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SUCESSO, RETRAIMENTO, PÂNICO: SUPER-ESTIMULAÇÃO E A

DEFESA DEPRESSIVA1

PEER HULTBERG2

O uso que Hultberg fez da super estimulação possibilitou lançar uma nova luz sobre a depressão, a
grandiosidade e mania. A presença secreta de fantasias grandiosas, atreladas ao que poderia de outra forma
ser considerado como conquistas realistas no mundo concreto, faz com que estas conquistas sejam sentidas
como ameaças à própria integridade psíquica. De um ponto de vista da história pessoal, o paciente pode ter
tido pais que exerciam muita pressão, ou ter sido usado como um tratamento para a ferida narcisista dos
pais. Então, a tensão surgida pelas conquistas pessoais é insuportável, porque isso é sentido pelo indivíduo –
num sentido exato – como sendo contra os seus melhores interesses.

Analistas e terapeutas rapidamente reconhecerão os pacientes descritos por Hultberg, que


fracassam por medo do sucesso. O uso que ele faz da idéia de Jung sobre a “restauração regressiva da
persona”, na qual o indivíduo nega a ambição e as aspirações, assume uma dimensão adicional quando
acrescentada à lista das possibilidades neuróticas da contratransferência de que temos conhecimento. Em
particular, as análises “acinzentadas” meticulosamente conduzidas, certamente deverão ser reformuladas
como resultado as especulações de Hultberg.

Dois sub temas do ensaio merecem menção especial: 1) o papel do álcool como um retraimento à
super estimulação, e 2) a ligação que Hultberg faz entre o trabalho de Klein sobre a gratidaão e a coniunctio.

A.S.

O conceito de super estimulação ou hiper excitação foi, até recentemente, usado


predominantemente em conexão com as crianças. Tem sido apresentado como uma reação intensa a um super
envolvimento, resultante de estímulos externos muito intensos, especialmente de pais super próximos ou
super cobradores. Contudo, na década passada, surgiu a tendência de considerar o conceito como também
sendo um fenômeno psíquico interno freqüentemente observado em adultos. Esta mudança de ênfase é,
principalmente, o resultado do trabalho de escritores americanos da assim chamada Psicologia do Self,
notadamente Heinz Kohut e seus seguidores. A super estimulação, neste último sentido é, conforme a
linguagem utilizada por Kohut, definida como uma “mobilização da libido exibicionista arcaica” (Kohut, 1971,
p. 5) que ameaça inundar o ego. Este processo pode ser escorado por algo no mundo externo, ou pode dever-
se à externalização de um estímulo ou fantasia interna. Contudo, e contrastando com o conceito clássico de
super estimulação, é essencialmente um processo endopsíquico. Na linguagem de Jung, poderia dizer-se que
a super estimulação, neste sentido, é um processo por meio do qual conteúdos psíquicos conscientes ou
inconscientes, de uma natureza inflacionária ou grandiosa, são ativados e ameaçam esmagar o ego. O ego,
entretanto, é suficientemente forte e tem suficiente senso de realidade, para defender-se tanto contra a
identificação com o conteúdo grandioso e estados de inflação gerais não psicóticos, quanto contra uma
submersão irreversível na psicose. O processo, contudo, faz surgir uma excitação que é sentida como
altamente inconfortável e gera muita ansiedade. A forma pela qual o ego se defende contra esta ansiedade
é, principalmente, pelo retraimento. Um ego que está especialmente propenso a ser super estimulado parece,

1
Traduzido do livro “Psychopathology, Contemporary Jungian Perspectives”, editado por Andrew Samuels,
the Guilford Press, N.York, 1991
2
Pulicado inicialmente no The Journal of Analytical Psychology 30:1, em 1985. Publicado aqui pela gentil
permissão do autor e da Sociedade de Psicologia analítica

1
sobretudo, proteger-se através do próprio isolamento da onda ou fonte de excitação. Então, isso é
geralmente experimentado como uma depressão desesperançada e cheia de ressentimento ou como
isolamento apático e total passividade, ou ambas as situações.

Este processo pode ser ilustrado pela seguinte história:

Um jovem pintor de uma cidade provinciana da Dinamarca teve sua primeira exposição em
Copenhagen. Foi bem recebido. Encorajado por este fato, conseguiu, logo em seguida, uma segunda exposição
com uma recepção igualmente favorável, senão melhor. O jovem artista foi então até sua casa para visitar
os pais, em sua pequena e idílica cidade dinamarquesa. Enquanto estava sentado no trem, de repente, sentiu-
se como se estivesse prestes a explodir, estilhaçando-se em mil pedaços. Sentiu-se esmagado e inteiramente
incapaz de controlar a fantasia de que quando o pequeno trem local afinal parasse na estação, um tapete
vermelho estaria estendido e uma delegação encabeçada pelo prefeito estaria esperando por ele com música
e flores. Entrou em pânico e começou a caminhar freneticamente para cima e para baixo no corredor do trem
imaginando, com pavor, o som ensurdecedor da banda de instrumentos de sopro dando-lhe as boas-vindas.
Esmagado por uma ansiedade inexplicável, viu-se a caminho do pequeno bar do trem. E quando seus pais o
encontraram na estação – não sendo necessário dizer que sem qualquer delegação municipal ou banda de
instrumentos de sopro – seu filho literalmente caiu do trem, totalmente bêbado. Curiosamente, contudo,
fora o envenenamento alcoólico seu estado mental era tranqüilo e sereno. Tinha conseguido dominar a
excitação e a subseqüente ansiedade e não se sentia mais estilhaçado. Embora seu humor estivesse algo
triste e até resignado, ao mesmo tempo sentia-se calmo. Contudo, em seguida e por um longo período de
tempo, seus poderes criativos pareciam falhar-lhe e foi incapaz de pintar adequadamente por diversos anos.
Vivia algo aparentado como um apatia branda e com desânimo, tendo vindo a escolher terminar um curso
universitário convencional, ao invés de seguir tentando fazer uma carreira como artista.

Esta pequena cena parece falar por si mesma como uma ilustração do problema da super estimulação
e do retraimento. Aqui estava um homem no final dos seus vinte anos que subitamente vê a realização de
suas mais caras esperanças. Tornar-se um pintor e ser reconhecido como tal era para ele o objetivo supremo
da vida. Tinha sido assim, mesmo quando era pequeno, um rapaz sensível que, com a idade de seis anos, teve
que afirmar-se na escola por causa de seus talentos intelectuais e, especialmente, artísticos. Os pais nunca
o entenderam. Eles não viam seu empenho e nunca consideraram sua pintura como tendo qualquer valor. Ele
rapidamente viu através dos elogios superficiais e sentimentais da mãe em relação aos seus esforços como
criança e, cuidadosamente, manteve afastado dela tudo que pintava como medo que ela viesse a usar isso
para o próprio engrandecimento. O pai nem sequer estava interessado. E, quando veio a exibir suas pinturas
eles ficaram, de fato, ambos chocados e extremamente embaraçados por seu menino ser capaz de pintar
uma tela tão grande e tão escandalosamente erótica. Por outro lado, internamente se aplaudiram pelo sucesso
do filho. Desta forma, o pintor nunca havia obtido nenhum reconhecimento real até o sucesso inesperado
com as primeiras exibições. Mas, em vez de encontrar forças e encorajamento para um trabalho futuro
firme, tornou-se enlevado e subseqüentemente hiper estimulado. E, esta tendência de ficar quase
estilhaçado com o preenchimento de seus desejos mais caros, teve que ser defendida de uma tal forma que
a super estimulação deu lugar à apatia e ao desânimo por um longo período de tempo. Caiu num estado de
vazio; sua iniciativa ficou bloqueada e ele sentiu-se paralisado. Em resumo, experimentou uma condição
próxima à depressão.

