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Nota da tradução: Depois de uma década, o blog Legio Victrix traz uma nova tradução do livreto
"Esparta e sua lei" do dissidente espanhol Velasco. Não se trata de uma revisão da versão antiga,
mas uma nova tradução, do zero. O LV foi o primeiro a traduzir esse livreto por volta de 2011,
ainda no Orkut, que foi compartilhado em toda a Internet. Agora, novamente na vanguarda,
trazemos uma nova tradução, pois o texto anterior foi atualizado pelo autor, de modo que a
tradução que circula está obsoleta. Essa tradução é dedicada a todos os dissidentes que, diante
das ruínas, permanecem de pé e que guardam em si a Tradição, lutando interna e externamente
contras as forças obscuras e titânicas que assolam o mundo. Em suma, esse livro é dedicado para
as almas que, tendo nascido no tempo errado, não desistem e estão destinadas a serem as mãos
de Deus na luta contra a modernidade. Como diria Nietzsche, todo livro é um escrito de combate.
*****
Se tivesse que escolher um lema, seria este: “Duro, puro, seguro” — em outras palavras:
inalterável. Esse seria o ideal dos fortes, que ninguém derruba, nada corrompe, nada faz mudar;
de quem pode se esperar a união com o eterno, porque sua vida é ordem e fidelidade.
(Savitri Devi, "Souvenirs et reflexions d’une aryenne", 1976).
0 - ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO
2. ORIGENS DE ESPARTA
3. DESENVOLVIMENTO INICIAL DE ESPARTA: AS GUERRAS MESSÊNIAS
4. LICURGO E A REVOLUÇÃO
5. A NOVA ESPARTA
6. EUGENIA E CRIAÇÃO
7. A INSTRUÇÃO DOS MENINOS
8. A INSTRUÇÃO DOS ADOLESCENTES
9. A VIDA ADULTA
10. AS MULHERES E O MATRIMÔNIO
11. O GOVERNO
A) A Diarquia
B) O Eforado
C) O Senado
D) A Assembleia
E) Sobre as eleições
F) Nomocracia: os reis, às ordens das leis
12. SOBRE A MENTALIDADE PAGÃ, O SENTIMENTO RELIGIOSO
ESPARTANO E A SUPREMACIA SOBRE ATENAS
13. A POLÍTICA DOS ESPARCIATAS PARA COM SEUS INFERIORES: A
KRYPTEIA.
14. A GUERRA
15. A BATALHA DOS TERMÓPILAS COMO EXEMPLO DE HEROÍSMO
16. HISTÓRIA POSTERIOR DE ESPARTA
17. O CREPÚSCULO DE ESPARTA
18. A LIÇÃO DE ESPARTA
19. A PERMANÊNCIA DO ARQUÉTIPO ESPARCIATA
20. NOTAS
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1 - INTRODUÇÃO
Oh, bem-aventurados tempos remotos em que um povo dizia a si mesmo: “Quero ser — senhor
de outros povos!”. Pois, meus irmãos: o melhor deve dominar, o melhor também quer dominar!
E onde o ensinamento é outro, ali — falta o melhor.
(F. W. Nietzsche)
Esparta foi a primeira reação massiva contra a inevitável decadência causada pela comodidade
da civilização e, como tal, há muito que aprender dela nesta época de degradação biológica e
moral induzida pela sociedade tecno-industrial. Os espartanos souberam antecipar-se
milimetricamente a todos os vícios produzidos pela civilização e, com isso, colocaram-se no topo
da pirâmide de poder de sua região. Todas as tradições militares de elite atuais são, de certa
forma, herdeiras do que foi realizado em Esparta, e isso nos indica a permanência da missão
espartana.
Neste livro, foram coletados dados de diversas fontes, priorizando as clássicas. O historiador e
sacerdote de Apolo no santuário de Delfos, Plutarco (46-125 EC), em suas obras “Antigos
costumes dos espartanos” e ”Vida de Licurgo” nos dá informações valiosas sobre a vida
espartana e sobre as leis espartanas, e muito do que sabemos sobre Esparta hoje é graças a ele.
Xenofonte (430-334 AEC), historiador e filósofo que enviou seus filhos para serem educados em
Esparta, é outra boa fonte de informação, em seu escrito "Constituição dos lacedemônios". Platão
(427-347 AEC), em sua conhecida "República", mostra-nos seu conceito de como um estado
superior deve ser governado, enumerando muitas medidas que parecem tomadas diretamente
de Esparta, pois nela se inspiraram.
Hoje em dia, nossos doutrinadores acadêmicos ensinam vagamente que Esparta era um Estado
brutal e militarista voltado completamente ao poder, e cujo sistema de educação e treinamento
era muito duro. Apresentam-nos os espartanos, em larga medida, como soldados eficientes,
toscos e descerebrados, que “só estavam interessados em guerra”. Este é um reflexo
deliberadamente distorcido do que realmente foram, e se deve principalmente ao que alguns
atenienses decadentes nos disseram, temperados com a má-fé daqueles que atualmente
manejam as informações, que buscam deturpar a História para servir a interesses econômicos e
de outros tipos.
Os espartanos deixaram uma marca espiritual indelével. O simples fato de ainda hoje o adjetivo
“espartano” designar qualidades de dureza, severidade, aspereza, resistência, estoicismo e
disciplina, e de haver palavras para designar a atração por Esparta (laconofilia, filodorismo), nos
dá uma ideia do enorme papel desempenhado por Esparta. Foi muito mais que um simples
Estado: foi um arquétipo, o expoente máximo da doutrina guerreira. Por trás da fachada perfeita
de homens guerreiros e mulheres atléticas, escondia-se o povo mais religioso, disciplinado e
ascético de toda a Grécia, que cultivava a sabedoria de forma discreta e lacônica, longe da
agitação e da vulgaridade urbana que já haviam surgido.
É impossível concluir esta introdução sem fazer referências ao filme “300”, apesar de a maior
parte do texto ter sido escrita bem antes do filme sair em 2007. Conforme o texto, veremos que
o modo de ser dos espartanos históricos nada tinha a ver com os personagens que aquele filme
nos apresenta, que tenta tornar os espartanos mais “digeríveis”, apresentando-os de uma forma
mais ianque, mais “simpática” às mentes modernas ― o que não é de todo ruim, já que, caso
contrário, a mensagem poderia não ter sido passada.
Em outro nível, Esparta fornece a desculpa perfeita para abordar temas muito importantes.
2. ORIGENS DE ESPARTA
Digamos, sem meias palavras, de que modo começou na terra toda sociedade superior! Homens
de uma natureza ainda natural, bárbaros em toda terrível acepção da palavra, homens de rapina,
ainda possuidores de energias de vontade e ânsias de poder intactas, arremeteram sobre raças
mais fracas, mais polidas, mais pacíficas, raças comerciantes ou pastoras, talvez, ou sobre
culturas antigas e murchas, nas quais a derradeira vitalidade ainda brilhava em reluzentes
artifícios de espírito e corrupção. A casta nobre sempre foi, no início, a casta de bárbaros: sua
preponderância não estava primariamente na força física, mas na psíquica ― eram homens mais
inteiros (o que em qualquer nível significa também “as bestas mais inteiras” ―).
(F. W. Nietzsche).
Antes das grandes invasões indo-europeias, a Europa era povoada por diversos povos pré-indo-
europeus, alguns dos quais tinham sociedades avançadas que estamos inclinados a considerar
como relacionadas a outras civilizações e sociedades fora da Europa. [1]
Inicialmente, a maior parte da Grécia era habitada por povos mediterrâneos que os posteriores
invasores helênicos chamariam de pelasgos. Por volta de 2700 AEC, floresceu a civilização
minoica (assim nomeada em memória do lendário rei Minos), baseada na ilha mediterrânea de
Creta, muito influenciada por Babilônia e pelos caldeus, claramente relacionada aos etruscos e
até mesmo ao Egito, e conhecida por seu “culto ao touro” telúrico, o palácio de Cnossos,
construções desprovidas de fortificações e uma arte abundante em espirais, curvas, serpentes,
mulheres e peixes, o que coloca esta civilização dentro da órbita das culturas de caráter telúrico
e focadas na Mãe Terra ou Magna Mater.
Por volta de 2000 AEC, houve uma invasão da primeira onda helênica, que inaugurou o que a
arqueologia chama de Idade do Bronze. Os helenos eram uma massa indo-europeia que, em
ondas sucessivas bastante separadas no tempo, invadiu a Grécia pelo Norte. Eles eram um povo
duro, mais unido, marcial e vigoroso do que os pelasgos, e acabaram submetendo aquelas terras
apesar de serem numericamente inferiores à população nativa. Esses helenos eram os famosos
aqueus referidos por Homero e pelas inscrições egípcias. Eles trouxeram para a Grécia seus
deuses, seus símbolos solares (incluindo a suástica, mais tarde usada por Esparta), as
carruagens, o gosto pelo âmbar [2], assentamentos fortificados, uma língua indo-europeia (o
grego, que viria a ser imposto à população nativa), o sangue nórdico, o patriarcado e suas
tradições caçadoras-guerreiras.
Reconstrução do assentamento de Micenas, principal centro aqueu. Observe o estilo “feudal”, com fortificações, em
contraste com a falta de defesas da pacífica Cnossos.
Foram os aqueus que, por volta de 1260 AEC, sitiaram e arrasaram Troia, em uma cruzada
Ocidente-Oriente capaz de unir todos os aqueus ― geralmente propensos à guerra entre si ― em
uma empreitada comum. Na “Ilíada”, Homero os descreve como um bando de bárbaros de
mentalidade e aspecto vikings, arrasando uma Troia refinada e civilizada. Após este processo,
toda a costa ocidental da Ásia Menor, bem como o Mar Negro e o Bósforo, foi submetida à
influência grega, um processo que terá um peso descomunal na História.
Os lados durante a Guerra de Troia. Em verde, a Grécia “homérica” dos aqueus. Em violeta, reinos orientais que
entraram em conflito com a crescente expansão grega ao leste.
Por volta de 1200 AEC, houve novamente um imenso fluxo migratório. Incontáveis povos indo-
europeus moviam-se em grande tumulto para o sul e o leste. Todo o Mediterrâneo Oriental
sofreu grandes mudanças sob os chamados “povos do mar” e outras tribos indo-europeias que
invadiram a Turquia, a Palestina, o Egito e as estepes da Europa Oriental, e inauguraram a Idade
do Ferro arqueológica no Mediterrâneo Oriental.
Quanto à civilização micênica dos aqueus, também foi devastada por uma dessas invasões. As
menções apocalípticas feitas na história tradicional grega (fogo, destruição, morte) fizeram
muitos historiadores pensarem erroneamente em grandes terremotos ou revoltas. Nesta
lendária invasão, muito mais numerosa que a anterior, foram utilizadas armas de ferro,
superiores às armas de bronze dos aqueus. Os dórios, pertencentes a esta migração, e ancestrais
dos espartanos, invadiram a Grécia com extrema violência, destruindo cidades, palácios e vilas
em seu caminho. Os dórios tomaram Creta, e a civilização micênica dos aqueus desapareceu
abruptamente dos registros arqueológicos. Argólida ― terra de Micenas ― nunca esqueceria
isso, e embora já com sangue dório, o Estado de Argos, junto com seus domínios, se oporia
ferrenhamente ao poder espartano nos séculos posteriores.
O assentamento anterior dos dórios havia sido nos Bálcãs e na Macedônia, onde viviam em
estado bárbaro ou semi-bárbaro, porém nem sempre viveram naquela zona, mas acabaram ali
como resultado de outra migração proveniente de ainda mais ao Norte. A tese mais sensata é
aquela que coloca o lugar de origem dos dórios junto aos celtas, itálicos, ilírios e o resto dos
helenos, na chamada Hügelgräberkultur e nas posteriores Urnenfelderkultur e Hallstattzeit,
civilizações proto-indo-europeias semi-bárbaras e tribais que floresciam na Europa Central, ao
norte dos Alpes e ao sul da Escandinávia. Segundo o historiador grego Heródoto, os dórios
tiveram seu primeiro lar “entre as neves”. Geneticamente, parece que os dórios pertenciam à
linhagem paterna R1b, a que predomina na Europa Ocidental hoje.
Por toda a Europa, após as invasões, houve uma luta (primeiro aberta e depois mais sutil) entre
a mentalidade marcial dos novos invasores do Norte e a mentalidade nativa concupiscível. O
Leste, Finlândia, Itália, Península Ibérica e Grécia foram exemplos dessa luta, e geralmente o
resultado foi sempre o mesmo: os invasores indo-europeus prevaleceram apesar de sua
esmagadora inferioridade numérica, estabelecendo-se como nobreza acima de uma plebe
descendente do povo nativo subjugado. No Peloponeso, essa luta latente resultou no fruto sobre-
humano de Esparta, da mesma forma que mais tarde a luta entre itálicos e etruscos deu origem
a Roma.
Cada época e cada lugar tem sua própria raça dominante. Naquela época e naquele lugar, os
dórios eram a raça dominante. Um aspecto físico nórdico, uma alma de gelo e fogo, uma
disciplina nata e uma vocação guerreira brutal que lhes era natural, os distinguiam dos nativos,
mais pacíficos e completamente voltados às volúpias da vida. Os dórios em particular (e entre
eles especificamente os espartanos, que se mantinham estritamente separados do resto do
povo) conservaram suas características originais por mais tempo do que o resto dos helenos:
séculos após a invasão dórica, os cabelos loiros e a estatura elevada ainda eram considerados
próprios do ser espartano. Isso porque, como na Índia, a grande epopeia da invasão ancestral
permaneceu por muito tempo na memória coletiva do povo, e o etnocentrismo dos dórios, junto
com sua obstinação em permanecer como uma elite seleta, deu lugar a um sistema de separação
racial que pôde conservar por séculos as características dos invasores originais.
O nome dos dórios [3] vem de Doro, filho de Heleno (o antepassado dos gregos ou helenos). Os
aristocratas chamavam-se heráclidas, pois afirmavam ser descendentes de Hércules,
atribuindo-se assim uma ancestralidade divina. Divididos em três tribos (hílios, dímios e
panfílios), os dórios acreditavam estar guiados por essa linhagem real, bem como por oráculos
— os sacerdotes helenos, equivalentes aos druidas celtas. Para os heráclidas, a invasão da Grécia
era um mandato divino, nominalmente de Apolo, “o Hiperbóreo”, seu patrono.
Durante os quatro séculos posteriores, de 1200 a 800 AEC, surgiu um estágio que a historiografia
moderna chama de “Idade das Trevas” , em que os dórios se tornaram a aristocracia dos nativos
e formaram pequenos reinos “feudais” que lutavam permanentemente uns contra outros, como
gostavam de fazer os invasores desenraizados de todas as épocas. Esta etapa foi uma época
heroica, individualista e de glória pessoal, em que os guerreiros buscavam um crepúsculo
esplendoroso. Muitas batalhas ainda eram decididas por um duelo de campeões: o melhor
guerreiro de um lado enfrentava o melhor do outro. Isso representa a mentalidade heroica, mas
insensata da época: “os fortes destroem-se uns aos outros e os fracos continuam vivendo”.
Durante a Idade das Trevas grega, em 1104 AEC, os heráclidas alcançaram o Peloponeso. A
história espartana explicava muito corretamente que os dórios invadiram a Grécia oitenta anos
após a destruição de Troia e que, liderados pelo rei Aristodemo [4], conquistaram a Península.
Pausânias (século II, não confundir com o príncipe espartano que derrotou os persas na Batalha
de Plateias), em sua “Descrição da Grécia”, entra em mais detalhes. Diz-nos que os dórios,
procedentes de uma região montanhosa no norte da Grécia e guiados por Hilo, um “filho de
Hércules”, expulsaram os aqueus micênicos do Peloponeso. No entanto, uma contra-ofensiva
aqueia os fez recuar. Mais tarde, em um processo definitivo chamado “retorno dos heráclidas”,
os dórios estabeleceram-se definitivamente no Peloponeso prevalecendo sobre os aqueus, e
ocorreram grandes distúrbios em toda a península. A frase-dogma do “retorno dos heráclidas”
era a forma dos dórios justificarem a invasão do Peloponeso: as famílias nobres dórias,
remotamente aparentadas com as famílias nobres aqueias (tanto os dórios como os aqueus eram
helenos), apresentaram-se para reivindicar o que “legitimamente” lhes pertencia.
A nova torrente de sangue indo-europeu, cortesia dos dóricos, acabaria revitalizando a Hélade
no longo prazo, mantendo-a na vanguarda espiritual e física da época, junto com a Pérsia, a Índia,
um Egito que já não era mais o que foi, e a China. No sul da península do Peloponeso, os dórios
estabeleceram seu centro principal, a cidade de Esparta, também conhecida por seu nome
anterior, Lacedemônia. O território sob o domínio de Esparta ficou conhecido como Lacônia.
A cidade original de Esparta não era propriamente uma cidade, mas consistia em um
“aglomerado” de cinco vilas diferentes (Pitane, Cynosura, Mesoa, Limnae e Amyclae, a princípio
guarnições militares), mas próximas e unidas, cada uma com seu sumo sacerdote. Os
assentamentos sempre careceram de muralhas defensivas, pois confiavam orgulhosamente na
disciplina e ferocidade de seus guerreiros. O rei Antálcidas chegou a dizer que “Os muros de
Esparta são seus jovens, e seus limites, o ferro de suas lanças”. Simplesmente, a carência de
muros ajudava a se manterem alertas e não se permitirem relaxar.
Esparta, porém, estava cercada por defesas naturais, pois se situava no vale do rio Eurotas, entre
altas montanhas, com os montes Taígeto a oeste e Párnon a leste. Mesmo assim, a falta de
muralhas demonstra a segurança e a confiança em si mesmos que os espartanos tinham, além
de uma certa arrogância.
Durante o século 8 AEC, Esparta, como o resto dos povos da Hélade, era uma pequena cidade-
Estado governada por uma monarquia e uma oligarquia aristocrática de ascendência dórica.
Motivados pelo crescimento demográfico e pela necessidade de recursos e poder, os espartanos
olharam para o oeste e decidiram que além do Monte Taígeto, na Messênia, criariam uma nação
de escravos para servi-los.
A geopolítica da Lacônia não lhes deixava muita escolha: encontravam-se em terreno áspero e
isolado, cortado por montanhas e rios não navegáveis. A Lacônia era algo como o Heartland, ou
região cardeal do Peloponeso: uma zona inacessível a qualquer potência que usasse o mar como
vetor de projeção de seu poder. Portanto, era bem protegida do estrangeiro, mas por outro lado,
os laconianos não podiam ir para o mar, pois a costa era íngreme e só havia um local adequado
para estabelecer um porto, em Gytheio, e ficava a 43 km da capital (ao contrário de Pireu, que
ficava ao lado de Atenas). Portanto, não podiam seguir o exemplo dos atenienses, que saltavam
de ilha em ilha, colonizando as costas e colhendo grandes quantidades de trigo da costa norte do
Mar Negro. No entanto, o reino vizinho de Messênia tinha a planície mais fértil da Hélade (“boa
para plantar, boa para arar”, disse Tirteu; “planície feliz”, os espartanos a chamavam). Ao anexá-
la, obteriam autarquia alimentar e não precisariam mais depender de territórios distantes, do
comércio, de mercadores, de ilhas estratégicas, de estreitos marítimos fáceis de controlar pelo
inimigo ou de uma frota naval. Além disso, não teriam que se “cosmopolitizarem”, como costuma
acontecer com todas as potências comerciais. Esparta, então, estava emergindo como uma
telurocracia ― uma potência geopolítica claramente continental ― em contraposição à
talassocracia marítima ateniense.
Este mapa físico de Lacônia (sudeste do Peloponeso) mostra a localização da cidade de Esparta, em um vale situado
entre altas cadeias montanhosas. Nota-se sua posição bem protegida. A oeste, a cordilheira de Taígeto os separava
dos messênios, e a leste, o Párnon os separava do Egeu, onde a influência de Atenas e da Ásia Menor era forte. A
única abertura marítima canalizava Esparta para o sul, especificamente para a ilha de Creta, para onde os dórios se
dirigiram após a conquista do Peloponeso.
