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“Iaqeb Ahmose Ausar Auset Heru
Legado Kemet”

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iaqeb.ahmose@gmail.com
2020
INTRODUÇÃO
Fora há uns quatro anos que iniciei meu processo de entendimento em ser preto - parece
pouco tempo, mas a maneira pela qual desenvolve-se essa identidade quando se busca os funda-
mentos culturais de nosso povo - é incrível. Neste sentido, por meio da estetica que fui, pouco
a pouco, apaixonando-me pelo Antigo Kemet - território no nordeste da África que há pelo
menos 4.000 anos atrás ainda estava livre da estrutura europeia, pretos eram grandiosos, espir-
itualizados e seu território era totalmente negro.
Entender essa cultura não é fácil, quando falamos de sua história e linguagem, existem
muitas repercussões erradas e propositalmente equivocadas, que nos afastam de nosso legado.
Para tais resoluções, penso em duas vias de acesso ao Kemet preto: aos mais sensíveis o contato
espiritual com os ancestrais, e aos mais objetivos temos autores afrocentrados que nos apresen-
tam essas tradições.
Como eu expressamente busquei ambas as vias, encontrei como acesso, no princípio,
o autor Ra Un Nefer Amen. Nascido no Panamá, ele buscando o caminho da música encon-
trou-se nos ancestrais kamits, e assim difundindo uma das ciências espirituais africanas mais
antigas da humanidade ele ergue uma grande instituição de saber holístico humano - A Ausar
Auset Society. Dentre tantas obras deste mestre, uma que me chamou muita atenção fora a
“Metu Neter Volume 2 - Anuk Ausar The Kamitic Initiation System” - Ela se trata do segundo
volume de uma coleção chamada Metu Neter (“Imagens/palavras sagradas” o nome africano
original para hieróglifos), na qual ele especifica diretrizes e reflexões para a iniciação no sistema
espiritual do antigo Kemet, tomando como frente a leitura ausariana.
O nome do ancestral que dá título à essa tradição é Ausar, conhecemos o ser pelo nome
grego de Osíris. O então dito “mito” deste ancestral perpassa como uma sabedoria posta numa
história com diversos símbolos e manifestações que nos é posto como legado em se pensar
processo de humanidade. Conforme Ra Un Nefer Amen retrata em seus estudos, cada uma das
manifestações dessa história nos apresenta uma inteligência divina, que estabelece uma condu-
ta a ser gerida por nós dentro das possibilidades de nossa existência.
Enfim, trago uma tradução própria do capitulo “A História de Ausar” de Ra Un Nefer
Amen, junto as contribuições do mestre na explicação de certos elementos do texto e por fim
algumas contribuições minhas conforme pespectivas e pesquisas. Tal projeto pretende retornar
ainda maior, e por enquanto este material surge como uma ferramenta para pesquisas muito
mais aprofundadas.
BREVE INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DE KEMET
Neste trecho eu busco apresentar à vocês alguns posicionamentos e possiveis fontes para
pensar as origens de Kemet. Mas antes, seria interessante pensar na origem da humanidade
e como ela se relaciona à origem das civilizações do Nordeste africano. Tudo isso no sentido
de dar margens de entendimento maior à alguns detalhes da narrativa posta por Ra Un Nefer
Amen.
Cientificamente, descobertas relacionam diversos espaços de surgimento para o ser
humano como imaginamos, todos, logicamente, no Continente Africano. Isso porque os es-
queletos antigos que foram encontrados na região da Etiópia, são posteriores, por exemplo, à
outros encontrados em Marrocos, no norte africano, e que inclusive não expressam mudanças
morfológicas. A ideia, à grosso modo, seria de que os primatas pouco a pouco enquanto foram
aprimorando suas técnicas, e mudando sua morfologia, foram também caminhando e navegan-
do por todo o continente afrikano, e desta forma o que tivemos foram grupos, mais semelhantes
do que distintos, por todo esse território. Tal forma de pensar apenas fortalece nosso primazia
em entender a união afrikana de povos ancestrais, e as gêneses culturais destes povos e como
elas estavam e ainda estão relacionadas. África é um grande território do povo preto que sempre
comunicou-se, cruzando saberes, ciências e culturas.
A Narrativa Ausariana posta por Ra Un Nefer Amen não preocupa-se com tal concei-
tuação científica, o que na verdade é ótimo, pois acentuar essas teorias acaba que datando a
obra, e aí se uma teoria cai por terra, a obra pode correr o risco de se tornar “cientificamente
ultrapassada”. Mas por outro lado, é muito comum em narrativas que re afirmam a origem do
ser humano em África elencar a ideia de um grupo somente que surge num determinado lugar
e que sozinhos começam a se espalhar por África. Enfim, estas colocações são exatamente para
que possamos refletir acerca das descobertas recentes e sua relação com narrativas ancestrais.
Para tal pesquisa recomendo buscar, além do mestre Cheik Anta Diop alguns dizeres de
Eleanor Scerri e Jean-Jacques Hublin.

Os povos que surgem em África logicamente caminham povoando-se em diversas


regiões, e geograficamente por esta narrativa nos posicionamos ao centro leste partindo para
o nordeste. Do Lago Tana até o Rio Hapi (Nilo), em direção ao Mar Mediterraneo. O povo que
ali forma-se por meio de uma unificação política territorial ocorrida mais ou menos entre os
anos de 3.000 a.C. podemos chamar de Kemet, são descendentes de povos localizados na região
extremo sul do rio Hapi - o povo de Kush (Kushitas).
Narmer, o primeiro senhor das duas terras (Nesu Bity) por meio de conflitos unificou
este povo, e iniciou a tradição das Dinastias - diversos grupos familiares que em ordem vão posi-
cionando-se no sistema político de Kemet, essas famílias uma a uma vão herdando a posição
de Grande Morada (per.aa ou faraó) e lançando tradições culturais, científicas e espirituais com
aqueles que os acompanham, tendo inclusive pela 24ª Dinastia ter efetuado uma unificação com
o império Kushita, que alguns historiadores falarão de “domínio Nubio”. Até que mais ou menos
entre 525 a.C o Império Aquemênida (Irã chamado pejorativamente de Persia) domina o Ke-
met, perdendo o território depois para os gregos, que apropriam-se e politicamente pervertem
a cultura africana kamit para uma cultura egípcia-grega a qual vivenciamos estereótipos hoje
na cultura de massa. Enfim, os romanos “compram” o Egito dos gregos e depois o perdem para
a Revolução Arabe que define o que é o Egito até hoje.
Por fim, importante relembrarmos que essa narrativa é anterior à história do próprio
kemet, sendo transmitida oralmente e enfim tornando-se documentos entre as Dinastias. As
virtudes e reflexões carregadas nessa narrativa, trazem legados africanos muito antigos, em
conjunto com a percepção de Ra Un Nefer Amen e a minha própria.
Espero que essa leitura permita mais pesquisas e investimentos em nosso povo e em
nossos talentos, para que adaptações sejam feitas e as próximas gerações possam vivenciar um
modo de vida digno em conforme com nossos interesses como povo unido.
A História de Ausar Comentários de Ra Un Nefer Amen
por Ra Un Nefer Amen Notas de Iaqeb Ahmose

