Você está na página 1de 29

LIVRO I

RAMA
O Ciclo Ariano

Zoroastro perguntou a Ormuz, o grande Cria­


dor: "Qual o primeiro homem com quem falaste?"
Ormuz respondeu: "Foi o belo Yima, aquele
que estava à frente dos corajosos".
"Eu disse-lhe que vigiasse os mundos que me
pertencem, dei-lhe um gládio de ouro, uma espada
para a vitória".
"E Yima avançou no caminho do sol, reuniu
os homens corajosos no célebre Airyana-Vaéja,
criado puro."

Zend Avesta (Vendidad-Sadé)


29 Fargard.

ó Agni! Fogo sagrado! Fogo purificador! Tu,


adormecido na madeira, a subir em chamas brilhan­
tes no altar, tu és o coração do sacrifício, o ousado
impulso da prece, a fagulha divina oculta em todas
as coisas, a alma gloriosa do sol.

Hino Védico.

21
. As raças humanas e as origens da relig_ião

"O Céu é meu· Pai, ele me gerou. Minha família


é esta irmandade. celeste. Minha Mãe é a ·grande Terra�
A parte ma.is alta da sua superfície é a sua matriz. Af o
Pai·. fecunda o ventre daquela que é sua esposa e sua­
filha".
Há quatro ou cinco mil anos, esse era o· cântico do
poeta védico, diante de um altar feito de barro, onde o·
fogo queimava ervas secas. Há nessas palavras · estrarihas
uma consciência grandiosa, um vaticínio profundo. · Elas
encerram o segredo da dupla origem da humanidade. An­
terior e superior à Terra é o tipo divino do homem. A
origem da sua alma é celeste. Mas o seu corpo é o pro;.
duto dos elementos terrestres fecundados por uma es­
sência cósmica. No idioma dos Mistérios, os amplexos
de Urano e da Grande Mãe significam chuvas de almas
ou de mônadas espirituais, que vêm fecundar os germes
terrestres, os princípios organizadores sem os quais a
matéria seria apenas massa inerte e difusa. A parte mais
alta da superfície terrestre, que o poeta védico chama de
matriz da terra, designa os continentes e montanhas,
berços das raças humanas. Quanto ao Céu - Varuna, o
Uranos dos Gregos, representa a ordem invisível, hiperfi­
sica, eterna, intelectual e ·envolve todo o infinito do Es-
paço e do Tempo.
Neste capítulo, consideraremos apenas as origens
terrestres da humanidade, segundo tradições esotéricas
confirmadas pela antropologia e etnologia atuais.
As quatro raças atualmente existentes no globo são
oriundas de terras e regiões diversas. Houve criações
sucessivas, lentas elaborações da · crosta terrestre. Os
continentes emergiram dos .mares, em consideráveis in·
tervalos, que os antigos padre$ . da fndia chamavam de
ciclos interdiluvianos. No decurso de milênios, cada con·
tinente produziu sua flora e sua fauna, encimada por uma
· raça humana de cor diferente.
O continente austral, submergido no último dilúvio,
foi o berço da primitiva raça vermelha, da qual os -ín·
dios americanos são apenas restos, provindos de troglo­
ditas que alcançaram os cimos das montanhas quando
mergulhou o seu continente. A Africa é a mãe da raça
negra, chamada etíope pelos gregos. A . Asia produziu a
raça amarela, que continua nos chineses. A última, a
raça branca, saiu das florestas da Europa, entre as tem­
pestades do Atlântico e os sorrisos do Mediterrâneo. To­
das as variedades humanas resultam de misturas, de
combinações, de degenerescências, de seleções dessas
quatro grandes raças.
Nos ciclos precedentes, a vermelha e a _negra foram
sucessivamente I preponderantes, , esquecendo poderosas
civilizações que aeixaranr-véstígios nas construções ci­
clópicas ,. como na arquitetura. do México. Nos templos
da fndia e do Egito conservavam·se dados ,e tradições
sumários sobre civilizações desaparecidas. Em nosso ci­
clo, predomina a raça branca. Pela provável antiguida­
de da lndia e do Egito, a sua preponderância tem · já
uma duração de sete ou oito mil anos. ( 1)
Segundo as tradições bramânicas, a civilização te­
ria começado em nossa Terra, há . cinqüenta mil anos
com a raça vermelha no continente austral. Então a Eu- .

1 A divisão da humanidade em quatro raças sucessivas e


originárias era admitida pelos mais antigos sacerdotes eglpcios.
Nas pinturas do túmulo de Seti I em Tebas, estão representadas
por quatro figuras de tipo é cor diferentes. Sã.o: Rot para a raça
verme.lha; Amu; �aça amarela asiática; Halasin, raça negra afri­
ca&a; e Tamahu, raça branca de cabelos louros, Ubio-européia.
LENORMANT · - Histoire des Peuples · de l'Oriente.

24
ropa inteira e uma parte da Ásia estavam ainda sub­
mersas. Essas mitologias também se referem a uma raça
de gigantes, anterior. Em algumas cavernas do Tibete,
encontraram-:se ossadas humanas gigantescas, que pare­
cem mais de macaco do que de homem. Essas ossadas
relacionam-se com uma humanidade primitiva . interme­
diária, ainda vizinha da animalidade,. sem . linguagem ar­
ticulada, sem organização social, sem religião. Esses três
fatos surgem sempre ao mesmo tempo. Daí �ssa notável
estrofe de um bardo: "Três coisas são -··simultâneas, nos
primeiros tempos: ·oeus, a luz, a liberdade".
Com os primeiros sons articulados nasce a socieda­
de e a vaga idéia de uma ordem divina. É o sopro de
Jepvá na boca de Adão, o verbo de Hermes, a· lei do
primeiro Manu, o fogo de Prometeu. A raça vermelha,
já dissemos, ocupava o continente austral, hoje submer­
so (chamado Atlântida por Plat.ão), segundo as tradi­
ções egípcias. Um grande cataclisma destruiu-a em· par­
te e dispersou os restos de sua população. Várias. raças
da Polinésia, os · índios da América do Norte, . os Aste­
cas que Pizarro encontrou no México são os sobreviven­
tes da antiga raça vermelha, cuja ·civilização, para sem­
pre perdida, teve os seus dias de glória e de esplendor
material. Todos esses pobres retardatários trazem na . al­
ma, a melancolia incurável das velhàs raças que morrem·.
sem esperança.
Depois da raça vermelha, a raça negra dominou no
globo. Devemos procurar o tipo superior, não no. negro
degenerado mas no Abissínio e no Núbio, em que se
conserva o molde da raça no apogeu. Em tempos pré­
-históricos, os Negros invadiram o sul da Europa, tendo
sido repelidos pelos Brancos. A sua recordação está in­
teiramente desfeita em nossas tradições populares.. No
entanto, deixaram dois traços_ inapagáveis: o horror ao
dragão, emblema dos seus r_eis, e a idéia de que o diabo
é preto. Por sua vez, os Negros pensam qué o diabo é
branco.
No tempo do seu predomínio, os Negros tiveram
centros religiosos no Egito e na lndia. Suas cidades· ci­
clópicas erguiam-se sobre as montanhas da Africa, do
Cáucaso e da Ásia Central. Sua organização social con­
sistia em uma teocracia absoluta. No ápice, os padres