Por volta de 743 AEC, em uma ocasião em que os messênios estavam festejando e oferecendo
sacrifícios a seus deuses, Esparta enviou três meninos disfarçados de donzelas. Esses pequenos
soldados, bem treinados, levavam espadas curtas sob suas vestes, e no ambiente festivo
despreocupado não tiveram problemas para se infiltrar em território messênio. De dentro,
perseguiram a multidão messênia desarmada e, ao sinal dado, começaram uma carnificina
sangrenta no meio da multidão, antes que a massa messênia submetesse os meninos. Após o
incidente, os messênios se reuniram enfurecidos, se armaram e marcharam sobre Lacônia. No
combate que se desencadeou, caiu um dos reis de Esparta, e teve início a Primeira Guerra
Messênia (descrita por Tirteu e por Pausânias, que por sua vez se baseia em Mirão de Priene).
Após quatro anos de guerra e uma grande batalha, nenhum dos lados havia vencido. Era uma
resistência silenciosa ao estilo de guerrilha, e os exércitos convencionais provavelmente foram
relativamente destroçados após a primeira batalha. As táticas de falange e o equipamento
hoplita ainda não haviam sido adotados, e as ações mais decisivas eram os golpes de mão,
as razias e os cercos. No entanto, os messênios sofreram tantas perdas que o líder guerreiro
messênio, Aristodemo, retirou-se com seus homens para uma fortaleza no Monte Itome e visitou
o oráculo para pedir conselhos em sua luta contra Esparta. O oráculo respondeu que, para
resistir aos espartanos, uma donzela de uma antiga e respeitável família messênia deveria ser
sacrificada aos deuses. Aristodemo, que devia ter sido um grande patriota, não hesitou em
sacrificar a própria filha. Quando os espartanos ouviram isso, apressaram-se em fazer as pazes
com os messênios, pois davam grande importância a esses assuntos rituais.
A guerra durou um total de dezenove anos, e só depois desse tempo os espartanos conseguiram
exterminar a resistência messênia e devastar a fortaleza de Itome. Alguns messênios fugiram do
Peloponeso, e os que permaneceram passaram a ser tratados com mais severidade do que os
próprios hilotas (a plebe) de Lacônia. Foram relegados a hilotas (vassalos camponeses de
Esparta) na fértil planície messênia, e também foram obrigados a pagar metade da produção de
suas terras aos seus senhores espartanos.
Mas os messênios, muito mais numerosos que os espartanos, não estavam satisfeitos com esta
situação de povo “secundário” e subjugado. Duas gerações após a Primeira Guerra Messênia,
surgiu um líder ousado chamado Aristômene que, apoiado pelos Estados de Argos e Arcádia,
pregou a rebelião contra Esparta. Como resultado disso, no século 7 AEC, começou a Segunda
Guerra Messênia. Com um bando de seguidores leais, Aristômene realizou inúmeras incursões
em território espartano, até devastando duas cidades. Três vezes celebrou um estranho
sacrifício chamado Hecatomphonia, um ritual que apenas aqueles que mataram mais de cem
inimigos eram autorizados a realizar. Os messênios, pela primeira vez, empregaram a tática da
falange hoplítica, caracterizada por formações de ordem fechada, abrigadas atrás de uma parede
de escudos a partir da qual lanças golpeavam impunemente. Os espartanos ainda não haviam
adotado essa forma de combate do Oriente Próximo e sofreram baixas catastróficas na Batalha
de Hísias.
Esparta consultou então o oráculo de Delfos. Lá, foram instruídos a ir a Atenas para procurar um
líder. Isso não deve ter agradado aos espartanos, já que suas relações com Atenas não eram boas,
e os atenienses podiam dizer o mesmo, mas ambos os Estados respeitavam as decisões vindas
de Delfos e não se opuseram. Os atenienses, porém, agiram de má fé: enviaram um professor
coxo chamado Tirteu (conhecido pela posteridade como Tirteu de Esparta), pensando que não
valeria como capitão militar. No entanto, Tirteu era um grande poeta. Seus gritos de guerra
inflamaram o ardor guerreiro dos espartanos e elevaram sua moral. Na batalha seguinte contra
os messênios, os espartanos marcharam ferozes e em formação de falange de combate, cantando
suas canções. Com tal impulso, derrotaram Aristômene e seus homens na batalha, forçando-os
a recuar para outra fortaleza na montanha chamada Hira, em cujos pés estabeleceu-se um
acampamento espartano. Esta situação de cerco, em que as guerrilhas voltaram com mais força
do que durante a primeira guerra, durou onze anos. Aristômene frequentemente conseguia
romper o cerco espartano de Hira e dirigir-se à Lacônia, sujeitando-a à pilhagem. Ele foi
capturado duas vezes pelos espartanos e duas vezes escapou. Na terceira vez, foi capturado
junto com cinquenta de seus homens, e eles foram apresentados vitoriosamente por Esparta
como se fosse um triunfo romano. Eles foram então levados ao sopé do Monte Taígeto e jogados
de um penhasco, o famoso Kaiadas. Segundo a história grega, apenas Aristômene foi salvo,
milagrosamente sobrevivendo à queda e capaz de emergir do abismo seguindo uma raposa. Em
pouco tempo, estava na fortaleza de Hira liderando seus homens.
É preciso pensar por um momento como essas batalhas, terrivelmente violentas e longas, e que
às vezes estiveram prestes a afundar a própria Esparta, puderam influenciar o caráter
espartano. As guerras messênias marcaram para sempre sua mentalidade. Em última instância,
os professores dos espartanos foram seus próprios inimigos e as guerras que foram forçados a
guerrear. Foram eles que estabeleceram em Esparta a paranoia militarista e a preparação para
o combate que caracterizou Esparta. Foram eles que fizeram a aristocracia espartana entrar em
crise e, por pura necessidade, buscar a melhor forma de prevalecer sobre seus inimigos. Esparta
nunca teria sido o que chegou a ser em combate se tivesse topado com um povo covarde.
Sustentar uma luta prolongada contra elementos de alta qualidade, inimigos audazes e temíveis
que trazem orgulho, despertaram a força espartana. Talvez essa seja a única “vantagem” das
infelizes guerras fratricidas, tão típicas da Europa.
4. LICURGO E A REVOLUÇÃO
[Os] criadores foram primeiramente os povos, somente depois os indivíduos; em verdade, o
indivíduo mesmo é ainda a mais nova criação. Outrora mantinham os povos uma tábua de
valores acima de si. O amor que quer dominar e o amor que quer obedecer criaram juntos essas
tábuas.
(F. W. Nietzsche).
Como vimos, entre 1200 e 800, houve 400 anos de “Idade das Trevas” grega. Os homens daquela
época agiam por glória pessoal, ou seja, seu comportamento inspirava-se nos feitos lendários de
antigos heróis individualistas. Irmãos de sangue se matavam insensatamente entre si em vez de
se unirem em uma vontade comum, não mais buscando a glória pessoal, mas a glória de seu
povo. A própria Esparta estava imersa nesse sistema heróico mas fratricida, onde cada homem
trilhava seu caminho buscando a sua própria imortalidade. Os nobres dórios matavam-se entre
si enquanto seus verdadeiros inimigos proliferavam. Esparta era mais do que um reino entre
muitos que existiam na Hélade, e além do mais em condições bastante tumultuadas e caóticas.
Mas no final daquela Idade das Trevas, surgiu uma figura que augurava uma nova era: Licurgo,
o pai de Esparta, o porta-voz do sangue dório, o homem que fez de Esparta o que mais tarde se
tornaria.
Voltemos ao assunto: tendo sufocado com grande dificuldade a Segunda Guerra Messênia, os
espartanos depararam-se com o panorama inquietante de estar à beira da derrota, muito
vulneráveis e nas rédeas de uma população estrangeira ressentida e hostil que lhes superava em
quantidade mais de dez para um. E não se tratava de escravos fáceis de subjugar, mas de povos
gregos que preservavam sua identidade, seu orgulho e sua vontade de poder. Todos os
espartanos sabiam muito bem que os subjugados voltariam a rebelar-se um dia, mais cedo ou
mais tarde, e que deviam estar preparados para essa ocasião. Nesse ambiente tenso, se Esparta
pôde preservar sua pureza e sobreviver, foi graças a Licurgo.
Não se sabe quando Licurgo viveu. Alguns dizem que pertence ao século IX AEC — ou seja, antes
das guerras messênias —, outros ao século VIII e ainda o colocam no século VII. Em todo caso,
sua personalidade extraordinária é a do legislador ancestral, “doador de tábuas”. Licurgo é meio
histórico e meio lendário. Seu nome significa “condutor de lobos”. Era um veterano das guerras
messênias e heráclida, pois pertencia à linhagem real dos Ágidas, sendo o filho mais novo do rei
Êunomo. Este havia suavizado seu regime para agradar às multidões, mas as próprias multidões
rebelaram-se com isso e ele morreu esfaqueado com uma faca de açougueiro. Seu filho mais
velho, o rei Polidectes, herdou o reino, mas, tendo morrido logo, Licurgo (que era seu irmão mais
novo) o sucedeu no trono. Seu reinado durou oito meses, mas foi tão correto, justo e ordenado
em comparação com a anarquia anterior, que conquistou o respeito de seu povo para sempre.
Quando Licurgo soube que sua cunhada (a rainha anterior) estava grávida de seu irmão e
falecido rei, anunciou que o fruto da gravidez herdaria o trono, como era correto, e portanto
Licurgo passaria a ser apenas regente.
Mas esta rainha era uma mulher ambiciosa que queria permanecer no trono, então propôs a
Licurgo se casar com ele e se livrar do bebê herdeiro do trono assim que nascesse, para que eles
pudessem ser rei e rainha perpetuamente, e depois deles, seus próprios descendentes. Licurgo
ficou furioso com essa proposta e rejeitou-a veementemente dentro de si mesmo. No entanto,
como uma resposta negativa significaria que o partido da rainha levantaria-se em armas, enviou
mensageiros para aceitar falsamente a proposta. Mas por outro lado, na hora do nascimento do
bebê, enviou servos com ordens de que, se nascesse uma menina, eles a entregariam à mãe, e se
nascesse um menino, eles o entregariam a ele. O bebê nasceu menino e foi entregue a ele
conforme solicitado. Durante uma noite em que jantava com os chefes de guerra espartanos,
Licurgo mandou trazê-lo, com a ideia de mostrar aos líderes que havia um herdeiro. Erguendo-
o com os braços e sentando-o no trono espartano, exclamou: “Homens de Esparta, aqui está um
rei nascido para nós!” E como o herdeiro ainda não tinha nome, batizou-o de Carilau, “alegria do
povo”. Com esse gesto, Licurgo afirmava sua lealdade ao herdeiro e futuro rei e deixava claro
que deveria ser protegido, além de se tornar seu guardião e protetor até a idade de reinar.
Enquanto isso, Licurgo como regente era altamente reverenciado por seu povo, que admirava
sua retidão, honradez e sabedoria. A rainha-mãe, porém, não perdoou sua rejeição e o sequestro
e exibição de Carilau. Por meio de manipulações e intrigas, espalhou o boato de que Licurgo
estava conspirando para assassinar seu sobrinho e assim tornar-se rei de Esparta. Quando este
boato chegou aos ouvidos de Licurgo, decidiu exilar-se até que Carilau tivesse idade suficiente
para reinar, casar-se e deixar um herdeiro ao trono espartano. Em seu exílio, Licurgo viajou por
diferentes reinos estudando suas leis e costumes a fim de aprimorar as espartanas após seu
retorno. O primeiro país onde esteve foi a ilha de Creta, um assentamento dório herdeiro de
Micenas e de renomada sabedoria, onde fez amizade com o sábio Tales, convencendo-o a ir a
Esparta para ajudá-lo em seu propósito. Tales apareceu em Esparta como músico-poeta — uma
espécie de trovador — lançando canções de honra e disciplina ao povo espartano, preparando-
o assim para o que estava por vir. Os gananciosos e ambiciosos abandonaram voluntariamente
seus desejos de riqueza e luxos materiais para se unirem em uma poderosa vontade comum com
sua raça. Licurgo também visitou a Iônia, onde não apenas estudou Homero, mas dizem que o
conheceu pessoalmente (aqui é claro que certas datas não batem). Recompilou sua obra,
escreveu-a e logo a divulgou para seu povo, que gostou muito, dando início à célebre afeição
espartana por Homero. Outro feito notável atribuído a Licurgo é ser um dos fundadores dos
Jogos Olímpicos.
Licurgo também fez uma viagem ao Egito, onde passou um tempo estudando o treinamento do
Exército. Ele ficava fascinado com o fato de que, no Egito, os soldados fossem soldados por toda
a vida, já que em outras nações os guerreiros eram chamados às armas em caso de guerra e
voltavam aos seus trabalhos anteriores em tempos de paz. Embora sem dúvida não fosse este o
único propósito de sua viagem ao Egito, visto que naquela época aquele país era aonde iam todos
aqueles que buscavam iniciação na sabedoria antiga.
O espartano Aristócrates diz que Licurgo também viajou para a Espanha (“Ibéria”), para a Líbia
e para a Índia, onde conheceu os famosos sábios gimnosofistas, com os quais Alexandre, o
Grande, também encontraria-se séculos depois. A escola gimnosofista valorizava, entre outras
coisas, a nudez frente às inclemências das intempéries como forma de aprimorar a pele e de
tornar o corpo e o espírito mais resistentes. Como veremos mais tarde, essa ideia veio a ser
altamente valorizada na educação espartana.
Enquanto Licurgo estava fora, Esparta decaiu. As leis não eram obedecidas e não havia força
executiva para punir os infratores. Os homens justos ansiavam pelo tempo de regência de
Licurgo e lhe rogavam: “É verdade que temos reis que carregam as marcas e assumem os títulos
de realeza, mas quanto às qualidades de suas mentes, nada os distingue de seus súditos. Só você
tem uma natureza feita para comandar e um gênio para ganhar obediência”.
Licurgo voltou a Esparta e sua primeira ação foi reunir trinta dos maiores chefes-militares para
informá-los de seus planos e arregimentá-los. Depois desses homens jurarem lealdade a ele,
ordenou que reunissem-se armados na praça do mercado ao amanhecer com seus seguidores,
para causar terror nos corações daqueles que rejeitassem as mudanças que planejavam.
Confeccionou-se uma lista negra com potenciais inimigos para caçar e eliminar, se necessário.
No dia, a praça estava cheia de fanáticos seguidores de Licurgo, e o efeito foi tão impressionante
que o próprio rei se refugiou no templo de Atena, pensando que uma conspiração fora tramada
contra ele. Mas Licurgo enviou-lhe um mensageiro para informá-lo de que tudo o que queria era
introduzir novas leis para melhorar e fortalecer Esparta. Reconfortado, o rei saiu do templo e,
dirigindo-se para a praça, juntou-se ao lado de Licurgo. Com Licurgo, os dois reis e os trinta
líderes militares, este bando tinha trinta e três membros.
Mas, ainda com o apoio do rei, o que Licurgo fizera era claramente um golpe de Estado, uma
conquista de poder, uma imposição de sua vontade: uma revolução. Havia unido seu povo,
incutindo neles o sentimento de coesão que deveria caracterizar qualquer grande aliança: “a
raça é tudo, o indivíduo nada”.
Depois de ter elaborado suas leis e feito os reis jurarem que as respeitariam, informou que
viajaria ao santuário de Delfos (o mais importante centro religioso da Hélade, considerado “o
umbigo do mundo”) em busca de conselhos de Apolo, para ratificar sua decisão. Perto de Delfos,
havia nas encostas do Monte Parnaso um santuário dedicado ao referido deus, que diziam ter
matado ali a serpente Píton (um ídolo telúrico relacionado aos povos pré-indo-europeus). Ali,
havia toda uma escola iniciática, os chamados mistérios de Delfos. Esses mistérios eram uma
instituição venerável, essencialmente dória, à qual figuras notáveis de toda a Hélade reuniam-
se em busca de conselhos, iniciação e sabedoria. Era uma localização altamente estratégica: do
mar, o santuário domina as alturas e parece erguer-se sobre o navegador, e de Delfos vê-se
nitidamente tudo que entra e sai do Golfo de Corinto. O santuário vinha a dizer: “aqui estamos
os gregos, dominamos o tráfico naval e o comércio que ele traz, e estamos vigilantes”. No templo
de Apolo havia uma sibila ou pítia, uma sacerdotisa virgem que se acreditava ter um vínculo
especial com aquele deus e, como ele, dons de clarividência que a tornavam capaz de ver o futuro
e fazer profecias. Depois de receber Licurgo, a sibila o descreveu como “mais deus do que
homem”, afirmou que era um escolhido dos deuses, anunciou que suas leis eram boas e
abençoou seus planos para estabelecer a constituição espartana, já que tornaria Esparta o mais
famoso reino do mundo.
Esta reconstrução moderna recria a aparência que o santuário de Delfos deve ter tido na Antiguidade. A partir dele,
dominava-se vantajosamente a entrada para o Golfo de Corinto. O caminho até o complexo está repleto de placas de
pedra que as cidades-Estado gregas doavam ao oráculo. As placas estão adornadas com escritos elaborados e
longas dedicatórias, exceto no caso da placa espartana, que diz: “Ao oráculo de Delfos, de Esparta”.
Naquela época, Esparta estava rodeada de vizinhos hostis difíceis de repelir e possuía apenas
uns nove mil homens não militarizados para agir em caso de guerra ou crise. Licurgo previu que,
se cada um deles fosse selecionado e treinado arduamente nas artes da guerra desde a infância,
conseguiriam triunfar sobre seus adversários, mesmo que estes fossem superiores em número.
Ao longo das gerações, o povo espartano endureceria-se tanto que não teria inimigos a temer, e
sua fama se espalharia aos quatro pontos cardeais. Desde então, os homens espartanos
tornaram-se mais do que guerreiros. Eles tornaram-se lutadores de propósito, com uma missão
para toda a vida, comprometidos de corpo e alma, sacrificados inteiramente em honra de sua
Pátria. Tornaram-se, pois, soldados — talvez os primeiros da Europa.
Licurgo não pretendia exatamente estabelecer uma espécie de democracia. Em uma ocasião, um
homem a elogiou diante dele, fazendo um discurso inflamado. Licurgo, após ouvir todo o
discurso em silêncio, respondeu: “Excelente, agora vá e dê o exemplo estabelecendo uma
democracia em sua casa”. Devemos ter em mente que mesmo naquelas antigas “democracias”
gregas votavam apenas os cidadãos, isto é, homens de sangue helênico puro que haviam atingido
a maioridade. Portanto, não tinham nada a ver com a ideia moderna de democracia. Apesar
disso, não faltam enganadores que tentam nos vender que Esparta era até uma espécie de
sistema comunista, só porque o Estado era onipresente e porque os esparciatas sabiam
compartilhar — entre eles.
A revolução de Licurgo não foi totalmente pacífica. O povo espartano logo percebeu que as leis
eram extremamente severas até mesmo para eles, helenos de boa estirpe dória, pois tinham
acostumado-se ao conforto e ao luxo que sempre vêm ao vencedor quando não se mantém
prudentemente em guarda. O socialismo sóbrio, ascético e marcial pregado por Licurgo, que
obrigava todos os homens jovens a separarem-se de suas famílias e comerem com seus
camaradas, não foi bem recebido por muitos, especialmente entre os ricos e abastados. Houve
uma onda de indignação e uma multidão enfurecida reuniu-se para protestar contra Licurgo. A
multidão era composta principalmente por antigos indivíduos ricos que consideravam
degradante a regra militar que proibia comer senão em uma mesa coletiva com os companheiros
de armas. Quando Licurgo apareceu nas proximidades, a multidão começou a apedrejá-lo, e ele
foi forçado a fugir para não ser apedrejado até a morte. A multidão furiosa o perseguiu, mas
Licurgo — forte apesar de sua idade — era tão rápido que em pouco tempo só um garoto
chamado Alexandre estava em seus calcanhares. Quando Licurgo se virou para ver quem o
perseguia com tanta agilidade, o menino o acertou no rosto com uma vara, arrancando um olho
de Licurgo. Licurgo não deu sinais de dor, apenas parou e, com o rosto ensanguentado, encarou
seu perseguidor. Quando o resto da multidão os alcançou, eles viram o que o jovem havia feito:
um venerável ancião, solenemente parado diante deles com um olho vazio sangrando. Aquela
era uma época muito respeitosa com os idosos, especialmente com homens tão carismáticos e
nobres como Licurgo. De repente, devem ter sentido uma imensa culpa. A multidão
envergonhada acompanhou Licurgo até sua casa para mostrar suas desculpas e entregaram-lhe
Alexandre para ser punido como bem entendesse. Licurgo, já caolho, não repreendeu o jovem
nenhuma vez, mas o fez conviver com ele como aluno. E logo Alexandre aprendeu a admirar e
emular o modo de vida austero e puro de seu mentor. Como uma tradição derivada daquele
acontecimento, os senadores renunciaram o costume de comparecer às reuniões estatais com
bastões.