Quando tornou-se o rei de Kamit, os ho- Isso é simbólico do estado da parte baixa de nossa
mens que Ausar veio a comandar estavam num existência quando não é guiada por uma divindade
estado selvagem. Eles eram de tribos nômades em interior porque esta está restrita ao subconsciente
constante guerra uns contra os outros. Eles eram da vida da pessoa. Indivíduos e Nações estão con-
completamente entregues ao mal e ao comporta- denadas à experiências ruins.
mento pecaminoso.
Ou seja, os neteru que habitam nossa existência
estão num estado subconsciente, não desperto de
consciência. O que o mestre chama por experiên-
cias ruins (evil experiences) eu preferiria chamar
de Experiências Caóticas - as quais poderiam ser
representadas pela serpente Apep.

Ele (Ausar) trouxe civilização e espiritu- Quando a inteligência residente vem para o pri-
alidade ao povo, possibilitando à eles alcançarem meiro plano esta traz ordem para a vida do indi-
prosperidade. Ele os deu um corpo de leis para re- víduo, resultando numa vida próspera, saudável
gulamentar sua conduta, resolvendo suas disputas e de sucesso. Portanto, nós podemos ver que no
justamente, e instruindo-os no desenvolvimento sistema de valores Kamit, sucesso na vida vem de
da ciência da espiritualidade. Ele compartilhou a permitir a divindade residente comandar a vida de
liderança da terra com a Rainha Mãe Auset, quem alguém. Educação, talentos, etc. pode apenas cum-
domesticou a cevada selvagem e o trigo. Junto de prir com papéis de suporte e subordinação. Como
Ausar, quem ensinou o homem a arte da agricul- a faculdade central do Sahu, Auset (a persona)
tura - do lavrado do solo, cultivação dos grãos, e compartilha o governo da vida dos indivíduos e
das árvores frutíferas - ele também liderou as fun- nações por causa de sua devoção ao seguir Ausar
dações materiais para o desenvolvimento e cresci- - o ser divino.
mento da civilização. Irmãos não mais levantavam A similaridade dos conceitos religiosos e símbolos
suas mãos uns contra os outros. Havia prosperida- por todo o mundo está explicado no espalhar da
de e paz por toda a terra do Kamit. religião Ausariana - historicamente documentada
Tendo civilizado Kamit, ele entregou a como a mais antiga do mundo.
liderança de sua terra natal Auset, e viajou pelo
mundo para espalhar as mesmas instruções.


Ele induziu pessoas a aceitarem seus ensi- Milhares de anos antes do Islamismo e Cristianis-
namentos, não pela força das armas, mas pelo uso mo, que espalharam suas religiões pelo mundo, os
de palestras persuasivas, hinos espirituais, e mú- Kamitas acreditavam num discernimento pacifico
sica. Onde quer que ele fosse trazia paz e ensina- de seus sistema espiritual. Isso era feito não ape-
mento às pessoas. nas para a causa da paz e respeito pela dignidade
do homem. Isso era para a realização de que para
disseminar o homem deve-se disseminar a Exis-
tência Suprema que é residente de cada pessoa.
Além disso, a religião sendo o que é, não pode ser
disseminada de outra forma. Não entender isso é
não entender religião.

A vivência espiritual compartilhada por Ausar tra-


ta-se da forma pela qual entendemos a espirituali-
dade. Conforme essa leitura a violência e o debate
feroz não servem para o Shetaut Neter.
Enquanto Ausar estava fora, Auset lidera- Auset representa a personalidade que é devotada
va a terra tão habilmente, que seu irmão Set, que à seguir Ausar (Deus em manifestação), ela não
era consumido por uma inveja sobre o sucesso pode ser superada pelas forças do mal.
de Ausar, estava incapaz de realizar seu principal
desejo. Ele buscou agitar uma rebelião no reino, É preferível pensar em Ausar como - a persona-
então ele conspirou para superar Ausar pelo en- lidade de NETER em manifestação, não Deus
gano - sua característica mestra - com a ajuda da (God) que segue nomenclaturas e conceituações
confederação de 72 seguidores. cristãs. Da mesma forma penso que as forças do
mal (forces of evil) seriam as circunstâncias caóti-
cas de nossa existência.

Quando Ausar retornou de sua missão, ele Os conspiradores de Set numerados como 72 fa-
foi cumprimentado com uma festa real. Set veio zem alusão ao fato da principal arma de Set ser o
com seus 72 conspiradores, supostamente para engano, que é uma expressão negativa do intelec-
honrar Ausar, e fazer alegria. to - a 8ª esfera Sebek. Sebek que é o tenente e es-
trategista principal de Set corresponde ao planeta
mercúrio, que na Cabala Cananita rege sobre 72
espíritos chamados Shemhamphoras.

A relação de Set (a esfera das energias caoticas so-


bre o caos) e Sebek (8ª esfera da Paut Neteru de Ra
Un Nefer Amen, a esfera da lógica experienciada
pelas vivências materiais) ao meu ver está exata-
mente na ideia de que se vivencia o caos pelos sen-
tidos materiais, e o engano parte deles.

Ele trouxe um baú funerário na forma de Essa parte da história é a referência à confiança de
um homem que era tão lindo que todos na festa Set no álcool e outras drogas para facilitar atos en-
desejavam-no para eles. Quando todos estavam ganosos. Sua maior obra de engano em relação à
num estado de alegria de beber cerveja, Set afir- este método é criminalizar o uso das drogas que
mou que ele daria o báu para qualquer um que o ele não pode controlar, e fazer o Homem Sahu,
corpo coube-se no báu perfeitamente. quem vai acreditar em qualquer coisa, trate o es-
cravizado pelo álcool como uma pessoa doente.