25
temidos como deuses; em baixo, a gente das tribos, sem
família. constituída, as mulheres escravas. Os padres pos­
suiam profundos conhecimentos. O princf pio de unidade
e o culto dos astros, denominado sabefsmo, infiltraram­
...se entre os brancos. ( 2)
Mas entre . a ciência dos padres negros e o grosseiro
fetichismo das massas, não havia transição, nem arte
idealista, nem· mitologia sugestiva. Ademais, uma indús­
tria já adiantada, sobretudo na balística, com o · lança­
mento à distância de pedras colo�sais, e a fusão de me­
tais em fornos enormes, servia para dar trabalho aos
prisioneiros de guerra. Nessa raça forte pela resistência
física, energia passional e capacidade de apego, a reli­
gião foi o reinado da· força pelo terror. A Natureza e
Deus, para a consciência desses povos infantis, toma­
vam forma na figura do dragão, do terrível animal ante­
diluviano, que os reis mandavam · pintar em suas bandei­
ras e os padres esculpiam · na porta dos templos.
Se o sol da África criou a raça negra, pode-se di­
z�r_ que· os gelos do ·i:>olo ártico viram a e.closão da raça
oranca. Sãó os Hiperbóreos, de que fala a mitologia gre­
ga·; Aqueles homens ge cabelos ruivos, olhos -azuis, vie­
ram do Norte, através de florestas iluminadas pelos ·cla­
rões boreais, · acompanhados de cães e de renas, sob o
comando de chefes ousados e estimulados por mulheres
videntes. Cabeleiras douradas, olhos azuis, cores predes­
tinadas. Essa raça irià inventar o culto do sol e do fogo
e cultivar no mundo á nostalgia do céu. Ora ela se revol­
tará contra o céu� ao ·ponto de tentar uma escalada, ora
se prosternará ante os seus esplendores, · em adoração
- absoluta. ·
· · Como as outras, a raça branca foi selvagem, antes de
adquirir consciência dela mesma. Suas características
distintivas · são o , gosto da liberdade indlvidual.1 a
sensi­bilidade reflexiva, que suscita : o poder da
simpatia, a predomit?,ância do intelecto que confere à
imaginação um tom idealista e simbólico. A
sensibilidade proporcionou
o apego, a preferência do homem por uma . só mulher.
.
2
Vide os historiadores árabes; entre os quais ABUL GHAZI,
História Qeneàl6gica dos Tár��ros, e MOHAMED MosHEN, historia­
dor dos Persas.

26
Daí a tendência dessa raça à monogamia, o princípio
. conjugal da família. A necessidade de liberdade com a da
sociabilidade criou· o clã, com seu princípio eletivo. A
imaginação. ideal criou o culto dos antepassados, raiz e
centro da religião entre os povos brancos.
O princípio social e político manifesta-se no dia em
que um grupo de homens meio selvagens, ameaçados
por um povo inimigo, reúne-se instintivamente, esco­
lhendo o mais forte, o mais inteligente, para c·omandá-los e
dirigi-los. N,esse dia nasceu a sociedade. O chefe· é um pe-
. queno rei, seus· companheiros, futuros nobres. Os velhos
que deliberam, incapazes de marcharem, formam já uma
espécie de senado ou de assembléia dos anciãos.
. · E_ como. nasceu. a religião? Dizem que pelo medo do
homem, . ante· a natureza. Mas · o temor nada tem de co­
mum com o respeito e o ·amor. · Não une o fato à idéia,
o visível . ao· invisível, o hornem a Deus. Enquanto o ho­
mem teve medo da natur�za, el.e não foi homem. Tornou-
. -se homem rio dia·. em que percebeu. o laço. que o . ligava
ao passado e ao futuro, a algo superior e benfeitor., _que ·
ele adorou como um mistério. Mas como adorou-o, pela
primeira vez? · . ·
FABRE D'OLIVET apresentou uma hipótese genial
e sugestiva· sobre a instituição do culto dos ancestrais
n_a raça branca.(ª) Em um clã combatente, dois rivais
estão . discutindo. Furiosos, vão brigar quando avança
. entre ambos uma mulher descabelada. t a irmã de um
e mulher do outro. Os olhos · vivos, a voz com acentos
imperiosos, ela grita, ofegante, que viu na floresta ·o
Ancestral, o guerreiro outrora vitorioso, o herói. Ele não
·quer . que os dois guerreiros irmãos briguem um. com o
outro, mas que se unam contra o inimigo comum. Ela
. acredita no que viu e por isso consegue convencer os
dois homens. Sob o domínio de uma impressão poderosa,
como· se· fosse uma força invisível, os dois guerreiros
ápertam".'se as mãos e olham para a mulher, como · se
esta fosse · uma espécie de divindade.

ª FABRE o'OLIVET - Histoire Philosophique du Genre Humain


.- vol. r.
27
Tais mudanças imprevistas de disposição individual
devem ter sido freqüentes, na vida pré-histórica da raça
branca. Entre os povos bárbaros, a mulher por. sua sen­
sibilidade é a que primeiro pressente o mundo oculto,
afirmando que há uma vida invisível. Considerem-se os
efeitos inesperados de caso semelhante. No clã, toda gen-
te fala do fato maravilhoso. Torna-s·e em árvore sagra-
da o carvalho à sombra do qual a mulher viu aparece r
o Ancestral. Em uma noite ao clarão da lua, levam-na
até o local, onde a mulher faz mais profecia�. Dentro de
algum tempo, haverá mulheres sobre rochedos,. entre ela- ·
reiras na floresta, nas praias, �o vento do Oceano, ro­
deadas de multidões atraídas pelos seus poderes, suas
magias. O último· dos grandes celtas, Ossian, evocará
Fingal e seus companheiros ·reunidos nas nuvens. Assim
se estabeleceu· ô culto dos ancestrais, na origem da so­
ciedade da raça branca. O grande Ancestral transforma-
-se em Deus da coletividade. Eis o começo da religião. .
Mas isso não é tudo. Em torno da profetisa, reú-
. nem-se os velhos para observá-Ia· enquanto fala dormin­
do, em seus êxtases proféticos. Examinam as revelações,
interpretam os oráculos, consideram as fases dessas ati­
vidades da mulher. Notam que, durante a visão, a fisio­
nomia dela transfigura-se, as frases adquirem um ritmo,
a voz eleva-se e os oráculos são proferidos em um tom
de melopéia grave e significativa. ( 4) Daí advém o ver­
so > a estrofe, a música, a poesia, · cuja origem os povos
de raça ariana consideram divina.

' Todos os que já viram uma legítima sonâmbula impres­


sionam-se com a sua exaltação intelectual, durante o sono lúcido.
Com relação · a tais fenômenos, cabe citar-se o testemunho insus­
peito de DAVI STRAUSS, Este escritor viu em casa do dr. Justino
Kerner a célebre Vidente de Prevor'st e descreve-a: "Pouco de­
pois, a visionária cai em sono· magnétJco. Pela primeira vez, pre­
senciei esse estado maravilhoso, em su,a mais pura e bela mani· .
festação. No rosto havia uma expressão sofredora, mas elevada
terna, como alumiada de um raio de I:uz celeste. Uma voz pura,·
pausada, solene, musical, uma espécie de recitativo. Uma abun­
dância de sentimento, comparável a um bando de nuvens, ora
luminosas, ora sombrias, deslizando sobre a alma ou ainda, a
brisas melancólicas e serenas, roçando as cordas d� uma maravi­
lhosa harpa eólia".
Trad. de R. Lindau, Biographie gén,rale, art. Kerner.