Depois que o povo espartano jurou as leis de Licurgo, ele decidiu abandonar Esparta pelo resto
de seus dias. Sua missão foi cumprida e ele sabia, agora tinha que morrer dando exemplo de uma
grande vontade. Sentindo nostalgia de sua Pátria e, não podendo viver separado dela, suicidou-
se de fome. Um homem que nasceu para um propósito específico, uma vez cumprido esse
propósito, não precisa mais permanecer atado à Terra. O suicídio ritual foi praticado por muitos
homens excepcionais cuja missão havia terminado, homens que, depois de cumprir seu destino,
não tinham mais nada para fazer no mundo; ou mais bem haviam perdido o direito à vida [7].
Nietzsche também falou da “morte voluntária”: “Muitos morrem tarde demais, e alguns morrem
cedo demais”. Ainda parece estranho o ensinamento: “Morre no tempo certo!”. Morre no tempo
certo: assim ensina Zaratustra. Sim, mas quem jamais vive no tempo certo, como poderia morrer
no tempo certo. (Assim Falou Zaratustra, primeira parte, “Da morte voluntária”).
Outra versão relata que, antes de partir para Delfos, Licurgo fez o povo espartano jurar que
seguiria suas leis pelo menos até retornar. E, tendo suicidado-se sem nunca ter retornado a
Esparta, os espartanos não tiveram escolha a não ser obedecer às leis de Licurgo para sempre
Para Esparta, Licurgo foi uma espécie de precursor, um líder de vanguarda, um mensageiro
avançado. Possuía o poder real, o carisma sagrado dos grandes caudilhos, reis, santos e
imperadores — aquele “certo poder que atraía vontades”, nas palavras de Plutarco. Ele veio e
transformou uma massa caótica transbordante de grande potencial no exército mais eficaz da
Terra. Ele imprimiu no seu mundo uma nova inércia: a sua; e deu-lhe um novo aspecto: o que
ele queria. Após sua morte, um templo foi erguido em sua homenagem e ele foi adorado como
um deus. E foi a partir de sua época que não só Esparta, mas toda a Grécia, voltou a brilhar, pois
iniciou a chamada era clássica.
Xenofonte admirou Licurgo enormemente, dizendo que ele “atingiu o limite máximo da
sabedoria” [8]. Savitri Devi referiu-se a ele como “o divino Licurgo”, e lembrou que “as leis de
Licurgo lhe foram ditadas pelo Apolo de Delfos — o Hiperbóreo”. Gobineau, por outro lado,
soube apreciar a salvação que significou a legislação de Licurgo: “Os espartanos eram poucos
em número, mas de coração grande, ambiciosos e fortes: uma legislação ruim os teria
transformado em bárbaros; Licurgo os transformou em heroicos” [9].
Licurgo de Esparta.
5 - A NOVA ESPARTA
Aquele que não é terrível para si, não inspira terror a ninguém, e só o que inspira terror pode
comandar aos demais.
(F. W Nietzsche).
Somos poucos entre muitos inimigos.
(Brásidas, geral espartano).
Dentro deste estamento, a elite a que todos os jovens aspiravam era os Hippeis, uma
guarda seleta de 300 homens com menos de 30 anos.
Os esparciatas eram os descendentes do antigo exército dório invasor e de suas
famílias, ou seja, a nobreza guerreira dos antigos dórios, talvez o melhor sangue da
Hélade. Conformavam, portanto, a casta guerreira propriamente espartana, e dela
também provinham todos os sacerdotes. A casta dos cidadãos, incluindo mulheres e
crianças, nunca teve mais de 20.000 membros. Era dez vezes menos que os hilotas.
6 - EUGENIA E EDUCAÇÃO
O abandono dos bebês doentes, fracos ou deformados pelos espartanos era mais
humanitário e, na verdade, mil vezes mais humano do que a lamentável loucura de
nosso tempo presente, em que os sujeitos mais doentes são preservados a qualquer
custo, seguindo-se à criação de um raça de degenerados sobrecarregados pela
enfermidade.
(Adolf Hitler).
Graças a um sentido apurado da lei que regia a origem de suas espécies, povos como
os espartanos recorreram aos mesmos princípios de
severidade inflexível originalmente prescritos pela Natureza em suas seleções, mesmo
depois de atingir territórios mais hospitaleiros.
(Caderno da SS nº 7, 1942).
Recém nascido o bebê, a mãe o banhava em vinho [11]. De acordo com o costume
espartano, o contato corporal com o vinho fazia com que os epilépticos, decrépitos
e doentios entrassem em convulsão e desmaiassem, de modo que os fracos
morriam em pouco tempo, ou pelo menos podiam ser identificados para eliminação;
mas os fortes eram endurecidos como aço. Isso pode parecer uma espécie de
superstição sem fundamento, mas o próprio Aristóteles a defende, e
os iluministas franceses criticaram de “irracional” o costume camponês de banhar
os recém-nascidos em água com vinho - sinal de que, na França rural do século XVIII,
isso ainda era feito. Hoje sabemos, por exemplo, que um banho de álcool endurece
os pés, preparando-os para aguentar atividades prolongadas. Também sabemos que
o vinho tinto contém taninos, substâncias de origem vegetal usadas para curtir
couro e outras peles de animais, pois as tornam duras e resistentes a temperaturas
extremas e ataques de micróbios.
Se passasse no teste, o bebê era levado por seu pai ao Lesjé (”pórtico”) e
inspecionado por um conselho de sábios anciãos para julgar sua saúde e força e
determinar se seria capaz de suportar uma vida espartana. Todos os bebês que não
eram saudáveis, bonitos e fortes eram levados ao Apothetai ou Apótetas (“lugar de
rejeição”) na encosta leste do Monte Taígeto (2407 metros de altura) de onde eram
jogados para Kaiada ou Kheadas (o equivalente espartano à Rocha
Tarpeia romana), um fosso localizado 10 quilômetros a noroeste de Esparta. Kaiada,
até hoje, é um lugar que sempre esteve rodeado de lendas sinistras. Não apenas
crianças defeituosas eram atiradas em suas profundezas, mas também os inimigos
do Estado (covardes, traidores, rebeldes messênios e suspeitos) e alguns
prisioneiros de guerra. Recentemente, vários
esqueletos eram descobertos sepultados lá, incluindo de mulheres e crianças.
Em outras ocasiões, os defeituosos eram entregues aos helotas para serem criados
como escravos, embora talvez este fato deva ser interpretado como, em certas
ocasiões, algum pastor bondoso (ou melhor, um pastor necessitando mão de obra)
pegasse um bebê que havia sido abandonado à intempérie para morrer, e o
levasse para casa para criá-lo como um filho.
Durante esses 7 anos, a influência feminina não os amoleceria, pois eram mulheres
que sabiam criar sem abrandar. As mães e babás espartanas eram um exemplo de
maternidade sólida: jovens duras, severas e virtuosas, imbuídas da profunda
importância e sacralidade da sua missão. Tinham sido treinadas desde o nascimento
para serem mulheres de verdade - para serem mães. Qualquer tipo de ternura ou
compaixão excessiva que pudessem ter pelo filho lhes foi removido. Se o
bebê era defeituoso, tinha que ser sacrificado, caso contrário, tinha que
ser aprimorado o quanto antes para poder suportar uma vida espartana. Os
primeiros anos de existência de uma criança marcam-na para o resto da vida e
assim entendiam as espartanas, de forma que se empenhavam com esmero na sua
tarefa de criar homens e mulheres.
Durante os primeiros 7 anos, outra tarefa era fazer com que os bebês enfrentassem
seus temores, erradicando os medos e superstições infantis. Para isso, as mães e
babás espartanas recorriam a diversos métodos. Em vez de permitir que os bebês
desenvolvessem o medo do escuro, desde recém-nascidos eram deixados no escuro
para se acostumarem e perderem o medo dele. Em vez de criar bebês incapazes de
se fazerem valer, muitas vezes deixavam-os sozinhos. Ensinavam a não chorar
e não reclamar, a serem duros e suportarem a solidão - embora sim, removiam os
oobjetos ou impediam situações que pudessem perturbar os bebês fazê-los
chorar justificadamente.
Os bebês espartanos não eram exatamente mimados como os bebês de hoje, que são
superprotegidos e cheios de roupas de abrigo, fraldas volumosas, gorros, cachecóis,
luvas, sapatinhos, rendas, sininhos, desenhos afeminados e cores berrantes que
tornam a pobre criatura em uma ridícula bola inchada e multicolorida, restringindo
seu crescimento, atrofiando sua imunidade, isolando-a de seu meio e impedindo-a
de sentir seu entorno, adaptando-se e desenvolvendo cumplicidade com ele.
Os bebês de Esparta não eram cercados por bajuladores todas as horas, prontos a
assistir a seus gemidos. E tampouco eram submetidos a concertos de
gritinhos, mimos e risos histéricos por parte de mulheres pouco sãs, ruídos que
confundem o bebê, incomodam-no e fazem-no se sentir ridículo, para acabar
transformando-o em tal. As mães espartanas não repreendiam seus filhos quando
demonstravam curiosidade, ou quando se arriscavam, ou quando se sujavam no
campo, ou quando iam sozinhos, ou saíam para explorar, ou se machucavam
brincando, porque isso dizimaria sua iniciativa. Esse hábito decadente
de supermimar as crianças e repreendê-las quando se arriscam não é próprio das
sociedades indo-europeias viris e exigentes. Às crianças espartanas, em resumo,
permitia-se entrar na Natureza, correr pelos campos e florestas, subir em árvores,
escalar rochas, sujar-se, sangrar, juntar-se, lutar e andar totalmente nus para que
nem uma única parte de sua pele ficasse sem curtir ao ar livre. Eram tratados
como verdadeiros cachorros.
7 - A INSTRUÇÃO ÀS CRIANÇAS
Vocês não sabem que apenas a disciplina da dor, da grande dor, é o que tem permitido
ao homem se elevar?
Aos sete anos (idade a partir da qual as glândulas pituitária e pineal começam a
degenerar), os meninos espartanos eram mais resistentes, fortes, sábios, ferozes e
maduros do que a maioria dos adultos hoje. E embora ainda não fossem homens, já
estavam perfeitamente preparados para a chegada da masculinidade. Nessa idade
(aos cinco anos de acordo com Plutarco) começavam seu
Agogê ou Egogé (treinamento ou instrução) [12].
Punha-se em marcha um processo que tinha a ver com o fim da influência materna
—reminiscência da hora do parto— e cortava-se de uma vez aquele “outro cordão
umbilical”, intangível, que continuava existindo entre mãe e filho. Assim, arrancava-
se os filhos de suas mães e colocava-se sob tutela militar junto com
outros meninos da mesma idade, sob as ordens de um instrutor,
o paidonomos (pedônomo), uma espécie de supervisor que costumava ser um jovem
destacado entre 18 e 20 anos que logo terminaria sua própria formação.
Quando este se ausentava por algum motivo, qualquer cidadão esparciata (isto é,
qualquer homem espartano que já tivesse concluído sua própria instrução) poderia
ordenar-lhes o que fosse ou puni-los como bem entendessem. A instrução
durava nada mais e nada menos que 13 anos, durante os quais os meninos eram
educados e disciplinados por homens, a fim de obter-se homens.
O Agogê é talvez o sistema de treinamento físico, psicológico e espiritual mais brutal
e eficaz já criado. A educação que os meninos espartanos recebiam era obviamente
do tipo paramilitar, que em alguns casos era claramente orientada para a guerra de
guerrilhas nas montanhas e nas florestas, para que o menino se fundisse com a
Natureza e se sentisse o predador rei. Pelo que sabemos, era um
processo superhumano, um autêntico inferno, quase de alquimia espiritual e
corporal, infinitamente mais duro do que qualquer instrução militar da atualidade,
pois era muito mais perigoso, duradeiro (13 anos) e exaustivo, porque os menores
fracassos eram punidos com enormes doses de dor - e porque os “recrutas”
eram meninos de sete anos.
Após raspar o crânio, os meninos eram organizados por agelai ou agelé (hordas
ou bandos) no estilo paramilitar. Os meninos mais fortes, belos, ferozes e fanáticos
(ou seja, os cabeças, os “líderes naturais”) eram feitos chefes da horda assim que
identificados. No âmbito da doutrina e da moral, a primeira coisa era inculcar nos
recrutas amor a sua horda, uma obediência sagrada e sem limites para com seus
instrutores e chefes, e deixar claro que o mais importante era demonstrar imensa
energia e agressividade. Com seus irmãos, suas relações eram de rivalidade e
competição perpétuas. Aqueles meninos eram tratados como homens, mas
quem assim os tratava não perdia de vista que ainda eram crianças. Eles
também eram marcados com aquela marca que distingue todo cachorro feroz e
confiante em sua habilidade: a impaciência, a ânsia de se mostrar e colocar-se à
prova, e o desejo de se distinguir por suas qualidades e méritos dentro de sua
matilha.
Para conseguir tudo isso, os rigorosos instrutores usavam sem escrúpulos todos os
meios possíveis à sua disposição. As situações de desgaste a que conduziam as
crianças eram tão intensas que é provável que as tivessem aproximado de um
estado muito próximo da demência, com a presença de alucinações induzidas pela
falta de sono e comida. Os mastigoforos (portadores do chicote) eram encarregados
de açoitar brutalmente e até torturar quem quer que falhasse, reclamasse ou
gemesse de dor, para que as tarefas fossem perfeitas. Às vezes, chicoteavam sem
motivo, apenas para endurecê-los, e as crianças espartanas preferiam morrer a
gemer ou perguntar por que estavam sendo açoitadas. A filosofia deles coincidia
com a de Nietzsche quando pensavam "Bendito seja o que nos endurece!". Havia até
competições para ver quem suportava as mais numerosas e intensas chicotadas sem
gritar; isso era conhecido como diamastigosis. Em ocasiões, a sacerdotisa de Ártemis
ordenava que, em sua presença e diante de uma imagem de Ártemis, as crianças de
sua escolha fossem chicoteadas. Se a cerimônia-suplício não fosse do agrado da
sacerdotisa, ela ordenava que as chicotadas se intensificassem. Essas crianças não
tinham apenas a obrigação de não demonstrar dor, mas de mostrar alegria. O
vencedor da competição macabra era aquele que aguentasse mais tempo sem
reclamar. Alguns morriam sem gemer. Alegar-se-á que isso é um absurdo
sadomasoquista, mas não podemos julgar um fato antigo com uma mentalidade
moderna. Certamente, o evento incutia nas vítimas a noção de sacrifício em prol do
arquétipo de sua pátria (Ártemis) e as ensinava a dominar o sofrimento com a
divindade em mente. Por outro lado, no restante da Grécia, os atletas se submetiam
voluntariamente a sessões de chicotadas, pois ajudavam a endurecer a pele e o
corpo, além de purgar impurezas (quem já esteve em países onde o chicote ainda é
usado como punição, deve ter percebido como a infeliz vítima transpira muito,
deixando uma enorme poça no chão ao final do suplício). E Esparta era, sem
dúvida, um estado atlético.
A falta de piedade para com o aluno promissor foi descrita por Nietzsche como:
“Não tenho contemplações com vocês porque os amo de coração, meus irmãos de
guerra”. E em palavras que parecem dirigidas a um instrutor, a um criador de super-
homens, diz: “A piedade deve ser um pecado para você. Admita apenas esta lei: “Seja
puro!“”. A compaixão era o pior veneno para Esparta, porque preservava e
prolongava a vida de tudo fraco e agonizante - fosse compaixão por si próprios,
pelos seus semelhantes ou pelos seus inimigos. No "Canto do Senhor" do
monumental Bhagavad Gita indo-iraniano está escrito que "um sábio não
sente lástima pelos que vivem, nem pelos que morrem."
Sofrer e suportar a dor sem reclamar fazia parte da idiossincrasia espartana. Assim,
os homens espartanos orgulhavam-se da quantidade de dor que podiam suportar
com os dentes cerrados, e lembremos que Nietzsche também dizia que o grau de
sofrimento a que um homem pode chegar determina seu lugar hierárquico. É
perfeitamente compreensível que esse tipo de estoicismo possa ser interpretado
como um culto masoquista ao sofrimento, mas devemos evitar cair nessa
interpretação errônea. O sofrimento em Esparta era um meio para despertar os
instintos de luta do homem e para que entrasse em contato com o seu corpo e com
a própria Terra. O sofrimento não era aceito mansamente de cabeça baixa, mas
lutava-se para dominá-lo, e tudo visava a alcançar a indiferença ao sofrimento, ao
contrário de cultos masoquistas como algumas variantes do cristianismo ou do
moderno “humanitarismo” ateu, forjadores de seres sentimentalóides e
hipersensíveis até mesmo à dor alheia.
Como foi dito, a obediência também era algo primordial na instrução, mas até que
ponto chegava essa obediência? A resposta é que não tinha limites. Era posta à
prova dia a dia. Um menino espartano podia receber ordens para matar um menino
hilota ou provocar uma briga com um companheiro, e presumia-se que não faria
perguntas, mas obedeceria silenciosa e eficientemente. Poderiam dar-lhe ordens
aparentemente absurdas ou irrealizáveis colocá-lo à prova, mas o importante era
que, sem hesitar, cegamente buscasse obediência à ordem inquestionável. Obedecer
era o sagrado e o básico, porque o superior sabe algo que o subordinado não sabe.
No Exército, diz-se que “quem obedece nunca está errado”. Os pequenos espartanos
eram constantemente postos à prova. Se um menino espartano tivesse recebido a
ordem de pular de um penhasco, provavelmente não teria hesitado e teria se jogado
sem pestanejar e até com furiosa convicção.
Tudo isso, aos olhos profanos, pode parecer exagerado e indignante, mas
esses profanos ainda não entendem o que significa. Quando o indivíduo tem certeza
de pertencer a “algo”, de estar diretamente a serviço da vontade divina, as ordens
não são questionadas porque vêm de Cima, de onde não podem ser entendidas - no
momento. Servir a um indivíduo semelhante mas superior é servir a si mesmo, pois
esse comando representa naquele momento a comunidade da qual o indivíduo faz
parte. Quando todas as peças de uma engrenagem assumem a sua função com
convicção, dá uma sensação geral de tranquilidade, confiança e ordem que permite
aos homens realizar os feitos mais perigosos e heróicos com a maior serenidade e
naturalidade. Se algo injusto era ordenado, era para um bem maior e,
em todo caso, nunca se faziam perguntas. Obedecia-se por amor à obediência em si,
como parte de uma disciplina monástica-militar. Obedecer a uma ordem era
obedecer a si mesmo e ao clã, porque o chefe era uma encarnação da vontade
desse clã. O próprio Nietzsche aconselhou: “Levai uma vida de obediência e de
guerra”. Essa magia de lealdade, dever e obediência é a que conduz os grandes
homens pelo caminho da glória.
Como nutrição, recebiam uma ração diária deliberadamente insuficiente, que incluía
o famoso, áspero e amargo pão preto espartano [15] com o qual produzia-se
também a famosa sopa preta espartana (melas zomos), e que era total e
absolutamente intragável para qualquer não espartano. Diz-se que continha, entre
outras coisas, sangue e entranhas de porco, sal e vinagre (pensemos nos
ingredientes do chouriço ou da morcilha). A ingestão de tal mistura provavelmente
era em si uma prática de autocontrole que ajudava a endurecer a boca, o estômago
e o sistema digestivo [16]. A comida espartana, em geral, era considerada pelos
outros gregos como fortíssima, quando não repugnante.