O mestre neste momento parece sob minha óptica


efetuar uma leitura sobre a sociedade que vivemos
como governadas pelo “seres Sahu” (sahu man)
que por serem ingênuos criminalizam algumas
drogas e são negligentes para com a parcela da so-
ciedade que torna-se dependente de seu uso.

Ele veio por último à Ausar e perguntou se ele não Setianos toma cuidade de estudar aqueles que eles
tentaria, sabendo durante todo esse tempo que (o irão atacar e conquistar.
baú) iria encaixar o rei, já que ele fez o báu nas exa-
tas dimensões de seu corpo. Ausar entrou no báu Existe portanto uma organização maliciosa dentro
e seu corpo coube em cada parte. Antes que ele do caos e daqueles que por ele se guiam. Desta for-
pudesse levantar-se, os seguidores de Set pularam ma, ainda que com a Lei da Unicidade de Ausar,
rapidamente para fechar a tampa do baú e pregou- devemos averiguar que o Setiano (pessoa liderada
-a e soldou-a rapidamente com chumbo. pelo caos) é orientado também por um sentido ra-
cional e sistematizado.
Não é preciso dizer, o rei morreu imediatamente Uma alusão ao relacionamento da respiração para
de sufocamento. o trabalho da divindade residente. Conforme é
despertada por procedimentos especiais de res-
piração - devagar e profundamente ritmica - cujo
alcance de funcionamento é afetada por uma res-
piração irregular e rasa. Para mais capítulo 23 de
Metu Neter Volume 1.

O Banquete foi quebrado com uma grande con- Uma alusão ao fato de que a inteligência residente
fusão, enquanto os seguidores de Set caiam sobre está escondida para a maioria das pessoas no sub-
as pessoas com suas armas e tomavam o governo. consciente (fundo do oceano/rio Nilo). É por isso
Set comandou seus seguidores para pegar o baú que a meditação, o processo de tomar consciência
e dispô-lo num lugar secreto. Eles apressaram-se do subconsciente enquanto está em total estado de
pela grossa cobertura da escuridão e o arremessa- consciência é essencial em trabalhos religiosos.
ram no rio Nilo. A correnteza do Nilo leva-o para
o mar, e é presumidamente perdido para sempre O nome africano kamit dado ao Nilo (Nile) se tra-
no fundo do oceano. ta de Hapi. Trabalhos religiosos (religious work)
dado pelo autor eu prefiro o uso de espiritualidade.

Então terminou o reino de paz, harmonia e pros- A inteligência residente constrói o espírito, men-
peridade do mundo. te, e corpo do indivíduo desde o momento de sua
concepção. Apesar disso é restrita a gerenciar as
funções involuntárias vegetativas do ser, que é a
maior influência na vida durante a infância, embo-
ra a dormência das faculdades intelectuais a previ-
ne-se de expressar-se no pensamento da criança.
Ainda sim é influenciada a ser vista na ausência
do mal, ódio, e tais qualidades. As crianças cres-
cem, suas mentes são tomadas pelo intelecto infe-
rior que eclipsa totalmente a inteligência residente.
Isso é Set matando Ausar, especialmente se o com-
portamento é caracterizado pelo engano. Na vida
das nações na história do mundo nós achamos a
mesma progressão da inocência para a maldade.

Ainda que de maneira um tanto dicotômica, o


mestre retrata os estados de plenitude da infância
para com o estado de alienação à Inteligência Su-
perior que o adulto vivência ao ser tomado pelo
caos da existência.

Quando as más notícias a respeito do destino de Nós veremos no primeiro estágio de iniciação que
Ausar foram levadas à Auset, ela fora acometida experienciar genuína tristeza ao invés de restringir
por um grande sofrimento. Ela chorou amarga- a inteligência residente, para manter a vegetação
mente e não pode ser consolada. Em sua dor ele involuntária subconsciente do corpo e mente, e a
cortou uma trança de seu cabelo, vestiu roupas de dedicação de si mesmo para expandir sua dedica-
luto, e jurou nunca descansar enquanto ele achasse ção para governar os aspectos externos de nossas
o corpo de seu amado rei e marido. vidas, é o primeiro requerimento para a elevação
espiritual. Isso é importante para muitas pessoas
enganarem a si mesmas com a convicção de que
elas são espiritualizadas, ainda que experienciam
o remorso sobre seus atos e impeçam o divino de
surgir de seu ser.
Ela procurou em todos os lugares, questionando Enquanto o primeiro passo em direção ao desen-
todos que ela encontrava, e quando parecia que volvimento espiritual é a experiência da genuína
tudo fora em vão, ela encontrou algumas crianças tristeza acima da baixa condição da divindade in-
que a disseram que elas viram um báu flutuando terna, a segunda evidência da espiritualidade é ser
pelo Nilo abaixo e entrando no mar. dirigido à encontrar o verdadeiro caminho espiri-
tual. A referência a abertura da psíquica da criança
. Suas forças vitais ainda não foram dissipadas pela
atividade sexual, e elas ainda não foram corrompi-
das pelas falácias sociais setianas. Ainda sim elas
não podem se expressar totalmente, a influência
divina trabalha melhor por meio delas.

Enquanto isso, Set usurpou o trono de Ausar e rei- O mestre orienta que se efetue a leitura do capítulo
nou sobre a terra do Kamit. Lei e ordem que seguia 6 do livro “Metu Neter Vol. 2 - Anuk Ausar The
a elevação moral das pessoas foi trocado pelo uso Kamitic Initiation System”. Secularismo e as religi-
da força. Todo lugar homens eram roubados de ões distorcidas substituíram as verdadeiras religi-
suas posses e terra, e através de meios legais mas ões. Heru Ur deveria ter se oposto à Set, mas não o
injustos. Uma vez donos, eles era agora locatários fez por sua cegueira.
e assalariados. Tirania e lei do poder prevaleceu
enquanto a Lei Divina era revogada. Todo lugar os Neste capítulo o autor elenca algumas qualidades
seguidores de Ausar - que viviam por Maat - foram ditas negativas de Set ao governar o Ser Sahu (sahu
perseguidos. man). Nota-se que politicamente essa esfera gover-
na a sociedade tornando privado o uso e posse dos
elementos naturais que nos cercam. Ele então nos
diz que Heru deve opor-se à Set, mas que por estar
cego não o fez. Acredito que Heru Ur sejam todos
aqueles que nascem em nossa sociedade escrava
deste sistema setiano, mas que se tornam cegos
diante do mundo, e prosseguem com o status quo.