28
Fatos dessa ordem possibilitariam a idéia de reve­
lação, ao mesmo tempo que surgiam a religião e o culto,
os padres e a poesia.
No Irã e tndia, os povos de raça ariana fundaram
as primeiras civilizações arianas, mesclando-se a povos
de cor diferente. Nessas coletividades, os homens se so­
brepuseram às mulheres, no tocante à inspiração religio­
sa.. Então, só · ouvimos falar de sábios, de richís, de pro­
fetas. Confinada a segundo plano,. a mulher somente será
profetisa no ambiente do lar.
Mas na Europa, percebe-se o traço da preponderân­
cia feminina entre os povos da mesma origem, que per­
maneceram bárbaros, durante milênios. Isso transpare­
ce na Pitonisa escandinava, na Voluspa das Eddas, nas
druidas célticas, nas· mulheres advinhas, que acompa­
nhavam os exércitos germânicos e decidiram sobre o dia
das batalhas. ( 5) Vislumbra-se esse traço nas bacantes
da Trácia, segundo a legenda de Orfeu. A Vidente pré­
-histórica continua na _Pítia de Delfos.
As primitivas profetisas da raça branca organiza­
vam-se em colégios, sob a direção de velhos instruídos-,
os druidas, os homens do carvalho. No começo da insti­
. tuição colegial, elas eram benéficas. Por sua intuição, por
· sua capacidade profética, impulsionaram a organização
da raça, que iniciava a luta secular contra os Negros.
Mas foram in-evitâveis a corrupção e os abusos.
"'- Sentindo-se senhoras dos destinos do seu povo, as
sàcerdotisas druidas quiseram dominá-lo de qualquer
modo. Quando lhes faltou a inspiração, tentaram reinar
pelo terror. Exigiram sacrifícios humanos, fazendo dessa
prática o elemento essencial do seu culto. Para isso, fa­
voreciam-nas os instintos heróicos da raça. Os guerrei­
ros desprezavam a morte. Ao primeiro apelo das sacer­
dotisas, por pura bravata, eles vinham eRtregar-se ao
seu cutelo. Nessas hecatombes humanas� enviavam-se os
vi'tos para a região dos mortos, na suposição de que as­
sim se obtinham os favores dos ancestrais. Essa ameaça
terrível planava sobre a cabeça dos principais chefes, à
mercê da palavra das profetisas e sacerdotisas druidas,

15 Ver CtsAR, Comentdrios - Combate com Ariovisto.

29
se��o em suas mãos um formidável instrumento de do-
m1n10.
Eis um primeiro exemplo da perversão dos mais
nob�es instintos da natureza humana, quando -não são
dominados por uma autoridade sâbia, dirigida para 0
bem por uma consciência superion Entregue aos capri­
chos da ambição e da paixão pessoal, a inspiração dege­
nera em superstição, a coragem · em ferocidade, a subli­
me idéia do sacrifício em instrumento de tirania, em
exploração pérfida e cruel. · ·
· Mas a_ raça branca es�ava apenas no início da sua
infância violenta e louca. Veemente na esfera psicológica,
ela iria atravessar outras e mais sangrentas crises. Fora·
desperta pela invasão dos N,egros, que penetravam pelo
sul da Europa. No começo,· a luta era desigual. Os Bran­
cos meio-selvagens, saindo · das florestas e das moradias
lacustres, · dispunham apenas de lanças e flechas com pon­
tas de pedra. Os Negros dispunham de armas de ferro,
de armaduras de bronze,. dos recursos de uma civilização
industriosa, em cidades ciclópicas.
_,,, Esmagados nos primeiros combates, os Brancos. fo­
ram feitos prisioneiros e escravos dos Negros, que os
obrigaram a britar a pedra e despejar minério nos for­
nos. No entanto, os prisioneiros escravos que fugiram,
levaram para as suas comunidades os usos, as artes e
os fragmentos de ciência dos vencedores. Aprenderam
com os Negros,· duas coisas importantes: a fundição dos
. m,etais e a escrita sagrada, a arte de. fixar certas idéias
(

com sinaís. misteriosos e hieroglíficos em peles de ani­


mais, na pedra ou na casca de árvores, advindo disso as
· runas dos Celtas. -o metal fundido foi a arma para . a
guerra. A ·esct'ita sagrada foi o início da ciência e da
tradição religiosa. Durante muitos séculos, oscilou a luta
entr,e as duas raças - a branca e a negra, dos Pirineus
ao Cáucaso, do Cáucaso ao Himalaia.
A salvação dos Brancos esteve nas florestas, onde,
como as feras eles podiam ocultar-se, para em certo mo­
mento pularem sobre o inimigo. Ousados, aguerridos,
melhorando o armamento no decurso dos séculos; come­
çaram então a obter vantagem, destruindo as cidades
dos Negros, expulsando-os do litoral europeu, e inva-

80
dindo finalmente, o norte da África e o centro da Ásia,
esta ocupada pelos povos provindos da Melanésia.
A· miscigenação das duas raças efetuou-se por dois
processos diferentes: colonização . pacífica e conquista
belicosa. O maravilhoso vidente do passado pré-histórico
da humanidade parte dessa hipótese para uma luminosa
visão da orig,em dos povos denominados semitas e dos
povos árias. Os semitas se teriam formado onde os colo­
nos brancos se submeteram ao domínio dos povos negros,
recebendo dos padres ·negros a iniciação religiosa. Aí se
teriam originado os E·gípcios, antes de M·enes, os Ára­
bes, os Fenícios, os Caldeus e. os Judeus.
As civilizações arianas, ao contrário se teriam for- ,; ,
mado onde os Brancos preponderaram sobre os Negros,.
ou pela guerra ou pela conquista, daí advindo os Gre­
gos, os Etruscos,· os Iranianos, os Hindus. Nesse ramo
incluem-se também os povos brancos, que continuaram
sendo nômades e bárbaros na Antiguidade, tais como os
Getas, os Sarmatas, os Celtas, e mais tarde os Germa­
nos. Assim se explicaria a diversidade fundamental das
religiões e também a escrita entre essas duas grandes
categori�s de nações. Entre os Semitas, onde primitiva­
mente dominou a intelectualidade · da raça negra, verifi­
ca-se, acima da idolatria popular, uma tendência ao mo­
noteísmo -· o princípio da unidade de Deus, oculto, abso­
luto, sem forma, que foi um dos dogmas essenciais dos
padres da raça negra e da sua iniciação secreta. Entre
'Os Brancos, vencedores ou que ficaram puros, nota-se ao
contrário a tendência ao politeísmo, à mitologia, à per­
sonificação da divindade.. Isso provém do seu amor à na­
tureza e do seu apaixonado culto aos ancestrais.
A principal diferença entre a escrita dos Semitas e
a dos Arianos teria a mesma ,explicação. Por que todos
os povos semitas escrevem da direita para a esquerda
e os arianos da esquerda para a direita? Fabre d'Olivet
dá uma explicação curiosa e. original, sugerindo uma vi­
são desse passado perdido.
Toda gente sabe que nos tempos pré-históricos não
havia escrita vulgar. O uso somente se generalizou com
a escrita fonética, mediante a qual os sons se· represen­
tam por letras. Mas a escrita hieroglífica, arte de. repre­
sentar as coisas por sinais quaisquer, é tão antiga quan-
31
to a humanidade, e naqueles tempos foi sempre privilé­
gio do sacerdócio. Era considerada coisa sagrada,· fun­
ção religiosa e primitivamente, de inspiração �ivina.
Quando, no hemisfério austral, os padres da raça negra
ou sudanesa traçavam seus sinais misteriosos em peles de
animais ou em pedra, tinham o hábito de se virarem para
o polo sul. A sua mão se dirigia para o Oriente, origem
da luz. Escreviam portanto da direita para a esquerda.
Os padres da raça branca aprenderam a escrever com
os padres dos Negros e começaram escrevendo como es­
tes. Entretanto,_ despertando neles o sentimento da sua
origem, desenvolvendo-se o orgulho racial, inventaram
seus sinais. Em vez de se orientarem pelo sul, no rumo
dos países dos Negros, eles voltaram-se para o Norte, a
terra dos ancestrais, continuando porém a escrever para
o Oriente. Traçaram então os caracteres da esquerda pa­
ra á direita. Daí a direção das runas célticas, do Zend,
do sânscrito, do grego,do latim e de todas as grafias dos
povos arianos. Dirigem�se para o sol, fonte da vida ter­
restre, mas olham para o Norte, pátria dos ancestrais
e origem misteriosa das auroras boreais.
A corrente -semítica e a corrente ariana, eis os dois
rios pelos quais nos vieram- todas nossas idéias, mitolo­
gias, religiões, artes, ciências e filosofias. Cada uma des­
sas correntes traz uma concepção oposta da vida, cuja ·­
reconciliação e equilíbrio seriam a própria verdade. A
corrente semítica contém os princípios absolutos e supe-
. riores: · as idéias de unidade, de universalidade, em nome
de um princípio supremo que, aplicado, leva à_ unificação
da família humana. A corrente ariana cont�m a idéia de
evolução ascendente, em todos os reinos. terrestres e
supraterrestres e, na aplicação, conduz à diversidade in- .
finita dos desenvolvimentos, em nome da riqueza da na-
tureza, das múltiplas aspirações da alma. ·
O gênio semítico desce de Deus para o homem. O
gênio ariano eleva-se do homem para Deus. Um é sim­
bolizado pelo arcanjo justiceiro, que desce à terra arma­
do do gládio e do raio.q outro _é representado por Pro­
meteu, que segura na · mão o fogo roubado do céu e
mede o Olimpo com o olhar.
Esses dois gênios, nós os temos dentro de nós. Pen­
samos e agimos, ora sob o impulso · de um, ora sob o

