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ANÁLISE REAL

Construção de
funções elementares
Alex Rodrigo dos Santos Sousa

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever as funções logarítmica e exponencial a partir do cálculo diferencial


e integral.
>> Reconhecer as funções seno e cosseno como séries de Taylor.
>> Calcular aproximações para as constantes π e e.

Introdução
As funções aparecem em diversos ramos da matemática e da ciência de forma
geral. Em muitas situações, as funções são constituídas por funções chamadas de
“elementares”, que são as mais utilizadas, como funções polinomiais, exponenciais,
logarítmicas, trigonométricas, entre outras. Nesse sentido, definir formalmente
as funções elementares e entender suas construções é fundamental para uma
adequada compreensão de suas características estruturais e de seus resultados,
como proposições e teoremas deduzidos a partir dessas definições.
Neste capítulo, vamos tratar da definição formal das funções logarítmica,
exponencial, seno e cosseno por meio de construções envolvendo ferramentas do
cálculo diferencial e integral. Além disso, falaremos de importantes propriedades
dessas funções e daremos exemplos de resolução sobre problemas que utilizam
essas propriedades. Por fim, explicaremos como obter aproximações para a
constante de Euler e e o número π usando as definições das funções exponenciais
e trigonométricas vistas.
2 Construção de funções elementares

Função logarítmica
Começaremos pela função logarítmica, que pode ser definida da seguinte
forma:

Definição 1: a função logarítmica log: +


→ é definida por

(1)

onde + = (0, +∞). O número log (x) é chamado de logaritmo natural de x ou,
simplesmente, logaritmo de x.
A Figura 1 mostra o gráfico da função logarítmica. Observe que o gráfico
da função intercepta o eixo das abscissas em um ponto (1,0) e não intercepta
o eixo das ordenadas, apesar de tê-la como assíntota (ver P1 da Proposição
1, a seguir). Além disso, observe que a função logarítmica é negativa para
0 < x < 1. O Quadro 1 resume o sinal da função logarítmica em termos de x.

Figura 1. Gráfico da função logarítmica.


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Quadro 1. Sinal da função logarítmica em termos de x

x log(x)

0<x<1 log(x) < 0

x=1 log(x) = 0

x>1 log(x) > 0

No ensino médio, o estudo do logaritmo dá ênfase para a base 10,


uma vez que ela está mais próxima ao nosso sistema de numeração,
facilitando a compreensão dos alunos. Por isso, lá se usa a notação log para a
base 10 e ln para a base e. No entanto, em contextos mais avançados, a base 10
tem pouca utilidade, sendo a base e a mais importante. Por isso, no contexto
da análise real, os livros utilizam a notação log para se referir ao logaritmo
natural. Aqui, quando quisermos nos referir ao logaritmo decimal, a base deverá
ser indicada.

A definição da função logarítmica em termos de integral nos possibilita


interpretá-la em termos de áreas. De fato, log(x) pode ser visto como a área
sob a curva g(t) = 1/t no intervalo [1,x]. A Figura 2 ilustra essa ideia, onde o
log(2) é dado pela área sob a curva g(t) = 1/t no intervalo [1,2].
Visualizar a função logarítmica sob o ponto de vista de área sob uma
curva também nos possibilita analisar a monotonicidade da função. De fato,
à medida que x aumenta, o comprimento do intervalo [1,x] torna-se maior
e, consequentemente, a área sob a curva aumenta, isto é, o log(x) aumenta.
Assim, temos que a função logarítmica é uma função estritamente crescente.
Esse comportamento da função pode ser observado em seu próprio gráfico,
exposto na Figura 1.
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Figura 2. Exemplo de interpretação geométrica da função logarítmica: log(2) é numericamente


igual à área destacada sob a curva g(t) = 1/t, delimitada pelo intervalo [1,2].

Observe, pela Definição 1, que a função logarítmica não está definida


para x ≤ 0.

A proposição a seguir nos apresenta as principais propriedades da função


logarítmica. As demonstrações das propriedades podem ser vistas em Neri
e Cabral (2011).