A boa Rainha Mãe Auset tornou-se fugitiva em Elas esconder-se a si mesma nas fortalezas de Set é
sua própria terra, e ela fugiu para esconder-se na simbolicamente a personalidade, embora devota à
fortaleza de Ser, os pântanos e manguezais do del- Ausar, permanece presa na parte Sahu de nosso es-
ta do Baixo Kamit. Ela acreditava que isso era o pírito. Inclusive profetiza-se que os seguidores his-
último lugar que ele sonharia em procurá-la. Sete tóricos de Ausar irão desenvolver sua resistência
escorpiões seguiram-na e serviram-na como seus às cidades setianas. Os sete escorpiões simbolizam
protetores. os 7 popularmente conhecidos chakras (centros
psíquicos).

Essa passagem me trouxe muitas reflexões. O sen-


tido que podemos dar a nossa existência é aprimo-
rar-se pelo caos do mundo, e nos faz pensar nesta
passagem que nos ciclos de vida, os então “segui-
dores históricos de Ausar” irão sempre se opor ao
mundo setiano. Aqueles que buscam o Shetaut Ne-
ter, sua vivência, e que pode-se dizer podem estar
lendo agora este documentos. Nós somos os se-
guidores de Ausar, e nos aprimoramos no mundo
setiano, buscando construir (seja um mundo me-
lhor, seja a melhor consciência de nós mesmos).
No Antigo Kemet, o nome dado aos chakras são
IARET. Existem também informações acerca de
óleos para acesso dos mesmos.

Ra também veio em sua ajuda. Olhando para baixo A assistência de Ampu refere-se À um dos aspec-
dos céus e vendo sua angústia, ele teve pena dela e tos da 8ª esfera, Sebek (o intelecto erguido por
mandou Ampu (Anúbis), o filho de Ausar e Neb- Maat), que assiste à pessoa em sua busca por Deus
thet, para servir a ela como guia, e cão de guarda. interior. Tal intelecto também torna-se o principal
protetor psíquico para o individuo.

Um dia Auset pediu abrigo na casa de uma mu- Quando a pessoa é devota à ressurreição da di-
lher pobre, mas fora recusada pela mulher que vindade residente, por sua genuína experiência de
acometeu-se de medo ao ver os escorpiões acom- tristeza sobre seu papel restrito, uma grande ques-
panhando-a. Mas um escorpião conseguiu entrar tão do poder psíquico de cura é o despertar. Isso
antes que a mulher fecha-se a porta e mordeu sua também é uma alusão ao incrível poder ofensivo
criança causando sua morte imediata. Pelo repa- residido nos seis chakras fenomenais - centros psí-
ro ao dano, Auset proferiu palavras de poder que quicos. Eles só podem ser empunhados com gran-
causou a criança voltar a vida novamente, por isso de sucessos por aqueles que são devotos de Deus.
a mãe ficou tão agradecida que permitiu Auset à
ficar em sua casa. O despertar dos Iaret é a chave de acesso à ressur-
reição de nossa divindade interior. Troque a pala-
vra Deus (God) por Neter.

O caixão de Ausar fora levado pelas ondas para Uma alusão à exportação da religião Ausariana e
Byblos, uma cidade portuária ao sul da Síria, e é le- da Àrvore da Vida para a Palestina, e Síria. Eles re-
vado à costa. Um árvore brotou e cresceu ao redor ceberam isso mas não conseguem entender total-
e envolveu o corpo de Ausar em seu tronco. Notí- mente os verdadeiros segredos mantido nisto. Isso
cias sobre a árvore que cresceu tão rapidamente e também nos mostra que na busca por instruções
com tanta beleza fora até o rei daquela terra estra- espirituais, dado o domínio de Set em casa, nós te-
nha, e ele comandou que ela fosse cortada fora, e remos que buscar em pessoas e terras estrangeiros.
seu tronco fosse levado até ele. Ele ergueu-a como
um pilar em sua casa sem saber o grande segredo O difusionismo é uma teoria da Antropologia que
contido nele. fala sobre como a cultura foram se espalhando por
meio também das diásporas humanas pelo mun-
do nos primórdios das primeiras civilizações. Esta
forma de pensar o mundo nos remete à berços
culturais no continente africano que desenvol-
veram tradições e conforme foram viajando pelo
continente, trocando entre si e enfim caminhan-
do pelo mundo, foram desenvolvendo diferentes
manifestações de pensar a cosmogonia. Ra Un
Nefer Amen trabalha isso ao demonstrar as con-
gruências de pensar entre os kamits (Kamitians),
Iorubas (Yorubas) e Dravidas (Indu-kush) em suas
tradições. A Àrvore da Vida (Paut Neteru), e a tra-
dição ausariana (de Ausar) tornam-se elementos
da Cabala e outras tradições espirituais, as quais
são incompletas em toda a complexidade que o
Shetaut Neter do Antigo Kemet pode nos oferecer.
Ele alerta sobre o engano de quem possui suas vi-
vências em verdadeiro caos (nós, povos pretos em
diáspora forçada/maafa) em buscar essas religiões
estrangeiras (abraâmicas, cristãs, islâmicas) ao
invés de nossa ancestralidade. Cabe a nós buscar
nossa identidade verdadeiramente no sistema es-
piritual que melhor nós oferece uma percepção de
povo preto em paz.

A revelação veio à Auset em seus sonhos que ela A importância dos sonhos para aqueles que são
acharia o corpo de Ausar em Byblos, então ela devotos ao re-despertar do deus “morto” interior.
partiu para Síria por barco. Quando ela chegou A referência ao poder espiritual desenvolvido para
vestiu-se como plebéia e sentou-se ao lado de um a ressurreição da faculdade interna de Ausar.
poço, chorando amargamente. No poço ela tor-
nou-se amiga das servas da rainha, cujos cabelos É maravilhoso pensar no ciclo de sono e sonho s
ela trançou. Em cada trança ela respirou um per- como procedimentos de visitação, restauração e
fume doce e único. Elas voltaram para o palácio e aprimoramento de nosso ser no despertar de nossa
falaram à sua rainha sobre essa mulher que tinha consciência interior. Lembrar-se dos seus sonhos,
o estranho poder de expirar perfume do sua res- entendê-los e usá-los como esta ponte de restaura-
piração e corpo. A rainha comandou que ela fosse ção é uma medida importantíssima que está posta
trazida imediatamente diante dela. Auset encon- em papyrus famosos como o Papiro de Ani (PERT
trou favor nos olhos da rainha quem mandou sua EM HERU) - tal possibilidade de entendimen-
enfermeira para um de seus filhos. Auset recusou to desta obra é acessível na bibliografia de Mua-
a cuidar da criança, e para silenciar seu choro por ta Ashby. A restauração de nosso estado de paz,
leite ela colocou seu dedo em sua boca. Ao invé de Ausar, para enfim vivenciar nossa existência numa
leite, pela noite ela envolveu ele num fogo sagrado plenitude imaterial desenvolve em nós o poder es-
que iria conferir a imortalidade à criança. Durante piritual. Esse entendimento da existência por meio
esse tempo, ela transformou-se a si mesma numa das leis divinas de Neter.
andorinha e voou para onde o pilar que continha o
corpo de Ausar era guardado, e proferiu altos cho-
ros de sofrimento, enquanto voava em volta. En-
quanto ela estava assim, a rainha veio e viu o bebê
cercado por chamas e o arrebata delas, negando à
ele portanto a imortalidade.

Auset transformou-se de volta em sua forma hu- Imaginar-se a si próprio em diferentes criaturas,
mana e confessou para a rainha quem ela era e o pessoas, etc. enquanto está em transe é uma prática
propósito de sua missão. Ela então pede ao rei que importante no desenvolvimento espiritual. O que
o pilar seja dado à ela. O rei garantiu seu pedido, você se imaginando fazendo em transe é tomado
e ela cortou profundo no tronco e tirou para fora pelo espírito como realidade. É assim que poderes
o baú, o qual ela embrulhou em linho e ungiu em são desenvolvidos, e condicionamentos limitantes
mirra. O pilar vazio retornou ao rei que reguei-o são transcendidos. É por isso que o Pert Em Hru, o
como um monumento para Ausar, e por muitos Sistema de Yoga Tibetana, e assim por diante pres-
séculos ele foi adorado pelas pessoas de Byblos. creve tais visualizações para serem praticadas pelo
iniciado. O pilar vazio tornou-se a Àrvore da Vida
Cananita, e mais tarde, dos Judeus. Estava vazia
porque eles não receberam todos os ensinamentos.

O livro (papyru) “Pert em Hru” refere-se ao papi-


ro de Ani. Pert Em Heru, numa tradução simples
fora posto em inglês como “Coming forth by day”,
“saindo pelo dia” ou “saindo iluminado”. Um título
proposto por mim seria de “Surgindo em Ilumina-
ção”. O livro ganhou, devido à questões coloniais
racistas o termo “Book of the Dead” - O livro dos
mortos.
Auset retornou para o barco com o caixão, acom- Uma alusão ao grande poder psíquico desenvol-
panhada por Maneros, o primogênito do rei. en- vido pela pessoa quando observa e interage com
quanto estavam no oceano, Auset não podia espe- Ausar - a inteligência divina residente - em transe
rar para ver Ausar, então ela abriu o baú e abraçada mediúnico.
o corpo e chorou amargamente. Enquanto isso, o
garoto Maneros, tinha secretamente se escondido
atrás dela para ver o que estava no baú, e o que es-
tava acontecendo. Ela virou-se de repente e o fogo
dos seus olhos causou o rapaz à morrer de susto, e
ele caiu no mar.

Quando Auset alcançou a terra dos Kamit ela pe- Auset concebendo Heru por um homem não vivo
gou o corpo e de acordo com os Textos das Pirâmi- é o mais antigo documento sobre concepção ima-
des número 632, e murais em Abydos e philae, “ela culada. Não é segredo que a concepção de Virgem
transformou ela mesma numa andorinha e pairou Maria e Jesus origina-se dessa história. É por isso
sobre o corpo morto, causando um vento com suas que haviam milhares - agora milhões - de Virgens
asas, e levantou o falo cansado dos de coração si- Negras (Black Virgens) por toda a europa. Elas
lenciado (mortos), e recebeu sua semente. Assim ainda podem ser encontradas no Vaticano e na ca-
que Heru foi concebido. tedral polonesa do presente papa. Em outra versão
da história, ela concebeu e deu luz à Heru antes
de sair da Síria para encontrar Ausar. Quando Set
ouviu sobre isso ele partiu em perseguição do re-
cém nascido herdeiro do trono. Ouvindo que ele
(Set) viria, Auset escondeu-o (Heru) em Buto (Per.
Wadjet, hoje a Tell El Fara’in) sobre a proteção de
Uatchet (a entidade Wadjet). Uma análise da his-
tória inteira irá mostrar que isso não pode encai-
xar-se coerentemente com a lógica da história. É
importante notar isso pois 1)isso revela o papel
dos poderes psíquicos simbolizados como Uatchet
(Wadjet) e Nekhebet na proteção da vontade não
desenvolvida, e 2) é a fonte da história de onde He-
rod (Herodes I), ao ouvir sobre o nascimento de
Jesus manda que destruam todos os recém nasci-
dos masculinos.

Acerca do papa, acredito que o autor refere-se ao


polonês Karol Józef Wojtyla, conhecido no Brasil
como João Paulo II, que cumpriu no serviço do
pontificado durante 1978 e 2005, que cumpre com
o ano de 1994 quando a primeira tiragem deste li-
vro fora lançada. Nota-se então como o mito cris-
tão surge advindo de um entendimento de mundo
incompleto sobre as tradições africanas, em espe-
cial o Shetatu Neter de Kemet.

Ela então escondeu o corpo num lugar secreto e O quebrar do corpo de Ausar simboliza a frag-
correu para Buto, na cidade de Khemmis para dar mentação da consciência pelo lado esquerdo do
luz ao seu filho Heru. Seu triunfo foi curto. En- cérebro que lidera o ponto de vista segregado de
quanto ela estava em Buto, Set veio caçando o ja- mundo. Os quatorze pedaços também correspon-
vali pela lua cheia nos pântanos do Delta e por aci- dem aos 14 centros psíquicos (chakras) do corpo
dente encontrou o baú. Reconhecendo o, ele abriu espiritual. A dispersão dos pedaços do corpo de
e pegou o corpo de Ausar e cortou-o em quatorze Ausar é a origem das doutrinas religiosas da Diás-
partes e espalhou os em várias partes do país. pora - a dispersão do eleito.

