temporalidades e espacialidades e colocando em relação o que até hoje era estudado de forma
compartimentada”. Da mesma forma, Jean Robillard (2001), citado por Franco & Caetano (2020:7),
defende que este campo de estudo emergente - Estudos Globais - deve ser investigado em diversas
perspetivas, e assim compreender-se mais plenamente o planeta, nomeadamente no que concerne às

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dimensões sociais, económicas e políticas do conceito, igualmente a dimensão simbólica inserida no


imaginário das sociedades ocidentais.
Nesta perspetiva, alinha-se os objetivos deste contributo em artigo científico no domínio da
psicologia, não só objetiva como fundamenta o tema Educação Inclusiva, Pilar Pró-Globalização como
também reflete as centralidades da relação globalização/educação, coadjuvado simultaneamente com o
conhecimento da intervenção psicológico-educativa profissional.

4. A Globalização ao serviço da economia social e do bem-estar: agenda 2030


Figura 3 - Agenda 2030: 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Fonte: ONU

Resultado do trabalho conjunto de governos e cidadãos de todo o mundo, no âmbito da ONU é


definido em 2015 a Agenda 2030 (2016-2030) com metas a atingir no século XXI: 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (cf. figura 3).
Findo o prazo, pretende-se avaliar objetivos/progresso/lições aprendidas. De forma
alargada/ambiciosa, aborda várias dimensões do desenvolvimento sustentável (social, económico,
ambiental), exibe-se a visão comum para a Humanidade, em nome da vontade dos povos e do planeta.
Está em causa criar limites/responsabilidade ao desenvolvimento/funcionamento do mundo na
Aldeia Global. Não obstante, os aspetos positivos padecem da exposição a vários tipos de risco de diversa
natureza: crises económicas recessivas à escala mundial (2008/ 09), mudanças/aumentos eventos
climáticos extremos (tufões, tempestades, CO2/gases de efeito estufa). O desenvolvimento e as trocas
comerciais de bens/serviços/pessoas/capitais devem realizar-se de forma a não esgotar os recursos

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naturais nem a causar danos ambientais, também problemas à sobrevivência/saúde e bem-estar da


Humanidade.
De facto, a globalização sem as «funções» social (igualitária, sustentável) e de bem-estar
(psicológico e económico) é consequente: ameaça a segurança e o equilíbrio geral da Humanidade, é
geradora de profundas desigualdades económicas, sociais, ambientais, e perigos no mundo atual.

Daí:

A Globalização está ao serviço da Economia Social (sustentável, igualitária),


e do Bem-Estar da Humanidade

5. Considerações Finais
A emergência do estudo da Globalização sob diferentes prismas toma contornos contributivos diversos em função
da capacidade/natureza da área científica. A ciência da Psicologia reflete centralidades próprias porque respira
autonomamente tem capacidade de investigação independente e multidisciplinar devolvendo perspetivas distintas e
complementares no afirmar/aperfeiçoar novos paradigmas de conhecimento para compreensão e ajuda à
Humanidade.
(Susana Jardim, 2022)

De acordo com o descrito, a carência de estudos-reflexão de investigação no domínio da


Psicologia acerca da Globalização e Educação não foi impeditivo da apresentação/elaboração de
conhecimento/conceitos fundamentados na metodologia de pesquisa bibliográfica sugerida nesta oficina
formativa, coadjuvado com a intervenção psicológico-educativa profissional.

No desfecho, salienta-se os seguintes considerandos:

1. Confirma-se a hipótese de trabalho: a Educação Inclusiva não só qualifica como dá


alicerces/sustentabilidade à Globalização, porque promotora do direito à aprendizagem multifacetada,
culturalmente significativa de todos para todos, por isso, do desenvolvimento quer de capacidades
reflexivas/complexas ao nível das funções executivas, quer de competências sócio-emocionais ao longo
da escolaridade obrigatória (figura 1) (Alves et al., 2018; Cosme & Trindade, 2010, 2016; DL 54/2018;
Jardim, 2019; Vigotsky, 2000; OPP, 2014, 2022; UNESCO, 2017, 2019).

2. Por outro lado, a EI é um pilar pró-globalização porque gera/promove o (re)ordenamento de


competências/habilitações/qualificações exigíveis para o mercado de mão-de-obra globalizado no Séc.
XXI (figura 2); (FJN, 2022ª & 2022b; UNESCO, 2017,2019).

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3. Em conformidade, a EI é um fator estratégico e determinante, e representa ganhos para o fator


preponderante Qualificação numa economia de mercado globalizada, num mundo global. Donde, a EI é
(re)estruturante das Qualificações, e estas coadjuvantes da Globalização (figura 2); (FJN, 2022ª & 2022b;
UNESCO, 2017, 2019).

4. Sendo a Região Autónoma da Madeira uma região que convive desde os Descobrimentos Portugueses
(século XV) com os fluxos comerciais/serviços/capitais/pessoas no espaço/mercado transnacional
globalizado (Vieira, 2020 cit. Baptista, 2022), considera-se reunidas condições para priorizar o
investimento público na EI que estimula/maximiza a aprendizagem de sucesso de todos para todos, em
direção tanto a competências/habilidades mais reflexivas/abstratas (Cosme & Trindade, 2010, 2016;
DL.54/2018; DL.55/2018; DL 11/2020/M; FJN, 2022a, 2022b; Jardim, 2019; Vigotsky, 2000; UNESCO,
2017, 2019) como à saúde psicológica e bem-estar (OPP, 2014, 2022), ambos de igual investimento e
importância.

5. Salienta-se a relevância da variável escola-tipo inclusiva (Alves, et al., 2018; Cosme & Trindade, 2010,
2016; DL 54/2018; Jardim, 2019; Vigotsky, 2000) tendo em conta o alinhamento qualidade de
educação/qualidade de emprego e as movimentações que imprime promotoras de reordenamento de
competências, qualificações, emprego, carreiras/profissões, salário no mercado de trabalho (Maciel, 2010;
FJN, 2022a, 2022b; UNESCO, 2017, 2019).

6. Pelo que, a EI pelas suas propriedades (figuras1 e 2) é decisiva para responder mais adequadamente aos
desafios de uma Economia Globalizada, uma das condições estratégicas para o progresso das regiões
(Maciel, 2010; FJN, 2022a, 2022b; UNESCO, 2017, 2919).

7. Observa-se no fenómeno da globalização aspetos positivos e negativos, onde salienta-se a


interdependência de mercados e produtores de diferentes países. Neste processo que torna o mundo
interligado numa aldeia global constata-se que os países mais ricos ficam mais ricos, e os pobres
permanecem mais pobres (Baptista, 2022; Castles, 2005; Vinholo et al, 2005).

8. Com o tempo, as pandemias/crises/guerra/alterações climáticas são penalizadoras/bloqueadoras da


globalização, por isso, geradoras a montante de níveis economicamente deficitários/recessivos onde se
enraíza o surgimento da pobreza/exclusão social/desemprego/precariedade laboral (Baptista, 2022,
Vinholo et al., 2005), por sua vez, promovem/agudizam a jusante fragilidades/vulnerabilidades do ponto
de vista da saúde psicológica-mental e física, e carências socioeconómicas e culturais na população (OPP,
2014, 2020, 2022).

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9. O turismo afigura-se um fenómeno da globalização, porque sofre destas influências sobretudo nas
regiões/países aonde é um fator estratégico de desenvolvimento em termos políticos/económicos e
socioculturais, e fragiliza-se com os bloqueios/problemas nos fluxos/relações do espaço transnacional
(Baptista, 2022; Vinholo et al., 2005).

10. Citando Giddens (1992:50), Franco & Caetano (2020:7) defendem que no conceito de globalização
cada vez mais assiste-se à multiplicação de abordagens sobre temas/problemas do fenómeno, afirma-se
um novo paradigma de conhecimento multidisciplinar, multidimensional, implica a consideração de
diferentes temporalidades, espacialidades, e coloca em relação o que até hoje era estudado de forma
compartimentada.

11. Jean Robillard (2001), citado por Franco & Caetano (2020:7), salienta os Estudos Globais como
campo de estudo emergente, deve basear-se em diversas perspetivas, e assim compreender-se mais
plenamente o planeta, nomeadamente as dimensões sociais, económicas e políticas do conceito, e
simbólica inserida no imaginário das sociedades ocidentais.

12. Atendendo aos prejuízos, quer parecer que a globalização enquanto estratégia aprofundada numa
Economia Social (sustentável, igualitária) e de Bem-Estar da Humanidade (Agenda 2030) (figura 3), e
carece de adequações/reformulações contínuas geográficas/longitudinais tendo em conta a
proteção/segurança da Humanidade no planeta.

13. De outro modo, a globalização sem limites e «função» social (sustentável, igualitária) e de bem-estar
é consequente: ameaça a segurança e equilíbrio geral da Humanidade, é geradora de profundas
desigualdades económicas e sociais, e perigos no mundo atual. De facto, o desenvolvimento e as trocas
comerciais de bens/serviços/pessoas/capitais devem realizar-se de forma a não esgotar os recursos
naturais nem a causar não só danos ambientais como a coartar a sobrevivência/saúde e bem-estar da
Humanidade.

Finalmente, ainda que não esgotado/definitivo, espera-se de alguma maneira ter contribuído para
uma melhor definição/clarificação da relação globalização e educação, também esclarecido
fundamentadamente que a Educação Inclusiva é um pilar estruturante Pró-Globalização, pelo que é
estratégica, por isso, deve-se priorizar o investimento público sob o paradigma inclusivo/saúde
psicológica e bem-estar em moldes de igual investimento/importância, tendo em conta a construção de
uma cidadania/sociedade mais proactiva/justa, e psicoemocionalmente mais saudável. Paralelamente,
sugere-se a continuação de estudos sequenciais para aprofundar com rigor a reflexão aqui desenvolvida,

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perspetivando-se não só o alargamento de conhecimento, como aprofundar o contributo multidisciplinar


da psicologia à economia e ao país.

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VIOLÊNCIA NAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO NORTE


DE PORTUGAL: UM ESTUDO EM CONSTRUÇÃO
Luísa Martins Fernandes *
luisaoliveiram@gmail.com
Rosalina Veiga **
rosalinaveiga@hotmail.com

“O ato de falar e denunciar situações configura uma luta contra formas estabelecidas de poder,
não porque anteriormente ninguém estivesse consciente delas, mas sim porque representa uma
primeira forma de forçar uma rede de informação institucional e inverter, por um momento que
seja, as relações de poder, abrindo, assim, espaço para novas lutas.”
(Foucault, M., 2003)

Resumo

Esta investigação pretende estudar a violência contra pessoas com deficiência intelectual, tentando colocar em
evidência dados mais precisos sobre a violência que recaem sobre estas pessoas e a sua relação com caraterísticas
como a idade, sexo, escolaridade, classe social, perfil da vítima e agressor, os motivos e circunstâncias nas quais tais
violências ocorrem, dados sobre possíveis formas de violência e a proposta das políticas públicas para as diversas
instituições pesquisadas e para a sociedade. Trata-se de um estudo que se encontra no início do trabalho de campo,
elencado num estudo internacional, coordenado pelo Professor Doutor José Leon Crochick, envolvendo o Brasil,
Portugal e Argentina. A partir de três organizações de apoio a pessoas com deficiência sedeadas no Norte de
Portugal, três Gabinetes de Apoio à Vítima e seis esquadras de polícia (três da Polícia de Segurança Pública e três da
Guarda Nacional Republicana) com área de jurisdição das organizações participantes, pretende-se compreender e
explicar as práticas de violência que ocorrem nas pessoas com deficiência intelectual. As respostas às interrogações
colocadas passam pela mobilização de conceitos da Teoria das Representações Sociais, onde as preocupações
assentam no caráter coletivo das representações.

Palavras-chave: Violência, preconceito, deficiência intelectual, características das vítimas, características dos
agressores, representações sociais, práticas.

Abstract

This investigation intends to study the violence against people with intellectual disabilities, trying to put in evidence
more precise data about the violence that falls upon these people and its relation with characteristics such as age, sex,
education, social class, profile of the victim and aggressor, the reasons and circumstances in which such violence
occurs, data about possible forms of violence and the proposal of public policies for the various institutions
researched and for society. This is a study that is at the beginning of fieldwork, listed in an international study,
coordinated by Professor Doctor José Leon Crochick, involving Brazil, Portugal and Argentina. Based on three
support organizations for people with disabilities based in the North of Portugal, three Victim Support Offices and
six police stations (three from the Public Security Police and three from the National Republican Guard) within the
jurisdiction of the participating organizations, the aim is to understand and explain the practices of violence that
occur among people with intellectual disabilities. The answers to the questions raised involve the mobilization of
concepts from the Theory of Social Representations, where the concerns are based on the collective character of the
representations.

Keywords: Violence, prejudice, intellectual disability, characteristics of victims, characteristics of aggressors, social
representations, practices.

* Doutorada em Sociologia - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.


** Mestre em Ciências da Educação - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Introdução
As reflexões da vida quotidiana continuam a revelar a existência de casos onde é visível a
violência, marginalização e exclusão das pessoas com deficiência. O alcance dos objetivos deste estudo,
em boa medida, depende da eficácia e eficiência das estruturas que apoiam estas pessoas, o modo como as
organizações põem em prática as regras (sociais e legais) de proteção e sancionatórias e os recursos
perante casos de violência e a disponibilidade das vítimas em reportar e avançar com os processos.
Concordamos com Veiga et al., (2014) quando afirmam, que não basta a existência de normas
legais e se invistam recursos financeiros, materiais e simbólicos, para garantir a inclusão das pessoas com
deficiência nos espaços e atividades comuns da vida coletiva. Acrescentamos, de igual modo, que estas
medidas não bastam para garantir a diminuição da violência, em particular nas pessoas com deficiência
intelectual. É preciso que desse investimento resulte uma maior consciencialização, informação dos
mecanismos legais que a sociedade coloca ao dispor de todos. Tal como refere Fernandes, (2021:36),
teremos sempre presente os objetivos propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela União
Europeia (UE) e pelos Estados, nomeadamente através da Convenção das Nações Unidas Sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e a Estratégia Europeia para a Deficiência (2007). E
constatamos que é através da investigação social que se pode contribuir para abrir portas ao estudo do
fenómeno da violência nas pessoas com deficiência intelectual, na produção de estratégias que respondam
às necessidades humanas neste campo e que se rompam preconceitos e estereótipos em relação a este
flagelo.
Em termos metodológicos, neste estudo em construção, procedemos à recolha de informação
diversa, utilizando livros científicos, legislação e artigos da área, efetuámos uma reunião focus, num dos
concelhos selecionados, a 5 jovens (18-29 anos), a 5 adultos (30-59 anos) e dois idosos (mais de 60 anos)
e entrevistámos o coordenador do Gabinete de Apoio à Vítima (GAV). Apresentou-se como obstáculo o
cumprimento da paridade de género e o número de participantes maiores de 60 anos. Até ao momento, a
entrevista ao coordenador foi examinada por análise de conteúdo e os inquéritos por questionário foram
tratados usando o programa de estatística para as ciências sociais, SPSS (Statistical Package for the Social
Sciences (IBM-SPSS) versão 20).

1. Enquadramento Concetual
Enquadramento Legal
O sistema legal português na proteção face a crimes sobre pessoas com deficiência. O principal
documento de proteção das pessoas com deficiência em Portugal é o Art.º 71.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP). Tal como define este artigo:

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“Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos
aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para
os quais se encontrem incapacitados.”

De acordo com a legislação nacional aplicável à violência doméstica, principalmente a prevista no


Código Penal e na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 129/2015 de 3
de setembro, na sua versão atualizada pela Lei n.º 24/2017 de 24 de maio, importa, no âmbito deste
estudo, ter presente as seguintes definições:
- Empoderamento: o processo através do qual é conferida às vítimas de violência a possibilidade de
adquirirem o controlo sobre as suas vidas, implicando o desenvolvimento da sua consciência crítica, a
promoção da participação nos processos de tomada de decisão e o acesso a recursos, incluindo a
informação, no respeito integral pelos seus direitos.
- Estruturas de apoio à Vítima: as organizações da sociedade civil (organizações não governamentais,
organizações não governamentais de mulheres, instituições particulares de solidariedade social, fundações
ou outras associações sem fins lucrativos), legalmente estabelecidas, cuja atividade se processa em
cooperação com a ação do Estado na prevenção e combate à violência contra as mulheres e violência
doméstica e demais organismos públicos.
- Intersecionalidade: é um instrumento analítico que permite interpretar e intervir sobre a interação e as
interseções de cada uma das pessoas (e.g.: sexo, orientação sexual, origem étnica, origem racial, classe
social, diversidade funcional, entre outras), e como essas interseções estruturam experiências específicas
de opressão, privilégio, dominação e discriminação. Permite abordar a forma como os diversos sistemas
de discriminação e opressão criam desigualdades e estruturam as relações e interações sociais, tendo em
consideração os contextos históricos, sociais, culturais, económicos e políticos. Paralelamente, permite
interpretar o impacto da interseção das múltiplas identidades no acesso aos direitos e oportunidades.
- Pessoa Agressora: o/a alegado/a autor/a de crime de violência doméstica mesmo que ainda não tenha
sido formalizada denúncia do mesmo.
Ao tentarmos enquadrar legalmente esta temática não poderíamos deixar de fazer referência à
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que constitui um marco histórico na garantia e
promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos e, em particular, das Pessoas com Deficiência.
Portugal subscreveu integralmente a abordagem dos direitos humanos das pessoas com deficiência
defendida pela Convenção e participou ativamente na negociação multilateral da Convenção, quer ao
nível das Nações Unidas quer ao nível da União Europeia.
A adoção de uma Convenção sobre direitos humanos no início deste século resultou do consenso
generalizado da comunidade internacional (Governos, ONG e cidadãos) sobre a necessidade de garantir
efetivamente o respeito pela integridade, dignidade e liberdade individual das pessoas com deficiência e

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de reforçar a proibição da discriminação destes cidadãos através de leis, políticas e programas que
atendam especificamente às suas características e promovam a sua participação na sociedade.
A Convenção reafirma os princípios universais (dignidade, integralidade, igualdade e não
discriminação) em que se baseia e define as obrigações gerais dos Governos relativas à integração das
várias dimensões da deficiência nas suas políticas, bem como as obrigações específicas relativas à
sensibilização da sociedade para a deficiência, ao combate aos estereótipos e à valorização das pessoas
com deficiência.
De realçar ainda, o Artigo 16.º desta Convenção, proteção contra a exploração, violência e abuso,
onde destacamos o ponto nº 1, onde se refere que “Os Estados Partes tomam todas as medidas
legislativas, administrativas, sociais, educativas e outras medidas apropriadas para proteger as pessoas
com deficiência, tanto dentro como fora do lar, contra todas as formas de exploração, violência e abuso,
incluindo os aspetos baseados no género.”
Retomando o nosso caminho, interessa-nos aqui focar a nossa atenção no fenómeno da violência
exercida contra as pessoas com deficiência intelectual, e apontarmos para alguns estudos, que
consideramos relevantes. Definir violência não é tarefa fácil, apesar de ser uma preocupação social
constante. Existem vários estudos sobre a conduta agressiva em Brooks (1982), Carré, Campbell, Lozoya,
Goetz, e Welker (2013). Uma opinião com relevância é do autor Abramovay (2005:53), refere que as suas
representações, dimensões e significados sofrem adaptações à medida que as sociedades se transformam.
De acordo com Chauí (2006:342), a definição de violência passa por tudo o que usa a força para ir contra
a natureza de algum ser, contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém
(…) Pode ser um abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e
sociais definidas pela opressão, intimidação, medo e terror. Em Portugal, são escassos os estudos e dados
sobre violência contra pessoas com deficiência em Portugal. No âmbito internacional apraz-nos referir
algumas delas, sobretudo americanas, quer nos Estados Unidos, quer no Brasil. Numa investigação
americana, Ozer e Mc Donald (2006) propuseram-se averiguar a exposição à violência e a saúde mental
entre adolescentes. Participaram 71 adolescentes de nove escolas. Os autores concluíram que a exposição
à violência foi preditor de sintomas de depressão e de stress pós-traumático, a partir do auto-relato dos
adolescentes. Além disto, a exposição à violência também foi preditora da sua maior perpetuação. Num
outro estudo, Swanson et al., (2006) realizaram, nos Estados Unidos, a investigação sobre o
comportamento violento em pessoas com esquizofrenia.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece que
mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar quanto
fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, indiferença ou tratamento negligente, maus-tratos ou

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exploração. Considerando dados internacionais de revisão sistemática, adultos com deficiência correm
maior risco de vitimização por violência do que os adultos sem deficiência, e aqueles com doenças
mentais são particularmente mais vulneráveis. Nas crianças com deficiência a prevalência estimada foi de
26,7% para qualquer tipo de violência, 20,4% para violência física e 13,7% para violência sexual.
Entendemos que tem surgido uma maior preocupação social e política relativamente às questões
de violência. A Agência Lusa, em 08 de Março de 2022 publicou um artigo onde constava que “Os
menores com deficiência têm duas vezes mais hipótese de sofrer qualquer forma de violência desde a
nascença até aos 18 anos, alerta um estudo publicado numa revista científica.” Também corrobora da
mesma opinião o estudo publicado na The Lancet Child & Adolescent Health, a investigação utilizou
dados de mais de 16 milhões de crianças de 25 países, através de uma análise baseada em 98 estudos,
realizados entre 1990 e 2020, sendo 75 com dados de países ricos e 23 de sete países de baixo ou médio
rendimento. O estudo aponta que as taxas gerais de violência variaram de acordo com a deficiência e
foram ligeiramente maiores entre crianças com transtornos mentais (34%) e deficiências cognitivas ou de
aprendizagem (33%) do que entre aquelas com deficiências sensoriais (27%), limitações físicas ou
mobilidade (26%) e doenças crónicas (21%). Os tipos de violência mais relatados foram a emocional e a
física, sofridas por aproximadamente uma em cada três crianças e adolescentes com deficiência. O estudo
também chama a atenção para os altos níveis de bullying por parte de colegas, com cerca de 40% das
crianças com deficiência a terem sido alvo deste tipo de ataque. O bullying presencial (atos físicos,
verbais ou sociais, como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir) é mais comum (37%) do que o
cyberbullying (23%). Por último, a 24 de novembro de 2022, a Agência Lusa publicou outro artigo dando
conta de que Portugal vai elaborar estudos sobre violência contra pessoas com deficiência e um estudo
nacional sobre violência contra raparigas e mulheres com deficiência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso intencional de força física
ou poder, real ou mediante ameaça, contra um indivíduo, ou contra um grupo ou uma comunidade,
resultando ou que tenha grande probabilidade de resultar em ferimentos, morte, danos psicológicos,
prejuízo ao desenvolvimento ou privação.
De acordo com as definições da Unesco (Abramovay, 2002), existem diferentes tipos de violência
a citar: violência direta (física, sexual, negligência), que pode resultar em danos irreparáveis à vida do
indivíduo, como na saúde, na liberdade e consequentemente na vida; violência indireta: representada por
ações coercivas ou agressivas que impliquem prejuízo psicológico ou emocional; violência económica
abrangendo prejuízos causados ao património, à propriedade, principalmente os resultantes dos atos de
delinquência e criminalidade contra os bens, tais como o vandalismo; e a violência moral ou simbólica

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intimamente ligada às relações de poder interpessoais ou institucionais que limitam a livre ação,
pensamento e consciência do indivíduo.
Falar de violência remete-nos obrigatoriamente para os perfis da vítima e do agressor.
Ao tentarmos “traçar” um perfil para a vítima teremos de considerar alguns fatores que segundo
Nosek et al., (Williams, 2003), podem-se enumerar em nove fatores que expõem o risco à vitimização das
pessoas com deficiências, são eles: aumento de dependência de outras pessoas para cuidados a longo
prazo; perceção de ausência de punição tanto pela vítima quanto pelo agressor; perceção, por parte do
agressor, de menor risco de ser descoberto; dificuldades da vítima em fazer com que os outros acreditem
nos seus relatos (menor credibilidade); menor conhecimento por parte da vítima do que é adequado ou
inadequado em termos de sexualidade; isolamento social, aumentando o risco do deficiente ser
manipulado por outros; potencial para desamparo e vulnerabilidade em locais públicos; valores e atitudes
mantidos em relação à inclusão, sem considerar a capacidade do indivíduo de autoproteção; falta de
independência económica. De acordo com Machado (2003) as vítimas, usualmente do sexo feminino,
surgem nas relações como “o elo mais fraco”. Apresentam características identificadas às vítimas, têm
vergonha, pouco comunicativas, incapazes de reagir, conformadas, passivas, emocionalmente
dependentes e deprimidas.
Em relação ao perfil do agressor, Machado (2003) destaca que os indivíduos demonstram
sentimentos de culpa e remorsos relativamente aos atos cometidos. Podem parecer responsáveis,
dedicados, carinhosos, e cidadãos exemplares.
O preconceito é outro fenómeno que devemos ter em atenção, longe de ser um fenómeno isolado,
o preconceito face à deficiência apresenta-se como um traço dominante das nossas sociedades, só assim é
possível entender as condições objetivas de existência da grande maioria das pessoas com deficiência,
marcadas por fenómenos de pobreza, isolamento social, desconsideração das suas necessidades e dos seus
direitos, e não reconhecimento das suas competências e o direito à sua autodeterminação. Estes
fenómenos, que se consubstanciam em situações de opressão nas mais variadas esferas da vida pública e
privada das pessoas com deficiência, e que nos permitem concetualizar a deficiência como uma forma de
opressão social, têm na sua base a ideia da pessoa com deficiência como um ser menos válido, com
menos direitos face às pessoas “ditas normais”.
Apresentadas as concetualizações, expomos de seguida como será efetuada a leitura da realidade,
recorreremos à Teoria das Representações Sociais pois, de acordo com os estudiosos da primeira fase
(Simmel, Weber e Durkheim), tem preocupações com o caráter coletivo das representações. Simmel
percebe que as representações permitem ações recíprocas entre os indivíduos para formar a unidade
superior, que é a instituição (partido político, igreja, etc). Weber faz das representações um saber comum,

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que tem o poder de antecipar e de prescrever o comportamento dos indivíduos e de programá-lo.


Durkheim parte do princípio de que a ciência, para estudar as representações, tinha de reconhecer a
diferença entre o individual e o coletivo, (Rêses, 2003).
O psicólogo Social Moscovici (1961) sugere na teoria das representações sociais: a exigência de
um pensamento social que resulta das experiências, crenças e trocas de informação presentes na vida
quotidiana; constitui uma forma de pensamento social que inclui as informações, experiências,
conhecimentos, modelos recebidos e transmitidos pelas tradições, educação e comunicação. Portanto, é
nessas informações, representações, tradições, educação e comunicação que nos basearemos para tentar
explicar o fenómeno de violência nas pessoas com deficiência intelectual.

2. Metodologia
2.1 Desenvolvimento metodológico
Apresentamos em seguida os procedimentos e métodos usados na recolha de dados, através dos
quais se tornou possível refletir e caraterizar o fenómeno estudado, a “Violência nas Pessoas com
Deficiência Intelectual no Norte de Portugal”. Em especial, estimar nessa região, o número de vítimas
com deficiência intelectual relativamente às suas especificidades (género, idade, nível socioeconómico e
escolaridade); verificar o tipo de violência sofrida e os locais onde ocorrem; tentar traçar o perfil das
vítimas e dos agressores dos atos de violência. Outro propósito será clarificar as formas de combate à
violência ao dispor na sociedade e consciencializar as pessoas com deficiência que mecanismos podem
acionar.
Neste artigo serão tratados, exclusivamente, os dados recolhidos numa das organizações. Até ao
momento, a partir da aplicação de diversos instrumentos de recolha de dados durante o trabalho de
campo, reunimos: a) opiniões das pessoas com deficiência intelectual sobre a violência (dados não
tratados); b) testemunhos de um coordenador de uma das organizações (dados tratados); c) dados
demográficos e socioeconómicos de vítimas e agressores (dados tratados).

2.2 Constituição e caraterização da amostra


A seleção e proveniência das organizações e amostra das pessoas que constituíram o nosso objeto
de estudo foram constituídas através de um procedimento multi-etapas, por conveniência. A equipa de
investigação contactou algumas organizações com o propósito de apresentar o projeto e avaliar do
interesse da sua participação no estudo. Após as respostas afirmativas voluntárias, efetuaram-se reuniões
in loco por forma a expor a investigação. Em seguida as organizações selecionaram aleatoriamente os
participantes por grupo etário e disponibilizaram-se a conceder entrevistas e fornecer dados sobre a
violência em pessoas com deficiência intelectual.

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2.3. Descrição da metodologia

Esta investigação tem por base o estudo coordenado pelo Professor Doutor Crochik e foram
adotados os mesmos procedimentos metodológicos, no entanto, adequados ao contexto português. Em
cada Concelho serão contatados para entrevistas coordenadores das organizações participantes, oficiais de
segurança e coordenadores de GAV. Em cada uma das entrevistas realizadas, serão preenchidas as fichas
das vítimas e dos agressores identificados e utilizado o Roteiro de entrevistas para os coordenadores,
oficiais de segurança e para o focus grupo. Cada organização indicará os participantes que se enquadrem
nos intervalos etários e que aceitem participar. Serão entregues os protocolos de consentimentos
informados para serem assinados, que garantem a adesão voluntária dos participantes na investigação
para reunião de focus grupo e que os dados resultantes do estudo são confidenciais, sendo divulgados
publicamente apenas os resultados globais por grupos de indivíduos sem qualquer identificação que leve à
informação dos respetivos participantes ou suas famílias.

2.4 Composição da Amostra (estudo em construção)

A amostra para a utilização do método focus grupo é constituída por 5 jovens entre os 18 e 29
anos de idade, 5 adultos entre os 30 e 59 anos de idade e dois idosos com mais de 60 anos. Neste
momento da investigação, são 12 os participantes no focus grupo e 1 profissional entrevistado de uma das
organizações participantes. Dados ainda não tratados. Casos de violência infligida em pessoas com
deficiência intelectual foram quatro, onde se aplicou o instrumento para a recolha e organização de dados
de caraterização da vítima, do(a) agressor(a), do tipo de violência e circunstância de realização

2.5 Caraterização da Amostra

A amostra, após a realização de todo o trabalho de campo, ficará constituída por 50 participantes
no focus grupo (por dificuldade em encontrar participantes com perfil adequado e maiores de 60 anos)
onde se aplicará um roteiro de entrevista semiestruturada. Em relação aos profissionais das diversas
organizações aderentes serão 12 os participantes que serão auscultados através de um roteiro de entrevista
semiestruturada. Em cada organização será preenchido um instrumento para a recolha e organização de
dados de caraterização das vítimas e dos agressores, dos tipos de violência e as circunstâncias da sua
realização.
Apresentamos, de seguida, uma caracterização sumária da nossa amostra tendo por base os
participantes no círculo de conversa realizada na sessão focus grupo. Assim sendo, na sessão focus grupo
temos nove participantes do género feminino e três do género masculino, três têm o ensino básico

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completo, um o 6º ano e sete a escolaridade vai até ao 9º ano. Maioritariamente vivem com a família (8
casos), três estão institucionalizados e um vive sozinho. As suas fontes de rendimento provêm de verbas
da segurança social (6 casos), de vencimento fixo (2 casos), verbas da segurança social e bolsa de
formação (2 casos), bolsa de formação (1 caso), vencimento e verba da segurança social (1 caso). Vivem
em bairros residenciais (8 casos), bairros populosos e rua tipo comercial (1 caso).

2.5 Caraterização dos Instrumentos

No total vão ser 10 instrumentos utilizados para a recolha e/ou sistematização dos dados em cada
Concelho:

- Instrumento para a recolha e organização de dados de caraterização da vítima, do(a) agressor(a), do tipo
de violência e circunstância de realização;
- Estatística da Comissão Nacional para os Direitos Humanos;
- Estatística da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género através da Lista de Indicadores;
- Estatística da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima;
- Estatística do Instituto Nacional de Estatística;
- Estatística do PORDATA;
- Roteiro de entrevistas semiestruturadas para os profissionais das organizações aderentes;
- Estatística do Portal da Violência;
- Roteiro de entrevistas semiestruturadas para focus grupo.

Quadro 1: Instrumentos de recolha de dados e respetivas finalidades

Designação e Tipologia do
Finalidade(s)
Instrumento
Instrumento para a recolha e
organização de dados de Proceder a uma caracterização do perfil sociodemográfico da
caraterização da vítima, do(a) vítima, do(a) agressor(a), do tipo de violência e circunstância de
agressor(a), do tipo de violência e realização.
circunstância de realização;
Estatística da Comissão Nacional Recolha de dados estatísticos sobre Violência e Violência nas
para os Direitos Humanos Pessoas com Deficiência Intelectual.
Recolha de dados estatísticos sobre Violência e Violência nas
Estatística da Comissão para a Pessoas com Deficiência Intelectual através da Lista de
Cidadania e Igualdade de Género Indicadores: Ocorrências participadas à PSP e GNR; Suspensões
provisórias de processo; Reclusos por crime de violência

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doméstica; Medidas de coação; Programa para agressores;


https://www.cig.gov.pt/area-portal-da-violencia/portal-violencia-
domestica/indicadores-estatisticos/
Estatística da Associação Portuguesa Recolha de dados estatísticos sobre Violência e Violência nas
de Apoio à Vítima Pessoas com Deficiência Intelectual: Relatórios Anuais.
Estatística do Instituto Nacional de Recolha de dados estatísticos sobre Violência e Violência nas
Estatística Pessoas com Deficiência Intelectual.
Recolha de dados estatísticos sobre Violência e Violência nas
Estatística do PORDATA
Pessoas com Deficiência Intelectual.
Obter testemunhos quanto às formas de combate à violência
contra jovens com deficiência intelectual e sua efetividade;
Roteiro de entrevistas Ocorrências de violência contra pessoas com deficiência
semiestruturadas para os profissionais intelectual e tipos de violência; motivos da agressão ; da
das organizações aderentes; adequação dos encaminhamentos; formas para prevenir a
violência; melhorias possíveis dos encaminhamentos adotados;
outras soluções.
Recolha de dados estatísticos sobre Violência e Violência nas
Estatística do Portal da Violência
Pessoas com Deficiência Intelectual.
Obter testemunho quanto à violência e seus diversos tipos (física,
Roteiro de entrevistas violência escolar, violência institucional, violência sexual,
semiestruturadas para focus grupo violência moral, violência interpessoal e violência patrimonial);
Obter testemunhos do círculo de conversa.

Fonte: Elaboração Própria.

3. Considerações Finais

A Teoria das Representações Sociais tem como objeto de estudo a interação entre o indivíduo e a
sociedade na construção da realidade, contém uma riqueza concetual e flexibilidade metodológica
podendo, no nosso entendimento, aplicar-se ao nosso estudo. Partindo do pressuposto que os locais onde
ocorrem a violência são lugares de representação em que acontece a interação entre o indivíduo e a
sociedade.
Pretendemos então, que esta Teoria contribua para uma reflexão, ainda de forma esboçada, sobre a
violência nas pessoas com deficiência intelectual no Norte de Portugal. Na Teoria das Representações
Sociais uma representação situa-se sempre no ponto de encontro do individual com o social (Laplantine,
F., 1994). Isto leva-nos a questionar que representações tem o indivíduo para legitimar as suas ações de
violência perante a sociedade, quais as representações imiscuídas na sociedade que permitem vulgarizar

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este fenómeno, como se representa socialmente a vítima e o agressor. Existe uma representação
estereotipada?
Parece-nos, com base nos dados recolhidos, que a violência pode ser infligida em ou por pessoas
com deficiência intelectual. Propomo-nos traçar um esboço do perfil da vítima e do agressor de acordo
com os quatro casos reportados de violência infligida, assim sendo, verificamos uma tendência para que
ambos tenham baixa escolaridade, morem com as suas famílias ou companheiros(as) em casa ou
apartamento, que sem ser luxuoso, são confortáveis e com condições de habitabilidade dignas.
No respeitante ao aspeto da zona habitacional, moram em bairros residenciais de ruas largas com
casas cómodas e preservadas. Parece-nos existir uma uniformização semelhante em todas as ações de
violência, quer sofridas ou praticadas, que assentam em quatro tipologias: psicológica, física, patrimonial
e sexual. Tanto na vítima como no agressor verificamos a predominância de três violências
interconectadas que se sucedem, a física, de seguida a psicológica, terminando na sexual. Suspeita-se de
uma tendência de género, pois com muita regularidade a vítima é do género feminino e o agressor do
género masculino.
Direcionando as nossas atenções para a análise de conteúdo à entrevista do profissional de uma
das organizações participante, deixamos algumas pistas na forma como as diversas organizações de
resposta à violência se interligam e atuam de uma forma concertada e eficaz. Com base nos testemunhos
parece-nos existir uma proximidade entre as estruturas de resposta facilitando o encaminhamento da
situação de violência reportada.
Quando nós queremos fazer um encaminhamento, quando nós queremos fazer uma integração …
não temos vagas e não existe, nunca existe, nunca existe, nunca existe … temos sempre esta dificuldade e
… temos esta… Enquanto nós temos aqui esta rede de … a nível social, a nível de emprego, a nível de …
trabalhamos muito bem. Também é um concelho pequeno em que todos os técnicos nos conhecemos uns
aos outros… em que temos o número pessoal uns dos outros e deixamos as formalidades um bocadinho
de parte e conseguimos gerir as coisas - “olha, preciso de integrar esta pessoa … olha tenho aqui uma
pessoa assim… Conseguimos isto…
Temos uma C. que nos ajuda imenso, temos um C. que trabalha excelentemente com todas as
áreas aqui de E.… isso facilita-nos imenso, temos um concelho que nos dá todas estas retaguardas. São
estas coisas que conseguimos gerir… (profissional).
[Há interligação entre todos os organismos no sentido da transformação destes casos, não é?]
Exatamente. Estou aqui a lembrar-me de uma situação que nos foi encaminhada do C., se não estou em
erro… de uma senhora que era surda e muda para um atendimento de GAV – de violência doméstica. A
nossa dificuldade… a senhora…, ela conseguia ler-nos os lábios … isto numa altura de COVID-19, mas

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não nos ouvia… e agora como vamos fazer isto??? Estamos com máscaras, estamos com estas coisas
todas… conseguimos umas máscaras transparentes… Temos umas máscaras transparentes…
conseguimos aqui um atendimento … foi difícil? Foi! Mas conseguimos. Porquê? Porque temos uma rede
que nos apoiou, porque temos uma colega que até é…; arranjar aqui umas máscaras transparentes.
Conseguimos fazer isto… pronto, são estas coisas que nós conseguimos gerir (profissional).

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LITERATURA EM CANÇÃO: A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA DIDÁTICO-


PEDAGÓGICA DO ENSINO DE LITERATURA
NO ENSINO MÉDIO

Mary Joice Paranaguá Rios Rodrigues*


maryriosmary@hotmail.com1
Silmayra Pinto Lima**
silmayra_lima@homail.com

Resumo

Este artigo objetiva a reflexão da música como auxílio do ensino-aprendizagem no Ensino Médio, levando em consideração
que a literatura é um importante aliado na formação de um leitor crítico e questionador. O trabalho em questão é uma pesquisa
que tem por finalidade adquirir informações e propiciar subsídios plausíveis de funcionalidades práticas, com realização de
revisão bibliográfica de caráter qualitativo e exploratório (servindo de análise a probabilidade do desenvolvimento de um
estudo sobre a temática). Tendo isso em consideração, realizaram-se estudos a partir de livros, artigos científicos e sites,
especificamente, Scientific Electronic Library Online (SciELO) Brasil e Google Académico, além de autores, tais como:
Afrânio Coutinho, Agazzi; Elizabeth Moreira, Lillian Gonçalves, Regina Zilberman, Tania Rösing, entre outros achados. Dos
resultados obtidos, destaca-se que a música pode auxiliar no processo cognitivo de assimilação do conteúdo literário, além de
estimular o conhecimento teórico dos estilos literários a partir das produções dos autores. Identificou-se a canção como
potencial ferramenta de desenvolvimento global do aluno na escola e fora dela, como um indivíduo participante do mundo.
Todavia, apesar do que ora fora expresso, são notórios os entraves existentes, pois ainda há aqueles que preferem um ensino
tradicional, mecanicista e burocrático, mantendo o estudante em postura estagnada e inerte, perante as problemáticas sociais
que o circunda.

Palavras-chave: Música; Literatura; Didático-pedagógica; Ensino Médio.

Abstract
This article aims to reflect on music as a tool of teaching and learning in high school, bringing the fact that Literature is an
important ally in the formation of a critical and questioning reader. The work in question is a research that aims to acquire
information and provide plausible subsidies of practical functionalities, with a bibliographic review of a qualitative and
exploratory nature (serving the probability of developing a study on the subject as an analysis). Taking this into
consideration, studies were carried out in books, scientific articles and websites, specifically, Scientific Electronic Library
Online (SciELO) Brazil and Google Scholar, in addition to authors such as: Afrânio Coutinho, Agazzi; Elizabeth Moreira,
Lillian Gonçalves, Regina Zilberman, Tania Rösing, among other finds. The results obtained were that music can help in the
cognitive process of assimilation of literary content, and stimulates theoretical knowledge of literary styles based on the
authors' productions. The song was identified as a potential tool for the global development of the student at school and outside
of it, as an individual participant in the world. However, despite what has now been expressed, the existing obstacles are
notorious, because there are those who prefer a traditional, mechanistic and bureaucratic teaching, keeping the student in a
stagnant and inert posture in the face of the social problems that surround him.

Keywords: Music. Literature; Didactic-pedagogical; High School.

* Possui graduação em Licenciatura em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (1990). Mestrado em Letras (Ciência
da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001). Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa. Atualmente é professora da Universidade Estadual do Maranhão;
coordenadora do Projeto Escola de Aplicação C.E Paulo VI/UEMA; Diretora dos Cursos de Letras/CECEN e Diretora do
Curso de Letras do Programa de Formação de Professores - ENSINAR.
** Graduada em Letras com Habilitação Português/Espanhol pela Universidade Estadual do Maranhão (2015). Especialista em
Educação Especial na Perspectiva de Inclusão pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano (2016). Bacharelada em
Psicologia pela Faculdade Anhanguera de São Luiz (2022). Especialista em Literatura e Ensino pela Universidade Estadual do
Maranhão, Núcleo de Tecnologia para Educação (2022). Atualmente é secretária do Curso de Letras do Programa de Formação
de Professores – ENSINAR/UEMA.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Introdução
O ensino da literatura pode ser um importante aliado na formação de um leitor crítico; sobretudo,
porque o hábito de ler desenvolve a inventividade e a criatividade, construindo a ampliação de
vocabulário e a capacidade de compreensão do mundo. A pesquisa em questão, intitulada “Literatura em
canção: a música como estratégia didático-pedagógica do ensino de Literatura no Ensino Médio” foi
realizada a partir de questões referentes às práticas do ensino de literatura atreladas à música, procurando
estratégias didático-pedagógicas em sala de aula, que contemplem a formação de sujeitos analíticos e
críticos.
O tema delimita-se às interações entre música e literatura, explorando a estilística literária2 por
meio das características encontradas na obra, e não apenas na conceção didático-historiográfica. Portanto,
o propósito é compreender um modelo didático-pedagógica3 que sirva para ser empregado no Ensino
Médio, levando em conta as características dos movimentos existentes na literatura e nos seus estilos
literários.
Para os docentes em constante formação, é relevante a pesquisa e a aplicação de novos métodos
que contribuam para a aprendizagem dos alunos, pois são eles o público-alvo da educação. À vista disso,
quando o professor se depara numa sala de aula com indivíduos que possuem uma bagagem de vida e
experiências totalmente diferentes, que por vezes não tiveram modelos de bons leitores em casa e nem
oportunidade de aquisição de livros, por exemplo, devem-se levar em consideração as estratégias
possíveis para a construção de conhecimento a partir da troca de saberes.
Dessa forma, a pesquisa em causa emana da inquietação na qual se percebe que, na escola: muitos
simulam que ensinam e outros, que aprendem; da angústia da tentativa-erro sem mudança de postura; da
verificação de uma acomodação do docente e desinteresse do discente, sem ao menos oferecer
oportunidade de tentar algo inovador. Sendo assim, o título do trabalho percorre a Literarte 4, que já é uma
forma de ensino usada por alguns educadores, contudo, a perspetiva aqui está no estudo integrado entre o

2
Disciplina que estuda o estilo literário de uma obra e de um autor, ou seja, estudo da expressão literária e instrumento de
avaliação crítica do estilo de um autor. Tal estudo privilegia determinados componentes, conforme as orientações dos diferentes
estudiosos: a) as características individuais de cada autor (temperamento, educação e criatividade), como Leo Spitzer –
perspetiva genética; b) as necessidades e funções comunicacionais com Roman Jakobson – perspectiva funcional; c) o texto em
ligação com o seu contexto, com Marcel Cressot – perspectiva textual; d) a aplicação dos métodos de análise estilística à
linguagem com Riffaterre – perspectiva estrutural (Infopédia, 2003).
3
Considera-se que os conhecimentos didático-pedagógicos são conhecimentos necessários para a prática docente, e estão
relacionados diretamente à ação de ensinar. Como exemplo, podem ser citadas as temáticas sobre planejamento, metodologias,
relação entre os sujeitos, currículo e avaliação escolar (Hegeto et al., 2017).
4
“Literatura: Arte de escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso. Conjunto das produções literárias de um país, de uma
época. Profissão de homem de letras: dedicar-se à literatura. Conjunto de obras sobre um determinado assunto; bibliografia:
literatura sobre o câncer. Arte: Aptidão inata para aplicar conhecimentos, usando talento ou habilidade, na demonstração uma
ideia, um pensamento; Talento; expressão particular de inteligência ou sensibilidade observada num artista. Cuidado. Jeito;
aptidão natural para realizar algo. Perícia; excesso de talento ou habilidade para fazer algo: arte de compor” (Dicio, 2009:1).