Proposição 1: as seguintes propriedades ocorrem para a função log(x):


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Vejamos algumas aplicações da Proposição 1. Suponha que log(x) = 3 log(y)


= 5, x, y > 0. Agora, obtenha:

(1) log(xy).
Solução: pela propriedade P3, temos que:

(2) log(x4).
Solução: pela propriedade P4, temos que:

(3) log(x5y8).
Solução: pelas propriedades P3 e P4 respectivamente, temos que:

(4) log(x/y).
Solução: pela propriedade P5, temos que:

Função exponencial
Assim como foi feito com a função logarítmica, vamos definir a função expo-
nencial utilizando o cálculo, mas, dessa vez, por meio de séries.

Definição 2: a função exponencial exp: ℝ → ℝ+ é definida por

(2)

A definição da função em (2) ocorre por meio da expansão em série de


Taylor, o que é interessante, principalmente, por permitir a análise da função
exponencial em termos polinomiais. Note que o coeficiente do monômio xn,
dado por 1/n! , diminui à medida que o grau do monômio aumenta, isto é,
quando n cresce.
6 Construção de funções elementares

A Figura 3 apresenta o gráfico da função exponencial. Observe que, ao


contrário da função logarítmica, a curva da função exponencial intercepta
o eixo das ordenadas no ponto (1,0) e não intercepta o eixo das abscissas,
embora esse eixo seja sua assíntota (ver P1 da Proposição 2, a seguir). Além
disso, a função é estritamente crescente.

Figura 3. Gráfico da função exponencial.

Observe, pela Definição 2, que a função exponencial assume somente


valores positivos.

A proposição a seguir apresenta as principais propriedades da função


exponencial. As demonstrações das propriedades podem ser vistas em Neri
e Cabral (2011).
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Proposição 2: as seguintes propriedades são


válidas para a função exponencial:

Observe que as propriedades P3 e P4 da Proposição 2 mostram a relação


de inversão entre as funções logarítmica e exponencial. Esse comporta-
mento pode ser visto graficamente, como mostra a Figura 4, onde as curvas
associadas às funções logarítmica e exponencial são simétricas entre si em
relação à reta y = x. Essa simetria é característica entre gráficos envolvendo
uma dada função e sua função inversa.

Figura 4. Gráficos das funções logarítmica (preto) e exponencial (vermelho). Por serem funções
inversas uma da outra, os gráficos são simétricos em relação à reta y = x (reta tracejada).

Vamos utilizar as propriedades P1 e P2 da Proposição 2 para resolver os


seguintes problemas.
8 Construção de funções elementares

(1) Obtenha uma solução da equação diferencial ordinária

Solução: Observe da equação dada que:

Assim, obter uma solução dessa equação significa encontrar


uma função que seja igual a sua derivada. Pela propriedade
P2, temos que a função exponencial (2) é uma solução, isto é,
y = exp (x). De fato, verifica-se, facilmente, que toda função da
forma y = Cexp(x), C ∈ ℝ, é solução da equação dada.
(2) Obtenha a equação da reta tangente a curva
da função exponencial no ponto (0,1).
Solução: de modo geral, equação da reta tangente
a uma curva no ponto (x0,y0) é dada por

No nosso caso, (x0,y0) = (0,1). Pelas propriedades


P2 e P1, respectivamente, temos que:

Logo, substituindo x0,y0 e y0’ na equação da reta tangente, segue que:

Portanto, a equação da reta tangente à curva da função


exponencial no ponto (0,1) é y = x + 1 (Figura 5).
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Figura 5. Gráfico da reta tangente à curva da função exponencial.

Seno e cosseno
As funções seno e cosseno são as principais funções trigonométricas e dão
origem a outras funções, como tangente, secante, cossecante e cotangente.
Além disso, aparecem em diversas aplicações, sobretudo envolvendo fe-
nômenos periódicos, como na modelagem de ondas eletromagnéticas na
física, por exemplo.
Assim como nas funções logarítmica e exponencial da seção anterior,
vamos definir as funções seno e cosseno por meio de ferramentas de cálculo,
especificamente, séries de Taylor.