Em ouvir sobre a morte de Set, Auset partiu de Nebthet corresponde à 7ª esfera, a faculdade ima-
novo na procura dos membros do corpo de Au- ginativa que junta a persona na procura pela di-
sar, dessa vez acompanhada de sua irmã Nebt-Het, vindade residente. A conexão do peixe com o falo
quem desde então era casada com Set. No compri- está na correspondência do centro psíquico sexual
mento ela recuperou todas as partes exceto o falo ao elemento “água”. A divisão parassimpática do
que fora engolido pelos peixes Lepidotus, Phagrus, sistema nervoso autônomo corresponde com o
e o Oxyrynchus. Ela enterrou a imagem de cada elemento “água” e governa a potência sexual. O
membro onde ele foi encontrado e erguei uma ponto feito, contudo, é o fato que a potência se-
tumba que se tornou um lugar de adoração pelas xual é a chave índice do poder espiritual. Ela deve
pessoas da área. A existência dos membros, fora ser nutrida, e o ato sexual moderado para o cresci-
mantida em segredo assim Set não iria retomar mento espiritual.
sua busca pelo corpo.
A Esfera 7 de Nebet.Het pode ser encontrada
pela manifestação de Het.Heru. A qual também
está ligada ao sentido de energia criadora que nos
conecta à Ausar. Nebet.Het em especial retrata a
manifestação de nossos sentidos corporais (mate-
riais) que possibilitam o estado de transe para a
manifestação de Ausar.

Set continua seu governo tirânico sobre a terra, Uma referência aos rituais ancestrais de comuni-
implacável em sua perseguição pelos seguidores cação que empoderam o falecido em ajudar seus
de Ausar. A adoração das pessoas à Ausar fortale- membros familiares na terra, assim como as ins-
ceu seu espírito e causou à ele aparecer nos sonhos truções recebidas pelos últimos para resolver seus
de seu filho Heru que era agora um homem cresci- problemas.
do. Ele encorajou-o a recuperar o trono ao qual ele
era o herdeiro legítimo e deu à ele suas instruções Neste sentido o auto parece retomar a ancestrali-
de batalha. dade de linhagem familiar como ponto de encon-
tro à Ausar.

Heru reuniu seu exército e foi ao confronto de Set. Assim como veremos, no final das contas Set será
O primeiro encontro deles fora em Edfu, o exér- derrotado pela verdade, mas uma estará preparado
cito de Set matou muitos dos seguidores de Heru. para levantar-se contra ele por todos os custos, e
por todos os meios necessários. Sem isso, você não
poderá fazer com que ele cumpra a verdade. Heru
foi derrotado porque ele seguiu sua própria cabeça
(o intelecto). Heru é o nosso senso de liberdade e
independência.

Mas Heru e seus seguidores, apesar de em gran- Sua vitória veio de humilhar-se a si mesmo pela
de desvantagem, retomam a guerra. Sua grande orientação intuitiva da faculdade da sabedoria que
arma foi sua fé no concelho de Tehuti, que eram as é recebida pela meditação perfeita, ou oráculos, ou
Palavras de Deus (Metu Neter). Eles atacaram Set conselhos de um sábio. Inteligência sempre derro-
novamente e levou-o até a fronteira do leste. Ele tou o poder e aço.
buscou refúgio em Zaru onde Heru alcançou ele, e
a última batalha da guerra resultou-se. Oráculo é um termo do latim para referir-se ao
“falar”. Essa tradição, porém, nasce em Kemet.
Essa categoria de ser é posto como sendo de mu-
lheres que conseguiam uma comunicação direta
com Neter e suas forças. O ponto em kemet que
permitiu essa tradição de espalhar-se pelo mun-
do antigo grego fora a da cidade de Per.Wadjet no
Antigo Kemet. São necessárias maiores pesquisas
afrocentradas acerca das ciências espirituais femi-
ninas do antigo Kemet no sentido de descobrir o
termo original africano para “oráculo” e o signifi-
cado da mulher dentro dessa organização espiri-
tual.

Nesta batalha campal que foi por muitos dias, Set O olho de Heru simboliza o pensamento visual
arrancou fora o olho de Heru, que que teria custa- do lado direito do cérebro que governa o enten-
do à Heru a guerra se Tehuti não o curasse. Com dimento da espiritualidade. É também símbolo da
seu discernimento recuperado, Heru conseguiu onisciência e onipresença de deus como mostrado
castrar Set. na obra Metu Neter Vol.2; então atacado por Set. A
cura do olho por Tehuti é uma alusão ao papel que
a sabedoria cumpre em nossas vidas. Da mesma
forma, Heru atacou Set assentado em sua agressi-
vidade descontrolada.

Udyat, o então olho dado por Tehuti à Heru repre-


senta a possibilidade que a esfera do discernimen-
to, julgamento e inteligência do oculto (tehuti)
permite para que visualizamos corretamente nos-
sa Auto Determinação (Heru). A premissa de se
possuir este olho é a chave da ativação de Heru - a
ordem de Maat.

Esse foi o ponto decisivo na guerra. Set foi derro- As ações de Auset fazem alusão a compaixão in-
tado, pego prisioneiro e condenado à morte. Heru finita e entendimento da unidade da vida criada
entregou-o à Rainha Mãe Auset para que ela ad- pela devoção profunda no despertar de Ausar. Isso
ministra-se o julgamento, mas ela recusou-se para coloca freios e contrapesos no confronto do mal.
matá-lo, com base no fato de que eles eram todos Se o mal é para ser derrotado deve acontecer pela
família, e soltou-o. Indignado, o impetuoso jovem vitória dos justos (righteousness). Tehuti deu à
corta a cabeça dela fora - alguns dizem o diadema Auset a cabeça de uma vaca mostra que ela ape-
real dela - que foi substituída pela cabeça de uma nas seguia as instruções vindas de cima. Vacas não
vaca ou coroa por Tehuti. lideram a matilha. Esse foi outro lembrete para
Heru. A vontade do homem está em necessidade
de tal lembrete constante para se ser humilde.

