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64 - O MANIFESTO DO RISO NA IDADE MÉDIA

 
Ana Carolina Alves Corrêa
Ana Carolina de Valle
Caetano Vinícius Amaral de Souza
Maria Luiza Bondezan Barandas

 
 
1. Resumo

O presente trabalho tem como temática salientar o real papel do riso durante o
período medieval já que dentro do contexto da Idade Média, tinha uma
interpretação completamente distinta da atualidade. Diante das exigências
políticas, sociais e religiosas, o riso foi associado ao Diabo, relacionado
pela construção da ideia de que Jesus nunca tivera rido em sua passagem
pela terra, ligado ao processo de criação do mundo e até a percepção de
pecado capital. Perante a constatação de que seria impossível retirar o riso
da esfera social, a Igreja aos poucos foi suavizando as suas leituras,
incorporando o riso em seu cotidiano. Nesse viés para a realização da
pesquisa utilizamos a biblioteca do colégio, Internet, livros, revistas e artigos
sugeridos por nós e pela orientadora do projeto, sendo uma pesquisa de
análise bibliográfica.

1.1 Abstract

The present work aims to highlight the real role of laughter during the medieval
period since within the context of the Middle Ages, it had a completely different
interpretation from todays. Faced with political, social and religious demands,
laughter was associated with the Devil, related to the construction of the idea
that Jesus had never laughed in his passage through the Earth, it's linked to the
process of creation of the world and even the perception of capital sin. Faced
with the realization that it would be impossible to remove laughter from the
social sphere, the Church gradually softened its readings, incorporating laughter
into its daily life. In this bias for conducting the research we use the school
library, Internet, books, magazines and articles suggested by us and the project
advisor, it's a research of bibliographic analysis.
 
2. Introdução

O manifesto do riso na Idade Média é um tema pouco debatido na


atualidade, a partir deste motivo, observamos o quão vasto é a pesquisa sobre
o mesmo, fazendo com que assim trouxéssemos diversos estudiosos como
Freitas Magalhães, Aristóteles, Hilário Franco Júnior dentre outros, do qual
abordam muitas questões sociais e até mesmo religiosas relacionadas ao riso,
pois como apresentado, o mesmo não era bem visto na Idade Média, sendo
associado ao diabo e a pecados capitais devido a mentalidade da época.
Nosso maior objetivo desde o início do projeto foi mostrar às pessoas como
algo tão belo como o riso já foi considerado algo ruim e pejorativo,
manifestando assim como um gesto do dia a dia tem um significado e uma
história tão importante.

3. Desenvolvimento

Segundo Freitas Magalhães, o sorriso é apresentado na literatura como


um processo que ativa os mecanismos emocionais do cérebro. O processo
neuropsicofisiológico se inicia no sistema límbico do cérebro o qual é
considerado o centro das emoções, e depende da ativação de diversas
estruturas neurológicas, ativando os músculos faciais dizigóticos, indutores de
expressão de uma mensagem que seja visível e percepcionada pelo receptor.
Assim, o movimento de sorrir é configurado como expressão de uma emoção já
que se trata de uma reação imediata a estímulos exteriores, provocando
alterações psicofisiológicas.
De maneira didática, o riso demonstra, na maioria das vezes, o
sentimento de alegria. Quando as pessoas abrem um sorriso ao dar um “bom
dia”, ao falar um “oi”, ao conversar, tudo isso facilita com que nos conectamos
com os outros. Nesse sentido, o nosso corpo também apresenta reações
quando sorrimos, segundo Luana Carelli:
Quando escutamos, enxergamos e percebemos algo
do ambiente o cérebro vai interpretar aquela
informação. Se ele entender que a informação tem
graça e humor, vai ser disparado um sinal involuntário,
ou seja, sem que você tenha o controle sobre aquilo,
com uma mensagem para os músculos da face se
mexerem, o que leva aos cantos da boca se abrirem e
aos olhos ficarem pequenos. Muitas vezes,
conseguimos segurar a risada, mas também tem
algumas vezes que a alegria é tão grande que é
impossível segurar. Rir funciona como um remédio
para o coração, ajuda a relaxar e a diminuir o estresse,
nos faz sentir melhor e nos deixa de bom humor.
(2020)

Porém o riso, dentro do contexto da Idade Média, tinha uma


interpretação completamente diferente. Diante das exigências religiosas e
culturais, o riso foi associado ao Diabo, tendo representações ao processo
de criação do mundo, passando pela construção da ideia de que Jesus nunca
tivera rido em sua passagem pela terra. Perante a constatação de que seria
impossível retirar o riso da esfera social, a Igreja aos poucos foi
suavizando as suas leituras, incorporando o riso em seu cotidiano.
De acordo com as leituras oficiais, “o filho de Deus” não teria rido
durante a sua passagem pela Terra. A afirmação surgiu somente no final do
século IV por meio da teoria levantada por João Crisóstomo, e logo teve uma
considerável capacidade de penetração no seio medieval, influenciando
escritores ligados à história da Igreja no decorrer dos séculos seguintes. Diante
o contexto de constante queda do projeto político de sustentação do
cristianismo, o Bispo Constantinopla não teve dúvidas em associar aos
fatores de desestabilidade social os costumes dos seus contemporâneos.
Nessa esfera, o riso apareceu como um dos
indícios representativos da degeneração do ser
humano. Nestes novos comportamentos mediadores
entre o homem e o Deus cristão, a busca da
interiorização far-se-ia pelo controle da palavra e
do gesto, pela educação do corpo, negação dos
apetites carnais, contenção dos impulsos
desordenados, enfim, pelo autocontrole físico e
espiritual (MACEDO, 1997, p. 101).

Segundo Georges Minois (2003, p. 121), se teve aí o surgimento do


famoso mito do qual se tirarão consequências mortais para os cristãos: “já
que não se fala que Jesus riu, é porque ele não riu, e como os cristãos
devem imitá-lo em tudo, não devem rir”. É possível imaginar o
desespero da sociedade, porque o riso é próprio do homem. No entanto, se
esse mesmo homem segue a sua natureza humana, estaria se colocando
contrário aos exemplos práticos do filho de Deus.
Quando apresenta a ideia dos adversários de Cristo, afeitos ao riso, há
uma nítida associação do riso ao elemento diabólico, porque adversário de
Cristo, é, automaticamente inimigo de Deus, e o inimigo atende pelo nome de
Diabo, que diz: “Se tu, pois, fizeres um ato de adoração diante de mim, tudo
será teu” (LUCAS, 4, 2207).
Lucas Pires Ribeiro revela que nesse âmbito, não havia figura mais
expressiva do que Jesus Cristo, tido e compreendido como elemento
essencial de comparação e representação das condutas a serem adotadas
pelos seres. Quem não segue os seus ensinamentos, bom cristão não seria,
e não sendo bom cristão, só poderia ser um pagão/herege. A Leitura de
construção una, em torno de si, é uma característica de construção do
cristianismo que se manifestou intensamente nos primeiros séculos da Idade
Média.
Na perspectiva de Hilário Franco Júnior, o caráter ambíguo do homem e
sua relação com o riso, é um aparente problema que se volta para os primeiros
seres humanos,de acordo com a visão cristã, Eva e Adão. Por exemplo, se o
riso é um fenômeno humano, como explicar a relação de Adão e Eva com o
riso? Esse suposto problema não teve grandes consequências para ser
resolvido pela teologia clássica, porque o princípio da perfeição se
enquadraria também nas primeiras figuras humanas. Adão e Eva eram seres
humanos, no entanto, teriam sido construídos à imagem e semelhança de
Deus, e como o ser supremo não riu, em virtude do seu caráter de
perfectibilidade, aqueles criados à sua imagem e semelhança seguiram o
mesmo caminho. Ademais, de acordo com essa leitura, não havia objeto
risível algum, capaz de fazer Adão e Eva sorrirem.
Segundo Lucas Ribeiro, a imagem de Jesus sério e não ridente
circulou com intensidade durante alguns séculos ao longo da Idade Média,
precisamente entre os séculos IV e X, servindo de construção para um
modelo de sociedade idealizada pelas referências teóricas do cristianismo.
Porém, gradativamente, as interpretações sobre o riso foram sendo
suavizadas e incorporadas no cotidiano social dos mosteiros, repercutindo
com intensidade nas convivências dos sujeitos que se encontravam fora
dos espaços clericais, diminuindo à “angústia” do ridente cristão.
Bakhtin afirma a importância do riso na Idade Média e
Renascimento o qual coloca como principal elemento que distinguia os
festejos de carnaval e ritos cômicos das cerimônias oficiais sérias da
Igreja e do Estado Feudal. Desde a cerimônia do triunfo até um funeral,
celebrava-se em igual proporção. Este comportamento muda a partir do
estabelecimento do regime de classes e de Estado e o caráter cômico
representará a sensação popular do mundo. Depois de estabelecido o regime,
as formas cômicas – algumas mais cedo, outras mais tarde – assim o riso
adquire caráter não oficial e transformam-se, fundamentalmente, em expressão
da cultura popular. A festa, o riso, o caráter festivo da vida deveriam ser
abolidos por não manifestarem arrependimento e dor, necessários, na visão
cristã primitiva, à expiação dos pecados.
Por este raciocínio, José Rivair Macedo diz que o riso enquanto
expressão do prazer obtido na existência, não poderia ser completamente
aceito e legitimado nesse período, já que demonstrar prazer, poderia ser
considerado sinal de avareza, ou de soberba, dois dos sete pecados capitais,
que na Idade Média eram visto como uma das idéias principais a serem
seguidas e respeitadas. De fato, a valorização notada incide no riso pleno de
felicidade, que só poderia ser alcançado no estado de contemplação absoluta
da obra divina, isto é, no Paraíso.
Lentamente, porém, algumas vozes do século XII tendem a se levantar,
questionando com sutileza a proibição do riso. Hugo de São Vitor, autor de De
Institutione Novation, e Pedro o Venerável, argumentaram sobre a liberdade do
bom cristão rir em determinadas circunstâncias, cabendo ao primeiro a
afirmação segundo a qual "Algumas vezes as brincadeiras costumam agradar
mais, misturadas às coisas sérias".
A definição de Aristóteles, segundo a qual "o riso é próprio do homem'',
esteve inserida nos debates dos mestres das universidades do século XIIl,
aparecendo nos textos dos escolásticos. Com as reflexões e especulações
desenvolvidas pela escolástica na segunda metade do século XIII, o riso
acabou sendo incorporado, em graus diferenciados, ao pensamento cristão,
modificando a visão do riso na Idade Média.
Entre as formas de resistência e incorporação do riso por parte do
catolicismo oficial, é possível destacar o Risus Paschalis, representando uma
missa ao contrário, no qual, os fiéis se viam obrigados a rir perante os
gracejos de sujeitos, imitando por meio dos seus gestos e das falas
cômicas as altas figuras da Igreja Católica. Como sempre, a ideia da
inversão está muito presente no riso medievo, o que caracteriza uma
sociedade marcada por hierarquias. Para o homem medieval o riso
significa uma vitória sobre o medo, não apenas o temor místico e
natural, mas igualmente o medo moral, que oprimia e dominava a
consciência, o medo que ultrapassava os aspectos sagrados e inseria-se
no mundo profano, o medo do poder divino e também humano, dos
mandamentos e leis, da morte, do inferno e de tudo o mais que permeava o
imaginário da época, libertando o homem não apenas das censuras exteriores,
mas também do grande censor interior. O grande porta-voz de todo esse
espetáculo era representado nas figuras dos bufões e os bobos, personagens
característicos da cultura cômica da Idade Média.
Na Idade Média, o bufão foi um personagem de grande
importância como cita Vesselovski, afirmando que o bufão foi o porta-voz
da outra verdade, não feudal, não oficial e definiu a sua importância social,
nos seguintes termos: “Na Idade Média, o bufão é o porta-voz privado de
direitos da verdade abstrata objetiva”.
Nos séculos XV e XVI, surgiu a chamada Commedia dell’Arte ou
Comédia de Máscaras. Esta típica forma de teatro do renascimento
italiano teve, conforme Gassner, uma dupla origem: a arte da mímica, que
brotando dos populares do período romano, evoluiu até os atores-jograis
ambulantes da Idade Média e nas comédias formais de Plauto e Terêncio
(Gassner, 1974, v. 1: 191). A Commedia dell’Arte também foi fundamental para
compreendermos o riso como ele é hoje. A partir do sucesso dessa comédia
popular, provocou curiosidades nos príncipes e intelectuais o qual contratavam
atores para fazê-los rirem, também é perceptível, que os principais atores da
cultura cômica medieval pertenciam às classes menos privilegiadas dentro
da hierarquia social do medievo. Das ruas, a comédia passou aos palácios,
onde se aperfeiçoou e enriqueceu. Com a "Commedia dell'Arte", a Itália viu
nascer os primeiros atores profissionais em companhias organizadas.
O palhaço, a partir do século XVIII até a atualidade, é considerado o riso
personificado, sendo uma das evoluções dos pioneiros bufões. Este artista,
atua em espetáculos circenses ou em outros, se veste de maneira
grotesca, e faz peripécias para divertir o público. Shklovski relata em seu
texto a importância do palhaço, e na tese de Luiz Otávio Burnier, a ideia
se confirma:

“Os palhaços sempre foram parte integrante do circo. Num


espetáculo de perícia física, que produz na assistência uma
reação mental, deslumbramento, espanto, admiração e apreensão, é
preciso haver em complemento um conceito mental que produza
no público uma reação física, ou seja, o riso” (Burnier,
1994, p. 29).

Assim, ato de rir configurou uma autoafirmação do sujeito


enquanto sujeito, colocando-o como protagonista de suas próprias ações,
pelo fato de revelar o imaginário oficial/religioso para o segundo plano,no
tocante ao cotidiano. Diante das assertivas do contexto, o riso por toda a
conjuntura que estava envolto, pode ser considerado um dos mais
significativos elementos racionais. No entanto, a visão primordial na Idade
Média sobre o riso está ainda presente na atualidade, no momento em que os
vilões da ficção, tem como característica marcante a famosa risada maligna,
como por exemplo, o personagem da DC Comics, Coringa, com o riso
descontrolado e dramático.
4. Considerações finais

Após o desenvolvimento do projeto, tendo em vista os objetivos


propostos, fica evidente a necessidade da mudança de interpretações do riso
ao longo do tempo, já que o mesmo se tornou parte do nosso cotidiano.
Portanto, através de pesquisas e do aprofundamento do tema, foi
possível chegar no objetivo principal do trabalho, incluindo compreender sua
interpretação e reconhecê-lo ao longo do tempo. Nesse sentido, adquirir o
conhecimento e sanar as dúvidas foi de extrema importância aos membros do
projeto, bem como compartilhar com os demais a importância e relevância
deste estudo, uma vez que estes não sabiam como era expressado o riso
durante a baixa Idade Média, nem o motivo de Jesus nunca ser representado
com a face sorridente.
Sendo assim, concluímos que a forma de caracterizar Deus, com
expressão séria, é decorrente do princípio que, rir tem relação direta ao diabo,
sendo um sinal maléfico e pejorativo. Porém, como é impossível retirar o riso
da esfera social, a Igreja necessitou ressignificar suas leituras e perspectivas
acerca do mesmo.
 

5. Referências bibliográficas

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