Por outro lado, a ideia das rações alimentícias ásperas e escassas era que
os garotos espartanos encontrassem sua própria comida caçando-coletando
ou furtando e cozinhando-a eles mesmos. Se fossem descobertos em ato de roubo
de comida, aguardava-llhes o chicote ou uma surra brutal, além da privação de
alimento por vários dias. E isso não por furtar alimento - que poderia ser
roubado dos helotas - mas por deixar ser pego. De alguma forma, isso lembrava a
tradição do "direito de rapina" das antigas hordas indo-europeias: exércitos antigos
geralmente careciam de qualquer tipo de logística e em suas campanhas
sobreviviam graças ao que tomavam da Natureza ou graças ao saque de seus
inimigos e das populações indígenas. Em Esparta, queriam ensinar os cidadãos
a adquirir comida por conta própria para acostumá-los a isso, para fazê-los se
adaptar a um modo de vida de incerteza e privação. Viviam em um perpétuo estado
de guerra e queriam torná-los bem cientes disso. Já Xenofonte dizia que “um
caçador, acostumado ao cansaço, é um bom soldado e um bom cidadão”. De resto,
em Esparta os animais eram muito respeitados e também os dórios em geral
conservavam cultos arcaicos de divindades com partes de animais (como Apolo
Carneios, com chifres de carneiro), o que simboliza a condensação das qualidades
totêmicas associadas ao animal em questão. Os garotos espartanos, que viviam a céu
aberto, deviam ter se identificado com muitos dos animais que os rodeavam,
forjando com eles uma certa cumplicidade.
É conhecida a anedota do menino espartano que, tendo capturado uma raposa para
comer, a escondeu sob sua túnica para escondê-la de um grupo de soldados que se
aproximavam. A raposa desesperada começou a usar seus dentes e garras para
atacar o corpo do menino, mas ele segurou sem gritar. Quando o sangue jorrou, a
raposa ficou mais agressiva e começou a arrancar pedaços de carne do menino,
literalmente comendo-o vivo. E o menino suportou a dor sem gritar. Quando a
raposa alcançou suas entranhas, roendo seus órgãos, o pequeno esparciata caiu
morto silenciosamente em uma poça de sangue discreta, sem soltar um gemido ou
mesmo dar sinais de dor. Não foi o medo que o fez esconder sua caça, pois aquela
morte lenta e dolorosa era certamente pior do que um monte de chibatadas. Foi sua
honra, foi sua disciplina, capacidade de sofrimento, vontade, resistência e dureza -
qualidades que em sua curta vida havia desenvolvido mais do que qualquer adulto
hoje. Essa anedota macabra, relatada por Plutarco, não pretende ser uma
apologia (afinal, Esparta perdeu um excelente soldado com essa criança), mas um
exemplo de estoicismo espartano, que às vezes chegava a extremos delirantes.
Como podemos ver pelo seu estilo de vida, os espartanos eram certamente
musculosos, mas não exageradamente em termos de volume. Não eram indivíduos
massivos como os fisiculturistas de hoje, e para ter certeza do que dizemos basta
olhar para as privações nutricionais que sofriam, bem como o regime de exercícios
que levavam, abundante em esforços aeróbicos intensos. Seu nível de definição e
tônus muscular, por outro lado, deviam ser impressionantes.
Na verdade, não eram permitidos dar-se ao luxo nem na linguagem, de forma que
falavam as palavras certas, em um tom seco, direto, firme e marcial. Um menino
espartano devia permanecer silencioso em público e, se lhe dirigessem a
palavra, devia responder com a maior brevidade, elegância e concisão, no mais puro
estilo militar. A língua espartana era como o povo espartano: pouco abundante, mas
de grande qualidade. Era um idioma de voz, comando e obediência, que devia soar
infinitamente mais desagradável, mecânico, áspero e duro até do que o latim
legionário ou o alemão mais marcial. O áspero dialeto dório falado em Esparta,
o lacônico, tornou-se sinônimo de aridez e simplicidade do falar. E a simplicidade do
falar é essencial para uma espiritualidade elevada. Lao Tsé, o lendário mensageiro
do Taoísmo, disse que “falar pouco é o natural” [19]. Existem numerosos exemplos
ilustrativos de laconismo espartano que irão aparecendo ao longo deste escrito. Um
bom é o de que, em uma ocasião, quando uma guarnição espartana estava prestes a
ser cercada e atacada de surpresa, o governo espartano simplesmente enviou a
mensagem: “Atenção”. Era o suficiente para homens que haviam passado a vida
inteira exercitando na milícia. “Para bom entendedor, meia palavra basta”,
diz o ditado.
Para aprender sobre política, modos solenes, respeito pelos mais velhos e assuntos
de Estado, as crianças espartanas eram levadas às sístias ou confrarias do Exército
(das quais tratarei mais adiante), onde homens jovens e velhos filosofavam,
conversavam e discutiam sobre a atualidade do momento. Plutarco disse que, para
os pequenos, frequentar esses círculos era como uma “escola de temperança” onde
aprendiam a se comportar como homens e a “vacilar” diante do adversário.
Eles eram ensinados a zombar dos outros com estilo e a saber como aceitar as
provocações recebidas. No caso de assentar mal uma zombaria, deveriam se
declarar ofendidos, e o ofensor imediatamente cessaria. Os mais velhos
tentavam pôr as crianças à prova para conhecê-las melhor e identificar suas
qualidades, e elas deviam conseguir causar boa impressão e cair bem àquelas
congregações de veteranos atentos, respondendo com a maior engenhosidade e
brevidade possível às perguntas mais distorcidas, maliciosas e rebuscadas.
Nas sístias, as crianças também aprendiam o humor aristocrático e irônico típico dos
espartanos, aprendendo a fazer piadas com elegância e recebê-las com humor. Não
é de modo nenhum estranho que um povo como os espartanos, aristocrático, solene
e marcial, atribuísse grande importância ao humor e ao riso - os espartanos em
particular devem ter sido mestres do humor negro. Embora os hilotas
provavelmente se surpreendessem com a seriedade dos espartanos e os rotulassem
de reprimidos, estes entre si eram semelhantes, eram irmãos. Por ordem do próprio
Licurgo, uma estátua do deus do riso decorava as sístias. O riso tem, efetivamente,
grande importância terapêutica. Podemos imaginar a alegria, as emoções e as
gargalhadas que se ouviam nas competições desportivas, nos campeonatos e nos
torneios de Esparta, pois na hora de jogar e competir, os homens mais solenes e
treinados tornam-se crianças.
Educação, cortesia e modos apurados eram muito apreciados em Esparta. Por que
isso era tão importante? Simplesmente porque quando os membros de um grupo
seguem condutas exemplares, o respeito se impõe, e deseja-se agir bem para manter
a honra e conquistar o respeito dos companheiros. Por outro lado, quando os
membros de um grupo se entregam a atitudes deploráveis
ou distrações decadentes, o respeito diminui e o prestígio interior desaparece do
grupo. Por que ganhar o respeito dos indignos por meio do sacrifício, se eles nem
mesmo respeitam o espírito de superação? E o resultado é fácil de ver: renuncia-se
a agir exemplarmente. Permite-se submergir no ambiente degenerado e imita o que
vê. Os esparciatas perceberam isso e estabeleceram um estrito código de conduta e
modos solenes em todos os momentos, para pôr em marcha um círculo virtuoso.
O estilo de vida que as crianças espartanas levavam mataria a grande maioria dos
adultos de hoje em menos de um dia. Como suportavam? Simplesmente
porque haviam sido criados para isso. Desde muito jovens, eram ensinados a ser
duros e fortes, aprimorados na Natureza e desprezando as comodidades da
civilização. E os corpos e espíritos infantis aprendem rapidamente e se adaptam
facilmente a qualquer situação, desenvolvendo rapidamente as qualidades de que
precisam para sobreviver. Por outro lado, não eram permitidos ter contato com
qualquer coisa que pudesse mesmo minimamente abrandá-los, e assim cresciam
incorruptos e incontaminados.
Para fazer frente a esta potencial sobérbia, os efebos espartanos deviam caminhar
pelas ruas em silêncio, com as cabeças inclinadas e as mãos escondidas, sem olhar
em volta, mas fixando os olhos no chão, adotando o andar de um monge, tal como
andariam séculos depois os perfeitos maniqueus. Garotos que de outra forma
seriam os mais barulhentos e irritantes eram transformados em silhuetas
fantasmagóricas cinzentas. Isso, é claro, não era permanente, mas temporário:
contribuía para reforçar a humildade e a modéstia dos adolescentes espartanos e
para aumentar o orgulho daqueles que, depois de concluírem sua própria instrução,
podiam andar de cabeça erguida. Além disso, ajudava que os cidadãos não se
sentissem ofendidos pela presunção dos aspirantes, já que não há nada que ofenda
mais um veterano experiente do que um soberbo e vaidoso “novato”, muito
orgulhoso de seus feitos.
Mas, por outro lado, os efebos eram ensinadas pela primeira vez a ler e escrever,
ensinando-lhes também música, dança, mitologia e poesia. E, pela primeira vez
desde os 7 anos, eram permitidos deixar crescer o cabelo, a que acudiam com muito
esmero, conseguindo aos poucos jubas impecáveis e orgulhando-se delas, pois o
cabelo era “o adorno mais barato” e, segundo Licurgo, “adicionam beleza a um rosto
bonito e terror a um rosto feio”. Usar cabelo comprido era um antigo costume
helênico que de alguma forma lembrava as origens bárbaras da linhagem. Muitos
deram aos cabelos longos, principalmente no caso das mulheres, a importância dos
sinais de fertilidade, extensões do sistema nervoso e refinadores das capacidades
espirituais. Arquetipicamente, é a manifestação do sino espiritual que brota do pico
cranial do praticante consumado de alquimia interior, cobrindo todo o seu corpo por
fora. Fatores como alimentação, saúde, exposição ao sol e ao ar livre e exercícios
atuam na formação dos cabelos longos. Por essa razão, a juba devia ser algo como
uma bandeira da individualidade, um sinal de identificação pessoal que denotava a
saúde e os hábitos do indivíduo.
O que está claro é que para alguns jovens que levavam a cabeça raspada desde os
sete anos, deixar os cabelos crescerem deveria representar psicologicamente um
sinal de superação, transmitir a sensação de uma nova etapa - mais espiritual, menos
desamparada e grosseira, menos brutal. Após a dolorosa etapa infantil em que se
sacrificava o cabelo, haviam conquistado a beleza e a individualidade permitidas a
seus ancestrais perfeitos. Tanto a raspagem do crânio quanto a obtenção de cabelos
longos eram para os espartanos dois estágios arquetípicos de um processo de
transformação interna e externa.
A novidade mais importante desse período era a música, orientada para cantos
religiosos, patrióticos e de guerra. As canções e a capacidade de cantar juntos é algo
que ajuda no cultivo unido do espírito, a reforçar a coesão do inconsciente coletivo.
Cada aliança de guerreiros sempre teve suas canções. Em Esparta havia numerosos
coros musicais e toda criança espartana devia aprender a cantar integrada em um
coro. Em muitas cerimônias, três grupos eram organizados: um de velhos, um de
jovens e um de crianças. Quando os idosos começavam a cantar “No passado éramos
jovens e corajosos e fortes”, os homens jovens continuavam
“e assim somos agora, venha e veja”, e as crianças respondiam depois “mas em
breve seremos nós os mais fortes”. Uma nação que se preze procura sempre tornar
cada geração superior à anterior, pois, como em uma matilha de lobos, as gerações
jovens, vigorosas e impulsivas vão substituindo as mais velhas nas posições de ação
direta.
Já vimos que toda instrução espartana era projetada para cultivar faculdades como
força de vontade, poder de decisão, o prazer da responsabilidade, valor,
coragem, ousadia, estoicismo, patriotismo, marcialidade, capacidade de liderança,
sobriedade, autocontrole, ascetismo, austeridade, sacrifício e sofrimento, audácia,
dureza física e moral, sentimento de dever e honra, dureza, rigor, sabedoria
psicológica, equilíbrio espiritual, inteligência rápida, cortante e fria, educação e
cavalheirismo, construção de caráter, solenidade, respeito, laconismo,
disciplina férrea, eficácia, obediência sagrada e agressividade. Vasta gama de
qualidades muito importantes e básicas, hoje em perigo de extinção. Mas todas essas
qualidades seriam inúteis se não fossem utilizadas para algo, se não tivessem um
objetivo e uma meta. Nietzsche escreveu que “é imperdoável que, tendo poder, você
não queira dominar”.
Toda disciplina, ascetismo, autocontrole, dor terrível, medo, perigo, risco, rivalidade,
fome, sede, sono, cansaço, frio, calor, desconforto, agressividade, horrível crueldade,
o sofrimento, a luta, as surras, as chicotadas, os insultos, o sangue
que tudo salpicava e impregnava, a onipresença constante da morte mais profunda
e da vida mais elevada, dando origem a uma prodigiosa tensão vital, eram uma
expressão maravilhosa e magnífica de como toda uma linhagem queria ser,
furiosamente e a todo custo, o senhor absoluto de sua própria vontade coletiva,
entronizar-se na Terra e esmagar impiedosamente qualquer inimigo que surgisse.
Esses sentimentos são maus? Ou, ao contrário, são os sentimentos mais elevados e
admiráveis, os impulsos sagrados que nos incitam a viver, a lutar, a destruir, a
criar, a renovar e plasmar-se em alguma memória eterna? Eram qualidades e
sentimentos que a humanidade indo-européia perdeu e que deverá recuperar.
Tudo isso é grandioso já em si, agora, qual foi o resultado dessas qualidades e desses
sentimentos? Qual foi o resultado de tal educação? Qual foi o resultado da disciplina
da grande dor? O resultado foi um tipo superior de homem. Com uma mente fria e
insensível à dor, sofrimento e desconforto, e acostumada a pensar rapidamente em
momentos de grande perigo e estresse. Um soldado perfeitamente instruído em
todas as artes da guerra e acostumado a lutar para atingir seus objetivos, um homem
marcial criado e treinado para dominar. Um homem intrépido e temível
que, ao desprezar sua própria vida pelo bem de seu povo, desprezava mais a
dos outros, por isso era duro e implacável. Um homem estóico e robusto que
também desprezava todas as ninharias materiais da vida mundana, e cuja única
dedicação eram seus irmãos no combate, sua lealdade à pátria, sua devoção a
sua família e os desejos de divindade de sua estirpe. Um homem habituado a viver
ao ar livre, forjando um vínculo inquebrantável com a sua terra, que considerava um
patrimônio sagrado, uma responsabilidade. Um ginasta com uma forma física
impressionante, um verdadeiro atleta. Um guerreiro acostumado a
ganhar as coisas por si mesmo. Nada do que lhe fosse feito poderia quebrá-
lo, era capaz de suportar as dores mais terríveis e as tragédias espirituais mais
profundas com a mesma impassibilidade com que aceitava alegrias e triunfos. Tendo
se mostrado capaz de obedecer, conquistou o direito de comandar.
Os animais são admiráveis por sua dureza, por seu instinto, sua resistência à dor,
fome, intempérie e por sua ferocidade. Os espartanos, graças à energia que só a
experiência proporciona, à motivação e à formação fanática e metódica, eram
capazes de superá-los. Por meio do auto-sacrifício e do risco de se lançar cegamente
ao desconhecido e ao extremo, eles souberam responder à pergunta de onde estão
os limites do homem e do que o homem é capaz quando uma vontade sobrenatural
habita em seu interior e finca firmes raízes em todo o seu ser.
Não podemos nem imaginar como eram os homens dos tempos antigos, devido à sua
ferocidade, vontade e dureza. Pois bem, de todos eles, o esparciata foi o mais duro e
realizado, o mais aperfeiçoado e o mais forte. O treinamento dos espartanos foi
brutal, mas de uma forma ou de outra, os instrutores sempre intuíram
inconscientemente que essa é a melhor maneira de formar bons guerreiros. Em uma
escala muito menor, os exércitos modernos também empregam a brutalidade para
com o recruta: insultos, gritos, ofensas, humilhações, golpes e trotes (iniciações
modernas, quando conservam o sentido) servem para que o novato se envergonhe
de sua personalidade anterior, descartando-a, esquecendo-se dela e trocando-a por
uma personalidade que é, junto com a de seus camaradas, mais uma peça do quebra-
cabeça que será sua unidade. Mais ainda, muitas vezes não são mais chamados por
sobrenomes, mas por alcunhas (“nomes de guerra”) ou por números. Exercícios
extenuantes, desconforto, mal-estar, sofrimento, medo, estresse, nojo, etc., servem
para fazer o recruta sofrer e assim promover sua humildade e respeito pelo que está
além dele. Somente quando o aspirante tiver se entregue como em um sacrifício,
voluntariamente atingindo o fundo em penoso sofrimento, pode recomeçar do zero
de uma nova maneira, com uma personalidade transformada, purificada de suas
imperfeições e temperada no fogo e nas marteladas de um ideal firme, fanático,
sublime e sagrado. Hoje em dia não restou nada além de um vestígio de todo esse
estoicismo.
9 - VIDA ADULTA
Homens jovens, belos e robustos estão destinados pela Natureza a propagar a espécie
humana, para que ela não degenere.
Entrar em uma sistia significava que o membro passava a ser aceito por seus pares
como um esparciata com todas as obrigações, embora não adquirisse plenos direitos
de cidadania até os 30 anos. Ou seja, depois de 13 anos de treinamento e de
ingressar no Exército, faltavam ainda 10 anos de “provação” que coincidiam com a
fase de maior florescimento biológico.
O que foi dito aqui é exatamente válido também para os espartanos que, como indo-
europeus detradição, bebiam das mesmas fontes que os germânicos. Desde
cedo, havia sofrimento, incentivo, glória e camaradagem para abrir caminho para a
masculinidade quando ela chegasse, seguindo a moral da aidós (“pudor”,
“decência”). E mesmo quando chegasse, a abstinência sexual se mantinha até que o
jovem estivesse espiritualmente em condições de assumir o controle de seus
instintos. O propósito de todas essas fases preparatórias era acumular energia e
cultivar a testosterona para completar sem interferências a alquimia biológica que
ocorre no corpo masculino durante esta fase.
Aos 20 anos, portanto, e após terem entrado nessas sístias militares, os jovens
ingressavam na falange espartana como soldados. Fariam parte dela, se
sobrevivessem, até os 60 anos, subindo gradativamente na escala de comando, por
mérito e pela experiência. Passariam a maior parte de suas vidas entregues ao
Exército, embora seu tempo operacional fosse de 10 anos - entre as idades de 20 e
30 - porque a partir dos 30 eram autorizados a viver em casa com suas esposas, e
começavam a desempenhar tarefas públicas ao se tornarem cidadãos e entrarem na
Assembleia.
Até então, viviam em quartéis militares e todas as refeições eram feitas com os
companheiros militares. Quando tinham tempo livre, observavam como ia a
instrução das novas gerações e procuravam ensinar-lhes coisas úteis, incitá-las a
lutar para descobrir as capacidades de cada criança e talvez até aprender alguma
coisa com elas de vez em quando. Outras vezes se entregavam à companhia dos mais
velhos para aprender algo de útil com eles, ou para ouvir suas histórias e reflexões.
Era de imensa importância que todo esparciata se casasse e tivesse muitos filhos e,
de fato, multas e penalidades eram impostas por casamento tardio; havia até um
imposto de solteiro. Quanto ao celibato, era um crime claro em Esparta e não
era nem concebível. Houve ocasiões em que grupos de garotas espartanas
vagavam batendo em homens solteiros que já tivessem certa idade. Outros
depoimentos narram como, no inverno, solteiros, solteiras e casais sem filhos
solteiros eram despidos e obrigados a marchar pelo centro da cidade cantando uma
canção sobre como era justa sua humilhação, por terem infringido as leis. Ser
solteiro com certa idade - por volta dos 25 - era uma vergonha comparável à
covardia em combate, já que a feminilidade espartana era completamente saudável,
pura e treinada para constituir esposas exemplares e mães orgulhosas. Eram
mulheres que estavam perfeitamente à altura de um esparciata. Sob o ponto de vista
natural que regia em Esparta, era um crime que, existindo garotas perfeitamente
saudáveis, um jovem privasse a raça de uma descendência que ela reivindicava
como um direito. Plutarco conta uma anedota reveladora sobre isso. Um famoso e
respeitado general espartano chamado Dercilidas entrou em uma reunião e um dos
jovens esparciatas recusou-se a ceder seu assento como esperado, "porque você não
deixa um filho para cedê-lo a mim". O jovem não foi repreendido nem punido,
porque tinha razão.