Definição 3: as funções seno, sen: → [–1,1], e


cosseno, cos: ℝ → [–1,1], são definidas por

(3)

(4)

Assim como a função exponencial, que foi definida por série de Taylor,
as definições das funções seno e cosseno permitem a representação e a
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análise dessas funções sob o ponto de vista polinomial. De fato, as séries


são convergentes, e os coeficientes e dos monômios x2n+1 e x2n
das funções seno e cosseno, respectivamente, diminuem à medida que n
aumenta (NERI; CABRAL, 2011).
A Figura 6 apresenta os gráficos das funções seno e cosseno. É possível
observar a característica periódica das funções; isto é, considerando certo
valor da função seno, por exemplo, sistematicamente após um período fixo,
a função volta a assumir o valor considerado. De fato, o período de ambas
as funções é igual a 2π (ver P4 da Proposição 3, a seguir).

Figura 6. Gráficos das funções seno (preto) e cosseno (vermelho).

Ao contrário do que ocorre entre as funções logarítmica e expo-


nencial, as funções seno e cosseno não são inversas uma da outra.

A Proposição 3 traz as principais propriedades das funções seno e cosseno.


As demonstrações das propriedades podem ser vistas em Neri e Cabral (2011).
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Proposição 3: as seguintes propriedades envolvendo


as funções seno e cosseno valem:
P1) sen(x)’ = cos(x) e cos’(x) = –sen(x).
P2) sen(0) = 0 e cos(0) = 1.
P3) sen²( x) + cos²(x)  
P4) as funções seno e cosseno são periódicas, com período igual a 2π, isto é,
sen(x + k · 2π) = sen(x) e cos(x + k · 2π) = cos(x)  
P5) a função seno é ímpar, isto é, sen(x) = –sen(–x), , ao passo
que função cosseno é par, isto é, cos(x) = cos(–x) .

Uma função f é chamada par se f(x) = f(–x) e ímpar se f(x) = –f(–x). Por
exemplo, a função f(x) = x² é par e a função f(x) = x 3 é ímpar.

Vamos aplicar as propriedades da Proposição 3 nos problemas a seguir.

Sabendo que sen(π/6) = 1/2, obtenha:


(1) cos(10π);
(2) sen(97π/6);
(3) sen(–[97π/6]);
(4) cos(π/6);
(5) a reta tangente ao gráfico da função seno no ponto (π/6, ½).
Solução:
(1) Observe que 10π = 0 + 5 · 2π. Assim, aplicando a propriedade P4
para x = 0 e k = 5 e a propriedade P2, respectivamente, temos:

(2) Agora, note que 97π/6 = π/6 + 8 · 2π. Logo, aplicando


novamente a propriedade P4 para x = π/6 e k = 8 e a
propriedade P2, respectivamente, temos:
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(3) Pela propriedade P5, temos que a função seno é ímpar. Logo:

(4) Pela propriedade P3, temos que:

(5) Vimos, no exemplo de funções exponenciais, que equação


da reta tangente a uma curva no ponto (x0, y0) é dada por:

Em nosso caso, (x0, y0) = (π/6, ½). Pela propriedade


P1 e pelo exemplo anterior, temos:

Aplicando na equação da reta, obtemos a reta tangente:

Aproximações para π e e
Podemos utilizar as definições das funções exponencial e trigonométricas
(seno e cosseno) vistas nas seções anteriores para calcular aproximações
para a constante de Euler e e para o número π, respectivamente. Essas apro-
ximações são possíveis devido à aplicação do polinômio de Taylor para essas
definições.
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Aproximando π pela função cosseno


Pela Definição 3, temos que:

Vamos assumir x = π/3. Dessa forma, temos que cos(π/3) é dado pela
seguinte equação:

Sabemos, da trigonometria, que cos(π/3) = ½. Substituindo esse resultado


na equação acima, temos que:

Por fim, desenvolvendo o termo dentro da série, obtemos:

(5)

Assim, podemos enxergar (5) como uma equação polinomial em π, o que


nos permite obter aproximações dessa constante de acordo com o limite
superior de n escolhido na série. Vejamos duas aproximações.