32
impulso do outro. Mas estão juntos, não fundidos, em
nossa intelectualidade. Contradizem-se e combatem-se
em nossos sentimentqs íntimos, em nossos pensamentos
sutis, como também em nossa vida social, em nossas
instituições.
Ocultos sob muitas formas, que se poderiam resu­
mir sob as denominações de espiritualismo e de natura­
lismo, dominaram nossas discussões e nossas lutas .. In­
conciliáveis, invencíveis, quem os unirá?
No entanto, o progresso e a salvação da humanida­
de dependem da sua conciliação, da sua síntese. Por isso,
neste livro fomos até a fonte dessas duas correntes, ao
nascim·ento dos dois gênios. Além dos movimentos da
história,. as guerras dos cultos, as contradições dos tex­
tos sagrados, entraremos na própria consciência dos fun-
. dadores e dos profetas, que deram às religiões o· impul­
$p inicial. Esses tiveram do alto a intuição profunda e a
�nspiração, que · induz à ação fecunda. Sim, preexistia ne­
les a síntese. O raio divino empalideceu e escureceu-se
nos sucessores.. Mas cada vez que, em um ponto qual-
9uer da história surge. uin profeta, ele reaparece e bri-
.. lha. O profeta, o herói, o vidente; vão até o foco de ori­
gem. Somente do· ponto inicial é que se vê o fim: o sol
iluminando o curso . dos planetas.
Tal é a revelação na história, contínua e graduada,
multiforme como a natureza, una como a verdade, imu­
tável como Deus.
Percorrendo a corrente semítica, chegamos por Moi­
sés ao Egito, cujos templos, segundo Maneton, possuiam
uma tradição de trinta mil anos. Subindo pela corrente
ariana, chegamos à lndia, onde se desenvolverâ a primei­
ra grande civJlização, resultante de uma conquista da ra­
ça branca. A 1ndia e o Egito foram os dois grandes cen­
tros iniciâticos da antiguidade. Tiveram o segredo da
grande iniciação. Entraremos em seus santuários.
Suas tradições levam-nos muito mais além, até a
uma época anterior, quando os dois gênios opostos apa­
recem unidos em inocência primitiva e em harmonia
mar.avilhosa. Era a época ariana primitiva. Graças aos
admiráveis trabalhos da ciência moderna, à filologia à
mitologia, à etnologia comparada, podemos hoje yisl�m­
brar aquela época. Ela desenha-se nos hinos védicos, é

33
um seu reflexo, com simplicidade patriarcal e grandiosa
pureza de linhas. Idade viril e grave, apenas semelhante
à idade de ouro no sonho infantil dos poetas. Não estão
ausentes a dor e a luta. Entretanto nos homens há con­
fiança, força, serenidade, que a humanidade não reco­
brou mais.
Na lndia, o pensamento se aprofundará, os sentimen­
tos serão mais sutis. Na Grécia, as paixões- e as · idéias se
revestirão do prestígio da arte e mágica roupagem da
beleza. Mas em elevação moral, em altura, em extensão
intelectual, nenhuma poesia ultrapassa alguns hinos vé­
dicos. ·Neles transparece o sentimento do divino na natu­
reza, do invisível que o rodeia, da grande unidade que
· penetra o todo.
Como nasceu tal civilização? Como se desenvolveu
tão alta intelectualidade, entre as guerras e a luta con­
tra a natureza? Aqui se detêm as investigações e as
conjeturas da ciência contemporânea. As tradições re­
ligiosas dos povos, entretanto, interpretadas em seu
sentido esotérico, v�o além e permitem advinhar que a
primeira concentração do núcleo ariano, no Irã, fêz-se
por uma espécie . de seleção no seio da raça branca, sob
a direção de um conquistador legislador, que deu ao seu
povo uma religião e uma lei conformes ao gênio da raça
branca.
De fato, o livro sagrado dos Persas; o Zend-A vesta,
menciona esse antigo legislador, sob o nome de Yima, e
Zoroastro, fundando -uma nova religião, refere-se a esse
predecessor como tendo sido o primeiro homem a quem
falou Ormuz, o deus vivo, assim como Jesus Cristo refe­
re-se a Moisés. O poeta persa Firduzi menciona o mes­
mo l_ egislador: Djem, o conquistador dos Negros.
Na epopéia hindu, o Ramayana, ele aparece sob o
nome de Rama, em costume de rei indiano, rodeado dos
esplendores de uma civilização adiantada. Mas conserva
as características distintivas do conquistador, do reno­
vador, do iniciado.
Nas tradições egípcias, a época de Rama é designa-.
da pelo reinado. de Osíris, o senhor da luz� ·que precede
o reinado de Isis, a rainha dos mistérios.
Na Grécia, afinal, o antigo herói, semi-deus, era
honrado sob o nome de Dionisos, que vem do sânscrito
Deva Nahuscha, o divino renovador. Orfeu assim deno­
minou a inteligência divina e o poeta Nonus cantou a
conquista da lndia por Dionisos, segundo as tradições
de Eleusis.
Como os raios de um mesmo círculo, todas essas
tradições designam um centro comum, ao qual se pode
chegar, se acompanharmos o seu traçado. Então, além da
lndia dos ·vedas, além do Irã de Zoroastro, na alvorada
da raça branca, vê-se sair das florestas da antiga Cítia
o primeiro criador da religião ariana, com a sua dupla
tiara de conquistador e de iniciado, tendo na mão o fogo
místico, o fogo sagrado que iluminará todas as raças.
Cabe a FABRE D'OLIVET a honra de ter achado esse
personagem. Ele abriu a estrada. luminosa que conduz
até esse ente. Seguindo-a, tratarei por minha vez de evo­
cá-lo. (6)