Favorecia-se uma alta taxa de natalidade por meio de incentivos e recompensas para
famílias numerosas, além da liberação de pagamentos comunitários para aqueles
que tinham mais de quatro filhos saudáveis. Isso, junto com a obrigação prática de
casar, tinha o objetivo de favorecer a multiplicação da linhagem
espartana [22]. Assimilemos, em todo caso, que o crescimento da população
espartana não devia ser tão alto quanto muitos imaginam, pois, embora tivessem
filhos em abundância, muitos morriam na seleção eugênica e na criação infantil,
outros durante a instrução e outros por causa de doenças infecciosas previstas pela
seleção natural.
A filosofia espartana com respeito ao supérfluo era: “Se não for imprescindível, é
um estorvo”. Tudo que não fosse necessário para a sobrevivência era rejeitado com
desprezo. Joias, ornamentos, designs extravagantes, cores berrantes e outros fardos
e distrações foram extirpados de Esparta. Luxo e decoração eram inexistentes. Os
espartanos eram estritamente proibidos de comerciar ouro ou prata, e a própria
possessão era severamente punida, assim como seu uso na forma de ornamentos ou
joias. O próprio Estado espartano recusou-se a fabricar moedas de qualquer tipo.
Como instrumento de troca de mercadorias (ou seja, como dinheiro), utilizavam-se
as barras de ferro (a Lacônia possuía importantes minas de ferro), por serem tão
grandes, feias e pesadas que poucos queriam amontoá-las, acumulá-las, ocultá-las
ou possuí-las (poderíamos também adicionar contá-las, acariciá-las e observá-
las morbidamente, como os gananciosos faziam com as belas moedas de ouro),
e ademais as barras não eram aceitas fora de Esparta. Plutarco diz, a respeito da
“moeda” de Esparta, que “não se podia comprar com ela produtos estrangeiros de
qualquer valor, nem entravam nos portos navios mercantes, nem se aproximavam
da Lacônia o sofista falador, ou saudador e enganador, nem homens
involucrados com mulheres, ou artífices de ouro e prata” [23].
Resumindo, não era fácil manipular esse dinheiro, nem traficar, subornar, roubar,
contrabandear ou fazer negócios com estrangeiros, nem podiam aparecer vícios
como o jogo ou a prostituição. Grandes fluxos econômicos eram impossíveis. O
ganancioso era exposto, pois precisava de um celeiro inteiro para manter sua
fortuna. E caso alguém cortasse as barras para manuseá-las e escondê-las, os
fabricantes destas - quando estavam em brasa - as mergulhavam em vinagre, o que
as fazia perder a ductilidade e não podiam ser trabalhadas nem moldadas.
Não resisto em apontar que o uso do ferro como dinheiro em Esparta é arquetípico
e simbólico. Enquanto os outros estados se abstraíam com o ouro, Esparta
adotava o metal rude. Enquanto os outros estados, mais brandos, muitas vezes
procuravam recriar a idade de ouro em sua narcose nostálgica, Esparta se
adaptava aos tempos difíceis da idade do ferro. Esparta, realmente, foi
uma autêntica filha da idade do ferro, uma joia em meio a fermentos
de decomposição e luzes do entardecer de outono. Era em Esparta onde a
compreensão de um tipo superior de sabedoria havia sido mantida - não a
sabedoria áurea, já regredida e senil, mas a nova sabedoria do ferro.
Ensinava-se aos espartanos que a própria civilização, com seus luxos, seus
confortos, suas riquezas, sua suavidade, concupiscência e complacência, era um
fator de dissolução, algo certificado inúmeras vezes por Schopenhauer e também
por Nietzsche, que admirava o mundo ascendente e não contaminado por bárbaros,
dos quais os espartanos eram a expressão máxima, mais refinada e aperfeiçoada.
Mas Esparta não precisava se deixar contaminar por aquela perigosa influência
oriental, primeiro porque já contava com a mão-de-obra abundante dos hilotas e
também porque, por razões raciais, não permitia a imigração ou o tráfico de
escravos. Esparta via a si mesma como o repositório dos
costumes ancestrais helênicos em geral e dórios em particular, assim como viam os
outros povos da Hélade - exceto Atenas.
(F. W. Nietzsche).
O que eu quero é que a sejam a sua vitória e a sua liberdade que anseiem por um filho,
pois a elas você há de erigir monumentos vivos. Deve edificar em cima de ti, mas
primeiro você deve ser um edifício bem construído em corpo e alma. Reproduzir-
se deve ser um criar algo superior a você. Para isso o matrimônio há de te ajudar. […]
Essa vontade que te leva ao casamento, é aquela sede de criador, é aquela flecha e
aquele anseio que apontam para o super-homem, irmão meu? Sim? Nesse caso,
considero essa vontade e esse casamento algo sagrado.
(F. W. Nietzsche).
Esparta, um estado tão severo e viril, era o mais justo da Hélade em todos o tocante
às suas mulheres, e não exatamente porque as mimasse, lisonjeasse ou criasse mal.
Esparta foi o único Estado helênico que instituiu uma política de educação feminina,
independentemente do conhecimento do lar e dos filhos que toda mulher deveria
ter. Foi também o Estado com a maior taxa de alfabetização de toda a Hélade, já que
as meninas espartanas eram ensinadas a ler como seus irmãos, ao contrário do resto
da Grécia, onde as mulheres eram analfabetas.
Em Esparta havia mais mulheres do que homens, porque sua eugenia não era tão
severa [26], porque não passavam na triagem da instrução, porque não caíam em
combate e porque os homens muitas vezes estavam em manobras ou em campanha.
Os espartanos que pensavam em seu lar, portanto, deveriam pensar sempre em
termos de mãe, irmãs, esposa e filhas: a Pátria, o ideal sagrado, tinha um caráter
feminino, e proteger a Pátria era o mesmo que proteger suas mulheres. Os homens
não protegiam a si mesmos: eram a armadura distante que defendia o coração, o
núcleo sagrado, e se sacrificavam em honra desse coração. Em Esparta, mais do que
em qualquer outro lugar, as mulheres representavam o círculo interno, enquanto os
homens representavam a muralha externa protetora.
As espartanas corriam, lutavam boxe e luta livre, assim como lançamento dardo e
disco, natação, ginástica e dança. Embora participassem de torneios esportivos
espartanos, eram proibidas de fazê-lo nos Jogos Olímpicos, devido à rejeição dos
demais povos helênicos, contaminados pela mentalidade de que uma “senhorita”
deve apodrecer dentro de quatro paredes. Vemos que, enquanto as esculturas
gregas representam bem o ideal de beleza masculina (pense no “discóbolo” de
Mirón), elas não se aproximam nem um pouco do ideal de beleza feminina: todas as
estátuas femininas representavam mulheres amorfas, pouco sãs, pouco naturais e
nada atléticas, embora com traços faciais perfeitos. Se os espartanos nos tivessem
deixado esculturas de mulheres, eles teriam representado seu ideal de beleza muito
melhor, pois eles, ao contrário dos outros helenos, tinham um ideal feminino
claramente definido e eram claros sobre como uma mulher deveria ser.pouco
natural e nada atlético, embora com traços faciais perfeitos. Se os espartanos nos
tivessem deixado esculturas de mulheres, teriam representado o ideal de beleza
muito melhor, pois eles, ao contrário dos outros helenos, tinham um ideal feminino
claramente definido e sabiam claramente como uma mulher deveria ser.
Quanto à austeridade feminina, também era pronunciada (embora não tão
pronunciada quanto a praticada pelos homens), principalmente se a compararmos
com o comportamento das demais gregas, já apreciadoras de cores, da
superficialidade, das decorações, dos objetos, e com aquele toque de “consumismo”
típico das sociedades civilizadas. As espartanas nem mesmo conheciam os
penteados extravagantes vindos do Oriente e, como sinal de disciplina, costumavam
usar o cabelo amarrado com simplicidade - certamente também o mais prático para
uma vida de intensa atividade esportiva. Da mesma forma, todas as formas de
maquiagem, adornos, joias e perfumes eram desconhecidas e desnecessárias para
as mulheres de Esparta, que altivamente desterravam toda aquela parafernália
meridional. Sêneca disse que “a virtude não precisa de adorno; ela tem em si mesma
o seu adorno mais elevado”.
Um dos propósitos de criar mulheres saudáveis e ágeis era que os bebês espartanos,
crescendo dentro de corpos sólidos, nascessem promissores. Segundo Plutarco,
Licurgo “exercitava os corpos das donzelas a correr, lutar, lançar o disco e atirar com
o arco, para que as raízes dos filhos, começando em corpos robustos, brotassem com
mais força; e passando pelos partos com vigor, estivessem dispostas a suportar a
dor com alegria e facilidade” [27].
As espartanas eram preparadas, desde meninas, para o parto e para a fase em que
seriam mães, ensinando-lhes a maneira correta de criar um filho para que se
tornasse um verdadeiro esparcíata. Durante esse aprendizado, as espartanas
costumavam ser babás e, assim, ganhavam experiência para quando recebessem a
iniciação da maternidade. Casavam-se a partir dos 20 anos e não casavam com
homens muito mais velhos do que elas (como era o caso no resto da Grécia), mas
sim com homens da sua idade ou 5 anos mais velhos ou mais novos do que elas. A
diferença de idade dos membros de um casamento era muito mal vista, pois
sabotava a duração da fase fértil do casal. A aberração de casar garotas de 15 anos
com homens de 30 não era nem remotamente permitida, uma aberração que ocorria
em outros estados helênicos, onde os pais chegavam a forçar uniões cuja diferença
de idade era de uma geração. Tampouco se permitia outra abominação em Esparta,
que consistia em casar moças com seus próprios tios ou primos para manter a
riqueza hereditária dentro da família, em uma mentalidade completamente oriental,
anti-indo-européia e antinatural. Outras práticas, como a prostituição ou o estupro,
nem sequer eram concebidas, assim como o adultério: um espartano chamado
Geradas foi questionado por um forasteiro que pena era aplicada em Esparta aos
adúlteros. Geradas respondeu: “Entre nós, ó convidado, não existem”. E o
estrangeiro voltou a insistir: “E se houvesse?” Geradas respondeu: “pagam um touro
tão grande que, por em cima do Taígeto, ele beba do Eurotas”. O estranho, confuso,
exclamou: “Como pode haver um touro tão grande?” Geradas sorriu para ele:“E
como pode haver um adúltero em Esparta?”
Nos outros estados gregos, a nudez masculina era comum em atividades religiosas
e esportivas, e isso era um sinal de sua arrogância e orgulho. A nudez feminina, por
outro lado, era proibida, bem como a própria presença feminina em tais atos. Mas
nas procissões, cerimônias religiosas, festivais e atividades esportivas de Esparta, as
moças iam tão nuas quanto os rapazes. Todos os anos durante o Gymnopedia, que
durava 10 dias, jovens espartanos de ambos os sexos competiam em torneios
esportivos e dançavam nus [28]. Considerava-se que, ao participar de eventos
esportivos, ajovem espartana teria a possibilidade de selecionar um esposo bem
constituído.
Hoje em dia, atividades nudistas desse tipo seriam ridículas porque a nudez das
pessoas é vergonhosa; os corpos modernos são flácidos e carecem de formas
normais. O indivíduo moderno tende a considerar um corpo atlético como um corpo
incomum, quando um corpo atlético é um corpo natural e normal; são os demais
tipos físicos atrofiados e não exercitados que não são normais. Lembremos a
reflexão nietzschiana: “Um homem nu é geralmente considerado um espetáculo
vergonhoso”. No entanto, naquela época, testemunhar tal demonstração de saúde,
agilidade, força, beleza, musculatura e boa constituição devia inspirar respeito
genuíno e orgulho pela linhagem.
E qual foi o resultado da educação patriarcal espartana para as moças? Era uma
casta de mulheres à beira da perfeição, mulheres severas, discretas e orgulhosas. A
feminilidade espartana assumiu o aspecto de jovens atlética, alegres e livres, mas ao
mesmo tempo sérias e sombrias. Eram, como as valquírias, a companheira perfeita
do guerreiro. Mulheres-troféu por aspirarem ao melhor homem, mas fisicamente
ativas e ousadas; muito distantes, então, do ideal de “mulher-objeto”.
Em toda a Hélade, as mulheres espartanas eram conhecidas por sua grande beleza e
respeitadas por sua serenidade e maturidade. O poeta Álcman de Esparta (século 7
a.C.) dedicou alguns versos a uma campeã espartana que competia em corridas de
carruagem, elogiando-a por seus “cabelos de ouro e rosto de prata”. Dois séculos
depois, outro poeta, Baquílides, escreveu sobre as “loiras lacedemônias”,
descrevendo-as como “de cabelos de ouro”. Levando em consideração que as
tinturas em Esparta eram proibidas, podemos deduzir que o etnocentrismo e o
instinto de separação dos espartanos com relação aos aborígenes gregos eram fortes
o suficiente para que nada mais e nada menos que sete séculos após a invasão dória,
os cabelos loiros ainda predominassem entre os cidadãos do país.
No casamento espartano, então, podemos ver como a mulher espartana era elevada
à categoria de ideal divino e não entregue por seus pais a um homem escolhido por
eles (como no ritual moderno do casamento, que transforma a noiva em mercadoria
tribal), mas sim que o bravo macho tinha que merecê-la. Na verdade, em Esparta, os
pais não podiam ter nada a ver com os assuntos conjugais dos filhos, mas era o
próprio casal que decidia sua união, permitindo que as preferências e os instintos
saudáveis dos jovens se manifestassem sem impedimentos. Deixava-se claro que
riqueza, consentimento dos pais, arranjos de casamento, dialética, sedução ou
palavras falsas não valiam para possuir uma mulher da categoria espartana; era
preciso impressionar e devastar, ser robusto e nobre, ser geneticamente digno.
Após o ritual, a noiva era levada para casa de seus sogros. Lá, sua cabeça era raspada
e ela era vestida como um homem. Depois, era deixada em um quarto escuro,
esperando o noivo chegar. Tudo isso é extremamente difícil para uma mente
ocidental moderna entender, e não é desse ponto de vista que devemos tentar
entender, mas sim situando-nos na época e tendo em mente que tanto espartanos
quanto espartanas pertenciam a uma Ordem. Esta última fase - totalmente sórdida
- servia para incutir nos recém-casados a noção de que o segredo e a discrição de
seu relacionamento não haviam terminado e que ainda não haviam conquistado o
direito de desfrutar de um casamento normal. Para a mulher, implicava iniciação,
sacrifício e uma nova etapa. Ela era despojada de seus dons de sedução e sua
consciência de ser atraente. Para o homem, era benéfico para ele apreciar o que
realmente importava em sua esposa: não as roupas, o cabelo ou os enfeites, mas seu
corpo, seu rosto e seu caráter. Realizar um ato nessas condições sombrias e
absolutamente hostis ao romantismo e à excitação sexual era o menos estimulante
imaginável tanto para o homem quanto para a mulher, de modo que se
acostumavam paulatinamente às sensações físicas derivadas da relação sexual, mas
sem estímulos psicológicos adicionais, como uma aparência mais feminina na
mulher e um ambiente mais amável - estímulos que tendem a boicotar a resistência
do homem, levando-o a se entregar ao prazer e descansar sobre os louros. Portanto,
essa encenação era pouco estimulante sexualmente no curto prazo, mas por outro
lado era muito estimulante no longo prazo, de uma forma sutil: aos poucos, inflava-
se nos corações dos amantes o desejo pelo que ainda não era permitido. Assim,
quando a mulher tivesse crescido de novo um cacho abundante, e a pseudo-
clandestinidade da relação tivesse se dissipado com o tempo, tanto homem quanto
mulher eram adultos bem experientes que sabiam o que queriam e que, apesar
disso, não haviam sofrido qualquer diminuição no seu desejo sexual, mas pelo
contrário, estavam mais do que nunca totalmente preparados para apreciar e
desfrutar o que um relacionamento físico livre implicava.
Licurgo estabeleceu que um homem devia ter vergonha de ser visto com sua esposa
em atitudes amorosas [32] para que o encontro se realizasse em privado e com a
maior intimidade e paixão, visto que o sigilo e a hostilidade circundante favoreciam
a magia da união, o sentimento de cumplicidade e o verdadeiro romantismo, que
deve sempre guardar algum segredo. O objetivo desta medida, além disso, era
promover a sede de verdadeiro conhecimento mútuo, o fascínio, o mistério, o
encanto, o sagrado curto-circuito entre o homem e a mulher e - digamos - a morbidez
do proibido, para que a sua relação não tivesse nada público, mas privado, e para
garantir que homens e mulheres nunca se cansassem um do outro. O casal espartano
devia, portanto, ter uma sexualidade poderosa, que emanasse de corpos saudáveis
e espíritos puros, dando origem a um erotismo limpo, uma luxúria positiva e
necessária à preservação da raça. Nas palavras de Xenofonte:
Como, então, os espartanos faziam para estar com suas mulheres? Nas sístias,
levantavam-se em silêncio e saíam da sala. Tomando cuidado para que ninguém os
visse (à noite era proibido circular com lanternas ou iluminação de qualquer tipo,
para promover a capacidade de se mover no escuro sem medo e em segurança),
entravam em sua casa, onde encontravam sua mulher, e onde acontecia o que tivesse
que acontecer. Mais tarde, o homem voltava à sístia com seus companheiros de
armas, envolto em um segredo que quase beirava a sordidez. Ninguém sabia de
nada. A sexualidade do casal era estritamente privada, mesmo furtiva e pseudo-
clandestina, para que ninguém pudesse interferir nela, para que a relação fosse mais
vigorosa e, ainda segundo Plutarco, para que suas mentes estivessem sempre
“frescas no amor, por deixar em ambos a chama do desejo e da complacência“.
Por outro lado, havia outra medida espartana polêmica que tinha a ver com a
necessidade de procriar. Se um homem começasse a envelhecer e conhecesse um
jovem cujas qualidades admirasse, ele poderia apresentá-lo à esposa para que
produzissem uma descendência robusta. A mulher poderia coabitar com outro
homem que a aceitasse, e se ele fosse de maior valor genético que seu marido (ou
seja, se ele fosse um homem melhor), isso não era considerado adultério, mas sim
um serviço à raça. Da mesma forma, se uma mulher era estéril ou logo começasse a
declinar biologicamente, o marido tinha o direito de tomar uma mulher fértil que o
amasse, sem ser considerado adúltero também. Na sociedade viking (que era o tipo
de sociedade de onde vieram os antigos dórios), se uma mulher fosse infiel com um
homem manifestamente melhor do que seu marido, ela não era considerada
adúltera. O que foi dito pode parecer sórdido e primitivo, pode parecer uma
anulação do indivíduo ou da ordem, e um "rebaixamento do homem à categoria de
gado", mas em face da necessidade premente de Esparta por descendência, os
desejos individuais egoístas pouco importavam. As forças da Natureza e da raça não
ligam para caprichos pessoais, o que importa é que a prole seja saudável e robusta,
e que o fluxo de filhos jamais se extinga. Estabeleceram-se, portanto, aquelas
medidas peculiares, que em um povo indisciplinado teriam levado ao caos, mas aos
espartanos, acostumados à discrição e à ordem, não lhe causavam problema. Por
outro lado, deve-se evitar cair no erro de pensar que todos os casais eram “soltos”.
O normal na grande maioria dos casos era que ambos os membros do casal fossem
saudáveis e férteis e não precisassem de “assistência”.
À rainha Gorgos de Esparta, esposa do rei Leônidas, uma mulher estrangeira disse
certa vez que apenas as mulheres espartanas tinham alguma influência real sobre
os homens, e a rainha respondeu: “porque somos as únicas que geramos homens de
verdade”. Mais uma vez, as mulheres espartanas tinham influência sobre os homens,
mas não poder. Nas antigas assembléias escandinavas, como exemplo do valor da
influência feminina, apenas os homens casados podiam votar: o homem era o
tomador de decisão, mas presumia-se que não era completo até que tivesse um
espírito complementar feminino ao seu lado que lhe transmitisse certa magia no dia
a dia e o inspirasse em suas reflexões, e até então não tinha permissão para votar.