(1) n = 1
Se o limitante superior de n for igual a 1, temos a
seguinte aproximação utilizando (5):
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Assim, obtemos a seguinte equação polinomial de segundo grau em π:

Resolvendo a equação, conseguimos uma aproximação para a constante:

onde apenas a solução positiva foi considerada na última passagem.

(2) n = 1, 2

Fazendo o limitante de n igual a 2 na série de (5), temos, agora:

que nos fornece a seguinte equação polinomial de quarto grau:

(6)

Multiplicando ambos os lados de (6) por 1.944 e fazendo z = π², (6) fica:

Resolvendo a equação de segundo grau (7), temos que:

Portanto, retornando para a variável original,


obtemos que uma das soluções é dada por:
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que aproxima o verdadeiro valor de π com precisão de duas casas decimais.


Observe que essa aproximação é melhor em relação à aproximação
anterior, em que o limitante de n era igual a 1. De fato, à medida que
aumentamos esse limitante, o que implica no aumento do grau da
equação polinomial a ser resolvida, melhoramos a aproximação de π.

Aproximando e pela função exponencial


Pela Definição 2, temos que a função exponencial é dada por:

Aproximações para a constante de Euler podem ser calculadas facilmente


observando que e = exp(1). Logo, aplicando x = 1 na definição, conseguimos
a seguinte série para e:

(8)

Com a série (8), podemos aproximar e aumentando cada vez mais os limi-
tantes de n, ou seja, aumentando o número de termos na soma. Ao contrário
da aproximação de π, não precisamos resolver equações, somente calcular
a soma associada. Por exemplo, para n = 0, temos a seguinte aproximação:

Já para n = 0,1, isto é, para dois termos na soma, temos:

O Quadro 2 mostra as aproximações obtidas ao acrescentar termos na


soma, isto é, aumentando o limitante superior da soma. Observe que a apro-
ximação calculada pela soma dos 10 primeiros termos já alcança uma apro-
ximação com precisão acima das casas decimais consideradas na aplicação,
uma vez que e = 2,718281...
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Quadro 2. Aproximações para o número e por (8)

Número de termos na soma Aproximação de e

1 1

2 2

3 2,5

4 2,66667

5 2,70833

10 2,71828

As definições das funções exponenciais, seno e cosseno utilizam


polinômios de Taylor centradas em zero, também conhecidas como
séries de MacLaurin. Para mais detalhes, ver o livro Cálculo e análise: cálculo
diferencial e integral a uma variável, de Ayrton Barboni e Walter Paulette.

Neste capítulo, vimos as construções das funções logarítmica, exponencial,


seno e cosseno usando conceitos de cálculo diferencial e integral e séries de
Taylor. Com o conhecimento da definição formal dessas funções, podemos
deduzir suas propriedades características, analisar o comportamento gráfico
e interpretar essas funções sob o ponto de vista do cálculo. Mais proprieda-
des analíticas envolvendo essas funções podem ser obtidas no livro Análise
matemática para licenciatura, de Geraldo Ávila.

Referências
ÁVILA, G. Análise matemática para licenciatura. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
BARBONI, A.; PAULETTE, W. Cálculo e análise: cálculo diferencial e integral a uma
variável. Rio de Janeiro: LTC, 2007.
LIMA, E. L. Curso de análise: volume 1. 14. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2016.
NERI, C.; CABRAL, M. Curso de análise real. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. Disponível
em: https://www.labma.ufrj.br/~mcabral/livros/livro-analise/curso-analise-real-a4.
pdf. Acesso em: 6 abr. 2021.
STEWART, J. Cálculo: volume 1. São Paulo: Cengage Learning, 2017.
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