8
FABRE o'OLIVET, Histoire phtlosophique du genre rtumain,
vol. I.

35
A missão de Rama

Quatro ou cinco mil anos antes da nossa era, espes­


sas florestas recobriam a antiga Cítia, do oc,eano Atlân­
tico aos mares polares. Os Negros tinham visto esse con­
tinente emergir das águas, ilha por ilha, e por isso deno­
minayam-no "a terra emersa das ondas".
Havia muito contraste entre aquele solo branco, re­
queimado do sol, e aquela Europa de costas verdes, baías
úmidas e profundas, rios mansos, ·lagos· sombrios, flan­
cos de montanhas sempre envoltos em brumas.. Nas pla­
nícies atapetadas _de ervas, vastas como os pampas, in­
cultas, apenas se ouviam · os rugidos das feras, o mugido
dos búfalos, o galope das grandes tropas de cavalos a
correrem de crina ao vento. O branco habitante dessas
florestas não . era mais o homem das cavernas. Já se po­
dia dizer dono da terra. Inventara facas e machados de
sílex, o arco e a flecha, a funda e o laço. Afinal, desco­
brira dois companheiros de luta,· dois amigos excelentes,
incomparáveis, devotados até a morte: o cão e o cavalo.
O cão doméstico seria o guarda fiel da sua casa de ma­
deira, garantindo-lhe a segurança do lar. Amansando o
cavalo, conquistara a terra, dominando os outros ani­
mais. Tomara-se, enfim, rei do espaço. Montados em
cavalos fulvos, aqueles homens ruivos corriam velozes
como relâmpagos. Abatiam o urso, o lobo, o auroque, e .
amedrontavam í1 pantera e o leão, que então viviam na­
quelas florestas.
Começara a civilização. Já havia a família rudimen­
tar, o clã, a tribo. Em toda parte, os Citas, filhos dos
Hiperbóreos, erguiam em honra aos seus ávós monstruo­
sos monumentos de pedras. · Quando morria um chefe,
enterravam com ele suas arinas e seu cavalo.· E diziam
que assim o guerreiro poderia cavalgar as nuvens e ca­
çar o dragão, lá no · outro mundo. Daí o costume do sa­
crifício do cavalo, tão importante entre os Arias védicos
36
e os Escandinavos. A religião iniciava-se pelo· culto dos
antepassados.
Os Semitas descobriram o Deus único, o Espírito
universal no deserto, no cimo das montanhas, na imensi­
dade dos espaços estelares. Os Citas e os Celtas acha­
ram os deuses, os espíritos inumeráveis, no recesso das
suas florestas. Lâ, ouviram vozes, sentiram os primeiros
temores do Invisível, as visões do Além. Por isso, a raça
branca não deixou de sentir a atração da floresta miste­
riosa. Atraída pelo murmúrio da folhagem, pela magia
do luar, ela volta à floresta, no decurso dos tempos,
como se recorresse à fonte de Juventa, à grande mãe
Erta. Lã dormem os seus deuses, os seus amores, os seus
mistérios perdidos.
Desde os tempos mais remotos, as mulheres visio­
nárias profetizavam sob as árvores·. Cada tribo tinha sua
grande profetisa, como a Voluspa dos Escandinavos, com
seu colégio de druidisas. Mas essas mulheres, nobre­
mente inspiradas no começo, tornaram-se ambiciosas e
cruéis. Boas profetisas transformaram-se em feiticeiras
más. Instituíram sacrifícios humanos, e o sangue dos
herolls escorria abundante sobre os dólmens, enquanto
se ouviam os cantos sinistros dos padres e as aclamações
dos Citas ferozes.
Entre aqueles padres, encontrava-se um homem na
flor da idade, chamado Ram, também destinado ao sa­
cerdócio, cuja ahna pensativa e espírito profundo se re­
voltavam contra aquele culto sanguinário. O moço drui­
da era tranqüilo e sério. Desde adolescente, demonstrara
singular capacidade de conhecimento das maravilhosas
virtudes das plantas, preparando e destilando os seus
sumos, dedicando-se também ao estudo dos astros e suas
influências. Sabia adivinhar coisas longínquas. Daí, sua
autoridade precoce sobre os druidas mais velhos. Ema­
nava do seu ser, das suas palavras, uma grandeza bene­
volente. Sua sabedoria era diferente da loucura das drui­
disas, as declamadoras de maldições, que proferiam seus
oráculos nefastos durante as convulsões do delírio. Os
druidas denominavam-no "o sábio" e o povo chamava-o
"inspirado da paz".
Entretanto, Ram que aspirava à ciência divina, já
viajara por toda a Cítia e países do Sul. Seduzidos pelo

37
seu saber pessoal e modéstia, os padres dos Negros ini­
ciaram-no em alguns dos seus conhecimentos . secretos.
Regressando ao país do Norte, Ram espantou-se ao ver
mais arraigada entre seu povo a prática dos sacrifícios
humanos. Pressentiu nisso ·a perdição da sua raça. Como,
entretanto, combater esse costume, propagado pelo orgu­
lho das druidisas, pela ambição dos druidas, pela supers­
tição popular?
Foi então que sobreveio um novo flagelo para os
Brancos e Ram interpretou-o como castigo celeste pelo
culto sacrílego. Pelas incursões nos países do Sul, pelo
contato com os Negros, os Brancos tinham adquirido uma
doença horrível, uma espécie de peste. Esse mal corrom­
pia o homem pelo sangue, pelas fontes da vida. O corpo
inteiro cobria-se de manchas negras, o hálito tornava-se
infecto, os membros irichavam e roídos de chagas defor­
mavam-se, até que o doente expirava entre dores atro­
zes. O hálito dos vivos e o fedor dos mortos propagavam
ó flagelo. E os Brancos em pânico tombavam aos milha­
res nas florestas, de onde fugiam até as aves de rapina.
Aflito, Ram buscava um meio de salvação.
Tinha ele o hábito de meditar, à sombra de um
carvalho. Certa noite, tendo meditado por muito tempo
sobre os males da sua raça, adormeceu junto àquela ár­
vore. Enquanto dormia, pareceu-lhe ouvir uma voz for­
te, que o chamava, e teve a impressão de que desperta­
ra. Viu então, à sua frente, um homem de estatura ma­
jestosa, vestido como ele próprio da túnica branca dos
. druidas. Aquele homem empunhava uma vara na qual
se enroscava uma serpente. Admirado, Ram estava para
perguntar-lhe o sentido da sua aparição. Mas, o desco-
. nhecido segurando-lhe a mão, levantou-o e mostrou-lhe
agarrado a um galho da árvore, uin viçoso ramo de vis­
co. (7) E falou-lhe: "Ram! Este é o remédio que pro­
curas". Depois, tira da dobra da veste, na altura do tó­
rax, uma foicinha de ouro, corta um pedaço do ramo e
o dá a Ram. Murmurou ainda algumas palavras, ensinan­
do a maneira de preparar o remédio e desapareceu.

1Planta parasita que nasce nos ramos de certas árvores,


como o carvalho, . a pereira e outras.