Na prática, cada casamento era um voto.
Por outro lado, nos demais estados helênicos a presença feminina havia sido banida,
desequilibrando a mentalidade e o comportamento do guerreiro e finalmente
facilitando o surgimento da homossexualidade. Todo o assunto da feminilidade
espartana era realmente inconcebível no resto da Grécia. Os atenienses chamavam
as espartanas de fainomerídeos , isto é, “aquelas que mostram as coxas”, como uma
censura à sua liberdade de vestir. Isso porque as mulheres espartanas ainda usavam
o velho peplos dório, que era aberto na lateral até a cintura. Fazia parte de uma moda
feminina mais confortável e leve que a do resto das gregas, uma moda desprovida
de penteados, maquiagens, joias ou perfumes extravagantes; era uma moda para
mulheres sãs. Mas o resto da Hélade, no que dizia respeito às mulheres, já estava
infectado pelos costumes orientais, que as mantinham permanentemente trancadas
em casa, onde seus corpos se debilitavam e seus espíritos adoeciam.
11 - O GOVERNO
Ocorreu-me um dia que Esparta, mesmo estando entre os estados menos populosos, é
sem dúvida a cidade mais poderosa e célebre da Grécia, e me perguntei como isso teria
acontecido. Mas quando considerei as instituições dos espartanos, parei de me
perguntar.
O poder espartano não era uma máquina burocrática fria que desconhecia as
paixões e impulsos. Era um ser espiritual que havia criado raízes na alma de cada
espartano, que estava vivo e tinha vontade própria. Os líderes espartanos mediam
sua qualidade em termos de serem capazes de serem valiosos receptáculos e
transmissores dessa vontade, e esse era exatamente o objetivo de seu treinamento
e disciplina: tornarem-se as ferramentas pelas quais o Estado espartano, intangível
mas irresistível, se materializasse na Terra e manifestasse sua vontade.
Toda a organização do poder espartano é tão singular e exemplar que merece nosso
enfoque agora em suas várias instituições políticas separadamente – após termos
nos ocupado com a criação, o instrução, o Exército e o casamento, que eram
instituições em si mesmas.
A) A DIARQUIA
O Governo espartano era chefiado por dois reis que governavam conjuntamente,
sendo chefes do poder político, militar e religioso, desempenhando as funções de
sumo sacerdote e caudilhos do Exército. Este curioso símbolo de poder bicéfalo
gêmeo não era justificado apenas porque um rei controlava a autoridade do outro,
mas porque era um traço simbólico (lembremos de Rômulo e Remo) dos reis da
antiguidade mítica. No caso de Esparta, ambos os reis estavam simbolicamente
relacionados no culto religioso com os gêmeos míticos Castor e Pólux [33], gigantes
sobrenaturais dotados de sentidos superdesenvolvidos, filhos de Zeus, membros
do Männerbund dos Argonautas e mitologicamente os primeiros monarcas do país.
Era tradição que o rei e os comandantes que lutavam se cercassem de uma guarda
de elite de 300 homens selecionados (os Hippeis). Diz-se de um espartano que
aspirava a esse corpo e que, incompreensivelmente, ficou feliz quando lhe
informaram que não havia sido admitido nele. Um estrangeiro, não acostumado aos
costumes espartanos, perguntou-lhe por que estava feliz e o espartano respondeu,
com a maior sinceridade, que estava feliz porque sua Pátria estava muito bem
protegida se tivesse trezentos homens melhores que ele. Na guarda seleta sempre
havia pelo menos um esparciata que havia sido coroado vencedor nos Jogos
Olímpicos; e certamente não faltavam campeões em Esparta, pois nos vários jogos
olímpicos de 720 AEC a 576 AEC, de 81 vencedores conhecidos, 46 (mais da metade)
eram espartanos, e dos 36 vencedores de corridas a pé, 21 eram espartanos, sendo
que Esparta era o Estado menos populoso da Grécia e seus homens não eram atletas
"profissionais" especializados em uma disciplina específica em tempo integral, mas
soldados para os quais o atletismo em geral era um mero hobby. Tentou-se subornar
um lutador espartano para que perdesse em uma competição durante os jogos
olímpicos. Depois de ter recusado o suborno e vencido a luta, perguntaram-lhe:
“Espartano, que bem ganhaste com a tua vitória?” E ele respondeu com um sorriso
de orelha a orelha: “Lutarei contra o inimigo ao lado do meu rei”. Os vencedores dos
jogos olímpicos eram considerados como tocados pelos deuses.
Os príncipes não eram educados na Agogê padrão como o resto das crianças
espartanas. Sua educação dava grande ênfase à destreza e estratégia militares, mas
acrescentava noções de diplomacia e pensamento político. Além disso, os príncipes
tinham direito a duas vezes mais rações de comida do que o resto do povo.
Chamada de Apella ou Ecclesia, era um órgão mais popular, que incluía todos os
homens espartanos com mais de 30 anos, que elegiam membros do Senado e do
Eforado. Eles podiam às vezes aprovar ou vetar as decisões do Senado, embora não
tivessem o direito de questionar as decisões dos éforos.
E) SOBRE AS ELEIÇÕES
Não sei que nome dar a ele. O Eforado é tirânico, mas Esparta às vezes parece a coisa
mais próxima de um democracia pura. Seria absurdo negar que se trata de
uma aristocracia e inclua uma monarquia, a mais antiga do mundo [35].
Os esparciatas, por outro lado, não davam dores de cabeça a si próprios e chamavam
sua forma de governo de “eunomia” - isto é, boa ordem. Eles também chamavam seu
sistema de “cosmos”, porque era tudo quanto conheciam, era o mundo em que se
moviam e era único em relação a todos os outros sistemas.
(Platão, “Protágoras”).
Apolo era filho de Zeus e irmão de Ártemis, deus da beleza, da poesia (chamado de
“arquipoeta loiro”), da música, do arco e flecha, da juventude, do sol, do dia, da
virilidade, da luz e orgulho, que poderia prever o futuro e que todos os anos voltava
de Hiperbórea em uma carruagem puxada por cisnes [36]. Apolo presidia o coro das
nove musas, divindades inspiradoras dos artistas que habitavam o monte Helicon.
Ele era concebido como um homem jovem, loiro de olhos azuis, carregando uma lira,
cítara ou arco, e possuindo uma beleza viril, limpa, jovem e pura - uma beleza
“apolínea”. A mitologia explicava que em sua infância matou a cobra Píton (em
outras versões um dragão), estabelecendo em seu lugar, com a ajuda dos
hiperbóreos, o santuário de Delfos. Héracles também matou uma cobra quando era
apenas um recém-nascido. Esses tipos de lendas representam a luta que os
invasores indo-europeus inicialmente travaram contra os deuses telúricos dos
povos pré-indo-europeus. Apolo recebeu vários títulos, entre eles os de Febo
(“Brilhante”), Liceo (“Luminoso”) e Licógenes (“nascido de uma loba”, como Rômulo
e Remo de certa forma eram). Como deuses equivalentes a Apolo em outros povos,
temos Febo Apolo (romanos), Abelio ou Belenus (celtas), Baldur (germânicos),
Belobog (eslavos), Lúcifer (hereges medievais), Baal (fenícios), o demonizado
“Belzebu” para a Igreja e Belial, outro demônio do Cristianismo.
Estátua de Apolo.
Apolo era adorado no festival mais importante de Esparta, a Carneia. Lá, o deus era
homenageado sob a figura do carneiro. Para realizar os rituais, os sacerdotes
escolhiam cinco homens solteiros, que durante quatro anos tinham que cumprir um
voto de castidade.
Ártemis era irmã de Apolo, filha de Zeus, deusa da noite, da lua, do arco e a flecha,
das florestas, da caça e da virgindade - mas também do parto e da fertilidade
masculina. Ártemis era geralmente representada armada com um arco e flechas de
prata, vestindo uma túnica curta e leve ou peles de animais selvagens, usando o
cabelo preso e acompanhada por uma matilha de cães caçadores. Sua carruagem era
puxada por cervos, o animal mais associado a ela, e de fato ela às vezes era
representada com chifres de cervo, uma reminiscência do paganismo mais primevo.
Era casta e virgem para sempre, e virgens também eram todas as suas sacerdotisas,
chamadas melisai (“abelhas”, outro dos símbolos de Ártemis). Ártemis era rude,
severa, orgulhosa, brusca, selvagem, silenciosa e fria, era fruto de uma obra
patriarcal - ela era, enfim, o único modelo de divindade feminina capaz de impor
respeito e devoção a uma virilidade tão ascética e endurecida como a espartana. A
Ártemis dória era equivalente à deusa Artio (celtas), Diana (romanos) ou Dievana
(eslavos) [37] mas não tinha nada a ver com a Ártemis adorada por sacerdotes
eunucos no templo de Éfeso (Ásia Menor, ou Turquia moderna), que era uma deusa
da "fertilidade", frequentemente retratada com pele negra, seios múltiplos,
penteados extravagantes, enfeites corporais ou outras distorções orientais. Na
mitologia helênica, Ártemis foi mentora da jovem Atalanta, que se tornou a melhor
corredora da Hélade, e ninguém, nem mesmo um deus, esteve mais perto de
conquistá-la do que o herói mortal Órion. Apolo e Ártemis eram, em suma, o sagrado
par de gêmeos, dia e noite, sol e lua, ouro e prata. Eles eram os arquétipos da
juventude da masculinidade e feminilidade espartanas, respectivamente.
Tais festivais serviam para que se familiarizassem os jovens de ambos os sexos, pois
pensemos que Esparta era uma cidade com poucos habitantes, onde graças às
cerimônias públicas, todos se conheciam de vista e se sentiam integrados ao
popular. Era nesses eventos que se observava e se escolhia o futuro cônjuge. A
competitividade também servia para estabelecer hierarquias em termos de beleza,
valor, força, agilidade, dureza, resistência, perícia, velocidade etc., e para os
melhores homens se juntarem às melhores mulheres, como podia ser o caso da
coroação de um rei e uma rainha em uma competição,ou um campeão e um campeão
em uma competição (pensemos nas tradições dos institutos americanos). Platão
disse que “é necessário que os melhores homens se juntem às melhores mulheres
na maior parte das vezes; e ao contrário, os piores com as piores; e é preciso criar
os filhos dos primeiros, não os dos últimos“ (”República“, V). Graças a isso, e às
facilidades e mesmo obrigações do casamento, jovens espartanos de ambos os sexos
se casavam entre os 20 e 25 anos.
Nietzsche disse que “para que uma árvore alcance o céu com seus galhos, ela deve
cravar suas raízes no inferno”. Odin disse: “Eu desci às cabanas e subi aos palácios”.
Isso implica que somente depois de ter superado os testes mais atrozes o guerreiro
tem o direito de acessar estados superiores, sob pena de sofrer a degradação a que
a sobérbia embriagada de quem não se endureceu no sofrimento e não é capaz de
encarar o prazer, o poder e o luxo com um respeito, cuidado, delicadeza, veneração,
humildade e apreço quase apreensivos. Os esparciatas chegaram ao fundo,
fundindo-se em toda a tragédia de seu treinamento atroz, e passaram por todas as
sensações viris de plenitude, saúde, vigor, força, potência, poder, domínio, glória,
vitória, alegria, camaradagem, recompensa e triunfo. Tendo abrangido toda a gama
emocional da dor ao prazer, os tornava possuidores de uma sabedoria vital que
apenas os heróis e os caídos possuem, e certamente ninguém sabia apreciar o
significado e a importância dos prazeres mais do que os espartanos.
Dioniso era o deus dos instintos fortes, da plenitude vital, da abundância espiritual,
da alegria de viver, do prazer transparente, da gratidão, do frenesi alegre e furioso e
da felicidade que, desejando a eternidade terrena, precisava de filhos. Era, por
excelência, o deus dos saudáveis e dos fortes, daquela alegria popular pagã que
transborda e cria em sua felicidade abundante - ou destrói em sua raiva desenfreada
-, o deus dos instintos que nos fazem sentir vivos e elevam a raça acima de suas
limitações materiais ou mesquinharias cotidianas.
Com o tempo, no entanto, e à medida que a Hélade ia perdendo sua pureza, o culto a
Dioniso foi facilmente pervertido (sendo um deus dos impulsos corporais, materiais
e “sombrios”), e ele se tornou um deus gordo das orgias, deus dos divertimentos
barulhentos, do álcool, da promiscuidade e da histeria insana. Os romanos adotaram
esse deus deformado como Baco, e seus seguidores (principalmente covardes,
decadentes, pervertidos e mulheres mórbidas e entediadas de boas famílias)
degeneraram em cultos orgíacos ou "bacanais", que incluíam sacrifícios sangrentos,
sexo desenfreado e intoxicações alcólicas. Tamanho foi o escândalo em torno das
bacanais que o senado romano as proibiu em 186 aC e exterminou seus seguidores
em uma grande matança.
Neste ponto, será discutida uma questão que sem dúvida assombra muitos: a
comparação Esparta-Atenas. Qual cidade era “melhor”? Freqüentemente nos dizem
que Atenas representou o ápice artístico-espiritual grego e Esparta a evolução do
físico-guerreira. Não é tão simples assim. Devemos partir do princípio de que é um
grande erro julgar o desenvolvimento de uma sociedade pelo seu progresso material
ou comercial. Isso nos levaria a concluir que Carlos Magno (analfabeto) era inferior
a qualquer filho de conhecido atual, ou que Dubai (capital dos Emirados Árabes) é a
sede da civilização mais sublime do planeta. É preciso valorar muito mais a
espiritualidade, a saúde, a qualidade individual e a herança genética de que uma
sociedade é depositária. Isso pode nos levar a possibilidades incomuns, como, por
exemplo, que o Cro-Magnon foi a cultura mais elevada que já existiu no planeta.
Como mencionamos, não sem razão chegou-se a dizer que todo o Estado espartano
era uma Ordem, uma união de monges-guerreiros, pois os espartanos cultivavam
zelosamente uma disciplina e uma sabedoria ancestral que a maioria dos Estados
helênicos já havia perdido. Muitos terão notado que as práticas muito severas da
disciplina espartana têm o caráter marcante de um ioga guerreiro, entendendo-se
por ioga qualquer prática ascética que ajude a melhorar o físico, o mental e o
espiritual. Em Esparta, tudo funcionava com a mística e com a devoção do povo mais
reliigoso da Grécia, e é um erro imenso acreditar que a instrução espartana apenas
polia o corpo.
Muitos outros Estados, por outro lado, sofriam daquele gosto pelo exótico e
cosmopolita em que caem todos os impérios que descuidam sua atenção, sua
autenticidade e sua identidade. Atenas [38], com a plutocracia pseudo-fenícia de
Pireu, com sua máfia de mercadores, charlatões, escravos barulhentos, salteadores,
intelectualóides, sabichões, mágicos e falsos adivinhos egípcios, com suas roupas
suntuosas, deliciosas iguarias, especiarias, incensos, cores, aromas, perfumes,
riquezas indecentes, cultos de mistério deformados, cerimônias orgiásticas,
prostituição, alcoolismo, sujeira, doença, demagogia e finalmente decadência
galopante incluindo cosmopolitismo, hedonismo, homossexualidade,
multiculturalismo e miscigenação, estava mais longe do ideal europeu do que
Esparta, que nunca acolheu toda aquela sujeira, apenas quando não era mais
Esparta. Até este momento, sempre permaneceu essencialmente rústica, áspera e
autêntica.
Havia uma rivalidade latente entre o povo jônico dos atenienses, influenciado pela
Ásia Menor, e o povo dório dos espartanos, diretamente influenciado por sua
própria herança nórdica, uma vez que nunca se deixaram ser governados por outra
coisa que não sua tradição ancestral e sua própria consciência popular. Com exceção
de Atenas, que se considerava a melhor, todos os outros Estados helênicos
reservavam sua admiração para Esparta, considerando-a um santuário de sabedoria
e justiça, o repositório da verdadeira tradição helênica primitiva. Esparta, acima de
Atenas, sempre foi a cidade mais famosa e respeitada entre os gregos. Sempre
recorriam a ela para arbitrar disputas interestatais, e na maioria das vezes nem era
necessário recorrer à força: Esparta enviava um embaixador, a cuja vontade todos
se submetiam voluntariamente e de bom grado, como se fosse um enviado divino.
13 - A POLÍTICA DOS ESPARTANOS PARA COM
SEUS INFERIORES: A KRYPTEIA
Eram os éforos que, todos os anos e com a maior solenidade, declaravam guerra aos
hilotas - isto é, autorizavam sua matança livre sem que fosse considerada
assassinato. Uma vez por ano, eram espancados em público sem motivo; cada hilota
deveria ser açoitado um determinado número de vezes por ano, apenas para
lembrar que ainda era um escravo. E quando o governo considerava que haviam se
reproduzido demais ou suspeitava que planejavam motins, levava-se a cabo
a Krypteia ou Cripteia.
Essa dura prova era vista como um exercício militar, um batismo de sangue e um
ritual de iniciação guerreira. Alguns até elevaram a importância da Krypteia a nível
institucional, uma espécie de serviço secreto formado pelos mais fanáticos e
promissores cachorros espartanos, projetado especificamente para conter o
crescimento dos hilotas, mantê-los psicologicamente subjugados e revitalizar a
tensão entre os dois extremos da balança que formava o Estado lacônio.
Este treinamento de guerrilha devia proceder desde a fase das primeiras guerras
messênias, nas quais as formações militares foram destruídas e foi preciso recorrer
aos golpes de mão, às emboscadas e aos assassinatos, aproveitando as vantagens
que o terreno podia oferecer (florestas, montanhas, povoados), a situação tática
(inimigo desprotegido, desarmado, distraído ou despreocupado) e as condições
ambientais (noite, escuridão, neblina). Mas esse modo de combate foi, sem dúvida,
também concebido como uma forma de preparação para resistir se Esparta caísse
diante de seus inimigos e sofresse uma ocupação militar. No caso de tal catástrofe,
cada homem espartano estava preparado para ir para as florestas ou montanhas
com o que tivesse, sobreviver por conta própria e realizar ataques, caças e
emboscadas direcionadas contra o inimigo. Portanto, era uma forma de resistência
sem líder. Outra eventualidade levada em conta era uma nova rebelião messênia, na
qual os rebeldes se retirariam para os campos, tendo Esparta que se engajar em uma
guerra suja de guerrilha para caçá-los e exterminá-los aos poucos. Isso, como
veremos mais tarde, realmente aconteceu.
Outro exemplo que descreve a falta de escrúpulos dos esparciatas com seus
inferiores é oferecido pelo seguinte evento, ocorrido em 424 AEC: o governo
espartano tinha motivos para pensar que os hilotas iriam se rebelar. Depois de uma
batalha em que Esparta empregou recrutas hilotas, 2.000 deles que se destacaram
por suas proezas em combate foram libertados. Depois de terem organizado um
banquete para celebrar, e colocado louros em suas cabeças, os éforos ordenaram
que matassem a todos. Esses 2.000 homens desapareceram na floresta sem deixar
vestígios e nunca mais se ouviu falar neles. E como os mais valentes hilotas foram
dizimados naquela vasta krypteia, a população hilota, despojada de líderes, não se
rebelou. Podemos imaginar como os compatriotas dos hilotas mortos ficaram
arrasados e pensar no efeito psicológico devastador que isso teve. Esta anedota
mostra até que ponto os espartanos abandonavam todos os tipos de cavalheirismo,
código de honra ou conduta moral quando acreditavam que estavam defendendo a
existência de seu povo.
Outra das leis espartanas com conotações etnocêntricas era a proibição de tinturas
de cabelo. No resto da Grécia, tinturas, perucas loiras, métodos de clareamento do
cabelo e penteados elaborados e extravagantes eram comuns, como na Babilônia, na
Etrúria e na Roma decadente. Em um estágio de involução em que a linhagem
helênica original estava sendo diluída pela miscigenação, as tinturas e as misturas
clarificadoras eram muito apreciadas e abundantes, especialmente entre as
mulheres. Na Roma decadente algo idêntico aconteceu: as romanas mandavam fazer
perucas feitas de cabelos dourados cortados de prisioneiras germânicas.