Contudo, é importante sinalizar que em nenhum momento houve qualquer questionamento sobre a
possibilidade dele vir a cair numa psicose depressiva. Seu ego parecia funcionar com certo grau de
confiabilidade como sempre havia feito e ele manteve sua razoavelmente boa ficha de trabalho. Em outras
palavras, ele parece ter adquirido prematuramente na vida um mínimo de coesão psíquica, ou força de ego,
que evitaram qualquer submersão completa no mundo de suas fantasias. De qualquer forma, seu ego
demonstrou fragilidade e parecia encontrar proteção apenas atrás de paredes rígidas que, então, vieram a
sofrer um ataque feroz com a realização de sua mais ardente ambição. Era, contudo, suficientemente forte
por fim para opor-se e defender-se contra o ataque da super estimulação. A tensão psíquica pode ser

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regulada e o desmoronamento prevenido, embora através de manobras defensivas bastante imaturas ou até
mesmo arcaicas.

A forma pela qual as paredes são geralmente reconstruídas após uma inundação da super estimulação
– especialmente fora do setting analítico – é também ilustrada com este caso. Contudo, o breve relato não
analítico a seguir pode mostrar ainda mais claramente as características essenciais deste processo de
restauração.

Uma violinista mulher, no vigor de uma muito bem sucedida primeira performance, foi agraciada com
uma bolsa para ir estudar no exterior com um dos mais famosos violinistas. Ela voltou para casa para dar seu
segundo concerto, que foi um sucesso sensacional. A audiência reconheceu nela a equivalente nacional do
eminente violinista e o entusiasmo era quase incontrolável; as pessoas quase não a deixavam sair do palco.
Ela reagiu entrando em pânico logo a seguir ao concerto. Escondeu-se em seu camarim, não permitindo que
ninguém se aproximasse, cancelou imediatamente todos os arranjos para futuros concertos e, no dia
seguinte, decidiu abandonar inteiramente a carreira como violinista. Foi impossível para alguém convencê-la
do contrário. Afastou-se do meio musical e, no meio tempo, obteve um posto numa escola como uma
professora de música comum e ficou aí pelo resto de sua vida profissional.

Para o jovem pintor e para a violinista, a realização dos maiores e mais intensos desejos de suas
vidas levou a uma situação perigosa, onde o ego de cada um deles ficou perto de ser inteiramente inundado
por fantasias grandiosas. Em ambos os casos o ego defendeu-se pelo retraimento e aparente vazio. Porém,
quando veio a restauração foi, especialmente no caso da violinista, incapaz de restaurar-se nas dimensões
anteriores. O jovem pintor teve que viver durante vários anos num estágio muito inferior ao nível de seus
talentos artísticos e possibilidades e foi, de fato, apenas ajudado a sair desta situação através da análise.
A violinista viveu assim pelo resto da vida, contentando-se com um trabalho que considerou suficientemente
mundano; embora sua decisão tenha sido, naturalmente, aprovada mais tarde por outros mecanismos de
defesa, tais como intelectualização, racionalização e argumentos ideológicos e éticos.

De um ponto de vista junguiano, pode-se observar nesta seqüência de fatos a semelhança,


especialmente no último caso, do conceito de Jung da “restauração regressiva da persona”. Jung cunhou este
termo na conferência de 1916 “Über das Unbewusste und seine Inhalte” e elaborou-o na versão ampliada da
conferência “The relations between the ego and the unconscious” (As relações do ego e o inconsciente). Ele
vai usar o termo para descrever uma das possíveis reações da ruptura entre os conteúdos conscientes e
inconscientes e ilustra isso com exemplos tirados da vida cotidiana, como “Seria (...) um engano pensar que
casos desta natureza fazem sua aparição apenas no tratamento analítico. O processo também pode ser
observado e, às vezes até melhor, em outras situações da vida, nomeadamente em todas essas carreiras
onde houve alguma intervenção violenta e destrutiva do destino” (OC 7, par. 254)

A restauração da persona de uma forma regressiva significa que o indivíduo em questão “terá se
comportado, pretendendo que está como estava antes da experiência crucial, embora completamente
incapaz até de pensar em repetir um tal risco. Anteriormente talvez ele quisesse mais do que conseguiu
completar; agora ele nem sequer ousa tentar aquilo que pode fazer” (OC 7, par. 254). Em outras palavras, a
pessoa leva a vida num nível mais baixo do que anteriormente.

A diferença entre a descrição de Jung e o problema da super estimulação como descrito aqui é de
que Jung usa a reação a uma catástrofe como uma ilustração de seu conceito: ele toma como exemplo o caso
do homem de negócios que vai à falência. No contexto da super estimulação, contudo, está-se lidando com a
reação a um sucesso inesperado, a realização de uma esperança profundamente nutritiva que ameaça
descontrolar o equilíbrio psíquico e criar tensões internas ingovernáveis. O indivíduo retira-se para o
isolamento, quer concretamente, como no caso da professora de música, ou para uma indiferença alcoólica
como no caso do jovem pintor. Porém, quando eventualmente eles emergem de seus protetores e calmos
isolamentos, não é com um ego que está mais capacitado a defender-se; é com um equilíbrio psíquico
remendado. Emergem com um ego que é capaz de defender-se contra os ataques da super estimulação
apenas porque desistiu das ambições e desejos de realização que quase causaram a inundação incontrolável.

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A parte saudável da psique não foi forçada; pelo contrário, a esfera de ação psíquica foi reduzida e a apatia
adotada como o principal mecanismo de defesa. Pode, talvez, dizer-se que aqui está um mecanismo de defesa
que é o reverso da regressão ao serviço do ego e semelhante ao conceito de Ana Freud de restrição do ego.

Como na restauração regressiva da persona, o retraimento após a super estimulação parece que
raramente traz os indivíduos para análise. O próprio retraimento parece uma defesa suficiente para mantê-
los. O evitamento de riscos e de situações que possam levar à hiper excitação geralmente assegura uma vida
cotidiana relativamente tranqüila. E, como Jung sinalizou, o fenômeno é talvez menos encontrado na análise
do que entre os próprios conhecidos e amigos.

SUPER ESTIMULAÇÃO NA ANÁLISE

Contudo, existe um grupo de pacientes para quem a super estimulação parece repousar no âmago
de seus problemas. Estas são pessoas que na juventude e também como crianças freqüentemente deram a
impressão de serem muito talentosas, às vezes até excepcionais. Contudo, nunca conseguiram ser capazes
de realmente manter a promessa que inicialmente inspiraram. Em vez de desenvolverem e realizarem seus
dons pareciam, às vezes muito cedo na vida, entrar mais ou menos num estado de depressão moderada; e
tendem a permanecer aí para sempre, exceto talvez pelas ocasionais curtas explosões de criatividade, nas
quais inesperadamente parecem reacender as expectativas que originalmente despertaram. Geralmente,
contudo, vivem uma vida reduzida, não no sentido de se sentir que seus poderes intelectuais ou seus talentos
criativos tenham secado, mas apenas que estes nunca foram canalizados de forma a serem plena e
significativamente empregados. A principal característica, contudo, é a de que existe uma tarefa a qual eles
não podem cumprir, embora estejam generosamente equipados para faze-lo e, também, muito bem
preparados para ela. Podem até vir para a terapia explicitamente para serem ajudados a executar esta
tarefa ou aparece muito cedo na terapia que estão preocupados (ou, às vezes, através de racionalizações
resignadas com o fato) por não poderem acabar a dissertação de doutorado, de que abandonaram o curso
dos estudos pouco tempo antes dos exames finais (os quais eles naturalmente tinham todas as razões para
crer que iriam passar bem), que são simplesmente incapazes de fazer as últimas preparações para seu recital
crucial, embora o programa tenha sido ensaiado durante anos. A moderna noção, bastante absurda, de
acordo de abstinência parece ser uma racionalização para tal estado interno. Assim, um concertista pode,
preferencialmente, retirar-se a se expor ao entusiasmo de uma audiência, como no caso da violinista
mencionada acima. O relato a seguir pode servir como uma ilustração de um problema psíquico básico da
super estimulação.