38
�am despertou, sentindo-se reconfortado. Dizia-lhe
uma voz interior que ele encontrara a salvação. Seguin.,.
do os conselhos do divino amigo da foicinha de ouro,
não deixou de preparar o visco, como líquido fermenta­
do, e deu-o de beber a um doente. Este não tardou a
ficar bom e depois dele outros.
Essas curas maravilhosas tornaram-no afamado em
toda a Cítia. Chamavam-no de toda. parte para curar
doentes. Consultado pelos druidas, ele· comunicou-lhes a
descoberta e advertiu que ela deveria permanecer como
segredo da casta sacerdotal, a fii::n de garantir a sua
autoridade. Os discípulos de Ram foram viajar por toda
a Cítia, levando ramos de visco, sendo considerados men­
sageiros divinos e o seu mestre um semi-deus.
Esse acontecimento deu origem a um novo culto.
Desde então, o visco tomou-se uma planta sagrada. Para
recordar o fato, Ram instituiu a festa de Natal, ou da
nova salvação, que ele marcou para o começo do ano,
denominando-a a Noite-Mãe (do novo sol) ou a grande
renovação. Quanto ao ser misterioso, · que Ram viu no
sonho, e que lhe mostrou o visco, chama-se, na tradi­
ção esotérica dos Brancos da Europa, Aesc-hey"l-hopa, o
que significa "a esperança da salvação está na floresta".
Os Gregos fizeram dele Esculápio, o gênio da medicina,
que empunha a vareta mágica sob a forma de caduceu.
No entanto, Ram, "o inspirado da paz" visava a ho­
rizontes mais vastos. Queria curar o seu povo de uma
praga moral mais nefasta do que a peste. Eleito chefe
dos sacerdotes da tribo, deu ordem a todo� os colégios
de druidas e druidisas que não executassem mais sacri­
fícios humanos. A notícia dessa ordem divulgou-se até
as margens. do oceano. Foi saudada por alguns como um
clarão de alegria e consid-erada por outros um sacrilégio.
Ameaçadas em seu poderio, as druidisas proferiram mal­
dições contra o audacioso e sentenças de morte. Muitos
druidas, para os quais os sacrifícios humanos eram o
único meio de dominarem, solidarizaram-se com elas.
Exaltado por um grande partido, Ram foi execr·ado por
outro. Mas em vez de recuar ante a luta, estimulou-a,
arvorando um novo símbolo.
Cada tribo dos Brancos tinha então a sua insígnia
própria, a ser usada para as reuniões, que era a figura
39
de um animal, que simbolizava as qualidades preferidas
p�los chefes. Entre estes, alguns ostentavam nas facha­
das dos seus palácios de madeira grous, águias, abutres,
outros cabeças de javali ou de búfalo, sendo essa a ori­
gem dos brasões. Mas o estandarte preferido dos Citas
· era o Touro, que chamavam Thor, sinal da força brutal
e da violência. Ram opôs ao Touro o Carneiro, o chefe
corajoso e pacífico do rebanho e dele fez a divisa de
todos· os seus partidários.
Arvorada no centro da Cítia, essa divisa foi o sinal
de um tumulto geral, de uma verdadeira revolução nos
· espíritos. Os povos brancos dividiram:-se em duas fac­
ções. A própria · alma da raça branca .separava-se em
duas, para se afastar da animalidade que rugia e subir
o primeiro degrau do santuário invisível, que conduz à
humanidade divina. "Morra o Carneiro!", gritavam os
partidários de Thor. "Guerra ao Touro!" clamavam os
amigos de Ram. Estava iminente uma guerra formidá­
vel.
Ante essa possibilidade, Ram hesitou. Instigar essa
guerra não seria agravar o mal, forçar a sua raça a des­
truir-se a si mesma? E teve então um outro sonho.
O céu tempestuoso estava carregado de nuvens som­
brias, que cavalgavam as montanhas e em seu largo vôo
sombrio roçavam os cimos agitados das florestas. Em pé
sobre um rochedo, uma mulher desgrenhada estava pres­
tes a ferir um guerreiro soberbo, amarrado aos pés dela.
Precipitando-se sobre essa mulher, brada-lhe Ram: "Em
nome dos antepassados, detém-te!" Ameaçando o adver­
sário, a druidisa atira-lhe um olhar agudo, ferino como o
fio de um cutelo. Mas um trovão rola entre as nuvens e
fulgurante surge uma figura. A floresta parece empali­
decer, a druidisa cai como fulminada e rompem-se as
amarras do prisioneiro. Este olha com uma expressão
de · desafio o gigante luminoso. Ram não se· perturbou,
pois reconheceu o ser divino que já lhe tinha falado sob
o carvalho. Desta vez, pareceu-lhe mais belo com o cor­
po · i:esplandecente de luz. E Ram viu-se em um templo
aberto, rodeado de imensas colunas. No lugar da pedra
do sacrifício, erguia-se um altar. Ao lado, estava ainda
o guerreiro cujo olhar parecia desafiar a morte. Deitada
sobre as lájeas, estava estendida a mulher, parecendo

40
morta. O Gênio trazia um facho na mão direita e uma
taça na esquerda. Sorriu, benevolente e falou: "Ram,
estou satisfeito contigo. Vês este facho? t o fogo sagrado
do Espírito divino. Vês esta taça? :t a taça da Vida e do
Amor. Dã o facho ao homem e a taça à mulher". · Ram
fez o que lhe ordenava o seu Gênio. Apenas o homem
empunhou o facho e a mulher segurou a taça, o facho
acendeu-se· por si mesmo, no altar, e ambos, transfigu·
rados ao seu clarão, resplandeceram como o Esposo e a
Esposa divinos. Ao mesmo tempo, alargou-se o templo,
as colunas ergueram-se até ao céu e a abóbada abriu-s�
no fi�amento. Viu-se Ram transportado ao cimo de.
uma montanha, sob o çéu estrelado. Em pé, próximo de-.
le, o seu Gênio explicava-lhe o sentido das constelações.
e fazia-o . ler nos signos flamejantes do zodíaco os desti-.
nos da humanidade.
"Espírito maravilhoso, quem és tu?" perguntou Ram
ao seu Gênio. · Este respondeu: "Chamam-me Deva Na­
huscha, a Inteligência divina. Tu espalharás o meu ful­
gor sobre a terra e eu atenderei sempre ao teu apelo.
Agora, segue teu caminho. Vai!" E com a mão o Gênio
apontou-lhe o Oriente.

4.l:
O l::xodo e a Conquista

Nesse sonho, como sob uma luz fulgurante, Ram


viu sua missão e o imenso destino da sua raça: desde
então, não hesitou mais. Em vez de suscitar a guerra
entre as tribos da Europa, resolveu levar o escol da sua
raça até o centro da Ásia. Anunciou aos seus que insti- ·
tuiria o culto do fogo sagrado, que faria a felicidade dos
homens. Estariam abolidos para sempre os sacrifícios hu­
manos. Os antepassados não seriam mais invocados pe­
las sacerdotisas sanguinárias, no alto de rochedos bru­
tos molhados de sangue humano, mas em cada lar, pelo
esposo e pela esposa, unidos na mesma prece, entoando
um hino de adoração, junto ao fogo purificador. O fogo
visível no altar, símbolo e veículo do fogo celeste invi­
sível, uniria a família, o clã, a tribo, todos . os povos,
sendo um foco do Deus vivo, na terra. Mas para a co­
lheita dessa seara, seria necessário separar o bom grão
e o joio. Os mais ousados teriam de estar dispostos a
deixar a Europa, para irem à conquista de uma nova
terra, uma terra virgem. Lá, Ram daria a sua lei, insti­
tuiria o culto do fogo renovador.
Aquele povo jovem, ávido de aventuras, acolheu
com entusiasmo essa proposta. Durante vários meses ' nas
.

montanhas, acenderam-sê fogueiras como sinais da emi-


gração em massa de todos aqueles que quisessem seguir
o Carneiro. A formidável emigração, orientada por aque.. -
le grande pastór de povos, moveu-se lentamente rumo
ao centro da Asia. Atravessando o Cáucaso, ela foi se
apoderando de várias fortalezas ciclópicas dos Negros.
Mais tarde, como lembrança dessas vitórias, as colônias
brancas esculpiram nos rochedos do Câ�caso . gigantes­
cas cabeças de carneiro. Ram revelou-se digno da sua
alta missão. Aplainava dificuldades, penetrava nos pen­
samentos, previa o futuro, curava as moléstias, acalma­
va os insubmissos,. �nimava as coragens. As potências
celestes, que denominamo� Providência, queriam que a
r�ça boreal dominasse a terra e, por intermédio do gê­
nio de Ram, lançavam raios luminosos sobre o seu ca­
minho. Essa raça já tinha tido seus inspiradores secun­
dários, que a tinham afastado do estad0 selvagem. Ram,
no entanto, tendo sido o primeiro a conceber a lei so­
cial como expressão da lei divina, foi um inspirado dire­
to e de primeira ordem.
Aliou-se aos Turanianos, velhas tribos cfticas, cru­
zadas de sangue amarelo, que ocupavam a alta Ásia. Le­
vou-as à conquista do Irã, de onde expulsou completa­
mente os Negros. Queria ele que um povo de pura raça
branca ocupasse o centro da Ásia e se tomasse um foco
de luz para todos os outros povos. Fundou a cidade de
Ver, admirável metrópole de Zoroastro. Ensinou a tra­
balhar e semear a terra, tendo sido o pai da vinha e do
trigo. Criou as castas segundo as ocupações, dividindo
o povo em sacerdotes, guerreiros, agricultores e artífi­
ces. No seu início, as castas não eram rivais. Somente
mais tarde, instituiu-se o privilégio hereditário, causa de
rancores e de invejas. Proibiu a escravidão e o assassi­
·nato, afirmando que o C:fomínio de um homem sobre ou­
tro era a fonte de todos os males. Quanto ao agrupa­
mento primitivo da raça branca, o clã, conservou-o sem
alterá-lo, permitindo-lhe eleger seus chefes. e juízes.
A obra prima de Ram, o instrumento civilizador, por.
excelência, que ele criou foi a nova função atribuída à
mulher. Até então, o homem só conhecera a mulher co­
mo sua escrava miserável, na choça, que ele esmagava
e maltratava brutalmente, ou como a perturbante sacer­
dotisa
. ' no carvalho · e no rochedo, cujo patrocínio ele
implorava. Era ela a mágica fascinante que o dominava,
apesar da sua resistência a esse fascínio, diante de quem
estremecia a sua alma supersticiosa.
No sacrifício humano, estava a vingança da mulher
contra o homem, ao enterrar-lhe no peito o cutelo do
sacrifício. Proibindo aquele culto horroroso, elevando a
mulher ante o homem, nas divinas funções de esposa e
de mãe, Ram transformou-a em sacerdotisa do lar, guar­
diã do fogo sagrado, igual ao esposo, invocando em sua
companhia a alma dos antepassados.
Como todos os grandes legisladores, Ram nada mais
fez do que desenvolver e organizar os·: . in$tintos sup.�-