14 - A GUERRA
Toda felicidade na Terra está, amigos, na luta. Sim, para se tornarem amigos, é
mister a fumaça da pólvora. Os amigos se unem três vezes: irmãos perante a
miséria, iguais perante o inimigo, livres perante a morte.
(Nietzsche).
Mais suor em tempo de paz, menos sangue em tempo de guerra.
Cada esparciata era um hoplita (palavra que vem de hoplon, escudo), uma
formidável máquina de guerra, uma arma de destruição em massa, um soldado de
infantaria de elite, bem treinado, armado e equipado com o melhor de sua época -
um peso aproximado de 30-36 quilos.
• Uma lança de dois metros (que também tinha uma ponta em sua extremidade
inferior, para acabar com os caídos).
• Uma adaga.
• Uma armadura feita com placas de metal que permitia alguma mobilidade.
• Um elmo projetado de forma a cobrir toda a cabeça e envolver bem o rosto apesar
de deixar buracos para os olhos, o nariz e a boca. Este elmo provavelmente evoluiu
de um modelo mais primitivo, como os usados pelos germânicos, que geralmente
consistia em um capacete que protegia a testa e o crânio, uma protuberância que
descia da sobrancelha para proteger o nariz e duas protuberâncias nas laterais que
cobriam as orelhas ou bochechas, e cuja finalidade era proteger a cabeça de ataques
laterais.
• Uma espada chamada xyfos, que pendia sobre a coxa esquerda, e que era
particularmente curta para ser empunhada em fileiras apertadas onde o estorvo de
uma espada longa não era bem-vindo. Os atenienses zombavam do curto
comprimento das espadas espartanas, e os espartanos respondiam “quem não teme
se aproximar do inimigo não precisa de espadas longas”.
O hoplita espartano também usava uma capa, que era vermelha para disfarçar a cor
do sangue [39]. As cores visíveis eram, portanto, o vermelho da capa, o dourado do
bronze e as cores preta e branca - em alguns lugares em padrão xadrez - como um
signo dualista.
Esta ilustração de um hoplita esparciata é bastante precisa. Nos braços, pode-se ver que o esparciata é
terrivelmente musculoso e bronzeado pelo sol e pelo ar, aos quais esteve permanentemente exposto por toda a
vida. A ilustração tem alguns defeitos: a espada, que deveria ser embainhada no lado esquerdo do quadril, está
ausente ou não é visível. O bronze do elmo, do escudo e das grevas nas pernas deviam ser brilhantes e dourados
como o ouro, não apagados e gastos, já que os esparciatas embelezavam e poliam suas armas e armaduras para que
estivessem impecáveis na hora do combate. Sandálias também são desnecessárias, já que os espartanos sempre
andavam descalços e a cor dos cabelos é muito escu
Os hoplitas espartanos iam descalços para o combate, pois seus pés eram tão
endurecidos que sua pele era mais dura do que qualquer calçado. Com eles, podiam
escalar rochas ásperas e pisar na neve ou nos espinhos, sem nem mesmo perceber.
Seu escudo - ferramenta muito importante e símbolo de camaradagem cuja perda
era uma ignomínia (igualmente para os germânicos, segundo Tácito) - carregava a
letra helênica Lambda (Λ/λ), o equivalente helênico à runa Laf, que representa o
som “L“, como inicial de Lacônia, Lacedemônia e Licurgo. Embora, se fosse por um
significado simbólico, sem dúvida a runa Ur — que às vezes era representada
exatamente como a Lambda e simbolizava a virilidade— seria uma "tradução" mais
adequada [40]. A frase associada a essa runa era: “Conheça a si mesmo e conhecerá
tudo” [41].
Voltemos agora nossa atenção aos guerreiros esparciatas. Como eram os choques?
Os capitães arengavam a seus homens com uma fórmula tradicional que dizia:
“Avante, filhos armados de Esparta, entrem na dança de Ares”. Em combate,
marchavam em fileiras bem fechadas, com calma, disciplina e gravidade, confiando
na dureza incomensurável de toda sua instrução, ao som dos pífanos [42] e
entoando a solene canção de marcha conhecida como Pean - Hino a Apolo. Essa
formação fechada era chamada de falange - e os espartanos eram os maiores
mestres, realizando táticas que outros estrategistas gregos consideravam
extremamente complicadas. Os escudos formavam uma muralha impenetrável a
partir da qual os soldados, em fileiras estreitas, cotovelo com cotovelo, ombro com
ombro e escudo com escudo, apunhalavam e cortavam com suas lanças e espadas.
Os macedônios e os romanos (mesmo, a seu modo, os terços espanhóis e os exércitos
dos séculos XVIII e XIX) herdariam essa forma de combate que colocava ênfase
especial na formação fechada. John Keegan, em sua “História da Guerra”, explica
muito bem:
Após cruzar uma terra de ninguém de talvez 150 metros em um princípio de corrida,
sob um peso de armas e armaduras de mais de 32 quilos, os contendores se
atacavam. Cada indivíduo teria escolhido um alvo para o momento do impacto, com
a intenção de inserir a ponta da lança na lacuna existente entre um escudo e outro,
e tentar acertar uma porção de carne não protegida pela armadura: garganta, axila
ou virilha. A oportunidade era efêmera. Conforme a segunda e sucessivas fileiras se
aglomeravam como resultado do encontrão, a falange, em uníssono, jogava o peso
de sete homens nas costas dos da primeira fileira em colisão com o inimigo e, sob
esse impacto, alguns homens inevitavelmente caíam mortos, feridos ou esmagados
pelos detrás; isso poderia criar uma brecha na parede de escudos, e aqueles na
segunda e terceira fileiras lutavam para aumentá-la com suas lanças, espetando e
cutucando de sua posição relativamente protegida. Se a brecha aumentava, ocorria
o othismos ou “empurrão com o escudo” para abri-la ainda mais e criar mais espaço
para sacar a espada, a segunda arma do hoplita, e cortar as pernas do oponente; e o
othismos era o método mais eficaz, pois podia levar à pararrexis ou “ruptura”,
quando os mais fortemente pressionados pela pressão do inimigo cediam ao
impulso de fugir e desfaziam as fileiras atrás ou, o que era mais humilhante,
tentavam voltar da brecha mortal, espalhando o pânico aos seus companheiros.
Como podemos ver, era um tipo de guerra que exigia uma preparação muito boa, um
tipo de combate metódico que contrastava com o combate “bárbaro” anterior - mais
aberto, livre, individualista e furioso. A evolução da guerra marcava a evolução do
povo: descobriram que eram mais fortes unidos e bem coordenados, como se fossem
uma só entidade - um deus.
Os esparciatas que marchavam para o combate sempre recebiam o escudo das mãos
de sua mãe, que lhes entregava com as palavras graves de “com ele ou sobre ele” -
voltar com o escudo ou sobre o escudo, com vitória ou com morte, porque no caso
de cair em combate, os camaradas dos caídos carregavam seu cadáver e depois suas
cinzas sobre o escudo. Os espartanos, como todos os indo-europeus, da
Escandinávia à Índia, praticavam o ritual fúnebre de cremação. O escudo era,
portanto, um símbolo lunar equivalente à taça, que coleta a essência solar do herói
caído e, como a taça, era relacionado ao arquétipo da mulher. Na verdade, a mulher
que entrega o escudo ao homem é um motivo arquetípico bastante comum na arte
europeia ao longo dos tempos. O escudo tinha, como um talismã, o poder de
proteger, e não apenas a si mesmo, mas aos companheiros de armas, pelo que devia
ter um significado quase mágico.
A camaradagem, forjada em situações difíceis, mesmo face à morte, era uma parte
importantíssima da sociedade espartana, pois reforçava a união e a confiança
mútuas. O culto à força, competição e masculinidade fazia com que os companheiros
de armas se superassem e se protegessem uns aos outros. Freqüentemente, os
homens adultos tomavam um jovem ou menino sob sua proteção, embora neste caso
a relação fosse do tipo professor-aluno, mentor e apadrinhado, como era a relação
entre Aquiles (o temerário herói jovem e vigoroso) e Pátroclo (seu mentor prudente
e sábio, mais velho que ele), uma relação que, sem qualquer justificativa, foi
classificada simplesmente como homossexual por certos grupos midiáticos [43].
O ritmo de vida que o homem espartano levava era intenso o suficiente para matar
uma manada de rinocerontes, e nem mesmo as mulheres de Esparta poderiam
suportar. Assim, o próprio mundo da milícia espartana era um universo inteiro - um
universo de homens. Por outro lado, a intensa relação afetiva, o culto à virilidade e
a camaradagem que ocorria entre os componentes do binômio, entre professor-
aluno, na falange de combate e em toda a sociedade, serviram para alimentar em
nossos dias o falso mito da homossexualidade. Sobre isso, Xenofonte escreveu:
Os costumes instituídos por Licurgo se opunham a tudo isso. [Para aqueles de outros
estados gregos, nominalmente Atenas e Corinto.] Se alguém, sendo um homem
honesto, admirava a alma de um garoto e tentava fazer dele um amigo ideal sem
censura e se associar a ele, ele aprovava e acreditava na excelência deste tipo
de treinamento. Mas se estava claro que o motivo da atração era a beleza externa
do menino, proibia a conexão como uma abominação, e assim os pretendentes se
abstinham dos garotos, assim como os pais se abstêm de relações sexuais com seus
filhos, ou irmãos e irmãs entre eles. (“Constituição dos lacedemônios”, 2.)
Vimos aqui que tal relação entre homem e adolescente em Esparta era do tipo
professor-aluno, fundada no respeito e na admiração, e constituía uma formação,
uma forma de aprendizagem, uma instrução à sua maneira. A sacralidade da relação
professor-aluno ou instrutor-aspirante há muito foi impugnada pelo Sistema, assim
como a camaradagem. E contudo, ambos os tipos de relacionamento são a base da
unidade dos exércitos. Hoje, as crianças crescem à sombra da influência feminina
das professoras, mesmo na adolescência. É difícil saber em que medida a falta de
influência masculina limita suas vontades e ambições, tornando-os seres mansos,
maleáveis e manipuláveis, o que é conveniente para o sistema globalista.
Outros falaram sobre a instituição espartana do amor de mestre para discípulo, mas
sempre deixaram claro que esse amor era "casto". O romano Élio disse que se dois
homens espartanos “sucumbissem à tentação e se entregassem a relações carnais,
deveriam redimir a afronta à honra de Esparta indo para o exílio ou acabando com
suas próprias vidas”. O que basicamente significava que a pena para a
homossexualidade em Esparta era a morte ou o exílio (considerado pior do que a
própria morte na época).
Cabe mencionar que se a homossexualidade fosse de fato algo tão natural para os
helenos originais quanto o foi para os gregos dos estados decadentes, a mitologia
helênica estaria infestada de referências explícitas a relacionamentos sodomitas, e
não está, já que a homossexualidade foi uma praga alheia ao espírito helênico que
apareceu quando a Grécia já estava decadente. Na época de Platão, por exemplo, a
homossexualidade estava começando a ser tolerada na própria Atenas. No entanto,
autores antigos e até modernos deixam claro que Esparta não caiu nesta sujeira.
É claro, em todo caso, que o Eforado não considerou justo o assassinato dos
embaixadores, pois mandou dois voluntários espartanos para ir à Pérsia, se
apresentarem a Xerxes e se oferecerem em sacrifício para “expiar” a injustiça
que Leônidas cometeu contra os embaixadores persas. Xerxes rejeitou a oferta
e deixou-os ir. Ele não queria cometer um erro semelhante, nem sujar as mãos
de sangue, nem ser considerado culpado de desonra. Os atenienses foram mais
sensatos: quando os embaixadores persas chegaram com suas ofertas,
simplesmente recusaram.
Nesse mesmo ano, Xerxes enviou emissários a todas as cidades gregas, exceto
Esparta e Atenas, para obter sua submissão. Muitas, apavoradas com seu poder,
submeteram-se, enquanto outras prudentemente se declararam neutras, embora
simpatizassem com a Grécia. Esparta e Atenas, vendo que uma aliança anti-
helênica estava surgindo, apelaram às demais pólis para formar uma aliança
contra a Pérsia. Poucas responderam. A Pérsia era a nova superpotência, a nova
estrela. Seu avanço avassalador era um fato e seu triunfo definitivo quase dado
como certo.
Ó vós, homens que viveis nas ruas da vasta Lacedemônia! Ou vossa cidade
gloriosa será saqueada pelos filhos de Perseu ou, em vez disso, a terra da Lacônia
lamentará a morte de um rei da linhagem de Hércules. Pois Xerxes, poderoso
como Zeus, não será detido pela coragem dos touros ou dos leões. Por fim,
proclamo que não vai parar até alcançar sua presa: vosso rei ou vossa cidade,
devorando-os até os ossos.
Assim, juntos formavam cerca de 7.000 gregos - 7.000 gregos contra 250.000
persas (2 milhões de acordo com Heródoto e 175.000 de acordo com outros
historiadores modernos). Imaginemos a variedade de cores daquela
congregação, o brilho do bronze, a atmosfera solene, os comentários sobre as
bandas estrangeiras, os emblemas nos escudos, a fofoca típica da rivalidade
militar, aquele sentimento de união, respeito e destino comum. Todo o
acampamento deveria estar cercado por uma aura de virilidade e heroísmo. Esses
gregos, em sua maioria, eram hoplitas e bem instruídos. Desde jovens, haviam
se acostumado a manusear as armas e a exercitar o corpo. No entanto, o único
exército “profissional” que havia era o espartano, já que em outros lugares os
hoplitas viviam com suas famílias, treinavam por conta própria e só eram
chamados em caso de guerra, enquanto em Esparta eram militarizados
permanentemente desde a infância sob a terrível disciplina que os caracterizava,
e jamais deixavam de treinar.
Entre os persas, contudo, a situação era muito diferente. Apesar de, sem dúvida,
possuir a vantagem numérica e material, a maioria de seus homens eram jovens
recrutados à força e com pouco treinamento militar. No entanto, havia unidades
altamente especializadas. Ao contrário dos gregos, que, condicionados por seu
terreno, se obstinaram em se aperfeiçoar no nível de infantaria, os persas
contavam com uma cavalaria formidável, carruagens de combate e excelentes
arqueiros. Nas vastas planícies, planaltos e estepes da Ásia, era essencial
dominar essas formas de guerra altamente móveis. O império persa também
contava com “os imortais”, famosa unidade de elite composta por dez mil
guerreiros seletos escolhidos entre as aristocracias persa e meda e que,
colocados sob o comando do general Hidarnes, constituíam a guarda real de
Xerxes. Os oficiais persas também eram compostos por membros da aristocracia.
Xerxes - que não conseguia conceber que os gregos fossem à luta - enviou um
emissário para negociar com Leônidas, encorajando-o a entregar as armas. A
resposta lacônica do soldado foi "Venha pegá-las". Naquela mesma noite, quando
um hoplita da Lócrida comentava em tom derrotista que a nuvem de flechas dos
arqueiros persas escureceria o céu e transformaria o dia em noite, Leônidas
respondeu: “então lutaremos na sombra”.
Os gregos formaram, desta vez todos juntos, a falange. Ante eles, tinham o vasto
exército inimigo e, nas costas, os imortais. Em vez de atacar os imortais para
talvez derrotá-los e abrir caminho para a retirada (o que de nada serviria, porque
abriria os portões gregos aos persas), Leônidas ordenou atacar o grosso do
exército persa, em uma magnífica demonstração de heroísmo e coragem, com o
objetivo de manter a luta pelo maior tempo possível e, assim, dar tempo à Grécia
para se preparar. Eles sabiam que iriam morrer de qualquer maneira, então
escolheram morrer heroicamente, exibindo uma grandeza imensa. Os gregos
sabiam que não se tratava mais de uma resistência esperançosa, mas de uma
luta de imolação em que o objetivo era lançar-se com paixão e fúria nos braços
da glória, causar o máximo de dano possível ao inimigo no processo e atrasar
sua estratégia de invasão.
Para se ter uma ideia do medo que esta matança de persas instilou no coração
de Xerxes, basta dizer que ele ordenou a crucificação e decapitação do cadáver
de Leônidas [44]. Isso é muito mais revelador do que parece, pois os persas
tinham a tradição de honrar um valente inimigo morto. Mas Leônidas mostrou a
eles algo muito além de seu respeito, algo aterrorizante que transformou
completamente tudo que tomavam por conhecido do Grande Ocidente. Os outros
cadáveres gregos foram jogados em uma vala comum. Xerxes perguntou, fora
de si em seu trauma, se havia mais homens como aqueles 300 espartanos na
Grécia. Podemos perfeitamente imaginar o que ele sentiu quando lhe informaram
de que em Esparta havia 8.000 esparciatas tão valentes e treinados quanto os
300 caídos.
Vamos agora fazer um pequeno relato da batalha das Termópilas: 7.000 gregos
contra (digamos) 250.000 persas. O lado grego teve 4.000 mortos, incluindo
Leônidas, seus 300 espartanos e os 700 téspios. Mas o lado persa teve nada mais
e nada menos que 20.000 mortos, incluindo dois irmãos de Xerxes: Abrocomas
e Hiperantes. Em outras palavras, um exército 30 vezes menor do que o inimigo
inflige perdas 5 vezes maiores que as sofridas. Proporcionalmente, isso significa
uma vitória de 150 para 1. Comentários são desnecessários, embora saibamos
que, afinal, as frias cifras numéricas nada entendem de heroísmo e vontade.
Poucos meses depois, na batalha de Platéia em 479 AEC, 5.000 espartanos, junto
com seus aliados e sob o comando do rei Pausânias de Esparta, derrotaram
definitivamente os persas, e o general Mardônio caiu em combate. A Pérsia foi
derrotada. A Grécia venceu a Segunda Guerra Médica. O sacrifício das
Termópilas, portanto, não foi em vão.
Toda a educação espartana era considerada admirável pelos povos que rodeavam
Esparta, que respeitavam enormemente seu valoroso vizinho, mesmo às vezes
sendo inimigos. O próprio Platão, quando escreveu sua “República”, refere-se a
medidas estatais que parecem derivar diretamente das leis espartanas, pois
nelas se inspirou, e também foram admiradas por Aristóteles, com algumas
ressalvas quanto ao fato de o Eforado ser supostamente totalitário e
tirânico [45]. Numa época em que as cidades-estado helênicas já estavam em
decadência, surgiram vozes clamando pela adoção do modelo espartano. Eram
os fascistas da época. Seja como for, as leis espartanas proporcionaram uma
estabilidade nunca conhecida pelos demais Estados helênicos.
O poeta grego Ésquilo (525 AEC-456 AEC) colocou na boca da mãe de Xerxes:
“Parece que vejo duas virgens elegantemente vestidas. Uma ricamente vestida
à moda dos persas; a outra, de acordo com o costume dos dórios. Ambas
superam outras mulheres em majestade. Ambas de uma beleza impecável.
Ambas, irmãs de uma mesma raça” [46]. Com isso vemos que já naquela época
havia indivíduos que percebiam o quão absurdas eram essas brigas entre povos
da mesma origem.
Em 464 AEC, houve um grande terremoto em Esparta que destruiu o ginásio
enquanto os efebos, a flor e nata da juventude espartana, achavam-se dentro
exercitando-se, matando muitos deles. Diodoro Sículo exagerou ao falar de
20.000 espartanos mortos, e Plutarco disse que apenas cinco casas sobraram de
pé. No entanto, os danos devem ter sido grandes, e essa tragédia levou os hilotas
(aproveitando a desordem e o vazio criados) a iniciarem outra revolta, confiantes
em sua esmagadora superioridade numérica em relação aos espartanos. Alguns
hilotas laconianos e até duas comunidades periecas se somaram aos hilotas
messênios rebeldes: Turia (na Messênia) e Etea (na Lacônia). Assim começou a
Terceira Guerra Messênia, também conhecida como rebelião do monte Itome.
A rebelião aberta foi esmagada pelos espartanos com eficácia e sem a menor
piedade. Os despojos da revolta foram retirados ao monte Itome, de onde, sob
o cerco espartano, os messênios travaram por cinco anos uma guerra de
guerrilha contra os espartanos, que também recorreram com maestria às táticas
de guerrilha, empregando seus fanáticos “cachorros” em atividades seletivas de
caça, repressão e punição. Os atenienses enviaram a Esparta um contingente
militar de quatro mil homens liderados pelo patriota e pró-espartano Címon para
ajudá-los, mas os espartanos acabaram rejeitando a ajuda, e o contingente teve
que retornar insultado a Atenas, no que é conhecido como “o insulto de Itome“.