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

texto literário e a música, procurando identificar as características dos estilos literários através da obra;
destarte, torna-se percetível a relevância desta pesquisa.
Posto isso, foi formulada uma pergunta-problema norteadora da investigação e para o
desenvolvimento desta pesquisa: de que forma a interface literatura e música, como estratégia didático-
pedagógica, pode contribuir no ensino da Literatura no Ensino Médio? Ligada a essa problemática, tem-
se a seguinte hipótese: a interface literatura e música, como estratégia didático-pedagógica, pode tornar
mais significativa a formação literária dos alunos no Ensino Médio. Tendo em vista o que foi dito, o
trabalho tem como objetivo geral refletir como as canções podem auxiliar no processo ensino-
aprendizagem da Literatura no Ensino Médio. Tem-se, como objetivos específicos: entender as
perspetivas históricas do modelo didático-pedagógico no ensino da literatura; identificar os principais
desafios do ensino da Literatura no Ensino Médio; destacar a música como estratégia didático-pedagógica
do ensino de Literatura no Ensino Médio.
Para a fundamentação teórica serão explorados trabalhos e obras científicas, tais como: Conceito
de literatura brasileira, de Coutinho (2014); Problemas do ensino da literatura: do perigo ao voo possível,
de Agazzi (2014); Literartes: práticas múltiplas de letramentos para o ensino da Língua Portuguesa, de
Gomes e Melo (2019); Escola e Leitura: velha crise, novas alternativas, de Zilberman e Rösing (2009),
entre outros investigadores.
A pesquisa tem por finalidade adquirir informações e propiciar subsídios plausíveis de
funcionalidades práticas, com a realização de revisão bibliográfica de caráter qualitativo (prevalência
acerca de ideias que promovam a distinção entre si, conforme a sua natureza) e exploratório (serve de
análise a probabilidade do desenvolvimento de um estudo sobre uma dada temática), realizando-se a
pesquisa em livros, artigos científicos e sites oficiais que foram escolhidos por meio de estudo.
Outrossim, foram feitas buscas em sítios eletrónicos confiáveis, como Scientific Electronic Library
Online (SciELO) Brasil e Google Académico.
Para esclarecer os tópicos que se seguem, serão apresentadas as partes deste trabalho de modo a
sintetizar o assunto correspondente a cada um. Primeiramente, realiza-se a fundamentação teórica: que
serve de base para sustentar as discussões propostas e estruturando-se pelo viés dedutivo, abordando
sobre as perspetivas históricas do modelo didático-pedagógico no ensino da literatura; os principais
desafios do ensino da Literatura no Ensino Médio; a música como estratégia didático-pedagógica do
ensino de Literatura no Ensino Médio. Assim, foram elucidadas algumas literaturas lidas para aclarar os
dados obtidos nas ponderações mais proeminentes adquiridas pelos estudos anteriores.

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Por fim, apresentam-se as considerações finais, que abordam, em forma de síntese, sobre os
objetivos propostos e os alcançados, em sequência, as referências dos livros, artigos e sites explorados
neste trabalho e que merecem a devida menção.

1. Perspetivas históricas do modelo didático-pedagógico no ensino da Literatura

Para um estudo mais esclarecido da temática escolhida, é necessário conceituar os principais eixos
que serão abordados. Para tanto, ao falar de literatura, pode-se inferi-la como uma manifestação artística,
com o objetivo de reelaborar a realidade, fundamentada nos sentimentos do autor, pontos de vista e
métodos narrativos. Diferencia-se pela sua matéria-prima: a palavra, que modifica a linguagem usada e as
suas formas de expressão; porém, é importante ressaltar que o caráter literário não está em todo o
texto/livro que é publicado (Santos & Moraes, 2021).
A literatura é um fenómeno estético [...]. Não visa informar, ensinar, doutrinar, pregar,
documentar. Acidentalmente, secundariamente, ela pode fazer isso, pode conter história, filosofia,
ciência, religião. O literário ou o estético inclui precisamente o social, o histórico, o religioso, etc., porém
transformando esse material em estético. (Coutinho, 2014:23).
Sendo assim, a literatura proporciona a manifestação de produtos criativos, através das palavras,
que possuem características múltiplas. A literatura adota uma significação de nível estético e imaginativo,
tendo como cerne a necessidade de visões e entendimentos diversificados.
Tendo em vista o que ora foi exposto, a começar pelo conceito do que é literatura, é evidente que
ensiná-la sempre foi um desafio incessante. Em relação à educação, o ensino da literatura no Brasil inicia-
se com os jesuítas, no século XVI, por meio das obras literárias. No Brasil colonial, o ensino da literatura
tinha relação com o desenvolvimento de eloquência, ou seja, método para assimilar a língua-padrão.
Contudo, já no século XVIII, ocorreu a expulsão da Companhia de Jesus, e isso impulsionou as
modificações na formação dos alunos, passando a responsabilidade da Igreja para o Estado. Dessa forma,
a apreciação se concentrou no que era nacional, evidenciando os autores brasileiros acima dos
portugueses (Zappone, 2018).
Segundo a autora Razzini (2010), existem quatro distintas etapas do ensino, nas quais é possível
notar mudanças nas aulas de literatura. Evidencia-se, nesse itinerário, a expansão dos fatores didático-
pedagógico do ensino e o acrescimento da carga horária na disciplina de Literatura. Ao pontuar o
primeiro estágio dessas transformações, o qual está enquadrado no período de 1838 a 1869, destaca-se o
que concerne ao ensino literário, que a poética obtinha a carga horária superior aos demais assuntos, junto
a algumas inserções da literatura brasileira, através das obras de autores nacionais. Contudo, em relação
aos conteúdos de gramática e retórica, a sua carga horária era inferior (Razzini, 2010). Em relação à

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segunda etapa, o ensino do escrito literário por si centralizava-se nos anos finais da escola, evidenciando
elementos teóricos dos géneros literários (poesia/prosa), ademais, as análises dos estilos, composição e
declamação (Razzini, 2000).
Na terceira fase aludida por Razzini (2010), entre 1890 e 1930, é notório o declive da poética, da
retórica e a ampla subida da literatura nacional. Isso acontece por conta da forte influência da vertente
nacionalista/ufanista que corrobora a ótica da literatura identitária. De acordo com a autora Razzini
(2010:55), “[...] a longevidade da Antologia nacional no currículo de português nas séries iniciais do
curso secundário reforça a longevidade deste modelo clássico e beletrista de ensino da língua nacional”.
Em 1911, ocorreu um aspeto significativo para a educação, que foi o estabelecimento de exames para o
vestibular, por meio de provas que concederiam a entrada no Ensino Superior, sendo essas efetivadas por
intermédio das faculdades, nos seus próprios vestíbulos de seleção de ingresso, assim as instituições
secundárias não tinham mais essa incumbência.
Em 1931, dá-se início à quarta fase mencionada por Razzini (2010), em que a aprendizagem sobre
a literatura surgia a partir do ano final do primeiro ciclo e no segundo ciclo nas três séries. Nesse
momento, destacavam-se os conhecimentos gerais acerca da literatura: géneros literários, versificação,
períodos literários, como também as ocorrências históricas das literaturas do Brasil e de Portugal.
Percebe-se, então, no que concerne às etapas anteriores, um aprimoramento (especialização) mais intenso
da educação de literatura, ademais com acréscimos de obras e autores que começaram a abarcar nomes e
textos mais contemporâneos da época.
Por outro lado, com a expansão do ensino universitário no país, a partir de 1940, Oliveira
(1999:14-5) destaca que “as histórias literárias e histórias literárias tornaram-se mais especializadas”,
voltadas para um público mais seletivo, os universitários. Neste contexto, é que surgiram obras como
História da Literatura Brasileira: prosa de ficção (1890-1920), de 1963, de Lúcia Miguel Pereira, e
Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, de 1959, de António Cândido. Uma outra
produção que deve ser considerada, levando-se em conta a recetividade e uso no meio académico até aos
nossos dias, é a literatura no Brasil, organizada por Afrânio Coutinho de 1955, que apresenta uma
proposta de periodização estilística. Critério este também utilizado por Alfredo Bosi na sua História
Concisa da Literatura Brasileira de 1970, e que é, sem dúvida, aquela que melhor define a relação atual
entre história literária e ensino da literatura, posto que é presença unânime nos cursos de Letras. (Oliveira,
2007:3, grifo nosso).
No ano de 1971, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº. 5692/71, foi alterada para uma retificação
na formação daqueles que não participavam das classes favorecidas no País. Nesse momento de regime
militar, o ensino da literatura no Brasil começa a conectar-se com a promoção da comunicação. Após

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anos de debates, a nova LDB, estabelecida em 1996, fundamentou-se no direito da universalidade de


educação para todos. A pesquisa em relação à literatura, nessa ocasião, relacionava-se ao pragmatismo
das habilidades discursivas (Zappone, 2018).
Após alguns anos, em 2013, surgem as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação
Básica, que constituíram um marco para o ensino no Brasil, pois destacaram a pedagogia das
competências em apontamentos oficializados. A literatura relaciona-se, aqui, com a prática discursiva de
leitura de textos literários, com a habilidade de formação do pensamento crítico, apreensão estética,
estabelecendo distância do papel gramatical, tradicionalmente concebido (Zappone, 2018).
Dessa forma, à luz dos documentos curriculares, percebe-se que vêm de longa data as propostas de
outros processos acerca do ensino de Literatura:

Além da crítica à permanência de textos canônicos no trabalho com a literatura, também foi muito
frequente, nesse período, a crítica ao modelo de abordagem do texto literário em que se lê a
crítica e não a obra literária. Tal abordagem ampara-se no fato de que, no manual didático,
normalmente se encontram fragmentos que podem se adequar ao comentário da crítica, numa
prática que faz parecer que a história e a crítica literária precedem a própria obra. Esse modo de
leitura também procura enquadrar os autores e suas obras dentro de um quadro delimitado de
diferentes estilos, buscando, assim, não a especificidade de cada obra, mas aquilo que ela tem de
consenso, de norma.
(Silva de Faria, 2009:4-5)

Ao professor simpatizante da práxis que favorecem a educação historiográfica da literatura, há


carência na compreensão da necessidade de o estudante obter uma vivência partilhada de leitura, e não
mais um saber básico de “conhecimento literário”. É escasso, ainda, aos educadores que julgam a leitura,
independente da natureza do texto, que auxilia na totalidade dos conhecimentos. Deve-se, contudo, ter a
compreensão de que a prática da leitura precisa transgredir limites e procurar dados peculiares dentro e
fora do saber literário. Assim, é imprescindível que o texto possa estar no cerne dos procedimentos
escolares, conduzindo os discentes à leitura aprazível, “[...] mas com o compromisso de conhecimento
que todo o saber exige” (Cosson, 2006, como citado em Lopes et al., 2015).
Nos dias atuais, a literatura brasileira é instituída, em grande parte nas escolas, com a sua inserção
na matéria de Língua Portuguesa, excluindo as entidades privadas que distribuem a disciplina em
Literatura, Redação e Gramática; consequentemente, dessa forma, dão maior lugar à historicidade da
literatura. Contudo, as indagações não se direcionam essencialmente na problematização literária e
condenação canónicas, entretanto, na crítica a moldes de ensino que espelham, cristalizando essas
conceções, teorias e práticas. Levando todas essas visões em consideração, a aprendizagem da literatura
acaba por se tornar um padrão que fortificou durante anos, e é envolvida pelos períodos literários (Lopes
et al., 2015).

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2. Os principais desafios do ensino da Literatura no Ensino Médio

A partir da segunda metade do século XX, a LDB nº. 5692/71 ramificou a matéria de Língua
Portuguesa em: Língua e Literatura. Assim, essa dicotomia refletiu na fragmentação em gramática,
redação e estudos literários, arquétipo retratado nos materiais didáticos do Ensino Médio até os momentos
mais recentes. Ademais, o ensino literário permanece com destaque ao viés historiográfico da literatura
brasileira, sendo possível comprovar isso por meio das compilações que constituem as orientações
bibliográficas didáticas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Ao levar em conta que uma
significativa parcela dos docentes da Educação Básica conduzem o seu ensino através dos livros
didáticos, é possível entender que uma das transformações, do ponto de vista teórico, necessitará ocorrer
no material base, com o intuito de concretizar-se nas instituições escolares (Viegas, 2014).

[...] para muitos dos brasileiros escolarizados, o livro didático tem sido o principal ou o
exclusivo meio de acesso ao mundo da escrita. E o livro didático de português, com as suas
atividades de estudo de texto, o instrumento por excelência de aprendizagem da leitura e de
conceção do que deva ser uma “boa” leitura.
(Rangel, 2007:131)

Há também, por parte dos alunos, alguns entraves no que se refere à aprendizagem da Literatura.
Entre as dificuldades que se apresentam no ensino da Literatura, está a escassez de leitura dos estudantes,
muitos dos quais não sentem motivação pela leitura, sendo essa uma das razões para considerar a
Literatura “chata”. Percebe-se que existem dificuldades, para além de ler, como em relação à efetivação
da escrita criativa sobre os textos lidos, sejam literários ou didáticos, levando a se considerar essas
resistências como sintomatologia5 dos problemas no ensino de Literatura (Amaral & Luna, 2019).
É importante lembrar que há uma rutura na passagem do Ensino Fundamental para o Ensino
Médio e essa não se restringe à sistematização dos conteúdos, mas atinge também a própria escolha dos
textos a serem lidos. A formação do leitor no Ensino Fundamental está repleta de ficções de ação e de
aventuras, além de um grande número de crónicas de escritores contemporâneos. Na primeira série do
Ensino Médio, à medida que o ensino de literatura está pautado em modelo historiográfico, o adolescente
já se depara com textos barrocos e árcades. Primeiramente é preciso que ele perceba a relevância dessa
leitura para um jovem do século XXI. Essa relevância talvez seja capaz de justificar todo o esforço
empreendido para o entendimento desses textos. (Viegas, 2014:259-260).
Assim, deve-se levar em conta que a arte literária é, indubitavelmente, um conhecimento de suma
importância na formação total dos estudantes. Tendo em vista as palavras de Amaral e Luna (2019), a

5
Análise detalhada dos sintomas de uma doença, para melhor interpretar o que aparece nos exames médicos; semiologia. Parte
da medicina que se dedica ao estudo e interpretação dos sinais e sintomas presentes em exames médicos. Etimologia (origem
da palavra sintomatologia). Sintomato + logia (Dicio, 2009).

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literatura: favorece a preservação da cidadania; fortalece a autoestima; instiga a visão crítica referente à
sociedade; expande e associa saberes; aperfeiçoa o vocabulário e a comunicação, ainda sendo possível, a
depender da forma didático-pedagógica de ensino, uma fonte de entretenimento.

É desse modo que a proposta didático-historiográfica, ainda prevalecente nas aulas de Literatura,
afasta esta disciplina do seu real objetivo que é despertar o prazer pela leitura e chamar a atenção
para o seu interessante e curioso aspeto artístico. Há de se convir que, em pleno século XXI,
adotar uma prática de ensino que não diz respeito aos interesses e à realidade do aluno, que não
interage com as suas aspirações e a sua criatividade, vai certamente encontrar dificuldades para
ser aceita como área de estudo e como conteúdo a ser assimilado.
(Amaral & Luna, 2019:155)

Importa dizer, também, que para a prática de leitura necessita-se de conhecimento prévio do que
circunda a obra literária, e deve haver a possibilidade de acesso às produções. Para a obtenção desses
saberes, existe uma relação direta entre os hábitos de leitura e a classe social, aquisição de livros,
escolaridade e ambiente familiar. É percetível que, quando uma pessoa é mais escolarizada ou tem maior
poder aquisitivo, haverá facilitadores na assimilação da leitura e na quantidade de obras literárias lidas ao
longo da vida. Portanto, a escola, sendo um ambiente que deve dar oportunidade à leitura, precisa
promover o acesso ao livro e ao conhecimento de forma dinâmica e instigante (Pró-livro6, 2011).
Não é uma tarefa fácil superar os preconceitos dos alunos sobre o ensino da literatura, tendo em
vista que há uma interação subjetiva/objetiva entre o leitor e a obra, a qual marcará as escolhas e
interesses de cada indivíduo.

A compreensão continua (Silva, 2002), não é um processo puramente racional, porque depende
do envolvimento emocional do leitor com a obra e das construções sociais que envolvem a
cadeia de sentidos: o diálogo entre a subjetividade daquele que lê e o quê a obra comunica em
forma e em conteúdo promove a aproximação entre o universo do leitor e o veiculado pela obra.
Dessa aproximação, surge o lugar onde acontece a experiência literária e onde ocorre a
formação e a transformação do público leitor.
(Agazzi, 2014:446)

No processo de aprendizagem, deve ser levado em conta que o aluno começa a obter o contacto
com a literatura, como disciplina, no Ensino Médio, e essa matéria é difundida, por vezes, através de
numerosas produções, trechos e autores, que são simplesmente alocados e classificados em determinado
estilo literário de maneira expositiva (Todorov, 2009). A fundamentação teórica (às vezes única) é
firmada a partir do livro didático; fazendo com que seja quase nula a utilização de materiais alternativos
de apoio, os quais minoram o interesse dos estudantes, tornando mais difícil que se desenvolva o prazer
pela leitura da literatura. É possível perceber que na maioria das situações os discentes apenas leem

6
Pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, coordenada pelo Instituto Pró-Livro e realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística (IBOPE), abordando os hábitos dos leitores.

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sínteses, confiando que através da aula do professor, o qual parafraseia essas leituras obrigatórias, possa
compreender o básico para realizar as suas provas bimestrais.

[...] os recursos à literatura podem desencadear com eficiência um novo pacto entre os estudantes
e os textos, como entre o aluno e o professor. Nesse caso, trata-se de estimular a vivência única
com a obra, visando o enriquecimento intelectual do leitor, sem finalidades precípuas ou
cobranças ulteriores. Já que a leitura é uma descoberta do mundo, procedida segundo a
imaginação e a experiência individual, cumpre deixar que este processo se viabilize na sua
plenitude.
(Zilberman & Rösing, 2009:35)

Quando se fala do Ensino Médio, que é visto como a etapa de preparação para o acesso do aluno à
universidade, é interessante esclarecer que muitos educadores procuram aumentar somente de forma
quantitativa as informações em torno da literatura, fazendo com que o momento de aprendizagem do
aluno seja algo monótono. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC):

Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão
humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação
de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos,
de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar
pactos de leitura.
(Brasil, 2018:138)

Em suma, é importante salientar que a área da literatura é interligada com a matéria de Língua
Portuguesa, porém, na execução das aulas são fragmentadas, e isso suscita maiores problemas no
processo de ensino-aprendizagem, pois há uma relação de disputa de espaço/tempo de ambas. Em grande
parte, esse contexto é danoso para os alunos, levando em consideração que os assuntos de Literatura do
Ensino Médio dificilmente são abordados por completo, ou por premissas e imposições do aparelho de
ensino, ou por prioridades do próprio educador, muitas vezes, sem o manuseamento necessário para
administrar o espaço adequado para a ocorrência efetiva do ensino de Literatura e Língua Portuguesa nas
praxes de ensino (Amaral & Luna, 2019).

3. A música como estratégia didático-pedagógica do ensino de Literatura no Ensino


Médio

Para viabilizar o processo de ensino-aprendizagem na sua plenitude, é preciso investigar os meios


que sejam facilitadores em sala de aula. Sabe-se que entre as metodologias já utilizadas para ensinar
Literatura, a Literarte vem se destacando ao longo dos anos, entendendo que é de extrema relevância
cultural a arte e a literatura entrelaçadas, no intuito de estimular a sensibilidade, perceções avaliativas,

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inventivas e o entendimento do ambiente escolar como um local de pertença dos estudantes (Gomes &
Melo, 2019).
De acordo com Cândido (1989), como mencionado por Menezes e Vinha (2020), a produção
literária afirma e recusa, sugere e delata, sustenta e peleja, promovendo a probabilidade de vivenciar
dialogicamente as problemáticas. Com isso, a manifestação da Literatura é necessária para a construção
da identidade, dos sentimentos, da ponderação, da conquista do saber, das expressões, da compreensiva
profundidade do mundo, da inventividade, da crítica de um sujeito, aprimorando no ser humano a parcela
de humanidade de forma que seja mais empático e acessível à coletividade, à natureza e ao seu próximo
(Cândido, 1989 como citado em Menezes & Vinha, 2020).

Sabe-se que as diversas manifestações da arte estão associadas à relação entre a vida em
sociedade, sendo necessário promover reflexões que, além de despertar o senso crítico, criativo e
percetível; aprimoram o conhecimento dos sujeitos envolvidos, contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento humano.
(Gomes & Melo, 2019:4)

Os estudos sobre a arte na perspetiva interdisciplinar iniciaram-se na Europa, mais precisamente


na França e Itália, aproximadamente na década de 60 do século XX. Nesse contexto, as manifestações
estudantis apresentavam transformações na estruturação das universidades e escolas. No Brasil, essas
reivindicações acontecem no fim dos anos 60. Entretanto, ensinar através da arte é um método de tempos
remotos, pois desde a Antiguidade Clássica foi mencionada por Platão. O ponto de partida para debates
acerca da temática foi em 1943, com a publicação do livro “A Educação pela Arte”, escrito pelo inglês e
pedagogo Herbert Read. Ao lançar essa obra, o autor baseava-se nos pensamentos platónicos, a fim de
sugerir a mudança de uma educação envolvida na lógica e no “intelecto”, por uma que se fundamentasse
nas emoções e sentimentos, mobilizados por meio da arte (Brito & Sousa, 2017).
A análise das letras de canções populares que tratam de temas científicos quando utilizada em
sala de aula, como um recurso didático, não parece ser um fator limitante para auxiliar no
processo de ensino aprendizagem, ao contrário, é uma estratégia que motiva os jovens e que pode
ser utilizado de forma interdisciplinar [...].
(Oliveira et al., como mencionados em Brito & Sousa, 2017)

A influência da música na literatura pode ser percebida, por exemplo, quando se trata do género
lírico; o próprio vocábulo provém do grego lyrikós, com significação de algo atrelado à lira, que é um
instrumento musical primitivo, de quatro cordas. O poema lírico originou-se de canções religiosas e da
tradição popular, e quando se remete ao tempo cronológico, já na Antiguidade, a poesia cantada tinha
relação com as basilares ações da existência humana, desde as cantigas para dormir; lamentações pela
morte; hinos de pastores e cantos de vitória ou adoração; casamentos e cantigas de amor; aparições

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coletivas ou isoladas de alegria ou tristeza, em suma, todas as etapas da vida formaram a matéria que deu
ascendência ao lirismo na Grécia, estritamente relacionado à musicalidade (Souza, 2016).
Ultimamente, identifica-se a interdisciplinaridade no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
que evidencia o quanto os assuntos curriculares conversam entre si. A partir disso, é possível perceber
que as manifestações artísticas estão presentes em diversos estilos literários, e que são relacionadas com a
criação humana, de forma a serem apreciadas, difundidas e sentidas no campo multicultural. Dessa forma,
práticas artísticas que abarquem a multiplicidade de culturas, classes sociais, linguagens, entre outros
aspetos, são vistas no próprio desenvolvimento histórico da sociedade, a datar da sua criação (Gomes &
Melo, 2019).
Portanto, a canção/música é um enérgico suporte para reaver o discente ao ensino literário. Os
docentes têm a possibilidade, nessa situação, de utilizar e implementar, especialmente a intertextualidade,
exercendo o teor de aptidões da praxes de Língua Portuguesa, número 50 da BNCC do Ensino Médio, a
qual afirma que os alunos precisam de avaliar vínculos “[...] intertextuais e interdiscursivas, entre obras
de diferentes autores e géneros literários de um mesmo momento histórico e de momentos históricos
diversos, explorando os modos como a literatura e as artes em geral se constituem, dialogam e se
retroalimentam”. (Brasil, 2018:525).

A leitura do texto literário no ensino médio além de contribuir para a formação escolar, conecta o
leitor com diferentes fases históricas, promove um encontro entre o leitor e o seu eu, e também
lhe proporciona descobertas de diversificadas formas de linguagens (dialetos, palavras arcaicas,
gírias etc.). O texto literário promove um encontro especial com a leitura, propiciando contacto
com diferentes aspetos da Língua Portuguesa. Quanto maior for a diversificação dos textos
literários apresentados aos alunos, maior será a experiência que eles terão com este universo.
(Santos, 2017:20)

O ensino-aprendizagem da Literatura no Ensino Médio é imprescindível para a constituição de um


aluno leitor, e a atuação desta em classe, precisa ser gradativamente organizada e aprimorada, de maneira
que o estudante esteja focado nos assuntos providos pelo educador, que a partir do método escolhido
poderá fascinar o aluno por meios inovadores de ensino, ou até por formas já conhecidas, como é o caso
do teatro, leituras coletivas, aplicativos digitais, filmes, entre outros meios que têm a possibilidade
cómica, curiosa e, inclusive, desafiante (Santos, 2017). Isso colocado, uma das estratégias didático-
pedagógicas que pode ser eficaz no ensino de Literatura para adolescentes e jovens do Nível Médio é a
música:

Além de contribuir para deixar o ambiente escolar mais alegre, a música pode ser usada para
proporcionar uma atmosfera mais recetiva à chegada dos alunos, pois oferece um efeito
calmante após períodos de atividade física e reduz a tensão em momentos de avaliação, a
música também pode ser usada como um recurso no aprendizado de diversas disciplinas. O
educador pode selecionar músicas que falem do conteúdo a ser trabalhado em sua área, isso vai

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tornar a aula dinâmica, atrativa, e vai ajudar a recordar as informações. A música também pode
ser utilizada na interpretação de textos, seja na língua portuguesa, surge um novo caminho de
atuação, com a exploração do conteúdo das letras, tendo em vista a produção de sentidos na
vida do aluno, bem como a aquisição de novos conceitos e ampliação do vocabulário, entre
outras possibilidades.
(Dal Zotto, 2018:32-33)

Por este ângulo, Ferreira (2005, como citado por Moura, 2009:18) concebe que é preciso
abandonar estereótipos e escutar canções “[...] dos mais variados tipos, [...] para saber selecionar aquilo
que é mais útil e adequado” à aquisição pretendida. Ainda segundo o mesmo autor, ao trabalhar uma obra
que não está contida nos arranjos estagnados ou canonizadas, a coletânea escolhida necessita
proporcionar alternativas obtidas através de informações apoiadas em “experiências sonoras vividas,” que
somente é permitida tão logo se tenha a propensão na audição da diversidade de canções, deixando se
“levar pela emoção que a sonoridade causa.”

Seja qual for o nosso conhecimento sobre música, é fundamental desenvolvermos um espírito
crítico e não deixar “de ter como referência o ouvinte curioso”, aquele que escuta sem nenhum
compromisso teórico, para procurarmos ouvir as novidades que influenciam o gosto dos nossos
alunos e tentar compreender onde reside a atração pela qual muitas músicas fascinam os jovens
adolescentes. Essa imparcialidade não significa um vale-tudo na sala de aula e nem
descompromisso com a formação do gosto dos jovens e adolescentes, mas a tentativa de não
obstaculizar os caminhos para estabelecer “uma espécie de ponte para que a aprendizagem se
torne significativa”.
(Piconez, 2002 como citado em Moura, 2009:63)

Constata-se que atualmente diversas melodias estão envolvidas no cotidiano de jovens e


adolescentes, tal qual o Rap, Sertanejo, Pop Rock, Funk, entre outros. De facto, esses são itens que o
professor necessita concentrar dedicação, porque são decorrentes do dia a dia dos estudantes em geral,
significando um aspeto essencial para o comprometimento do indivíduo que assimila com a sua própria
aprendizagem (Dal Zotto, 2018). Ao propiciar a reflexão da obra pelo próprio discente, o docente inicia o
processo de uma conceção mais livre na tomada de opiniões do estudante, tendo em vista que é no Ensino
Médio que os jovens e adolescentes “[...] intensificam o conhecimento sobre os seus sentimentos,
interesses, capacidades intelectuais e expressivas; ampliam e aprofundam vínculos sociais e afetivos; e
refletem sobre a vida e o trabalho que gostariam de ter”. (Brasil, 2018:473).
A título de exemplo, pode-se obter alguns modelos comparativos entre a obra literária e a canção.
Ao utilizar as obras do estilo literário do Trovadorismo, como é o caso da “Cantiga da Ribeirinha”, de
Paio Soares de Taveirós, que apresenta uma paixão deprimida por um amor não retribuído do trovador;
identifica-se uma aproximação com a música “Todo o mundo vai sofrer”, de Marília Mendonça, que
retrata um sofrimento sem pausa, de alguém que quanto mais vai atrás mais é “pisado” e desprezado pelo
seu amado. Outro exemplo, estaria nas produções do Arcadismo, com o autor Tomás António Gonzaga na

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sua obra “Marília de Dirceu”, em que refere-se ao cotidiano de um pastor que desenvolve o ideal da vida
campestre, habitando entre ovelhas numa choupana, desfrutando a ocasião presente ao lado do seu amor
Marília; há então a possibilidade de se conectar a canção interpretada por Elis Regina (compositores: Zé
Rodrix e Tavito), “Casa no Campo”, a qual remete para uma interrupção no cotidiano para apreciar coisas
inteiramente simples, atestando que a existência na fazenda poderia ser a representação na qual a grande
parte dos indivíduos tem de paz, história bem-sucedida e autorrealização. Por fim, pode-se citar, também,
entre as obras do Realismo, o poema “A um Poeta”, de Antero de Quental, no qual o autor interpela a
quem está em alienação e circunstância de inação, o quanto é importante a luta reformadora ao lado de
uma população que padece e procura a liberdade; podendo, assim, relacionar-se com a música “Que país
é este”, de Legião Urbana, em que se apresenta uma letra argumentadora, perpetrando crítica rigorosa à
sociedade, com voz ativa versus a impunidade, ausência de princípios civilizacionais, a corrupção na
política e dos próprios eleitores.
Dessa maneira, percebe-se o quanto os estilos literários podem estar inseridos nas letras de
canções, dando ênfase à forma de expressar o seu conteúdo, elucidando pontos característicos da escrita
dos seus autores e manifestações literárias/artísticas. A canção oportuniza diversificação de temáticas que
poderão ser utilizadas em ambiente escolar, sendo isso em razão de destacar discussões necessárias, em
relação às questões políticas e culturais, sejam específicas de uma localidade, sejam de vertentes globais,
considerando o seu alcance em relação aos assuntos. Colabora com a aproximação dos relacionamentos
interpessoais e autoriza a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade com diferentes temáticas que são
tratadas nas produções musicais. Por isso, é função do professor a avaliação e seleção de assuntos
musicais que mais se adequam aos discentes e ao contexto social no qual estão incluídos, com o objetivo
de alcançar permanentemente a adesão e atenção dos estudantes nas práticas sugeridas (Dal Zotto, 2018).
Assim como salienta Souza (1992, como citado em Dal Zotto, 2018:35):

“A utilização da música na escola apresenta aspetos bastante significativos para a vida das
crianças, jovens e adultos, trazendo a evidência de uma maior consciência de si próprio, o
respeito e a compreensão do outro, o exercício do pensamento crítico e a ação estimuladora da
criatividade na aquisição do conhecimento através da música”.

Face o exposto, a música poderá ser utilizada como ferramenta alternativa do ensino da literatura
no Nível Médio, até mesmo para servir de terapia aos problemas encontrados. As práticas de
musicalização na literatura contribuem para a assimilação do conteúdo, incluindo as realidades distintas,
como é o caso das Pessoas com Deficiência (PcD). Dessa forma, trabalhar os estilos literárias através da
obra, de uma maneira lúdica e de expressão espontânea, a partir de abordagens integrativas entre as
canções e poemas, pode tornar possível o desenvolvimento do interesse do aluno e, consequentemente, o

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envolvimento social em sala e fora dela, possibilitando uma abertura para a aprendizagem da literatura e
de outras disciplinas.

4. Considerações Finais
As discussões acerca da música como estratégia didático-pedagógica do ensino da literatura, tendo
em vista a sua relevância para a aprendizagem, deveriam ser frequentes no âmbito da educação.
As canções estão presentes na vida do homem desde tempos remotos, fazendo-se constante no
cotidiano dos indivíduos de qualquer faixa-etária. Contudo, como metodologia de ensino faz-se mais
frequente no mundo infantil, e não no Ensino Médio.
Diante do trabalho empreendido, levando em consideração o objetivo geral proposto para esta
pesquisa, que foi de compreender como as canções podem auxiliar no processo ensino-aprendizagem da
Literatura no Ensino Médio, percebe-se uma oportunidade dinâmica no processo educacional e progresso
intelectual de adolescentes e jovens do Ensino Médio, sendo possível afirmar que se nortearam as
informações basilares sobre a interface canção e música para esse segmento.
Além disso, em relação aos objetivos específicos, o primeiro - as perspetivas históricas do modelo
didático-pedagógico no ensino da literatura - foi alcançado, pois por meio de uma síntese das principais
mudanças na educação literária das instituições escolares, foi possível verificar, de maneira cronológica,
os avanços e declínios nas metodologias vigentes. O segundo objetivo específico - os principais desafios
do ensino da Literatura no Ensino Médio - foi atingido, tendo em vista que pontuaram-se as problemáticas
e dificuldades de materiais (livros didáticos, obras completas, etc.), da prática docente, da receção do
aluno, da estrutura curricular integrada no ensino da literatura para os estudantes do Ensino Médio, entre
outros fatores que são entraves no desenvolvimento de leitores conscientes do papel literário. Finalmente,
o terceiro objetivo - a música como estratégia didático-pedagógica do ensino da Literatura no Ensino
Médio - foi cumprido parcialmente, uma vez que o capítulo em questão é um esboço bibliográfico com
reflexões sobre as contribuições da canção como método de ensino da literatura, porém, não se aplicou
uma didática específica em campo para averiguar a veracidade das fundamentações teóricas lidas. Mesmo
assim, como a proposta foi bibliográfica, entende-se que este artigo servirá como análise basilar na
empreitada de estudos in loco.
Dessa forma, o que foi trabalhado neste artigo foi apresentar a música como auxiliar no processo
cognitivo de assimilação do conteúdo literário, além de estimular o conhecimento teórico dos estilos
literários a partir das produções dos autores.
Identificou-se a canção como potencial ferramenta de desenvolvimento global do aluno na escola
e fora dela, como um indivíduo participante do mundo. Todavia, apesar do que ora fora expresso, são

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notórios os entraves que ainda existem para materializar esse modelo de educação, em razão de se tratar
de algo que precisa de esforço dos gestores, dos docentes e dos alunos, e numa forte mudança de
pensamento, pois ainda existem aqueles que preferem um ensino tradicional, mecanicista e burocrático,
mantendo o estudante em postura estagnada e inerte perante as problemáticas sociais que o circunda.
Para tanto, é preciso destacar que a estratégia didático-pedagógica aqui apresentada deve levar em
conta que as músicas precisam estar adaptadas ao assunto escolhido, e serem pensadas previamente pelo
professor; ou seja, não só inseridas como um passatempo, mas como um instrumento que tente estimular
o interesse pela leitura do texto literário nos alunos. Não se deve ter a intenção de substituir a obra pela
música, contudo, relacioná-los, a partir de um estudo comparativo e integrativo, para assim alcançar as
características estilísticas através das produções artísticas da literatura.
Como se refere na pesquisa, os estudantes de Nível Médio, sendo um público constituído por
adolescentes e jovens, pode-se aproveitar o facto de serem consumidores ativos dos media, incluindo a
música, demonstrando-se que essa é uma forma diligente para o ensino literário.
Portanto, é possível identificar que é necessária a reflexão sobre estratégias didático-pedagógicas
na formação de leitores literários conscientes, que aprendam com prazer, através da utilização dos medias
que estão em alta, sendo participantes da cultura da juventude atual. Percebe-se, ademais, que
música/canção, quando escolhida com cuidado, auxilia no ensino de diversas disciplinas/matérias,
trazendo à sala de aula um ambiente favorável à aprendizagem. O docente contemporâneo precisa
vislumbrar o que na sua prática deve ser atualizado de maneira constante, procurando novas formas de
conquistar a atenção do público-alvo para o conteúdo, e contribuir do melhor modo possível para a
formação dos alunos.

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CURRÍCULO, PERSPECTIVAS DE ANÁLISIS PARA UN


CONCEPTO POLISÉMICO Y POLÉMICO EN LA FORMACIÓN DE
OFICIALES DE LAS FUERZAS ARMADAS ANGOLANAS
CURRICULUM, PERSPECTIVES OF ANALYSIS FOR A POLYSEMIC
AND CONTROVERSIAL CONCEPT IN THE TRAINING OF ANGOLAN
ARMED FORCES OFFICERS
CURRICULUM, PERSPECTIVES D'ANALYSE D'UN CONCEPT
POLYSÉMIQUE ET CONTROVERSÉ DANS LA FORMATION DES
OFFICIERS DES FORCES ARMÉES ANGOLAISES
CURRÍCULO, PERSPETIVAS DE ANÁLISE DE UM CONCEITO
POLISSÉMICO E POLÉMICO NA FORMAÇÃO DE OFICIAIS DAS
FORÇAS ARMADAS ANGOLANAS

Felisberto Kiluange Fragoso da Costa *


f.kiluangefragoso@gmail.com

Resumén
Las Fuerzas Armadas garantizan la soberanía y seguridad nacional. Para que las Fuerzas Armadas Angolanas
(FAA) puedan desarrollarse y cumplir con las misiones que le son atribuidas en la Constitución necesita de un
sistema de enseñanza y entrenamiento de sus cuadros, de donde se destaca la formación de Oficiales. Esta
comunicación, como parte de la pesquisa en la maestría del autor, surge de la consideración de la siguiente
cuestión: ¿Qué perspectivas de análisis existen en la literatura para el concepto “currículo” para la formación de
Oficiales que sean integrales, capaces de manifestar en su quehacer profesional las habilidades, conocimientos y
valores que satisfagan las necesidades sociales y profesionales en la Republica de Angola? Así, se analizaron las
definiciones del concepto “currículo” entre los años 1918 a 2007 – cuando se iniciaron los primeros cursos de
licenciatura en ciencias militares de las FAA – para fundamentar la necesidad de actualización del currículo de
formación de los Oficiales. Para tanto, se hizo recurso a una pesquisa bibliográfica y a análisis de los documentos
rectores del currículo de formación de Oficiales, que reveló sus insuficiencias delante de los avances logrados por
la ciencia y el arte militar y por las FAA.

Palabras clave: Currículo, Formación superior militar, Oficiales de las Fuerzas Armadas Angolanas.

Abstract
The Armed Forces guarantee national sovereignty and security. In order for the Angolan Armed Forces (FAA) to
develop and fulfil the missions attributed to it in the Constitution, it needs a system of education and training of its
cadres, of which the training of Officers stands out. This paper, as part of the author's master's research, arises from
the consideration of the following question: What perspectives of analysis exist in the literature for the concept of
"curriculum" for the training of officers who are integral, capable of manifesting in their professional work the
skills, knowledge and values that meet the social and professional needs in the Republic of Angola? Thus, the
objective was to analyse the definitions of the concept of "curriculum" between 1918 and 2007 - when the first
FAA military science degree courses began - in order to justify the need to update the training curriculum for
officers. To this end, a bibliographical research and an analysis of the guiding documents of the officer training
curriculum were carried out, which revealed its inadequacies in the light of the progress achieved by military
science and art and by the FAA.

Keywords: Curriculum, Higher military training, Officers of the Angolan Armed Forces.

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Resumé
Les forces armées garantissent la souveraineté et la sécurité nationales. Pour que les Forces Armées Angolaises
(FAA) puissent se développer et remplir les missions qui leur sont attribuées dans la Constitution, elles ont besoin
d'un système d'éducation et de formation de leurs cadres, parmi lesquels se distingue la formation des officiers. Cet
article, dans le cadre de la recherche de maîtrise de l'auteur, est né de la considération de la question suivante :
Quelles perspectives d'analyse existent dans la littérature pour le concept de "curriculum" pour la formation
d'officiers intégraux, capables de manifester dans leur travail professionnel les compétences, les connaissances et
les valeurs qui répondent aux besoins sociaux et professionnels en République d'Angola ? L'objectif était donc
d'analyser les définitions du concept de "curriculum" entre 1918 et 2007 - date à laquelle les premiers cours de
science militaire de la FAA ont débuté - afin de justifier la nécessité de mettre à jour le curriculum de formation des
officiers. A cette fin, une recherche bibliographique et une analyse des documents directeurs du programme de
formation des officiers ont été effectuées, qui ont révélé ses insuffisances à la lumière des progrès réalisés par la
science et l'art militaires et par la FAA.

Mots clés: Curriculum, Formation supérieure militaire, Officiers des forces armées angolaises.

Resumo
As Forças Armadas garantem a soberania e a segurança nacionais. Para que as Forças Armadas Angolanas (FAA)
possam desenvolver e cumprir as missões que lhe são atribuídas na Constituição, é necessário um sistema de
educação e formação dos seus quadros, do qual se destaca a formação de Oficiais. Este artigo, como parte da
pesquisa de mestrado do autor, surgiu da consideração da seguinte questão: Que perspetivas de análise existiram na
literatura para o conceito de "currículo" para a formação de oficiais que sejam integrais, capazes de manifestar no
seu trabalho profissional as competências, conhecimentos e valores que satisfaçam as necessidades sociais e
profissionais na República de Angola? Assim, objetivou-se analisar as definições do conceito de "currículo" entre
1918 e 2007 - quando começaram os primeiros cursos de licenciatura em ciências militares das FAA - a fim de
justificar a necessidade de atualizar o currículo de formação dos mesmos oficiais. Para o efeito, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica e análise dos documentos orientadores do currículo de formação de oficiais, que revelou as
suas insuficiências à luz dos progressos alcançados pela ciência e arte militares e pelas FAA.

Palavras-chave: Currículo, Formação Superior Militar, Oficiais das Forças Armadas Angolanas.

* Doctorando en Educación en la Universidad Lusófona, en Lisboa. Concluyó, su Maestría en Dirección del Proceso Docente Educativo en
las Instituciones Docentes de Nivel Superior en el Instituto Técnico Militar, La Habana, y la graduación en Pedagogía en el Instituto Superior
de Ciencias de la Educación de la Universidad Agostinho Neto – Angola. Pertence ao Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e
Desenvolvimento | Universidade Lusófona e ao Instituto Superior Técnico Militar – Angola.