49.
riores ·da sua raça. Para embelezamento e ornato da exis­
tência, Ram estabeleceu quatro grandes festa! por ano.
A· primeira foi a da primavera ou. das geraçoes, cons�-.
grada ao amor conjugal. A festa do verão ou das. colhei­
tas pertencia aos rapazes e às moças, que ofereciam aos
pais· os primeiros feixes de cereais, colhidos com. o seu
trabalho. Na festa do outono, honravam-se os pais e as
rriães, que distribuíam frutos aos filhos em sinal de rego­
zijo. Mas, a mais santa, a mais misteriosa, era a de Na­
tal ou das grandes sementeiras. Ram consagra-a, con­
juntamente, às crianças, aos recém-nascidos, aos frutos
do amor concebidos durante a primavera, e às almas
dos mortos, aos ancestrais. Unindo o visível e o invisí­
vel, aquela solenidade religiosa significava ao mesmo
tempo o adeus às almas dos finados e a saudação místi­
ca àquelas que vêm se encarnar no ventre matemo e re­
nascer nas crianças.
· Naquela noite santa, os antigos Árias reuniam-se nos
santuârios do Airiana-Vaeia, como outrora em suas fio.;,
restas. Acendiam fogueiras e entoavam cantos, celebran­
do o reinício do ano terrestre e solar, a germinação na­
tural no coração do inverno, o estremecimento da vida
no fundo da morte. Celebravam o beijo universal do
céu na terra, a gestação triunfal do novo Sol pela grande
Noite-Mãe.
Assim, Ram ligava a vida humana ao ciclo das esta­
ções, às revoluções astronômicas e ao mesmo tempo re­
velava o seu significado divino. E por haver estabelecido
tão fecundas instituições, denomina-o Zoroastro "· 0 che­
fe dos povos, ·o muito afortunado monarca". Por isso o
po�ta hin�u Valmiki, situando o antigo herói em ép�ca
muito mais recente, no luxo de uma civilização muito
mais adiantada, conserva-lhe no entanto os traços de tão
elevado ideal. Diz Valmiki: "Rama de olhos de lótus azul
era o mestre do mundo, o senhor da sua alma, o amor
dos homens, o pai e a mãe dos seus súditos. Ele soube
dar a todos os seres a cadeia do amor". ·,
· . · Estabelecida no Irã, às portas do Himalaia, a raça
branca ainda não era senhora do mundo. Para isso a suà
va�guarda teria de penetrar na 1ndia, centro principal
dos· 'Negros, antigos vencedores das raças vermelha e
arrutrela. O· ·Zend-A vesta menciona essa marcha .de Rama·
para a tndia, (*) que é um dos temas favoritos da epo­
péia hindu. Rama foi o conquistador da. terra limitada
pelo Himavat, a terra dos elefantes, dos tigres, das ga­
zelas. Ordenou o primeiro embate, dirigiu a ofensiva,
nessa luta gigantesca, durante a qual duas raças, incons­
cient�mente, disputavam o império mundial. Exagerando
as tradições ocultas dos templos, a poesia épica indiana
imagina· o conflito da magia branca e da magia negra.
Na guerra contra os povos e reis do país dos Djambus,
como era então designada a região, Ram · ou Rama, se­
gundo os orientais, utiliza-se de recursos aparentemente
miraculosos, cuja invenção está acima das faculdades hu­
manas comuns, mas que os grandes iniciados utilizam
graças ao conhecimento' e à utilização das forças ocul­
tas da natureza.
Nota do tradutor:·
* Note-se que o Zend-A vesta, o livro sagrado dos Parsis,
considerando Zoroastro inspirado de Ormuz, profeta da lei de
Deus, refere-se a ele como o continuador de um profeta mais an­
- tigo. Sob o simbolismo dos templos antigos, vê-se aqui o fio da
grande revelação da humanidade, unindo os grandes iniciados. Eis
o trecho importante:
1
Zoroastro · perguntou a Ahura-Mazda (Ormuz, o
Deus da luz): Ahura-Mazda, tu, santo, sacratíssimo cria­
dor de todos os seres corporais e puríssimos:
2
· Qual o primeiro homem com qüem falaste, tu
que és Ahura-Mazda?
" Respondeu Ahura-Mazda: O belo Yima, chefe de
um grupo digno de elogios, ó puro Zaratustra.
13
. E eu disse-lhe: Cuida dos mundos que me per­
tencem.. Como protetor fertiliza-os.
tu · E entreguei-lhe as armas da vitória, eu
que sou
Ahura-Mazda.
a.a Uma lança de ouro e uma espada de ouro.
u Então Yima elevou-se até as estrelas, rumo ao
sul, no caminho do sol.
ª' Percorreu . a terra que ele fertilizara. A terra es­
tava maior, cerca de um terço mais do que antes.
"ª E o brilhante Yima reuniu · os homens mais vir­
tuosos, no célebre Airyana-Vaeia, criado puro (Vendi­
dad-Sad,, 2� Fargard - Trad. de ANQUETIL DUPERRON) •

45
A tradição apresenta�o aqui fazendd jorrar fontes de
água no deserto, ali descobrindo recursos alimentícios
. inesperados, uma espécie de maná, cujo emprego ele
ensina à sua gente, mais além ex.tinguindo unia epide­
mia, graças a uma planta chamada hom, o ·amomos·. dos
gregos, a perseia dos · egípcios, da · qual extrai um suco
salutar. Essa planta torna-se sagrada para a sua .g·ente
e substituiu o visco do carvalho, conservado pelos·· Cel­
tas na Europa.
· Rama utilizava-se de processos extraordinários con­
tra os seus inimigos. O predomínio dos padres dós Ne­
gros apoiava-se em um culto baixo. Criavam e nutriam
em seus templos enormes serpentes e pterodátilos, raros
sobreviventes de espécies antediluvianas, que eles fa­
ziam serem adorados como deuses, servindo-se dos
mesmos para a_terrorizarem o seu povo. Alimentavam. as
serpentes com a carne dos prisioneiros. Algumas vezes,
Ram, inesperadamente, empunhando fachos acesos, en­
trava naqueles templos, subjugando as serpentes, ater­
rorizando e expulsando os padres. Outras vezes, apare­
cia no acampamento do inimigo, expondo-se sem defesa
àqueles que queriam matã-lo, e afastava-se sem · que
ninguém ousasse tocá-lo.
Quando eram interrogados aqueles que o tinham dei­
xado ir embora, eles respondiam que tinham ficado
petrificados pelo olhar de Rama. Ou então que se tinha
interposto" entre eles e Rama uma montanha, impossi­
bilitando-os de o verem mais� Enfim, para terminar a
legenda da sua obra, a tradição épica da 1ndia atribui­
-lhe a conquista do Ceilão, último refúgio do mago ·negro
Ravana, sobre quem o mago branco faz chover um gra­
nizo de fogo, depois de haver lançado de umà para outra
margem do braço de mar uma ponte, por onde passou
uma tribo de macacos das selvas, semelhante a um exér­
cito entusiasmado por aquele grande encantador de po­
vos.
O testamento do grande antepassado