A sra. Lake é americana. Ela está perto dos quarenta anos e chegou à análise com uma “doença de
homem”. Ela tem um problema no coração. Está trabalhando fora de horas na escola, sem qualquer pagamento
extra, está engajada em atividades sindicais e, somando-se a tudo isso dá cursos de história da arte quase
todas as noites. Os finais de semana são gastos na organização de trabalho político, e ela não teve uma folga
por mais de dois anos. Contudo, sente-se amplamente recompensada pelo prestígio que obteve como uma
ardente ambientalista e pela pequena organização política devotada a estes problemas que sente, ela mesma
criou de improviso. Não fosse pelo coração, tudo estaria bem. Na entrevista inicial, mencionou um fato
curioso: ela, ganhadora de prêmios na escola e na universidade, ela que ganhou algumas das mais ambicionadas
bolsas de estudos e de quem todos esperavam que subisse até ao topo da graduação universitária,
simplesmente não pode terminar o “seu livro”. Após um ano de licença no trabalho para viagem de estudos
para fazer pesquisas na Europa, ela ainda tinha regressado à Alemanha a fim de continuar o trabalho que,
supostamente, lhe asseguraria a principal posição no seu antigo departamento universitário. “Note bem”,
ela acrescenta na entrevista inicial “quando eu tiver escrito o meu livro e provado meu ponto, todos
trabalhando com Dürer terão que levá-lo em conta; e todas as enciclopédias na Alemanha e,
subseqüentemente, no mundo, terão que ser revisadas”.

Na sessão seguinte, tentei testar sua pretensão e, tanto quanto posso ver não é apenas uma loucura
inflacionária. Ela explica-me suas idéias meticulosamente e de forma precisa, mostrando-me relatórios de

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sustentação de diretores de museus e professores. Parece que ela realmente tem um ponto que trará uma
luz inteiramente nova no seu assunto e ela parece capaz de provar isso.

O ponto sensível, contudo, é que seu livro não pode ser escrito. Ela está agora no final dos 30 anos
e ele deveria ter ficado pronto anos atrás. Todos à sua volta encorajam-na, todos a apoiam; mas o seu livro
permanece onde sempre esteve, ordenadamente numa caixa de organizados cartões de index preenchidos.
Há muito isso já deixou de ser embaraçoso para ela. Aprendeu a engolir a dor da expectativa desapontada,
penosamente seguiu adiante. Porém, ainda não consegue escrever, embora tenha o material que necessita e,
de um ponto de vista intelectual, nada a impeça.

Este problema e não o seu coração rapidamente se tornou o foco das sessões.

Não foi difícil conectar o problema com a experiência materna negativa da sra. Lake, porém, então
tudo pareceu parar. A sra. Lake foi criada pela mãe divorciada que a manteve, filha única, afastada do pai
até a morte deste. E não foi senão após haver começado a análise que a sra. Lake realmente começou a ver
o quanto brutalmente havia sido explorada pela mãe da infância até a presente data. Então ambos tendemos
a procurar pela causa do seu problema no relacionamento com a mãe.

Seria a razão dela não poder terminar o livro uma provocação contra a mãe? Seria uma vingança e
uma expressão de raiva em relação com o trauma precoce por ela não ter sido nunca aceita como era tendo
sempre sido explorada narcisisticamente, a fim de engrandecer a auto estima da mãe? Estaria ela invejando
o triunfo da mãe de ter uma filha que havia publicado um livro de sua autoria? Ou seria culpa pelo seu
sucesso, por que como autora de um livro importante teria finalmente suplantado a mãe? Ou teria ela,
através da identificação projetiva, incorporado a inferioridade e incompetência contra a qual a mãe
defendeu-se de forma tão veemente? Estaria ela simplesmente tratando o seu livro com as mesmas
exigências de hiper perfeição com as quais a mãe a tratou quando era uma criança? Seria a tese a sua
criança, a qual ela, solteira e sem filhos, não poderia permitir se desenvolver de acordo com suas próprias
leis, as quais ela não conseguia aceitar? Ou o bloqueio seria uma profunda profilaxia contra o destrutivo
desapontamento da mãe não a ter reconhecido nem aceito e sim permanecido tão indiferente às suas
conquistas como sempre tinha sido mesmo depois dela ter realizado isto que, para ela, era uma tremenda
façanha? Teria ela bloqueado desta forma suas profundas dúvidas acerca do próprio valor e da própria
inteligência o que não poderia ser provado em contrário por uma auto-estima realística? Ou isso era apenas
o medo da ‘puella aeterna’ de entrar no mundo das pessoas crescidas? Ou o medo de que crescendo isso
pudesse significar o abandono irreversível da mãe e, assim, finalmente ter que deixar o entrelaçamento
neurótico com ela, o que havia sido quase que única forma de relacionamento humano que havia conhecido
ou, de qualquer forma, o mais importante? Ou poderia ser uma questão de identidade, um medo de abandonar
a identidade de filha e como tal, a de doctoranda, a eterna filha da Alma Mãe? Ou o livro teria sido a única
forma que teve de se fortalecer a si própria e manter a continuidade interna? Estaria então apegando-se a
isso como uma criança se apega a um objeto transicional? Ou estaria apegando-se a isso porque ela não tinha
sido capaz de transformar isso num objeto transicional, apenas continuando a experimentar isso como um
presente para a mãe? Seria o livro um dos poucos fatores estabilizadores em sua vida; seria então possível
para ela acabá-lo se a análise e eu, na transferência, assumíssemos essa função estabilizadora? E,
reciprocamente, seria a inabilidade de prosseguir com o trabalho no contexto presente da análise e apesar
de minhas várias interpretações, um fenômeno da transferência: ela temia que, da mesma forma que a mãe,
eu pudesse vir a ficar com o crédito pelo seu trabalho se ela viesse a terminá-lo em virtude da terapia
comigo; um medo que eu também viesse a explorá-la por causa de minhas necessidades narcísicas e a
tratasse e ao seu trabalho como uma pluma no meu chapéu de analista. Ou, pior ainda, um medo que eu, tal
como a mãe, pudesse escolher ignorar isso e tratar isso como um assunto do curso analítico?

Olhamos para todas estas possibilidades e todas pareciam bastante convincentes. Havia algo em
todas elas, mas nenhuma delas parecia atingir o ponto. Só uma coisa parecia certa: a sra. Lake estava
deprimida de uma forma desassossegada, ruminatória, não porque ela não pudesse escrever seu livro, mas
para não escrevê-lo.