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Introducción
El mundo de hoy está inmerso en un proceso de aplicación gradual y progresiva de los adelantos
científicos y económicos que inciden en sus políticas y afectan sus relaciones sociales y situación
demográfica. Tales cambios acelerados y vertiginosos fuerzan al sistema de educación de los países a
transitar al compás de los tiempos modernos, preparando hombres capaces para dar respuesta a las
necesidades sociales. Políticos y educadores debaten constantemente en varios fórums sobre las mejores
vías para resolver los problemas sociales que se reflejan en las diversas profesiones y que los deben
resolver. Cierto es el planteamiento de Valera Sierra, R., las universidades enfrentan en la actualidad el
gran reto de…. formar a profesionales que sean capaces de insertarse plenamente en los procesos sociales,
productivos y científicos en un contexto complejo, caracterizado por las desiguales situaciones
económicas, los vertiginosos cambios tecnológicos y la amplia diversidad sociocultural… estas
exigencias… implican revisar los criterios con los que se proyectan, planifican, diseñan y estructuran los
planes y programas de estudio en la educación superior. A respecto de eso un colectivo de autores del
CEPES plantea:
La enseñanza superior actual se desarrolla en un contexto de desafíos y dificultades relativas a…
la pertinencia de los planes de estudio, las posibilidades de empleo a los graduados…, así como al uso de
las nuevas tecnologías en los sistemas educativos. Todos estos factores deben ser considerados en el
momento de elaboración del currículo, creándose de esta forma mejores condiciones para alcanzar la
formación de profesionales capaces de actuar acordes a las exigencias que impone el mundo
contemporáneo.
Para alcanzar una enseñanza superior oportuna, pertinente y integradora se requiere de constantes
actualizaciones y, en algunos casos, de reformas curriculares fundamentadas científicamente. De acuerdo
al colectivo de autores citado anteriormente, lograr tales niveles académicos superiores mediante reformas
curriculares no debe interpretarse como mayor número de disciplinas a estudiar. No es tampoco sólo una
actualización de conocimientos de acuerdo al desarrollo científico técnico actual, aunque eso sea
necesario. Se requiere esencialmente del diseño y desarrollo de un modelo de actuación profesional
orientado a desarrollar las acciones básicas generalizadoras de dicha profesión que le permitan
determinada movilidad en su campo de acción, es decir, una búsqueda de metodologías que apunten a
despertar en el alumno su capacidad creadora, independiente e innovadora y a ofrecer los procedimientos
necesarios para aplicar el saber adquirido en la solución de los problemas reales que definen el contexto
social (CEPES, 2003). Por eso, el aporte más significativo de un currículo al contexto mundial es quizás,
la incorporación de programas que estimulen y canalicen la creatividad de los profesores y alumnos, así
como las estructuras que propicien la introducción de nuevos conocimientos, teorías y técnicas. De

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acuerdo con el CEPES (2003) esto significa que, el énfasis en la proyección curricular no debe estar sólo
en lo que se enseña, en quien lo enseña y cómo lo hace, sino fundamentalmente en lo que los estudiantes
tienen que aprender, que debe quedar expresado en el modelo de actuación profesional…. le corresponde
a la Universidad no sólo formar profesionales para el momento actual sino para el futuro con vistas a
llevar hacia delante el desarrollo, con conciencia de servicio a su país y dispuestos a incorporar de manera
independiente las innovaciones dentro de su profesión, así como los cambios sociales sobre los que
repercute.
Eso implica que el currículo sea concebido permitiendo ajustes, poniendo de manifiesto su
carácter flexible, integrador y sistémico. Cuanto a eso, Cardoso, (2008:18) expone: “se sabe que en la
actualidad existen problemas con la eficiencia de los sistemas educativos, con la formación de profesores
y con la eficiencia de los planes y programas de estudio”.
De todos los problemas citados anteriormente por Cardoso, (2008), la presente comunicación se
interesa y centra sus esfuerzos en responder al siguiente cuestionamiento ¿Qué perspectivas de análisis
existen en la literatura para el concepto “currículo” para la formación de profesionales militares de
logística que sean integrales, capaces de manifestar en su quehacer profesional las habilidades,
conocimientos y valores que satisfagan las necesidades sociales y profesionales en la Republica de
Angola?
Los tres componentes fundamentales del diseño curricular (modelo de actuación profesional, plan
de estudio y programas de estudio) reflejan niveles de generalidad diferentes en la planificación curricular
desde un nivel macro hasta el diseño a nivel micro de una asignatura y se encuentran en la literatura de
manera diversa, así como los encargados de su diseño varían según las políticas educativas de cada país e
instituciones.
Partiendo de los avances de la ciencia y de las exigencias de la sociedad hacia los profesionales
existe una demanda hacia las universidades en la elaboración de diseños curriculares oportunos,
actualizados, flexibles e integradores que formen a los estudiantes para su tiempo y con proyección hacia
al futuro (Alba, 1993).
El proceso de formación de oficiales de las Fuerzas Armadas Angoleñas (FAA) demanda los
avances científico-técnicos que exigen oficiales integrales en su modo de pensar, sentir y actuar;
manifestándose en su personalidad habilidades, conocimientos y valores que caracterizan su actividad
profesional, previendo el desarrollo de aquellas acciones generalizadoras e integradoras que debe poseer
el egresado para la solución de los problemas sociales y profesionales con que se enfrentará diariamente.
Sin embargo, el proceso de formación de oficiales, complejo por sus características militares,
culturales, políticas, y psicopedagógicas propias enfrenta diversas incongruencias desde el diseño

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curricular hasta la aplicación de currículos científicamente fundamentados. Se parte de la idea de que para
mejor dirigir el proceso de formación de los profesionales militares se debe empezar por diseñar un
modelo de actuación científicamente fundamentado (militar, científica, pedagógica y psicológicamente).
Teniendo en cuenta los elementos antes expresados y las características particulares de nuestra
investigación, mediante el análisis de los documentos rectores para la formación de los profesionales
militares de Angola se presenta este ensayo, con el objetivo de analizar el concepto de currículo. Es de
suma importancia proceder el análisis del concepto “currículo” para se considerar los elementos teóricos
que lo fundamentan, las cuestiones científicas, militares y técnicas a tener en cuenta en la planificación de
las habilidades, conocimientos y valores que los egresados deberán evidenciar. Del hecho, se describe, a
continuación, las perspectivas que tienen algunos autores sobre el tema, desde el año 1918 a 2012,
momento en que empieza la educación superior en las FAA.

1. Percurso metodológico

Este artículo hace una revisión de la literatura sobre el término currículo, que seguramente no es
exhaustiva, desde los primeros momentos que empezó a ser utilizado, en 1918 por Bobitt, hasta el año de
2012, cuando empezó la educación superior para los Oficiales en las Instituciones de Enseñanza Superior
Militar de Angola, en cursos de Licenciatura en Ciencias Militares. La misma se concibió bajo una
concepción de formación que incorpora el desarrollo de las habilidades académicas, comportamentales,
físicas y militares, combinadas. De esto, empleando el materialismo histórico y dialéctico se fundamenta
la necesidad de diseñar un currículo para la formación de oficiales de las FAA que proyecte el egresado
desde su momento histórico, acorde con las exigencias que se plantean al oficial de estos tiempos
modernos y complexos.
Así, la breve revisión de la literatura específica permitió analizar la evolución de la teoría
curricular por los autores que tratan el tema y definir las tendencias más trabajadas por ellos. El estudio de
los documentos rectores del sistema de enseñanza militar en general, del proceso de formación de
Oficiales de las FAA articulados con la legislación nacional que rige el sistema de enseñanza en la
República de Angola, bajo una concepción sistémica del currículo permitió evidenciar los nexos entre el
plan estructural-formal, dirigido al diseño curricular, y el plan estructural-funcional orientado para el
desarrollo curricular, mediante la determinación de sus componentes, las relaciones entre ellos y su
dinámica y coherencia interna.

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2. LA Teoría Curricular e Componentes del Sistema Curricular

Desde la publicación de Bobbit, F. (1918) sobre currículo, mucho se ha publicado con respeto al
tema. La problemática curricular es hoy ampliamente estudiada desde varios enfoques, lo que nos remete
a la teoría curricular, que versa sobre los aspectos teóricos que rigen tal fenómeno.
La Teoría Curricular fue definida por Walker, D.F., como “cuerpo de ideas, coherente y
sistemático, usado para dar significado a los fenómenos y problemas curriculares y guiar las personas a
decidirse por acciones apropiadas y justificadas”. Ruiz, J.M, la vio como “conjunto de conocimientos,
estrategias y aplicaciones sistematizadas, en torno a un conjunto de propuestas relacionadas relativas a la
formación”.
Los dos autores resaltaron la sistematicidad de las ideas en el currículo, su incidencia en dar
significado a los problemas de naturaleza curricular y función de guía en la toma de decisiones, pero el
segundo autor fue un poco adelante al plantear que además de eso, es un conjunto de conocimientos
elaborados, articulados en estrategias y aplicaciones sistematizadas para guiar la toma de decisiones
relativas a un proceso formativo, eso es orientando las mejores vías de solución de un dado problema
educativo, poniendo en evidencia las dimensiones de la Teoría Curricular, principalmente las dimensiones
instrumental y cognoscitiva.
A su vez para Ruíz Aguilera, A., Teoría Curricular, se ocupa de la planificación y de la dirección
de todo el sistema de influencia educativa que se lleva a cabo en las instituciones docentes hacia la
formación integral de los educandos (...) cumpliendo funciones: descriptiva, explicativa, predictiva o
pronóstica y prescriptiva e instrumental, teniendo como campo de acción la orientación, regulación,
control y evaluación.
Partiendo de la amplitud y concreción del concepto definido por Aguilera, el autor de la presente
comunicación asumió la Teoría Curricular como rama de la Ciencia Pedagógica que estudia el currículo
con sus regularidades, categorías y conceptos y tiene como campo de acción la selección, estructuración y
relación funcional de los componentes del sistema curricular. A continuación se ha representado tal
definición en la figura 1.

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Figura 1 - Componentes del sistema curricular

Modelo
ModeloPedagógico
Pedagógico

Modelo
ModeloPedagógico
de Atuação
Modelo Modelo de
Profissional
Pedagógico
Atuação Profissional

Plano e Programas

Plano e Programas

Actividades lectivas del Plan


Plano Estructural-Formal (Diseño Curricular)

Actividades lectivas del Plan estudio


Actividades no lectivas del Actividades Plano
Plano Estructural-Formal Plan de estudio Procesual-Práctico
(Diseño Curricular) Actividades no lectivas del Plan de estudio (Desarrollo Curricular)

estudio
no planificadas

Fuente: Adaptado de CEPES (2003).

En la figura anterior se representó la interacción existente entre los componentes del sistema
curricular, desde la centralidad del modelo de actuación profesional diseñado bajo la concepción de
determinado modelo pedagógico, en que se plantean las actividades lectivas del plan de estudio, las
actividades no lectivas del plan de estudio (investigativas y laborales) y las actividades no lectivas
planificadas (deportivas y culturales). Pero, si la Teoría Curricular estudia el currículo con sus
regularidades, categorías y conceptos, ¿qué es entonces el currículo?

3. Tendencias Conceptuales del Término

La palabra currículo es de origen latina y etimológicamente significa carrera, lo que está


sucediendo u ocurriendo. El concepto de currículo es, probablemente, uno de los más controversos de
todos los que normalmente se encuentran en cualquier análisis disciplinar de la educación desde que en
1918 apareció dando nombre al libro de Bobbitt, “The Curriculum”.
Partiendo de la cuestión planteada por Salinas, D. “¿Qué es lo que debe enseñar la escuela?”,
varios autores se lanzaron a estudiar sobre esta temática y publicaron diversos libros exponiendo sus
criterios. De las distintas concepciones surgen otras, en la medida que se critican unas a las otras,
divergiéndose y complementándose mutuamente. Véase a continuación la esencia del concepto de
currículo planteada por diversos autores y sus principales tendencias.

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Tabla 1 – Esencia de las definiciones de currículo por los autores

Autor Esencia de la definición Tendencia


“dos maneras: … rango total de experiencias, dirigidas o no,
comprometido en desarrollar habilidades del individuo, y …serie
Bobbit, F. de experiencias de entrenamiento conscientemente dirigidas que Educación
(1918) las escuelas emplean para completar y perfeccionar ese
desarrollo”

“Experiencias de aprendizaje planeadas y dirigidas por la escuela


Tyler, R.
para alcanzar sus metas educacionales” Educación
(1949)
“Plan para el aprendizaje, en el que todo lo que se conoce sobre el
Taba, H. proceso de aprendizaje y de desarrollo del individuo debe ser Plan de
(1962) tenido en cuenta para su elaboración”. Estudio

“Secuencia de unidades de contenido.”


Gagné, R. Programa de
(1967) Estudio

“... Es lo que se prescribe de forma anticipada, los resultados de la


Johnson. M Producto del
institución”.
(1967) PDE
“Todo aquello que transpira en la planificación, la enseñanza y el
Tyler. R aprendizaje de una institución educativa para sus propósitos, los Plan e
(1973) currículos comprenden solamente los planes para un programa Programa de
educativo”. Estudio

“Proyecto global, integrado y flexible que muestra una alta


Stenhouse,I. susceptibilidad, para ser traducido en la práctica concreta Proyecto de
(1975) instruccional”. Estudio

Un plan que norma y conduce explícitamente un proceso concreto


Recurso
… que se desarrolla en una institución educativa… Se compone
Arnaz material, como
de cuatro elementos: objetivos curriculares, plan de estudios,
(1981) documentos
cartas descriptivas y sistema de evaluación.
rectores

Intención, plan o prescripción, una idea acerca de lo que


Stenhouse, desearíamos que sucediese en las escuelas… y…el estado de Educación
I. (1981) cosas existente en ellas (intención y realidad).

Proyecto que preside las actividades educativas escolares,…


Coll.C proporcionan información concreta sobre qué enseñar, cuándo Plan de
(1992) enseñar, cómo enseñar y qué, cómo y cuándo evaluar. Estudio

“Síntesis de elementos culturales… que conforman una propuesta


Alba, A. político-educativa… cuyos intereses son diversos y Educación y
(1994) contradictorios,… conformada por aspectos estructurales-formales documentos
y procesuales-prácticos”. rectores

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Proceso de realización y proyecto sistematizado de


conocimientos, competencias y valores en unidad dialéctica, que Proyecto de
Col. Aut. responde a las exigencias sociales con la finalidad de lograr un realización y
ITM (1997) crecimiento personal que se traduzca en formas de pensar, de proceso
sentir, de valorar y actuar frente a los problemas complejos que sistematizado
plantea la vida.

“Instrumento que transforma la enseñanza, guía al profesor y


Casarini. R Documento
ofrece una retroalimentación y modificaciones al diseño original”.
(1999) rector

“Sistema de influencias instructivas, educativas y


CIP desarrolladoras… que tienen al proceso de enseñanza como centro Programa de
(1999) del desarrollo y la educación y en el que se expresa la unidad de lo Estudio
afectivo y lo cognitivo”.

¨Plan de acción para la formación del profesional, a partir del cual


Zayas, A. se organiza, dirige, ejecuta y controla el proceso de enseñanza y Plan de
(2001) aprendizaje”. Estudio

“Un proyecto de formación y un proceso de realización a través de


una serie estructurada y ordenada de contenidos y experiencias de
CEPES aprendizaje… que se traduzcan en formas de pensar, sentir, valorar Proyecto y
(2003) y actuar frente a los problemas complejos que plantea la vida proceso
social y laboral en un país determinado”.

“Sistema normativo de cumplimiento de los objetivos sociales…


CIP en el interés de lograr el desarrollo de la personalidad de los Documentos
(2007) educandos”. rectores

Fuente: Elaboración del autor.

En la Pedagogía Militar, además, en lo referido al currículo se destacan las contribuciones de


González García, R., Prado Caballero, L., y Millán Saro, G., que constituyen fuentes de información para
esta investigación por las particularidades descritas sobre el desarrollo del PDE en dos de las instituciones
docentes de nivel superior de las FAR, en Cuba.
Teniendo en cuenta la diversidad de definiciones antes expuestos, se pueden considerar las
siguientes tendencias más generales de currículo para su aplicación:
a) Como recurso material: documentos básicos instrumentales que norman y orientan el
desarrollo del proceso de aprendizaje sistemático;
b) Como acción personal: conjunto de experiencias que vive el educando bajo la
responsabilidad de la institución educativa en función de los objetivos de la educación;
c) Como logro personal: resultado de aprendizaje alcanzados por el educando en función de
los objetivos de la educación y bajo la orientación de la institución escolar;

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d) Como plan de estudio: donde se considera la distribución de asignaturas a lo largo de


diversos años y semestres con una duración determinada;
e) Como disciplina: donde prevalece el criterio de que lo fundamental es el programa de
estudio;
f) Como producto: predominan los resultados que se espera obtener de los estudiantes;
g) Como proceso: donde se considera el sistema como un esquema en el que existe una
entrada y salida con una relación entre ellas;
h) Como recorrido: se trata fundamentalmente de identificar y definir todos los espacios, los
momentos y las acciones por medio de los cuales el estudiante va a pasar;
i) Como educación: en la que se distinguen las consideraciones siguientes:
1. Todo lo que hace y ofrece la institución educativa para preparar a los individuos;
2. Soma de experiencias que, bajo la orientación de la institución educativa, se ofrece a
los niños.

Como puede analizarse existen disímiles definiciones con respecto al currículo, algunas de estas
con una visión más amplia y otras con una visión más reduccionista, algunos reduciéndolo al programa de
la asignatura o el plan de estudios. Sin embargo, el currículo es más que esto; no es solo algo estructurado
sino que debe analizarse en su operacionalización, en su implementación, desde el aula pero además fuera
de esta, en las experiencias de aprendizaje dentro y fuera del aula. Tal es así que el currículum llega a ser
reconocido por profesionales de la educación como todo lo referente al actuar diario en la institución
educativa.
Resulta importante reconocer además la influencia del currículo en la formación de la
personalidad de los estudiantes, vistos como ciudadanos y profesionales en formación, tal como expresara
Addine (2000:4) "el currículo es un proyecto educativo integral con carácter de proceso (…) en un
contexto histórico – social… que se traduzca en la educación de la personalidad del ciudadano que se
aspira a formar”. De esta manera, se tiene que considerar que el proceso de formación en la escuela debe
antes de todo formar a hombres (ciudadanos) y a profesionales, juntamente. Por formación humana se
entiende que debe la escuela crear todas las condiciones suficientes y necesarias para potenciar el
desarrollo de la humanidad de los estudiantes, en su integralidad, para que como ciudadanos conscientes,
activos, críticos y autocríticos, independientes e innovadores puedan participar en la resolución de los
problemas sociales y profesionales con que se enfrentarán en su quehacer profesional diario,
evidenciando acoplada a su formación humana, en un contexto histórico-social particular, su formación
profesional.

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Debe señalarse que en este sentido, varios investigadores actuales acerca de la temática curricular
plantean la necesidad de tener en cuenta los valores a la hora del desarrollo del currículo, tratando de
trabajar en el desarrollo integral de la personalidad de los estudiantes y no sólo en la selección de
conocimientos que deben demostrar en sus habilidades. "Es necesario que la educación superior
universitaria, promueva la creatividad y la originalidad (…) la construcción de un currículo pertinente…
deberá tender a fortalecer la integridad de la praxis en los campos en que el estudiante se desenvolverá en
un futuro como profesional" (Romana, 2006).
De todo el análisis de las diversas posiciones de los autores sobre el currículo y de sus
consecuentes tendencias conceptuales el autor asume para el presente trabajo el concepto planteado por el
Colectivo de autores del CEPES (2003) que define el currículo como, un proyecto de formación y un
proceso de realización a través de una serie estructurada y ordenada de contenidos y experiencias de
aprendizaje, articulados en forma de propuesta político-educativa que propugnan diversos sectores
sociales interesados en un tipo de educación particular, con la finalidad de producir aprendizajes que se
traduzcan en formas de pensar, sentir, valorar y actuar frente a los problemas complejos que plantea la
vida social y laboral en un país determinado. Pues que la concepción de currículo que se asume implica
también, considerar la concatenación que debe existir entre el plan estructural-formal y el plan procesual-
práctico, donde en el primer se da el diseño curricular, como proyecto de formación y, en el segundo plan,
el desarrollo curricular, como proceso de realización del proyecto de formación, como se ve en la figura
2.
Figura 2 - Planes del currículo

Fuente: Adaptado de Colectivo de autores (2012).

En las instituciones universitarias cada vez se hace más habitual que el plano estructural-formal se
concrete en la elaboración de tres documentos fundamentales, el modelo de actuación del profesional, el
plan de estudios y los programas de estudios por cada asignatura. Por ser componentes del currículo de la

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carrera universitaria, deben partir de una concepción sistémica de la formación profesional en la que se
precise la función que cada uno tiene y los vínculos que existen entre ellos (Colectivo de Autores, 2005).
Del análisis de las diversas posiciones de los autores sobre el concepto de currículo se resumen las
siguientes palabras claves: proyecto de formación, proceso de realización, planes y programas de estudio,
educación, experiencias y resultados de aprendizaje alcanzado por el educando y guía. La consideración
de estas constataciones nos pueden servir de punto de partida para el análisis del concepto “currículo” y
realzan lo que se necesita hacer para su diseño.

4. Consideraciones Finales

El análisis y síntesis de los fundamentos del currículo del proceso de formación de los Oficiales de
las FAA permitieron arribar a las siguientes consideraciones:

El currículo del proceso de formación de los Oficiales de las FAA presenta algunas insuficiencias,
atendiendo a los avances logrados por la ciencia y el arte militar, así como por las FAA, lo que claramente
se ve en los objetivos definidos y contenidos desarrollados en el PDE de los mismos;
El estudio de las tendencias curriculares y la correspondencia con la actualidad de los currículos
de los mismos oficiales expuso la necesidad de diseñar un modelo cuya finalidad sea el desarrollo integral
de la personalidad del estudiante con una estrecha vinculación a la vida social y profesional.

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A TEORIA DA COMPLEXIDADE E A INOVAÇÃO PEDAGÓGICA


CONVERGÊNCIAS E DISSONÂNCIAS DA ATUALIDADE
COMPLEXITY THEORY AND PEDAGOGICAL INNOVATION
CURRENT CONVERGENCES AND DISSONANCES

Gorete Pereira
goretepereira@staff.uma.pt *

Resumo

Este artigo procura aclarar as caraterísticas da teoria da complexidade e inventariar o lugar da inovação pedagógica
na sociedade do século XXI. A partir de um processo heurístico, procuramos saber de que forma a matriz teórica da
Complexidade pode contribuir para a inovação pedagógica e para a compreensão das convergências e dissonâncias
encontradas na atualidade. A abordagem ao paradigma vigente e o olhar para os pedagogos da pós-modernidade
enquadrou a narrativa da necessária transformação dos espaços pedagógicos.
A apresentação, discussão e demonstração das caraterísticas dos Sistemas Adaptativos Complexos (SAC) permitiu
discorrer os seus principais atributos correlacionando-os com os elementos pedagógicos que tipificam a inovação
pedagógica, enquadrada nas pedagogias construtivistas e nos posicionamentos educativos na sociedade do século
XXI.

Palavras-chave: complexidade; educação; inovação pedagógica; ciência.

Abstract

This article seeks to clarify the characteristics of complexity theory and inventory the place of pedagogical
innovation in 21st century society. From a heuristic process, we try to find out how the theoretical matrix of
Complexity can contribute to pedagogical innovation and to the understanding of convergences and dissonances
found today. The approach to the current paradigm and the perspective of postmodern pedagogues framed the
narrative of the necessary transformation of pedagogical spaces. The presentation, discussion, and demonstration of
the characteristics of Complex Adaptive Systems (CAS) made it possible to discuss their main attributes,
correlating them with the pedagogical elements that typify pedagogical innovation, framed in constructivist
pedagogies and educational positions in 21st century society.

Keywords: Complexity, education, pedagogical innovation, science.

* Professora Associada na Universidade da Madeira, Faculdade de Ciências Sociais, CIE-UMa. É Doutorada em Ciências da
Educação na área de especialização de Inovação Pedagógica, pela Universidade da Madeira e Mestre em Educação na Área de
Supervisão Pedagógica pela mesma universidade.

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Introdução

Etimologicamente a palavra “complexidade” deriva do latim complexus, que representa “o que é


tecido em conjunto”. Esta definição apela para a junção, o conjunto, ou seja, remete para a noção de que
tudo está ligado, influencia e é afetado por tudo.
A teoria da complexidade, é então considerada uma noção, um pensamento filosófico e
epistemológico que se estrutura na transdisciplinaridade (Silva, 2011). Por isso, e segundo o autor, a
complexidade visa a conjugação das diversas áreas de estudo e o questionamento da natureza, da
realidade, da vida e do mundo. A complexidade critica os paradigmas do pensamento e do conhecimento,
emergentes da modernidade, procurando refletir as fragilidades dos modelos vigentes e apontando a
transformação, designada por Morin (1991) de “reforma do pensamento”, que nos conduz à verdadeira
compreensão do real.
No campo da educação têm emergido vários alertas para a crise do paradigma vigente, pois o que
funcionou no passado já não funciona na atualidade e, segundo Kuhn (1970:68) “Failure of existing rules
is the prelude to a search for new ones”. E por isso, vivemos a transição: During the transition period
there will be a large but never complete overlap between the problems that can be solved by the old and
by the new paradigm. But there will also be a decisive difference in the modes of solution. When the
transition is complete, the profession will have changed its view of the field, its methods, and its goals
(Kuhn, 1970:85).
Neste sentido, há muito que os pedagogos da pós-modernidade sugerem caminhos metamórficos
na ação pedagógica, e procuram a transformação dos ambientes escolares contemporâneos, cuja realidade
tem sido criticada. No plano político assiste-se a novas performances que alertam para a necessidade de
romper o paradigma. A nível global o relatório da OCDE The Future of Education and Skills – Education
2030 equaciona a urgência de transformações a nível curricular, considerando os avanços científicos e a
complexidade dos problemas da sociedade, em que a partir de um novo conceito de currículo, agora
adaptável e dinâmico - se procura responder às necessidades de aprendizagem dos indivíduos.
Regulada pela matética7 e por ambientes de inovação pedagógica, o grande desafio é provocar
uma rutura cultural, criar contextos de aprendizagem desafiantes e inovadores, pois “[...] inovação
pedagógica implica mudanças qualitativas nas práticas pedagógicas e essas mudanças envolvem sempre
um posicionamento crítico, explícito e implícito, face às práticas pedagógicas tradicionais” (Fino,
2008:1).

7A palavra matética é usada pela primeira vez por Comenius, na sua obra Spicilegium Didacticum, com o seguinte significado: “Mathetica,
or ars discendi, is the art of learning to Know things or to seek the science of things” (Fino, 2017a, p. 1), sendo esta palavra recuperada por
Papert (2008) para definir a arte de aprender.

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Reportando-se à inovação pedagógica, Pereira (2016:61) reconhece que esta “ocorre na eclosão de
ambientes de aprendizagem e não de ensino”, constituindo-se em espaços de rutura com vista ao
desenvolvimento de novas modalidades pedagógicas e mudanças paradigmáticas que ensejam novos
fazeres escolares e o empoderamento dos aprendizes.
Partindo da teorização da complexidade, procuramos compreender o lugar da inovação
pedagógica, convergências e dissonâncias da atualidade emergentes do paradigma prevalente.
Refletimos a crise de paradigmas, o pensamento complexo, identificando caraterísticas, fenómenos
comuns e respetiva regulação. A relevância das caraterísticas da complexidade no pensamento pós-
moderno, suportada por Morin (2000), orienta as opções que deverão ser assumidas no plano educativo.
A singularidade do ato pedagógico justificou a reflexão sobre a pedagogia enquanto ação dialógica que
envolve educandos e educadores.

1. A crise de paradigmas e o pensamento complexo

Desde a ciência clássica que o trabalho do cientista consistia na descoberta de preceitos, que
baseados em modelos matemáticos determinavam a evolução do sistema, através de leis universais
(Neves, 2021). Vigorava o determinismo e o paradigma positivista que se adequava à explicação de
sistemas estáticos e em equilíbrio, mas que se revelava incapaz de esclarecer sistemas imprevisíveis e
incertos, como os sistemas vivos, indefiníveis numa equação geral quanto à sua evolução e
comportamento. Com efeito, “Os sistemas vivos são sistemas que se desenvolvem ora através de estados
de equilíbrio, ora através de estados de desordem e caos, dando origem a comportamentos incertos e
imprevisíveis, e é esta complexidade que os define como sistemas complexos” (Neves, 2021:21).
Segundo Donnadieu e Karsky (2002:18) na complexidade emergem “fenómenos onde interagem
múltiplos fatores, onde se combinam princípios de regulação e de desequilíbrio, onde se misturam
contingência e determinismo, criação e destruição, ordem e desordem, onde proliferam sistemas com uma
arquitetura cada vez mais elaborada”. Este conceito de sistema emerge do próprio conceito de
complexidade e expõe um comportamento não linear.
Para Silva (2022:26), um sistema complexo é algo que é constituído por partes que se
interrelacionam, e de cuja interação surgem padrões globais com caraterísticas novas e não lineares. Em
oposição, um sistema simples pode ser formado por elementos desordenados bastando para o definir a
listagem destas partes. “Caraterizando as partes definimos o sistema que não é mais que a soma de todas
elas”. O sistema é para o autor, o conjunto de elementos, as relações que se estabelecem entre eles e a sua
operacionalidade.

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No global, o paradigma da complexidade reconhece uma visão do mundo como um todo


indissociável, cujo conhecimento da realidade parte de uma perspetiva multidisciplinar (Neves, 2021).
Nesse sentido, também Morin (1991) advoga uma mudança paradigmática em que o objeto complexo se
assume como lugar de interseção de distintas problemáticas, mas cuja abordagem se baseia numa
perspetiva transdisciplinar e sistémica.
O autor, expõe sete princípios que visam a compreensão do pensamento complexo: 1. O princípio
dialógico – que consiste na união de dois princípios ou noções antagónicas que se deveriam repelir, mas
que são indissociáveis para a compreensão da realidade; 2. O princípio da recursividade – é o processo
em que os efeitos são simultaneamente causadores e produtores, e em que os estados finais são
necessários aos estados iniciais; 3. O princípio hologramático – em que o todo está nas partes e estas
podem regenerar o todo; 4. O princípio sistémico ou organizacional – a partir do qual a organização do
todo produz propriedades novas em relação às partes isoladas, designadas de emergências; 5. O princípio
do círculo retroativo – que desencadeia o conhecimento dos processos autorreguladores, mais conhecido
como feedback; 6. O princípio da auto-eco-organização – razão pelo qual a nossa autonomia é
inseparável do meio, revelando uma autonomia relativa: 7. O princípio da reintrodução do conhecimento
em todo o conhecimento – todo o conhecimento é uma reconstrução de um determinado tempo e cultura.
Em síntese, o pensamento complexo é regulado por determinados princípios, tais como: tudo está
ligado; o mundo vivo é composto por elementos antagónicos e complementares; toda a ação implica
retroação, que origina novas ações; vivemos em sistemas dinâmicos de retroação e não círculos estáticos
e lineares de causas e efeitos; a estrutura do sistema está em mudança permanente e faz emergir novas
propriedades; um sistema é mais do que a soma das partes, cujas propriedades não se explicam pela
análise isolada das partes constituintes e é impossível compreender o sistema sem o relacionar com o
contexto.

2.Teoria da complexidade e educação

Advogando a pertinência da complexidade no conhecimento pós-moderno Morin (2000) define


que: Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes
são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o
afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a
complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. O desenvolvimento próprio a nossa era
planetária nos confronta, cada vez com os desafios da complexidade. Em consequência, a educação deve

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promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e


dentro da conceção global (p. 38).
Trata-se de uma abordagem multi e transdisciplinar dos fenómenos, que segundo Neves (2021) se
contrapõe ao reducionismo e ao determinismo que tipificam o paradigma positivista, que caraterizou a
ciência clássica.
Deste modo, a natureza complexa no conhecimento pós-moderno, acarreta uma rutura com o tipo
de conhecimento fragmentado, disciplinar e frequentemente especializado. Defende-se um processo de
reintegração de vários elementos operacionalizado na busca por um saber interdisciplinar capaz de
corresponder aos desafios da complexidade dos novos tempos.
Também Sousa (2000) baseando-se nesta visão de complexidade, e adaptando-a ao fenómeno
educativo, examina-a e apresenta uma panóplia de elementos que a corporificam. Ou seja, para a autora, o
conhecimento pós-moderno sendo global, e não fragmentado, é sistémico e considera as várias “redes”
em que se insere implicando uma interdependência entre diversos componentes, dado que uma
modificação numa delas, afeta as restantes. Por outro lado, sendo singular e específico valoriza a
realidade e as vivências desencadeadas em pequenos grupos, não permitindo qualquer tipo de
generalização. Revela-se ainda no seu caráter processual e dinâmico ao determinar uma visão do seu
contexto evolutivo, impulsionando a apreensão da sua história processual, em oposição à visão
compartimentada no tempo e em barreiras temporais. De igual modo, o conhecimento pós-moderno é
incerto e instável, dado que estas são marcas específicas da própria modernidade. Por último, no
conhecimento complexo são valorizadas as conceções que estão subjacentes às observações do sujeito.
“As teorias serão o resultado da perceção do teorizador, do investigador, do observador, entendendo-se a
observação como o produto do sentido que o observador confere ao objeto observado” (Sousa, 2000:35).
Ao refletir e teorizar sobre a necessária mudança do sistema educacional hegemónico ocidental,
Morin (2007) relembra que qualquer reforma da educação deve começar pela reforma dos educadores.
Por acreditar que o principal objetivo da educação deve ser formar sujeitos críticos, autónomos e pró-
ativos, conscientes dos desafios que enfrentarão no futuro, o autor defende a reforma do pensamento dos
educadores e considera que a interdisciplinaridade não é a solução. Esta, apenas une as disciplinas, já a
transdisciplinaridade implica um pensamento organizador, a colaboração de todas e novas formas de
pensamento.
Morin (2007) reconhece ainda a relevância dos pensamentos conectados, circulares e dialógicos,
que integram as partes num todo, e concebem o todo no interior de cada uma das partes. Trata-se de uma
visão integradora, multirreferencial e diversa, que vê o mundo, a vida, a natureza e a sociedade na sua
complexidade e essência. O autor propõe então, a reforma do pensamento e do ensino a partir de três

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tópicos principais: a) problematizar os paradigmas de conhecimento; b) substituir o pensamento linear


pelo complexo e c) procurar a transdisciplinaridade.
Neste sentido, o caminho desta transformação passa pela autoeducação dos educadores,
capacitando-os para uma metamorfose pedagógica, que ao nível micro abre espaço a novas dinâmicas,
num exercício crítico da própria práxis. Nesta perspetiva abre-se espaço à inovação pedagógica definida
por Fino (2015) como: um ato consciente e crítico, que implica rutura com as práticas pedagógicas
cristalizadas ao longo da vigência da escola da modernidade, modelada pelo modo de produção industrial,
e que procura redefinir as relações entre pessoas (aprendentes e facilitadores), tentando favorecer os
processos que desencadeiam a aprendizagem e os ambientes sociais onde ela decorre ou de que é
consequência (pp. 126-127).
Mas, retomando o pensamento de Morin (2007), a autoeducação dos educadores impõe um
questionamento interior, a problematização permanente e crítica, e institui o caminho para uma mudança
de paradigma e transformação da consciência coletiva. Consciente da necessidade de estudo do
pensamento complexo, capaz de operar as ligações e relações entre as áreas do conhecimento demasiado
compartimentadas, o autor defende que a formação deverá capacitar os cidadãos a enfrentar os problemas
da atualidade.

3. Pedagogia na pós-modernidade

Num contexto de pós-modernidade, advogamos uma análise reflexiva sobre a pedagogia e suas
particularidades que poderão advir do ato pedagógico. A pedagogia é uma “teoria prática” (Durkheim,
1993:79), que com coerência e sentido, permite aos professores a organização da sua ação pedagógica.
Na antiguidade clássica, ao encarregado de conduzir a criança – com o propósito de a educar,
ajudar, aconselhar, designava-se de pedagogo. Enquanto ciência autónoma, a pedagogia detém linguagem
própria que origina um corpo de conhecimentos, uma série de experimentações e de técnicas essenciais à
construção de modelos educativos (Saviani, 2007).
Para Reboul (2000:429) a pedagogia é uma “arte metódica que dá àqueles que se educam os meios
e a ânsia de aprender o que eles não sabem”. Fino (2017b), ao refletir sobre o significado da palavra
pedagogia, reconhece o seu estatuto minoritário nos estudos curriculares, que como ação dialógica,
envolve educandos e educadores e começa muito antes e termina muito depois do “ato pedagógico”
(p.10). Para o autor, a escola de massas, refém de um currículo rígido e padronizado, nunca foi o locus da
pedagogia, que na sua pluralidade, procurou reinventar-se em “outros territórios, absolutamente

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minoritários” (Fino, 2017c, p.10) dada a rigidez e padronização patente nas escolas e que a impede de
prosperar nesses ambientes.
Considerada por Libaneo (2005:15) como “uma realidade em mudança”, a pedagogia ocupa-se de
tarefas de formação humana emergentes de contextos específicos. Deste modo, nestes tempos marcados
pela incerteza e mudança, a prática reflexiva torna-se essencial e determinante ao agir pedagógico e a
pedagogia mais do um reportório de técnicas e procedimentos metodológicos, se assume como uma
“arte”, um espaço reflexivo e envolvente, que na opinião de Fino (2017b) (...) qualquer pedagogia digna
desse nome invocaria valores e discutiria abertamente os propósitos, os meios e o conteúdo de sua ação.
Envolveria reflexão sobre a natureza humana de seus destinatários, sobre a sua dignidade, direitos e
necessidades, e sobre a forma de os apoiar no seu desenvolvimento cultural e cognitivo. E os métodos que
adotasse seriam os que se provassem mais adequados à natureza e à dignidade dos aprendizes, em
concreto (p. 33).
No plano educativo, a transição paradigmática da modernidade para a pós-modernidade, impõe
grandes desafios na definição de uma nova matriz concetual e teórica para os educadores e a inovação
pedagógica vai ganhando espaço e notoriedade, assumindo-se um verdadeiro sustentáculo da ação
pedagógica, num tempo marcado pela aceleração, transição e incerteza.

4. A inovação pedagógica e as caraterísticas da complexidade

Num tempo de profunda incerteza, a idealização de ambientes inovadores de aprendizagem


constituí um verdadeiro desafio à criatividade dos filhos da escola fabril. Na nova escola há muito
sonhada, o aprendiz é impelido a abandonar a passividade de outrora e o docente a promover abordagens
pedagógicas inovadoras. Segundo Freeman, et al., (2017).
Pedagogical approaches that shift the paradigma from passive to active learning help students to
develop original ideas, improve information retention, and build higher-order thinking skills. These
approaches include problem-based learning, project-based learning, challenge-based learning, and
inquiry-based learning, which encourage creative problem-solving and actively implementing solutions
(Freeman, et al., 2017:10).
No seguimento destas novas abordagens e da transição paradigmática Toffler (1998) imagina
novos arranjos às dinâmicas escolares seculares e às práticas pedagógicas há muito arreigadas na escola
contemporânea. O respeito pela diversidade, o ritmo de cada aprendiz, os seus interesses e motivações
ganham outro significado e aceitação.

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A nível global, a OCDE reitera a necessidade de repensar a educação e projetando o futuro assume
uma visão partilhada no documento The Future of Education and Skills – Education 2030 (Este
documento contribui para os Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU
2030, visando garantir a sustentabilidade das pessoas, do lucro, do planeta e da paz, por meio de
parcerias). Reconhece também, que mais do que preparar os jovens para o mundo do trabalho é urgente o
desenvolvimento de skills, que os tornem cidadãos ativos, responsáveis e engajados. Deste modo, a
educação assume um importante papel no desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e
valores que permitem que os jovens contribuam e beneficiem de um futuro inclusivo e sustentável. De
acordo, com o relatório supracitado aprender a formular metas claras e objetivas, trabalhar com outras
pessoas com diferentes perspetivas, encontrar oportunidades inexploradas e identificar múltiplas soluções
para os grandes problemas será essencial nos próximos anos.
Estas premissas justificam o compromisso de apoiar cada aluno a se desenvolver como uma
pessoa completa, a realizar o seu potencial e ajudar a moldar um futuro compartilhado. E assim, se vai
tomando consciência do caminho a trilhar, fazendo eco dos pensamentos pedagógicos contemporâneos,
que identificam o aprendiz como sujeito da sua aprendizagem, tomando dela parte ativa, participando da
construção de um currículo concebido à medida de cada um, no respeito pela individualidade e
diversidade.
E esta escola que releva a matética é lugar de diálogo e reflexão crítica, habitat de criatividade e
de inovação pedagógica, é uma escola diferente que atende à diversidade e aposta na flexibilidade
curricular. É um espaço de novos desafios e oportunidades, pois como refere Nóvoa (2006:45) “Valorizar
formas diferentes de fazer escola é multiplicar as oportunidades de cada um”.
Pensando nas soluções para a escola da atualidade, tendo como pano de fundo a inovação
pedagógica, revisitamos Silva (2016) que a concebe como um verdadeiro SAC aberto, dinâmico e
evolutivo. Neste sistema encontram-se um elevado número de elementos, condição da complexidade.
As caraterísticas de um SAC foram sintetizadas por (Silva, 2016:15) e representam diferentes
tipos de abordagem. Procurando compreender em que condições ocorrem a complexidade, a sua dinâmica
e os seus efeitos no espaço pedagógico, olhamos para a interseção de conceitos confluentes com a
inovação pedagógica. São estes os princípios essenciais à compreensão e estudo da complexidade em
espaço escolar.

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Tabela 1 - Caraterísticas dos Sistemas Adaptativos Complexos

Os agentes são múltiplos e diversos no que toca às motivações, formas e


Multiplicidade e
ideias, sendo que as suas ligações implicam um conhecimento distribuído,
diversidade de agentes
conhecimento e comunicação.
conectados
Os resultados das interações são imprevisíveis, consequência dos numerosos
Imprevisibilidade e diversificados agentes.
Os acontecimentos são influenciados por ocorrências, ações anteriores e por
Não linearidade relações não causais. Os fatores em interação determinam as probabilidades
de determinado acontecimento.

Padrões de Quando num sistema, muitas pessoas agem em concordância, emergem


comportamento novos padrões de comportamento, que podem estar conotados com a cultura
organizacional.
As interações e padrões de comportamento seguem regras simples de
Regras simples funcionamento; limites claros, mas flexíveis, constrangimentos capazes de
ligar os agentes, mas que não limitam a interação.
Propriedade emergente As interações desencadeiam adaptabilidade, isto é, fazem emergir
inovações. Por não ser imposta, a ordem diferencia-se do controlo.
As interações e mudanças podem emergir em ambientes auto-organizados.
Auto-organização Representa a capacidade de o sistema evoluir a partir do seu interior
(autocatálise) e de manter a sua identidade, apesar das mudanças
significativas que podem ocorrer.
Modularidade Nenhum elemento pode compreender e prever, por si só, todas as ações e
efeitos do sistema, pois os agentes têm informações limitadas.
Controlo distribuído Devido ao número de interações, não é possível controlar o sistema a partir
de um único ponto.
Funcionamento longe Os SAC porque funcionam longe do equilíbrio e situam-se entre a
do equilíbrio previsibilidade e imprevisibilidade respondem aos interesses dos agentes e
do contexto e produzem inovações, correndo riscos.
O sistema é alimentado pelas informações que recolhe e oferece ao
Circuitos de feedback ambiente, através de circuitos positivos e negativos. Nos SAC a informação
é energia, sendo que o feedback negativo tem caraterísticas regulatórias e o
positivo desencadeia a mudança.
Coevolução As interações fazem emergir novos padrões, os agentes e o sistema
coenvolvem.
Pontos de viragem O sistema tem pontos de viragem, momentos em que um limiar é
ultrapassado.

Fontes: Kesshavarz et al, 2010; Lansing, 2003; Mason, 2008; Snyder, 2014, citado por Silva, 2016:15.

Os conceitos anteriormente explanados encontram-se nos mais diferenciados SAC que evoluem e
se adaptam. Compreender a dinâmica da complexidade contribui para uma ação concertada e adequada
no espaço pedagógico. Por essa razão, consideramos importante refletir sobre as caraterísticas da
complexidade e conhecer outras perspetivas pedagógicas, condizentes com a inovação pedagógica. A
multiplicidade e diversidade de agentes conectados permitem instituir novos contextos de
aprendizagem, estimular a imaginação e aumentar a motivação dos aprendizes.
No campo das interações a imprevisibilidade é marca dominante tanto no paradigma da
complexidade como no campo da pedagogia construtivista que atribui aos aprendizes a supremacia do
processo pedagógico e das aprendizagens.

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A criação de ambientes disruptivos e inovadores de aprendizagem sustenta a abordagem não linear


dos SAC e traz novos ecos ao espaço pedagógico. Construir ambientes inovadores é um propósito que
deverá levar à emergência de novos padrões de comportamento, conotados com uma nova cultura
organizacional.
Reflexo de uma sociedade que respira complexidade que reflete a transitoriedade, a diversidade e
a fragmentação, impõe-se à educação, interações e padrões de comportamento flexíveis e interativos. As
interações desencadeiam adaptabilidade, ou seja, fazem emergir inovações. Por não ser imposta, a
ordem diferencia-se do controlo, enquanto propriedade emergente.
Como reconhece Fino (2009:14), para que se possa desencadear a inovação pedagógica é
necessária “[...] uma tomada de consciência dos constrangimentos existentes contra ela”, sendo que o
principal obstáculo, para o autor, é o invariante cultural8 que, antes de mais, precisa ser desconstruído
em cada um de nós.
A modularidade, enquanto caraterística do SAC, assegura que nenhum elemento pode
compreender e prever, todas as ações e efeitos do sistema, dado que os agentes têm informações
limitadas. Os SAC porque operam longe do equilíbrio, situam-se entre a previsibilidade e
imprevisibilidade em resposta aos interesses dos aprendizes e do contexto, produzindo inovações. As
informações recolhidas enquanto energia alimentam o sistema, sendo o feedback negativo regulatório e
o positivo desencadeador de mudança.
A complexidade da sociedade atual reflete cada vez mais a transitoriedade, a diversidade e a
fragmentação. Neste sentido, a educação é interpelada a promover o aprender a aprender. O seu caráter
evolutivo faz emergir novos padrões, e deste modo o centro gravitacional da educação passa a ser a
aprendizagem e não o ensino, em oposição às orientações advindas da escola tradicional.
Os pontos de viragem que tipificam a complexidade são essenciais para a construção de ambientes
inovadores de aprendizagem e constituem um dos maiores desafios colocados aos professores da
atualidade.
Neste sentido, Morin (2000) identifica sete saberes necessários à educação do futuro, que abarcam
os principais problemas que a educação precisa solucionar de modo a formar cidadãos capazes de
enfrentar o futuro. Designados de “buracos negros da educação” estes sete pontos, são questões que
precisam ser revistas, na busca de uma educação livre, autónoma e empoderadora, designadamente: o
conhecimento, o conhecimento pertinente, a condição humana, a componente humana, a incerteza, a era
planetária e a antropoética. Estes sete saberes, dizem respeito à vida, ao mundo, à natureza, e à sociedade

8 Invariante cultural é uma expressão de Fino (2009) que o define como a “representação comum de escola, profundamente enraizada
dentro e fora dela, socialmente partilhada de modo a incluir a generalidade dos estratos da sociedade, e as várias gerações presentes, e com
força suficiente para contrariar propósitos [...] de mudança” (p. 1)

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como um todo e podem fazer emergir um novo modelo de pensamento e de organização do


conhecimento, e em consequência a novos modos de vida e de relações sociais.

5. Considerações Finais

Num mundo em rápida mudança, a escola não pode ficar alheada da procura de novas soluções.
Além disso, o esgotamento da escola do passado exige ação e transformação urgentes.
Revisitando Alves (2016:163) olhamos para a escola como casa da humanidade, que tem de se
reinventar nos seus modos de organização e abdicar de ser uma cadeia de montagem regulada por uma
ordem fabril e parafernália de exames. “A escola do futuro terá necessariamente de passar por esta
reinvenção”.
Diante de um mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, a educação pode fazer a
diferença para que as pessoas aceitem os desafios com que se deparam ou sejam derrotadas por eles.
Numa era caracterizada por uma nova explosão de conhecimento científico e uma gama crescente de
problemas sociais complexos, é necessário que os currículos e os métodos pedagógicos continuem a
evoluir, talvez até de forma radical.
Globalmente as caraterísticas da complexidade cruzam-se com os sinais de mudança,
designadamente: reorganização do espaço pedagógico, a autonomia proporcionada aos alunos, a presença
do professor/tutor como agente metacognitivo, o controle do processo de aprendizagem por parte do
aprendiz, o trabalho colaborativo (trabalho e implicação dos pares na mediação das aprendizagens), a
comunicação predominantemente horizontal, que aos poucos vão tomando posição nos espaços
emergentes de aprendizagem fazendo emergir a inovação pedagógica, “[na] escola que, continuando a ser
um espaço-tempo de produção de conhecimento em que se ensina e que se aprende, compreende,
contudo, ensinar e aprender de forma diferente” (Freire, 1997:5). É aqui que a mudança de paradigma se
enquadra, a partir da substituição do pensamento linear pelo complexo e na procura da
transdisciplinaridade.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

O CONTRIBUTO COMUNITÁRIO PARA A EDUCAÇÃO


SUSTENTÁVEL DO SÉCULO XXI
Ana Cristina Rainha *
arainha@gmail.com
Ana Sofia Gonçalves * *
softinh@gmail.com

Resumo

O termo desenvolvimento sustentável remete-nos para o alerta do uso dos recursos naturais (ainda) existentes, os
quais visam atender as necessidades humanas. Conceito objetivamente aplicado em 1987, no Relatório Brundtland,
da Organização das Nações Unidas, estabelece a sustentabilidade como promotora de uma atitude impulsionadora
do conseguir satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer os recursos das gerações futuras. Este artigo
resume alguns anos de reflexão e ação sobre esta temática, projetando como meta a Agenda 2030. Apresenta,
problematiza e alerta para a necessidade de que educar para a sustentabilidade, num contexto da globalização
promove um estilo de vida e a construção de um novo paradigma holístico. Destaca o conceito de sustentabilidade
como uma grande oportunidade para os sistemas educacionais poderem renovar os seus princípios, diretrizes e
práticas, na sensibilização de e para toda a Comunidade Educativa, através do projeto das Comunidades de
Aprendizagem.

Palavras-chave: Educação para o desenvolvimento sustentável; Sustentabilidade; Comunidades de Aprendizagem.

Abstract

The term sustainable development reminds us of the use of (still) existing natural resources, which aim to meet
human needs. Concept objectively applied in 1987, in the Brundland Report, of the United Nations, establishes
sustainability as a promoter of an attitude that encourages the ability to satisfy present needs, without
compromising the resources of future generations. This article summarizes some years of reflection and action on
this theme, projecting the 2030 Agenda as a goal. It presents, problematizes and alerts to the need that educating for
sustainability, in a context of globalization, promotes a lifestyle and the construction of a new holistic paradigm. It
highlights the concept of sustainability as a great opportunity for educational systems to renew their principles,
guidelines and practices, in raising awareness of and for the entire Educational Community, through the Learning
Communities project.

Keywords: Education for Sustainable Development; Sustainability; Learning Communities.

* Doutoranda em Educação no pelo Instituto de Educação em Formação de Professores - CeiED, Mestre em Educação,
Especialização em Formação Pessoal e Social pelo Instituto de Educação e licenciada em Engenharia Civil pelo Instituto
Superior Técnico. ORCID: 7515-93DE-3624.
**Doutoranda em Educação na Universidade Lusófona, Mestre em Educação Especial - domínio cognitivo e motor pelo
Instituto Jean Piaget, licenciada em História pela Universidade Nova de Lisboa - FCSH, pós graduação no Ramo de Formação
Educacional pela mesma universidade. Docente de Educação Especial no Agrupamento de Escolas da Boa Água. ORCID:
0000-0001-8076-8818.

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Introdução

Atualmente, deparamo-nos com ocorrências surpreendentes, com as quais não nos identificamos
de forma a dar resposta e justificação adequadas, comparando-as com situações análogas. A primeira
década do século XXI foi a mais quente de que há registo, tendo como consequência um incremento de
desastres naturais mais frequentes e intensos. Segundo Chaíça (2021), Madagáscar é o primeiro país onde
se passa fome devido às alterações climáticas, onde as secas fizeram com que fosse impossível plantar em
terra outrora fértil. Pelo relatório da European Commission (2019), relativo às perceções das mudanças
climáticas, 87% dos portugueses acreditam que os fenómenos associados a elas são um problema que não
pode ser menosprezado, 76% tem hábitos conscientes diariamente, 60% consideram que cabe ao Governo
implementar diretivas no combate às alterações climáticas, e 47% atribui às autoridades locais e regionais
essa responsabilidade.
Como poderemos alertar a população beneficiária de recursos naturais, para a emergente
preservação da Natureza, que o Homem destrói lentamente ao longo dos tempos?
Seguindo uma metodologia qualitativa de análise de conteúdo, este artigo revê a evolução do
conceito de educação até aos tempos atuais, aborda a emergente Agenda 2030, relevante numa prática de
sustentabilidade, e foca as comunidades de aprendizagem como significativo contributo da
sustentabilidade planetária.
Concluiu-se, assim, ser importante motivar todos os cidadãos a agir de forma consciente e
responsável, alertando para uma atuação saudável da comunidade educativa.

1. Desafios da Educação no século XXI

O ser humano depara-se com diversas realidades ao longo da sua vida. A educação torna-se
complementar e fundamental para que exista uma pluralidade e aprendizagem concertantes. A existência
de um Ministério de Educação, como organismo do Governo da República de Portugal, releva a
importância que é dada à educação. "Num tempo histórico relativamente curto, a educação, de um
obscuro domínio da vida familiar, transformou-se num tema central dos debates políticos, nos níveis
nacional e internacional" (Teodoro, 2011:11). Uma simples pesquisa ao site da Wikipédia (2021) o
Ministério de Educação esclarece que a nível do Governo português, esta área tem por missão "formular,
conduzir, executar e avaliar a política nacional, relativa ao sistema educativo" existente, que pretende
“articular, no âmbito das políticas nacionais da qualificação da população, a política nacional de educação
e a política nacional de formação profissional", a ser implementada nos estabelecimentos de ensino.

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Os conteúdos programados para estas aprendizagens fundamentam-se em diretivas internacionais,


emanadas de organizações e instituições que são impulsionadoras de reformas educacionais (Teodoro,
2011). Estas dedicam-se à análise global do que se constata social, política e economicamente; a nível
mundial numa prática de ação conjunta entre perceção teórica e aplicação prática; e na prática que será
geradora, em muito, de novas análises e ajustes fundamentais ao desenvolvimento temporal da
humanidade. É aqui que se evidenciam os designados "pilares da educação": "aprender a conhecer",
"aprender a fazer, "aprender a viver juntos, com os outros" e "aprender a ser", alicerces basilares
geradores de uma nova perspetiva educacional.
A educação e formação, como centros do desenvolvimento humano, permitem uma evolução
fundamental para o futuro, pois "promover a aprendizagem é compreender a importância da relação ao
saber, é instaurar formas novas de pensar e de trabalhar (…) é construir um conhecimento que se inscreve
numa trajetória pessoal" (Nóvoa, 2009:13). A escola proporciona uma educação que esclarece e
concretiza. Entendem-se conceitos e práticas, alicerçadas em atitudes fundamentadas, das quais a
sociedade deverá contribuir, segundo Nóvoa (2009), na construção de um espaço público, numa escola
que segundo Apple (2001) pode ser um espaço de estruturas de relações sociais a explorar.
Soromenho-Marques (2005) aborda a crise ambiental global, salientando que é "em seu torno que
se desenham e se construirão os principais desafios que exigirão à mobilização do melhor da nossa
inteligência, imaginação e forças morais", por ser "a própria sobrevivência da possibilidade de uma
civilização humana altamente complexa que está em causa". Segundo o autor apesar de existirem
múltiplas dimensões e forças como possíveis respostas, "o caminho unificador (…) passará pelo plano da
política, em particular pela nossa capacidade de construir instituições que melhorem os sistemas de
governação e de governância em todos os domínios e em todas as latitudes" (Soromenho-Marques,
2005:45). Atualmente, a educação é referida como relevante e como primordial neste clarear de atitudes e
objetivos, nesta consciencialização da realidade social, no fundo como alerta para toda a comunidade
educativa.

2. Sustentabilidade e Agenda 2030

A pluralidade ideológica, alusiva a uma conscientização educativa, suporta vertentes entendíveis,


concretas e claras, mas passíveis de análise, assim como linhas de ação adaptáveis aos contextos. Nos
tempos atuais, associam-se outras condicionantes sociais. A globalização, num conceito mais rudimentar,
e tão referenciada atualmente nas ciências sociais, nos discursos políticos e nos textos normativos, traz
consequências a nível económico. As extraordinárias mutações planetárias verificadas, implicam uma
constante análise e reestruturação social e económica, impulsionando reflexões sobre políticas entre

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países com diferentes histórias sociais (Soromenho-Marques, 2005). Para explorar esta análise, convém
contextualizar as fontes, enquadrando-as, no contexto educativo, inserindo-as num espaço temporal
global presente, em constante mudança.
Toda esta dinâmica tem reflexos a diferentes níveis. Organizações internacionais com
preocupações humanitárias, como é o exemplo da ONU/UNESCO, mostram-se apreensivas pela ação
humana no que se refere ao seu comportamento para com o meio, colocando a sobrevivência e
continuidade das espécies em referencial de alerta, e evidenciando-se uma preocupação de
sustentabilidade.
Brundtland que adotou pela primeira vez num documento oficial o termo desenvolvimento
sustentável (Bastos & Souza, 2013), refere ser emergente a disseminação do seu significado. A palavra
"sustentabilidade refere-se à característica ou condição do que é sustentável; este, por sua vez, é aquilo
que pode ser sustentado; passível de sustentação" (Bastos & Souza, 2013:290). Soromenho-Marques
(2005) remete o seu entendimento para o modelo equal footing, numa analogia ao triângulo de
sustentabilidade onde o social, o ambiente e a economia teriam um peso e relevância idênticos. No
entanto, como processo dinâmico, remete-nos para Aristóteles, e aplicando o quadro concetual ao
desenvolvimento sustentável obtém quatro e não três dimensões: político-institucional, como causa
eficiente - princípio da mudança, fator decisivo para a transformação da realidade, traduz o consenso e a
vontade política e operacional de mudança; económica como causa material - aquilo do qual algo surge,
ou mediante o qual algo chega a ser, traduz a mudança na reprodução quotidiana das condições de vida
numa perspetiva da sua continuação e qualificação; ambiental como causa formal - é a ideia ou o
paradigma que condiciona a transformação, traduz o quadro de conhecimento complexo que deve
modelar a mudança; social como causa final - o objetivo visado, o modelo de sociedade pretendida,
traduz o projeto de futuro onde as relações humanas ocupam um lugar central (Soromenho-Marques,
2005). Desta forma, acrescenta um quarto pilar, o político-institucional, a causa responsável pelo seu
desencadear, o agente ativo que o promove, para que se acrescente credibilidade a este processo de
transformação, alegando igualmente a não possibilidade de existência de um modelo equal footing, mas
antes "um modelo de cooperação e interação sinergética" (Soromenho-Marques, 2005:31), o emergir de
fatores fundamentais e inerentes à ideologia de desenvolvimento sustentável tais como novas políticas
públicas que permitam o aumento da coesão social e da solidariedade regional, entre outros.
A UNESCO, atenta às situações e considerando que a educação, é "a chave para uma necessária
mudança de mentalidades e atitudes na sociedade", apresentou, em 2005, a Estratégia de Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (EDS) da CEE/ONU (UNESCO, 2005), posteriormente renovada até 2030,
da qual resultou a Agenda 2030. Criando uma Cidadania Global e promovendo o Desenvolvimento

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Sustentável, "requer uma mudança fundamental na forma como se pensa e age e, consequentemente, uma
transição para meios de subsistência sustentáveis". Sendo que somente a educação e a aprendizagem, "a
todos os níveis e em todos os contextos sociais, podem originar essa mudança crucial" (UNESCO, n.d.,
p.2). A OCDE, "organização internacional que tem como objetivo desenvolver diretrizes e instrumentos
de políticas públicas a fim de assegurar maior qualidade de vida dos cidadãos" (Thorstensen & Mota,
2021:202), é outra entidade que reconhece "o desenvolvimento sustentável como um objetivo abrangente
da organização e de responsabilidade de todos os seus membros".
Em Portugal, foi redigido e aprovado o Despacho n.º 6172/2016, que criou a Comissão para a
Cidadania e a Igualdade de Género, o Despacho n.º 6478/2017, que homologa o "Perfil dos Alunos à
Saída da Escolaridade Obrigatória" (PASEO), baseando-se no facto de que "a educação e formação são
alicerces fundamentais para o futuro das pessoas e do país" (p.15484) e o DL n.º 55/2018. Este último
alega que, em consequência de uma globalização e desenvolvimento tecnológico, a sociedade atual
enfrenta desafios futuros "tendo a escola de preparar os alunos, que serão jovens e adultos em 2030, para
empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que
ainda se desconhecem" (p.2928). Torna-se “necessário desenvolver competências que lhes permitam
questionar os saberes estabelecidos, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente e
resolver problemas complexos" (p.2928). O mesmo documento aprova, ainda, o já referido PASEO “que
estabelece a matriz de princípios, valores e áreas de competências a que deve obedecer o
desenvolvimento do currículo" (p.2928). Ainda assim, não é entendível o sentido dado à palavra
"desenvolvimento", a ser focado nessa escolaridade, dita obrigatória, nem referido o conceito emergente
de educação tendo em consideração uma sustentabilidade humanitária.
No entanto, no Despacho n.º 6605-A/2021, a escola é referida como "instrumento de
desenvolvimento humano e de elevação social através do conhecimento" (p. 241-(2)) o que subentende
uma mudança de visão e proposta de disseminação de conceitos atuais coincidentes com diretivas
internacionais e autores conceituados.
A escola, como organização instituída, deveria ser um espaço "de reflexão sobre possíveis
intervenções qualificadas nas determinações naturais e sociais" passível de ser "um dos instrumentos
instituintes de uma nova ordem social" (Teodoro, 2003:15). Lipovestky (2010:130) defende que se deve
ter em conta a humanidade ao invés do consumo massivo. Este deve ser redirecionado por uma
“pedagogia e política das paixões”, numa mobilização de afetos noutro universo e envolvimentos, de
forma a dar "aos seres humanos a capacidade de viver para outra coisa que não as marcas e a mudança
perpétua dos produtos", promovendo além das "políticas ecológicas, para preservar o ambiente". O
mesmo autor (2010:131) defende "uma ecologia do espírito, (…) existência no seu todo", onde exista

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equilíbrio. Para tal, é premente "inventar novos modos de educação e de trabalho que permitam encontrar
uma identidade (…) e outras satisfações que não as dos paraísos passageiros do consumo".
O desenvolvimento sustentável, numa perspetiva educacional, subjaza a uma incorporação cultural
por parte dos sujeitos de forma consciente, objetivando o habitus ecologicamente sustentável.

“Pensar os conceitos de campo e habitus na conformação de um campo ambiental e de um


habitus ecológico, é buscar, refletir exatamente sobre esta questão que Bourdieu coloca. Uma
vez que os processos de ambientalização social, pela ação de movimentos ecológicos
contraculturais nos últimos 50 anos, vão produzindo a internalização de determinadas questões,
vai formando‐ se um ethos, uma moral ambiental que passa a orientar pensamentos, motivações
e ações dos agentes sociais na contemporaneidade”.
(Comunello, 2014:7)

Para Pies (2011), a escola não é uma instituição neutra, pois contribui para reproduzir as estruturas
sociais. Seria necessário repensar a função e o funcionamento do sistema de ensino, para além da
reprodução. Encontrar elementos que ampliem o capital cultural dos indivíduos e fomentem um novo
habitus, pois "com a ampliação do capital cultural por meio do capital social, conseguiremos elevar ou
estruturar o sistema de ensino em novas perspetivas, formando um novo habitus" (Pies, 2011:8-9).
Educacionalmente, torna-se emergente realizar uma filtragem de conceitos simbólicos que
permitam o incremento cultural, através de um conhecimento subjetivo, tendo como referência as
diretivas da UNESCO, e estudos posteriores, iniciados com foco educacional aquando da sua criação
(1946) e relativamente à importância da educação na disseminação do conceito de desenvolvimento
sustentável em 2002 com a Resolução 57/254 na 57.ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Apesar de até
ao momento não ter sido encarada seriamente, a Educação para o Desenvolvimento Sustentável deve ser
entendida nos espaços escolares como uma possibilidade de compreender os problemas socioambientais
existentes, a nível local, regional e global, possibilitando a escolha e o desenvolvimento de propostas que
promovam melhorias participativas e conquistas sociais, económicas e políticas a partir do entendimento
das causas que dão origem aos seus problemas (Montenegro et al., 2018, s. p.).
A EDS "desenvolve e reforça a capacidade dos indivíduos, dos grupos, das comunidades, das
organizações e dos países para formar juízos de valor e fazer escolhas no sentido do desenvolvimento
sustentável” (UNESCO, 2016). É emergente um esclarecimento, uma transparência e um conhecimento
desobstruído relativamente a temas e instrumentos úteis, como a Agenda 2030 e outras diretivas
internacionais, tendo também em consideração o nacional e o local. Como afirma Apple (2001:40), "a
crise não é ficção" elucida e por muito que se diga ser económica, é também política, cultural e
ideológica, acrescenta. À humanidade apela-se que aprenda e pratique novos valores, comportamentos e
atitudes, que auxiliem as sociedades humanas a direcionarem-se para hábitos de vida mais sustentáveis.

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A UNESCO é responsável por liderar e coordenar a Agenda 2030, simultaneamente com a


abordagem da Educação para a Cidadania Global (Vega & Boer, 2020). A OCDE (OECD, 2016) através
da Coerência Política para o Desenvolvimento Sustentável (CPDS), analisa a implementação desta
Agenda 2030, sugerindo recomendações e orientações políticas a aplicar, no campo do desenvolvimento
sustentável. Na mesma linha, o Relatório de Monitoramento Global de Educação da UNESCO, com
carácter informativo relativamente ao potencial da educação para com o avanço mundial, alerta para o
melhoramento das taxas de participação escolar, num ensino contínuo, e os sistemas educacionais a
englobarem totalmente o desenvolvimento sustentável. "Um futuro sustentável para todos diz respeito à
dignidade humana, à inclusão social e à proteção ambiental" pois o desenvolvimento sustentável é o
acreditar que o desenvolvimento humano não pode acontecer sem um planeta saudável" (UNESCO,
2016:8). É imperativo aprender a pensar globalmente o ambiente.
A Agenda 2030 "tem como objetivo apoiar os formuladores de políticas, desenvolvedores de
currículo e educadores na elaboração de estratégias, currículos e cursos para promover a aprendizagem".
Focando os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), são-nos apresentadas orientações e
sugestões para temas e objetivos escolares que os educadores podem selecionar e adaptar a contextos de
aprendizagem concretos (UNESCO, 2017:8), sendo a sua aplicação e abordagem pensada de forma a não
prejudicar outras entidades e países. Segundo a UNESCO (2017), o avanço do desenvolvimento
sustentável considera como principais competências transversais as seguintes: do pensamento sistémico;
antecipatória; normativa; estratégica; de colaboração; do pensamento crítico; autoconhecimento, e
resolução integrada de problemas (UNESCO, 2017:10).
Esta Agenda 2030, ao ser uma temática educativa de relevância e interesse internacional, "é
importante para todas as partes interessadas (…), incluindo os pesquisadores", pois abre portas a parcerias
e diferentes pontos de vista sobre a educação e a formação (Akkari, 2017:941), abrindo novos horizontes.

3. As comunidades de aprendizagem e o seu papel contributivo para a


sustentabilidade do planeta

A instituição escola foi criada para ensinar, tendo o dever primordial de educar e de socializar o
indivíduo, alertando para os valores essenciais exigidos para se viver em sociedade. Todos os alunos,
mesmo os que têm necessidades específicas, aprendem se o seu processo educativo for dirigido,
planificado e avaliado de forma sistemática (Sanches, 2005), respeitando a sua individualidade.
Hoje, acredita-se que a escola foi criada para se aprender a viver com o Outro, em Comunidade. O
grande desafio colocado atualmente a toda a comunidade educativa, prende-se com a eficácia na
operacionalização do ensino dirigido a todos. A legislação em vigor, repensada nos últimos anos no

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âmbito da educação, nomeadamente nos DL n.º54/2018 e DL n.º55/2018, reflete a ação de inclusão e de


readequação de formatos, com vista ao desenvolvimento de áreas de competência que potenciem a
adaptação do indivíduo ao contexto em que se processa o seu desenvolvimento pessoal e social.
A escola passa a ser vista como compreensiva, onde se incluem todos sem exceção, em que a ação
educativa se centra na individualidade, interagindo com outrem pertencente à sua comunidade educativa.
Constata-se, desta forma, que o aluno seja confrontado com as problemáticas do seu mundo circundante,
e que contribua para a resolução, ou mitigação, de tais questões, alertado pelos que orientam o seu
processo de ensino e aprendizagem. Cabe, então, à escola, instituição preconizadora de políticas públicas,
a tarefa de se organizar no sentido de dar a resposta adequada, com equidade e diversidade (Falcão &
Sanches, 2016, cit. por Souza & Machado, 2019), a cada aluno que constitui o seu universo escolar. A
esta participação de uma sociedade democrática, de justiça, respeito e equidade, como linhas orientadoras
do ser e do estar consigo e com os outros, desperta o aluno para a resolução de problemas, com um olhar
de espírito crítico (PASEO, 2017). Torna-se, desta forma, um direito fundamental de qualquer um, com
ou sem incapacidades, e numa obrigação do sistema escolar (Galindo, 2018), repensar em estratégias de
manusear o pensamento do jovem, em prol da cidadania.
Este conjunto de princípios, conduz-nos a uma Comunidade de Aprendizagem, onde a
disponibilidade de ensinar e aprender emerge em cada um dos seus membros, num trabalho cooperativo.
Trabalha-se para a construção de “uma escola de qualidade com todos e para todos, numa perspetiva de
inclusão e de articulação com as famílias e com a Comunidade” (DGE). Sob esta perspetiva da escola de
e para todos, onde se viva verdadeiramente em Comunidade (Pacheco, 2019), procura-se realizar a
possibilidade de, através do projeto Comunidades de Aprendizagem, da Universidade de Barcelona, poder
emergir numa educação direcionada para o bem comum. Assim, surge a preocupação de sensibilizar o
aluno e a sua respetiva família, a poderem participar e a contribuírem no enriquecimento natural e na
sustentabilidade do planeta.
Ao falarmos de comunidade, poderemos defini-la como “uma realidade social e culturalmente
construída (…) passível de ser teorizada e estudada empiricamente.” (Flores & Ferreira, 2012:201).
Apesar destes autores alertarem para o facto de o conceito apresentar múltiplos sentidos, contextos e
práticas, alertando para o facto de ser perentório repensar o sentido e os desafios que a ele estão inerentes.
Optou-se por esquematizá-la numa tabela e apresentá-la sumariamente. Contudo, os autores alertam para
o facto de que, seja qual o termo escolhido, torna-se pertinente tomar-se conhecimento das várias
abordagens apresentadas, de seguida.

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Tabela 1 – Fundamentos, perspetivas e conceitos de comunidades de aprendizagem

Autor / Data Fundamentação/perspetiva/conceito


Comunidade e relações comunitárias.
Ferdinand Tonnies (1989) Ordem natural, efetiva e sentimental.
Dicotomia entre comunidade.
Max Weber (1991) Contrato associativo
Relações sociais consideradas como comunitárias
M. Castells (2002-2003) Comunidades virtuais = novos espaços e novas redes de
comunicação
João Barroso (2003- Regulação sociocomunitária = relação emancipatória
2005)
“Estar em comunidade” = boa sensação
Z. Bauman (2006) Existem 2 modelos de comunidade: estética (superficial) e
ética (comum a todos);
M. Viché (2007) Espaço coletivo de cooperação e solidariedade
Laços de intercâmbio
Fonte: (adaptada de Flores e Ferreira, 2012)

Em síntese, os autores mencionam que, seja através de formas mais convencionais, ou de


conceções mais atuais (logo, mais audazes) não se pode desvincular as potencialidades educativas do
próprio conceito, das relações e das práticas do tipo comunitário, presentes neles. Ou seja, “o que
aprendemos depende das condições de aprendizagem” pois, apesar de programados para aprender, só o
fazemos dependentemente do tipo de “comunidade de aprendizagem a que pertencemos.” (Flores &
Ferreira, 2012:209). Face à fragilidade das instituições escolares da atualidade, torna-se prioritário que o
processo de aprendizagem se construa através da socialização e interação, nos mais variados contextos, e
que tal ocorra entre todos os envolvidos neste itinerário. Todos deverão tomar consciência da realidade ao
seu redor, e, aprendendo todos juntos, poderão conseguir encontrar estratégias de superação de algumas
problemáticas evidenciadas, tais como esta da sustentabilidade.
Esta visão de aprendizagem, revela-se como fornecedora do enquadramento contextual partilhado
e apoiante das atividades de aprendizagem, a par da construção social do conhecimento através da
aprendizagem coletiva (Afonso, 2009). A autora aborda um paradigma alternativo de aprendizagem, no
qual a própria aprendizagem não se desenha como isolada e individualizada, assumindo os contornos de
modelos comunitários. Estes sustentam o desenvolvimento e a construção individual e coletiva do
conhecimento, promovendo o trabalho colaborativo, e consequentemente, uma dimensão social da
aprendizagem.
Contudo, quando falamos em comunidade, encontramos vários autores (Flores & Ferreira, 2012)
que remontam a Rosseau, no século XVIII, para evidenciar que as conceções comunitárias da educação

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são defendidas por vários teóricos e pedagogos, como sendo uma proposta inovadora, contrapondo ao
ensino tradicional oferecido pelas instituições escolares, ao longo dos anos.
Nesta conformidade, os autores citados explanam a ideia de que acreditam que a edificação de
uma comunidade de aprendizagem supõe a partilha de um diálogo onde se conjugue a construção da
prática educativa adequada e centrada no desenvolvimento das capacidades dos alunos como cidadãos.
No entender dos autores, uma comunidade de aprendizagem implica tornar a escola numa organização
autónoma, que estabelece, entre os seus membros, uma interação assente na partilha de valores e
objetivos, de onde nascerá um sentido de pertença comum. Como expressam, utilizando as palavras de
DuFour (2004) e DuFour et al., 2008), cit. por Flores & Ferreira, 2012:239:

“Uma comunidade de aprendizagem baseia-se, entre outras, nas ideias de missão partilhada, de
visão, de valores e objetivos, numa cultura colaborativa, que incide na aprendizagem, na
indagação para melhorar a prática, na orientação para a ação, no compromisso para com o
aperfeiçoamento contínuo”.

Segundo Marigo et al., (2010), a comunidade de aprendizagem define-se como uma proposta
baseada na transformação do contexto educativo, realizada por vários intervenientes, e que visa a
melhoria e a aceleração da aprendizagem dos alunos. A partir dessa linha de investigação, esta proposta
inovadora dissemina-se, apostando na democratização da escola por meio da participação e do diálogo
comunitário.
Segundo o site oficial das comunidades de aprendizagem, este é um projeto amplo, que visa a
transformação social e educacional, e que baseado nas teorias científicas internacionais, destaca dois
fatores-chave: as interações e a participação da comunidade. A sua estruturação conta com uma base
científica sólida e desenvolvida, por 35 anos de pesquisa, mais de 70 investigadores, de diferentes países e
de diversos campos do conhecimento. Esta transformação de centros educativos em comunidades de
aprendizagem é uma proposta desenvolvida pelo Community of Research of Excellence All (CREA), da
Universidade de Barcelona, o qual teve como fundador Ramón Flecha. A essência e objetivo do projeto é
garantir uma aprendizagem a todas as crianças, proporcionando igualdade de oportunidades, alcançando
os melhores resultados possíveis, através de uma intervenção interativa familiar, que contribua para o
aumento das expetativas de todos, no que concerne às aprendizagens a adquirir ou adquiridas.
Flecha (1997), expõe que todas as experiências educativas apresentam benefícios para fazer face
às desigualdades existentes. Segundo ele, todas têm origem na aprendizagem dialógica. Tal razão deve-se
ao facto do envolvimento conjunto de todos os que fazem parte da Comunidade Educativa: alunos,
professores, profissionais de educação, técnicos, famílias, comunidade envolvente. Segundo Flecha
(1997), a aprendizagem depende essencialmente das interações entre os alunos, o que estes aprendem e

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conhecem em conjunto e os seus conhecimentos prévios, advindos de sabedoria familiar, cultural ou


étnica.
Flecha et al., (2003), referem a necessidade de se alterar a metodologia nas escolas. Explicam as
bases científicas do projeto das comunidades de aprendizagem, as suas diretrizes e atuações, na
participação de toda a comunidade educativa para a implementação de uma escolarização benéfica a
todos. Assentes na ideia de que “a educação e a formação são alicerces fundamentais para o futuro”,
existe a responsabilidade da escola “enquanto ambiente propício à aprendizagem e ao desenvolvimento de
competências” formar e educar o jovem para o futuro. Procuram-se espaços democráticos, opinativos e
construtivos, “onde os alunos (possam) adquir(ir) as múltiplas literacias que precisam de mobilizar”, a
fim de responder às exigências destes tempos de imprevisibilidade e de mudanças aceleradas” (Despacho
n.º6478/2017:15484).
Neste sentido, as Comunidades de Aprendizagem, com a aplicabilidade das suas ações educativas
de sucesso (AES), implementadas pelo projeto INCLUD-ED (2006-2011), poderão ser uma ferramenta
estratégica para a sensibilização de toda a comunidade educativa, para a temática em epígrafe ao longo
deste artigo.

4. Considerações Finais

Os alunos usufruem ao aprenderem juntos, independentemente das diferenças que apresentam,


estilos e ritmos de aprendizagem, asseguram e validam um bom nível de Educação para todos
(DL54/2018). Assim, competem aos sistemas educativos, e às escolas no geral, a obrigatoriedade de pôr
em prática princípios de uma interação inclusiva, que propiciam em lidar com a diversidade.
Torna-se perentório dar continuidade às diretrizes que têm sido implementadas, onde o foco seja
um desenvolvimento que inclua saberes necessários à sustentabilidade humana e terrestre, definir novas
diretrizes governativas, recursos humanos e materiais, flexibilizando requisitos para darmos oportunidade
a que todos os alunos aprendam, independentemente das suas origens, status, capacidades e
incapacidades. Desta forma poder-se-á sobreviver aos intentos e desafios propostos pela Inclusão, e
conseguir dar respostas instantâneas às perguntas complexas que o mundo educativo diariamente exige.
Seria relevante acrescer a criação de uma rede entre docentes, comunidade educativa e
comunidade científica de investigação educacional, promotora de formação adequada a todos os
intervenientes. Contribuir-se-iria para, não apenas para a esperança de futuro mais saudável, como
também coadjuvar “na valorização dos cidadãos, para a cidadania democrática e para o desenvolvimento
sustentável do país.” (Despacho n.º 6944-A/2018:19734). A transversalidade global da aplicabilidade da
Agenda 2030, com um trabalho complementar por parte da OCDE, pode contribuir para o enriquecimento

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integral de um país e dos seus participantes. Os docentes, peça fundamental neste desenvolvimento,
devem ser respeitados em diferentes campos, fundamentalmente na sua essência educativa; a qual seria
enriquecida com a contribuição parcelar de uma investigação educativa formativa e contributiva para o
campo educacional. A formação do docente, orientada para a prática reflexiva, permite aumentar as suas
oportunidades na elaboração de esquemas de reflexão e ajuste na sua atuação e transformação
(Tramontini, 2013:36), relevando a sua contribuição, através de publicação científica, para uma
cooperação em torno de um sistema educativo do qual faz parte e que beneficia eticamente docentes e
discentes.
Fica aqui lançado o desafio de questionarmos se serão as práticas, operacionalizadas nas
Comunidades de Aprendizagem, relevantes para o futuro, numa consistente Educação para a
Sustentabilidade, na tentativa de mitigar todas as problemáticas aqui mencionadas.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

OS CENTROS: SOCIAL E DE CONVÍVIO


O DESENVOLVIMENTO VISTO DE BAIXO
Maria Manuela Vieira Teixeira Pereira *
investigacao.aica@gmal.com

Resumo

O contexto e a apresentação do artigo inserem-se no âmbito da área da Sociologia, mais especificamente ao


nível das Desigualdades Sociais e a Ação Pública e está enquadrado num Projeto de Investigação em curso,
que é intitulado: A Educação e a Formação de Adultos-Redes de Laços Sociais e Confiança nos Centros:
Social e de Convívio. O artigo contém reflexões relativas à relevância de um Modelo de Formação que se
desenvolve nos Centros Sociais e de Convívio, bem como um Modelo de Intervenção Social, a partir das
políticas públicas e a sua implementação, através dos profissionais de terreno, destinado aos beneficiários que
frequentam os referidos Centros. No terreno, foi adotada uma metodologia de investigação-ação, nos dois
Centros, sendo um Social e outro Centro de Convívio, na Região Autónoma da Madeira. Nas conclusões,
delineamos algumas das questões subjacentes às lógicas de ação e sentidos que estruturam as relações
interpessoais sentidas nos Centros e que permitem acompanhar o desenvolvimento das sociedades a partir de uma
visão de baixo para cima, ou seja, a visibilidade do conhecimento fabricado a partir da intervenção dos
profissionais de terreno com os beneficiários dos referidos Centros.

Palavras-chave: Burocracia e Burocratas de Nível de Rua; Práticas Discricionárias; Políticas Públicas: Centro
Social e Centro de Convívio.

Abstract
The context and presentation of the article are part of the field of Sociology, more specifically in terms of Social
Inequalities and Public Action, and it is framed in an ongoing Research Project, which is entitled: The Education
and Training of Adults- Networks of Social Ties and Trust in the Centers: Social and Conviviality. The article
contains reflections on the relevance of a Training Model that is developed in Social and Social Centres, as well as
a Social Intervention Model, based on public policies and their implementation through field professionals, aimed
at beneficiaries who attend these centers. In the conclusions, we outline some of the issues underlying the logic of
action and meanings that structure the interpersonal relationships felt in the Centers and that allow following the
development of societies from a bottom-up view, that is, the visibility of knowledge manufactured from of the
intervention of field professionals with the beneficiaries of the referred Centres.
Key words: Bureaucracy and Street Level Bureaucrats; Discretionary Practices; Public Policies: Social Center and
Social Center.

* Doutoramento em Ciências da Educação, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e investigadora do CISNOVA-
Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa;
Mestrado na Área das Ciências da Educação, na Especialidade de Supervisão Pedagógica, pela Universidade da Madeira;
Licenciatura em Ciências da Educação pela Escola Superior de Educação Almeida Garrett; Bacharelato em Ciências da
Educação, pelo Magistério Primário do Funchal; Investigadora e Vice-Presidente da Direção da Associação de Investigação
Científica do Atlântico; Investigadora e Vice-Presidente da Assembleia Geral do Centro de Estudos e Desenvolvimento de
Educação, Cultura e Social. ORCID: 0000-0001-5467-9352.

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Introdução
A burocracia a nível de rua tem como foco os profissionais de terreno e a organização do terreno
público ou privado. Deste modo, o poder de intervenção dos beneficiários, atores que frequentam os
respetivos centros, só é possível, na medida em que eles permitam perceber a margem de jogo que os
profissionais de terreno exercem na sua ação nos Centros.
Os profissionais de terreno, dos Centros (Social e de Convívio), por um lado representam a sua
instituição, e por outro lado, exercem os seus pontos de vista, ou seja, nas suas funções socorrem-se de
várias disciplinas, de variadas áreas de intervenção, das suas lógicas específicas e identificáveis, de modo
que possam conceder as diversas respostas sociais, que são precisamente as lógicas de formação e de
intervenção que estiveram presentes na metodologia que optamos, de investigação-ação.
No presente artigo, o foco de análise foi centralizado na noção central do poder discricionário
dos agentes de execução. Deste modo, decorre uma maior concentração na questão dos usos
discricionários no campo do trabalho social em cada Centro Social/Cívico ou de Convívio. Para isso,
ostentamos uma abordagem compreensiva e focada na ação dos profissionais de terreno, e, finalmente
deixamos pistas de discussão das especificidades do campo do trabalho social nos Centros em
observação. Estudamos as questões subjacentes às práticas dos profissionais de terreno, e a sua
produção de conhecimento e desenvolvimento social, face ao campo do trabalho social que
operacionalizam nos Centros Social/Cívico. De acordo com a literatura científica, os estudos que
nasceram nos Estados Unidos, no início de 1970, evidenciaram a necessidade de capacitarmos a
existência das potencialidades e dos constrangimentos, entre os objetivos oficiais de uma política e os
seus resultados reais (Infantino, 2012, op. cit. in Giladi, M. 2021). Os campos de pesquisas foram
localizados na interseção da Ciência Política, da Ciência das Administrações e da Sociologia (Schofield &
Sausman 2004:235, op. cit. in Giladi, ibidem) e toma como objeto o processo de implementação de uma
política pública. A origem anglo-americana, a abordagem de rua à ação pública faz parte do campo mais
amplo da implementação do conceito burocracia de nível de rua, desenvolvido por Michael Lipsky
(ibidem) e é muito abrangente, capaz de abarcar uma multiplicidade de diferentes atores, profissionais de
terreno (burocratas de nível de rua), sob o mesmo termo ou terreno de ação. Assim, refere-se a todo o
agente público que, independente do seu nível hierárquico, interage diretamente com o usuário de uma
dada política, servindo como “porta de entrada” do cidadão a um direito. De acordo, com Michael
Lipsky (ibidem), entre outras caraterísticas, esses burocratas de rua são caraterizados pelo seu alto grau de
discricionariedade no exercício das suas funções, sendo capazes de distribuir os benefícios e sanções aos
cidadãos e produzir conhecimentos.
A designação de burocratas de nível de rua emprega-se nomeadamente aos professores, aos

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polícias, aos assistentes sociais, aos defensores públicos, aos agentes de saúde, entre outros profissionais
de terreno, ao serviço da sociedade. Apesar de praticamente esta designação, ter sido pouco adotada no
geral aos diferentes profissionais de terreno, optou-se mais especificamente ao nível do presente estudo,
abordar a temática dos profissionais de terreno nos centros (Social e de Convívio) aplicando este conceito
na presente investigação-ação, em curso, para compreendermos as dimensões da atuação destes
profissionais de terreno (burocratas de nível de rua).
A partir desta conceitualização teórica, fortalecemos o análise, no terreno, quer no Centro
Social/Cívico ou no Centro de Convívio, com o objetivo de contermos as lógicas de ação, ao nível dos
burocratas de nível de rua, no que concerne às suas respostas sociais prestadas aos beneficiários (que ao
longo do estudo designamos todos os atores que frequentam os Centros, por beneficiários, no entanto e
para uma questão de esclarecimento, estes atores frequentadores dos Centros, são também designados por
utentes (designação oficial adotada pelo Centro de Convívio, que está sob a tutoria da Santa Casa de
Misericórdia da Calheta (Instituição Privada) e por frequentadores (designação oficial adotada pelo
Centro Social, que está sob a tutela da Câmara Municipal da Calheta (Instituição Pública).
Numa perspetiva de investigação-ação efetivámos uma pesquisa com todos os profissionais de
terreno (burocratas de nível de rua), que são todos os atores que formam as chefias, quer de gestão de
topo, quer de gestão intermédia com as equipas multidisciplinares, e ainda com os profissionais de terreno
que estavam também em ação direta com os beneficiários dos Centros (Social/Cívico (CS) e Centro de
Convívio (CC) e que desenvolvem em conjunto, um Modelo de Formação e um Modelo de Intervenção
Social, ao nível da educação/formação de adultos, e que se revela, enquanto boa prática institucional, e
também é possível a sua replicação noutros municípios ao nível da Região Autónoma da Madeira (RAM),
ou em outros contextos ao nível nacional (Portugal) ou até internacional.
Nas conclusões patenteamos o papel das políticas públicas de inclusão social e os discursos que as
justificam, o envolvimento dos profissionais de terreno e a ação que desempenham com um papel de
liderança, bem como os atores de ação direta no terreno de cada Centro Social e/ou Centro de Convívio.
Ressalva-se que em cada fase do desenvolvimento dos projetos sociais os profissionais de terreno, atuam
com um poder determinante na opção das suas práticas discricionárias face aos beneficiários nos
respetivos Centros.

1.Referencial Teórico
As lógicas da ação discricionária nos Centros: Social/Cívico e o Centro de Convívio-uma
abordagem à burocracia de nível de rua
Na origem do presente campo de estudo esteve presente a ideia de cooperação e colaboração com
os burocratas de nível de rua, e de acordo com os mesmos, no sentido de que uma política pública não se

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reduz apenas ao conteúdo definido pelos órgãos de tomada de decisão política, mas enquadrada numa
construção coletiva.
A pesquisa sob a abordagem de Michael Lipsky (ibidem) e de Dubois (2012, op. cit. in Giladi,
2021) refere que, "as políticas existem concretamente através do que os trabalhadores de campo fazem. A
sua prática não é apenas a aplicação mais ou menos fiel de orientações políticas pré-existentes, mas faz
parte do processo contínuo de fabricação de ações públicas em que podem desempenhar um papel
decisivo" (Dubois, 2012:82). No projeto de investigação, tomamos em consideração que todos os
burocratas de nível de rua, desde a administração de linha da frente até aos agentes locais, são todos os
atores na operacionalização da ação pública nos Centros (Social/Cívico e Convívio), na medida em que
desempenham o papel de "interface entre o governo e as políticas públicas e que define os seus
beneficiários", e devem, "através do seu trabalho diário, traduzir essas políticas formalizadas em textos
jurídicos, em ação concreta" (Brodkin, 2012b, p. 2, op. cit. in Giladi, 2021). Nesse contexto, a presente
abordagem visou analisar a forma como esses agentes implementam as políticas públicas, e qual o
objetivo explícito "[...] abrir a caixa preta do que literalmente acontece nas organizações de
implementação” (Hill, Hupe & Buffat, 2015:9, op. cit. in Giladi, 2021).
Corroborando com a Teoria de Michael Lipsky (ibidem), e segundo Brodkin, a atenção não está
mais focada no comportamento dos agentes de campo, profissionais de terreno (burocratas de nível de
rua) como esperado pelas políticas públicas - como é o caso das abordagens de cima para baixo - mas nos
comportamentos reais desses agentes no campo, bem como nas razões e justificativas para esses
comportamentos (Brodkin, 2015, op. cit. in Giladi, 2021), ou seja, foi nosso propósito observar as práticas
de baixo (dos terrenos dos Centros) para cima, para podermos chegar à compreensão de um Modelo de
elaboração de conhecimento, e de ação, bem como um Modelo de Intervenção Social. Acrescenta ainda o
autor, que, por outras palavras, os estudos de burocratas de nível de rua estão interessados em "o que
acontece depois que a tinta legislativa fluiu” (Brodkin, 2012 b, p.3, op. cit. in Giladi,2021 (ibidem).
Segundo a literatura científica são várias as proposições teóricas gerais que estão por trás deste campo
concetual das burocracias de nível de rua. Apresentamos uma visão geral fundamentada em quatro
pontos relativos às dimensões dos níveis desta teoria sustentada por Giladi (2021).

1.1 Abordagem à primeira dimensão das práticas discricionárias nos Centros

Numa primeira etapa, ao nível da dimensão inicial podemos afirmar que uma política pública
deverá ter uma visão como uma estrutura indeterminada e não como uma estrutura fixa. Corroborando
com os vários atores, investigadores sociais, que se têm debruçado nos estudos sociológicos e políticos,

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na verdade, na maioria das vezes, uma política pública não é exata, clara, objetiva e singular, mas
bastante ambígua: é o produto de múltiplos fatores, divergentes ou mesmo contraditórios e pode visar
objetivos igualmente múltiplos, divergentes e contraditórios, em cada contexto que a ação pública é
desenvolvida, nomeadamente como constatamos em cada Centro Cívico ou de Convívio. Nestas
circunstâncias, a aplicação das políticas públicas pode ser particularmente complexa para os profissionais
de terreno (burocratas de nível de rua), além disso, de forma mais global, a natureza é geral e não
específica das políticas públicas.
De acordo com os suportes legislativos, e conforme o estabelecido pelos textos legais se pode,
muitas vezes, ver que é difícil de se aplicar à mesma realidade, os casos particulares encontrados no
terreno pelos burocratas de nível de rua. Essa natureza indeterminada e ambígua das políticas públicas
obriga aos profissionais de terreno a interpretá-las para poder aplicá-las e adaptá-las a cada contexto
complexo da realidade social a que são confrontados. Nas vivências entre os burocratas de nível de rua e
os beneficiários, durante o período de investigação-ação em cada centro, verificou-se a margem de
autonomia de cada ator no exercício das suas funções e a na tomada de decisões em várias situações de
vivências com os beneficiários nos contextos dos centros. Assim, nos momentos de diálogo entre os
vários atores (equipas de profissionais de terreno e os beneficiários) sobre a realidade social envolvente,
os beneficiários, manifestam as suas motivações, os seus desejos, de acordo com a margem que têm
relativa aos profissionais de terreno.
Em função dos testemunhos dos profissionais de terreno (burocratas de nível de rua, de cada
centro) concluímos que a ação faz-se, fazendo, é possível uma certa plasticidade na ação entre todos os
atores e todas as ações pedagógicas giram por vezes, muito à volta das incertezas e das
imprevisibilidades, nas tomadas das decisões, havendo sempre a possibilidade de uma margem de
manobra na ação entre todos os burocratas de nível de rua, de cada Centro face a cada situação de decisão
que são confrontados. A este propósito e de acordo com o autor Balsa (2015) a plasticidade que
atribuímos aos modos de apropriação, deve ser indexada pela possibilidade de apropriação deixada aos
diferentes níveis e atores intervenientes. A plasticidade está associada ao próprio domínio e tipo de
política considerada, mas também, como gostaríamos de desenvolver, às configurações sociopolíticas nas
quais os programas de ação são produzidos de acordo com os Projetos dos Centros: Social e de Convívio.
Acrescenta o autor (Balsa, ibidem) e também de acordo com G. Markus (op. cit. in Ardoino, 1994:6) “as
duas polaridades não podem ser pensadas sem ser dialetizadas, podemos distinguir um momento da ação
condicionada pela fabricação, por um fazer instrumental (poiésis), de um outro, mais centrado na
definição das finalidades do agir (praxis). Corroborando com o autor, (Balsa, ibidem) as sociedades
tiveram assim de inventar novas formas de instituir a regulação necessária entre o exercício do contrato

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social e das modalidades de coerção que lhes estão associadas e os processos de socialização que tendem
a legitimar, ao nível dos coletivos subordinados, o exercício desse controle (op. cit. in Bauman, 2005:9).

1.2 Abordagem à segunda dimensão das práticas discricionárias nos Centros


Ao nível da segunda dimensão, as práticas discricionárias dos profissionais de terreno na
implementação das políticas públicas são centrais e determinam diretamente a qualidade e/ou quantidade
do bem ou serviço prestado por essa política.
De acordo com os testemunhos dos participantes no presente estudo, os profissionais de terreno
envolvidos e que participaram em conjunto, no processo de investigação-ação, evidenciaram que a
distribuição dos serviços e de bens públicos, muito mais do que implementar a lei, eles próprios no
terreno podem por exemplo, afirmar que “fazem a lei”: modelam diretamente, através da orientação das
suas escolhas discricionárias, políticas públicas que se adequam a cada realidade social, a cada patologia,
a cada motivação de cada beneficiário. Como refere Smith 2012:432, (op. cit.in por Giladi, 2021): “[...] a
discrição e a autonomia dão aos burocratas de nível de rua poder substancial para realmente fazer
políticas, ao invés de simplesmente implementar as diretivas dos superiores.” No entanto, na aplicação de
uma política pública pelos profissionais de terreno, burocratas de nível de rua, há sempre uma certa
obliquidade, que determinará profundamente a experiência que os seus beneficiários terão como mais-
valia e resposta mais adequada para a situação da complexidade das diversificadas problemáticas sociais.

1.3 Abordagem à terceira dimensão das práticas discricionárias nos Centros


Numa terceira dimensão, as práticas discricionárias, na medida em que constituem fenómenos
recorrentes e sistemáticos "padrões", devem ser tomadas como objeto de estudo. Segundo Brodkin
(2015):
"A discrição não é de interesse quando é aleatória, mas quando é estruturada por fatores que
influenciam os comportamentos informais a desenvolverem uma forma sistemática. São
esses comportamentos informais sistemáticos que impactam o significado prático específico
à política produzida.”
Brodkin, 2015:29, op. cit. in Giladi, M. 2021

De acordo com os registos nos Diários de Bordo (nº1 e nº 2), no período da Investigação
Empírica, e no último trimestre do ano 2021, e a primeira quinzena de 2022, acompanhámos o padrão das
práticas em cada sessão e em cada Centro. As atividades eram diferenciadas, dando lugar a práticas
discricionárias, onde os burocratas de nível de rua, justificavam que a discrição dessas práticas não era
aleatória, mas resultava de um quadro sistemático, específico de acordo com o perfil de cada beneficiário.
Não se limitam a uma representação de práticas arquitetadas para os momentos de atos excecionais

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ocasionais, mas sim estão direcionadas de acordo com o perfil, para além deste, e para alguns
frequentadores de concordância também com o seu quadro clínico.
Os burocratas de nível social de rua, aludem que a preocupação nas opções das lógicas para o
desempenho das práticas pedagógicas em cada Centro, não são aleatórias ao nível pessoal, até porque
estão sempre presentes os suportes legislativos legais. No entanto, reforçam que quando fazem a discrição
para cada beneficiário, o que lhes interessa são os impactos que as políticas provocam, ou seja, que o
impacto para os beneficiados esteja de acordo com os seus interesses e motivações e o seu bem-estar com
qualidade de vida digna.

1.4 Abordagem à quarta dimensão das práticas discricionárias nos Centros

Finalmente, e numa quarta dimensão, os burocratas de nível de rua, também têm a


consciencialização que desempenham um papel político fundamental. Não só porque muitas vezes é sobre
eles que a implementação das políticas públicas se baseia, mas também porque desempenham um papel
de interface entre o Estado e os beneficiários que frequentam os respetivos centros: Centro Cívico e/ou
Centro de Convívio. Corroborando com Smith (2012:432, op. cit. in Giladi, 2021), refere que os agentes
de campo são guardiões da cidadania: eles servem como guardiões do acesso dos indivíduos ao pleno
gozo dos seus direitos e, portanto, acesso total à cidadania e à produção de conhecimento.
Os agentes da linha da frente, burocratas de nível de rua, desempenham uma função distributiva, e
muitas vezes é através deles que os indivíduos têm acesso aos seus direitos sociais, à sua capacidade de
participação no processo político e social. Por essa razão, representam uma peça fundamental, não só da
eficácia do Estado no que diz respeito à efetiva implementação das leis, mas também da sua
legitimidade com os beneficiários. É neste sentido, que qualquer prática informal por parte dos
burocratas de nível de rua, que perturbe o pleno gozo dos seus direitos pelos beneficiários, pode
potencialmente levar a graves consequências negativas para a instituição que representa. A ação direta
e indireta dos burocratas de nível de rua, funciona como uma espécie de agentes protetores dos
beneficiários, na medida em que continuadamente estão em permanência de contacto direto, a prestar
informações diárias relativas aos desenvolvimentos das situações e problemáticas sociais, ao
acompanhamento de cada situação problemática em particular de cada beneficiário. Registaram-se notas
de informações diárias, para serem entregues aos familiares dos beneficiários, que pelas suas patologias
(doenças prolongadas específicas/diversificadas) encontram-se impossibilitados de se tornarem
responsáveis de si próprios.
Ainda em relação à dimensão do papel protetor e cuidador dos burocratas de nível de rua, todos
nos seus testemunhos relataram que os maiores incidentes críticos, que enfrentaram ao longo das suas

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atividades profissionais, foi a pandemia relacionada com a COVID-19, e que frequentemente explicaram
e recomendaram os cuidados a terem em relação à doença provocada pelo coronavírus da síndrome
respiratória aguda grave (SARS-CoV-2) a cada beneficiário frequentador do Centro Social e ou Centro de
Convívio. De entre os vários depoimentos dos profissionais de terreno, as preocupações mais expressas
pelas consequências da pandemia, nos dois Centros, Sociais e de Convívio, foi proporcionar um
acompanhamento no período do isolamento social, através das tecnologias e de visitas ao domicílio, na
continuação de desenvolvimento dos seus Modelos de Formação e de Intervenção Social. Assim, a partir
do local constava-se sempre uma dimensão global da cidadania e a preocupação constante da proteção
dos beneficiários, e integrá-los em grupos comunitários, em que todos se sentem com a sua voz e a sua
vez na sociedade, na sua comunidade de Centro. Corroborando com Balsa (2020), a ideia da “dimensão
local e, inclusivamente a ideia do “desenvolvimento comunitário” comporta diferentes escalas, abrindo
para morfologias de territórios, e dos sentidos dos seus respetivos desenvolvimentos”, muito diferentes”
(Henriques, 2010:11, op. cit. Balsa, 2020). Podemos comparar esta dimensão local dos Centros, como
sendo locais de desenvolvimento das capacidades pessoais dos beneficiários, e que se transformam
posteriormente em desenvolvimento comunitário, onde todos beneficiam e são beneficiados e se dão
modos de produção de conhecimentos coletivos, de Modelos de Formação Social e de Intervenção para
uma formação de uma sociedade mais equitativa.

2. Considerações Finais
Na presente investigação-ação, constatamos que todos os profissionais de terreno (burocratas de
nível de rua) nas suas práticas, quer formais, quer informais, destinadas aos beneficiários, em parte as
suas lógicas de formação e de intervenção, se canalizam em ações específicas, discricionárias e destinadas
para cada beneficiário que frequenta cada Centro e que tivessem de um modo mais possível e
aproximado, uma resposta social adequada a cada situação problemática de cada beneficiário.

Na observação revisitámos as principais caraterísticas e peculiaridades da chamada “burocracia


de nível de rua” e dos “burocratas de nível de rua” de Michael Lipsky (1980) e pretendeu-se um estudo
sobre as políticas públicas de inclusão social e dos discursos que as justificam, num tempo em que se
constata a procura de integração dos beneficiários que frequentam os Centros: Cívico e de Convívio. O
questionamento proposto centrou-se em práticas de Formação Pessoal, na construção de um Modelo de
Intervenção Social, que integrados, por parte dos profissionais de terreno, visam a promoção das
condições de vida coletivos, concretamente dos beneficiários que frequentam os respetivos Centros.

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Optamos por fazer uma leitura da realidade nos Centros, numa perspetiva de baixo para cima,
partindo da observação das práticas de terreno, dos burocratas de nível de rua, numa perspetiva de um
processo de pesquisa investigação-ação, seguindo uma dinâmica de aprendizagem progressiva, partilhada
e visando os diferentes atores implicados na intervenção e na produção de conhecimento e de construção
em comum de saberes.
O foco da presente investigação, foi compatível com a problemática do Michael Lispky (ibidem)
porque estava em causa a autonomia e a capacidade (diferente) dos atores de terreno (burocratas de nível
de rua) para construir e executar as políticas públicas e, que em cada momento ou fase da necessidade da
tomada de decisões para dar as respetivas respostas sociais tinham a liberdade da ação, ou seja, a ação,
fazia-se fazendo, tendo sempre presente as necessidades reais de cada beneficiário e do grupo que
diariamente estava na sua gestão.
As conclusões, assinalam deste modo, as caraterísticas do terreno de observação, como é
constituída a ação dos profissionais de terreno, e, como operacionalizam as atividades em cada Centro
Social e em cada Centro de Convívio, bem como quais são as suas lógicas de ação de formação de um
Modelo Social e em simultâneo de um Modelo de Intervenção, na perspetiva dos diversos burocratas de
nível de rua. As várias etapas adotadas no desenvolvimento dos projetos de formação pessoal e social, e
de intervenção em grupo, alimentam dinâmicas de transformação de “coletivos isolados” em
“comunidades familiares”, inspirando-se de princípios do desenvolvimento comunitário e que evidenciam
os centros como sendo investimentos sociais com retornos sociais garantidos no âmbito das respostas às
problemáticas sociais.
Podemos afirmar que os burocratas de nível de rua, são elos de ligação entre o Estado e o
desenvolvimento dos beneficiários para o seu exercício pleno de cidadania global ativa e são como uma
espécie de artesãos em matéria de fabricação de respostas sociais para cada problemática da sociedade.
Os burocratas de nível de rua, são referidos pelos beneficiários de cada Centro, de acordo com as
entrevistas realizadas aos mesmos, como sendo os seus “confidentes”, os seus “protetores” em que agem
com muita “cumplicidade” e que alimentam diariamente uma rede de “amizades”, de “laços familiares e
sociais” e que são indispensáveis no seu dia a dia, para alguns dos beneficiários. Nas vozes e testemunhos
dos beneficiários, é toda a equipa técnico-pedagógica o seu “porto de abrigo”, a “força da razão de ser da
sua sobrevivência, para visitar cada dia o centro”, dada a fase de vida avançada, reforçam que é nos
Centros que alguns beneficiários, e segundo os seus testemunhos nos relatos das suas “histórias de vida”,
que ainda encontram sentido para a razão de viver e serem felizes! Acrescentam ainda, que é lá que
recuperam cada uma das dimensões de “conforto”, de “lazer”, de “saúde” de “cultura” de “conhecimento
do mundo”, desde o local, regional ao global, de “terapia” e de “descanso pessoal, familiar” de “pausa de

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pressão pessoal e social” e que se sentem muito bem, quer ao nível psicológico, quer ao nível físico e
social!”
Todo o poder discricionário de um agente de campo, ou seja dos profissionais de terreno-
burocratas de nível de rua, como foi designado ao longo do presente estudo, podemos afirmar que
classicamente é definido como uma margem e/ou uma forma de autonomia na ação, em face dos
padrões da instituição, o que lhes permite "agir com base na sua própria apreciação, além de uma simples
aplicação das regras, mas mesmo assim, permanecendo dentro de um arcabouço legal" (Dubois,
2012:4, op. cit. Giladi, 2021). Essas margens de manobra podem ser “observadas em diferentes níveis
e relacionam-se com a natureza, quantidade e qualidade dos serviços concedidos sob uma política,
sobre o possível uso de sanções; sobre a capacidade de controlar a duração do procedimento, ou sobre a
comunicação de informações (Hassenteufel, 2008:94, op. cit. Giladi, 2021).
Contudo, a discrição dos burocratas de nível de rua, não deve ser entendida como autonomia
absoluta e livre de tomada de qualquer discrição ou decisão que não esteja fundamentada e
justificada de acordo com as necessidades e problemáticas de cada beneficiário dos Centros, quer
Social, quer de Convívio.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

VISITAS DOMICILIÁRIAS: OS CAMINHOS DA


VULNERABILIDADE
Paulo Silvestre *
silvestre2005@gmail.com
António Pinto **
antonio_6f@hotmail.com

Resumo
O conceito de visitas domiciliárias (VD), também designadas por visitas domiciliares (home visits) tem a finalidade
de apoiar, acompanhar, encaminhar, avaliar e intervir com pessoas ou famílias que demonstrem algum tipo de
vulnerabilidade ou carência. São uma fonte de informação no âmbito psicossocial, e podem ser desencadeadas por
profissionais de diversas áreas ou valências, dependendo do pedido, do objetivo ou da situação sinalizada.
Pretende-se apresentar, de forma genérica, algumas das classes profissionais que poderão estar envolvidas nas VD,
nomeadamente Psicólogos, Assistentes Sociais, Enfermeiros, Médicos, Educadores, ou Forças de Segurança.
Destaca-se a importância das valências comunitárias disponíveis, do trabalho em rede e das parcerias institucionais
enquanto equipas interdisciplinares. Apresenta-se uma perspetiva portuguesa das VD, das suas características,
contextos de atuação, os cuidados que os profissionais devem adotar no que concerne à segurança, quem pode
comunicar ou sinalizar situações de vulnerabilidade, articulação entre instituições e profissionais, a humanização
dos serviços e necessidade de atualização e formação constantes de todos os profissionais. A pertinência deste
artigo insere-se na perspetiva interdisciplinar, onde as várias profissões “dialogam”, se encontram em igualdade de
circunstâncias, sem hierarquias, sem segmentação de saberes, em prol de um melhor atendimento à pessoa ou
família. Da revisão da literatura, concluímos que os saberes profissionais e científicos estão, em nosso entender,
demasiado segmentados (serviço social, enfermagem, psicologia, judicial, segurança…) e neste sentido
apresentamos uma perspetiva colaborativa das VD, uma vez que os problemas são multideterminados.

Palavras-chave | Classes profissionais; Parcerias; Pessoas/famílias vulneráveis; Trabalho em rede; Visitas


domiciliárias

Abstract
The concept of home visits (HV), is intended to support, monitor, refer, evaluate and intervene with people or
families who demonstrate some type of vulnerability or need. They are a source of information in the psychosocial
scope, and can be triggered by professionals from different areas or valences, depending on the request, the
objective or the signaled situation. It is intended to present, in a generic way, some of the professional classes that
may be involved in hv, namely psychologists, social workers, nurses, doctors, educators, or security forces. The
importance of available community resources, networking and institutional partnerships as interdisciplinary teams
is highlighted. A portuguese perspective is presented, of the hv, its characteristics, contexts of action, the care that
professionals must adopt with regard to safety, who can communicate or signal situations of vulnerability,
articulation between institutions and professionals, the humanization of services and the need for constant updating
and training of all professionals. The relevance of this article is part of the interdisciplinary perspective, where the
various professions "dialogue", are on equal terms, without hierarchies, without segmentation of knowledge, in
favor of a better service to the person or family. From the literature review, we concluded that professional and
scientific knowledge are, in our opinion, too segmented (social work, nursing, psychology, judicial, security…) and
in this sense we present a collaborative perspective of the DV, since the problems are multidermined.

Keywords | Professional classes; Partnerships; Vulnerable people/families; Networking; Home visits

* Doutorando em Educação da Universidade Lusófona; Centro de Estudos de Estudos Interdisciplinares em Educação e


Desenvolvimento (CeiED).
** Mestrando em Psicologia Clínica e de Aconselhamento da Universidade Autónoma de Lisboa.

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Introdução

A intenção deste artigo é estruturar a experiência profissional, com o conhecimento científico, e


afirmar a importância que o ‘saber fazer’ e o ‘saber científico’ utilizados em prol da comunidade. No
fundo, é tornar a “ciência útil”, aliando o saber científico, o saber profissional e o saber cidadão
(Bednereck, et al., 2018).
Enquanto profissionais da linha da frente no combate à pandemia, surgiu a necessidade de unir
esforços para apoiar as situações de maior vulnerabilidade. Pessoas idosas isoladas, famílias
monoparentais vulneráveis, famílias multidesafiadas, pessoas com dificuldade de mobilidade, pessoas em
situação de sem-abrigo, ou o acompanhamento pós vitimação de situações de violência doméstica…
foram algumas das situações que necessitaram de resposta em áreas como a proteção, segurança e bem-
estar.
A experiência profissional tem demonstrado que o trabalho é árduo, exigente, sendo que por vezes
escasseiam respostas face a situações emergentes (Sampaio & Mancini, 2007). Adotando uma perspetiva
comunitária, com vista à melhoria das condições de vida, obriga a um amplo conhecimento do meio, da
população, das necessidades e potencialidades das famílias.
O trabalho social é amplamente valorizado e enriquecido em proporção com as parcerias criadas.
Destacam-se instituições, associações e entidades de atuação de primeira linha e com responsabilidade
social.
Na área da segurança pública, a modalidade de policiamento de proximidade da Polícia de
Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) constitui-se como um recurso
privilegiado na medida em que assume um papel preventivo face a situações de segurança, bem como a
situações de cariz social. A união de saberes, as experiências diferenciadas e união de sinergias, têm
revestido a atuação técnica evitando o multiassistencialismo.
A pandemia Covid 19 veio desafiar todo um sistema de Ação Social que embora habituado a
novas situações e adversidades, não deixava de estar suportado em pilares conhecidos e estruturados.
Decretado o Estado de Emergência e a obrigatoriedade de permanecer no domicílio, impunha-se
que os serviços, mais do que nunca, estivessem ao lado de todos os que, com medos, insegurança e receio
do desconhecido, sentissem que não estavam sozinhos.
Foi necessário construir uma rede de apoios, reinventar formas de intervir e de apoiar.
Salvaguardadas necessidades no âmbito da alimentação, saúde, segurança e bem-estar imponha-se
reforçar o apoio e intervenção no combate ao isolamento, promovendo a saúde mental.

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Numa fase inicial, em que era fortemente desaconselhada a proximidade física (diferente de
distanciamento social), optou-se por um trabalho que envolveu o acompanhamento através do
estabelecimento de contactos telefónicos regulares, privilegiando pessoas e famílias com 65 ou mais anos.
Desta avaliação, as situações que inspiravam cuidados e um olhar diferenciado, eram
encaminhadas para as/os técnicas/os da Ação Social e/ou da Psicologia.
O acompanhamento de proximidade permitiu chegar a um denominador comum, havia pessoas
que se encontravam no limite das suas capacidades para, sem suporte, continuarem a desenvolver as suas
atividades de vida diária e, um número significativo com sinais de risco no âmbito da saúde mental.
Impunha-se a necessidade de fazer diferente, mas com o mesmo respeito pelas regras impostas pela
Direção Geral de Saúde (DGS).
Numa luta contra o tempo, em cooperação com os parceiros locais, estruturou-se um serviço de
apoio à terceira idade (e não só), com particular enfoque nas pessoas e famílias vulneráveis ou
multidesafiadas que habitavam sozinhas e cuja impossibilidade de saírem do seu espaço os remetia para
um isolamento e solidão com marcas profundas ao nível do sofrimento emocional. Era urgente ir ao
encontro destas pessoas, que não podiam vir até aos serviços.
O contacto visual e a presença física junto da população, foram conseguidos através da realização
de visitas domiciliárias com características muito específicas: a não entrada nas habitações, a manutenção
do distanciamento recomendado, a utilização dos meios de proteção determinados pelas autoridades de
saúde (Equipamentos de Proteção Individual – EPI) e amplamente veiculados.
Estes contactos, pautados por palavras de conforto, afeto e de apoio na integração e compreensão
da informação sobre a evolução da pandemia, tantas vezes contraditória e amplamente noticiada,
permitiram promover e construir relações e vínculos seguros.
Volvidos mais de 2 anos desde que foi decretado o início da pandemia, a informação recolhida
mostra a capacidade das equipas se redefinirem e reorganizarem, num curto espaço de tempo, atuação
semelhante à intervenção em crise. O contacto social apresenta-se como um fator determinante no que
respeita à promoção e manutenção da saúde mental e na minimização do agravamento destas patologias.
Adaptar técnicas de intervenção, teoricamente definidas, às necessidades e à realidade, enriquecem a
atuação, podem até determinar o sucesso da intervenção. De destacar o papel das visitas domiciliárias
mesmo que, com as adaptações anteriormente descritas. O trabalho em equipa e em parceria com
entidades de primeira linha e com responsabilidade em matéria social, forneceu um input na qualidade
das intervenções, criando um novo modelo de intervenção em que o setting é a casa de cada pessoa, ou
até mesmo um vão de escada.

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De acordo com Sampaio e Mancini (2007), as práticas baseadas nas evidências assentam em três
pilares: a investigação, a experiência profissional e o respeito pelo paciente ou utente/família. Assim, o
presente artigo parte da experiência profissional dos autores, fornecendo, por um lado, uma perspetiva das
visitas domiciliárias na cidade de Lisboa, e por outro, dá a conhecer as práticas desenvolvidas, sendo o
mote para a realização de uma revisão sistemática sobre o tema.
De salientar que o presente estudo pretende apresentar uma perspetiva de reflexão que poderá
auxiliar na tomada de decisões, contudo, não é intenção substituir-se à experiência dos profissionais no
“teatro de operações” (Sampaio & Mancini, 2007). Como referimos, esta é apenas uma perspetiva
holística das visitas domiciliárias (saúde, social, psicológica, judicial e segurança).
Desta forma, a questão de partida é “De que maneira as visitas domiciliárias são relevantes para
a avaliação de pessoas ou famílias vulneráveis?”.

1. A relevância das visitas domiciliárias

Qualquer intervenção junto de pessoas ou famílias deve ser organizada, estruturada, e


eventualmente incluir a parceria de instituições, que pela natureza das funções ou atribuições legalmente
instituídas podem ser um recurso válido no apoio e suporte (Nascimento, et al., 2013; Sharps, et al.,
2016).
As visitas domiciliárias (VD) são, no fundo, uma fonte de informação determinante para ajustar
um possível acompanhamento e/ou intervenção (Sharps, et al, 2016), no âmbito de uma perspetiva
psicossocial (Winter & Cree, 2016).
As VD devem ser preparadas e conduzidas tendo em linha de conta objetivos pré-definidos,
assentes em métodos racionais que levem à recolha de informação, e que permitam a manutenção da
autonomia e/ou a recuperação da independência (Andrade, et al., 2014). Quando se designam “visitas
domiciliárias”, estas não precisam de ocorrer necessariamente no domicílio da pessoa ou da família, ou
seja, à semelhança da terminologia “violência doméstica”, estas não necessitam de assumir um sentido
literal. As VD pressupõem a deslocação de uma equipa de profissionais a locais onde possa ser útil
recolher informação. Por exemplo, estas podem ser realizadas em locais de culto, centros comunitários,
na via pública ou no local de trabalho (Ziomek-Daigle, 2010), sempre com a preocupação de não expor a
pessoa ou a família.
Importa salientar que apesar dos problemas psicossociais terem aparentemente, uma perspetiva
individual (pessoa ou família), pode existir um conjunto de condições externas que inviabilizam uma
reestruturação eficaz da pessoa/família. Neste sentido, importa que os profissionais atentem a um
conjunto de informação relevante para realizarem as devidas inferências, designadamente, conhecer a

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pessoa/família, qual o suporte social, acontecimentos marcantes na sua vida, dentro e fora da família, que
podem ajudar a interpretar determinada conduta (Winter & Cree, 2016), ou recorrer a diferentes fontes de
informação (Sampaio & Mancini, 2007; Winter & Cree, 2016).

2. Finalidade das visitas domiciliárias

Os profissionais que realizam VD devem ter a noção que a pessoa/família que é alvo deste
procedimento poderá ter limitações em termos de recursos financeiros, de transporte ou problemas de
saúde (física e/ou mental) (Allen & Tracy, 2008; LeCroy & Whitaker, 2005; Pierre & Layzer, 1999).
Assim, as VD podem servir para: avaliar necessidades de âmbito social e de saúde (pessoal ou saúde
pública), assumindo uma cobertura assistencial para os casos de risco (Nascimento, et al., 2013);
promoção e prevenção da saúde (Nivestam, et al., 2020); definição de planos de vida e segurança;
definição de prioridades; empoderamento das pessoas/famílias dotando-as de capacidades, competências
e recursos com o objetivo último de torná-las autónomas (Allen, & Tracy, 2008; Nivestam, et al., 2020;
Sharps, et al., 2016); informar sobre os recursos disponíveis na comunidade (Sharps, et al., 2016);
intervenção precoce em matéria de infância e juventude; programas de acompanhamento e reunificação
familiar; prestação de serviços comunitários no âmbito da saúde mental; apoio aos tribunais; apoio
comunitário a idosos; cuidados paliativos (Allen, & Tracy, 2008); ou seja, ao avaliar a pessoa/família no
seu contexto sociocultural (ambiente “natural”) podem ser realizadas atividades de âmbito educacional,
informacional, securitário, preventivo, de recuperação ou promoção da saúde (Allen, & Tracy, 2008;
Nascimento, et al., 2013).
Após a sinalização das ocorrências (que poderão ter diversas etiologias), estas serão distribuídas/
encaminhadas para as equipas de acordo com uma abrangência e competência territorial. Sendo um
processo dinâmico, para que o acompanhamento se realize é necessário em primeiro lugar a aceitação da
pessoa ou da família (Nunes, Amaral & Gonçalves, 2005). Após a sua anuência, procede-se ao registo
formal da situação, e consequente atualização dos dados. O registo permite seguir uma “fita do tempo”,
onde pode ser analisada a natureza de intervenção, a frequência dos contactos, o tipo de apoio proposto e
aceite (ou não), ou a construção de um plano de vida (Allen, & Tracy, 2008; Andrade, et al., 2014;
Ferreira, Costa & Germano, 2020; Nascimento, et al., 2013).
No “teatro de operações”, as equipas de profissionais devem assumir valências e competências
alargadas, nomeadamente multidisciplinares (Almeida, 2013; Ferreira, Costa & Germano, 2020), e
especialmente interdisciplinares (que comuniquem frequentemente entre si e trabalham em equipa para
maximizar o acompanhamento), e, idealmente, não devem ser realizadas por mais de três profissionais
(denominadas de micro equipas) (Pitkälä, et al., 2018). Por questões éticas, as intervenções devem

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salvaguardar a integridade e a privacidade das pessoas/famílias, devendo estas ser discretas (evitando a
exposição) e incisivas (OPP, 2016).
As VD devem ter um propósito, uma finalidade. De acordo com Allen e Tracy (2008), as VD
podem focar-se no processo, nos recursos ou no risco, e que podem mudar ao longo do acompanhamento.
Quando as VD são focadas no processo assumem uma orientação de promoção da conexão e ligação entre
profissionais e a família no meio onde se processa a intervenção (normalmente em ambiente doméstico).
Quando as VD se focam nos recursos pretendem avaliar as dinâmicas individuais e familiares, analisando
os pontos fortes, as necessidades e acima de tudo, vincular a pessoa/família à intervenção e aos recursos
disponíveis. As VD focadas no risco, são sinalizadas normalmente por valências comunitárias
provenientes de denúncias, e têm a finalidade de promover a reflexão sobre o caso ou situação e a
cooperação entre membros da família.
Em situações, ditas “normativas” (se é que existem), a pessoa/família deverá, expressamente,
aceitar o apoio das instituições, salvo em casos que coloquem em causa o bem jurídico vida (pessoal ou
de terceiros), ou patrimonial. Nestes casos, podem ser acionados mecanismos legais mais “musculados”,
como o internamento compulsivo para uma avaliação psiquiátrica de urgência. Nas situações em que o
caso merece uma avaliação especializada, mas que os bens jurídicos referidos não estão eminentemente
em causa, a intervenção da figura do Delegado de Saúde poderá ser a alternativa mais viável, partindo do
princípio que não existe a colaboração voluntária do(s) visado(s) (Lei n.º 36/98).
Desta forma, urge que estas equipas sejam multifacetadas (Pitkälä, et al., 2018), ou seja, dotadas
de várias competências (e.g. sociais, médicas, psicológicas, judiciais, de segurança...). Assim, uma VD
permite avaliar as reais necessidades e perceber algumas das dificuldades, e como referimos
anteriormente, recolher informação. Esta avaliação está para além das questões puramente burocráticas e
administrativas (apresentação de documentos, rendimentos, autorizações...) (Ribeiro & Amaro, 2017).
A literatura apresenta alguns dos motivos em que podem justificar uma VD:
● Sinalizar pessoas que vivem sozinhas e que apresentam algum tipo de limitação (e.g. idosos),
permitindo avaliar a rede de suporte (Pitkälä, et al., 2018);
● Sinalizar de agregados familiares em risco (e.g. casais de idosos, famílias monoparentais,
cuidadores) (Allen, & Tracy, 2008);
● Avaliar a situação de pessoas com dificuldades de locomoção, que pela urografia do edificado,
estão “presas” nas próprias residências (Blanchet & Edwards, 2018);
● Condições de habitabilidade das residências. Temos como exemplo acumuladores
(disposofobia), ou seja, pessoas que acumulam materiais, objetos ou alimentos nas suas residências sem
uma função ou utilidade aparente, e a natureza destes objetos são suscetíveis de se degradarem e

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decomporem, criando ambientes insalubres que podem afetar o bem-estar de várias pessoas ou famílias,
podendo chegar a situações limite que coloquem em causa a saúde pública (Lee, Johnson & Lee, 2015);
● Pessoas de determinados agregados familiares com problemas de saúde mental (diagnosticados
ou não), que fazem sentido serem avaliados no ambiente e contexto em que ocorrem (normalmente,
contexto doméstic) (Allen, & Tracy, 2008; Cheng, 2017);
● Avaliar a dinâmica familiar em caso de dependências (álcool, drogas, medicação, jogos...)
(Allen, & Tracy, 2008; Hossain, et al., 2020);
● Avaliar situações de abandono escolar (Allen, & Tracy, 2008; Ziomek-Daigle, 2010);
● Avaliar, sinalizar e acompanhar situações de violência doméstica (acompanhamento pós-
vitimação) (Sharps, et al., 2016);
● Realizar avaliações por solicitação de entidades judiciais, ou no âmbito das parcerias (Allen, &
Tracy, 2008);
As VD podem ter uma duração variável e ser precedidas de um agendamento (programadas)
articulando com o(s) visado(s) (Sharps, et al., 2016), ou pelo contrário, ser realizada sem aviso prévio,
dependendo da natureza do pedido ou da necessidade (Ferreira, Costa & Germano, 2020; Winter, & Cree,
2016). Em casos específicos, em que as famílias apresentam maiores dificuldades financeiras ou em
situações de pobreza, as visitas com maior regularidade podem ser organizadoras e benéficas (Sharp, et
al., 2003).
Importa salientar uma outra perspetiva da VD, servindo como um meio de formação e integração
na profissão, como são o caso dos estudantes universitários ou estagiários. Estas permitem uma maior
proximidade à realidade, facilitam a aquisição de conhecimentos através da interação com os
interlocutores ou através da observação dos profissionais mais experientes. Abre portas à colocação em
prática das abordagens teóricas assimiladas em contexto académico e facilita a humanização das
intervenções. As VD podem então ser encaradas como estratégias de promover o ensino (Ribeiro, et al.,
2017). Por exemplo, o estudo de Sharp e colaboradores (2003) indica que os profissionais com baixas
expectativas em relação à VD, que apresentam uma labilidade emocional aumentada e que suspeitam que
podem existir situações de violência, desenvolvem o seu trabalho de forma mais ríspida, são menos
amáveis e compreensivos comparativamente aos profissionais com atitudes mais positivas. Este estudo
tem a finalidade de mostrar que a atitude dos profissionais também transparece na qualidade do serviço.

3. Cuidados com a segurança

A entrada na residência deve ser antecedida de uma autorização expressa do(s) visado(s), ou seja,
ter a anuência da pessoa/família (Allen, & Tracy, 2008). De acordo com Occupational Safety and Health

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Administration (2016) qualquer VD se reveste de um certo grau de imprevisibilidade (ambiente não


controlado). Antes deste procedimento, os profissionais devem informar os serviços (superior hierárquico
ou colega de trabalho) da intenção de realizar a VD e o grau previsível de risco (quando possível),
especialmente nas primeiras visitas. Devem contar com a possibilidade de existirem pessoas estranhas (ou
que não pertencem) ao agregado familiar, como vizinhos ou amigos.
Em termos de apresentação, os profissionais: devem andar identificados; não devem usar colares
ou correntes que possam facilitar o estrangulamento; não devem ostentar objetos de valor como joias,
telemóveis ou fazer-se acompanhar de grandes quantias de dinheiro; devem andar com o cabelo preso e
calçado confortável, que permita ausentar-se rapidamente do local em caso de necessidade (OSHA.
2016); devem ter atenção a forma como se vestem para não chamarem a atenção sobre si (Allen & Tracy,
2008).

4. Quem pode comunicar/sinalizar situações de vulnerabilidade

As instituições de cariz social e comunitário estão vocacionadas para sinalizar, detetar, avaliar,
monitorizar, articular e encaminhar de forma a dar o melhor seguimento à especificidade de cada caso.
Instituições como Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Forças de Segurança, Escolas, Centros de
Saúde/Hospitais, Associações, Programas e Projetos são entidades de primeira linha na sinalização,
acompanhamento e encaminhamento de situações de vulnerabilidade (CNPCJR, 2014).
Para isso é necessário que a informação chegue às instituições. Neste sentido, podemos afirmar
que qualquer pessoa tem o dever de comunicar/sinalizar às entidades competentes, pessoas ou famílias
que apresentem especial vulnerabilidade, quer em função da idade, quer em termos de anomalia psíquica
(Lei n.º 36/98).
A comunidade deverá estar atenta a estas situações, ainda que subtis, podem estar a camuflar
comportamentos negligentes como o cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência. A simples
alteração do padrão comportamental pode ser um primeiro sinal de alerta. Por exemplo, idosos isolados e
sem acompanhamento, abandono e maus-tratos de pessoas (APAV, 2010; Cannon, 2008) ou animais
(Whitfort, et al., 2021), pessoas que andam na rua sem um destino ou objetivo definido, a falta de higiene
pessoal ou residencial, recolha de material/objetos junto a caixotes do lixo (APAV, 2010), ou pessoas em
situação de sem-abrigo (APAV, 2010; Omerov, et al., 2020), podem e devem merecer a atenção da
comunidade civil (APAV, 2010).
Importa salientar que quando a pessoa/família não adere voluntariamente a qualquer tipo de
resposta social/comunitária, a sua vontade deve ser respeitada. No entanto, nos casos em que se suspeita
de problemas de saúde mental (graves), que colocam em causa a saúde e bem-estar do próprio e/ou de

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terceiros, onde o(s) envolvidos(s) se mostram irredutíveis em aceitar o apoio institucional, quando se tem
dificuldade de aceder a familiares ou amigos (pessoas de referência), o processo de apoio e
encaminhamento pode tornar-se excessivamente burocrático e moroso, e em alguns casos inviável,
enquanto não houver uma resposta das autoridades de saúde e/ou judiciais (Lei n.º 36/98).

5. Trabalho em rede/parceria - privacidade, confidencialidade e partilha de


informações

Como referimos, as VD, dependendo do objetivo, poderão ser realizadas em parceria, numa
perspetiva colaborativa, validando intervenções e aprendizagens que têm a finalidade de melhorar a
qualidade dos cuidados (Nunes, Amaral & Gonçalves, 2005; Pitkälä, et al., 2018; Williams, 2016).
Muitos dos problemas são multideterminados, e neste sentido, as dinâmicas subjacentes a famílias
multidesafiadas e à justiça social implicam que os profissionais que trabalham em rede estejam
preparados para se adaptarem às novas realidades, evidenciando flexibilidade e criatividade na resolução
de problemas sociais e comportamentais, especialmente no que diz respeito à diversidade humana, social
e cultural e à capacidade de empoderamento (Williams, 2016).
Desta forma, as equipas podem ser constituídas por Assistentes Sociais, Psicólogos, Enfermeiros,
Médicos, Terapeutas (Ferreira, Costa & Germano, 2020; Nunes, Amaral & Gonçalves, 2005; Winter &
Cree, 2016) ou Forças de Segurança (Winter & Cree, 2016).
As novas tecnologias estão para ficar e vieram de alguma forma facilitar a articulação e
comunicação entre parceiros e de redes de contacto (Williams, 2016).
Um dos princípios basilares é o respeito entre profissionais. Estes deverão ter em consideração a
formação, saberes, experiência, competência, autonomia, independência, deveres e responsabilidade,
devendo existir uma colaboração efetiva. Os critérios éticos e deontológicos devem estar sempre
presentes na prossecução de objetivos comuns, nomeadamente, auxiliar e melhorar a qualidade de vida, e
desenvolver competências interpessoais da pessoa ou família (OPP, 2016).
Os profissionais devem assegurar a privacidade e confidencialidade dos dados, referente a cada
caso, quer a informação seja obtida de forma direta ou indireta (Nunes, Amaral & Gonçalves, 2005; OPP,
2016). Importa salientar, que todos os profissionais têm, em nome do Estado, a obrigação legal e moral de
defesa de pessoas ou famílias vulneráveis (Winter & Cree, 2016).
Importa também frisar que os profissionais que lidam com informações pessoais têm o dever de
sigilo, mesmo após o término das funções (Lei n.º 59/2019). Nas condições em que a partilha de
informação se torne indispensável, sobre casos ou clientes, devem destinar-se a defender os interesses
vitais do(s) visado(s) (Lei n.º 59/2019). A acontecer, a partilha de informação deve ser genérica, contudo

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deve permitir perceber e/ou enquadrar o caso, e as dificuldades que a pessoa ou família atravessam. Por
força do princípio da autonomia da vontade, as instituições só podem intervir e partilhar dados mediante
uma autorização expressa das pessoas/famílias visadas, após a anuência através Termo de Consentimento
Informado (Campos & Oliveira, 2017).
Apraz referir que no âmbito das VD em parceria e do trabalho em rede, é produzido conhecimento
comum, não obstante, cada instituição pode produzir conhecimento individual relevante (Williams, 2016).
Deve ser evitado, que várias instituições ou profissionais trabalhem a mesma pessoa ou família de
forma independente (Almeida, 2013; Parecer 43/CEOPP/2016), de forma a evitar danos ou prejuízo para
a pessoa ou família acompanhada (Williams, 2016). O trabalho a desenvolver deverá ser coordenado e
articulado institucionalmente, devendo existir um gestor de caso, de forma a não duplicar intervenções ou
até a evidenciar pareceres ou sugestões contraditórias, que nada beneficia o(s) visado(s) (Almeida, 2013;
Parecer 43/CEOPP/2016).
O papel do gestor de caso pode providenciar e garantir a defesa dos interesses da pessoa/família;
assegurar um acompanhamento personalizado e orientado para os objetivos (previamente definidos); a
pessoa/família é entendida numa vertente holística e não segmentada; o trabalho em rede mostra-se
essencial, pois permite trabalhar a mudança na procura da melhoria da qualidade de vida solicitando uma
participação efetiva dos envolvidos; favorece a criação de uma aliança entre profissional/cliente (e
eventualmente pessoas significativas) que têm o intuito de dotar a pessoa/família de competências e
recursos para ultrapassar as dificuldades, existindo uma corresponsabilização (Almeida, 2013).

6. Humanização da intervenção e dos serviços

A humanização das organizações, dos cuidados e dos serviços prestados à comunidade são uma
prioridade, especialmente quando os casos são multideterminados. Estas práticas dizem respeito quer à
componente de gestão, quer à componente assistencial. No processo de humanização dos serviços, todas
as partes, sejam instituições ou pessoas envolvidas (gestores, profissionais ou utilizadores dos serviços)
devem ser chamadas a participar e a corresponsabilizar-se. O princípio da humanização dos serviços
apresenta como esteio a autonomia, protagonismo, solidariedade, corresponsabilização e o trabalho em
equipa (Sousa, et al., 2019). A avaliação das necessidades, e a diversidade das ocorrências permitem
igualmente que os serviços se reorganizem e adaptem (Nascimento, et al., 2013).
A humanização passa por disponibilizar um conjunto de serviços e recursos que facilitam a
relação entre os profissionais, os serviços prestados e os utilizadores. Assim, a oferta diversificada
(quando possível), a utilização das novas tecnologias, a informatização da informação, o desenvolvimento
de ambientes seguros e harmoniosos (Michelan & Spiri, 2018), por um lado, e a qualidade do

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atendimento, com um acompanhamento, acolhimento, respeito, comunicação, escuta ativa e a capacidade


de resolução de problemas diferenciado, por outro, proporcionam conforto e confiança nas instituições
(Holanda, Castagnari, & Cunha, 2014; Sousa, et al., 2019).

7. Qualificação e formação de profissionais

Ao abordar o tema VD, há competências que se vão adquirindo com a experiência, tais como o
estabelecimento de relações interpessoais, a observação da pessoa/família e os respetivos ambientes, ou a
desenvoltura. No entanto, os profissionais deverão ter em mente que não estão num ambiente que lhes é
familiar, ou seja, não estão num ambiente controlado, e isso pode ser um desafio (Allen, & Tracy, 2008;
Ribeiro, et al., 2017; Sharp, et al., 2003).
Temas como a violência, o trabalho em equipa, o trabalho em rede, a atualização de
procedimentos, e a formação, são construtos que devem ser desenvolvidos na formação base universitária
(formação inicial), e não só. Por exemplo, a importância de se realizarem VD em equipa, permite obter
perspetivas e pormenores distintos de uma mesma realidade. Por outro lado, a colaboração entre
profissionais pode ser um apoio e uma salvaguarda em termos de segurança (Allen, & Tracy, 2008).
Para além das questões de segurança, do relacionamento interpessoal, que devem ser trabalhadas,
é importante que os profissionais se mantenham atualizado em termos de procedimentos e formação
(formação contínua), com vista a aprimorar conhecimentos e a humanizar serviços, que serão úteis na
intervenção (Allen, & Tracy, 2008; Sampaio & Mancini, 2007).
É importante que os profissionais tenham supervisão e intervisão, no sentido de terem um espaço
de acolhimento para as suas dificuldades e fragilidades, local este onde é possível a discussão de casos,
com o intuito de avaliar o acompanhamento e o que pode ser melhorado, com apresentação de perspetivas
e abordagens distintas (Allen & Tracy, 2008; Hughes, 2010) e inovadoras, que auxiliam a tomada de
decisões (Hughes, 2010).
Enquanto prática reflexiva de avaliação e discussão, é um erro pensar que apenas os “aspirantes” a
uma carreira profissional (serviço social, psicologia, enfermagem, medicina, ou forças de segurança…)
necessitam de supervisão. Este é um procedimento que deve acompanhar todo um percurso profissional,
uma vez que a discussão de casos, a desconstrução de dilemas e a partilha de experiências melhoram a
intervenção e o acompanhamento (Hughes, 2010).
Importa trabalhar, especialmente com os estudantes ou profissionais menos experientes, porque
cada caso é um caso (Allen & Tracy, 2008; Hughes, 2010). O profissionalismo deve estar presente em
todas as intervenções (Hughes, 2010), porém, deverá existir algum distanciamento emocional da situação,
até como forma de proteger a saúde física e mental dos profissionais, tendo por base a crescente

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

“…complexidade, ambiguidade, diversidade, fragmentação, incerteza e frustração” (Ribeiro & Amaro,


2017:129) que a especificidade da função pode acarretar.

8. Conclusão

O presente artigo pretendeu apresentar uma das muitas perspetivas que podem existir sobre VD.
Partiu da experiência profissional para um momento de reflexão à luz do conhecimento científico atual.
Pretendeu-se apresentar uma perspetiva holística, nomeadamente, os vários profissionais, que
individualmente ou em parceria, poderão estar envolvidos nas VD (saúde, social, psicológica, judicial e
segurança), dependendo do objetivo das mesmas.
Relembrando a questão de partida: “De que maneira as visitas domiciliárias são relevantes para a
avaliação de pessoas ou famílias vulneráveis”. Concluímos que as VD são uma fonte de informação de
extrema relevância e que podem auxiliar na tomada de decisões. Os profissionais devem selecionar as
melhores fontes de informação de forma a melhorar a qualidade da resposta.
Face à origem dos problemas, que podem ser multideterminados, a resposta também pode exigir e
envolver várias valências de âmbito psicossocial, através de equipas interdisciplinares. O trabalho em
rede e o estabelecimento de novas parcerias permite aumentar o espectro de atuação.
Na perspetiva dos profissionais, deve haver a capacidade de trabalhar a resiliência, resistência à
frustração e capacidade de adaptação aos diversos contextos e situações.
Devem colocar como uma das prioridades a salvaguarda da segurança das equipas técnicas
adotando medidas preventivas e, no âmbito da formação e qualificação, devem primar pela constante
atualização de conhecimentos e procedimentos.
Em suma, as VD são determinantes e parte integrante de um conjunto de procedimentos que
visam, por um lado, a intervenção com pessoas e famílias multidesafiadas, e por outro, a humanização da
intervenção e dos serviços, preservando a dignidade da pessoa humana e a sua identidade.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

EDUCATIONAL ENTREPRENEURSHIP: HOW CAN


EDUCATIONAL INSTITUTIONS REINVENT THEMSELVES?

Andreia Carvalho *
andreia.carvalho@isal.pt
Leonilde Olim * *
leonilde.olim@isal.pt
Sancha de Campanella * * *
scampanella@isal.pt

Abstract

Educational entrepreneurship has been receiving increasing attention over the last years, even though the exact
meaning of entrepreneurship in education has not been yet conceptually differentiated from other entrepreneurial
realms. Even without a clear definition, educational entrepreneurship is closely related to leadership, innovation,
and change. In this sense, educational entrepreneurs are innovators who play a key role in the transformation
process of the education system, contributing to the disruption of the way education is provided. Only dynamic
educational institutions can face the global current challenges. In such a changing world, this is the era of
educational entrepreneurship, translated into a system that should foster excellence, a culture of meritocracy, and
transparency with clear accountability for the institutional practices. Considering the growing importance of
educational entrepreneurship and the research gap in this field, this paper aims to throw new light on the
contribution of educational entrepreneurship to the adaptation of schools to today’s changing world. As this
research is conducted in the Autonomous Region of Madeira, a questionnaire was administered to a sample of local
educational institutions, aiming to analyse how these promote innovation and change in the teaching-learning
process, responding to the contemporary challenges posed to education.

Keywords: Entrepreneurship; Education; Leadership; Innovation; Change.

* Professora no Instituto Superior de Administração e Línguas (ISAL)


** Professora no Instituto Superior de Administração e Línguas (ISAL)
** * Professora no Instituto Superior de Administração e Línguas (ISAL)

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

Introduction

The term entrepreneurship was invented in the eighteenth century by Richard Cantillon, who
originally referred to entrepreneur as someone who undertakes a project or activity (Dees, 1998, in Attali
& Yemini, 2017). Later, Jean-Baptiste Say defined an entrepreneur as one who creates value (Hess
2007). In the twentieth century, Joseph Schumpeter, an Austrian economist, polished the existing
definitions, defining entrepreneurship as the ability to use resources in a novel way in order to create
products or new modes of production (Schumpeter, 1934, in Attali & Yemini, 2017).
Since then, a heated debate regarding the definition of entrepreneurship has evolved (Boyett,
1996; Dees, 1998; in Attali & Yemini, 2017; Hess 2007). Despite this wide discussion over the last years,
there is still not a clear definition of this concept (Attali & Yemini, 2017; Borasi & Finnigan, 2010). Even
so, some key terms are constantly present in definition efforts, namely innovation, opportunity seeking
and exploiting (Drucker, 2007), and the establishment of new organisations (Attali & Yemini, 2017).
This original notion of entrepreneurship was later expanded by academics and professionals, who
imported it into different fields. Thus, connections between entrepreneurship and education have recently
begun to emerge in the literature (Attali & Yemini, 2017; Borasi & Finnigan, 2010), as entrepreneurship
is seen as a survival tool to face the uncertainty that the educational field is undergoing (Attali & Yemini,
2017).
In this context, some researchers sought to conceptualize entrepreneurship in the field of
education, and the benefits of entrepreneurial activities, by reporting the story of individuals who have
been entrepreneurial in this field. However, only a few of these contributions have considered empirical
research studies. Therefore, there is still a research gap in this scientific field, even though Borasi &
Finnigan (2010) highlight a study by Eyal and Inbar (2003), where the authors developed a multi-
dimensional model for school entrepreneurship and a method for measuring the extent of such
entrepreneurship, as well as a study by Eyal and Kark (2004), which examines the relationships between
transformational leadership and entrepreneurship.
Educational entrepreneurship is related to leadership, innovation, and change, as educational
entrepreneurs are innovators who may lead to the transformation of the public education system. These
entrepreneurs are defined as individuals seeking to promote changes in the public education system, being
capable of disrupting or transforming the way education is provided (Attali & Yemini, 2017). Borasi and
Finnigan (2010) define them as educators who constantly turn ideas into initiatives that create value to
their organisations and audiences.
Although a consensual definition of educational entrepreneurship is still absent (Attali & Yemini,
2017), by relying on Peter Drucker’s Innovation and Entrepreneurship (2007), educational

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

entrepreneurship can be thought as “a process of purposeful innovation aimed at improving productivity


or quality” (Hess, 2007: 22). Therefore, entrepreneurship is about questioning established assumptions
about what is possible, which can be translated into exploiting an innovation or employing neglected
approaches and ideas, or underused tools (Hess, 2007).
The lack of a clear understanding of entrepreneurship made it difficult for schools to expect
teachers to behave entrepreneurially, challenging the implementation of entrepreneurial changes in the
educational field. This results from the insufficient research on the concept of entrepreneurship in
education and, therefore, the conceptual differentiation of this concept from other entrepreneurial
domains (Attali & Yemini, 2017).

1. Literature Review

1.1 The importance of entrepreneurship in education

The challenges posed to our society and, consequently, to our educational institutions nowadays
are not the same as the ones presented half a century ago. Thus, our education system may not be
equipped to face such challenges, as the solutions that worked in the past may not work now (Hess,
2007). With the difficult economic times that schools have been facing, there is a growing need for
entrepreneurial behaviour and creativity, as well as more for educators that are capable of leading
innovations to serve their students and communities (Borasi & Finnigan, 2010). Yet, according to Hess
(2007), our education system is not prepared to meet the requirements of contemporary society, higher
education and employment.
Over the years, there has been a great emphasis on the adoption of educational reforms, but this
proved to be inefficient. Instead, Hess (2007) defends that the promotion of an institutional culture that
fosters commitment and trust is a determining factor of entrepreneurial success.
Despite the potential benefits of educational entrepreneurship, educators and scholars still regard
with scepticism the belief that entrepreneurship will improve education, as this entails some risks. Mainly
when it involves children, most education reformers would rather resort to less risky solutions.
Entrepreneurs, on the other hand, assume that new solutions can only emerge from trial and error (Hess,
2007).

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

1.2 Educators as social entrepreneurs and agents of change

The concept of entrepreneurship with a social component has been extended to other fields such as
the non-profit sector, and even education. Social entrepreneurship is a relatively new concept if compared
to traditional entrepreneurship (Chand & Amin-Choudhury, 2006).
Social entrepreneurs are people who promote changes to address social problems. Even if they
may not play a direct role in solving problems, their work contributes to policy change (Chand & Amin-
Choudhury, 2006).
Many of the characteristics of social and traditional entrepreneurs are common, even though social
entrepreneurship is driven to address a social cause (Chand & Amin-Choudhury, 2006). Furthermore,
‘opportunity recognition’ is the key common element which is the core of entrepreneurship. Therefore,
social entrepreneurs are individuals who create something which is valuable to the community, foresee
solutions, motivate others for the cause, build essential networks and resources, overcome barriers and
can take risks.
In this context, teachers can act as social entrepreneurs. From simple innovations that can vary
from bringing the students into contact with the outside world, to improving the facilities and
infrastructure, they recognize the need to tailor educational practice to its social context. Several projects
that promote the children’s handicraft skills, savings scheme for books and uniforms, and school garden
efforts, as well as the application of puppet making and pottery skills to develop teaching materials, are an
illustration of this type of entrepreneurship. Additionally, Chand & Misra (2009) refer to the use of
children’s voices to record lessons for reading improvement, music, poems and picture books, laminated
cards, and games and ‘math boxes’ as other examples. These teaching materials go beyond the ones
usually made available through public programmes of the state.
In this regard, it is important to refer to the concept of intrapreneur as someone who is employed
by an organisation and is in charge of starting new projects within the organisation. This is particularly
relevant for educational entrepreneurship, as most educators are employees within educational institutions
(Borasi & Finnigan, 2010).
It is important to make these practices and resources available to other teachers who can adopt or
adapt them, as adaptation can also foster new innovations by the user-teachers (Chand & Misra, 2009).
Borasi & Finnigan (2010) defend that to improve education, one must recognize that it needs
radical change. The authors highlight the role of teachers as agents and leaders of change, while striving
to meet the needs of students and communities. However, they recognize that there is a lack of formal
preparation to help them initiate this role.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

1.3 How Can Educational Institutions Reinvent Themselves?

Since the seventies, the education system has been striving to replace the 20 th century system with
a new paradigm for the 21st century, entailing the best practices. This is not the goal of entrepreneurship,
as the main aim is to have a system that welcomes talent, is focused on results, and rewards success. To
accomplish this goal, the education system needs to be dynamic and capable of responding to the
contemporary challenges. This system requires knowledge, research and development, as well as public
and private investment (Hess, 2007).
Furthermore, educational institutions must be accountable, and data on student learning must be
readily available. Most importantly, this system must struggle to attract and cultivate excellence. In this
sense, Hess (2007) criticises the current school systems that give preference to seniority, obedience, and
compliance, instead of promoting a culture of meritocracy. The emphasis should be on individuals and
results, instead of rules and procedures. Therefore, it is fundamental to recognise that students have
different needs, and so, education cannot be regarded as one-size-fits-all.
Hess (2007) highlights the importance of human capital in educational entrepreneurship.
Education institutions need to attract talented and dynamic professionals, cable of solving problems, and
retain them, through a supportive infrastructure. Moreover, compensation should be based on
performance, more than on seniority, and the institutional environment should offer professional
opportunities, allowing them to grow.
The author draws attention to the fact that young educators do not gain sufficient experience
outside the classroom, thus they do not develop wide networks, as they work alone in their classrooms. In
this context, these professionals should be given the opportunity to work with teams outside the schools.
Educators may not be convinced that entrepreneurship is the way, since it does not bring quick
solutions, but it seeks to create the opportunities for a model of excellence to emerge. As Hess (2007)
points out:
“Nonetheless, the greatest educational risk we confront today lies not in embracing
entrepreneurship but in continuing to cling to an inadequate and increasingly anachronistic
status quo. The failed ideas, providers, and schools produced by entrepreneurial activity are
surely a high price to pay. Indeed, it is one worth paying only when compared to the
stagnation and ceaseless tinkering that have for so long been the face of school reform.”

(Hess, 2007:30)

However, the misunderstanding of the scope of entrepreneurship, combined with the lack of awareness of
its contribution and the distrust of many educators still represent major barriers to educational
entrepreneurship (Borasi & Finnigan, 2010).

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2. Methodology

This study adopts a qualitative methodological approach. According to Flick (2005), qualitative
research recognizes and analyses the different perspectives of the participants. In fact, one of the
objectives of this study is to analyse educational institutions’ perceptions of entrepreneurship. In addition,
the qualitative approach includes the researcher’s reflections on the research (Flick, 2005). Rather than
measuring the variables involved in the phenomenon being studied, this paper intends to understand that
phenomenon and its context. Moreover, the questions of this study are best answered using a qualitative
approach since it allows the researcher to obtain insights and interpretations rather than hypothesis testing
(Sampieri et al., 2006). This methodological approach intends to verify whether entrepreneurship
practices are implemented in the educational institutions of the unit of analysis. Data were collected from
a questionnaire, composed of 8 open and closed-ended questions, which was designed using Google
Forms and a Likert-type scale ranging from 1 to 5. The questionnaires were addressed to the educational
institutions of the island of Madeira. The sample consists of 12 respondents (educational institutions),
from elementary to secondary and vocational schools.

3. Results and discussion

The sample comprises 12 educational institutions, from 4 municipalities: 9 from Funchal, 1 from
Machico, 1 from Porto Santo and 1 from São Vicente.
When questioned about the way these institutions promote innovation and adaptability, the
following answers were obtained: through the promotion of knowledge and experience sharing, resorting
to digital and interactive technologies, providing training for teachers and non-teaching staff, revealing
availability and openness to change, accepting new challenges, involving all stakeholders and developing
new projects, disseminating the work developed to the entire school community, creating work teams that
evaluate the different services of the school, promoting actions that raise awareness, developing
technological innovation plans, encouraging pedagogical innovation and changes in classroom practices,
and making the necessary adaptations to classes after the feedback provided by teachers.
Additionally, the respondents listed some of the entrepreneurial initiatives developed by their
institutions, namely the participation in the Erasmus+ project, as well as regional and national projects,
the use of digital platforms and new information technologies to promote school success, the use of
interactive whiteboards in the classrooms, gamification, digital coursebooks, and robotics, the promotion
of interdisciplinary activities, collaboration with other educational institutions, training actions for the
community, personal and social training, the involvement of parents in school life, promotion of

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

citizenship, the development of pedagogical innovation plans with the integration of various projects and
measures for student success and overcoming difficulties, curriculum enrichment, and music announcing
the break time in order to bring harmony to the school.
In the future, the respondents intend to continue fostering entrepreneurship among students and
teachers by collaborating with organisations that generate jobs and innovation, using digital tools that
provide immediate feedback, providing specific training for the acquisition of new skills, and
implementing technology-related projects to encourage and train teenagers who are more apt for the new
challenges and prepared for the jobs of the future. Moreover, the sample intends to: promote training and
seminars, encourage the participation of students in school competitions that appeal to creativity and
entrepreneurship, promote the curricular articulation of contents between the various teachers of the class,
continue to develop innovative projects, encourage students to present innovative / entrepreneurial ideas
and carry out a plan for their implementation, promote cooperative work at school, implement adult
education, develop autonomy among students, and present proposals in the local and/or regional
participatory budgeting.
These initiatives are in line with the literature review, as the authors defend that teachers can act as
social entrepreneurs, with simple innovations that can vary from bringing the students into contact with
the outside world to promoting educational projects (Chand & Misra, 2009), as mentioned by the sample.
As for the role played by human capital in the success of educational institutions, the respondents
were asked to indicate, according to a Likert-type scale ranging from 1 (not at all relevant) to 5
(extremely relevant), the degree of relevance assigned to the following competencies that teachers must
possess:

1) Adaptability – More than half of the respondents (seven) considered this skill very relevant, in
addition to the four respondents who found it extremely relevant. On the other hand, one of the
respondents found it not very relevant;
2) Ability to achieve results – Half of the respondents considered this competency very relevant,
in addition to the five respondents who found it extremely relevant. In opposition, one of the
respondents considered it not very relevant;
3) Problem-solving skills – More than half of the respondents (seven) considered this skill very
relevant. Likewise, four respondents found it extremely relevant. Conversely, one of the
respondents found it not very relevant;

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4) Compliance with the norms – More than half of the respondents (seven) considered this
competency very relevant, in addition to the four respondents who found it extremely relevant.
Furthermore, one respondent considered this skill relevant;
5) Dynamism and leadership skills – These skills obtained the same results. Half of the
respondents considered it extremely relevant. Likewise, five respondents found it very
relevant. On the other hand, one of the respondents found it not very relevant;
6) Entrepreneurial skills – Half of the respondents considered it extremely relevant. Likewise,
five respondents found it very relevant. Conversely, one respondent found it not relevant at all;
7) Experience / seniority – All respondents agreed that this feature is relevant. Five of them
considered it relevant, whereas four found it very relevant and three extremely relevant;
8) Respect for the institutional hierarchy – Five of the respondents considered it very relevant,
whereas four found it extremely relevant and two considered it relevant. On the other hand,
one of the respondents found it not very relevant.

Even though most of the respondents assign importance to entrepreneurial and leadership skills,
not all of them believe that these skills are relevant for teachers. According to Hess (2007), educational
institutions need to attract talented and dynamic professionals, cable of solving problems, and retain them,
through a supportive infrastructure. Moreover, compensation should be based on performance, more than
on seniority, and the institutional environment should offer professional opportunities, allowing them to
grow. However, the results show that seniority and respect for the institutional hierarchy are still relevant
among the sample. Furthermore, all the respondents assigned importance to compliance with the norms.
In accordance with Hess (2007), the emphasis should be on individuals and results, instead of rules and
procedures.
In terms of professional opportunities provided to teachers to foster their career progression, 50%
of the respondents mentioned training opportunities. These educational institutions promote and
encourage teachers to attend specific training courses which meet their needs. The remaining respondents
highlighted the assignment of middle management positions to teachers who prove to be capable, the
support provided to teachers when developing their projects which add value to the community, the
encouragement of collaborative work, and opportunities to participate in scientific research and
pedagogical events.
As mentioned in the literature, it is important that the training courses or actions provided address
the lack of formal preparation to help teachers to implement entrepreneurial practices (Borasi & Finnigan,
2010).

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To assess the importance attached by the respondents to the recognition by the education system
that students have different needs, a Likert-type scale ranging from 1 (totally agree) to 5 (totally disagree)
was used. The results show that half of the respondents totally agreed that the education system must
recognise that students have different needs. Furthermore, one of the respondents agreed. However, five
of the respondents totally disagreed, thus they do not recognise these differences.
The results are not in line with the literature review, as almost half of the respondents still do not
recognise that students have different needs, which will have implications in the way education is
provided. According to Hess (2007), it is essential to recognise that students have different needs, and that
education cannot be regarded as one-size-fits-all.
To verify if the respondents agreed that teachers play a role as social entrepreneurs and agents of
change, another Likert-type scale ranging from 1 (totally agree) to 5 (totally disagree) was used.
According to the results, half of the respondents totally agreed with the statement, even though four of
them totally disagreed with it. Moreover, one of the respondents agreed, whereas another disagreed.
One can conclude that there is no agreement among the respondents about the role as agents of
change that teachers must play. In accordance with Borasi & Finnigan (2010), teachers must lead that
change, while striving to meet the needs of students and communities. Therefore, there is still much to be
done in this regard.

5. Conclusions, limitations and suggestions for future research

This paper discusses how educational institutions can reinvent themselves, resorting to educational
entrepreneurship as a strategy to reach excellence, a culture of meritocracy and transparency, with
accountability for institutional practices. In the current era, only dynamic and innovative educational
institutions can meet today's global challenges.
This research highlights the importance of communication technologies to educational institutions,
as without these tools it would be impossible for them to advance and keep up with the changing and
permanently evolving world. Considering the growing importance of educational entrepreneurship, the
era of technological and pedagogical innovation, mentioned several times by the sample of this study, one
can conclude that entrepreneurship in education is crucial for educational transformation, and for adapting
schools to today's changing world.
From the results obtained, one verifies that educational institutions have already perceived that
entrepreneurship is the way forward, as there were several respondents who stated the various digital
resources available, the projects adopted by schools, and the technological and pedagogical innovation
plans. Even so, essential pedagogical changes must be carried out, in addition to the adoption of efficient

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and effective solutions to achieve school success, creating opportunities for the creation of a model of
excellence. Furthermore, the results also show that there is no agreement among the respondents about the
role as agents of change that teachers must play, as well as regarding the importance assigned to the
competencies that teachers must master. Thus, there is still much to be done in this regard.
This paper focuses essentially on entrepreneurial education as a way for schools to reinvent
themselves. So, are they on the right track? The promotion of innovative teaching and learning methods
in the classroom, which provide students with a new way of training their skills, the work done to
encourage teachers to adopt new technologies, new working methods and multimedia resources, to adapt
the curricular and pedagogical contents already reveal a big step in the right direction. By incorporating
new methods in teaching practice, students are motivated to pay more attention and to retain information
in an easier way. Teaching essentially depends on the successful mode of communication. Innovative
teachers and faculty trainers, in an educational teamwork, with effective, innovative, collaborative,
transformative and entrepreneurial teaching models, working with interdisciplinarity in schools, can lead
to the construction of an entrepreneurial school.
As for the limitations, one of the limitations of this study lies in the fact that it only applies to a
small sample of educational institutions. Furthermore, because it is applied only on the island of Madeira,
this study is not representative of the entrepreneurial practices implemented in the whole Portuguese
territory. For this reason, it is suggested that future research applies this study to wider samples, including
both public and private institutions, so that the results obtained correspond to a wider reality, at the
national level.

Bibliographical References

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Flick, U. (2005), Métodos Qualitativos na Investigação Científica. Lisboa: Monitor.


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Reinvention. Phi Delta Kappan, 89, 1: 21–30.
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Hill.

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O GEOTURISMO COMO SEGMENTO COMPLEMENTAR NAS ILHAS


João Manuel de Lemos Baptista *
joaolemosbaptista@hotmail.com

Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar o geoturismo como segmento turístico complementar em muitos territórios
que apresentam elementos geológicos com valor patrimonial e histórico, principalmente nas ilhas, porque a maior
parte delas são de origem vulcânica e a riqueza geológica é muito diversificada. Em termos de metodologia
recorreu-se à revisão da literatura através da consulta de vários artigos científicos, livros e teses de investigação,
assim como foi utilizado o método descritivo. O geoturismo é considerado um segmento turístico em que só nos
últimos anos se assistiu a uma aposta neste setor, verificando-se o desenvolvimento de um mercado próprio, com
características específicas, em vários países do Norte. Este segmento surge a partir da conservação e valorização
dos elementos geológicos existentes nos territórios e que apresentam um enorme potencial para a dinâmica das
atividades turísticas. Nesta investigação, para além de ser referido o estado da arte relacionada com o geoturismo, é
apresentado alguns geossítios da Região Autónoma da Madeira, assim como algumas sugestões para rentabilizar a
riqueza geológica das ilhas do Porto Santo e da Madeira.

Palavras-chave: geoturismo; geodiversidade; sustentabilidade; políticas públicas e desenvolvimento.

Abstract

His article aims to analyze geotourism as a complementary tourist segment in many territories that have geological
elements with patrimonial and historical value, mainly in the islands, because most of them are of volcanic origin
and the geological richness is very diversified. In terms of methodology, a literature review was carried out through
the consultation of several scientific articles, books and research theses, as well as the descriptive method.
Geotourism is considered a tourist segment in which only in recent years has there been a focus on this sector, with
the development of its own market, with specific characteristics, in several countries of the North. This segment
arises from the conservation and enhancement of geological elements existing in the territories and which have
enormous potential for the dynamics of tourist activities. In this investigation, in addition to referring to the state of
the art related to geotourism, some geosites of the Autonomous Region of Madeira are presented, as well as some
suggestions to monetize the geological richness of the islands of Porto Santo and Madeira.

Keywords: geotourism; geodiversity; sustainability; public policy and development.

* Doutorado em Estudos Globais pela Universidade Aberta, Professor Adjunto Convidado na Universidade da Madeira,
Investigador e membro do Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta, vice-presidente da Assembleia Geral da
Associação Mundial de Turismo de Saúde e Bem-Estar e membro do Conselho Técnico-Científico dos Arquipélagos do
Mundo da mesma instituição, presidente da Associação de Investigação Científica do Atlântico e diretor da Revista de
Divulgação Científica AICA. ORCID: 0000-0003-1391-2095.

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Introdução

Com este trabalho de investigação pretende-se aprofundar o estudo do geoturismo em termos


globais e em particular na Região Autónoma da Madeira (RAM), numa perspetiva de valorizar os
recursos geológicos existentes e dar a conhecer o que está a ser realizado, assim como exemplificar
alguns elementos do património geológico que poderão ser melhor explorados no futuro, em termos
turísticos.
O geoturismo é um segmento turístico ainda pouco estudado a nível regional, nacional, bem como
à escala mundial e por isso, a literatura existente é muito restritiva, o que se reflete na pouca produção de
trabalhos de investigação e na promoção dos territórios turísticos que dispõem elementos geológicos com
enorme valor científico e suscetíveis de serem transformados em produtos turísticos, contribuindo
também para o desenvolvimento de muitas localidades.
As ilhas vulcânicas, devido à sua origem e geodiversidade que as caraterizam, são áreas
geográficas de elevado potencial a nível geológico e por isso, os gestores desses territórios devem
rentabilizar e promover no exterior, como segmento complementar os produtos turísticos existentes,
mormente, nos espaços rurais, originando maior dinâmica económica e oferecendo melhores condições de
vida às populações, evitando a expansão do êxodo rural.
O Governo Regional da Madeira, através da Secretaria Regional do Ambiente, Recursos Naturais
e Alterações Climáticas (SRARNAC) tem adotado uma estratégia de valorização e caraterização do
património geológico da RAM. Destacamos a criação dos 13 geossítios na ilha do Porto Santo e o
levantamento dos elementos geológicos existente na Madeira, a fim de criar novos geossítios em todos os
concelhos.
Com este estudo pretende-se também aprofundar o conhecimento científico na área do geoturismo,
a nível do estado da arte, como forma de reforçar o quão é importante este segmento turístico no
desenvolvimento dos territórios, em sintonia e equilíbrio com outras atividades que no seu conjunto,
proporcionam uma maior diversidade da oferta a todos quantos visitam os destinos turísticos.
A maior parte das ilhas têm uma enorme diversidade de elementos vulcânicos e a probabilidade de
encontrar uma geologia distinta é muito significativa e neste sentido, o geoturismo é um segmento
turístico que poderá ser complementar aos produtos que todas elas já oferecem a quem as visita,
contribuindo em simultâneo para a melhoria da economia e das populações autóctones dos lugares em que
este património geológico está localizado.

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2. Estado da Arte

O geoturismo é considerado também como uma forma de turismo sustentável que tem por objetivo
conservar e valorizar a geodiversidade, assim como beneficiar as populações locais em termos sociais e
económicos. O geoturismo tem sido desenvolvido ao longo dos tempos, inconscientemente (Kum &
López, 2007), no que diz respeito a vulcões (por exemplo, nos Açores), águas termais (por exemplo, S.
Pedro do Sul, Chaves ou Monfortinho), jazidas minerais (Pedras Parideiras, Serra da Freita) ou
paleontológicas (pegadas de dinossauros da Serra d’Aire).
Inicialmente, o geoturismo foi definido por Hose (1995) como a provisão de serviços e finalidades
interpretativas que possibilitavam aos turistas adquirir o conhecimento necessário para compreender a
geologia e a geomorfologia de um local, além da mera apreciação estética.
Em 2007 no Brasil, Ruchkys refere geoturismo como um segmento da atividade turística que tem
o património geológico como o seu principal atrativo e procura a sua proteção por meio da conservação
dos seus recursos e da sensibilização do turista.
O geoturismo é considerado por alguns autores como um subsegmento do ecoturismo (Bento &
Rodrigues, 2010), enquanto para Nascimento et al., (2008) o importante é que ambos caminhem juntos na
promoção da proteção do património natural, histórico e cultural, completando-se e enriquecendo a
experiência turística. Quanto maior for a diversidade da oferta, maior será a afluência de visitantes aos
respetivos destinos turísticos, assim como proporcionando um maior leque de escolhas, quando
tencionam viajar, sendo que este segmento turístico está relacionado com o turismo científico e de
natureza.
Os objetivos do geoturismo não são apenas a contemplação de uma paisagem, por parte de quem a
visita, mas de sensibilização sobre a importância que um geossítio, um património geológico e
geomorfológico pode representar em termos motivacionais e de experiência.
Para Nascimento et al., (2008), o geoturismo vem preencher uma lacuna do ecoturismo, ao se
pautar na visitação de áreas naturais, onde os principais atrativos associam-se ao património geológico,
visando a proteção desse património através da sensibilização do público leigo. O importante, é que
perante a necessidade de conservação de um determinado património, ao mesmo tempo os visitantes
possam explorá-lo de forma consciente e nesta perspetiva, o geoturismo surge como uma nova tendência
mundial em termos de turismo alternativo.
Segundo Carcavilla et al., (2008), o geoturismo pode ser considerado uma estratégia para o
desenvolvimento económico de uma região e, ao mesmo tempo, estimular a compreensão do ambiente
através da sua interpretação.

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A National Geographic Society considera o geoturismo como uma combinação entre o ambiente
composto de fenómenos abióticos, bióticos e componentes culturais, responsáveis para que um
determinado local seja distinto do outro. Verifica-se portanto, que todos os elementos que compõem as
paisagens ajudam a diferenciar a oferta e a discriminar de forma positiva, o tipo de turista que frequenta
os geossítios.
O geoturismo para Dowling (2010), é uma ferramenta para promover a geoconservação,
compreender o património geológico, e apreciar a geodiversidade. Para o autor a geodiversidade deve
estar ao lado da biodiversidade como um elemento importante da paisagem, pois através da investigação
da forma, processo e tempo geológico, pode-se chegar a uma compreensão da complexidade dos sistemas
de processo e da história.
Não custa frisar que as geociências são a base do geoturismo e que, por meio da sensibilização do
turista, se busca a proteção de determinada área por meio da conservação dos seus recursos, utilizando
para isto a interpretação deste património, desta geodiversidade, tornando-o acessível ao público leigo, ao
mesmo tempo, promovendo e divulgando o desenvolvimento das Ciências da Terra (Rocha &
Nascimento, 2007). Para motivar os turistas no sentido de se deslocarem aos locais onde existe esses
elementos geológicos, é indispensável que esses atrativos sejam visíveis, acessíveis e suscetíveis de
interesse e sentido, o que não é fácil ser categorizado.
Constatamos que a importância conferida à proteção ambiental não é acompanhada da mesma
forma pela consciência do valor patrimonial natural e da sua consideração como recurso ambiental,
turístico. Isso reflete-se na exígua consideração por este tipo de património por parte das elites
governamentais, o que vem condicionando o desenvolvimento ainda incipiente de políticas de
promoção, de preservação e de divulgação do geoturismo (Vieira & Cunha, 2004).
O estímulo e o desenvolvimento do geoturismo por meio da interpretação da paisagem tendem
a fomentar o crescimento do número de pessoas sensíveis e interessadas em conhecer e preservar o
património natural, tanto dos lugares visitados quanto, de forma mais ampla, dos lugares reconhecidos
em qualquer lugar do país e do mundo, obtendo um efeito praticamente instantâneo para a conservação
do património natural e da sua geodiversidade, Moura-Fé (2015:57).
Ramalho (2004) destaca que, com o progressivo conhecimento do território foram sendo
evidenciados locais de particular interesse geológico, quer por motivos científicos ou pedagógicos, quer,
ainda, pela sua espetacularidade. Em consequência, surgiu o interesse pela sua proteção e conservação.
Estes locais são considerados como geossítios ou geótopos de grande valor intrínseco das diversas
localidades, capazes de ajudarem o desenvolvimento do turismo e contribuir para o bem-estar das
populações e dos turistas.

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Em muitas situações, usa-se a definição de geoparque, que consiste numa região de turismo “com
limites bem definidos e com uma área suficiente alargada” (Brilha, 2005:119), cujo produto integrador e
de desenvolvimento socioeconómico regional são os “locais de interesse geológico de especial
importância científica, singularidade ou beleza” mas também os “valores arqueológicos, ecológicos,
históricos ou culturais” (Lima e Gomes, 2001:102), em que se pretende um desenvolvimento sustentável
baseado na geoconservação.
Os geoparques são uma iniciativa da UNESCO que ajusta a proteção do património geológico
com o desenvolvimento sustentável. O objetivo desta iniciativa consistiu em identificar
geoparques insulares pertencentes à Rede Global de Geoparques (GGN) e atividades de turismo em áreas
naturais nos quais são desenvolvidas.
Ainda de acordo com Dowling (2009 e 2010) o geoturismo pode ocorrer em sítios muito variados,
desde ambientes naturais e selvagens a sítios construídos e planeados. Este autor alerta para a necessidade
de planear os lugares com riqueza geológica para evitar a exploração do homem para fins industriais ou
para fins relacionados com a exploração agroflorestal.
O geoturismo é baseado na sustentação da herança geológica de determinados lugares, com a
implementação de medidas de sustentabilidade apropriadas ao valor patrimonial em apreço. Dowling
(2010) salienta que o elemento chave do geoturismo é que ele envolve todos os aspetos da atividade
turística tais como, transporte, acessos, alojamento, planeamento e gestão.
Para Dowling e Newsome (2009), o geoturismo é a mais sustentável atividade turística, e como
tal, tem contribuído economicamente mais do que outra forma de turismo, para o desenvolvimento das
localidades. Com o desenvolvimento dos territórios, os principais beneficiários são as populações locais,
porque acabam por fixar-se nesses lugares e os próprios turistas, porque vão usufruir de todos os produtos
criados e do património existente.
Dowling (2011) enumera 5 características no âmbito do geoturismo: as três primeiras são
consideradas essenciais para que um produto seja considerado “geoturismo”, enquanto as duas últimas
são vistas como desejáveis em todas as formas de turismo: a) Ter como base a geologia; b) Ser
sustentável; c) Ser educativo; d) Com benefícios locais; e) Gera satisfação no turista.
Por outro lado, Brilha (2005) enuncia as seguintes vantagens do geoturismo:
- Não está restrito a variações sazonais tornando-o atrativo ao longo de todo o ano;
- Não está dependente de hábitos da fauna;
- Pode complementar a oferta em zonas turísticas;
- Pode promover o artesanato com motivos ligados à geodiversidade local.

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Moreira (2014) destaca que o geoturismo, apesar de ser um tema recente, não pode ser
considerado um modismo, pois além de integrar documentos oficiais da UNESCO (Declaração de Arouca
em 2011) vem sendo investigado em diversos países, sob as mais variadas perspetivas e ambientes.
Ainda, segundo Moreira (2010) ao não possuírem conhecimentos geológico-geomorfológicos,
muitas pessoas apresentam curiosidade e interesse nesses aspetos fundamentais da paisagem, na
interpretação da paisagem, o que pode ser disponibilizado pelo geoturismo, possibilitando um verdadeiro
“salto” na relação de inúmeros turistas com a natureza, ao passar da apreciação da paisagem para uma
busca pela sua compreensão, passível de ser realizada com o auxílio de meios interpretativos que podem
ser realizados sob as mais diversas formas e estratégias. Como estímulo para que as visitas ocasionais se
transformem em eventos agendados, planeados e desejados por um número cada vez maior de pessoas,
conforme Moreira (2010), o estabelecimento de redes de comunicação e a troca adequada de informações,
em suma, uma verdadeira divulgação turística, é muito importante.
O geoturismo pode ser visto como um fator de desenvolvimento do mundo rural, através da
criação de geoparques, pensados como inovação e proteção dos patrimónios geológicos e dos próprios
recursos naturais, que são fundamentais nas ilhas, por serem limitadas geograficamente e mais
vulneráveis.
As ilhas apresentam particularidades inerentes à própria natureza insular do território em relação
ao desenvolvimento turístico. Cada ilha é única e irrepetível na sua caraterização física e humana. As
ilhas são consideradas destinos turísticos que mais despertam o interesse e a curiosidade de milhões de
pessoas e segundo Sheldon (2005), elas são uma atração natural para os turistas e um desafio especial
para a sustentabilidade.
Os próprios atributos físicos das ilhas tropicais e subtropicais “podem reforçar a procura de
relaxamento e regressão” (Pearce, 2003:267), que estão fortemente associados à ideia de romantismo ou
de isolamento. Assim, são as praias, a natureza exótica, o relevo e demais atributos naturais que fazem
com que ilhas como Ibiza, Bahamas, Cozumel, Porto Rico, Açores, Sal, Canárias, Seychelles, Fiji, Havaí,
Thaiti, Galápagos, Fernando de Noronha e Madeira sejam cada vez mais procuradas pelos turistas.
As ilhas possuem possibilidades limitadas de diversificação das atividades produtivas e nesse
sentido, qualquer segmento turístico assume um importante papel no desenvolvimento económico e social
das localidades, mormente o geoturismo, o ecoturismo e o turismo rural.
Muitos investigadores estão preocupados em garantir a preservação do património abiótico e por
isso, passaram a difundir o conceito de geoturismo (Hose, 1995; Nascimento; Azevedo & Mantesso-Neto,
2007). Neste âmbito, surge o Geoturismo como uma atividade que se baseia na Geodiversidade (Brilha,
2005).

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Para Hose (2000), há dois grupos de geoturistas: o geoturista especializado, que seleciona
intencionalmente os locais com objetivo de educação pessoal, aperfeiçoamento intelectual e prazer; e o
geoturista ocasional que visita locais, com o objetivo de obter prazer e alguma estimulação intelectual.
Hose (2000:136) considerou o geoturismo como a “disponibilização de serviços e meios interpretativos
que promovem o valor e os benefícios sociais de lugares com atrativos geológicos e geomorfológicos,
assegurando a sua conservação, para o uso de estudantes, turistas e outras pessoas com interesses
recreativos e de ócio”.
Steuve et al., (2002) no estudo “The Geotourism Study”, onde foram traçados os perfis dos turistas
norte-americanos, classificam 55,1 milhões de americanos como “turistas sustentados” ou “geoturistas”.
Estes turistas revelam-se guiados nas suas viagens pela consciencialização do mundo à sua volta,
procurando experiências únicas e culturalmente autênticas que preservem o ambiente natural e cultural
(Carvalho, et, al., 2009).
Para Araújo (2005), a geodiversidade seria o resultado dos processos interativos entre a paisagem,
a fauna, a flora e a forma como o homem se organiza. Serrano e Ruiz-Flaño (2007) consideram
geodiversidade como a variabilidade da natureza abiótica, os processos físicos da superfície terrestre, os
processos naturais e antrópicos que compreendem a diversidade de partículas, elementos e lugares.

3. O geoturismo na Região Autónoma da Madeira

O Governo Regional aprovou em 2015, a “Estratégia de Conservação do Património Geológico da


Região Autónoma da Madeira”. Nesta estratégia, inclui-se o site oficial da Geodiversidade da Região
Autónoma da Madeira. Consiste numa plataforma digital que pretende divulgar o património geológico
regional, tendo por objetivo afirmar todo o potencial dos geossítios da Região em termos científicos,
didático e turístico.
Atendendo ao elevado número de elementos geológicos que a RAM dispõe, este segmento
turístico está a ser desenvolvido através da criação dos geossítios nos diversos concelhos, cujas
caraterísticas são muito diversificadas. O Porto Santo foi a primeira ilha a ser estudada pela (SRARNAC),
por dispor apenas de 42 km². Esta ilha dispõe de 13 geossítios e uma cartografia com os geomonumentos
distribuídos em termos territoriais (vide figura 1).

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Figura 1 - Mapa do Porto Santo com os 13 geossítios

Fonte: Secretaria Regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas – Governo Regional

3.1 Exemplos de geossítios do Porto Santo

Praia
A praia do Porto Santo tem 9 km de extensão e é constituída por areias, particularmente calcárias,
compostas por fragmentos de conchas, de corais e de algas calcárias que lhe conferem a cor amarela.
Existem também pequenos grãos cinzentos provenientes da erosão de rochas vulcânicas.
As areias resultam da erosão dos eolianitos (arenitos calcários) que ocorrem no centro oeste da
ilha, cobrindo cerca de 1/3 da sua superfície territorial, sendo que na Fonte da Areia tem mais de 40 m de
espessura.

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Praia de areia calcária com 9 km de extensão.


Ilhéu da Cal ou de Baixo

Neste ilhéu encontramos hialoclastitos, níveis de depósitos carbonatados pararecifais e


conglomerados, bem como escoadas submarinas de basalto e tufo basáltico do Miocénico Médio. À
semelhança dos outros ilhéus, esteve outrora ligado à ilha principal, e devido à ação de fenómenos
erosivos, a sua individualização ocorreu depois da última glaciação e deposição da formação Eolianítica,
durante o Holocénico (há menos de 10-12 mil anos).

Ilhéu da Cal ou de Baixo.

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Serra de Dentro

Apresenta depósitos de argilas designados por salão ou massapez. Estes materiais foram utilizados
na construção das típicas Casas de Salão desta localidade. Os depósitos estão cortados e atravessados por
uma rede de rochas filonianas escuras, basálticas, que servem de suporte e de preservação dos depósitos
em relação à ação da erosão.

Serra de Dentro

3.2 Exemplos de geossítios da Madeira

Na ilha da Madeira, o processo de classificação dos geossítios ainda não está concretizado, devido
ao maior número de geomonumentos existente e à diversidade dos elementos geológicos que caracterizam
a ilha. Não obstante, apresento alguns dos geomonumentos da ilha da Madeira que evidenciam a riqueza
geológica e a sua geodiversidade, que no futuro serão objeto de classificação em termos de geossítios e de
geoparques, diversificando a oferta turística a quem visita a Região.

Porto da Cruz
Penha de Águia – Complexo vulcânico intermédio

Este geomonumento apresenta uma volumetria considerável e tem 590 metros como ponto mais
alto, constituído por rochas vulcânicas. A Arriba tem cerca de 400 metros, onde se observa alternância
de finas escoadas lávicas e de materiais piroclásticos, assim como a Fajã mais recente, resultante de um
desabamento de materiais provenientes da arriba, provocado pelo desgaste da ação das águas do mar na
base, designada por fajã de origem marítima.

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Maciço rochoso: Penha de Águia

Depósito sedimentar de fácies conglomerática e arenítica

Em termos geológicos é um depósito sedimentar de fácies conglomerática e arenítica associados


a fluxos de detritos e lamas; escoada mugearítica que aflora sobre sedimentos lagunares. No topo é bem
visível um conjunto de conglomerados que resultaram da deposição das águas das duas ribeiras (Juncal e
Massapez) que há vários milhões de anos desaguavam neste local.

Rochas sedimentares em camadas sobrepostas onde é visível o desgaste provocado pelo vento.

Geomonumentos no Concelho de Santana

Este concelho apresenta uma diversidade significativa de elementos geológicos em todas as


freguesias, destacando-se as disjunções prismáticas do Faial, o Pico Ruivo, o Caldeirão Verde, o
Caldeirão do Inferno, entre outros.

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Geomonumento Homem-em-pé

É uma estrutura geológica constituída por blocos basálticos equilibrados uns sobre os outros
(lembrando um homem em pé) e outros blocos encontram-se encostados lateralmente. Está localizado na
Achada do Teixeira em Santana, a 5 minutos do largo que corresponde ao fim da estrada do Pico das
Pedras. Esta formação rochosa também é conhecida como “O Frade”, por ser parecido a um monge.

Geomonumento a “ Cara” ou “Cabeça)

Esta formação rochosa, de origem basáltica, devido à ação da erosão eólica e da água das chuvas,
ficou com a configuração de uma cabeça ou cara, como evidencia a foto. Está localizada na Achada do
Teixeira, em Santana, a 5 minutos da Estrada do Pico das Pedras, estando rodeada de espécies arbustivas
e herbáceas.

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4. Considerações Finais

Os governantes têm de considerar o planeamento e a sustentabilidade como dois elementos


determinantes para o sucesso do turismo, associado à aplicação de instrumentos de monitorização do
setor. Kokkranikal et al., (2003:426) constatam que “enquanto as suas características geográficas,
culturais, ecológicas e económicas atraem visitantes, a fragilidade e limitações desses mesmos elementos
fazem do ambiente e comunidade insulares mais vulneráveis às pressões do turismo”.
Seria importante para a diversidade da oferta turística da RAM que fossem criadas redes de
geossítios e itinerários nos lugares onde existem os geomonumentos. Numa fase posterior, com a
cartografia produzida e colocação de placas com a caracterização de cada geomonumento, criar um site
específico denominado de geoturismo na RAM (geotourism in RAM), a fim de promover os geossítios e,
por conseguinte, atrair turistas motivados para visitar esses lugares, contribuindo deste modo para uma
maior dinamização da economia a nível local, criação de postos de trabalho e fixação de população.
O turismo em ilhas está associado à sua riqueza e diversidade natural, cultural e histórica, assim
como proporciona uma maior oferta de novos produtos que irão atrair mais turistas, tendo reflexos no PIB
regional, na melhoria das condições de vida das populações e sustentabilidade do próprio setor turístico.
Como os destinos insulares são mais vulneráveis às alterações climáticas, é necessário a realização
contínua de estudos sobre o fenómeno turístico, avaliação constante do setor, evitando deste modo o
declínio do destino.
Neste sentido, é fundamental implementar nas políticas públicas uma gestão integrada dos
recursos naturais, visando a sustentabilidade da atividade turística e assegurar a afluência de turistas a
curto, médio e longo prazo, assim como manter milhares de postos de trabalho e, porventura o surgimento
de outros ligados ao geoturismo ou a outro segmento turístico que seja suscetível de ser promovido na
RAM, como acontece em muitas ilhas do mundo.
As atividades turísticas para além de preservarem e promoverem o património têm que ser
compatíveis com as tradições das diversas localidades e dos elementos naturais desses territórios, tendo a
incumbência de respeitar inteiramente as tradições da população autóctone.
Estou convicto que os geossítios do Porto Santo serão uma mais-valia para a oferta turística
daquela ilha, desde que bem promovidos junto da comunidade científica e dos mercados emissores,
complementando o turismo balneário, o turismo de golfe, as atividades ligadas ao mar e outros produtos
que poderão ser criados, com o objetivo de mitigar a sazonalidade.
Em relação à Madeira e considerando o número elevado de geomonumentos que esta apresenta, o
Governo Regional deve continuar a criar os geossítios/geoparques nos diversos concelhos e promover

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outros produtos associados ao património geológico, contribuindo para uma maior diversidade de oferta
turística e, por conseguinte, acrescentar valor às atividades turísticas que a ilha oferece a quem a visita.
A dinamização do geoturismo estimula o conhecimento da geodiversidade, da geoconservação e
do desenvolvimento sustentável dos territórios que dispõem de potencial para esse efeito, nomeadamente
os insulares.
Será importante também controlar a afluência turística a determinados lugares, diminuindo a
pegada ecológica e criar nas proximidades dos geomonumentos infraestruturas de apoio aos turistas, bem
como áreas de estacionamento, não adulterando a paisagem ou os geossítios.
Após a conclusão dos geossítios seria importante idealizar alguns geoparques em determinadas
localidades com maior potencial geológico, onde as entradas poderiam ser pagas, como forma de obter
alguns valores monetários para a manutenção e conservação dos elementos que caraterizam cada um dos
geossítios/geoparques.
Como forma de potenciar e motivar os turistas a frequentarem os geossítios e/ou geoparques, seria
importante classificar todos estes lugares e atribuir um selo de qualidade em função da geodiversidade e
geomorfologia que apresentam, tornando-os mais apelativos e, por conseguinte, permitir uma maior
frequência de turistas e, como consequência, a sua valorização e dinamização de atividades turísticas
relacionadas com as características específicas de cada local.

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UM BREVE DESENRAIZAR DAS CIÊNCIAS SOCIAIS: A


PRIMAVERA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Ana Cristina Guerreiro Rainha *
arainha@gmail.com

Resumo

Este artigo foca temáticas históricas que contribuíram na estruturação e fundamentação das atuais Ciências Sociais
e da Educação, que partem de uma teoria subjacente desenvolvida continuamente ao longo de várias épocas, com
raízes em saberes milenares. Pela consulta e análise de referenciais teóricos, são vastas as referências aos
primórdios destas ciências, mas pouca a pormenorização ordenadamente sintética, onde se entrelacem as temáticas
num todo possível. Assim, através de uma metodologia qualitativa de pesquisa documental, histórica e filosófica,
procedeu-se a uma análise de conteúdo que parte nas raízes profundas que desplotaram todo um processo de
florescimento de entendimentos e saberes atuais. Partindo de um relacionamento de factos e análise de argumentos,
que permitiram a sua consolidação, elaborou-se este artigo onde se apresenta, em tabela complementar e sintética,
uma análise cronológica de diferentes factos enquadrados num mesmo período cronológico. Concluiu-se que todo o
processo não foi linear, mas foi consequente de uma ressonância dialógica temporal associado a largas reflexões,
interligações e discussões produtivas que contribuíram no surgimento das Ciências da Educação tal qual como se
apresentam atualmente.
Palavras-Chave: Comte, Ciências Sociais, Ciências da Educação, Durkheim, Marx

Abstract

This article focuses on historical themes that contributed to the structuring and foundation of the correntes Social
Sciences and Education, which starts from an underlying theory that has developed continuously over several
periods, with roots in ancient knowledge. By consulting and analyzing theoretical references, there are vast
references to the beginnings of these sciences, but little to neatly synthetic detail, where the themes are intertwined
in a possible whole. Thus, through a qualitative methodology of documental, historical and philosophical research,
a content analysis was carried out, which starts from the deep roots that unleashed a whole process of flowering of
current understandings and knowledge. Starting from a list of facts and analysis of arguments, which allowed its
consolidation, this article was prepared, which presents, in a complementary and synthetic table, a chronological
analysis of different facts framed in the same chronological period. It was concluded that the entire process was not
linear, but was the result of a temporal dialogic resonance associated with broad reflections, interconnections and
productive discussions that contributed to the emergence of Education Sciences as they are currently presented.

Keywords: Comte, Social Sciences, Education Sciences, Durkheim, Marx

* Doutoranda em Educação no pelo Instituto de Educação em Formação de Professores - CeiED, Mestre em Educação,
Especialização em Formação Pessoal e Social pelo Instituto de Educação e licenciada em Engenharia Civil pelo Instituto
Superior Técnico. ORCID: 7515-93DE-3624.

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Introdução
A ação nasce da necessidade de sobrevivência, surge de uma consciência que é "indispensável
para a ascensão das culturas humanas e mudou o rumo da história humana" (Damásio, 2020:164), leva ao
desvendar progressivo do saber, e comprova que "toda a evolução é precedida de uma espécie de
revolução (Rohden, n. d., p. 13). Contextualizamo-nos nos primórdios do século XXI, contabilizamos
cerca de seis séculos de existência de uma nova/outra forma de estar, pensar e saber, consequentes da
descoberta e divulgação de determinada informação, do movimento reformista cristão e revolução
religiosa.
Este artigo delineado após pesquisa documental, histórica e filosófica fundamenta-se numa análise
de conteúdo com foco em referências que relacionaram factos e analisam argumentos. À introdução segue
o capítulo desenraizar das Ciências Sociais, onde, como complemento se apresenta uma análise
cronológica de diferentes factos histórico passíveis de serem interligados e enquadrados num mesmo
período temporário, após o qual e em linha com o antecedente, o capítulo a primavera das Ciências da
Educação. Por fim, uma conclusão desta breve análise na qual se toma consciência que todo o processo
não foi linear, mas consequente de uma ressonância dialógica temporal associado a largas reflexões,
interligações e discussões produtivas que contribuíram no surgimento das Ciências da Educação tal qual
como se apresentam atualmente, mas em constante mudança.

1. Um breve desenraizar das Ciências Sociais


Num período de três a quatro séculos, do século XV ao século XVIII, emerge uma forma
generalista de entender o mundo, diferente da praticada durante séculos e que permanece até hoje.
Webber (1864-1920) relativamente à Reforma (reforma protestante com o inicio do protestantismo) alega
que esta substituiu uma forma vigente cômoda, "que na época mal se fazia sentir na prática, quase só
formal muitas vezes" por uma "regulamentação levada a sério e infinitamente incômoda da conduta de
vida como um todo, que penetrava todas as esferas da vida doméstica e pública até aos limites do
concebível" (2007:30). Outras formas de interação com o meio, com o seu quotidiano, desbloquearam o
apelo a uma libertação de conceitos vinculados, dados como garantidos e apregoados durante uma longa
época. Surgem e ressurgem formas de ver e analisar o que está em redor, que desbloqueiam um
pensamento e método permitindo uma evolução numa "transição societal" segundo Santos (1999).
A evolução e revolução cientifica e cultural retornam após algum tempo, pois "é sabido que os
antigos gregos, principalmente a partir do século VI a.C., começaram a estabelecer as bases do que hoje
se chama de Ciência Moderna". Há uma reafirmação do homem pensante, observador, aventureiro,
analítico, transpondo-o para um patamar de razão do pensamento, com uma visão clássica de ciência e

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

segundo o dualismo cartesiano, que pressupõe "uma distinção fundamental entre a natureza e os seres
humanos, entre a matéria e a mente, entre o mundo físico e o mundo social/espiritual" (Ostermann &
Cavalcanti, 2005:21). Thomas Hooke (1588-1670), em 1663, redigiu os estatutos da Royal Society
passando a ciência a ser definida "como a busca de leis universais da natureza que se mantivessem
verdadeiras para lá das barreiras de espaço e tempo" (Wallerstein, 1996:17). A Era do Iluminismo
funde-se numa relação intimista com a revolução científica.
Em contexto nacional, "as ideias iluministas chegaram a Portugal inseridas em um quadro geral de
transformações que marcaram a sociedade europeia no século XVIII" (Conceição & Porto, 2020:7), mas
com a continuada aplicação das doutrinas da Igreja Católica e, nesse contexto surgiu uma vertente
moderada, uma conciliação entre as teses de intelectuais modernos e as doutrinas do catolicismo.
No século XVII uma nova forma de atividade económica toma forma, surge um novo conceito de
indústria, com outra tipologia de trabalho mecanizado diferente da utilizada até então pela classe
trabalhadora cuja vivência era em meio rural. Surge a revolução industrial, que segundo Dewey (1588-
1670) ofusca e condiciona todas as outras com a mutação de conceito e dinâmica laboral, "custa a crer
que, em toda a história da humanidade, tenha havido uma revolução tão rápida, tão extensa e tão
completa" (Dewey, 2002, p. 19) mas sem garantir uma evolução e revolução humanitária abrangente.
Consequência da independência dos Estados Unidos da América na qual os franceses
participaram, a primeira revolução francesa fundamenta o quebrar de estruturas e paradigmas aceites até
então, suscitando novas perspectivas políticas para uma sociedade mais democrática, e menos absolutista,
mais liberal, "uma renovada concepção de mundo tomaria forma a partir de questionamentos relativos a
questões de poder e de soberania"(Atallah, 2006:56). O povo e a burguesia (súbditos) estavam
descontentes e agiram.
Estes contextos sociais emergem uma análise filosófica, "a Filosofia fundamenta conceções de
vida, convicções políticas, consciência crítica, ética, estética e muitas outras coisas, além de ser inerente à
natureza humana" (Ostermann & Cavalcanti, 2011:15), que tentam interpretar a sociedade factual.
Surgem novas concepções, que conforme os ideais e interesses subjacentes, muitas vezes contradiziam na
relação objetivo-fundamento, como refere Politzer et al. (1970) pois argumenta que no século XVIII os
filósofos eram da opinião que a sociedade deveria ser alterada, por evocarem os interesses e aspirações da
burguesia, "classe então revolucionária, que lutava contra o regime feudal", "a Revolução francesa
deveria, portanto, representar o início de uma nova era que vinha pôr fim a uma época de tristeza e de
injustiça" (Atallah, 2006:57), mas no século XIX, com a burguesia conservadora como classe dominante
que teme a ascensão revolucionária do proletariado (forças produtivas), já não promovem esta revolução.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

A burguesia francesa de revolucionária, no século XVIII passa a burguesia reacionária no século XIX,
apoiada através de alegações pela considerada filosofia de classe.
Comte (1798-1857) nasceu no sul de França nove anos após a revolução francesa e seis anos antes
de Napoleão se ter consagrado imperador. Sendo professor de matemática, "a matemática fornece à
ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação,
como ainda o modelo de representação da própria estrutura da matéria" (B. de S. Santos, 2019:27), esta "
(senão as ciências) manteve-se para ele como um paradigma pedagógico transformador" (Escobar,
2015:7). Segundo Escobar (2015) com uma aceção cultural e política e, influenciado por Hegel (1770-
1831), Comte estrutura os pensamentos num saber que "emerge num parâmetro lógico e hierárquico que o
organiza como um processo", p. 8. Para Aron (2000) foi "antes de mais o sociólogo da unidade humana e
social, da unidade da história humana", p. 65. Como resultado do seu estudo e análise da evolução das
conceções intelectuais da humanidade. Giannotti (1978) alegou que para Comte uma reforma intelectual
(educação pedagógica) do homem fomentaria a reorganização da sociedade, conjuntamente com novas
formas de pensar, interligadas ao estágio da Ciência.
Comte "procurou criar uma ciência da sociedade que pudesse explicar as leis do mundo social, à
imagem das ciências naturais que explicavam como funcionava o mundo físico" (Giddens, 2008:7), "ele
propõe a regeneração social a partir de uma estruturação do saber e da mente humana" (Silva, 2012:63),
defende que "se o que havia a fazer era organizar e racionalizar a mudança social, a verdade é que
primeiramente se impunha estudá-la e entender as regras que lhe subjaziam" (Wallerstein, 1996:24) e,
"apesar de somente no período de 1850 a 1914 é que a diversidade refletida nas estruturas disciplinares
das ciências sociais teve um reconhecimento formal por parte das principais universidade" (Wallerstein,
1996, p. 29), Comte foi "o primeiro a exigir atenção para as questões científicas modernas" (Escobar,
2015:8) como forma de moderar o comportamento e evolução social. Estas "novas conceções da
sociedade apresentadas por Comte não só influenciaram muitos outros pensadores como a própria França
e o mundo" (W. S. Silva, 2012:63). E assim decorria o século XIX.
Marx (1818-1883) nasceu cerca de vinte e nove anos após a revolução francesa, e quatro anos
após a primeira destituição de Napoleão, analisou a sociedade de outra forma, a crítica revolucionária de
índole humanitária. Ao contrário de Comte, que ignora as forças produtivas (proletariado) e as relações de
produção, Marx vai proceder a uma análise e concepção profundas destas mesmas interações. B. de S.
Santos (1999) refere que Marx acreditou no "desenvolvimento neutro e infinito das forças produtivas, no
progresso como processo de racionalização científica e técnica da vida, na exploração sem limites da
natureza para atender às necessidades de uma sociedade de abundância para todos" (p.42), mas que não
viu a "articulação entre a exploração do trabalho e a destruição da natureza e, portanto, a articulação entre

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as contradições que produzem uma e outra" (p.43). Ambos, Comte e Marx "tiveram como objeto do seu
estudo as características típicas da sociedade moderna, isto é, da sociedade considerada essencialmente
industrial ou capitalista" (Aron, 2000:52). Comte considera que as pessoas que constituíam o proletariado
deveriam resignar-se ao seu destino, Marx "elevou-o ao lugar de pretendente ao trono, de futura classe
dominante, chamada a derrubar a antiga ordem e edificar a ordem nova" (W. S. Silva, 2012:67).
Durkheim (1858-1917) de origem francesa, nasceu sessenta anos após a revolução francesa, marco
de alterações estruturais tanto políticas como sociais, e quarenta anos após Napoleão ter sido imperador,
numa época de instabilidade social e política; definiu um método, palavra que deriva do grego methodos,
formado por meta, "para", e hodos "caminho", traduzindo-se como "caminho para" ou "pesquisa" (Laville
et al., 2008:11), "caminho pelo qual se atinge um fim" (Politzer et al., 1970:25), baseado no
reconhecimento de factos sociais como fundamento de uma sociologia estruturada, "o positivismo
durkheimiano implica uma reificação dos processos sociais" (Renato Ortiz, 1983:11). Alega que as
escolas francesas (universidade e escolas básicas) precisam de uma nova estrutura, relevando a
importância das ciências relativamente à literatura e filosofia.
Durkheim relega a sociologia como ciência humana (pelo método sociológico) colocando-a ao
nível das ciências naturais muito discutidas na época pela influência do naturalista Charles Darwin.
Comte e Durkheim entendem a sociedade como um organismo onde as funções sociais devem decorrer de
forma normal, Marx entende que estas funções sociais mudam, dependem de vários fatores, evoluem e
padecem de estudo, argumenta que a transição ao feudalismo/capitalismo acrescenta áreas a serem de
responsabilidade do Estado (Endlich, 2011).
Num simples esquema cronológico relativamente a acontecimentos marcantes, que influenciaram
todo um moderno pensamento social, e adaptações ao novo paradigma social, apresenta-se uma análise
entre época, data e acontecimentos relevantes (vide tabela 1).

Tabela 1 - Análise cronológica do emergir do pensamento social - séculos XV ao XX


Época Acontecimento
Nascimento de Gutenberg - Inventor da imprensa e impulsionador da
revolução da imprensa.
1468
Contribuiu para o Renascimento, Reforma, Revolução científica e lançou as
(século XV)
bases materiais para uma nova economia baseada no conhecimento e
aprendizagem em massa.
Nascimento de Nicolau Copérnico, na Polónia.
Estudou matemática como fundamento da astronomia e teologia.
1473 Curiosidade: sendo cónego utilizou a torre da basílica como principal
(século XV) observatório para os seus estudos de astronomia.
Locais onde viveu: Polónia, Itália.
Elaborou a revolucionária Teoria do Universo.

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Reforma protestante, revolução nas interpretações ideológicas e aceitação


científica.
Século XVI
Inicio do debate sobre os direitos subjetivos que dão origem aos direitos
humanos ou coletivos como são conhecidos na atualidade.
Nascimento de Galileo Galilei, em Itália.
1564 Ocupação: Astrónomo, físico, matemático, filósofo.
"Pai" do Método Científico.
1570 Início da abolição da escravatura na Era Moderna.
Nasce Thomas Hobbes no Reino Unido.
1588 Ocupação: Matemático, teórico político e filósofo.
Autor "Do cidadão" (1642)
Nasce Comenius em Morávia/ Europa central/Atual República Checa.
1592 Ocupação: Mestre, cientista, escritor, protestante.
Defensor da universalidade da educação.
Nasce René Descartes em França.
1596 Ocupação: Filósofo, matemático, físico, astrônomo.
Fundador da filosofia moderna. Autor do "Discurso do Método".
Reformulação das teorias do direito natural que inspiraram o atual sistema
Século XVII
internacional de proteção dos direitos do Homem.
Nasce John Locke no Reino Unido
Influências: Thomas Hobbes, Descartes, Aristóteles
Ocupação: Filosofia, escrita, medicina, político, educação.
1632
Locais onde viveu: Reino Unido
Conhecido como o "pai do liberalismo" e principal representante do
empirismo britânico.
1663 Thomas Hooke redigiu os estatutos da Royal Society.
1698/1780 a
1850 1.ª Revolução Industrial (grande desenvolvimento tecnológico) / Primeira
(século XVII máquina a vapor, Inglaterra.
ao XIX)
Nascimento de Jacques-Bénigne Bossuet/França
Ocupação: Teologia
1681
Um dos principais teóricos do absolutismo. Defendia que o governo era
divino e os reis recebiam o seu poder de Deus.
Nascimento de Montesquieu, Brède/França
Influências: Aristóteles, John Locke, Thomas Hobbes
Ocupação: Escritor, jurista, filósofo da política.
1689 Contribuiu para a Encyclopédie, primeira enciclopédia editada na Europa.
A intenção da sua obra Espírito das leis é evidentemente sociológica.
"Montesquieu não faz segredo disso. Seu objetivo é tornar a história
inteligível: deseja compreender o dado histórico" (Aron, 2000, p. 18).
Nasce António Nunes Ribeiro Sanches, Portugal.
Influências: Pedagogismo na Era das Luzes (Iluminismo).
Ocupação: Médico, filósofo, intelectual.
1699
Locais onde viveu: Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Holanda, Rússia.
Contribuiu a pedido de D'Alembert e Diderot para a Encyclopédie, primeira
enciclopédia editada na Europa.

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Século XVIII Era do Iluminismo.


Nasce Rousseau em Genebra/Suíça.
Influências: Platão, Aristóteles, Sócrates, Maquiavel, Diderot, Hobbes,
1712
Descartes, Voltaire, Cícero, entre outros.
Ocupação: Política, educação, literatura.
Nascimento Luís António Verney em Lisboa/Portugal
Influências: John Locke
1713 Ocupação: Filosofia, teologia, jurisprudência, docência.
Locais onde viveu: Portugal, Itália.
Escreveu o "O Verdadeiro Método de Estudar".
Nascimento de Denis Diderot, França.
Ocupação: Filósofo, escritor.
1713
Participou na edição da Encyclopédie, primeira enciclopédia editada na
Europa.
Nascimento de Jean le Rond d'Alembert em França.
Ocupação: Filósofo, matemático, físico.
1717
Participou na edição da Encyclopédie, primeira enciclopédia editada na
Europa.
Nascimento de Immanuel Kant
Influências: Aristóteles, Platão, René Descartes, David Hume, Isaac
Newton.
1724 Ocupação: Filosofia, antropologia, física, escrita, matemática.
Locais onde viveu: Prússia/Alemanha.
Considerado o principal filósofo da era moderna (filosofia da natureza e da
natureza humana)
Nascimento de Isaac Newton, Inglaterra.
Ocupação: Matemática (foi professor na Universidade), físico (lançou as
1726
bases da mecânica clássica), astrônomo, teólogo, filósofo.
Presidente da Royal Society.
Nascimento de Nicolas de Condorcet/ norte de França
1743 Ocupação: Filosofia, matemática, ciência, política, sociologia.
Discípulo de d'Alembert.
Nascimento do Conde Saint-Simon/França -Paris.
Influências: Revolução dos Estados Unidos (independência).
Ocupação: Medicina, política, economia, filosofia.
1760
Locais onde viveu: Serviço militar nos Estados Unidos (independência);
Alemanha; Reino Unido; Suíça
Um dos fundadores do socialismo cristão/socialismo utópico.
Nascimento de Napoleão Bonaparte na ilha de Córsega.
Influências: Rousseau
1769
Implementou reformas/políticas liberais e ideais aplicados ainda
atualmente.
Nascimento de Hegel/Alemanha.
Influências: Immanuel Kant, Platão, Aristóteles.
1770 Ocupação: Filosofia e teologia
Locais onde viveu: Berna, Frankfurt; Jena; Nuremberg; Heidelberg e
Berlim.

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Pensamentos influenciados pela revolução francesa. Criador do idealismo


absoluto.
1776 Declaração da Independência dos Estados Unidos da América.
1.ª Revolução Francesa (demonstração da possibilidade de quebra de
estruturas de poder, alteração do núcleo de decisões políticas que
1789 - 1799
influenciam as económicas e consequentemente as sociais) /República
Francesa
Nascimento de Comte/ Sul de França/ Estudo em Paris
Influências: Aristóteles, Conde Saint-Simon (teórico do socialismo
utópico), Montesquieu, Condorcet, Bossuet.
Ocupação: Ciências naturais, ciências sociais, religião positiva e física
1798 social (sociologia).
Locais onde viveu: Paris.
Comte analisa o mal-estar da sociedade sob efeitos das alterações
estruturais. Criador do positivismo. Apoia a burguesia francesa
revolucionária.
Nascimento de Tocqueville em Paris
1805 Ocupação: Filosofia, política, sociologia, escrita, jurisdição.
Escreveu "Da democracia na América".
Nascimento de Feuerbach/ Alemanha/ Discípulo de Hegel
Influências: Hegel.
1808
Ocupação: Teologia, antropologia, filosofia, ciências naturais,
Locais onde viveu: Alemanha
Nascimento de Marx/ Alemanha perto da fronteira com França
Influências: Kant, Hegel (filosofia alemã), Feuerbach, Saint-Simon e Comte
(socialismo utópico) e Adam Smith e David Ricardo entre outros (economia
política clássica britânica).
1818
Ocupação: Filosofia, sociologia, história, economia, jornalismo, socialismo.
Locais onde viveu: Bonn; Berlim; Paris; Bruxelas; Colônia e Londres.
Marx analisa a sociedade consequente do impacto industrial/patronato.
Enfrenta a burguesia francesa reacionária.
Nascimento de Engels/ Prússia
Influências: Hegel, Marx
Ocupação: Filosofia, história, economia, política, jornalismo.
1820
Locais onde viveu: Berlim, Manchester, Paris, Bruxelas e Londres.
Empresário industrial e teórico revolucionário. Com Marx fundou o
socialismo científico ou Marxismo.
1837 Surge o conceito de Feminismo.
1850 Considerado fim da 1.ª Revolução Industrial
Nascimento de Durkheim/ França
Influências: August Comte, Herbert Spencer (pai da antropologia) e Alfred
Espinas (filósofo liberal), John Dewey.
Ocupação: Direito, economia, filosofia, antropologia.
1858
Locais onde viveu: Paris, Marburgo (Alemanha), Berlim, Leipzig e
Bordéus.
Durkheim estrutura (currículo) a sociologia e pedagogia. Pioneiro na
sociologia contemporânea.

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1859 Lançamento do livro "A origem das espécies" de Charles Darwin.


Nascimento de John Dewey em Burlington, Nova Jersey, Estados Unidos
da América.
Influências: Platão, Darwin, Rousseau, Kant, Hegel.
1859
Ocupação: Filosofia da educação, pedagogia, epistemologia, jornalismo,
ética.
Locais: Chicago, Nova Iorque, Inglaterra, Rússia, Turquia, Japão, México.
Nascimento James Mark Baldwin em Columbia.
Ocupação: Filósofo e psicólogo americano, um dos fundadores da primeira
1861 revista científica de psicologia.
Influenciou: Jean Piaget e Levy Vygotski/Psicologia do desenvolvimento.
Faleceu em Paris.
Nascimento de Augusto Joaquim Alves dos Santos/ Portugal.
Capelão da Universidade de Coimbra.
Ocupação: Teólogo, reformista, republicano, educador, inspetor do ensino
primário.
1866
Membro do movimento republicano para implementação da pedagogia
científica no ensino dos professores e nas escolas.
Fundou o laboratório de Psicologia Experimental da Faculdade de Letras de
Coimbra.
1896 Oscar Chrisman (Estados Unidos) utiliza a palavra Pedologia.
Nascimento de Anísio Spínola Teixeira/ Brasil
1900
Ocupação: Jurista, intelectual, educador, escritor. Defendeu o ensino
(século XX)
público gratuito.
1917 Revolução Russa.
Fonte: Elaboração própria

Novas conceções e novos paradigmas mudaram a forma de pensar, analisar, refletir e pró-agir.
Para Comte criador do termo, sociologia é uma ciência integrada e unificada, mas como disciplina com
estrutura curricular implementou-se na segunda metade do século XIX e "marca incontestavelmente um
momento da reflexão dos homens sobre si mesmos, momento em que o social enquanto tal é tematizado,
com seu caráter equivoco, ora relação elementar entre indivíduos, ora entidade global" (Aron, 2000:8). A
sociedade altera-se constantemente e o nosso contributo social é relevante, pois a "socialização é o
processo através do qual participamos no mundo social e, em simultâneo, incorporamos linguagens,
disposições e valores que favorecem essa participação" (Abrantes, 2014:112), e permite novas mudanças.

2. A primavera das Ciências da Educação


Nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, a Universidade revitalizou-se, tornando-se
o lugar institucional preferencial para a criação do conhecimento (Wallerstein, 1996:22), desta forma
criam-se estruturas institucionais destinadas a produzir, permanentemente, um novo conhecimento e
adeptos deste.

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O conceito de educação como ação individual, social e pública, no espaço temporal, do indivíduo
enquanto espécie humana inteligente, surge segundo Schulz (2017), pela análise das ideologias inerentes
à modernidade, em Kant (1724-1804). Este "dialogou principalmente com o pensamento de Rousseau"
(Schulz, 2017:653) por centrar o ensino no educando (p.654), relevando a importância do
"esclarecimento" na emergência da sua "humanização" e "futura autonomia". Kant agrupou estas ideias
em cinco tópicos: "formação e contexto, necessidade da educabilidade, processo da educabilidade, projeto
da educabilidade e método da educabilidade" (p.651-652), organizados como ato educativo na forma de
processo contínuo que aperfeiçoava a espécie humana (Filho, 2019; Schulz, 2017).
Schulz (2017) refere que "Kant coaduna-se com Rousseau na conceção sobre dignidade e
igualdade dos homens e relevância da educação para os homens", mas diverge ao "entender a educação
dentro de uma dimensão pública, cosmopolita" (p.654), na qual inclui a "formação civilizatória para
convivência social" (p.659) como uma educação progressiva que beneficia o individuo, considerando os
seus diferentes estágios de crescimento, e a humanidade, pois "contribuiria para o progresso da
humanização da razão" (p.662), numa perspetiva evolutiva da educação em função do espaço e condições
temporais. Fundamenta a educação escolar para uma dimensão mais universalizada, uma educação crítica
reflexiva, amplitude não conseguida numa educação doméstica.
Kant será como que um pensador dos contextos sociais e humanos da sua época, impulsionar de
uma instrução, com uma visão mais ampla relativamente a uma perspetiva futura da evolução humana, e
não "inumana", em sintonia com a evolução da humanidade e, de responsabilização dessa mesma
evolução pela análise do conceito de "menoridade" e sua possível superação. É nesse sentido que, em
termos de individuo, defende a prática da análise crítica, reflexiva na sua ação de esclarecimento.
Kant, ao analisar a obra de Aristóteles (384 a.C. - 322 a. C), inova ao reforçar a importância da
sensibilidade filosófica (Santos, 1994) na prática da confirmação científica, associada a uma libertação,
responsabilização à qual se alia a culpa, direito e a moral (Filho, 2019), "o menor é compreendido,
portanto, como aquele que não é capaz de se autodeterminar, no sentido de que precisa de algo distinto de
si como comandante de seu agir" (p.64) em oposição ao "esclarecido" que, no seu processo de mudança, é
alguém que se esforçou pela independência e confirma a sua autonomia seguindo o caminho de um maior
esclarecimento, ficando mais esclarecido.
No contexto do pensamento moderno, com esta análise, Kant, "é um dos pensadores que mais pôs
em evidência o papel desempenhado pela sensibilidade no conhecimento humano" (Santos, L., 1994:13),
sendo um ponto de partida na modernidade, da sua funcionalidade instrucional ao nível pedagógico do
indivíduo numa caracterização individual e pública, "um papel de certo iluminismo para a compreensão
do tema da educação" (Filho, 2019:67). Kant defendia a escolarização dos indivíduos como um processo

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social e de evolução do seu "esclarecimento", para ser instigado a ter uma postura pró-ativa, aprendendo a
filosofar, pela ação de um professor que será um mero meio para o objetivo pretendido, que direciona a
uma autonomia filosófica e de análise política. Apresentou metas essenciais, para desde criança, educar-
se o ser humano para a humanidade, "tornar o homem disciplinado, cultivado, prudente e moralizado" (C.
M. F. da Silva, 2016:226), o fazer pensar, e como tal aprender a pensar por si mesmo, colocando-se no
lugar do outro, consistentemente.
A Educação torna-se assim um campo fundamental no desenvolvimento humano, "é, pois, uma
realidade originária, com uma natureza e complexidade que a distingue das outras realizações humanas e
é constitutiva do sujeito e da sociedade" (Amado, 2011:47). As Ciências da Educação, "as que têm a
Educação como objeto" (p.46) surgem na contribuição de uma análise racional e abordagem
metodológica exigente e séria cada vez mais necessárias e úteis considerando a complexidade social e
humana, onde a educação do indivíduo, atualmente, se enquadra como abrangente e como elevadora
social. Para Amado (2011) o reconhecimento da complexidade do fenómeno educativo "obrigou a que
para a sua explicação e compreensão não bastasse o senso comum, nem a mera especulação de carácter
ideológico ou filosófico, nem a univocidade de paradigmas e métodos de investigação" (p.46), seria
necessário entender o fenómeno na generalidade e independente das situações, dando relevância ao
surgimento e evolução das Ciências da Educação.

3. Conclusão
A sociedade, educação e formação do indivíduo enquanto cidadão são inerentes a uma história,
rica e complexa, que permite uma evolução gradual enquanto participante e indivíduo de e numa
sociedade. Mas, esta evolução seria a mesma se o ponto de partida, as reflexões e orientações iniciais
fossem diferentes? Como seria a sociedade se Comte não a tivesse idealizado e estruturado com base em
factos contextuais da sua época, se Dewey (2002) não analisasse o movimento social consequente da
revolução industrial, iniciada por volta de 1698, com o antecedente por considerar que "pensar que esta
revolução não afetará a educação senão de um modo formal e superficial é inconcebível" (p.20)? Outros
filósofos e pensadores o fariam? E seguiriam a mesma linha de pensamento? Possivelmente, sim. Perante
factos e questões colocadas na procura de respostas, o conhecimento possível é dado a conhecer. Onde
fundamentos históricos e filosóficos permitiram ter uma perspectiva analítica e auxiliriaram na construção
de um conhecimento sempre em mudança e evolução.

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Revista de Divulgação Científica AICA Dezembro de 2022

A LIDERANÇA E MOTIVAÇÃO DE EQUIPAS DE ENFERMAGEM


NUMA UNIDADE DE SAÚDE

Paula Oliveira *
paulitaoliveira@hotmail.com.

Resumo

Liderança em enfermagem mostra-se atualmente como elemento imprescindível para o desenvolvimento de gestão
em equipas de saúde. Constantemente ocorrem mudanças nos cenários político, económico e social, que fazem com
que o mercado de trabalho tenha que se adaptar aos novos moldes, exigindo cada vez mais novas competências dos
profissionais. Dentre estas, a prática da liderança tem sido amplamente requerida em diversos ambientes de
trabalho (Lourenço et al., 2021: 6706). Como problemática: Quais as estratégias e desafios que os enfermeiros
enfrentam na liderança na motivação dos seus pares? Assim, como objetivo geral deste artigo é identificar as
estratégias e os desafios de liderança que os enfermeiros enfrentam na motivação de uma equipa.

Palavras-chave: Liderança; Motivação de Equipa; Enfermagem; Saúde.

Abstract

Leadership in nursing is currently an indispensable element for the development of management in health teams.
Changes are constantly occurring in the political, economic, and social scenarios, which cause the labor market to
adapt to new molds, increasingly demanding new competencies from professionals. Among these, the practice of
leadership has been widely required in various work environments (Lourenço et al., 2021:6706).
As a problematic: What are the strategies and challenges that nurses face in leadership in motivating their peers?
Thus, the general objective of this article is to identify the leadership strategies and challenges that nurses face in
motivating a team.

Keywords: Leadership; Team Motivation; Nursing; Health.

* Doutoranda na Universidade Lusófona em Humanidades e Tecnologias, Mestre em Enfermagem com especialização em


Enfermagem Comunitária, Enfermeira no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental – Egas Moniz (Serviço de Doenças
Infeciosas). https://orcid.org/0000-0002-4310-5254.

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Introdução

No cenário atual, globalizado, cujas inovações tecnológicas e as exigências mercadológicas são


contínuas, não há um espaço para a manutenção de padrões arcaicos de gestão (verticalizados e centrados
na tarefa). Tais inovações e exigências estão transformando os locais de trabalho e as culturas
organizacionais das instituições de saúde. Concomitantemente, todas essas mudanças acarretam aos
profissionais da saúde a necessidade de aprendizagem de novos papéis e o desenvolvimento de
competências como o trabalho em equipa, a coordenação de grupos e a liderança. (Moura et al.,
2017:443).
Destaca-se para isso o papel do enfermeiro que não deve se restringir aos cuidados ou gerência,
mas também se dedicar em manter relações interpessoais terapêuticas, motivando os membros da equipa.
Sendo Enfermeira, ter-se-á como objetivo com este artigo, espelhar, na minha área profissional,
“o comportamento do enfermeiro-líder influência nas ações da equipe técnica emergiram inquietações
sobre a responsabilidade (…) do enfermeiro em relação à equipe de enfermagem, na compreensão de que
as relações construídas entre ambos contribuem para a qualidade de vida no trabalho e,
consequentemente, para a motivação pela melhor assistência ao paciente” (Novato & Nunes,2019:9).
Assim, torna-se premente, a compreensão da importância do enfermeiro enquanto líder, assumir o
papel de mediador na gestão de conflitos, habilidade que requer postura de facilitador e não de
controlador, construindo relações de confiança. De modo a que o relacionamento interpessoal no
ambiente profissional deve ser trabalhado, principalmente, entre líder e liderados para influenciar na
qualidade das atividades desenvolvidas, já que a precariedade nas relações pode causar diminuição da
motivação para o trabalho e da qualidade da assistência prestada (Novato & Nunes, 2019:12-13).
Os estudos desenvolvidos na enfermagem, concentram-se sobre como essa competência influencia
os indivíduos na cultura organizacional, no seu ambiente de trabalho, nos resultados relacionados com o
paciente (satisfação do paciente, eventos adversos) e na relação interativa entre líder e liderados, a
exemplo disso, a relação entre liderança e satisfação no trabalho. Para tanto, as pesquisas estão
fundamentas nas teorias de liderança (Moura et al., 2017:443).
Não é por acaso que a maior parte dos cargos de gestão hospitalar é ocupada por enfermeiros,
visto que este profissional já é direcionado para a liderança na sua formação. Os enfermeiros
desenvolvem um papel importante enquanto gestores nos cuidados de saúde prestados à população, tendo
em vista a sua competência em liderar e lidar com diversas situações que requerem análise e compreensão
de todo o processo de trabalho, assim como, constante tomada de decisões (Lourenço et al., 2021:6706).

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Foi realizada uma breve revisão da literatura, onde o critério de inclusão utilizado foi o ano de
publicação, sendo selecionados apenas os artigos publicados nos últimos 5 anos. O critério de exclusão,
por sua vez, foi a ausência das palavras-chave no título e no resumo.
É definido como corpo teórico deste artigo os seguintes subtítulos: 1). As dificuldades que os
enfermeiros apresentam em orientar os estudantes no contexto laboral; 2). A Educação e 3). Formação
dos estudantes.

1. Enquadramento teórico

1.1 A liderança
A liderança em organizações de saúde possui atualmente um papel de destaque diante das
mudanças globais e promoção da saúde populacional (Yi, 2018). Estratégias mundiais, em inúmeros
cenários e especialmente em países de baixa e média renda, tem defendido a liderança como estratégia
principal para garantir serviços de qualidade e eficazes, assim como reformulações em sistemas de saúde
(Nanyonga et al., 2020) cit. por Gomes et al., (2021:2).
No contexto da enfermagem também é necessário compreender o papel das pessoas ao longo do
tempo, bem como o papel do líder Enfermeiro e dos liderados representados pela equipe de enfermagem,
atentando para a construção de relações e para a importância do relacionamento interpessoal. Neste
contexto, o enfermeiro acumula o papel de motivar e intermediar as relações na equipe. A valorização das
relações interpessoais pela liderança contribui para melhora nos resultados esperados do trabalho,
portanto, os relacionamentos devem ser pautados no respeito e na confiança, a partir da compreensão de
que se trata de uma relação complexa, que envolve: comunicação verbal e não-verbal, conflitos,
recompensas e, principalmente, motivação. O líder tem responsabilidade direta sobre os relacionamentos
estabelecidos entre seus liderados e, na enfermagem, cada vez mais se exige que habilidades de liderança
sejam utilizadas pelo enfermeiro 3. (Novato & Nunes, 2019:9)
A liderança é uma competência imprescindível à prática profissional do enfermeiro e/ou da
enfermagem na sociedade e no mercado de trabalho contemporâneo, dessa forma, por meio e a partir dela
que o enfermeiro dirige o seu processo de trabalho e conduz a sua equipe para o alcance de objetivos
comuns (Moura et al., 2017:443).
A liderança em enfermagem se entrelaça e se constrói mediante as relações de dependência de uns
com os outros e destes com o meio, assim as relações interpessoais são atributos no processo de
construção do enfermeiro líder. A capacidade do enfermeiro em interagir com diferentes setores do
ambiente, construindo uma rede de inter-relações favoráveis, reflete a maturidade do enfermeiro e torna-
se um espelho a ser seguido (Pereira et al., 2018:67).

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Chiavenato (2005),Vergara (2007) e Maximiano (2008) cit. por Pais (2021:115) reforçam os
estilos de liderança que foram a base dos estudos dos dois pesquisadores citados. Todavia, Chiavenato
(2005) apresenta informações detalhadas desses estudos e os define da seguinte forma: Liderança
autocrática: o líder procura promover a sua auto-imagem por meio do autoritarismo nas decisões, sem
considerar as opiniões dos seus liderados. O que ele espera é que as suas decisões sejam seguidas
cegamente. As tarefas realizadas pelos liderados, na maioria das vezes, são sobre pressão, mostrando
assim sinais de tensão, frustração e agressividade. Liderança liberal: o líder deixa a decisão para a equipe.
Ele só se manifesta quando solicitado. O seu comportamento frente aos liderados é subtil e sem firmeza e
as tarefas exercidas não são a contento quanto à qualidade e à quantidade, levando os liderados a
demonstrarem sinais de individualismo, agressividade e insatisfação. Este é um estilo que, dependendo
das circunstâncias ao qual será aplicado e do grau de maturidade dos liderados, poderá surtir resultados
negativos, pois o líder não obtém o respeito da equipe e as suas decisões podem ser ignoradas por ter
dado grande abertura para decisões individuais ou do grupo. Liderança democrática: o líder procura ter a
uniformidade entre o trabalho a ser realizado e a equipe, percebendo a necessidade de cada um, dando
abertura para o diálogo do grupo por meio da comunicação, auxiliando na resolução de problemas, dando
melhores soluções e sugerindo ideias. As tarefas são exercidas pelos liderados com satisfação, qualidade,
comprometimento e responsabilidade, pois todos se sentem parte do objetivo a ser alcançado (Pais,
2021:115).
Existem vários tipos de liderança. Liderança Transformacional, enfermeiros clínicos teriam maior
nível de satisfação no trabalho, porque sentem que podem prestar um serviço mais significativo ao cliente
e à organização inteira. A Liderança Situacional, há um estilo de liderança mais apropriado para
determinada situação. Segundo o referido modelo, o estilo depende diretamente do nível de preparação,
ou seja, dos níveis de maturidade dos liderados em que o líder pretende influenciar, de forma a garantir o
cumprimento de metas. Liderança Autêntica é caracterizada como um guia para a liderança eficaz, sendo
necessária para construir confiança e ambientes de trabalho mais saudáveis tal como outras teorias:
transformacional e ressonante, reforça-se que o líder autêntico possui como características principais a
honestidade, integridade e altos padrões éticos no desenvolvimento das relações de líderes e liderados.
Citam-se a Liderança Carismática (baseada em qualidades pessoais como carisma, persuasão, poder
pessoal, autoconfiança, ideias extraordinárias e fortes convicções) e a Liderança Coaching (modelo de
liderança que encoraja e motiva o liderado para aprender e manter-se em nível de prontidão para executar
determinada tarefa), (Moura et al., 2017:447).

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A liderança ressonante da empatia, do relacionamento, da escuta e resposta às preocupações nas


interações cotidianas com enfermeiros, criam um empoderamento respeitoso e um clima afável que
promove a qualidade nas relações entre os líderes e a equipe.
No entanto, fatores como por exemplo o ambiente organizacional podem afetar o modo de liderar
do enfermeiro. No mundo atual, relacionado ao mercado de trabalho e exigências crescentes de
produtividade e qualidade do trabalho, exige-se qualificação relacionada a modelos formativos e gestores
baseados em competências profissionais. Entre as características de um líder qualificado destaca-se:
visão, competência, habilidades comunicativas, tomada de decisão, planejamento, capacidade resolutiva
relativo a problemas, bom relacionamento e estabilidade emocional (Carrara et al., 2017 cit. por Gomes et
al., (2021:2).
Neste contexto de mediador que entra o enfermeiro e a liderança que deve ser exercida por ele, a
fim, de fortalecer os relacionamentos e aperfeiçoar o trabalho em grupo. O enfermeiro precisa estar apto a
lidar consigo e com os demais membros da equipe, para que todos sejam motivados com uma liderança
baseada na confiança, no respeito mútuo e na valorização profissional (Novato & Nunes, p. 13).
Isso existe porque não há um único estilo de liderança, pois os mesmos variam de acordo com as
relações, contexto e situações diárias. Surgem deste facto as diferentes formas em que o líder é visto pelos
seus liderados, o chefe versus o líder. A forma de liderar e o estilo do líder interferem na forma como o
grupo se relaciona e na motivação para o trabalho, pois acredita-se que o grupo se espelha no seu líder. O
enfermeiro que se assume como líder relaciona-se melhor com os membros da equipe, ocorrendo maior
motivação e satisfação no ambiente de trabalho, podendo ajudar, ao contrário o chefe vem atrapalhar, já
que as relações de trabalho e poder, podem criar um afastamento na equipe (Novato & Nunes, 2019:13).
A liderança emerge como o ato de exercer influência sobre o outro, a fim de que o outro faça
aquilo que se deseja, em prol de um bem comum, mas de forma distante do autoritarismo, pois o líder em
primeiro lugar deve ter humildade, deve procurar a verdadeira necessidade dos seus liderados, sendo o
dirigente que ele mesmo gostaria de ter. A liderança servil influencia as pessoas com entusiasmo no
trabalho, além de desenvolver empatia e comportamentos de amor, colocando-se no lugar do outro e
agindo em prol do bem do próximo (Novato & Nunes, p. 13).
Assim, podemos afirmar que a liderança pode potencializar a (re)construção de subjetividades nas
equipes enfatizando autonomia, identidade e relações sociais. Esta permite que o enfermeiro ultrapasse as
dimensões do imobilismo frente aos estigmas sociais presentes no cotidiano do fazer-se enfermeiro, ao
enfrentar as subjetividades e as situações emergentes (Pereira et al., 2018:68).

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1.2 Motivação de Equipas


Neste contexto, a motivação emerge como um fator primordial para que o trabalho em
enfermagem aconteça, sendo sugerida pela teoria administrativa comportamental a sua influência no
comportamento humano em âmbito profissional. Para isso, se utiliza a teoria dos dois fatores de Herzberg
que infere que o trabalho é mais ou menos prazeroso a depender de dois fatores: os higiénicos, que
englobam as condições de trabalho e os motivadores, que envolvem a necessidade de realização, de
reconhecimento e de satisfação com o trabalho executado (Novato & Nunes, 2019:9).
A motivação emerge das necessidades individuais, entre elas: ser aceite no grupo, ter prazer na
tarefa executada, desenvolver mecanismos de recompensa, sentir reconhecimento profissional, poder
ajudar o outro e interagir de forma saudável, entre outras necessidades igualmente desafiadoras (Novato
& Nunes, 2019:9).
Os sentimentos causadores de motivação também existem e devem ser reforçados pelo
enfermeiro-líder dentro do relacionamento construído pela equipe. O enfermeiro é visto como um líder
que ajuda na aproximação da equipe, partilha conhecimentos, cria um ambiente de confiança e laços entre
as pessoas, possuindo a capacidade de interferir para facilitar e aperfeiçoar as relações, causando
motivação, gerando colaboração dos liderados, o que faz de maneira informal e formal, sendo constatado
que para liderar a sua equipe o enfermeiro deve ter atitudes inovadoras. A união de todos os que
compõem a equipa foi vista como característica positiva para que exista ambiente motivador e de alta
qualidade profissional (Novato & Nunes,2019:12).
Não se pode esquecer que a motivação está diretamente ligada a bons relacionamentos, o que não
envolve somente comunicação verbal, mas também, demonstração de sentimentos, empatia, troca de
experiência, entre outras manifestações que não possuem, em nada a simplicidade. Um bom
relacionamento interpessoal é uma ferramenta de liderança bastante desejada, e pode ser considerado
como a capacidade de trabalhar em equipa em cooperação e respeito, capacidade que pode ser aprendida
ou desenvolvida e é uma característica procurada dentro das organizações (Novato & Nunes, 2019:12).

1.3 Estratégias para melhorar a motivação de uma equipa de enfermagem

Para desempenhar o papel de líder de uma equipe, a pessoa deve promover o seu
autoconhecimento, traçar metas e estratégias procurando o seu crescimento pessoal e profissional, assim
como dos seus colaboradores, propondo-se a fortalecer os potenciais do grupo e sobrepor as suas
fragilidades (Amestoy et al., 2017 cit. por Roque et al., 2020:4).

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O trabalho diário é, muitas vezes, desgastante, tanto do ponto de vista físico-corpóreo, como do
ponto de vista sentimental. As jornadas e plantões, a falta de material e estrutura adequada, além do
convívio diário, sofrimento alheio, fazem com que o cuidador tenha uma enorme necessidade de ser
cuidado. Por isso, o ambiente profissional deve promover a saúde do trabalhador, incentivando para que o
cuidador também seja cuidado (Novato & Nunes, 2019:14).
Propõe-se que o enfermeiro dedique mais tempo para ouvir as procuras da equipe, procurando
construir uma liderança participativa e servidora, com comunicação fluente e minimização de conflitos.
Sugere-se também que técnicas de motivação sejam estudadas e utilizadas no ambiente de trabalho para
melhorar a qualidade de vida do trabalhador e, consequentemente, a sua assistência prestada ao paciente
(Novato & Nunes, 2019:15).
A formação do enfermeiro como líder envolve geralmente três processos singulares: as relações
interpessoais, desenvolvidas através de comunicação; o exercício da autonomia na resolução de conflitos,
reconhecimento e respeito para com as individualidades dos componentes da equipe de saúde para
alcançar objetivos comuns entre todos; e defesa da saúde, com respeito às singularidades e características
de cada paciente, para alcançar a qualidade do cuidado (Pereira et al., 2021 cit. por Gomes et al., 2021:9).
A comunicação destaca-se como fator preponderante entre o enfermeiro como líder, sendo
elemento essencial para se obter harmonia organizacional, satisfação e resolução de conflitos, assim como
direcionamento dos componentes da equipe. Outros relatos destacam o respeito e o reconhecimento como
estimulador positivo na equipe de enfermagem. A comunicação contribui para o equilíbrio no poder
dentro da equipe de saúde, sendo ferramenta essencial do processo de trabalho, em que os componentes
não se sentem manipulados ou controlados, mas colaboradores e cuidados pelo líder (Silva et al., 2017 cit.
por Gomes et al., 2021:10).

1.4 Desafios atuais na motivação entre os seus pares

Muitos profissionais de enfermagem possuem sentimentos desmotivacionais que surgem a partir


de situações de conflito, relação interpessoal ineficaz, relações de poder, sobrecarga de trabalho, falta de
apoio, desvalorização profissional e que influencia nas relações interpessoais construídas entre a equipa,
favorecendo a ocorrência de conflitos e reforçando o círculo vicioso da desmotivação (Novato & Nunes,
2019:12).
O enfermeiro ainda é visto como um profissional que tem a sua atuação direcionada a um saber
técnico e mecanicista. A equipe de enfermagem olha na figura do enfermeiro alguém que tem que saber
todas as técnicas e, além disso, tem que as realizar, mesmo que apenas nos pacientes com maior

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gravidade. Portanto, a visibilidade do enfermeiro ainda está concentrada no fazer técnico (Novato &
Nunes, 2019:13).
Observa-se a carência de programas que fomentem a formação de líderes em instituições de saúde,
além de profissionais que priorizem o gerenciamento do cuidado. Outra faceta encontra-se na deficiência
de investimentos na formação de enfermeiros-líderes e na educação permanente (Amestoy et al., 2021 cit.
por Gomes, 2021:10).
Os principais fatores mencionados como barreiras ao desenvolvimento das habilidades de
liderança foram: perspetivas restritas, questões de gênero, barreiras contratuais e profissionais, questões
hierárquicas e de estrutura organizacional, ritmo acelerado e mudanças repentinas no ambiente de
trabalho, falta de apoio por parte da instituição e inexperiência profissional e jovialidade (Lourenço et al.,
2021).
No entanto, Lourenço et al., (2021:6709) cita Major que os enfermeiros seniores e organizações de
saúde não devem esperar que enfermeiros recém-qualificados desenvolvam habilidades de liderança sem
apoio, portanto, caminhos educacionais claros são necessários ao longo do treinamento. Anderson alertou
ainda que, se este apoio não estiver disponível, o envelhecimento da população resultará numa redução
significativa de líderes de enfermagem disponíveis no futuro (Lourenço et al., 2021:6709).
A formação do enfermeiro como líder envolve geralmente três processos singulares: as relações
interpessoais desenvolvidas através da comunicação; o exercício da autonomia na resolução de conflitos,
reconhecimento e respeito às individualidades dos componentes da equipe de saúde para alcance de
objetivos comuns entre todos; e defesa da saúde, com respeito pelas singularidades e características de
cada paciente para alcance de qualidade do cuidado (Pereira et al., 2021 cit. por Gomes et al., 2021:9).
Escolher o estilo certo de liderança foi apontado como um desafio que influencia diretamente a
relação entre os líderes e sua equipe (Lourenço et al., 2021:6710). Assim, conhecer os desafios de
enfermeiras em posição estratégica de liderança para o desenvolvimento de ações empreendedoras, uma
relação entre falta de autonomia e a questão de gênero. Segundo os autores, ao mesmo tempo em que é
requerido alto desempenho institucional destas mulheres que ocupam posições estratégicas de liderança,
as mesmas dispõem de pouca autonomia e credibilidade, o que as imobilizam no desenvolvimento de
ações empreendedoras. O desenvolvimento da inteligência emocional também foi um tema apontado
como desafio para os enfermeiros (Lourenço et al., 2021:6710).
Prezerakos avaliou a relação entre a inteligência emocional dos gerentes de enfermagem e a
liderança eficaz. Os resultados mostraram que a inteligência emocional é uma ferramenta importante para
o alcance de uma gestão eficaz, porém o seu desenvolvimento ainda é um grande desafio para os
enfermeiros (Lourenço et al., 2021:6710).

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Os orçamentos apertados e um conjunto crescente de tecnologias que direcionam as decisões em


relação à quantidade suficiente de pessoal, tem moldado as responsabilidades dos gerentes em relação aos
objetivos institucionais, dificultando assim, a prática da liderança (Lourenço et al., 2021:6710).

2. Conclusão

Este estudo evidenciou a importância do papel do enfermeiro-líder, que pode influenciar na


motivação de qualquer equipe, na medida em que é capaz de garantir a satisfação das genuínas
necessidades do grupo, visando a preservação da sua integridade para alcançar uma liderança e cuidado
de ideais, requerem esforço e perseverança, mas que não são impossíveis de serem alcançados,
principalmente quando existe amor ao que se faz e para quem se faz.
O vínculo empático entre o líder e a sua equipe potencializa a motivação frente aos obstáculos do
cotidiano de cuidados de enfermagem, promove a coesão e afinidade nos comportamentos da equipe e
desperta para a internalização de uma filosofia de cuidado que parte da liderança e expressa humanidade,
atenção, interesse e empenho em acolher e organizar a equipe através da construção de relacionamentos
saudáveis e comprometidos com o respeito, a aceitação e o amor ao próximo (Novato & Nunes, 2019:15).
O estudo possibilitou conhecer a perceção dos enfermeiros sobre liderança em enfermagem, bem
como instrumento no seu processo de trabalho. Os participantes enfatizaram a adesão na prática por uma
liderança pautada no diálogo, que representa a capacidade do líder de influenciar os seus colaboradores a
atuarem de maneira crítica e reflexiva, nas quais florescem oportunidades de trocas de conhecimentos e
aprimoramento coletivo. Salienta-se que independente da instituição hospitalar, os enfermeiros
apresentaram dificuldades semelhantes, pontuando-se a dificuldade dos enfermeiros assistenciais em
incorporar a liderança nos processos de trabalho, fator que pode estar relacionado ao convívio diário com
os demais membros da equipe (Gomes et al., 2021:10).
Evidenciam que a liderança na enfermagem exerce uma relação positiva sobre a satisfação no
trabalho, sendo intermediada ou não por outra variável, reiterando a importância do investimento das
organizações de saúde no aprimoramento e desenvolvimento dessa competência nos profissionais de
enfermagem (Moura et al., 2019:449).
Do mesmo modo, modelos de liderança com colaboração, construção de confiança, auxiliando em
relacionamentos interpessoais e desenvolvimento de competências dentro da equipe são destacados como
modelos de liderança colaborativos que contribuem para mudanças na equipe de saúde. Neste modelo,
comportamentos de dignidade e respeito, e relacionamento com os liderados e seu envolvimento são
visíveis e desejáveis (Fusari et al., 2021 cit. por Gomes et al., 2021:10).

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Sugere-se a divisão dos desafios em três grandes grupos para facilitar a sua visualização, sendo
eles: desenvolver habilidades de liderança e inteligência emocional; promover um bom ambiente de
trabalho, estimulando a autonomia e o trabalho em equipa e superar barreiras relacionadas às questões de
gênero, falta de experiência profissional, falta de confiança, uso de novas tecnologias e questões políticas
e hierárquicas (Lourenço et al., 2021:6710-6711).
O processo de liderança é um caminho e não um produto acabado. Não existem fórmulas mágicas
e rápidas para transformar uma organização ou mudar uma postura de liderança. No entanto, o caminho
está no desenvolvimento dos talentos e da criatividade de cada profissional (Paes, 2021:120).
Em suma, o que se espera do enfermeiro é que ele exerça o papel de líder na coordenação da sua
equipe. Para isso, é necessário, o desenvolvimento de várias habilidades, como a capacidade de motivar a
sua equipe, desenvolver relações de confiança, resolver possíveis conflitos, administração eficiente de
pessoal, entre outras, levando em conta a necessidade individual, e que abranja também o bom
desempenho da função assistência (Novato & Nunes, 2019:13).

Referências bibliográficas

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Paes, A., Silva, A., Dutra, J., & Campelo, A. (2021). LIDERANÇA: ESTILOS E INFLUÊNCIAS NA
PRODUTIVIDADE DAS ORGANIZAÇÕES. Revista Vox Metropolitana, 4.
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RELIGIÃO E GLOBALIZAÇÃO: O CULTO DA SENHORA DO


ROSÁRIO, ENTRE O TEJO E O BRASIL

Lina Maria Soares *


linasoares3@hotmail.com

Resumo

Foram os portugueses os primeiros a pisar a terra que Cabral apelidou de Vera Cruz; seguiram-se-lhes missionários
empreendedores que deram a vida para “salvar almas”, para “educar” os gentios numa religião global, como é o cristianismo.
A ação de franciscanos e jesuítas contribuiu, sem dúvida, para a construção da identidade de um território que, subjugado pelo
império português durante mais de trezentos anos, veria a sua independência no ano de 1822. Foram mais de dois séculos de
escravidão dos indígenas, e ainda mais uma centúria para os escravos negros, oriundos de África, alimentados pela Fé no
divino, esperando a libertação da alma, e apenas essa, visto que as grilhetas permaneceriam no corpo até ao fim dos seus dias.
Deidades africanas ou ameríndias, cristianizadas pelos clérigos católicos, davam lugar a novos cultos onde sincretismos se
faziam notar entre irmandades e confrarias, mantendo as tradições ao longo do tempo. É o caso das associações que têm, como
orago, Nossa Senhora do Rosário em que, ainda hoje, no Brasil, o lado profano das Festas da Santa mantem as celebrações de
outrora.

Palavras-chave: “Religião e globalização”; “Nossa Senhora do Rosário”; História.

Abstract

The Portuguese were the first to set foot on the land that Cabral called Vera Cruz; they were followed by enterprising
missionaries who gave their lives to “save souls”, to “educate” the Gentiles in a global religion, such as Christianity. The
action of Franciscans and Jesuits undoubtedly contributed to the construction of the identity of a territory that, subjugated by
the Portuguese empire for more than three hundred years, would see its independence in 1822. There were more than two
centuries of slavery for the natives, and even one more century for the african slaves, fed by Faith in the divine, waiting for the
liberation of the soul, and only that, since the shackles would remain in the body until the end of their days. African or
Amerindian deities, Christianized by Catholic clerics, gave rise to new cults where syncretisms were noted between
brotherhoods and confraternities, maintaining traditions over time. This is the case of associations whose patron saint is Our
Lady of Rosary in which, even today, in Brazil, the profane side of Our Lady Festivities maintains the celebrations of the past.

Keywords: “Religion and globalization”; “Our Lady of the Rosary”; Story.

* Doutoranda em Estudos Globais na Universidade Aberta, investigadora do CIPJVS (Centro de Investigação Professor Joaquim Veríssimo
Serrão). Membro associado da SGL (Sociedade de Geografia de Lisboa), da AIP-IAP (Associação Internacional de Paremiologia) e da
APEC (Associação Portuguesa de Estudos Clássicos). Autora de livros e de artigos publicados nas áreas da Literatura Medieval, Tradicional
e Clássica e História Religiosa.

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Introdução
Neste trabalho de pesquisa que levamos a cabo, no âmbito da investigação em Estudos Globais, da
Universidade Aberta, centramo-nos num culto católico, originariamente da Europa Ocidental e que,
fortemente enraizado em Lisboa e na outra margem do Tejo, terá partido, um dia, nas naus portuguesas,
rumo ao Novo Mundo, assumindo extrema relevância na missionação e consequentemente na construção
identitária do Brasil.
Não se estranha que este culto aufira um papel importante na globalização, quando o cristianismo
primitivo tinha dado os primeiros passos de uma religião global: “Ide, fazei discípulos de todas as nações”
(Mt 28:19), visto que, segundo José E. Franco, em “Religião e Protoglobalização” (Franco, 2017), “o
cristianismo potencia a globalização de um Deus único, tornando-se a primeira religião com vocação
radicalmente universalista.” Maria, mãe de Jesus, viria ocupar, nos primeiros séculos da nova religião
propagada no império romano, o lugar das divindades pagãs femininas, de ritos de fertilidade, agrários ou
aquáticos, como Ísis, Cíbele, entre muitas outras deidades, e, no ano de 431, no Concílio de Êfeso, é
proclamada Theotokos (Mãe de Deus), difundindo-se, doravante, o culto mariano pela cristandade,
construindo-se templos no alto dos montes ou junto a nascentes, rios e mar.
A saudação do Anjo Gabriel a Maria converter-se-ia em oração - “Salve, cheia de Graça, o Senhor
é contigo” (Lucas 1, 28) - a que se junta, no século XII, a saudação de Isabel a Maria - “Bendita és Tu,
entre as mulheres, e bendito o Fruto do Teu ventre” (Lucas 1, 42) - e, no século seguinte, a palavra
“Jesus”, pelo Papa Urbano IV. Seria, assim, a oração ainda no tempo de Alain de Rupe (ou Roche), o
dominicano que teve a visão da Virgem mostrando-lhe um rosário, em 1470, à semelhança da visão que
tivera o fundador da sua Ordem, Domingos de Gusmão, dois séculos e meio antes. Surgem, ainda antes
do final do Séc. XV, as primeiras Confrarias e Irmandades da Senhora do Rosário, propagando-se pela
Europa Ocidental e, no século seguinte, em naus portuguesas, cruzando os oceanos Atlântico e Índico.
Fundam-se, assim, as Irmandades do Rosário, entre clérigos e leigos, entre homens livres e escravos, nas
colónias portuguesas em África, Ásia e América do Sul, movendo homens e haveres de umas para outras
partes do globo.
Na Antiguidade, as pessoas transitavam entre centros cosmopolitas como Antióquia, Alexandria,
Roma, Atenas, como diz Mathisen, referido por Ludmila Campos (2014: 13): “o cosmolita denota a ideia
de uma comunidade mundial na qual as relações entre os indivíduos transcendem as fronteiras, de estado-
nação em estado-nação”. Na Idade Média, com a proliferação de cultos de santos e de suas relíquias, os
devotos palmilham estradas e caminhos dirigindo-se a santuários, a Compostela ou a Jerusalém, de onde
trazem relatos, memórias, objetos de culto. Na nossa Era, com a facilidade de comunicação e com a

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velocidade com que chegamos a qualquer parte do mundo, muito mais rapidamente partilhamos os nossos
costumes, as nossas crenças, a nossa cultura.
Para o presente artigo, e no que concerne à metodologia, após a definição do tema – O culto de
Nossa Senhora do Rosário entre o Tejo e o Brasil, dentre o (macro) tema da nossa investigação, “Religião
e Globalização” - procedemos à seleção bibliográfica, a partir dos inúmeros documentos já consultados,
manuscritos e editados, em arquivos e bibliotecas, aliada à observação direta das práticas religiosas, em
torno da veneração a Nossa Senhora do Rosário, numa localidade ligada aos primórdios do culto em
Portugal – o Barreiro, cuja fundação do templo dedicado à Santa, aí situado, se deve a “esmolas” vindas
do Brasil, para além da existência de ex-votos no seu arquivo, muito semelhantes aos encontrados nos
arquivos de igrejas e irmandades brasileiras de N. S. do Rosário.

1. O culto da Virgem do Rosário no Tejo

S. Domingos, entre 1208 e 1214, quando se deslocava a Albi para converter os cátaros, tivera uma
visão da Virgem, que lhe deu um rosário e o instruiu como rezá-lo, embora algumas comunidades
religiosas, como os cistercienses, já o usassem nas suas orações. Em 1242, é construído, em Lisboa, o
Convento de S. Domingos, seguindo-se outros, no país. Se inicialmente as irmandades eram religiosas,
começam a dar lugar a outras, leigas e aceitando escravos; segundo Didier Lahon (1999:59-60), “o
número elevado de negros a ingressarem nas irmandades de N. S. do Rosário, deve-se ao facto de estas
não distinguirem condição ou origem.” É neste convento que é criada a primeira Confraria de Nossa
Senhora do Rosário em Portugal, no Século XV, primeiramente constituída por homens livres e
posteriormente integrando escravos negros oriundos de África, mas que, devido a contendas entre
senhores e escravos, tal como acontecera em outras associações, extinguiu-se e foi criada outra, agora
formada só por negros e mouriscos. Assim, os irmãos de Nossa Senhora do Rosário do convento de S.
Domingos de Lisboa, de acordo com o seu Livro de Compromisso, de 1565, constituem a “Irmandade dos
Escravos Pretos de Nossa Senhora do Rosário”, constituída por “negros, mulatos, mouriscos e indianos”.
No mesmo século, registam-se outras irmandades e confrarias da Senhora do Rosário no país,
assumindo maior relevância as que se encontravam nas imediações de Lisboa, a saber, na outra margem
do Tejo. Situada numa região com enorme protagonismo nos primeiros séculos da expansão, por nela se
localizarem estaleiros de construção naval, indústria moageira e de cerâmica (das formas do biscoito e do
pão-de-açúcar), a “Vila Nova do Barreiro”, com Carta de Vila outorgada por D. Manuel I, em 1521, era
devota da Senhora do Rosário; no seu concelho existiam associações, como a Confraria do Rosário dos
Homens Pretos, da Igreja de Nª Sª da Graça, na freguesia de Palhais, com registo de 1553, ou, como
comprova o Livro nº 1, de 1734, da Igreja Matriz de Santa Cruz, localizada no núcleo antigo do Barreiro,

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a Confraria de N. S. do Rosário de Homens Brancos e Pretos, fundada em 1606, bem como da imagem da
Virgem do Rosário, de 1524.
Se em épocas anteriores, os devotos pediam proteção divina nas viagens terrestres, agora, para
cruzarem mares tenebrosos, mais razão tinham para o fazer; tornava-se imperioso, em procissões
marítimas, pedir à Senhora que acalmasse as águas do Tejo e as do oceano onde o rio desembocava:
Senhora dos Navegantes, da Boa Viagem, do Rosário. De São Domingos de Lisboa, no dia de Nossa
Senhora do Rosário, saía a imagem da Santa, atravessava o Tejo e aportava na pequena capela manuelina
do Rosário na praia com o mesmo nome, no atual concelho da Moita, a poucos quilómetros do Barreiro.
Diz uma versão, a roçar a lenda, que num dia de tempestade, os ventos empurraram as embarcações do
círio, vindo a aportar na praia do Barreiro, albergando-se, imagens e devotos, na capela de S. Roque.
Doravante, a chegada do círio passaria a ser neste local, para o que, com o tempo e o recrudescimento dos
fiéis, o templo se tornaria muito pequeno, sendo necessário aumentar as suas dimensões.

Figura 1 - Capela do Rosarinho, Concelho da Moita. Figura 2 - Igreja de N. S. do Rosário, Barreiro.

Com o terramoto de 1755, a capela ficara muito danificada, o que obrigou a sérias obras de
reconstrução, nascendo a atual Igreja de N. S. do Rosário e, com ela, a Real Irmandade dos Escravos de
N. S. do Rosário, com aprovação dos Estatutos pela Rainha D. Maria I, sua benfeitora, em 1781. A
rainha, devota da Senhora do Rosário, oferece o vestido e o manto que, ainda hoje, a santa ostenta na
procissão. No arquivo da Igreja de N. S. do Rosário, existe um livro intitulado Carta de Escravidão, de
1783, que refere os milagres operados na Vila do Barreiro, por intercessão da Senhora do Rosário, alguns

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ilustrados nos ex-votos expostos na sala da sacristia da mesma igreja, tratando-se de pequenos quadros, na
maioria, dos séculos XVIII e XIX, em madeira, pintados a óleo.

Figuras 3 e 4 - Ex-votos do início do Século XIX, Igreja de Nª Sª do Rosário, Barreiro.

Por altura das comemorações dos 500 anos do Barreiro (1521-2021), a Associação de Pescadores
do Barreiro (Os Camarros) em conjunto com a edilidade e a Paróquia de Santa Cruz, fez renascer uma
tradição que há muitas décadas tinha sido extinta: o círio no Tejo. Tomámos conhecimento do trabalho da
Associação, desde a organização de toda a procissão (fluvial e terrestre), ao trabalho de engalanar as
embarcações e decorar os andores, dos vários santos que acompanham a Senhora do Rosário. Foram
muitas horas, ao longo de mais de um mês, despendidas pelos membros da Associação de Pescadores,
onde devoção e gratidão à Senhora se misturaram com cantos e contos, memórias, sobretudo. No dia 15
de agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora (não o dia da Senhora do Rosário, que esse é o 7 de
outubro, instituído pelo papa Pio V, graças à vitória, por intercessão da Virgem do Rosário, em 1571, dos
cristãos sobre os otomanos, na Batalha de Lepanto), de acordo com o calendário das marés, parte a
procissão do cais, local dos antigos estaleiros navais, onde se construíram e aprovisionaram muitas das
embarcações que navegaram na época dos Descobrimentos; o círio fluvial contorna todo o areal do
Barreiro, dobra a Ponta do Mexilhoeiro e vem aportar no cais da Associação, fazendo o restante percurso,
pedestre, até à Igreja que acolhe a Senhora, seguida dos membros das várias confrarias e populares
devotos, para assistirem à missa. Ao anoitecer, o sagrado é substituído pelo profano, a fachada bem
iluminada da igreja marca o início do recinto onde a festa é a rainha da noite, com músicos nos palcos,
carnes fumegando nos grelhadores, venda de artesanato, enquanto a Senhora descansa no altar.

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Figura 5 - Procissão fluvial de Nª Sª do Rosário numa réplica da Muleta, Barreiro, 2022.

2. O culto da Virgem do Rosário entre o Tejo e o Brasil.

As naus portuguesas foram deixando nas terras descobertas, os escravos levados de África.
Quanto às ilhas, na Madeira, com muita produção de cana-de-açúcar, era numerosa a população escrava,
fundando-se duas confrarias de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, uma na Sé do Funchal e outra na
freguesia de Nossa Senhora do Calhau; nos Açores, em São Miguel, há registos do culto da Senhora do
Rosário no Século XVI, e de duas confrarias de negros nas ilhas Terceira e Faial; já em Cabo Verde, a
presença deste culto mariano ainda foi mais notória – a Igreja de Nossa Senhora do Rosário na Ribeira
Grande, ilha de Santiago, restaurada recentemente, é a mais antiga entre as colónias portuguesas, de 1495,
tendo o Padre António Vieira pregado nela. Na costa africana, registam-se, igualmente confrarias deste
orago em São Tomé e Príncipe, em Angola e Moçambique, entre os séculos XVI e XVIII. Na Ásia,
embora com presença menos significativa, o culto da Senhora do Rosário terá chegado a Goa e a Macau.
É, de facto, no Brasil, que o culto criou mais raízes, logo levado pelos primeiros missionários -
grupos dispersos de franciscanos, nas primeiras décadas e, depois, com a chegada dos jesuítas, em 1549, a
começar com o Padre Manuel da Nóbrega, o fundador da Companhia de Jesus no Brasil e que, segundo
João Santos (2011) saíra de Lisboa, “juntamente com dois Padres e três Irmãos da Companhia de Jesus na
frota em que ia o primeiro Governador do Brasil, Tomé de Sousa”. A primeira irmandade deste orago
(Nossa Senhora do Rosário dos Pretos) é fundada em 1552, em Pernambuco, no Recife e, seis anos
depois, instaura-se em Olinda, a partir das quais outras surgirão, no Século XVII, como a de Salvador
(Bahia), passando a construir templos maiores no Século XVIII, à semelhança do que faziam na
metrópole, com o alvará dos Estatutos por D. Maria I. Neste mesmo século, e no seguinte, proliferam,
tanto em Portugal, como no Brasil, os ex-votos, uma forma de agradecimento ao divino por ter

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intercedido – a cura de doenças ou salvamento, por exemplo, de um naufrágio – pequenos quadros


executados de forma tão similar que sugerem a origem, em muitos deles, ser a mesma: produzidos em
Portugal e levados para o Brasil, ou vice-versa? Julita Scarano, a propósito dos ex-votos pintados em
madeira, encontrados em Minas Gerais e em São Paulo, afirma que “a intenção do ex-voto (usando o
sentido escolástico do termo) é o pagamento de algo que foi recebido” (Scarano, 2004:36).
Com os sincretismos entre rituais ameríndios, africanos e católicos europeus, as práticas religiosas
no continente americano vão, cada vez mais, distanciando-se das praticadas na metrópole; as celebrações
do “rei do Congo”, ou congadas, por altura das festas da Senhora do Rosário, mantêm-se em muitas
regiões do Brasil.

Figura 6 - Ex-voto (Milagre de N. S. do Rosário), Rio de Janeiro.

3. Conclusão

Os santos são mediadores entre os homens e Deus. Intercedem pelas almas que lhes rogam
proteção e, depois de mortos, são venerados os seus restos mortais, como ossos, cabelos, a língua; ou
tratando-se do próprio Cristo, fragmentos da Cruz, os pregos, o Sudário. Esgotadas as relíquias, são
necessários outros objetos de veneração: imagens, esculpidas ou pintadas. Aqueles que viajam, na Idade
Média, sejam peregrinos ou mercadores, levam a sua Fé e, com a Expansão, os cultos cristãos chegam a
outros continentes, onde, por sua vez, se misturam com ritos e artefactos locais. E, desse sincretismo,
nascerão práticas religiosas díspares das europeias, o que explica que o culto a um mesmo santo, numa
comunidade católica em Portugal apresente formas de celebração diferentes das de uma comunidade do
mesmo credo, no Brasil.

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IMPACTO DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO


NO BEM-ESTAR DA PESSOA IDOSA

Daniela Medeiros Couto *


danielamc1998@gmail.com

Resumo
Atualmente é possível assistir a um aumento exponencial da população idosa, sendo de grande relevo debruçar os
estudos sobre o processo de envelhecimento. O presente artigo visa explorar de que forma é que a companhia dos
animais de estimação impactua o bem-estar e a vida da pessoa idosa. Para isso, foi necessário abordar o conceito de
envelhecimento, fazendo referência ao envelhecimento ativo e saudável. Nesta revisão de literatura recorreu-se às
bases de pesquisa B-On e Scholar Google, tendo-se retirado informações de artigos científicos, dissertações e livros
com datas entre 2004 e 2021. Esta pesquisa foi feita através dos operadores booleanos Envelhecimento, Animais de
Estimação, Pessoa Idosa, Bem-Estar. Os animais de estimação parecem influenciar a vida da pessoa idosa tanto ao
nível físico, através de melhorias na funcionalidade (e.g. exercício físico) como ao nível psicológico (e.g. aumento
da autoestima, criação de significado/valor na vida). Apurou-se que os animais de estimação contribuem para um
envelhecimento mais saudável, sendo de grande importância incluí-los possivelmente no plano de envelhecimento
dos indivíduos.
.
Palavras-chave: Envelhecimento; Animais de Estimação; Bem-Estar; Pessoa Idosa.

Currently, it is possible to witness an exponential increase in the elderly population, and it is of great importance to
study the aging process. This article aims to explore how the company of pets impacts the well-being and life of the
elderly. For this, it was necessary to approach the concept of aging, referring to active and healthy aging. In this
literature review, the B-On and Scholar Google search bases were used, having taken information from scientific
articles, dissertations and books with dates between 2004 and 2021. This search was carried out using the Boolean
operators Aging, Pets , Elderly Person, Wellness. Pets seem to influence elderly people's lives both at a physical
level, through improvements in functionality (e.g. physical exercise) and at a psychological level (e.g. increased
self-esteem, creation of meaning/value in life). It was found that pets contribute to healthier aging, and it is of great
importance to possibly include them in the aging plan of individuals.

Keywords: Aging; Pets; Welfare; Elderly.

* Professora Associada na Universidade dos Açores e Investigadora.

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1. Envelhecimento
O envelhecimento é uma realidade que tem vindo a crescer consideravelmente a nível mundial, ao
longo dos anos (Blessman & Gonçalves, 2015; Medeiros, 2016; Rodrigues, 2018). Portugal, não sendo
exceção à regra, (Ribeiro, 2015) foi apontado como sendo o 4º país da União Europeia com o maior
número de população idosa (Direção-Geral de Saúde [DGS], 2017). O Instituto Nacional de Estatística
estimou que entre 2016-2018, a esperança média de vida para a população seria de 80,80 anos, prevendo
um aumento de pessoas idosas entre o ano 2015 e 2080, de 2,1 para 2,8 milhões (Instituto Nacional de
Estatística [INE], 2017).
O envelhecimento é um processo dinâmico (P. Antunes, 2015 & Moniz, 2016) e biossociocultural
(Blessman & Gonçalves, 2015), associado a fatores intrínsecos (e.g. genéticos, hereditários) e a fatores
extrínsecos (e.g. estilo de vida, sociedade, etc.) (Moniz, 2016). O processo de envelhecimento, envolve
perdas que afetam as capacidades de adaptação às circunstâncias do quotidiano (Borges, 2014 & Ribeira,
2016) e a realização das Atividades de Vida Diária [AVD’s] da pessoa idosa (Lopes et al., 2016),variando
de indivíduo para indivíduo, sendo possível que indivíduos com idade superior a 80 anos tenham
melhores condições funcionais (e.g. físico, cognitivo), do que indivíduos com 20 anos (Organização
Mundial da Saúde, [OMS], 2015).
Vinculado ao envelhecimento estão associadas as dimensões de idade biológica (i.e.
envelhecimento do organismo e declínio na funcionalidade dos indivíduos), idade social (i.e.
envelhecimento influenciado pelas relações interpessoais e meio ambiente) e idade psicológica (i.e.
envelhecimento influenciado pela forma como os indivíduos reagem às mudanças do meio (e.g. memória,
inteligência) (Azevedo, 2015; Moniz, 2016).

2. Envelhecimento Ativo e Saudável


O envelhecimento ativo envolve, essencialmente, a promoção da saúde, os fatores ambientais e
pessoais, o conceito de bem-estar, a manutenção do funcionamento motor e cognitivo (Cabral & Ferreira,
2014), a autonomia e independência, a capacidade de tomada de decisão, uma expetativa de vida saudável
e as habilidades sociais, emocionais e motivacionais do indivíduo (Ribeiro, 2015). Tomás (2016:121)
caracteriza o envelhecimento ativo como a adoção de um conjunto de atividades que visam a vitalidade, a
integração e a prevenção da passividade, percecionando-o como“(...)um ideário de vida para os países
onde a centrifugação ativa constitui uma realidade premente e o sedentarismo uma ameaça ao bem-estar
individual e coletivo.”.

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Para que este envelhecimento se desenvolva de forma eficaz, o indivíduo deve integrar-se na
sociedade através de atividades tais como: o emprego, a religião, a educação, as artes, entre outras
(Ribeiro, 2012). A título de exemplo, apresenta-se o Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida
(PALV) destinado a estudantes seniores da Universidade dos Açores, considerando-se uma excelente
fonte para a integração e melhoria das relações sociais dos indivíduos (i.e. convívio interpessoal), saúde
(i.e. bem-estar psicológico) e qualidade de vida (Ribeiro & Medeiros, 2016). Para tal, a sociedade
necessita de criar soluções de forma multidisciplinar (e.g. igualdade e inclusão do indivíduo na sociedade,
criação de serviços seguros e de qualidade, prática de exercício físico, estimulação cognitiva,
comportamentos positivistas, etc.), com o objetivo de melhorarem a qualidade de vida, a saúde e o bem-
estar psicológico do indivíduo (Mari et al., 2016; Medeiros, 2016; Rodrigues, 2018). Tais soluções
surgem de políticas públicas que procuram, através de estratégias, desenvolver um envelhecimento ativo
com o objetivo de aumentar a longevidade do indivíduo (Antunes & Abreu, 2017).
O envelhecimento ativo é uma das fontes responsáveis pelo aumento da esperança média de vida e
qualidade de vida (Ferreira et al., 2017). Ribeiro e Paúl (2011, citado em Ribeiro, 2015) enunciam quatro
conceitos-chave do envelhecimento ativo: autonomia e capacidade de decisão; independência na
realização das AVD’s; esperança de vida saudável; qualidade de vida (e.g. saúde física psicológica,
relações interpessoais). Este envelhecimento pode considerar-se como saudável, quando percecionado
pela pessoa idosa como sinónimo de comportamentos saudáveis: ter uma rede de apoio social, ter saúde,
manter-se ativo, ser independente e autónomo e ter sentimentos positivos (Valer et al., 2015).
Tal como o envelhecimento é influenciado por fatores biopsicossociais (Blessman & Gonçalves,
2015; Pinto Antunes, 2015; Moniz, 2016;), também o envelhecimento saudável está dependente de
experiências naturais e vivências culturais, sendo necessário haver uma preparação durante todo ciclo
vital (OMS, 2015; P. Antunes, 2015). Esta preparação assenta na adaptação de políticas públicas, com o
intuito de melhorar as condições de vida da pessoa idosa (Assis & Parra, 2014; Pereira et al., 2016). Por
exemplo, a inclusão do envelhecimento no programa de educação dos indivíduos é uma estratégia de
prevenção que visa diminuir os comportamentos de risco, através da promoção de estilos de vida
saudável, aumentando a qualidade de vida, satisfação e autorrealização pessoal (Assis & Parra, 2014; P.
Antunes, 2015; Pereira et al., 2016).
Também o bem-estar está associado a um conjunto de dimensões heterogéneas (e.g. satisfação das
necessidades básicas, nível de vida socioeconómico e cultural, estado de saúde) e corresponde,
essencialmente, à satisfação das necessidades fundamentais do indivíduo (Antunes, 2015). O bem-estar
envolve a capacidade de os indivíduos vivenciarem, de forma positiva, os acontecimentos do seu
quotidiano, avaliando a qualidade de vida de forma subjetiva (Giacomoni, 2004).

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3. Animais de estimação e os seus benefícios no bem-estar da pessoa idosa


Animais de estimação são considerados os animais que têm como finalidade fazerem companhia
aos indivíduos (Rocha, 2016). Os animais de estimação fazem parte “(...)das habitações dos seus donos,
têm um nome e participam das rotinas familiares, gerando benefícios através das relações afetivas que
estabelecem com os mesmos.” (Rocha, 2016:25). Os cães, gatos, peixes, aves, pequenos roedores, cobras
e répteis são considerados as principais espécies de animais de estimação (Rocha, 2016). A pessoa idosa
realça, essencialmente, o gato, o cão, o papagaio e o pássaro (Costa Chaves, 2006; Costa et al., 2009).
Apesar disso, não foi possível verificar quais os animais de estimação, em concreto, que têm maior
influência no bem-estar da pessoa idosa.
O século XVII foi uma época fundamental na cultura-ocidental, uma vez que os animais
adquiriram um papel na socialização e ao longo de três séculos (meados do século XX), começaram a ser
considerados como parte integrativa do bem-estar na saúde do ser humano (Rocha, 2016).
A relação humano-animal é vista através da existência de um laço de vinculação entre o animal e
o seu dono, vinda da prestação de cuidados e proteção, sendo comparada, por Fernandes (2018), com a
Teoria da Vinculação de Bowlby.
A interação com os animais de estimação desenvolve, no ser humano, sentimentos de
companheirismo, responsabilidade, felicidade e motivação, sendo uma mais-valia para a saúde física e
mental (Fernandes, 2018; Giumelli & Santos, 2016). Lousana e Accetturi (sd), relatam que os indivíduos
que usufruem da companhia de animais de estimação apresentam menores níveis de insatisfação face ao
seu estado físico, emocional e social.
A pessoa idosa ao deparar-se com inúmeras perdas ao longo da vida (e.g. falecimentos,
afastamento, separação ou perda de intimidade com os entes queridos) sente uma diminuição na sua rede
de suporte social, o que leva à necessidade de desenvolver interações sociais alternativas que ajudem a
melhorar a sua saúde e bem-estar (Costa et al., 2009; Machado et al., 2020). Os animais de estimação
proporcionam à pessoa idosa um sentimento de utilidade e responsabilidade, contribuindo para a
dinamização e criação de novos significados na sua vida, minimizando a solidão (Metzner, 2021).
A pessoa idosa pode apresentar dois grupos de estratégias de coping, podendo estas ser focadas
nas emoções ou nos problemas, no qual o bem-estar subjetivo está relacionado com as diferentes formas
de confrontar as perdas durante o processo de envelhecimento (Ribeiro et al., 2017). Estes autores
defendem ainda que o bem-estar subjetivo está relacionado com a busca do suporte social de forma a
evitar o isolamento e a falta de esperança.

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As estratégias de coping revelam-se fundamentais no processo do luto uma vez que estas
permitem a pessoa idosa superar a perda significativa e caminhar em direção a novas formas de viver
(Gonçalves & Bittar, 2016). Segundo Rocha (2016) os animais de estimação podem surgir como
estratégias de coping relativamente a situações de falecimento, pois geram uma sensação de conforto,
responsabilidade e intimidade.
Estes animais são, desta forma, considerados membros integrantes da família (Costa et al., 2009 &
Fernandes, 2018). Os animais de estimação asseguram uma relação livre de julgamentos e rejeição social,
o que contribui para a salvaguarda e aumento da autoestima da pessoa idosa, incutindo nela uma nova
realidade envolta de carinho e afeto (Fernandes, 2018 & Metzner, 2021).
Os animais de estimação têm um impacto positivo na vida da pessoa idosa, sendo vistos como
uma fonte de apoio psicossocial, que gera sentimentos de bem-estar e felicidade, aumenta a quantidade de
interações sociais, diminui sentimentos de solidão e fomenta as práticas de exercício físico, preservando
as capacidades motoras do indivíduo (Cherniack & Cherniack, 2014; Fernandes, 2018; Lousana &
Accetturi, sd; Rocha, 2016). Os animais de estimação contribuem, desta forma, para a promoção de um
envelhecimento bem-sucedido (Mueller et al., 2018).
Por outro lado, a convivência com animais de estimação pode trazer alguns inconvenientes para a
pessoa idosa, sendo eles: os custos, potenciais fobias, aparecimento de alergias e possíveis mordidas
(Costa et al., 2009) e a promoção de níveis de sofrimento acentuados devido ao aparecimento de possíveis
doenças ou mesmo em caso de morte do animal, podendo assemelhar-se à perda de um ente querido,
originando potenciais estados depressivos (Rocha, 2016 & Fernandes, 2018).
Apesar disso, a convivência com um animal de estimação não deixa de trazer benefícios para a
saúde física e bem-estar psicológico, aumentando a qualidade de vida da pessoa idosa (Rocha, 2016).

4. Considerações finais

Ao longo deste estudo percebeu-se que, apesar de todos os avanços científicos, o conceito de
envelhecimento mostra estar sempre envolto de alguma subjetividade e complexidade, não havendo uma
definição específica. Porém, verificou-se um consenso relativamente à importância dada ao
envelhecimento ativo e saudável, sendo estes promovidos essencialmente através da valorização das
práticas de estilos de vida saudáveis (Mari et al., 2016 & Medeiros, 2016).
Apesar disso, pôde-se concluir que, de facto, os animais de estimação têm um papel fundamental
na vida e no bem-estar da pessoa idosa. Percebeu-se que os animais de estimação vêm, muitas vezes,
preencher o lugar de um ente querido, de forma a conceder à pessoa idosa, uma nova oportunidade de
otimizar novas relações sociais, através do aumento da socialização (Costa et al., 2009 & Machado et al.,

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2020). Os animais de estimação têm, também, um impacto na melhoria da funcionalidade da pessoa


idosa, e na melhoria do bem-estar através da preservação da autoestima, da promoção de sentimentos de
felicidade e responsabilidade, o que atribui um valor à própria pessoa idosa, fazendo com que esta se sinta
útil.
Assim sendo, a companhia de um animal de estimação deve ser vista como uma alternativa
benéfica e parte integrante da conceção e plano para um envelhecimento bem-sucedido.
Como principais limitações deste estudo, considerou-se a reduzida quantidade de artigos
científicos sobre esta temática, tendo sido necessário recorrer à literatura mais antiga. De um modo geral,
percebeu-se, que esta reduzida quantidade de informação deve-se à dificuldade de averiguar a
complexidade deste relacionamento, sendo mais usual investigar-se a importância dos animais utilizados
em terapia assistida (Mueller et al., 2018).
No decorrer deste estudo, percebeu-se que não foi possível evidenciar a hipótese de alguma
espécie de animal de estimação ter maior influência, ou não, no bem-estar da pessoa idosa. Deste modo,
destaca-se a importância do desenvolvimento de futuros estudos que possam investigar quais os
principais animais de estimação considerados e quais aqueles que trazem maiores vantagens e
desvantagens no bem-estar da pessoa idosa.

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