O sentido de “mal” posto pelo autor, pela minha


perspectiva, cabe no contrapeso da ordem, que
equilibra a natureza, o caos (Set). Quem visa esta
harmonia, conforme a leitura, é então o de voz
justa (maa kheru), e portanto, nesse sentido de
leitura, se o caos é para ser orientado, ou domi-
nado, deve acontecer pela vitória do justo. Acerca
das ações de Heru para com sua mãe, em diversas
leituras essa passagem sempre me perpassou de
forma bizarra, ainda sim, ela possui uma grande
simbologia tal qual a narrativa por inteira. A Vaca
pela minha perspectiva trata-se de uma criatu-
ra que guia-se pela manifestação harmoniosa de
Neter. Mas a ideia que o autor coloca, sobre “Va-
cas não liderarem a matilha” (Cows don’t lead the
pack), é um lembrete à nós para que busquemos
a humildade de nos conhecermos. De sabermos
quem somos e o que devemos cumprir, não nos
guiando pela ambição. A palavra usada pelo autor
é “humble” (que me soa mais como humilhar-se).
A Resiliência é uma qualidade necessária para se
conquistar a harmonia de Maat. O caminho do
Shetaut Neter por meio da arrogância se mostra
insuficiente para se tornar verdadeiramente de voz
justa (maa kheru). Note que o sentido de humilda-
de aqui está longe de ser “pobre” ou de “vida hu-
milde”. Essas maneiras cristãs brasileiras de enten-
dimento das palavras não cabe na leitura filosófica
africana. Humildade aqui representa muito mais o
saber seu espaço e sua qualidade, e o respeito que
se tem com a qualidade do outro. Uma vaca não
liderar uma matilha significa que ela deixa que o
lobo o faça.

Apesar de Set ter sido derrotado, Auset e Nebhet Não é o suficiente derrotar o mau, a liderança de
continuavam em luto sobre a morte de Ausar. Deus sobre a vida dos indivíduos e nações deve ser
restaurada.

Essa passagem parece terrível se colocarmos o sen-


tido de “Deus” ao deus cristão, porém a leitura aqui
na verdade segue pela ideia de Neter como sendo
essa representação ontológica do que o mestre co-
loca como “God”. O caos então, não deve apenas
ser dominados, mas a restauração de Ausar, e das
manifestações de Neter deve ocorrer com os indi-
víduos e suas comunidades.

Num canto Auset exclama: O canto de Auset define o que à devoção à Deus
é. Um deve amar à Deus mais que tudo no mun-
do. No estagio de iniciação de Auset a devoção por
Deus e Homens diante da face dos deuses Deus é expressada pela experiência de tristeza por
estão chorando por ti engajar-se em atos pecaminosos que previnem a
ao mesmo tempo Divindade residente de surgir para o primeiro pla-
quando eles me veem no de nossas vidas.
Aes! Eu invoco ti com lamento
que alcança alto como os céus Precisamos relembrar o sentido de Neter aqui.
Ainda que você não possa minha voz Uma energia única que tem poder e possibilida-
Eu, sua irmã amo te mais que toda a terra de para ser qualquer coisa material ou imaterial.
e você ama ninguém mais do que eu. A consciência que se manifesta em todas as ou-
tras. O mestre aqui elenca que a devoção à Neter
passa pelo estágio de sentir-se triste pela vivência
caótica que não permitem que consigamos atingir
Ausar - a paz. Dessa forma que eu, pessoalmen-
te, penso na vergonha e culpa como processos
não violentos de tristeza e devoção à sua própria
cura, aprimoramento ou possibilidade de melhora
de uma circunstância. Sentir essa culpa é parte do
amadurecimento e responsabilidade que tomamos
em nossas vidas.

E Nebethet em seu canto exclama: O canto de Nebet.Het enfatiza a alegria do desper-


tar do Deus residente. Esse é o tema do estágio de
Supere o sofrimento no nosso coração, iniciação de Het.Heru.
suas irmãs
Vivem antes de nós Deus residente (indwelling God) no sentido de
desejando te ver. nós sermos as manifestações diversas de Neter,
portanto somos Neteru, possuímos essas manifes-
tações dentro de nós, e sendo assim somos Neter.
Mais uma vez ele retoma a esfera de Het.Heru em
conjunto ao entendimento de Nebet.Het. Manifes-
tar-se pelos sentidos em plenitude, é restaurar Au-
sar e perceber sua (nossa) natureza divina.

A lamentação das deusas foi ouvida por Ra, e ele Como rei e juiz do submundo, significa que Au-
mandou à elas mais uma vez Ampu, quem com a sar está liderando sobre o subconsciente enquanto
assistência de Tehuti e Ra reuniu o corpo desmem- heru, a vontade está na liderança sobre o estado
brado de Ausar, enrolou-o em bandagens de linho, acordado (waking). Ainda que devemos entender
e mumificou-o. Tehuti, Auset, e Heru realizaram que a vontade deve receber as direções da Divin-
sobre a mumia a Cerimônia da Abertura da Boca, dade residente - Ausar. Esse relacionamento é du-
e Ausar foi trazido de volta à vida por meio do plicado no reinado divino ao longo da tradicional
presente do olho de Heru, que Set tinha destrui- África, do antigo Egito para os dias atuais nas na-
do, mas curado por Tehuti. Trazido de volta à vida, ções africanas as quais este reinado continua vivo
ele foi declarado Juiz e Rei dos Mortos, enquanto (Ashanti, Yoruba, etc.). Para entender a ressurrei-
Heru era levado ao seu lugar como rei dos vivos. ção de Ausar em Heru dando à ele olhos nós deve-
mos recordar o papel dos olhos como símbolos da
onipresença de Deus. Como rei do mundo externo
(o estado acordado), Heru agindo como Ausar sig-
nifica perceber o que está acontecendo no mundo.
Assim ele é capaz de direcionar a vida de um indi-
víduo, e nações. Tomar notas que a ressurreição de
Ausar é a fonte da “segunda vinda de Cristo”.

Troque Egito por Kemet. E neste sentido pense-


mos que o significado simbólico da vinda de Cris-
to refere-se ao sentido que a sociedade moderna
dá ao símbolo de “messias” - como aquele que traz
salvação. Veja bem, se todos nós possuímos a Di-
vindade residente (Ausar) dentro de nós, significa
que não há heróis salvador externo à você que lhe
trará a salvação. Você salva a ti mesmo por meio
do equilíbrio, discernimento e plenitude garanti-
dos pela sua restauração de Ausar.

Set objetou. Ele publicamente reclamou, de acordo Nós vemos isso hoje na afirmação dos secularis-
com um conto, que Heru era um bastardo, e não mo de legitimar-se como o guia da vida do homem
poderia assim, ser o legítimo herdeiro do trono. no mundo. Em particular é uma manobra Setiana
trazer controle contra os outros invocando leis que
De acordo com outro conto, ele apostou sua rei- eles mesmos não observam. Isso também profetiza
vindicação ao trono nas bases em que ele era mais que os Setianos vão desafiar os herdeiros do Egi-
forte no mundo. Poderia, ele argumentou ser o to - dias presentes Africanos e Afro-Americanos
chefe virtuoso ao governo. Ele também trouxe co- - quando eles recuperarem sua herança Kamitica.
branças à posição de Ausar.
Secularismo citado pelo autor refere-se à ontolo-
gia ocidental moderna que também é cumprida
em outros lugares não ocidentais na qual se sepa-
ra a ciência da espiritualidade - tornando assim a
sociedade um meio fragmentado de saberes. Tal
pensamento, se queres saber, está muito bem resu-
mido nas obras do ocidental René Descartes que
junto ao seu método possibilitou a então especia-
lização das áreas do conhecimento hoje, que em
tanto pode prejudicar o entendimento a unicidade
e completude dos saberes. Diversas áreas que não
conversam entre si, e que enxergam a espirituali-
dade como um atraso já superado pelas ciências,
que movem-se pela perversidade do capital.

Apesar de Set, agora emasculado, ter sido facil- Isso mostra o caminho da vitória sobre o poder
mente disposto por Heru por meio da força, jus- que seja. Força para se tornar 100% responsável
tiça retornou à terra com o retorno de Ausar, e à com as leis, e valores proclamados.
Set fora dado seu dia na corte. Um grande tribu-
nal com 42 deuses com Tem como líder, e Tehuti O tribunal mostrado é muito provavelmente o Per.
como juiz foi reunido. Como o governo de Set foi Abu, a casa dos corações. Cena comum entre di-
baseado em poder, e pura decepção, onde a força versos papiros funerários que descrevem o exer-
não poderia ser abertamente usada, suas palavras cício de pesagem do coração na balança. Nossas
foram consideradas não verdadeiras. Foi mostrado ações caóticas contidas em nosso coração (Ab)
em grandes instâncias que ele contradisse e vio- deve ser minuciosamente analisada, compreendi-
lou as leis que ele impôs aos outros. Do outro lado, da e então pesada, para que possamos desprender
Ausar e Heru mostraram ter vivido pelas leis que do verdadeiro aprendizado acerca de nossas ações.
eles promulgaram, assim eles foram designados Não devemos suprimir nossos corações, mas aco-
por ser Maa Kheru, Verdadeiro de Palavra. Assim lhê-los num julgamento justo. Com humildade,
a “Grande Briga” foi resolvida nas bases da verda- resiliência, honestidade e reflexão. É assim que nos
de sobre o poder. A noite em que esse veredicto foi tornamos Maa Kheru.
premiado é conhecida na tradição espiritual Kamit
como a Kerh Utchau Metut, a Noite da Pesagem
das Palavras.

Set foi sentenciado à servir como o vento que im- Na tradição Kamitica, o vento simboliza ambos
pulsiona o barco de Ausar. motivo e força, e o lado esquerdo da atividade
mental cerebral que nos possibilita o avanço tec-
nológico. Portanto Set foi sentenciado à difundir a
religião Ausariana pelas galáxias.

Acredito que essa passagem seja um dos maiores


aprendizados desta narrativa. Essa leitura pode ca-
ber logicamente para nosso trabalho de aprimora-
mento interior no sentido de vivenciar plenamente
nossas vidas, mas por outro lado nos proporciona
também uma leitura da jurisprudência de nosso
mundo. Se pensarmos na sentença de Set, como
a sentença de um criminoso, podemos repensar
diversas ferramentas pelas quais nos guiamos em
punir o então dito “criminoso” para combater o
“crime”. Tais categorias se movem por precedentes
ocidentais que se baseiam na violência, no biopo-
der, no vigiar e punir entre tantas outras estruturas
de poder. Set possui seu lugar dentro da harmonia
pela qual o ser humano caminha, devemos incor-
porar Auset no entendimento, compaixão e apren-
dizado que devemos ter para com quem guiou-se
pelo caos.
Por outro lado, a barca de Ausar (nosso ser divino)
empurrado pelo caos (Set) mostra a simbologia do
mundo e da experiência de vida como uma for-
ça caótica que movimenta nossa barca, e que por
meio dessas experiências aprimoramos nosso ser
por meio destes ciclos de restauração de nosso ser
divino. A ideia aqui é que se entenda a existência,
para que então possamos seguir em conjunto com
o rio que guia nossas barcas em harmonia, e que
possamos tornar nossa existência uma ferramenta
de aprimoramento de nós e daqueles que nos cer-
cam. Enfim, restaurar Ausar.
Thiago Sousa, intitulado por seus ancestrais como
Iaqeb Ahmose, é autor de histórias em quadrinhos, gra-
duando em licenciatura em Geografia, aprendiz no ca-
minho do Sesh e do Shetaut Neter. Aprendendo diaria-
mente a prosseguir pelo Caminho do Silêncio, movendo
sua barca pelos ciclos, movimentado pelo caos e apri-
morando-se por ele. Procurando entender o Metu Neter,
para ensiná-lo no momento certo. Falar de mim mesmo
na terceira pessoa é engraçado, e dificultoso, sendo assim
conforme a sincronicidade permitir, a minha primeira
pessoa encontrará com a sua.
Até lá que estejamos em hetepu.
AMPU ABRE OS CAMINHOS
À QUEM DESEJA CAMINHAR.

NÃO É RESPOSTA PRONTA.


É PERGUNTA CERTA.
NADA FÁCIL, NADA RESUMIDO.
QUEM BEBE, BEBE DA FONTE.

CAMINHA.

NARRATIVAS ANCESTRAIS SÃO ICÔNICAS


E NOS PROPORCIONAM MOMENTOS PARA
REPENSAR COMO ORIENTAMOS NOSSA EXISTÊNCIA.
ESTE MATERIAL É PARTE DE DUAS JORNADAS.
UMA COMPARTILHADA NUM MOMENTO
CAÓTICO AO MUNDO EXTERNO À MIM,
E OUTRA CONSTRUÍDA POR 26 ANOS NO CAOS DE UM
MUNDO TOTALMENTE INTERNO AO MEU SER.
ESTA LEITURA APRESENTA A NARRATIVA DE NOSSO
LEGADO ANCESTRAL PELAS PALAVRAS DO MESTRE
RA UN NEFER AMEN, NUM DIÁLOGO COM
MEUS PENSAMENTOS.

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