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Não foi senão quando o conceito de super estimulação foi introduzido que a reação tornou-se mais
afirmativa. Então, foi até possível falar acerca da clássica “experiência do aha”. As coisas agora pareciam
mais claras. O livro era a meta de sua vida. Ela não queria mais da vida; até decidira antecipadamente contra
qualquer outra pesquisa. Era suficiente pensar que quando tivesse oficialmente provado seu ponto todas as
maiores enciclopédias do mundo teriam que ser rescritas e que seu nome, de agora em diante, deveria
aparecer nos indexes de todos os trabalhos sobre Dürer. Ela não esperava mais nada da vida. Talvez esta
limitação dela mesma fosse uma espécie de restauração antecipatória e profilática de sua persona de um
forma regressiva. Contudo, isso não obteve êxito para frear a super estimulação e subsequentes ansiedades
em relação ao pensamento do que poderia ocorrer quando acabasse o livro. Pelo contrário, o confinamento
de sua vida de trabalho a este único livro parecia ter o efeito adverso: parecia acentuar o caráter absoluto
da realização desse desejo mais ardente e exacerbar seus medos em relação às conseqüências para a sua
psique quando tivesse cumprido a tarefa. Ela não tinha medo de ficar esgotada, ou do vazio que pode ocorrer
a uma pessoa que atingiu a meta a que se propôs, nem do sentimento de súbita desorientação que se pode
supor deva ocorrer ao jumento quando, inesperadamente, ele devora a cenoura que durante anos vem
pendendo frente ao seu focinho. Do que ela realmente estava com medo era simplesmente explodir com
alegria, de ser tomada com excitação com uma tal intensidade, de forma a que ela não pudesse controlá-la.
E, o sentimento de vazio, bem como a inflexível inibição de trabalho era a forma de lidar com a ansiedade e
defender-se contra ela. Nestas fantasias de super estimulação a mãe, naturalmente, também surgia
subitamente. Uma das mais hiper excitantes fantasias era a de uma reconciliação final com a mãe. Através
de seu sucesso ela estaria finalmente substituindo e até suplantando e ultrapassando o pai, a quem a mãe
castrou de forma tão efetiva. Ela estaria finalmente sendo capaz de compensar a mãe pelos graves
aborrecimentos que o pai, segundo ela, lhe havia causado no casamento e, assim no final, ela conquistaria o
amor materno.

Agora transparecia que a excessiva excitação e a hiper estimulação eram características muito
importantes na vida da sra. Lake. Ela era, por exemplo, totalmente incapaz de acalmar-se se tivesse
experimentado alguma forma de sucesso em sua vida profissional. Ela descreveu como tinha falado,
incessantemente, para ela mesma no carro ou quando estiva caminhando na rua, fazendo com que as pessoas
chegassem a virar-se para trás para olhar para ela. Em casa ficava argumentando com ela mesma durante
horas, ou sentava-se na beira da cama ou andava para cima e para baixo no estúdio até cinco ou seis horas
da manhã, quando, de pura exaustão e através de um par de copos de Dubonnet, finalmente, entrava em
colapso na cama por uma hora ou duas. Estava agora capacitada para conectar isso com a mãe, que nunca
demonstrara admiração ou reconhecimento por ela, independentemente de suas realizações excepcionais,
nem nenhuma simpatia por suas preocupações. A sra. Lake cresceu incapaz de sentir uma alegria verdadeira
nela e em suas conquistas. Além disso, não possuía um senso de medida pelo qual pudesse apreciar, de forma
realística, as suas conquistas. Desta forma, não tinha uma alegria interna nela mesma e em suas atividades
e nem um critério interno para fazer um julgamento dela mesma. Na verdade, muitos dos seus sonhos
apontavam para este estado depressivo geral de sua alma; bem no fundo, por detrás de sua freqüentemente
brilhante vitalidade e de suas “verdes” atividades ambientalistas, existia um gelado deserto psíquico e um
ego-onírico privado de quaisquer ilusões. Era, portanto, compreensível que ela reagisse com terror ao
pensamento de ter que lutar com a extrema felicidade quando tivesse atingido a meta longamente
acalentada; e o fato de que preferisse sua sujeição, seu estado algo depressivo e bloqueado do que arriscar
a explodir de uma alegria que ela não tinha meios de controlar. Desta forma, defendia-se contra o pavor da
super estimulação, mas ao custo de uma grave inibição no trabalho.

A sra. Lake pareceu totalmente capaz de aceitar a interpretação da super estimulação como sendo
o âmago de seu problema. E como um resultado disso decidiu abandonar seu ambicioso projeto. Os registros
em Dürer, de todas as maiores enciclopédias deste mundo não serão afinal rescritos. Como a maior parte de
seus colegas no mundo acadêmico, ela escolheu restringir-se a escrever um artigo ocasional. Ao mesmo
tempo que desistiu da tentativa de escrever seu livro também aproximou-se de uma antiga colega e ficou
encantada ao descobrir que não havia sido esquecida. Pelo contrário, uma vez que sempre tinha sido uma
excelente e inspiradora professora, ofereceram-lhe seu antigo cargo e retornou aos Estados Unidos num

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estado mental harmonioso. E, quando os amigos e colegas sugeriram que poderia afinal de contas escrever
um pequeno livro popular sobre Dürer, ela pode então competir com a estimulação e lutar contra a inundação
das fantasias – e recusar.

A SUPER ESTIMULAÇÃO NA TRANSFERÊNCIA

Num processo analítico como este, a super estimulação parece manifestar-se, sobretudo, em
conexão com a transferência e, provavelmente, com a contratransferência. Na transferência parece,
principalmente, desenvolver-se em torno de uma sensibilidade extrema à proximidade da situação analítica,
especialmente em ocasiões em que a idealização ou a identificação projetiva estão no seu máximo. Às vezes,
a principal meta do analisando é a de ser tão intimo com o analista quanto conseguir e, o sentimento de que
este desejo possa ser preenchido pode ser, novamente, muito opressivo. Subseqüentemente, o analisando
tem que defender-se contra esta situação perigosa.

A forma pela qual o analisando experimenta os perigos da proximidade é, naturalmente, altamente


variada e muito subjetiva. O compartilhamento de uma piada pode ser tão perturbador como as fantasias
surgidas quando um analista confessor sente que precisa revelar partes de sua vida pessoal como prêmio
pela sinceridade, como uma consolação ou como uma rendição a uma chantagem emocional mais ou menos
sutil. Um encontro externo fortuito pode fazer nascer idéias de interesses idênticos ou idênticos problemas
na vida. Prazer da parte do analista, como na verdade seu elogio, pode fazer surgir fantasias de ser a pessoa
escolhida, etc. Por detrás de todas estas fantasias permanece o pavor de ser inundado e da perda de
controle como um resultado de ter atingido o estado insustentável de intimidade e proximidade. Isto pode
ser expresso como um medo de ser seduzido pelo analista – sedução naturalmente entendida no sentido mais
amplo do mundo, sedução intelectual ou ideológica ou teórica sendo, então, freqüentemente, tão perigosa
quando a sedução sexual. Aqui existe o pavor que o analista possa abandonar seu auto controle e iniciar o
anseio por proximidade.

Kohut e seus seguidores apontaram um medo importante neste contexto – o medo de ficar
boquiaberto frente a uma interpretação que atinja o centro das coisas (ver, por exemplo, Golberg, 1978, pp
9, 63, 83, 85). Este medo tem, provavelmente, duas fontes principais. É, naturalmente, uma expressão do
pavor do que poderia ocorrer se um insight fosse subitamente atingido e os conteúdos até então
inconscientes fossem liberados e englofassem o ego antes que este tivesse tido tempo de organizar as suas
defesas. Porém, também parece ser um medo de ser super estimulado pela alegria de ter, finalmente,
encontrado um ser humano que, aparentemente, por instinto ou intuição ou por empatia extrema, pode sentir
as necessidades e os apuros do analisando, mesmo antes deste tê-las entendido. Muitos casos de prolongado
silêncio na terapia podem, talvez, ser devido a esta ansiedade, ao invés de serem vistos como uma expressão
de agressão inconsciente ou de provocação.

A seguinte ocorrência pode ilustrar este ponto.

Alguns anos atrás fui presenteado com uma cópia da primeira edição do livro de T.S.Eliot “Four
Quartets” (Quatro Quartetos). Uma vez que estava muito feliz tanto com o livro como com as reflexões
por detrás dele, deixei-o em cima da mesa em meu consultório, de forma a que pudesse lê-lo entre consultas.
Uma paciente mulher muito inteligente com uma transferência forte e um pouco dependente, imediatamente
notou o livro e fez observações sobre ele. Como ela era muito interessada em literatura peguei o livro e li-
lhe a passagem acerca do cirurgião ferido:

“Our only health is the disease


If we obeu the dying nurse
Whose constant care is not to please
But to remind of our, and Adam’s curse,

7
And that, to be restored, our sickness must grow worse.”3
(Eliot, 1969, p. 181)
Discutimos brevemente o quanto eram junguianos esses pensamentos e isso levou-nos, creio eu, de
uma forma natural por toda a hora.

Como freqüentemente fazemos quando quebramos as regras de abstinência, eu pensei pouco nisto
e, simplesmente acreditei que havíamos discutido algo do interesse dela. Fiquei, portanto, bastante perplexo
quando ela começou sua sessão de segunda-feira com um pedido muito sério: poderia eu, por favor, por favor
no futuro, por favor nunca mais quebrar a neutralidade analítica e não introduzir assuntos de minha vida
pessoal, pois ela não era capaz de lidar com isso. No início fiquei perplexo e não sabia ao que ela estava se
referindo; acreditei que só poderia ser uma anedota, não me dizendo respeito pessoalmente, a qual eu havia
produzido ao apresentar uma interpretação. Só então ela explicou que tinha a ver com o poema. Havia-lhe
parecido que eu tinha falado sobre este de uma forma muito especial, como se eu tivesse sentido a
necessidade de comunicar-lhe algo especialmente particular e pessoal e apenas a ela e exatamente neste
momento de sua análise. Ela registrou meu prazer com o poema e interpretou isso como significando que eu
não tinha ninguém mais como quem dividir as minhas alegrias e interesses. Desta forma, eu havia feito dela
minha parceira, havia seduzido ela, sentira-se assim, sugerindo haver solidão em minha vida privada, bem
como profundos problemas, que eram paralelos aos seus próprios problemas e à sua solidão. Ela havia
retornado a casa após a hora, subjugada por excitação e fantasias de que apesar de tudo ela era a escolhida,
que seus sentimentos por mim tinham encontrado um eco em mim. Ela estava num estágio em sua análise em
que não se retraía num humor depressivo declarado como resultado da super estimulação. Contudo, ela tinha
sentido que estava em perigo de perder o controle sobre ela mesma e experimentou, de novo, um medo
horroroso, quase como um medo de morte, de perder-se para mim e, assim começar um relacionamento
fatalmente destrutivo que ela havia previamente conhecido e no qual havia inteiramente aberto mão de sua
própria personalidade. Por algumas horas ficou tremendo todo o corpo e levou toda uma noite para acalmar-
se o suficiente para tirar-se do estado de excitação. Mais ainda, havia gasto todo o final de semana
estudando Eliot, na crença de que ele havia sido o objeto de minha tese de doutorado.

O fenômeno de defesa e retraimento em conexão com a super estimulação na transferência são


naturalmente muito variados mas têm o objetivo de evitar a proximidade ameaçadora. Isso pode ocorrer de
uma forma fóbica, através de ansiedades altamente incapacitantes, por exemplo. Ou, especialmente cedo na
análise, pode levar ao término desta, freqüentemente, exatamente quando o analista sente que as coisas
estão indo particularmente bem e que está prestes a ser construído um relacionamento realmente bom. O
medo de elogio pode levar o analista a se confundir, o que talvez tenha indiretamente dado abertura ao seu
desejo de uma boa cooperação. Ou o analisando pode ostensivamente, e até de uma forma perniciosa, proibir-
se qualquer interesse na vida do analista como uma defesa contra as fantasias subseqüentes. Ele pode, como
indicado previamente, parecer sonolento, passivo, ficar silencioso de uma forma desorientadora, em lugar de
ousar se expor à compreensão amigavelmente calorosa e enfática do analista. Ou ele pode defender-se
contra ser inundado por sua própria idealização do analista através de críticas ou aparentemente rejeitando
a escola de análise à qual assume que o analista pertença. Discursos longos contra Jung, freqüentemente de
natureza política, ou o rebaixamento de fundo petit bourgeois (pequeno burguês) vienense de Freud, parecem
ser exemplos disso, da mesma forma que alguns sonhos, especialmente no início da análise, nos quais os
conteúdos ridicularizam a estrutura teórica do analista ou o próprio analista enquanto uma pessoa.

Neste ponto talvez deva ser brevemente mencionado um tipo específico de defesa contra a hiper
excitação: o uso do velho calmante, o álcool. Quando o jovem artista, anteriormente mencionado, foi pego
pela possibilidade de fragmentação de sua personalidade por suas fantasias esmagadoramente grandiosas,
ele retraiu-se inicialmente num estupor alcoólico. A sra. Lake, da mesma forma tinha, de vez em quanto, que
acalmar-se para dormir com um copo de Dubonnet. Isso é quase uma paródia da defesa orientada para a

3
Nossa única saúde é a enfermidade / Se obedecermos à ama moribunda / De quem a solicitude constante não é
a de agradar / Mas apenas lembrar da nossa maldição e de Adam, / E isso, para ser reparado, a nossa doença
deve piorar.

8
realidade contra a super estimulação, a qual controla a retirada e organiza a retração. Porém, quando a fonte
é interna, é difícil encontrar um lugar para retirar-se e fazer isso de uma forma regulada. Parece, contudo,
que a parte saudável da psique, de uma forma altamente inadequada, usa o álcool para defender-se contra a
desintegração. Quando pessoas com problemas com álcool têm que enfrentar fantasias profundamente
excitantes e estão prestes a serem inundadas pela hiper excitação, parecem ser capazes de acalmar as
fantasias grandiosas intrusivas através da bebida. O álcool aqui parece ter uma certa função regeneradora
do ego. O individuo é capaz de retirar-se, retroceder, isolar-se e, subseqüentemente, restaurar sua
personalidade através do álcool. Embora a bebida possa naturalmente ser a reação vingativa a um
desapontamento ou um malogro imaginário, também pode ser causada por fantasias altamente ativas
liberadas na transferência como, por exemplo, através de uma má interpretação do zelo amigável do analista.
Então, a única forma pela qual o ego parece capaz de defender-se contra tais inundações de alegria e
excitação é através da encenação de uma inundação de sua autoria.

Um tal padrão de bebida parece, por exemplo, ser a base do alcoolismo de um paciente que
facilmente se tornava gravemente hiper estimulado. Numa ocasião estava completamente dominado pela
beleza da natureza enquanto vagava por vários dias numa impressionante paisagem alpina. Sua felicidade em
tão esplêndido cenário era tão grande que ele não conseguia contê-la. A excitação cresceu de forma tão
dolorosa que tornou-se insuportável e, ele, teve que beber álcool para poder acalmar-se. “Eu tinha que beber
para poder me tornar outra vez uma pessoa normal, de outra forma não sei o que teria feito de pura
felicidade”, como ele mesmo disse.

Isso me recorda a “Ode a um rouxinol” de Keats, onde o poeta “Being too happy in thine happiness’
whishes for’a draught of vintage... that I might drink, and leave the world unseen, / And with thee fade
away into the forest dim’ ”4 (Keats, 1982, p. 207). A hiper estimulação parece ter sido uma realidade psíquica
para muitos dos românticos; e foram, de fato, as observações feitas sobre o poeta polonês Adam Mickiewicz
que, inicialmente, despertaram o meu interesse neste fenômeno. Na “Ode a um rouxinol” Keats também
aponta para a regressão derradeira face à hiper excitação:

“Now more than ever seems it rich to die,


To cease upon the midnight with no pain,
While thou art pouring forth thy soul abroad
In such na ecstasy!” 5
(Keats, 1982, p.208)

Talvez uma experiência equivalente a tais sentimentos no final do século vinte, seja a jovem mulher
casada que numa gloriosa manhã do começo do verão dirigiu o seu carro conversível em alta velocidade no sol
ardente por uma ponte levadiça com o marido ao lado. De repente, num certo momento, ficou obcecada com
o desejo de dirigir o carro diretamente de encontro a um dos pilares da ponte. A vida era tão
arrebatadoramente bela que a morte parecia a única conseqüência para seu enlevo.

Parece ser importante mencionar o uso do álcool como um combatente para a super estimulação, uma
vez que o álcool é tão freqüentemente mencionado em discussões generalizadas como o fazedor de espírito.
Isso pode levar a um entendimento errôneo de alguns problemas que estão por detrás do alcoolismo ou das
bebidas pesadas. Nos casos em que a super estimulação tem responsabilidade, pode-se dizer que o álcool é
usado em sua função contrária, na forma de calmante, para combater excedente de espírito, como aqui. E,
ver o problema do álcool como uma expressão da busca por oposição da vitalidade seria um engano, para dizer
o mínimo. Pelo contrário, o álcool aqui possibilita ao ego se retrair de uma forma defensiva e, assim, a resistir

4
“estando demasiadamente feliz em tua felicidade desejo um gole... que eu possa beber, e deixar o mundo
oculto / E contigo desvanecer-me dentro da floresta obscura”
5
“Agora mais do que nunca parece merecer a pena morrer / Cessar à meia-noite sem dor, / Enquanto a tua arte
cai em torrentes levando tua alma adiante / em pleno êxtase!

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à ameaça de ser inundado por conteúdos espirituais (imateriais, incorpóreos). Em outras palavras, parece
que da mesma forma como falamos de defesa da defesa anal em relação à oralidade, também se poderia falar
aqui de uma defesa oral contra uma regressão ainda mais profunda, uma defesa contra a fragmentação da
toda a psique. Estas defesas misturadas parecem ilustrar claramente o último caso que irei trazer: do homem
que dizia “preciso beber para me tornar novamente numa pessoa normal.”

T era um autêntico cientista, muito meticuloso, extremamente trabalhador e ambicioso – um


verdadeiro caráter anal, como usualmente dizemos. Ele tinha o hábito de trabalhar em seu laboratório até
tarde da noite. Em algum momento ele começava a beber. Isso, achava ele, possibilitava-lhe trabalhar um
pouco mais. Logo, entretanto, a qualidade do trabalho tornava-se pouco produtiva, entretanto, seguia
bebendo sem qualquer culpa, às vezes sentindo que estava se recompensando por ser um gênio. A partir
desse momento tornava-se capaz de ficar devaneando acerca da vida por algumas horas, podia abandonar-se
a fantasias alegres, ou ficava perdido sem ansiedade, com alegria por ter encontrado um erro ou uma falha
em seus cálculos. Finalmente, imerso numa névoa alcoólica, voltava para casa do laboratório. Por fim, sua
mulher recusou-se a aceitar que “esta era a forma como os cientistas trabalham”; ela confrontou-o com
as alternativas do divórcio ou terapia e, isso, trouxe-o para a análise. Aqui parecia haver uma defesa contra
a oralidade que, contudo, num determinado momento rompia e claramente vinha para o primeiro plano, no
momento em que o cientista se permitia beber um pouco, racionalizando parcialmente ser uma recompensa
pelo trabalho e, parcialmente como uma desculpa para conseguir energia para trabalhar um pouco mais. Ao
mesmo tempo, a própria bebida o defendia contra sentir-se vazio ou, o que é mais provável, da super
estimulação quando, por exemplo, finalmente encontrava um erro traiçoeiro; estes sentimentos teriam,
invariavelmente, acabado por destruí-lo se tivesse terminado o dia de trabalho sem beber. Sem beber ele
se sentiria ou exausto ou começaria a duvidar sobre a validade de tudo o que estava fazendo ou seria
arrebatado por fantasias grandiosas e indutoras de ansiedade. Tinha, por exemplo, fantasias aterradoras
de fazer um papel completamente ridículo quando estivesse recebendo o Prêmio Nobel das mãos do rei da
Suécia. Quando bebia, entretanto, era capaz de controlar essas fantasias e estas não eram mais
experimentadas como esmagadoras. E, ao invés de ficar aterrado, podia, de fato, apreciá-las e podia
abandonar-se a elas, sabendo que desapareceriam gradualmetne à medida que a quantidade do álcool
aumentasse. A bebida, no caso de T, é para ser interpretada não apenas como um prêmio por sua aplicação
ao trabalho (a oralidade rompendo as defesas anais); parecia ainda mais ser uma defesa contra a hiper
excitação induzida por conteúdos fantasiosos nascidos daquilo que podemos chamar de diligência anal. Desta
forma, também parece ser possível argumentar-se que o fenômeno rotineiro dos “copos noturnos” para
descontrair-se após um dia de trabalho podem ser entendidos desta forma. Esta interpretação pode ser
mais frutífera do que ver meramente como uma compensação oral frente às dificuldades da vida.

CONTRATRANSFERÊNCIA

No que se refere à contratransferência, parece poder-se observar algum paralelo com a situação
da hiper excitação na transferência, embora a ansiedade básica de alcançar a proximidade com o analisando
possa não ser tão pronunciada. Contudo, isso não pode, certamente, ser inteiramente excluído. Por exemplo,
podem haver momentos em que o analisando é sentido como uma figura parental cuja aprovação e até
admiração é buscada através de uma interpretação notavelmente correta ou de uma opinião
convincentemente boa. Isto pode muito bem ocorrer caso o analista, enquanto criança, tenha sido solicitado
para aconselhar os pais, ao invés de ser aconselhado por estes e buscar conquistar aceitação deles desta
forma, uma situação que provavelmente não é tão incomum para crianças que mais tarde vieram a se tornar
analistas.

Na contratransferência, os dois fatores abaixo mencionados dão a impressão de contribuir para


uma inflação do ego do analista: admiração e sucesso. Naturalmente, que é possível defender eles de muitas
formas diferentes. O analista pode, por exemplo, esforçar-se para manter a análise debaixo de controle
rígido, protegendo-se contra receber demais do paciente. Neste caso, ele pode vir a depreciar as conquistas
do paciente, quer no sentido de não reconhecer apropriadamente o material trazido às sessões, ou não

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reconhecer as coisas conquistadas fora da análise, quer como uma resposta ao trabalho analítico ou
diretamente para ganhar elogios do analista. Este controle pode ser racionalizado como uma forma de
“prevenir a atuação” ou como “uma recusa em proporcionar gratificação narcisista”. De todas as formas,
estas análises podem parecer tristes e enfadonhas ou excessivamente sérias e o analista irá se sentir
continuadamente inadequado e poderá se queixar de que nunca parece conseguir conquistar nada –
sentimentos que, naturalmente, mais cedo ou mais tarde serão apanhados pelo paciente e refrearão todo seu
entusiasmo no trabalho.

Também parece que todo o tédio na análise pode, às vezes, surgir de uma fonte similar. Não será
necessário ser a resposta do analista às resistências por parte do paciente. Lembro de um paciente que eu
achava insuportavelmente entediante; eu receava as 3 horas semanais com ele e continha-me com dificuldade
de confrontá-lo com isso. Apenas quando realizei que isso era, de fato, principalmente devido a meu próprio
problema e que eu estava me defendendo contra uma idealização arquetípica de sua parte, pude aceitar meu
aborrecimento. Isso era tão martirizante e, por isso, altamente defensivo de minha parte, pois a idealização
do paciente era do tipo que é intensivamente invasiva e, assim, era sentida como sendo muito agressiva. Eu
tinha que me defender simultaneamente contra algo que era tanto invasivo quanto idealizado e durante
algumas semanas isso foi demais para mim.

Eu me pergunto se o medo de proximidade por parte do analista, o qual pode surgir como uma reação
à admiração por parte do paciente super estimulado, também pode se exprimir numa certa apreensão em
relação a perguntas sobre a vida pessoal do paciente, ou diretamente no evitamento de fantasias sobre ele.
Naturalmente, isto iria significar que o analista estaria se privando de uma das melhores ferramentas para
a interpretação. Em todo o caso, parece que o medo da super estimulação dificulta em grande escala a
interpretação. O analista pode temer o impacto de uma interpretação correta da mesma forma que o
paciente, quer por causa das conseqüências que isso possa ter para o paciente ou porque ele pode temer o
efeito que a super estimulação possa ter sobre ele e sua habilidade de atingir objetivo. Isto é um medo que
sua própria virtuosidade possa, finalmente, sair de seu controle e inundá-lo, uma ansiedade que segundo
parece é também sentida por muitos artistas.

O medo de admiração ou de idealização, isto é, o medo de ser elogiado, com a resultante evitação
de proximidade, é suscetível de levar a uma análise um tanto insípida onde pouco acontece. Isto é
freqüentemente racionalizado como um trabalho seguro por parte de um analista confiável. Super
estimulação, contudo, pode também assumir a forma de medo de estar sendo inundado no caso de sucesso
evidente. Isto poderia levar, de modo geral, a uma evitação inconsciente do sucesso. Uma das muitas formas
de evitar o sucesso é terminar a análise prematuramente ou até rompê-la, uma atitude que novamente pode
ser racionaliza, por exemplo, por princípios de defesa de não prender o paciente ao analista de forma muito
forte, de não acreditar em uma análise demasiado longa, de desejar que o paciente assuma responsabilidade
por sua própria vida.

O exemplo seguinte, não de uma analista e, sim, de uma fisioterapeuta com pouco mais de trinta
anos, pode ilustrar o problema da super estimulação em profissionais de ajuda, ou seja, os medos surgidos
no auxiliar que usa seus próprios poderes. A sra. Nielsen era altamente prendada em seu campo de trabalho.
Contudo, como todas as pessoas cujas habilidades tocam a virtuosidade, ela também era uma trabalhadora
excessivamente severa que havia se aprofundado bastante para melhorar sua capacidade e prática. Como um
resultado disso era capaz, por vezes, de conseguir curas que eram quase miraculosas: pessoas condenadas à
cadeira de rodas tornavam-se capazes, após alguns meses de tratamento, de levantaram-se sozinhas e dar
os primeiros passos; um bebê espasmódico de quem haviam desistido e que havia ele mesmo desistido e se
tornado autista, obteve controle de seu aparelho motor, começou a sorrir para a mãe, expressou frustração
e raiva de forma compreensível e tornou-se muito curioso sobre o mundo ao seu redor. Num determinado
momento, a sra. Nielsen ficou assustada com os próprios poderes. As situações que ocorriam de sua prática
eram quase demasiadas para ela controlar ou superar. Elas pareciam-lhe inquietantes (misteriosas) e ela
sentia que possuía quase que poderes super naturais ou, ao contrário, era possuída por esses poderes. Estava
parcialmente temerosa de que pudesse “subir às alturas e tornar-se megalomaníaca”, como ela mesmo

11
expressou e parcialmente temerosa de que alguma coisa fundamental pudesse estar errada com ela uma vez
que podia obter esses resultados espantosos. Em suas preocupações sobre seus sucessos estava no ponto em
que desejava dar um fim nisso tudo e tornar-se apenas numa fisioterapeuta comum. De outra forma, disse
que não sabia onde as coisas poderiam parar.

Após uma meticulosa discussão de suas curas, ela e eu concordamos que não havia, de fato, nada de
sobrenatural acerca delas. Ela não tinha, consciente ou inconscientemente, feito um pacto com o Diabo,
independentemente de forma que este pudesse ter tomado na psique de uma mulher do final do século vinte.
Seu sucesso aparentemente miraculoso surgiu de uma combinação de um duro trabalho consciente, de um
treinamento incomumente bom, combinado com uma excelente intuição diagnóstica baseada em sua confiança
em suas percepções subliminares ou inconscientes. Ela sentiu que sua situação tinha inclusive se tornado pior
durante sua análise, porque tinha obtido ainda um melhor contato com o seu inconsciente. Mais ainda, seu
entusiasmo com o próprio trabalho aliado à sua confiança em seu inconsciente, especialmente em suas
observações inconscientes, deram-lhe sugestivos poderes declarados, que contribuíram mais ainda para seus
medos. Ela podia levar as pessoas a acordarem para a própria confiança nelas mesmas e na possibilidade
daquilo que elas haviam acreditado até então ser impossível. E isso, é claro, era uma condição necessária à
cura. Por causa deste insight em sua realidade interna e externa, foi possível deter sua tendência para o
retraimento em face da hiper excitação frente às suas curas espantosas. Ela construiu uma auto-estima
realística que evitou que ela lutasse em terror contra os próprios sucessos ou que se opusesse a eles. Deixou
de ver-se como uma curadora pela fé sob o controle de poderes misteriosos que podiam crescer ou diminuir
sem seu controle. Conscientizou-se que era apenas uma profissional altamente capacitada que tinha uma
bonita carreira pela frente.

Parece, então, que o principal mecanismo de defesa contra a super estimulação de parte do analista
é o bem conhecido artifício de restrição do ego, seja na forma de uma restrição à sua resposta humana, sua
empatia, sua atenção e vigilância, suas capacidade interpretativas ou sua atuação em geral. Contudo, uma
característica deve ser particularmente considerada neste contexto e essa é a rejeição, se não a repulsa
direta, pelos sentimentos do paciente. Isso pode ocorrer como uma reação à idealização quando o analista,
na contratransferência, por exemplo, pode estar rejeitando os pais que o idealizaram enquanto criança em
vez de deixá-lo idealizá-los, privando-o de diretrizes e deixando-o arranjar-se por si mesmo e, talvez,
também pelos pais. Porém, naturalmente, uma repulsa pela idealização necessária por parte do analisando
também pode ser uma questão da idealização ser sentida como demasiada, ou seja, como a realização do mais
acalentado desejo. Nesta conexão um aspecto específico da rejeição e da repulsa deve ser sinalizado – a
rejeição pela gratidão.

GRATIDÃO

Melanie Klein certamente estava certa ao enfatizar a importância no ser humano tanto da inveja
quanto da gratidão, Contudo, em geral, vem-se prestando muito pouca atenção ao papel da gratidão. Isso
pode, certamente, ser sentido, às vezes como extremamente desconfortável. No caso da sr. Nielsen, a
fisioterapeuta, os piores momentos para ela ocorreram quando os pacientes, especialmente pessoas comuns
e simples, expressavam seu profundo agradecimento pelas suas extraordinárias curas. Freqüentemente
estes pacientes ficavam extremamente emocionados e ela tinha grande dificuldade para não diminuir os
sentimentos deles bem como suas próprias realizações. O embaraço ficava agravado porque, tal como a
própria sra. Nielsen, os pacientes geralmente não possuíam crença religiosa específica. Desta forma, nem
eles podiam agradecer ao seu Deus pela cura, nem a sra. Nielsen podia agradecer ao dela por seus dons.
Assim, o seu ego tinha que carregar todo o peso da gratidão que, em tempos anteriores, poderia ter sido
depositada em Deus ou num santo bem como no curador. E parecia bem compreensível que ela pudesse
encolher-se e retrair-se desta tarefa com a inerente possibilidade de inflação grosseira.

No setting analítico, a super estimulação pode manifestar-se não apenas porque o analista sente que
foi bem sucedido em seu trabalho com o paciente, mas também porque teme ser ele próprio englofado, se

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permitir que o sentimento de gratidão, enquanto tal, surja na situação analítica. Talvez ele próprio nunca
tenha realmente experimentado este sentimento tanto em sua vida pessoal quanto em sua análise,
consequentemente, é forçado a percebê-lo como perigoso e traiçoeiro em relação ao seu equilíbrio psíquico.
Talvez deva ser enfatizado que a rejeição está sendo discutida em relação com a super estimulação e os
perigos subseqüentes da inundação do ego e não em relação com casos em que o analista frustra seu próprio
sucesso pela inveja do paciente em relação aos sentimentos que o paciente experimenta como resultado da
análise com ele. Existe, provavelmente, um número considerável de analistas que invejam seus pacientes pelos
seus analistas, da mesma forma que certos pais podem invejar seus filhos pelos seus bons pais.

O mau acolhimento do paciente pelo analista por medo de sua própria super estimulação, induzida
pela gratidão pode, desta forma, ter conseqüências muito sérias para o êxito de uma análise. Novamente,
isso pode ser racionalizado: por exemplo, defendendo a conformidade com as normas rígidas da não aceitação
de sinais de gratidão, de não dar gratificação narcisistica. Contudo, pode ser contra argumentado que a
gratidão é um dos sentimentos mais importantes que emergem da análise.

Uma das metas, talvez a principal, da análise pode ser a experiência do sentimento de gratidão. É
um dos sentimentos associados à experiência de um relacionamento sentido como sendo maior do que o ego.
O objetivo de uma análise não precisa ser necessariamente que o paciente possa experimentar este
sentimento exclusivamente com relação aos pais atuais. Sempre existirão casos onde isso não poderá ser
conseguido, independente da profundidade da análise. Os pais poderão ter que permanecer rejeitados. Mas
o importante é que a gratidão possa ser experimentada.

Falando numa terminologia junguiana, pode-se dizer que o sentimento de gratidão está muito
próximo deste sentimento poder trazer a experiência da totalidade psíquica, da personalidade supra
ordenada, do encantamento ou qualquer outro nome que se queira usar. Este fator transcendente pode,
inicialmente, estar projetado no analista. Mas, ainda assim, o sentimento de gratidão parece estar a um passo
não apenas em direção à realização do bem interior e dos objetos externos mas também em direção à auto
consciência (ampliação de consciência).

Contudo, o sentimento de gratidão também implica num grau correspondente de consciência de ego.
E, embora possa parecer que um relacionamento entre o ego e o self possa ser construído, o que não significa
numa fusão do ego para dentro do self com o correspondente perigo de grandiosidade ou inflação. A gratidão
parece assegurar que as duas instâncias psíquicas sejam mantidas separadas mas ao mesmo tempo que
estejam intimamente relacionadas.

A super estimulação e a defesa depressiva conseqüente pode ser observada com uma variada
extensão de fenômenos psíquicos. Pode ser encontrada dentro da análise, mas mais freqüentemente fora. A
defesa, em outras palavras, parece ser particularmente efetiva, talvez especialmente em culturas onde
qualidades tais como a modéstia, auto supressão, não competividade são considerados valores morais
primários. A defesa contra a hiper excitação varia da timidez e uma tendência generalizada de esconder
seus próprios talentos, a uma atitude de humildade de princípios, medo de competição saudável e medo do
próprio sucesso, até sérias dúvidas acerca do próprio valor e conquistas pessoais e pode levar a uma séria
inibição profissional, regressão estéril e uma depressão vazia. As manobras defensivas podem ser apoiadas
por todo um arsenal de racionalizações secundárias e referências a ideais éticos, sociais e religiosos; e até
pode ser empregada auto a labelidade psicológica, tal como referências à própria introversão ou um superego
auto sádico.

Jung chamou a atenção para o importante fenômeno da restauração regressiva da persona. Este
conceito é extremamente valioso, quando se considera as reações subsequentes à defesa ou retraimento
contra a hiper excitação. Jung mostrou como são reconstruídas as paredes após a inundação da cosnciência
por conteúdos inconscientes e como o indivíduo passa a viver a vida num nível mais baixo que anteriormente,
sendo “menor, mais limitado, mais racionalista que era anteriormente”(OC 7, par 257). Pode-se, entretanto,
perguntar se é possível observar uma defesa maníaca contra a defesa depressiva contra a super estimulação
e contra a restauração regressiva da persona. A pergunta pode parecer sofisticada, entretanto, parece que

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o padrão característico da restauração regressiva da persona e o posterior retraimento depressivo, ou
profilaticamente anterior, a super estimulação é freqüentemente quase uma atividade maníaca compulsiva.
E esta turbulenta atividade pode, então, ser usada secundariamente como uma racionalização a fim de evitar
situações que podem causar hiper excitação. Nos casos mencionados acima, por exemplo, a senhora Lake
começou a terapia como problemas de coração, como um resultado de seu exorbitante compromisso político
e o jovem pintor também desenvolveu problemas de coração durante sua tardia carreira universitária. Neste
casos, quando é dirigida contra estados depressivos relacionados com a super estimulação, a defesa maníaca
parece tornar-se cruel e até mesmo virulenta. Parece haver poucas dúvidas que isso possa ser explicado
apenas assumindo que é fortalecido por uma intensa raiva narcisista, de uma natureza muito auto destrutiva.
Nem a restauração regressiva da persona, nem o fenômeno do retraimento relacionado com a super
estimulação implica, por conseguinte, num estado de letargia. Pelo contrário, as aparências podem ser
extraordinariamente enganadoras. Por detrás da fachada sorridente do indivíduo surpreendentemente
energético, porém, auto apagado que alegremente trabalha até a morte, não reclamando qualquer
recompensa, pode existir um ego frágil e muito ansioso que teme, a qualquer momento, o completo ataque de
suas próprias fantasias grandiosas, se não tiver já experimentado isso.

SUMÁRIO

A super estimulação é discutida como um processo endopsíquico, por meio do qual conteúdos
psíquicos de uma natureza inflacionária e grandiosa ameaçam inundar o ego causando ansiedade. Este ego,
entretanto, é capaz de defender-se com maior ou menor sucesso contra a ansiedade e não sucumbe
irreversivelmente a ela. Os mecanismos defensivos empregados pelo ego têm o caráter de um retraimento
que é experimentado como um estado de depressividade vazia. Esta defesa depressiva está ligada com o
conceito de Jung de 1916 da restauração regressiva da persona. O fenômeno é tratado teoricamente com
referência a Jung e aos escritores americanos modernos da psicologia do self, especialmente Kohut. Está
ilustrado com ocorrências extra analíticas, em que as defesas depressivas parecem funcionar.
Subseqüentemente é considerado como um ponto focal na análise e, então, é discutido no contexto da
transferência e contratransferência. A conexão com o uso de álcool é especificamente sublinhada. Em
conclusão, o conceito da defesa maníaca contra a defesa depressiva é esboçado brevemente sem ser
posteriormente elaborado.

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