Dizem os livros sagrados da lndia que Rama, por


sua força, sua bondade e gênio, tornara-se o senhor da
lndia e o rei espiritual da. terra. Sacerdotes, reis e povos
inclinavam-se diante dele como diante de um benfeitor
celeste. Sob a égide do Carneiro, os seus emissários le-
. varam ao longe a lei ariana, que proclamava a igualdade
dos vencedores e dos vencidos, a abolição dos sacrifí�
cios humanos e da escravidão, o respeito à mulher no
lar, o culto dos antepassados e a instituição do fogo sa­
grado, símbolo visível do Deus inominado.
Rama envelhecera. A barba estava branca ,mas o
corpo ainda era resistente. Em sua fronte transparecia
a majestade dos pontífices da verdade. Os reis e os em­
baixadores de outros povos ofereceram-lhe o poder su-
. premo. Ele pediu o prazo de um ano para refletir e teve
um outro sonho. Enquanto dormia, ouviu o seu Gênio
falar-lhe.
Viu que voltara às florestas onde vivera durante a
mocidade. Estava moço outra vez e vestia a túnica de
linho dos druidas. Havia luar. Era a noite santa, a Noite­
-Mãe, em que os povos aguardam o renascimento do sol
e do ano. Rama caminhava sob o carvalhos, atento aos
murmúrios na floresta. Surge então uma bela mulher que
tem nas mãos uma coroa magnífica. Sua cabeleira era
ruiva, cor de ouro, a pele tinha a alvura da neve e os
olhos eram · azuis, da cor do céu depois da tempestade.
Diz-lhe: "Eu era a Druidisa selvagem. Transfigurei-me,
por ti, na Esposa resplandecente. Agora chamo-te Sita.
Sou a mulher glorificada por ti, sou a raça branca, sou
tua esposa. ô meu senhor! ô meu rei! Não foi por mim
que atravessaste os rios, seduziste os povos, derrotaste
os reis? Eis a recompensa. Toma da minha mão �sta co­
roa, coloca-a sobre tua cabeça e reina comigo sobre o
mundo!"

47
A mulher ajoelhou-se, em atitude· de humildade e de
submissão, oferecendo a coroa da terra. A pedraria que
a ornamentava cintilava, faiscante com mil cores e a
embriaguez do amor exprimia-se no seu olhar. Comoveu­
-se a alma do grande Rama, do pastor de povos. Mas,
de �é, sobre a ramagem da floresta apareceu-lhe seu
Gênio, que lhe disse: "Se colocares em tua cabeça a co­
roa, a Inteligência divina te deixará. Não me verás mais.
Se abraçares esta mulher, ela morrerá por tua felicida­
de� Se renunciares à sua posse, ela viverá feliz e livre,
na terra, e teu espírito invisível reinará sobre ela. ·Esco­
lhe: ou atendê-la ou seguir-me!"
Sempre ajoelhada, Sita fitava o seu · senhor com os
olhos amorosos, e suplicantes aguardava a resposta. Rama
esteve silencioso, um momento. Seu olhar engolfado nos
olhos de Sita media o abismo que· separa a posse com­
pleta do adeus eterno. Mas, sentindo · que o · amor supre­
mo é uma suprema renúncia, ele colocou a mão liberta­
dora sobre a fronte da mulher branca, · abençoou-a e dis­
se-lhe: "Adeus!. Sê ljvre e não me esqueças nunca!"
A mulher logo desapareceu como um fantasma lu­
nar. A jovem Aurora moveu sua varinha mágica sobre
a velha floresta. O rei voltara à ser velho. Um orvalho
de lágrimas umedecia as barbas brancas, enquanto no
fundo da floresta uma voz triste o càamava: · "Rama!
Ramal" Mas, Deva Nahuscha, o Gênio resplandecente,
em sua luminosidade �exclamou: "A mim!" E o Espírito
Divino levou Rama ao cimo de uma montanha, ao norte
de Himavat. +
Depois daquele sonho, significativo do fim da sua
missão, Rama reuniu os reis e os embaixadores dos po­
vos e falou-lhes: "Não quero o poder supremo, que me
ofereceis. Guardai. vossas coroas e cumpri minha lei.
Terminou minha missão. Retiro-me para sempre com
meus irmãos iniciados para. uma montanha do Airyana­
Vaei�. De lá, estarei vigilante. Cuidai do fogo divino! Se
o fogo apagar-se, eu voltarei como juiz e como· vinga­
dor terrível".
Então, ele afastou-se em companhia dos seus, indo
para o monte Albori, entre Balque e Bamiã, em um ermo
conhecido somente dos iniciados. Lá, ele ensinava aos
seus discípulos o que sabia dos segredos da ter·ra e do

48
Grande Ser. Estes levaram até longe, ao Egito, à Occita­
nia, o fogo sagrado, símbolo da divina unidade das coi­
sas e os chifres do carneiro, emblema da religião aria- ·
na. Esses chifres . tornaram-se as insígnias dá iniciação
e depois do poder sacerdotal e real. (ª) . ·
. Pe longe, ·. �ama continuava vigiando seus povos e
sua amada ràça · branca� Os ultimos anos da sua existên­
cia, dedicou-os à elaboração do calendário dos Arias. Foi
esse o testamento do patriarca dos iniciados. Livro es­
tranho, escrito com a luz das estrelas, em hiéróglifos ce­
lestes, no firmamento infinito pelo Antepassado da nos­
sa raça. Fixando os doze signos do zodíaco, Ram atri­
buiu-lhes tríplice significado. O primeiro, referente às
influências do sol em cada mês do ano; o segundo, rela­
tivo de certo modo à sua própria história; o terceiro,
indicativo dos meios ocultos de que ele se utilizara para
alcançar -os seus objetivos. Por isso, os signos, lidos na
ordem inversa, foram mais tarde os emblemas secretos
dos graus da iniciação. (9)

8 Os chifres do carneiro vêem-se na cabeça de muitos per­


sonagens nos monumentos egípcios. Esse é o sinal da iniciação
sacerdotal e real.
9 Segundo FABRE n'OLIVET os signos do Zodíaco representam
a história de Rama. O Carneiro em fuga, cabeça voltada para
trás, significa Rama a olhar para a terra natal de onde se afasta.
O Touro furioso, opondo-se à sua marcha, a metade do corpo
mergulhada no lodo, cai ajoelhado, simboliza os celtas, afinal
submetidos. Os G�meos significam a aliança de Rama com os
Turanianos. Cc2ncer refere-se às meditações de Rama. Leão com­
bate com os inimigos. Virgem de asas, vitória. Balança, igualdade
entre vencedores e vencidos. Escorpião, revolta e traição. Sagitá­
rio, vingança. Capricórnio. Aquário. Peixes, conclusão moral da
sua história. Por estranha ou singular que pareça essa interpre­
tação do Zodíaco, nenhum astrônomo já explicou a origem dos
signos zodiacais. Essa interpretação de FABRE D'OLIVET não deixa
de oferecer nova perspectiva à solução do problema. Eu jâ disse
que, na ordem inversa, esses signos no Oriente e na Grécia rela­
cionavam-se com os diferentes graus da iniciação. Convém lem­
brar que a Virgem de asas significa a castidade, que dâ a vitó­
ria, e Leão simboliza a força moral. O significado dos G�meos é
a união de um homem e de um espírito divino, formando um par
de lutadores invencíveis. O Touro subjugado é o domínio da na­
tureza. O Carneiro, o asterismo do jogo ou do espírito universal,
conferindo a iniciação suprema pelo conhecimento da Verdade.

49
Afinal, sentindo a proximidade da morte, me ordenou
aos seus íntimos que ocultassem o · seu faleciternnto e
prosseguissem em sua obra, perpetuando a fra a, ida de.
usan­
Durante séculos os povos acreditaram. queestRam sempre
do a sua tiara com chifres de carne.iro, icos,avao Grande
vivo na montanha santa. Nos tempos véd dos mortos,
Antepassado transformou-se em Iama, o juiz
o Hermes psicopompo dos hindus.

50

Você também pode gostar