Após estes cinco anos, os espartanos, movidos por um oráculo de Delfos que
aconselhava a deixarem marchar “os suplicantes de Zeus Itometa”, deixaram-
nos escapar do Peloponeso. Desde então, o governo espartano reforçou ainda
mais sua severidade para com os hilotas, enquanto Atenas assinava um pacto
militar com os fugitivos, reconhecendo-os, não como hilotas, mas como
representantes de um suposto e legítimo Estado messênio sob ocupação militar.
Em 398 AEC, o rei Agesilau ascendeu ao trono gêmeo de Esparta. Um ano depois,
outro funesto presságio aconteceu. Enquanto um sacerdote estava realizando um
sacrifício, entreviu horrorizado algum sinal arquetípico nefasto no ritual e
anunciou com grande alarme que Esparta estava sob o assédio de seus inimigos.
Naquele exato momento, segundo o ancião, Esparta se encontrava seriamente
ameaçada. Em vista da prostração de seus inimigos externos, o presságio
provavelmente não foi tomado com a seriedade que merecia. Poucos
suspeitariam que o presságio se referia aos inimigos internos de Esparta.
Agesilau foi acusado de violar uma antiga lei de Licurgo que proibia empreender
guerra contra o mesmo inimigo por muito tempo, para que este não aprendesse
a se defender, pois com suas incursões na Beócia estava praticamente ensinando
os tebanos a lutar. Em 382 AEC, Esparta conquistou Tebas, mas essa vitória era
amaldiçoada, pois Esparta havia decaído e os tebanos estavam se fortalecendo.
Quatro anos depois, os tebanos conseguiram expulsar os espartanos, no primeiro
sinal político de que Esparta estava em declínio. Anos mais tarde, 7.000 tebanos
altamente motivados, sob o carismático líder Epaminondas, se levantaram contra
Esparta e derrotaram os espartanos na Batalha de Leuctra em 371 aC. Nessa
batalha, apenas 1.200 esparciatas lutaram, que eram tudo o que restava. 400
deles morreram. Dizem que quando os soldados tebanos entraram em Esparta
durante as luta de rua que se seguiram, perguntaram "Onde estão os
espartanos?" e que um ancião lhes respondeu "Não existem mais, caso contrário,
vocês não estariam aqui."
Desde 640 AEC, nenhum exército jamais havia conseguido subjugar Esparta. O
poder espartano estava acabado. Suas leis de ferro e pedra - sabiamente
promulgadas e gravadas a sangue e fogo - não contiveram a mestiçagem racial
eternamente, ao mesmo tempo que nas guerras morriam desastrosamente os
melhores espécimes biológicos e espirituais da elite espartana. Houve uma
traição, uma deslealdade, uma perda de memória e uma queda. A partir daqui,
a história de Esparta é vergonhosa, desesperada, triste e trágica. Quase sente-
se vergonha alheia dela por quanto contrasta com seu heroísmo anterior. Pode-
se dizer que era humilhante para seus herdeiros, mas devemos acrescentar que
muitos deles não eram mais herdeiros da Esparta dória, uma vez que a herança
dória mais importante não corria mais em suas veias: o sangue dório puro.
Em 330 AEC, o rei Ágis III de Esparta atacou Antípatro, suplente de Alexandre o
Grande, mas foi derrotado e morto na batalha de Megalópolis. Durante a guerra
lamiaca, que eclodiu após a morte de Alexandre o Grande em 323 AEC, Esparta
se encontrava muito fraca até para participar.
No final do século 4 AEC, Esparta foi cercada por muralhas defensivas, violando
sua tradição e revelando ao mundo que havia perdido a confiança em si mesma.
Ágis IV de Esparta (reinou entre 244 aC-241 aC) tentou restabelecer as leis de
Licurgo, visto que havia sido educado no patriotismo e sonhava em restaurar a
grandeza de seu país. Naquela época, os lotes de terra estavam distribuídos
desigualmente e mal aproveitados, e ele queria torná-los mais eqüitativos. Ágis
propôs a redistribuição de terras para se juntar à Liga Aqueia de Arato de Sição,
que desafiava o crescente poder dos macedônios. Em 243 AEC, a Liga Aqueia
derrotou a guarnição macedônia de Corinto, resultando em uma breve expansão
da Liga. Mas durante a ausência do rei, a resistência às suas reformas foi liderada
por seu co-regente, o rei Leônidas II. Este rei traidor, indigno de seu nome, era
o exemplo perfeito da decadência espartana: casado com uma mulher persa,
gostava de manter em sua corte um estilo de luxo oriental que significaria sua
imediata execução na verdadeira Esparta. Assim que Ágis voltou, foi preso pelos
éforos que, já completamente corrompidos, o condenaram à morte. Ágis foi,
assim, o primeiro rei de Esparta a ser executado pelo governo.
Portanto, não restavam mais do que uns setecentos espartanos, e desses talvez
apenas uma centena possuía terra, e todo o resto não passava de uma multidão
escura e miserável, que nas guerras estrangeiras defendia a República morna e
preguiçosamente, e em casa estava sempre à procura da ocasião oportuna para
a movimentação e a convulsão do governo. (“Ágis”).
Cleômenes III de Esparta (reinou entre 235 aC-219 aC) procurou retornar outra
vez às leis de Licurgo. Seu objetivo era recriar um grupo de esparciatas que
restaurariam o antigo poder da cidade. Depois de uma série de alianças
promissoras com Tegéia e a recuperação de Manitéia dos arcádios, Esparta
parecia estar renascendo, em oposição à Liga Aqueia. Restabeleceu-se a
austeridade espartana e as refeições em equipe. Esparta derrotou a Liga Aqueia
em 228 AEC, nas margens do rio Liceu. E em 227 AEC, derrotou-a novamente
perto de Leuctra. O vitorioso Cleômenes, assim que voltou a Esparta coberto de
prestígio, mandou executar os corruptos éforos e aboliu a instituição do Eforado.
Esparta continuou a conquistar e triunfar: Manitéia foi anexada e, em 226 AEC,
novamente derrotou a Liga Aqueia na batalha de Hecatombeion. Desta vez,
apoiada pelo Egito, Esparta estava literalmente reconquistando o Peloponeso.
Tanto Ágis IV quanto Cleômenes III são figuras trágicas, homens de qualidade
que nasceram tarde demais e que representavam a voz agonizante do arquétipo
esparciata durante seu crepúsculo mais sinistro. No entanto, esses reis não
souberam compreender a verdadeira causa do colapso de Esparta: os luxos da
civilização e a dissolução, sob a degradação espiritual da Idade do Ferro, do
sangue dos elementos dórios originários que construíram Esparta.
Em 208 AEC, Nabis, mais tarde conhecido como “Tirano de Esparta”, subiu ao
trono. Como a dupla linhagem dos heráclidas havia desaparecido com o rei
Cleômenes III, ele se tornou o único rei de Esparta, mandando construir
muralhas defensivas que a cercassem novamente e tentando revitalizar as
reformas que os reis Ágis IV e Cleômenes III tentaram levar a cabo. Introduziu
com a ajuda da Liga Etólia uma espécie de democracia em Esparta, e este foi o
seu maior erro, pois deu liberdade a um grande número de helotas que logo
misturariam seu sangue com o dos espartanos. Os mothakes (mestiços)
começaram a ter influência no próprio organismo nacional espartano, e surgiram
os neodamodeis, “novos cidadãos”.
Em 146 EC, Esparta foi conquistada pelas legiões romanas. Sob o domínio
romano, alguns costumes espartanos severos sobreviveram despojados de sua
essência: o festival de Ártemis tornou-se uma cerimônia grotesca em que as
crianças eram simplesmente açoitadas em público, às vezes até a morte. Na
tranquilidade da Pax Romana, Esparta se engajou nessas práticas aberrantes,
que atraíram um grande número de turistas mórbidos de todo o Mediterrâneo.
Em 267, Esparta foi saqueada pelo povo germânico dos hérulos - o mesmo povo
que deporia o último imperador romano do Ocidente dois séculos depois. Os
germânicos eram a nova estrela da Europa e assim seriam por muitos séculos.
Mantinham sua vontade de poder incontaminada, e sua mentalidade bárbara os
levava a conquistar e dominar. Durante essa época, estavam arremetendo um
Império Romano já decadente e irreconhecível, no qual o cristianismo estava
minando irremediavelmente os pilares sagrados da sociedade pagã, militarista e
patriarcal que outrora tiveram os romanos.
18 - A LIÇÃO DE ESPARTA
(Edmond Thiaudière).
Uma nação tão excepcional como Esparta, que devastava seus inimigos numa
época em que o homem era infinitamente mais duro do que agora, uma nação
que era temida em “uma época que tudo tritura e salpica de sangue”, teve uma
missão excepcional: apontar um caminho para nós, filhos do Ocidente e,
portanto, herdeiros de Esparta. Esse foi o propósito de Licurgo, e a sibila de
Delfos soube assim que o viu, santificando sua missão. Mas Esparta também teve
que apontar o único ponto fraco de tal civilização, para que sua decadência
também nos servisse de lição, para que a disciplina espartana da grande dor, do
ascetismo militar, não tenha sido em vão.
Se hoje em dia, então, tivéssemos que nos perguntar qual país é mais parecido
com Esparta em termos de situação estratégica e métodos, só poderíamos dar
Israel como resposta. A judiaria entendeu que perder a cabeça e deixar-se
seduzir pela confiança que se apodera do vitorioso é o momento de maior perigo
e, por isso, estabeleceu algo tão inédito e incompreensível à primeira vista
quanto o Estado de Israel. Apesar de ter conquistado todo o Ocidente, graças a
Israel, a judiaria ainda podem se dar ao luxo de viver em uma atmosfera de
perigo e guerra. Lá, o inimigo se encontra dentro e constantemente ameaça
atacar. Lá, somente a opressão dos palestinos e a manutenção da guarda
perpétua garantem sua segurança e os mentaliza para não decaírem. Lá, têm
um povo fanático, histérico, armado até os dentes e militarizado, rodeado de
vizinhos hostis que aumentam ainda mais sua paranóia, seu etnocentrismo, sua
mentalidade de autodefesa e seu desejo de compensar com qualidade sua
inferioridade numérica, alimentando um sentimento de estarem sozinhos diante
do perigo - sentimento absolutamente falso, já que têm a mídia de quase todo o
Ocidente a seus pés.
20 - NOTAS
[1] Especialmente do Oriente Próximo. Uma certa presença de sangue nórdico
nessas zonas está relacionada com os guanches das Ilhas Canárias, os berberes
norte-africanos, os antigos líbios, a aristocracia egípcia e as aristocracias pré-
colombianas americanas; estaria relacionada essencialmente ao homem Cro-
Magnon.
[2] Alguns apontaram que a antiga pátria dos aqueus era a zona do Báltico. O
gosto pelo âmbar reforçaria essa tese, já que o Báltico sempre foi uma zona
associada ao âmbar — considerado como uma condensação solar, o sangue das
árvores.
[3]
[5] Esta herança linguística pode ser equiparada à consagração relacionada com
a runa Ár (relacionada ao germanismo) pelos dórios e a runa Is (mais associada
ao Egito) pelos jônicos.
[7] O Tao Te Ching de Lao Zi diz “Retirar-se depois de terminada a obra: eis o
caminho do céu”. Os perfeitos anciões cátaros praticavam a Endura, que consistia
precisamente em deixar-se morrer de fome. Outras vezes, o suicídio dos cátaros
era por congelamento, nas montanhas. Os samurais do Japão, aqueles homens
com honra de aço, praticavam o Sepuku (vulgarmente chamado de Hara-Kiri) se
considerassem que sua honra havia caído, dizendo que “quem perde a honra
também deve perder a cabeça”. O homem forte e profundo decidia como, quando
e onde queria morrer - lembremos Ramiro Ledesma na Espanha. É nisso que
consiste a eutanásia, palavra de origem grega que significa precisamente “boa
morte” e que constitui a contrapartida perfeita da eugenia ou “bom nascimento”.
[9] “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas”, Livro Primeiro, Capítulo
V.
[11] O arquétipo do banho purificador e fortalecedor teve seu eco nos mitos:
Aquiles, recém-nascido, foi banhado por sua mãe no pantanoso e escuro rio
Éstige, cujas águas o fizeram invulnerável (exceto por seu famoso calcanhar).
Siegfried se banhou no sangue do dragão Fafnir para se tornar invulnerável
(exceto por uma parte de suas costas). A deusa celta Ceridwen possuía um
caldeirão mágico que dava saúde, força e sabedoria a todos que se banhassem
nele. Nos mistérios de Mitras, os iniciados se banhavam no sangue do touro
sacrificado para simbolizar uma nova etapa. Ainda hoje, as águas do Ganges
(poluídas como estão) são consideradas purificadoras pelos hinduístas. A filosofia
subjacente era que a exposição às forças naturais escuras (o rio da morte, o
vinho, o sangue da besta) endurecia o corpo e, assim, blindava o espírito contra
experiências futuras relacionadas ao sofrimento, à dor, à morte e ao horror.
[14] Talvez esse tipo de jogo de bola esteja enraizado no inconsciente humano.
A aristocracia inglesa da época do Império Britânico, admirável em muitos
sentidos e tão cavalheiresca em seu cotidiano, se entregava de corpo e alma ao
rúgbi, considerando seus times praticamente como irmandades, com seus
próprios escudos, símbolos, regras, gritos de guerra, apelidos, canções, lemas,
tradições, “rituais” e assim por diante. Essas equipes eram instituições nas quais
o cavaleiro revivia seu espírito bárbaro junto com seus semelhantes. O poeta
homossexual Oscar Wilde disse que o rúgbi era “um esporte de energúmenos
praticado por cavalheiros”. Algo muito semelhante aconteceu décadas atrás na
então saudável juventude dos Estados Unidos com o futebol americano. Os
melhores jogadores recebiam bolsas de estudos universitárias, garantindo assim
que os melhores espécimes biológicos fossem promovidos a posições de
preeminência social. Nesses jogos, o ariano liberava a fera de seu interior - e
ademais punha-se à prova as qualidades de audácia, coragem, coordenação
coletiva, iniciativa individual, poder de ataque, agressividade, moral e rapidez
dos jogadores. Por outro lado, é inegável que esses jogos eram pensados para
tentar destacar os líderes naturais.
[15] O desagradável pão preto também foi comum nas forças armadas alemãs
na Segunda Guerra Mundial.
[16] A elaboração de “iguarias” muito fortes, cuja mera ingestão mostra coragem
e resistência é um motivo militar comum: pense em uma mistura chamada “leite
de pantera” que inclui leite condensado, gim e pólvora, e que é popular na Legião
Espanhola.
[17] Isso dava resultados, já que Xenofonte descreveu os espartanos como mais
altos do que os outros helenos, embora a herança genética também
desempenhava um papel importante nisso.
[21] Por outro lado, a tomada de Tebas ocorreu quando Esparta começava a
declinar, e sua estatura provavelmente não os distinguia tanto quanto em seu
tempo de esplendor.
[28] Essa era mais uma das sugestões que Platão escreveu em sua “República”,
além de uma das observações que César fez sobre os germânicos.
[29] Após a Guerra de Tróia, Helena impregnou com certas ervas o vinho de
soldados gregos que estavam caindo na tristeza ao lembrar de seus camaradas
caídos, para aumentar seu moral. Isso mostra que Helena conhecia as plantas,
como tratá-las e os efeitos que produziam, conhecimentos que não qualquer
mulher possuía.
[30] A própria imagem de Helena de Esparta deve ser analisada. Longe da visão
vulgar que Hollywood deu a ela, seu raciocínio foi turvado pelo rapto de Afrodite.
Helena, ideal máximo de beleza e feminilidade helênica, foi sequestrada pelo
Oriente, daí o notável aborrecimento dos gregos. Chegando em Tróia, Helena
recuperou a memória, lembrou que era rainha de Esparta, que era casada com
o rei Menelau e tinha duas filhas, lamentou o erro e chorou amargamente. Helena
maldizia sua sorte e Afrodite pelo engano, se considerava praticamente cativa
apesar de ser tratada como uma princesa, desprezava seu “marido” Páris (como
é evidente quando ela o rejeita desdenhosamente após ter se comportado como
um covarde diante de Menelau, a quem ela reserva sua admiração), lamentava-
se de seu destino e desejava ser recuperada por seu marido legítimo, conforme
atesta a cena em que dispõe sua janela em forma de braços abertos para
comunicar a perenidade de seu amor a Menelau. Uma vez recuperada para a
Grécia, Helena voltou a ocupar o trono espartano com todas as honras,
governando novamente como rainha, como pode ser visto na “Odisséia”, quando
Telêmaco, filho de Ulisses, vai a Esparta para indagar sobre o destino de seu pai.
É então que Penélope, esposa de Ulisses e mãe de Telêmaco, lamenta que seu
filho vá para Esparta, “a terra das belas mulheres”.
[32] Platão disse que segurar as mãos e acariciar deveriam ser as maiores
demonstrações de amor carnal dadas em público.
[34] Schiller escreveu que “Os votos deveriam ser pesados, não contados”.
[36] Similar a Lohengrin, rei do Graal, com sua barca, e outros mitos medievais
sobre o "Cavaleiro do Cisne", como Hélias (obviamente uma versão do Hélio
romano) na França. Suas semelhanças com Abélio, Baldur, Byelobog e
Luzbel/Lúcifer também são evidentes, principalmente em sua condição de deus
da Luz, sua capacidade de prever o futuro e a presença da partícula
bal/bel/byel/pol em seu nome.
[37] Dievana era concebida pelos antigos eslavos como uma deusa virginal,
associada à caça e à Lua. Para os poloneses, era uma jovem virgem que caçava
nas florestas. Os eslavos do sul a imaginavam correndo pelas florestas dos
Cárpatos, e outros povos eslavos a imaginavam acompanhada por ursos ou uma
matilha de cães. Todas essas figuras correspondem claramente à Ártemis grega
ou à Diana romana.
[38] Gobineau chamou Atenas de "a mais fenícia das cidades gregas". (“Ensaio
sobre a desigualdade das raças humanas”, Livro Quatro, Capítulo IV.)
[40] “Lambda” tem uma relação subterrânea com o mantra “lam” associado ao
primeiro chakra (o plexo sacro) no hinduísmo, o chakra vermelho do instinto, da
potência e da luta. Além disso, em alemão, a partícula ur significa “originário”,
“primordial” - da mesma forma que o primeiro chakra é o chakra primordial, o
das forças elementares e básicas que Esparta pretendia cultivar para ter uma
base sólida e raízes profundas. A própria forma do lambda deve nos lembrar do
significado dessas questões: trata-se da montanha (neste caso, o implacável
monte Taígeto, em cujas encostas sacrificava-se os defeituosos), do falo, da
masculinidade ou do fogo - isto é, tudo aquilo que da Terra se eleva ao céu, do
abismo ao cume, da matéria ao espírito, da escuridão à luz. A providência
arquetípica uniu todos esses conceitos no ponto de encontro de Esparta.
[41] No oráculo de Delfos, uma instituição dória como dito antes, a frase
"conhece-te a ti mesmo" estava escrita em um templo, de modo que a runa Ur
volta a se encaixar perfeitamente no contexto espartano.
[42] Tipo de flauta transversal cujo som está muito associado à infantaria,
especialmente no século XVIII. Seu som transmitia confiança, segurança, leveza
e uma alegria serena.
[43] Algo semelhante ao processo de difamação da relação Aquiles-Pátroclo
ocorreu em relação ao lesbianismo. A maneira que o Sistema tem de separar as
pessoas sãs do ideal grego (que é o ideal indo-europeu) e ridicularizá-lo é afirmar
que a homossexualidade era absolutamente normal na Grécia, e tirar da manga
relações sodomitas e lésbicas a partir de qualquer referência de camaradagem,
maestria, devoção ou amizade.
[45] Na época de Aristóteles, por outro lado, Esparta já não era a mesma.
[47] “Ágis”.
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F. W. Nietzsche, "Cinco prefácios para cinco livros não escritos", O Estado grego: