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UNIVERSIDADE FEEVALE
Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifestações Culturais
Linha de Pesquisa em Memória e Identidade
Nível de Mestrado
Novo Hamburgo
2019
2
Novo Hamburgo
2019
3
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Aprovada por:
_________________________________________
Profª. Drª. Cristina Ennes da Silva
Universidade Feevale
_________________________________________
Profª. Drª. Denise Amon
_________________________________________
Prof. Dr. Cleber Cristiano Prodanov (Orientador)
Universidade Feevale
- Massimo Bottura -
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RESUMO
ABSTRACT
This dissertation sought to study the culture through the cuisine of the Forqueta
community in Caxias do Sul, RS. The theme was chosen because there are great
references to Italian culture still today in Forqueta district. Added to this is the
understanding of the importance that food, which will be transformed into food, has for
an Italian and for the descendants of immigrants, evidenced in the way the community
values its land and the food it provides. The objective was to analyze the culinary
culture of the Forqueta community and to identify the formation of their identity through
food. Thus, the history of Forqueta, since its emergence to the present day, has been
identified. For this, the gastronomic traditions of the immigrants that were maintained
and modified by the community are pointed out and described and the formation of the
identity of the community through the food was pointed out. Then, to evaluate food as
culture, it was based on the studies of Standage (2010), Revel (1996), Maciel (2005)
and Montanari (2009, 2013). These steps were taken to answer: how did the culinary
culture (food) take shape in Forqueta district? As a method, to obtain the answer, we
used bibliographic research and oral history, through interviews with residents of the
locality.
SOMMARIO
LISTA DE IMAGENS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
APÊNDICES............................................................................................................ 154
1 INTRODUÇÃO
Talvez o maior fenômeno midiático seja percebido pela televisão, seja ela
aberta ou a cabo, onde proliferam os programas sobre gastronomia. Esses programas
já ultrapassaram no Brasil a simples importação de apresentadores e “chefs”
internacionais e introduziram uma gama diversificada de conteúdo local, além disso,
tem adotado um estilo mais interativo com as competições em ampla faixa de idades,
especialmente com a grife do “MasterChef”3.
Revistas exploram cada vez mais o tema, discutem os processos de
transformação do alimento em comida, a harmonização com vinhos e espumantes e
apresentam receitas internacionais sugerindo o uso de ingredientes locais em
adaptações às marcas de chefs locais. Montanari (2013) atribui o sucesso da
gastronomia a mudanças culturais da sociedade brasileira nos últimos anos, pois
houve um processo de abertura do mundo, que deu acesso a bens de consumo
globais e a novas culturas e oportunidades de turismo como facilitadores desse
processo de aumento no interesse desta área do conhecimento. Como nos diz o autor:
3 MasterChef é uma franquia televisiva de competição de culinária criada por Franc Roddam, que se
originou com a versão do Reino Unido em julho de 1990. O formato foi re-lançado e atualizado pela
BBC em fevereiro de 2005 pelos produtores executivos suíços Franc Roddam e John Silver e pelo
produtor da série Karen Ross. O formato do programa foi exportado em todo o mundo sob o mesmo
logotipo MasterChef, e agora é produzido em mais de 40 países e vai ao ar em pelo menos 200
territórios. O formato já apareceu em quatro versões principais: a série principal MasterChef;
MasterChef: The Professionals para chefs profissionais; Celebrity MasterChef com celebridades bem
conhecidas como concorrentes e Junior MasterChef, uma versão criada e adaptada para as crianças,
que foi desenvolvido pela primeira vez em 1994 e também tem proliferado para outros países fora do
Reino Unido nos últimos anos, como no Brasil em 2015 (SILVA; PRODANOV; SCHEMES, 2016).
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Hohlfeldt (1979) diz que uma sociedade estável, que pretende assumir seu
passado e futuro, deve conhecer suas raízes, não para guardá-las nostalgicamente,
mas para conhecer sua identidade e assim constituir-se como um grupo de afirmação,
individualizado, possibilitando manter relações em igual nível com grupos afins. Este
mesmo autor define cultura como um conjunto de valores e atividades específicas de
um agrupamento social humano sobre natureza, isto é, sobre o elemento natural com
que o homem se defronta. Estas atividades significam uma manipulação, mais ou
menos utilitária, destes elementos naturais, em proveito desta comunidade, segundo
valores específicos.
Cultura não é somente uma referência que distingui uma categoria da
civilização, mas a forma de viver de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é
“um mapa, um receituário, um código” por onde o ser humano pensa, classifica, estuda
e modifica o mundo e a si mesmo. Roberto DaMatta (1981, p. 1) nos diz que:
[...] como um ato social e cultural faz com que sejam produzidos diversos
sistemas alimentares. Na constituição desses sistemas, intervêm fatores de
ordem ecológica, histórica, cultural, social e econômica que implicam
representações e imaginários sociais envolvendo escolhas e classificações.
Assim, estando a alimentação humana impregnada pela cultura, é possível
pensar os sistemas alimentares como sistemas simbólicos em que códigos
sociais estão presentes atuando no estabelecimento de relações dos homens
entre si e com a natureza.
4Napoleão Bonaparte, nascido em 1769, morreu 1821, general francês, e imperador dos franceses, é
um dos personagens mais célebres da história. Sua paixão era a expansão militar do domínio francês
e, deixou a França maior do que era no início da Revolução em 1789. A partir dos nove anos, ele foi
educado na França. Embora não seja o filho mais velho, assumiu a posição de chefe da família antes
dos 16 anos. Tornou-se segundo-tenente de artilharia no regimento de La Fère, uma espécie de
escola de treinamento para jovens oficiais de artilharia. Naquela época, a agitação que culminaria na
Revolução Francesa já havia começado. Acreditava que uma mudança política era imperativa
(GODECHOT, 2018).
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República de Veneza. O tratado previa a venda de Veneza com seus domínios para a Áustria; os
franceses, além de algumas posses venezianas, obtiveram o reconhecimento da estrutura dada por
Napoleão às regiões conquistadas na Itália. (Tradução Livre). Disponível em:
http://www.treccani.it/enciclopedia/trattato-di-campoformio/. Acesso em: 15/03/2018.
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8 Quando Napoleão ocupa Nápoles, passa a chama-la de República Partenopea, com a intenção de
criar um Estado satélite para a França.
9 Região do noroeste da Itália, na fronteira com a Suíça e a França. Piemonte é a terra das
montanhas: é cercada em três lados pela cadeia alpina, que aqui inclui os picos mais altos e os
maiores glaciares da Itália. Disponível em: http://www.italia.it/it/scopri-litalia/piemonte.html. Acesso
em: 15/03/2018.
10 União da República Cispadana com a República Transpadana e a província de Novara.
11 Localizado no nordeste da Itália, se estende até o Mar Adriático, atravessando uma larga faixa
montanhosa e uma planície atravessada por rios, canais e a foz do rio Pó.
12 Refere-se ao sistema político de governo em que os dirigentes assumem poderes sem limitações
ou restrições.
13 Influência e poder do clero, da Igreja.
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Segundo Santos (2006) a unificação da Itália foi o fator que definiu a saída de
milhares de italianos rumo à América, pois era uma das tentativas de superação da
pobreza e da fome, que muitas famílias passavam na época. Entretanto, fatores como
problemas políticos, econômicos e sociais, também influenciaram a saída massiva de
italianos rumo ao Brasil. Os problemas políticos se baseavam em distribuições de
terras, propriedades da elite. Os fatores econômicos estavam principalmente na falta
de capital. Poucos detinham o dinheiro, e não se dispunham gastá-lo em novas
indústrias, as quais gerariam mais empregos.
Giron (1977) fala que a falta de trabalho que esse fator desencadeou,
fortaleceu a necessidade de saída do território, pois quando havia trabalho, como
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jornaleiro ou em área rural nas terras de outros, remuneravam mal, não sendo
suficiente para o sustento da família. As crises sociais, devido a pensamentos políticos
de desinteresse aos movimentos nacionalistas, deixavam o povo sem esperanças de
melhora. A miséria e a displicência dos governantes motivaram o surto demográfico,
que agravou a situação social do país. A única esperança seria a emigração.
Segundo Bueno (2012), muitos habitantes de zonas rurais italianas, não
tinham outra opção para escapar das condições degradantes de vida a não ser
emigrar. A crise econômica do campo, causada em partes pela revolução industrial, e
por mudanças políticas não compreendida por todos, traziam dificuldades cada vez
maiores. Reforçando esses argumentos, nota-se que entre os anos de 1876 e 1901,
5,7 milhões de italianos saíram de seu país.
De acordo com Bertonha (2008), aproximadamente 26 milhões de pessoas
saíram da Itália com destinos a outros países entre os anos de 1870 e 1970. Este
número de pessoas corresponde a população que a Itália tinha em 1870. Dentro
destes, muitos retornaram para seu país, mas entre 7 a 8 milhões não retornaram.
Desta forma, é possível compreender a importância das migrações na história italiana
e como o território contava com um povo de emigrantes. A constituição geográfica
italiana colabora para a explicação deste fenômeno. Com uma composição
montanhosa, dificultava o acesso aos produtos para o sustento das famílias, então
migrar para as planícies ou para as cidades seria o certo a fazer.
Em períodos contemporâneos, quando as artes e a cultura italiana
começaram a ser demandadas por outros povos, comerciantes, artesões e
intelectuais emigravam com frequência para o exterior. Dentre os que mais emigravam
estavam os trabalhadores que não encontravam trabalho em suas áreas em territórios
italianos, predominantemente pobres, se comparados com as elites. Mesmo antes da
unificação, os nortenhos buscavam trabalho na França, na Suíça, na Áustria e na
Alemanha. Como as fronteiras nacionais não tinham significado para estas pessoas,
trabalhavam nas colheitas e em obras públicas nestes países pois tinham
necessidade de mão-de-obra. A emigração dos italianos é considerada um dos
fenômenos mais inerentes e longevos, não podendo ser reduzido a fugas de fome e
pobreza em momentos árduos, mas sim um modo de vida, sobrevivência econômica,
mesmo significando que uma parte da vida aconteceria fora de seu local de
nascimento.
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solução para os problemas socioeconômicos; e num terceiro momento, que durou até
o início da Primeira Guerra Mundial, com o avanço da industrialização, a Itália deixa
de ser um pais primeiramente agrícola, então as emigrações começam a ser
negociadas com o governo que aprova ou não a emigração devido à situação do país
naquele momento. Por isso é importante frisar que:
No início do século XIX, Machado (2001) diz que a população do Rio Grande
do Sul era pequena, espalhada nas estâncias de criação de gado, nos povoados de
interior e poucas cidades como Rio Grande, Porto Alegre, Rio Pardo e Viamão.
Durante os primeiros tempos de povoamento do nosso estado, a posse era a forma
de acesso destas pequenas propriedades rurais, por isso que o governo providenciou
a formação e a consolidação de maneira oficial, ou seja, legalizou a posse. Assim,
com a ideia de povoar as terras utilizando imigrantes europeus, haviam as planícies
no Vale do rio Caí e do Rio dos Sinos, o Planalto, e a Encosta Superior da Serra do
Nordeste, sendo todas essas chamadas de terras devolutas, que de acordo com o art.
3°, da Lei 601 de 28/10/1848, eram terras não ocupadas por posse, que passaram a
ser legitimas após essa lei.
Giron (1977) aborda que a distribuição de terras devolutas, feita pelo Governo
Imperial, teve duas formas empregadas, a de parceria e a de pequenas propriedades,
sendo a última a mais utilizada. Esta ação queria resolver a problemática da mão-de-
obra no Sul, mas acabou gerando outro problema, o surgimento de minifúndios. Desta
forma os imigrantes alemães, chegados ao RS a partir de 1824, iniciam novas culturas
como a do fumo e do algodão.
De acordo com Machado (2001), a formação oficial de Caxias do Sul inicia no
último quarto do século XIX, para abrigar os imigrantes que chegariam ao RS para
povoar e colonizar esses espaços ainda não utilizados. Antes disso, a região era
ocupada por índios caingangues e tropeiros que a chamavam de Campos dos
Bugres14. Em 1875 criou-se a Colônia aos Fundos de Nova Palmira, chamada assim
pela sua localização ao sul de Nova Petrópolis, Picada Feliz e Nova Palmira, colônias
alemãs15, preparação para a chegada dos primeiros imigrantes italianos, ainda no
mesmo ano. Já em 1877 foi renomeada para Colônia Caxias, sediando a
administração do projeto de colonização da região.
Com o Decreto 6.129, em 23 de fevereiro 1876, criou-se a Inspetoria Geral de
Terras, que tinha a responsabilidade de promoção, fiscalização e direção dos
O lote recebido pelo imigrante, não tinha relação com a quantidade de filhos,
ou de pessoas da mesma família, mas sim pela possibilidade de pagamento pela terra.
Era possível adquirir desde um lote inteiro, meio lote ou até mesmo um quarto de lote.
Há registros de imigrantes com dois lotes, mas, de acordo com os documentos
recuperados, não houve como determinar porque estes colonos receberam dois lotes.
Como explicitado no quadro 2, não houveram relação entre o valor das terras e a
qualidade do terreno, pois a maioria foi vendida a 3 réis a braça quadrada, e nestes
terrenos era possível encontrar diferentes relevos, arroios, entre outros. Essa variação
de preços pode ser atribuída ao tempo, que foi passando e aumentando o valor, ou a
arbitrariedade da Comissão que estipulava os valores aos diferentes lotes.
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Já nos lotes urbanos, Machado (2001) fala dos vários artesãos e comerciantes
que emigraram para o Brasil, compunham juntamente com os funcionários do
governo, fazendeiros e tropeiros dos Campos de Cima da Serra, os habitantes deste
local. Iniciaram a construção dos primeiros casarios, com casas simples e
campesinas, como ilustrado pela imagem 2, com material extraído do desmatamento
da região, conforme os lotes eram ocupados pelos colonos. Nesta época a vida dos
moradores ainda era precária, pois o iniciado meio urbano era distante de outras
localidades mais desenvolvidas e a estrada que levava a esses centros tinha
péssimas condições.
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e dura até os dias de hoje, e teve seu comando ditado pela Intendência e pela
Comissão até 1894, e após isso pela municipalidade.
A fase colonial corresponde ao período que a região era colônia. Esta foi uma
fase de intensas atividades, como a chegada dos imigrantes a sua distribuição nos
lotes, a abertura das matas fechadas da região, entre outras. A legislação que
abordava a acolhida aos imigrantes era boa, mas quando posta em ação não foi
satisfatória. Haviam muitos imigrantes insatisfeitos, a viagem da Itália até Santos ou
Rio de Janeiro era longa, muitos morriam, as bagagens eram extraviadas com muita
frequência. Do porto destas cidades até Porto Alegre, vinham de barco a vapor, e dali
encaminhados a São Sebastião pelo rio Caí e depois de cargueiros até a colônia.
Ficavam em barracões entre 6 meses, até 2 anos, e nestes locais a peste se alastrava,
crianças morriam, a febre atacava os adultos e não tinha recurso para combater a
enfermidade.
momento de ganhar seu lote era demorado, alguns tinham erros de demarcação, e
somente em 1882 começaram a receber os títulos provisórios, que ganhavam quando
uma certa quantia do valor do lote estivesse paga.
Na fase distrital, a Colônia Caxias se emancipou e ficou dependente
administrativamente de São Sebastião do Caí, se tornando o 5° Distrito da cidade.
Essa mudança não gerou muitos movimentos no que já acontecia administrativamente
na colônia, pois a Comissão de Terras ainda tinha forte ligação com a região do Caí,
mas divergindo em muitos aspectos entre si. No ano de 1884, Caxias ascende a
categoria de freguesia, o que a faz se desvincular da Paróquia de São José do
Hortêncio da Feliz, e neste mesmo ano a Comissão de Terras, para cuidar melhor do
assentamento dos imigrantes, se divide em 3, uma parte permanecendo em Caxias,
outra em Nova Milano e a última em Nova Trento.
Também nesta fase, os colonos que não saldaram suas dividas tiveram seus
lotes leiloados para garantir que a Fazenda Imperial recebesse sua parte sobre as
terras da região. Os registros civis, que antes eram responsabilidade da Comissão,
passaram a ser da Igreja, pois não havia funcionários nomeados para esta tarefa. E
pelo mesmo motivo, a Comissão passou a São Sebastião a responsabilidade da
construção e manutenção das estradas. Em 1885 a região contava com um número
aproximado de 10.000 habitantes, e já havia uma certa relação comercial com a
capital. Porém, nenhum colono participava da política local.
E a fase municipal, inicialmente, foi marcada pela insatisfação da população
devido às disputas entre as administrações da Comissão e de São Sebastião, pois
prejudicava o bom andamento dos trabalhos. A disputa pelo poder existente entre São
Sebastião do Caí e a Comissão, possivelmente causou muitos problemas na cobrança
de impostos dos contribuintes. Por isso, muito se solicitou a emancipação ao Governo
do Estado, que no Ato Estadual n°257, de 20 de junho de 1890, criou o município de
Caxias. Então, um governo municipal foi estruturado, com um Intendente, responsável
por todos os serviços, e um conselho com 7 membros, que tinha a missão de votar
como seriam executadas as ideias do Intendente. Em cada distrito, haviam um
Subintendente. Estes eram eleitos pelo prazo de 4 anos, podendo ser reelegíveis,
desde que residentes no país por 6 anos.
Desta forma, os imigrantes começaram a ter vida ativa na política, sendo
eleitos membros do conselho, mesmo atuando violentamente contra alguns
intendentes, pois estes eram quase sempre antigos membros da Comissão de Terras
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comidas atreladas a elas. E, mais recente, a distinção entre uma cozinha internacional
e uma regional, o que cada uma representa e como se relacionam entre si. Finalizando
as colocações, já na atualidade, as alterações na cultura alimentar acarretada pela
globalização e industrialização, e como o homem lida com essas diferentes opções
para alimentar-se.
Importante ressaltar que cada uma destas etapas está relacionada com um
conceito de cultura diferente. Esta decisão foi tomada levando em conta que cada
processo cultural alimentar descrito tem sua particularidade, que pode ser notado de
formas diferentes em sociedades diferentes ao longo do tempo. A cultura não pode
ser definida com somente um conceito, estático, pelo contrário, os conceitos de
cultura, assim como ela própria, são vivos, mutáveis, sempre em movimento. Desta
mesma forma opera a comida, ela muda conforme a necessidade ou os desejos das
sociedades, pode ser abundante ou escassa, rústica ou sofisticada, transformada ou
transformadora. Conforme indicamos anteriormente, com o intuito de confirmar uma
das hipóteses, e atingir os objetivos, retomamos o problema de pesquisa: Como se
deu a constituição da cultura culinária (comida) no distrito de Forqueta?
Por isso, os conceitos de cultura escolhidos para compor os subtítulos estão
relacionados ao tipo de comida que eles se referem. No primeiro caso, comida como
cultura quando produzida, o conceito de cultura utilizado foi aquele escrito por
Branislaw Malinowski (1975), pois esta concepção aproxima o homem da natureza,
encontrando as formas que um complementa a outra. Na segunda etapa, comida
quando cultura quando preparada, onde o homem começa a usar seus conhecimentos
para alterar a natura, o antropólogo discorda de Malinowski e desenvolve sua visão
conceitual de cultura. Levi-Strauss (1982), aponta justamente o oposto, que natureza
e o homem são duas forças distintas, que interagem, mas que representam duas
coisas opostas. No terceiro e último tópico, comida como cultura quando escolhida,
utilizou-se de um conceito que mostrasse a multiplicidade de maneiras de viver e de
estudar o homem e suas sociedades. Geertz (2008) aborda o homem e as teias que
ele mesmo cria, nomeando essas teias cultura.
É neste capítulo também que se faz necessário explanar sobre a metodologia
aplicada ao trabalho. A pesquisa bibliográfica foi utilizada, pois se trata de pesquisa
construída a partir de material já publicado como livros, revistas, artigos, entre outros.
Como parte deste tipo de pesquisa, houve preocupação na verificação da veracidade
dos dados, sempre com atenção a possíveis contradições que essas obras podem
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Meihy e Holanda (2007), dizem que o início das entrevistas em história oral,
com gravações, necessita que se preste atenção nas emissões orais com a intenção
de encadear ideias designadas para o registro ou para explicar interesses
anteriormente planejados. As entrevistas são a manifestação do que pode ser
chamado de documentação oral, um suporte material advindo de linguagem verbal, é
uma fórmula programada e se liga a projetos que a justificam.
Os registros em história oral podem ser analisados para favorecer estudos
como de identidade e memória coletiva. Utilizando a memória, ela vincula-se com a
identidade do grupo que está sendo entrevistado. Não se trata de um procedimento
ou ato único, e sim de uma soma planejada de ações pensadas como um todo. Desta
maneira, se torna fundamental que haja uma proposta previamente estipulada para
responder três questões que orientam a história oral: de quem? Como? E por quê?
Acerca da memória, apoia-se em teoria abordada por Michael Pollak (1989),
que no texto “Memória, Esquecimento, Silêncio” trata sobre as relações existentes
entre memória e identidade social, especificamente sobre as histórias de vida ou,
como chamamos hoje o método história oral. O autor afirma que: “a memória deve ser
entendida como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno
construído coletivamente e submetido a flutuações, mudanças constantes” (POLLAK,
1989, p. 3).
O autor constantemente se refere a uma memória individual como também
uma coletiva, para esboçar que são equivalentes em termos científicos. Então, os
elementos constituintes das memórias individuais e coletivas, são os acontecimentos
vividos pessoalmente em primeiro lugar, enquanto os acontecimentos que são vividos
pelo grupo, pela sociedade que o indivíduo está inserido, são chamados de “vividos
por tabela”.
Neste sentido, a pessoa não necessariamente precisa ter participado do
ocorrido, mas a memória daquilo pode ocupar tamanha proporção que ficaria difícil
determinar sua participação efetiva. É perfeitamente possível que por socialização
histórica ocorra uma identificação com o passado tão forte que o autor chama de uma
memória quase herdada. Ainda assim, a memória é seletiva, nem tudo fica gravado.
A memória sofre alterações, reflexo do momento em que elas são articuladas. Para
ele, “as preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da
memória” (POLLAK, 1989, p. 4). Este contexto também se aplica à memória coletiva,
por ser uma memória ainda mais estruturada que a individual. Outro dado importante
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História oral sempre será social, pois o indivíduo só se explica em vida comunitária.
Meihy e Holanda (2007, p. 26-27), alertam que:
A cultura é o meio que o homem utiliza para chegar aos seus fins, são os
meios que o permitem viver, padroniza a sua segurança, conforto e prosperidade.
Também é a forma de obter poder, para criar bens e valores além de suas qualidades
animais e orgânicas. Neste sentido, se pode afirmar que o homem transforma o
ambiente físico em que vive, pois não há um sistema organizado de atividades sem
uma base física e sem os equipamentos necessários. Nenhuma atividade humana
acontece sem o uso de objetos materiais, ou seja, sem o uso de elementos de cultura
material. Nem mesmo afirma-se que exista uma atividade humana somente
fisiológica. Estes processos fisiológicos do corpo humano são diretamente afetados
por questões como a ventilação, rotinas nutricionais, condições de segurança ou
perigo, satisfação ou ansiedade, medo ou esperança. Existe uma assídua relação
entre o organismo e o meio em que ele vive, que no caso é a cultura.
Nós humanos, vivemos sob normas, costumes, tradições e regras, pois são
resultado da relação dos processos orgânicos e a manipulação que o homem faz em
seu ambiente. A cultura também afeta alguns parâmetros que não são acessíveis a
olho nu, como ideias e valores, interesses e crenças, folclore e religiões. Malinowski
(1975, p. 73) afirma que:
[...] a chegada não foi fácil, foi bem difícil, porque chegaram e não tinha nada
nada além de uns galhos de arvore pra eles dormi [...], e não sei como é que
eles comiam naquelas horas né (APÊNDICE B, p. 163).
[...] era noite tinha que tirar leite, tratar os bicho, porco e que que tinha
(APÊNDICE C, p. 174).
[...] cria porco por exemplo tem que trabalha [...], que pra te criação tem que
planta também que se não tu vai compra (APÊNDICE E, p. 194).
[...] então o governo deu umas sementes pra eles e umas ferramenta né, não
muitas, mas o necessário e aí eles entraram pelo mato, que só tinha mato
naquela época né, floresta, floresta fechada, e eles começaram a derrubada
de árvores, e cortaram, fizeram as tabuas, as coisas pra construir as casinha
deles (APÊNDICE F, p. 201).
Montanari (2013) afirma que esta situação não exclui as formas variadas de
abastecimento de alimentos que duraram milênios, mesmo quando se introduziu
práticas agrícolas na idade neolítica. Desta forma, os dois modos constituíam
historicamente as formas de entender a relação entre homem e meio ambiente,
extremos com variadas aplicações materiais e simbólicas, que de certa forma, nos
atinge ainda hoje. Com cuidado para não cometer erros, a sociedade da civilização
industrial e pós-industrial procurou certificar a “naturalidade” das práticas agrícolas, as
quais consideramos hoje “tradicionais”, o que nos leva a crer que são originais e
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O fato é que a domesticação das plantas e dos animais de certo modo permite
ao homem tornar-se dono do mundo natural, declarar-se fora da relação de
dependência total em que sempre viveu (ou melhor, imaginava ter sempre
vivido: porque também o aproveitamento do território por meio das atividades
de caça e coleta exige um saber fazer, um conhecimento, uma cultura).
foi o eleito no mediterrâneo, o sorgo (cereal parecido com o milho) na África, o arroz
na Ásia e o milho na América. A partir destes cereais, várias relações se fizeram, como
o poder político, o imaginário cultural, e os ritos religiosos. É possível afirmar que até
o nascimento das cidades estão relacionados com o desenvolvimento da agricultura,
pois as questões materiais eram e ainda são importantes, como o acúmulo de bens,
riquezas e desenvolvimento tecnológico, e questões mentais, por separação do
homem da natureza, tornando-se senhor de si, ocupando um espaço próprio para
habitar.
Em um cenário de desenvolvimento, os humanos e as sociedades não
somente se adequam às condições impostas pelo ambiente, eles a modificam, em
alguns casos, mudanças profundas, incluindo novas culturas, e isso acarreta numa
modificação da paisagem. Pode-se usar de exemplo, iniciado na Idade Média e que
continua na Idade Moderna, os cultivos de arroz no nordeste da Ásia ou a viticultura
(plantio de uvas) na Europa centro-setentrional, pois são regiões que necessitaram de
tecnologias diferenciadas pela constituição ambiental que se apresentam.
Outram (2009), afirma que os povos pré-históricos contavam com um
estômago resistente a comidas que nós não comeríamos hoje. Esses alimentos
estariam estragados, semiapodrecidos, e é provável que gostavam do sabor. Um
exemplo pode ser notado através de criadores de cavalos no Cazaquistão,
apreciadores de uma bebida chamada koumiss, feita de leite de égua fermentado. No
gosto ocidental contemporâneo, a bebida ativa as reações do corpo à comida
estragada. Mas para aquela população, é uma bebida muito valorizada. Questionados
se não consumiam o leite fresco, responderam que desta forma o leite não tem gosto
de nada. É possível entender esta preferência pelo leite fermentado, pois não era
possível estocar o leite e mantê-lo fresco sem a ajuda de uma geladeira.
Alan K. Outram (2009, p. 42), afirma:
sua comida. É artificial pois não existe na natureza e serve para demarcar a diferença
entre natureza e cultura, distingue os animais dos homens. Para exemplificar, na
região mediterrânea, que corresponde a região do trigo, o pão, proveniente deste
cereal explica essa relação entre comida artificial e a natureza. O pão, além de
nutricional, como símbolo não existe na natureza e somente os homens sabem como
ele deve ser feito. O ato de fazer o pão envolve uma sofisticada tecnologia que inicia
no cultivo do grão e vai até o final da preparação do produto, dentro deste espectro
há uma série de etapas complexas, que são resultantes de diversas experiências e
observações. Assim, o pão se torna um marco da saída da humanidade de uma
condição animalesca para uma situação civilizatória.
O pão, é popular até nos dias de hoje. Os imigrantes, antes de sair de seu
país, sabiam como prepará-los e o apreciavam, porém quando aqui chegaram, não
tinham condições de reproduzir as receitas por falta de ingredientes. Estes relatos
contribuem:
Era muito difícil pra faze pão, meu pai dizia sempre: tem que plantar trigo.
Mas nem tinha trigo né (APÊNDICE A, p. 157).
Se fazia polenta, a única coisa que se comia era a polenta, porque pão não
tinha (APÊNDICE A, p. 157).
O que mais eles comiam então era caça, tinha caça que dava medo, comiam
até carne pura (APÊNDICE B, p. 163).
[...] eu me lembro que teve um senhor que falô, [...] que eles iam na mesa e
ele dizia pros filho: comem carne, porque a polenta tá escassa tem pôca,
comem carne bastante, porque carne tinha até (APÊNDICE B, p. 163).
[...] naquela época eles se alimentavam mais de caça, porque não tinha outra
coisa pra come, e como tinha pinheiros e o pinhão, na época do pinhão, então
eles comiam mais carne, do que outras coisas (APÊNDICE F, p. 202).
E a carne eles caçavam, eles adoravam a caça, os italiano “bah”, pra caça é,
então tudo que era bicho eles matavam e comiam né, então era mais fácil pra
eles do que a polenta (APÊNDICE F, p. 202).
A agricultura pode ter sido estimulada pela competição social, quando grupos
rivais competiam para promover os banquetes mais suntuosos; isso poderia
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nem sempre foi assim, pois quando os primeiros imigrantes chegaram, não tinham
fácil acesso aos ingredientes para produzir a polenta, assim como mostram esses
relatos:
Plantado aqui, colhia o milho, plantava no saco botava nas costa, cortava o
mato e ia embora, de a pé, olha que passaram errado né? (APÊNDICE E, p.
198).
[...] primeiro ano que a gente não tinha condição montava numa mula com o
saco em cima, sacos comprido, dois metro (risos), montava em cima da mula
e ia no moinho, daí nesse moinho próprio, o próprio trigo eles te moinha, tu
esperava tu vinha pra casa com a farinha do teu trigo, hoje não existe mais
isso ali né (APÊNDICE E, p. 199).
[...] então eles plantaram milho né, só que só tinha um moinho que era lá em
Nova Milano e como aqui é longe até lá né e não tinha transporte não tinha
nada, então eles tinham que carrega nas costas, então eles pegavam aquele
saco de milho e iam, porque demorava horas pra chega lá né, pra ir no
moinho, então lá faziam a farinha, pra depois faze a polenta pra come junto
com a carne né e ai então os pais sempre diziam pros filho: comam carne
poupem a farinha. Porque era muito sacrifício ir até lá, muito trabalho
(APÊNDICE F, p. 202).
Era difícil, porque só tinha aquele moinho lá, eles tinham que ir com o trigo,
tinha que planta o trigo (APÊNDICE F, p. 203).
Muito valorizada, era conhecida como fruta dos reis, reforçada pela coroa de folhas
que apresenta.
as vagens e ervilhas, com ou sem carne, tinham sabor de frescas ou recém colhidas.
Appert descreve o seu método de conservação da seguinte forma: inicia-se o
processo por acomodar as comidas que se deseja preservar em garrafas ou frascos;
depois, fechar o recipiente escolhido, com muito cuidado, pois a vedação era parte
importante do processo; então, submeter o frasco à água fervente; por fim, retirá-los
da água fervente no tempo apropriado. Os tempos, que cada tipo de comida deveria
ficar em água fervente, foram listadas por Appert, normalmente era um processo
longo.
Nicolas Appert não conhecia as pesquisas de Boyle, Papin ou outros sobre a
conservação. Inventou seu método por experimentar formas de conservar as comidas
e não tinha noção do porquê funcionavam. Até que, em 1860, Louis Pasteur, químico
francês, entendeu que a decomposição tinha causa na ação de micróbios, e estes
poderiam morrer com a aplicação de calor. Assim, desde Papin, submeter os frascos
ao calor, retardava a decomposição das comidas. O que Papin não aplicou, foi o
tempo suficiente para que o micróbio morresse. Appert acertou, com tentativa e erro,
o tempo que cada comida deveria ficar em água fervente, muitas vezes por longas
horas, e alguns mais que outros.
A qualidade dos produtos de Appert chamaram a atenção de Paris, tornando-
se itens de luxo por lá. Devido ao sucesso, sua fábrica empregava 40 mulheres que
preparavam a comida, às engarrafavam, e às ferviam em caldeirões. Então, em 1809,
foi chamado pelas autoridades francesas para demonstrar seus métodos. Com a
supervisão desta delegação, ele preparou várias garrafas, e um mês depois voltaram
para provar o resultado do método, considerado excelente. Assim, ganhou o
mencionado prêmio, 12 mil francos, mas com a condição de publicar os detalhes
completos do método, para que todo o país pudesse reproduzir sua técnica e não
patentear o método na França. Publicou o livro chamado L’Art de conserver pendant
plusiers années toutes les substances animales e végétales16.
Logo após a publicação do livro, em Londres, Peter Durant patenteou uma
técnica para conservar comida idêntica à de Appert. Este, a vendeu por 1.000 libras
para um engenheiro que trabalhava com produtos de metal, Bryan Donkin. Assim, ao
invés de armazenar a comida em garrafas, passaram a usar latas de ferro, revestidas
de estanho. Há suspeitas de que o próprio Appert tenha negociado a patente na
16 A arte de preservar por vários anos todas as substâncias animais e vegetais (traduzido pelo autor).
70
Inglaterra com Durant, mas o negócio não teve sucesso, pois França e Inglaterra eram
inimigas, impossibilitando Appert de divulgar sua relação de negócios com Durant.
Então, Appert centrou-se no refinamento de seu método, abastecendo o exército e a
marinha francesa com comida enlatada, mas continuou vendendo comida engarrafada
também.
A utilização de comida enlatada foi adotada rapidamente, pois foram
encontradas latas de comida conservada junto a soldados franceses no campo de
batalha em Watrerloo, em 1815, onde Napoleão foi derrotado pelos russos.
Interessante notar que essas primeiras latas teriam que ser abertas com martelos e
cinzeis. Abridores de latas só apareceram em 1860, quando os civis também
utilizavam comida enlatada em suas dietas. Naquela época, comida enlatada era
novidade ou artigo de luxo. Mas não continuou assim por muito tempo, pois a grande
demanda militar, incentivou a automação do processo produtivo. Descobriu-se
também que a inclusão de cloreto de cálcio à água, elevava o ponto de ebulição e
reduzia o tempo de fervura exigido. Desta forma, a produção aumentava e o preço
diminuía, tornando o produto acessível para a população. Nos Estados Unidos, a
produção entre 1860 e 1870 passou de 5 milhões de latas por ano para 30 milhões,
enfatizando a importância da descoberta de Appert até os dias atuais.
Sobre as formas de conservação de alimentos e comidas, é de amplo
conhecimento que nos primeiros anos da chegada da imigração ao Sul do Brasil
usava-se formas diferentes das utilizadas hoje para manter a integridade de alimentos
e comidas. Seguem algumas das formas utilizadas pelos ancestrais dos entrevistados,
e alguns comentários sobre a conservação de itens alimentícios:
Não, ela (mãe da entrevistada) nem tinha freezer coitadinha, eu fiz ora casá
e depois ela comprou uma geladeira (APÊNDICE B, p. 166).
[...] por que não tinha geladeira não tinha essas coisa pra mante né, então diz
que eles viviam de caça (APÊNDICE D, p. 186).
[...] e era uma tradição assim porque não tinha o que tem hoje, geladeira,
freezer pra conservar essas coisa então quando vinha um pedaço assim era
uma festa, magina, era uma coisa nova né (APÊNDICE D, p. 191).
[...] naquela época por exemplo tu comia tomate só na época né, quando tu
plantava que vinha porque não era sempre que dava, agora com as estufa,
71
com todos essas coisas novas que tem ali, tem toda hora, todo dia, vai no
mercado se não tem aqui eles vem de fora né, então agora é super bom
(APÊNDICE F, p. 203).
Somos privilegiados hoje, pois Montanari (2013) diz que é possível encontrar
produtos frescos em todas as estações do ano, já que a distribuição das diferentes
zonas de produção mundial é eficiente. Esta situação configura uma realidade
revolucionaria, quando se trata de um país rico, equiparada com a dimensão
planetária da economia alimentícia e a grandiosidade das sociedades existentes,
porque os custos para essa distribuição mundial de produtos alimentares diversos
diminuiu muito, e ficou facilitada devido as técnicas mercadológicas atribuídas a esse
segmento da economia, possibilitando o acesso para várias faixas sociais à produtos
diferenciados.
Olhando pela lente cultural, essa revolução é mais significante. Esse acesso
aos produtos satisfaz desejos e necessidades antigos da humanidade, mesmo
quando eles se realizavam de forma mais localizada e ficavam disponíveis a poucos
consumidores. Hoje, encontra-se nas prateleiras de nossos supermercados produtos
exóticos vindos de lugares distantes, mas há um paradoxo, pois, a atenção se volta
para os produtos provenientes do nosso território.
Então, o jogo do poder sobre o controle desses recursos gerou conflitos em
diferentes sociedades. Nesta perspectiva, deve-se reconsiderar alguns pontos já
citados, pois estes conflitos se mostram em diferentes formas de acordo com a
comunidade social e cultural, envolvendo relações da natureza e a cultura da qual se
está observando. Em sociedades consideradas simples, as relações de poder
acontecem entre as classes sociais dominantes e as subalternas, como por exemplo,
um grupo de senhores emergentes que controlam o trabalho do camponês, a
utilização dos recursos proveniente das florestas, as trocas comerciais, ou seja, tudo
o que envolve a economia alimentar.
Neste cenário, os protestos e revoltas dos camponeses pretendem melhorar
as suas situações em relação a esses senhores, porém quase nunca atingem um
patamar suficiente para conseguir que suas reivindicações sejam atendidas. Essas
revoltas aconteciam com mais frequência quando os senhores restringiam para si o
direito sobre a caça e pastagem. Como reflexo destes conflitos, é possível
compreender a popularidade de lendas como a de Hobin Hood, refletindo o gosto
aventureiro pelas margens da sociedade e o ideal de um mundo onde se pudesse
72
caçar e comer carne com liberdade. Essa liberdade é o fio condutor das reivindicações
dos ingleses em 1381, e dos alemães em 1525.
Já na Itália, onde o urbano se sobressai ao rural, esses conflitos aparecem
justamente nestas condições. Neste caso, a dominação acontece da mesma forma,
em todas as etapas da produção alimentar. Aqui, o grupo dominante, que são as
famílias que detém o poder das cidades, impõem a ordem sob o alimento, mas
primeiramente atendendo as suas próprias necessidades, nem sempre levando em
conta as necessidades da comunidade de onde esses alimentos saíram. É daí, da
falta de comida, que os camponeses migram do campo para às portas da cidade em
busca de comida, sendo expulsos, algumas vezes até com o uso de violência.
Segundo Revel (1996), essa condição, de controle dos mais fortes sobre os
mais fracos, gerou a comida de pobre. Pode-se citar o exemplo dos gregos e seu
desjejum, que continha pão encharcado de vinho. Esse era o único momento do dia
em que o vinho puro era consumido, pois o vinho que bebiam antes ou durante as
refeições era misturado com água. O vinho e o pão foram pilares alimentares da
civilização ocidental até o século XX. Uma expressão francesa diz tremper la soupe,
que significa despejar o caldo da sopa sobre fatias de pão, e em algumas regiões da
França, os camponeses misturavam vinho a esse caldo. Somente no século XX que
o pão perde o seu papel na sociedade para a carne. Mas antes disso, a carne tinha
um preço alto, e era consumida somente em dias de festa, e até que as batatas não
chegaram, vindas da América para a Europa, no século XVIII, o trigo manteve o papel
principal na alimentação humana.
Ainda há conflitos que saem dos parâmetros já exemplificados, como quando
um grupo dominante age sobre uma sociedade que não é a sua. Por exemplo, quando
um senhor feudal, que controla os alimentos do seu próprio território, gera conflitos e
tensões com outros feudos, levando a relação dominantes-dominados para outra
sociedade. Por isso, os séculos X e XII apresentam um padrão de hierarquia
determinada, que regula não só a política, mas a economia também. Nas cidades
acontecem o mesmo movimento, as que são maiores subjugam as menores, como no
exemplo de Bolonha no século XIII, que impõe às cidades menores dos arredores o
pagamento de uma devida quantidade de alimentos, que são recolhidos mesmo
quando não se tem uma boa colheita. Desta forma, os dominados se veem obrigados
a se deslocar a outras localidades para comprar os produtos que não conseguiram
73
[...] só que meu pai dizia se comia só feijão de noite era só sopa (sopa de
feijão) e vai (APÊNDICE A, p. 157).
Era tudo bem dize diferente agora né, [...], a gente comia um ovo em 7
pessoa, na minha família (APÊNDICE A, p. 157).
Olha meu pai contava pouca coisa porque ele passa os dele né, a gente
quando era pequeno a gente passava fome, que nem eu, não tinha, nem
conheci minha mãe, ela tava sempre doente, meu pai cuidava dela e era 8
irmão, daí a gente passava fome, não foi fácil (APÊNDICE A, p. 158).
[...] naquela época a gente tinha fome, porque tu ia trabalhar na colônia era
pesado, a gente na minha época antes de casá ainda, a gente trabalhava
com alfafa, então as vezes de noite chovia, o tempo chovia a gente tinha que
sai as 1 2 horas da madrugada ajunta aquela coisa pra guarda que a gente
achava que hoje não vai chove, fico ali fora, tinha que levanta e ir pra colônia
faze isso ai, não era fácil, agora é tudo mais fácil, tudo já tá mais na mão as
coisa, não é que nem na nossa época (APÊNDICE C, p. 175).
Eles eram 14 irmãos do meu pai né, então se dividia, depois com os vizinhos
também quando carneava algum porco era sempre um pedaço pra cada
vizinho, era sempre assim e se trocava, por exemplo meu pai eu lembro do
meu pai faze isso, era um pedaço pros Marchesini, pedaço pros Caberlon,
pedaço pros Postalli, e assim quando eles carneava então também voltava o
pedacinho (APÊNDICE D, p. 191).
[...] e naquela época só tinha, é tudo limitado né porque a família era grande,
tudo famílias de 10 12, tive uma tia que ela tinha 21 filhos (APÊNDICE F, p.
204).
Por outro lado, o embate entre nações ricas e pobres demarca cada vez mais
o grandioso conflito de interesses que define a sociedade atual, como se houvesse
uma versão ampliada dos conflitos pelo domínio dos recursos alimentares que sempre
participaram da história dos homens. De toda forma, mesmo alterando o contexto para
a atualidade, há uma representação da luta de classes (MONTANARI, 2013).
Abordadas estas temáticas, segue-se o caminho observando o próximo
estágio da comida como cultura, quando a comida é preparada, quando há a invenção
da cozinha, com o domínio e o uso do fogo e de outras técnicas que alteram a
configuração de um determinado alimento.
Assim como o subtítulo anterior, esta etapa da dissertação também irá iniciar
com uma definição de cultura. Então, para evidenciar a diferença entre natureza e
cultura, Lévi-Strauss (1982), aborda um conceito de cultura diferente. Ao mesmo
tempo que é um ser biológico, o homem também é um ser social. Estímulos físico-
biológicos e os psicossociais muitas vezes reagem da mesma forma, mas nos faz
75
dos alimentos, mas não o consumo desses alimentos. O homem seleciona o que come
a partir de suas preferências individuais e coletivas, normalmente ligadas a valores,
significados e gostos em constante diversificação. Mesmo que de forma elementar, as
raças animais também desenvolvem hábitos para gostos diferenciados, e para os
homens isso não basta para entender o seu modo de comer.
Para Pinsky (2011), a eficácia do deslocamento, realizado pelos nossos
antigos ancestrais (homo erectus), de água, alimentos e do domínio do fogo,
capacitou-os a desenvolver uma autonomia que o permitiu realizar viagens de longas
distâncias, assim como aquelas que saíram da África com destino a Ásia e a Europa.
A capacidade de controle sobre o fogo é um dos pontos que separam os homens dos
animais. Entre muitas funções, o fogo aproxima as pessoas, reforçando laços sociais.
Também tem função mística de espantar espíritos do mal.
Desta forma, Montanari (2013) diz que somente o homem tem como principal
ponto de diversidade, a capacidade de acender e usar o fogo, e o domínio desta
tecnologia permite-lhe, entre outas coisas, fazer cozinha. Esta atividade humana por
excelência, é a forma de transformar o produto da natureza em algo diversificado, pois
as mudanças químicas que o cozimento e combinação de insumos provocam, permite
levar à boca um alimento fabricado, ou talvez artificial. Assim, nota-se que antigas
lendas e mitos representam a dominação do fogo como o ponto inicial da civilização
humana. O que é cru e o que é cozido representam polos opostos, assim como entre
a natureza e a cultura.
A mitologia grega diz que o fogo era posse dos deuses, até que Prometeu o
entrega aos homens. Este ato foi considerado um gesto de piedade de um deus aos
seres indefesos, pois o irmão de Prometeu, Epimeteu, era responsável por distribuir
habilidades aos homens, esqueceu de incluir o domínio do fogo. Então Prometeu
rouba o fogo de Hefesto e o entrega aos homens, para remediar a distração do irmão.
Assim, ele se torna o verdadeiro criador da humanidade, pois o fogo representa uma
elevação do plano animal e o aprendizado das técnicas de domínio da natureza. O
domínio do fogo torna o homem um ser divino, deixa de ser submisso, domando os
processos naturais que agora ele modifica e controla. Por isso, Prometeu irrita os
deuses e é punido por eles.
Segundo a abordagem de Pinsky (2011), a administração ou a dominação do
fogo gerou ganhos simbólicos e objetivos. Quando começou a assar a carne antes de
consumi-la, tornou-a mais digestível, e assim passou a ter um sono mais proveitoso.
78
Esse sono realizado em torno do fogo, possibilitou um melhor descanso do corpo, sem
muitos sustos, pois o fogo também espantava os aninais selvagens que poderiam se
aproximar e ameaçar a integridade dos homens.
Montanari (2013), afirma que a carga simbólica do mito grego é refletida na
cozinha, relacionada ao uso do fogo, se faz necessário no entendimento de uma
constituição da identidade humana. Porque daquele momento para frente não se pode
mais afirmar-se homem, sem cozinhar a própria comida, e rejeitar a possibilidade de
cozinhar significa negar a civilização, assunto que será melhor abordado na
continuidade do trabalho. O método que transforma a natureza, guia o trabalho do
cozinheiro. Formatos, consistências, cores são alteradas com técnicas que
pressupõem um afastamento da naturalidade. O cozinheiro que pertencia a cultura
pré-moderna, até o século XVII, foi apontado como um artista que não tinha
compromisso com as atribuições originais dos produtos. Quando apareceu uma
cozinha natural, derruba essa imagem e sugere uma nova ideia de natureza. Esse
ciclo é recorrente na história do passado, e ainda hoje.
Quando os entrevistados lembram das histórias contadas sobre a chegada de
seus antepassados ao Rio Grande do Sul, comentam que não foi uma época fácil pela
falta de infraestrutura. Um ponto que se nota nas lembranças e até mesmo nos dias
de hoje, é o uso do fogo para diferentes funções. Tanto como para proteção, como
para se aquecer no frio, ou para preparar a caça, que era a fonte de alimento da época,
e hoje utilizado nos famosos churrascos nas casas de cada um ou nas festas das
comunidades. Desta forma, é visível a importância do domínio do fogo para os
imigrantes e para seus descendentes. Seguem alguns relatos que demonstram este
ponto:
[...] fizemo costelasso, então a partir das 6 hora da manhã já tinha o fogo e a
carne assando né, e levo até a uma hora pra fica pronto (APÊNDICE D, p.
188).
Porque se tinha aquele fogo, aquela brasa pra esquenta a água pra mata o
porco, daí abria o porco, tirava toda aquelas miudeza dentro e botava no
espeto, salgava, botava em cima da brasa e comia na hora (APÊNDICE E, p.
194).
[...] e meu pai sempre contava que meu bisavô eles tinham bastante criança
né porque naquela época era tudo famílias grande, então diz que um sempre
79
Então eles tinham que fica cuidando e sempre com fogo que aí o bicho tinha
medo de fogo porque diz que vinha onça, vinha leão, vinha esses bicho, então
eles ficavam um de plantão pra pode cuida das crianças (APÊNDICE F, p.
202).
A hoje é diferente, hoje o churrasco é o prato principal porque uma que é mais
fácil de faze, mais rápido (APÊNDICE F, p. 207).
Porém, Montanari (2013) diz que não é sempre que o fogo e a cozinha estão
associados. De um modo, determinar o processo culinário meramente à
transformação dos alimentos por meio do fogo é simplório. Se fosse desta forma, se
excluiria as preparações que não necessitam de algum tipo de calor para que haja
cozimento, como as técnicas japonesas relacionas aos peixes crus. Não é possível
extrair essa prática da chamada grande cozinha, mesmo ela não utilizando fogo. De
outro modo, há quem defenda que cozinhar alimentos não é sinônimo de cozinha. Por
exemplo, em uma tradição da China, há diferença entre cozinhar e fazer cozinha. Na
primeira, se emprega o fogo, e na segunda há habilidade técnica de implicações
estéticas e artísticas. Assim, quando esse conceito confronta o ocidental, onde as
duas relações se exprimem de uma única forma, ou seja, o cozinhar (ou cooking),
pode ser interpretado como uma abordagem banal da comida, que só atinge um
destino, que só serve para tornar comestível os alimentos.
Essa separação causa ainda mais discussão, mas não é impeditiva de uma
representação simbólica que o próprio homem fez de si, onde o fogo dominado e o
80
Tudo eu te diria, tudo o que a minha vó passou pra minha mãe e ela passou
pra mim, tudo aprendi com a minha mãe, cuida da horta, cuida dos bichinho,
das vaca, tira o leite, tudo com a mãe, tudo foi herdado da mãe, é, do pai
também, mas digamos sempre a mãe mais que, que faz essa parte né
(APÊNDICE B, p. 169).
[...] aprendi com a madrasta, eu tinha 7 ano quando perdi a mãe e a vó já tava
meia velinha (APÊNDICE C, p. 179).
Por exemplo, parreira né, parreira eu aprendi do meu pai, porque o Basílio eu
não conheci ele, porque morrero muitos anos atrás, ma eu fui aprendendo
com meu pai o negócio de planta parreira né, tem que, dá mão de obra isso,
construí um parreiral não é fácil, porque tem que planta as muda, poste, o
arame, e aprendi tudo do meu pai isso ali (APÊNDICE E, p. 196).
era de se esperar. Como a época da visita correspondia a Quaresma, não era possível
servir carne, mas o relato é de que os pratos servidos eram incrivelmente variados,
ricos e refinados, evidenciando que, mesmo cumprindo com as obrigações litúrgicas,
era possível servir um ótimo jantar. A ideia de privação, que faz menção à data, não
era sentida. O responsável por esta façanha foi Bartolomeo Scappi. Este profissional
exerceu o ofício em variadas cidades italianas até chegar em Roma, e ainda serviu
outros dois pontífices da igreja Católica. No ano de 1570, depois de uma longa carreira
nas cozinhas, relatou suas vivências num abundante volume de receitas que nomeou
Obra, somente. Estas receitas escritas foram amplamente difundidas e seu nome
muito lembrado, reforçando a cozinha de elite.
Ingredientes e suas humildades, se tornavam nobres quando entravam para
o sistema gastronômico simbólico, porém, como um simples ingrediente da receita,
sem protagonismo, em pratos notórios. Em escritos do século XV encontra-se
afirmações como a que diz que o alho sempre é associado a comida rústica, mas
quando acrescentado a marrecos assados, se torna nobre. Desta forma, um molho
preparado com alhos no pilão, tipicamente camponês, pode aparecer em livros de
receitas para a alta sociedade, o que ganhou a notoriedade será o que o molho
acompanha.
Para Dickie (2013), até o meio do século XX, pessoas comuns do interior da
Itália comiam mal, refletindo outras partes do mundo, e há registros em documentos
que comprovam isso. Diversas pesquisas atestam que as condições do interior
italiano, nos anos seguintes à unificação do país, como visto no capítulo dois deste
trabalho, no ano de 1861, eram desfavoráveis a muitos. A pobreza e a alimentação
ruim são temas de ditos populares que são ouvidos até hoje, como: Quando pobre
come frango, um dos dois está doente; Alho é o tempero do camponês; O molho de
São Bernardo faz a comida ficar boa.
Entre os camponeses, frango era item raro, normalmente para alimentar
doentes, e quando esses animais adoeciam, os camponeses tinham mais acesso a
eles. As especiarias eram muito apreciadas nas mesas das elites, desde a Idade
Média até, no mínimo, o século XVII, não sendo acessíveis aos camponeses. Mas não
era o caso do alho, alho-poro e cebola, porque exalavam pobreza. Não significava que
os ricos desprezavam estes itens, mas sim depreciavam os que não tinham
alternativas. Felizmente, a receita do molho de São Bernardo se perdeu, pois, este
era um código que significava fome.
85
Uma carne nunca falta (Marido da entrevistada: sim, nunca falta, graças a
deus) nunca, é (APÊNDICE B, p. 164).
[...] mais era polenta essas coisa, de meio dia também a gente levava essas
comida, a gente fazia salada, até as vez eu falo pro filho, botava dentro
daquelas latinha de azeite quadrada que antigamente vinha de coisa, ai a
gente levava pra roça e a gente lá com prato repartia a comida assim na
colônia (APÊNDICE C, p. 174).
mesmo assim, escolha repleta de cultura. Pode-se encontrar este comportamento nos
eremitas17, que através de escolha consciente e coerente, utilizam este
comportamento alimentar para reforçar a distância do mundo, excluindo da prática de
cozinha todas as intervenções do fogo. Mesmo querendo se distanciar do convívio
cultural, este afastamento representa o uso cultural desta opção, uma utopia para
além do mundo que se conhece.
Carneiro (2003), contribui dizendo que a história das religiões incluiu a
interpretação e a representação do consumo de alimentos. É possível encontrar um
deus para cada alimento em quase todas as civilizações, como por exemplo, os
cogumelos alucinógenos no México, são chamados de carne de deus, a ayahuasca,
bebida sagrada de origem indígena é cultuada na religião do Santo Daime, no Brasil,
a própria expulsão de Adão e Eva do paraíso se deu devido ao ato de comer um fruto
proibido.
Em tradições cristãs, Montanari (2013) aborda que o que é selvagem é uma
representação alimentar do mito da providência, momento em que o homem era feliz,
pois não tinha sido condenado a procurar a sua própria comida, situação que mudou
devido ao pecado. O que é cru tem um significado semelhante, pois é utilizado para
reforçar a distância da humanidade pecadora, tendo como objetivo a recuperação do
divino. É carregando estes significados que, nos primeiros séculos cristãos, se
apoiavam comportamentos dos solitários, moradores de desertos da Síria e do Egito.
Relatos contam que se alimentavam somente de ervas e raízes cruas, ou que não
comiam alimentos que passaram pelo fogo a sete anos, outros a dezoito anos.
Aconselhavam que, para procurar a santidade, não se devia cozinhar nada, não
provar nada cozido.
Então, retomando Carneiro (2003), o ato de alimentar-se assume um papel
de separar as religiões e seus adeptos, se tornando muito mais do que somente
satisfazer as necessidades do corpo. O cruzamento de mitos com a alimentação
demonstra a fome e a sede como um reflexo do que é selvagem, animalesco, que
deixam de ser assim quando entram para o convívio social no mundo clássico, pois
assim o consumo passa a ser moderado, tornando os homens sociáveis.
Relacionar o cru ao que é mais humilde e o que é assado ao que é mais
requintado, e respectivamente o ensopado e o cozido, se diferem para os imigrantes
17Pessoa que, por penitência, vive solitária no deserto ou no ermo; eremitão, ermita, ermitão
(MICHAELIS, 2018).
88
italianos que vieram para o Brasil no final do século XIX. Porque quando aqui
chegaram, para alimentar-se, recorreram à caça, já que não tinham plantações de
outros alimentos, pois eles mesmos tiveram que desmatar as áreas onde, mais tarde,
plantariam. Então, preparar a caça diretamente no fogo ou em algum meio líquido,
representavam a mesma coisa, o sustento alimentar das famílias. O uso do meio
líquido, como sopas, ensopados, caldos, eram muito utilizados para aumentar a
utilidade dos alimentos, pois as famílias grandes eram obrigadas a multiplicar o que
tinham. Seguem alguns relatos que exemplificam este argumento:
[...] no dia a gente faz a sopa tem o galeto no espeto tem o churrasco, mas
isso com os homem né, a minha parte é faze a sopa, o risoto, a maionese,
cuida de todas essas coisas, saladas, é cuida disso (APÊNDICE B, p. 166).
[...] mais era sopa de feijão de noite nossas janta era sopa de feijão e até de
manhã a gente tomava sopa antes de ir pro trabalho (APÊNDICE C, p. 174).
[...] então a gente fazia uma sopa, um churrasco e pão e salada era isso
(APÊNDICE C, p. 177).
Pimenta e sal e dava uma sapecada nas brasa e a gente comia, ma que coisa
boa (APÊNDICE E, p. 194).
[...] um asceta que, tendo-se retirado para o deserto para viver em perfeita
solidão, escolheu se alimentar apenas de ervas e raízes silvestres,
obviamente cruas. Mas havia um problema: não sabia distinguir as ervas
boas das más. Ele provava todas, mas algumas escondiam, por trás do
aspecto convidativo, uma natureza venenosa, de modo que o eremita era
tomado de indizíveis dores no ventre, ânsias de vômito e febres. Então, por
medo de morrer, começou a desconfiar de tudo que parecia comestível e
deixou de comer completamente, arriscando-se novamente a morrer, desta
vez de fome. Depois de sete dias, eis o milagre: uma cabra selvagem lhe
aparece, aproxima-se do feixe de ervas que o eremita tinha apanhado mas
não ousava tocar, começa a separar com a boca as plantas venenosas das
boas e lhe mostra quais deve comer. (MONTANARI, 2013, p. 73-74).
cozinha, a nutrição. No decorrer do tempo, a relação das duas, ficou mais consciente
e estabelecida, se desenrolando como ciência nutricional de prática médica.
As orientações do médico romano Galeno, do século I d.C, diziam:
[...] todo ser vivo – homens, animais, plantas – possui uma “natureza”
particular em razão da combinação de quatro fatores, agrupados dois a dois:
quente/frio, seco/úmido. Por sua vez, eles derivam da combinação dos quatro
elementos (fogo, ar, terra, água) que constituem o Universo. O homem pode
se dizer em perfeita saúde quando em seu organismo os vários elementos se
combinam de modo equilibrado, balanceado. Se um deles prevalece sobre
os outros, seja por estado eventual de doença, pela idade (os mais jovens
são mais “quentes” e “úmidos”, os velhos mais “frios” e “secos”), pelo clima e
ambiente em que vive, pela atividade que desenvolve ou por qualquer outra
razão, é indispensável restaurar o equilíbrio com providências adequadas,
primeiramente o controle da alimentação. (MONTANARI, 2013, p. 84).
camponeses italianos antes das imigrações, pois era corriqueiro dos hábitos
alimentares dos ricos. Quando chegam ao Brasil, a fartura da caça nas matas virgens
que foram destinados a tomar, torna o ingrediente parte permanente e essencial à
alimentação e sobrevivência das famílias. Alguns relatos das entrevistas referente a
este assunto:
Só que de meio dia carne não tinha de vaca só de porco, aí não gostava
(APÊNDICE A, p. 156).
[...] A massa e que, carne também, todo dia tem que te carne né (APÊNDICE
A, p. 157).
Bom, a sopa, seria em primeiro lugar, a nossa sopa de agnoline, depois que
comeram a sopa se falta alguma outra coisinha não é problema (APÊNDICE
B, p. 168).
[...] aquilo era comida preferida dos italiano (feijão), [...], as vezes a gente
fazia um arroz, mas sempre a maioria, quase sempre tinha um feijão junto,
que eu me lembro né (APÊNDICE C, p. 174).
[...] agora tudo vem do mercado, tudo vem com porcaria junto não é mais
aquela comida que tu faz, por quanto que tu cuida mas não é, o que tu compra
tu não sabe o que vem na tua mão, porque naquela época não tinha né
(APÊNDICE C, p. 175).
[...] então nós queria sempre uma bolinha daquelas de queijo que era bom
né, que era que nem uma ricota né (APÊNDICE D, p. 187).
[...] então é churrasco com massa ou com maionese ou com batata doce
caramelada (APÊNDICE D, p. 187).
Que coisa boa, dá saudades hoje de come isso ali, botava bastante pimenta
em cima (APÊNDICE E, p. 194).
As minhas neta quando vem na casa da vó é ‘vó faz os macarrão’, o que elas
adoram é o macarrão e o sagu com creme (APÊNDICE F, p. 203).
[...] minha mãe era muito caprichosa, ela gostava de faze os pratinho dela
bem enfeitadinho, ela botava uns bife à milanesa nos bolinho de batata assim
sabe (APÊNDICE F, p. 205).
Agora é assim sabe, tu chega no salão, todo mundo senta, todo mundo come,
vem o rifão e depois todo mundo vai embora (APÊNDICE F, p. 206).
94
Caríssimo Pai
Se quiserem que lhes faça saber como é a América, posso dizer que quem
tem um pouco de vontade de trabalhar tem comida e bebida à vontade, e sem
preocupações, porque os patrões, nós os deixamos na Itália. Meu cunhado
Pedro, que venha sem temor, que eu lhe garanto. O mesmo vale para meu
cunhado Luís: há lugar para colocar um moinho em nosso travessão, no nº
12, e isto é necessário, porque temos que ir longe para mandar moer o trigo,
(mais de 5 horas de caminho). Mas se ele pretende partir, que me escreva
logo, que reservo para ele uma colônia, ou meia ou um quarto (...).
o prestígio social ou a pura gula, entre outros motivos, essas regras de prazer ao
comer e união do que é saudável, não eram levados em conta.
Porém, a partir dos séculos XVII e XVIII, a nutrição passou a falar outra língua.
Começou a se basear na análise química mais do que na análise física. O quente e
frio, seco e úmido deram lugar a fórmulas, e a expressões não mais ligadas a
experiência sensorial. Ninguém conhece o sabor do carboidrato ou o gosto das
vitaminas. A relação prazer/saúde, concebida a muito tempo atrás, ligada as primeiras
experiências de cozimento dos alimentos, permanece sendo importante peça cultural
no Homo edens.
Então, dando continuidade a explanação sobre as formas que a comida se
apresenta culturalmente, passa-se para a última abordagem da comida, quando
consumida pelo homem, atrelada a mais um conceito diferente dos já abordados sobre
o que é cultura.
explicação, se deve substituir quadros simples por complexos, ao mesmo tempo que
se busca, de algum jeito, manter a clareza dos quadros simples.
Enquanto isso, entre os homens há grandes diferenças, como em crenças,
valores, costumes, instituições, entre outros. Nota-se que estas diferenças, tanto
ocorrem no tempo como de local para local, mas não definem a natureza do homem,
e ainda confundem, pois ele afirma que são simples acréscimos, ofuscando o que
verdadeiramente é o ser humano. A natureza humana retratada por algo constante,
apesar do tempo, ou do local, ou de circunstâncias, ou de estudos e profissões, ou
modas passageiras, ou até opiniões temporárias, pode ser ilusória, pois o que o
homem é possivelmente está tão enraizado com o local onde ele está, quem ele acha
que é e nas coisas que ele acredita, tornando estas questões inseparáveis.
Considerar estas possibilidades, proporcionou o surgimento do conceito de
cultura e o fim da análise uniforme do homem. Também, estas possibilidades tornam
muito difícil pensar no que é natural, universal, constante, convencional, local e
variável no homem. Assim, tentar traçar essa linha pode ser o mesmo que falsificar a
situação humana, ou pode representar, mesmo que de forma responsável, uma má
interpretação.
Geertz (2008, p. 49) afirma que
[...] eles pegava e cozinhava a carne junto e guardava junto com a banha, pra
conserva (APÊNDICE D, p. 186).
foram adotando estas novas receitas. Marco Polo (mercador italiano da Idade Média,
que passou muito tempo na China), trouxe da China a pasta, ou a massa, que era
preparada pelos chineses usando farinha de trigo, ou soja, dando origem aos talharins
e espaguetes italianos. Quando ofereceram a Marco Polo, foi temperada com gordura
de peixe, deixando o mercador impressionado, levando-o a transportá-la para a Itália.
Mais um ponto merece destaque, segundo Montanari (2013), no que diz
respeito a mudança na relação com a comida do passado para o presente, quando,
na metade do século XIX, se difundiu o chamado serviço à russa, que nada mais é do
que servir aos convidados sucessivos pratos com ordem predeterminada e iguais para
todos, o que hoje acontece normalmente, e até parece óbvio. O modelo anterior a
este, ainda hoje encontrado na China e no Japão, consistia em servir as comidas
sobre a mesa, todas ao mesmo tempo, e cada convidado escolhia-os e ordenava-os
de acordo com o gosto pessoal.
Refletindo sobre os comportamentos sociais, e verificando que estes passam
por um momento de escolha, os meios usados para realizar estas escolhas são
diferenciados, e focando nos modelos de gostos, para verificar como eles se iniciam
e se modificam durante o tempo, é preciso identificar de quem está se falando. É
notório que a fome de muitos e a abastança de poucos, duvidosamente fazem com
que se tenha a mesma oportunidade de escolha. Reforçando que se todos devem ter
direito de satisfazer suas necessidades de nutrição com prazer, os processos pelos
quais as sociedades o fazem, são também diversos.
Um exemplo sobre a comida rara, foi o uso de especiarias, quando ainda eram
privilégios de pessoas ricas, eram muito usadas nessas cozinhas, mas assim que a
oferta aumentou, e os preços caíram, ficando mais acessíveis a pessoas de poder
aquisitivo mais baixos, foram abandonadas pelas elites. Assim, não podendo mais
afirmar sua diferença através do uso de especiarias, as elites buscaram outros
insumos para se afirmar, como a manteiga, produtos confeitados, frutas frescas, que
por ser perecível e delicada eram tidas como itens de luxo, ou seja, no fim da Idade
Média e início da Idade Moderna, precisavam estar nas mesas dos ricos, mesmo elas
não sendo indicadas pelos médicos da época, pois eram atreladas a humores frios e
úmidos, prejudicando a digestão. Assim, o imaginário social se sobressai a razão.
Para Carneiro (2003), os sabores são mais do que o usufruto de um sentido
que aponta a comensalidade das coisas. O gosto diferente de cada comunidade os
caracteriza, também diferem as épocas de uma mesma cultura. O amadurecimento
das culturas não é só medido pelas conquistas espirituais ou realizações materiais,
mas também pelo grau de composição de suas técnicas e criações alimentares, que
afirmam ao mesmo tempo as expressões técnicas materiais e inventividade artística
das sociedades.
O historiador francês, especialista em Idade Média, Jacques Le Goff,
lembrado por Montanari (2013), escreveu que no medievo, a comida representava a
forma que as camadas dominantes utilizavam para demonstrar sua superioridade, ou
seja, através do luxo e ostentação alimentar, exibiam um comportamento de classe.
Então, seria possível afirmar que os recursos alimentares eram as primeiras
preocupações, ou obsessões dos homens, onde a abundância de itens alimentícios
pontuava a situação de privilégio social e de poder.
Esta situação, não marca apenas uma sociedade ou uma determinada época,
todas as sociedades e suas culturas tradicionais foram marcadas pela fome, ou pelo
medo da fome (através de escassez, de epidemia, de guerra, as três desgraças que
se implorava intervenção divina), mas o medo, por si só, compreendido como uma
atitude psicológica humana, e também como uma realidade cultural social, refletia-se
no coletivo através de gestos, escolhas, comportamentos. Desta forma, surgiu a
necessidade de uma comida funcional, que serviria para a sobrevivência diária, que
nada mais era do que a satisfação do desejo da quantidade, ou seja, o desejo de ter
a barriga cheia, e de ter uma dispensa abastecida. E a qualidade desta quantia, era
importante, mas vinham em segundo plano.
104
Por estes motivos que, antes de tudo, os poderosos se definiam como grandes
comedores. Para Montanari (2013), em narrativas do ano 888, o duque Guido di
Spoleto não pode assumir o poder como rei porque era de conhecimento de todos que
ele comia pouco, seus eleitores diziam que ele não poderia reinar sobre eles já que
se contentava com refeições modestas. Nesses casos, seria o mesmo dizer que
comer demais, e ser capaz de consumir mais comidas que outras pessoas não era
apenas uma demonstração dos privilégios que esta pessoa tinha, mas sim de uma
obrigação social, uma diretriz do comportamento de classe, que os poderosos não
podiam abdicar para não levantar questionamentos da ordem que se estabeleceu.
Esta questão se relacionava também com concepções físicas do poder, do qual o
chefe, ou o guerreiro, podendo consumir grandes quantidades de comida, mostrava
ser forte e vigoroso, capaz de demonstrar sua superioridade sobre seus súditos.
Não é por acaso que os nomes que os guerreiros recebiam, no medievo, eram
provenientes do mundo animal, como lobos, ursos, leões, pois assim simbolizavam a
força animal. Animais sempre carnívoros, porque desta forma reforçavam a imagem
cultural que o consumo de carne conferia mais força e coragem, nutriam o corpo e
repunham a massa muscular, justamente necessidades que os guerreiros tinham que
suprir, legitimando seu poder. Também implicava à caça, que eram contadas através
de cansativas perseguições e duelos, dando mais prestígio ao guerreiro, pois assim
indicava que este era habilidoso com armas e práticas de guerra.
Para Araújo et al. (2005), com uma dieta simples, em evolução, os gregos
elaboraram costumes parecidos aos dos romanos no que dizia respeito à mesa e a
hospitalidade. Os banquetes eram longos, e apreciavam comer muito, o que não
queria dizer que comiam bem. Ao longo do tempo, melhoraram a qualidade das
comidas, deixando nas mãos dos cozinheiros a responsabilidade de melhorar as
combinações dos pratos. Quando recebiam convidados especiais, eles mesmos, junto
105
caso, repete-se que o nobre se firma como consumidor de carne, com ênfase na caça,
pois representa a força, e o camponês, continua vinculado aos insumos vindos da
terra, como os cereais, hortaliças, entre outros. Lembrando que mesmo ligado aos
produtos da terra, os camponeses também caçavam, então consumiam carne, mas
em quantidades menores que os nobres.
No fim da Idade Média, a imagem da nobreza e do poder não era mais a
mesma. Deixou de representar o guerreiro, e a força não é mais o seu traço
característico, mas sim a cortesia, e com isso um novo modo de se comportar em
grupo. A nobreza não precisava mais comer muito, mas sim identificar o que é bom e
o que é ruim, e desta forma, limitar-se e controlar-se. Assim, deviam recusar o
alimento que não era digno de sua posição, e em uma só olhada, saber o que lhe
convinha.
Estudando as receitas, encontram-se inovações, segundo Flandrin (1998), no
que diz respeito à cozinha das elites, como na escolha dos alimentos e no
desenvolvimento de gostos por legumes, frutas, laticínios, carnes de açougue e
temperos. Os temperos com gostos fortes, como os ácidos e os carregados de
especiarias, muito utilizados no início da Idade Média na França, deixam de ser
usados, substituídos por temperos mais gordurosos ou açucarados. Na época, eram
tidos como delicados, pois respeitavam mais os sabores dos alimentos. Essa
tendência, se espalhou por outros países da Europa, além da França, como na
Inglaterra, Polônia, Alemanha, Itália e Espanha.
Montanari (2013) diz que os religiosos, monges e sacerdotes, mediavam
outras formas de imagem social. Eles representavam um comportamento alimentar
codificado. Em específico os monges tinham as regras escritas que norteavam cada
ato de suas vidas do dia a dia. Uma delas era a exclusão da carne dos hábitos
alimentares, principalmente de animais quadrúpedes, e assim o faziam para contrapor
a representação cultural da carne sobre o exercício do poder, da força, da violência.
Negar a carne, indicava apartar-se da sedução do poder, sendo sinal de humildade
espiritual. Lembrando que a maioria dos monges vinham de linhagens nobres, e desta
forma, tinham que renegar os privilégios que tinham, se tratando de uma escolha
deliberada, e era aí que todo o valor da experiência se encontrava.
Ainda no espectro da nutrição, as ligações se fortalecem, pois, religiosos não
necessitam nutrir o corpo comendo carne, mas sim uma aproximação com o céu,
através de uma alimentação mais leve, e por isso, as regras alimentícias dos monges
109
abrem exceções para carne de aves. Este fato se reforça quando se menciona que,
nos últimos séculos da Idade Média, as elites italianas e europeias, deixaram de
valorizar a carne de animais de grande porte, como cervos, javalis, ursos,
substituindo-os por aves como os faisões ou as perdizes, indicando as mudanças
culturais que ocorriam na época. Mudanças que também ocorriam em outros campos
culturais, como a diminuição da necessidade de haver guerreiros, menos relacionados
ao uso de força corporal, para o uso mais acentuado da gestão administrativa e
política do poder, evidenciados pelas indicações de médicos que diziam que as carnes
de aves eram comidas ideais para quem estava atrelado a trabalhos que exigiam
talentos e inteligências.
Em tempos recentes, o consumo alimentar e os estilos de vida, relacionados
a status sociais permanecem com modalidades diferenciadas. A qualidade do que se
come se define, sabendo que o atributo social se caracteriza pelo direito/dever de
consumir itens de qualidade, ligando certos tipos de alimentos a somente certo tipo
de consumidor. Tanto que, na Europa do século XVIII, o café era atribuído a
burgueses, pois era uma bebida conhecida por manter a mente alerta, facilitando o
trabalho, aumentando a produtividade, e o chocolate atribuído aos aristocráticos,
porque era mais suave e delicado. Mais tarde, no século seguinte, o café se
popularizou e os símbolos que ele trazia mudaram, mudanças naturais que acontecem
com os processos culturais das sociedades ao longo do tempo. Assim como a batata,
que os europeus do século XVIII consideravam comida de camponês, ou mesmo de
animais, mas no século seguinte entrou com força na alta cozinha burguesa e
aristocrática.
Outro fato sobre o final da Idade Média, abordado por Hyman e Hyman (1998),
diz respeito aos livros publicados na época. O último a ser lançado no século XVII a
trazer novidades foi Le Cuisinier roïal et bourgeois, de Massialot, e era o primeiro a
informar, com modelo de dicionário, e mostrar plantas de mesas postas, com toalha e
sobre ela pratos e travessas (a imagem 8 é um exemplo). No ano seguinte, La
Nouvelle Instruction pour faire les confitures é lançado, complementando o primeiro e
formando a primeira obra culinária composta por mais de um volume. Devido a suas
revisões e reedições, foi o único tratado a relatar as mudanças que vinham ocorrendo
nas produções culinárias do século XVIII. Justamente por isso, notou-se uma
estagnação no lançamento de novos títulos sobre o assunto durante esse período,
entre 1691, quando Le Cuisinier roïal et bourgeois foi lançado, até 1734, quando este
110
foi relançado com o nome Le Nouveau Cuisinier royal et bourgeois, ganhando outros
três volumes para a parte de culinária.
Fonte: Le Floc’h19
Para Montanari (2013), uma concepção da cultura alimentar, que parece ter
se deixado de lado nos dias de hoje, é aquela que significava a comida ao passar do
tempo. As sociedades do passado, atrelavam a preparação deste ou daquele alimento
de acordo com o calendário, como o Natal bem marcado com suas comidas, a Páscoa
da mesma forma, o verão e o inverno também. Neste ponto, as questões culturais
prevaleciam sobre as questões naturais, ou de sazonalidade dos alimentos. Do século
IV em diante o calendário litúrgico obrigou os devotos a distinguir quando poderiam
comer alimentos gordos e magros, alternando gorduras animais com os vegetais, as
carnes mais pesadas com carnes de peixes, o queijo com verduras. Mas também era
possível que estes pratos estivessem ligados ao calendário natural, como comer carne
de porco na festa de Santo Antônio, em janeiro, justamente na época de abater os
cultura polivalente reforça que a mesa é um local universal, desde a dos mais ricos
até a dos mais pobres. O primeiro objetivo permanece sendo o de congregar todo tipo
de produto, todo tipo de local, em um só lugar, que é a mesa posta. Ainda na Idade
Média, os mercados de Bolonha e Milão, eram famosos não só por terem alimentos
locais, mas pela eficácia de realizar trocas interterritoriais, inter-regionais,
internacionais. Da mesma forma, durante séculos, o mercado de Paris funcionava da
mesma forma, sendo também famoso pelos mesmos motivos.
O mesmo vale para os pratos e especialidades locais. Assim como os
produtos, os pratos também aparecem ligados ao território, aos recursos e às
tradições. Neste caso, também se nota que o objetivo é impróprio, não os utilizando
para identificar culturas diversas, mas para agrupá-los e misturá-los, assim como na
antiguidade e na Idade Média, que os livros de receitas listavam receitas de várias
procedências, como de Roma, de Treviso, de Apúlia, da Lombardia, entre outros.
Mestre Martino, o cozinheiro italiano mais famoso do século XV, listava em seu
receituário a couve à romana, torta bolonhesa, ovos à florentina e muitas outras
receitas locais. Assim, não há dúvidas de que nesta cultura, o que se buscava era a
união, juntar experiências diversas, italianas, alemãs, francesas, catalãs, inglesas,
entre outras. Este estilo de cozinha universal era encontrado em toda a Europa.
Para Carneiro (2003), o comércio alimentar entre os oceanos, acumulou
capital e modificou profundamente a vida social de todo o mundo. Já em processo de
expansão desde a Baixa Idade Média, a cultura árabe difundiu alguns produtos
asiáticos na Europa, como o arroz, o algodão, as frutas cítricas, as mangas, a cana
de açúcar, a berinjela, entre outros. Neste processo, as Cruzadas distribuíram ainda
mais esses produtos pelas diversas sociedades, e a nobreza incorporou-os como
parte de sua grandeza. Porém, assim que estes produtos começaram a ser acessíveis
para camadas sociais mais baixas, surgiram os primeiros mercados mundiais,
principalmente com o auxílio das especiarias, do açúcar e de bebidas quentes como
o chocolate, o chá e o café.
Afinal, Montanari (2013) afirma que os pratos e produtos locais não vão
valorizar as cozinhas de território na antiguidade, nem na Idade Média, e nem no
renascimento. Com o passar do tempo, o cuidado com a cozinha de território começou
a ser tomado. A mudança foi percebida quando se concluiu a estação do
universalismo medieval e renascentista, quando as identidades nacionais se definem
e se fortalecem, ou melhor, se constroem, marcando também as identidades
113
regionais. O orgulho de pertencer a estas identidades cresce nos séculos XVIII e XIX,
quando, no caso italiano, aparecem os livros de receitas específicas de Piemonte,
Lombardia, Cremona, Macerata e Nápoles. O livro “O Apicio moderno”, de Francesco
Leonardi, de 1790, possivelmente seja o primeiro a reunir hábitos regionais italianos,
mas o fato de pouco representar o regional, assim como o conhecemos hoje, ainda
estava presente.
maciça dos cozinheiros no sabor natural dos alimentos, característica da cozinha pré-
moderna, e a partir dos séculos XVII e XVIII, inicialmente na França, espalhando-se
pela Europa, uma nova cultura, do gosto natural dos alimentos.
Outro fenômeno acontece quando a sociedade da fome, ligada a valores de
consumo alimentar muito relevante para a época, que foi o uso da comida como
diferenciação social, pois todas as sociedades tradicionais utilizaram o modo de comer
como um dos primeiros diferenciadores entre as pessoas e suas classes, passando
para uma sociedade da abundância, onde o acesso aos alimentos atinge classes mais
baixas, tornando a diferenciação social mais difícil de acontecer através da comida, e
onde o valor do território se torna o novo diferencial social, valorizando a comida
geográfica. Relacionar e elaborar estes raciocínios não seria possível em uma
sociedade classista como as da Europa pré-moderna. Não seria possível surgir o
pensamento de comida territorial, na Idade Média, porque a percepção de território
desta época debilita as diferenças sociais. Quando o ideal da cozinha se torna o
espaço, todos tem o direito de ocupá-lo, o senhor e o camponês. Evidenciar o
território, neste caso, sob um ponto de vista cultural, deixaria de utilizar a comida como
primeira e principal ferramenta de diferença. Exatamente por isto, o conceito de
cozinha regional não pode ser antigo.
Segundo Revel (1996), a expressão “cozinha internacional” pode ser vista de
duas formas contrárias. Por um lado, representa uma cozinha sem raiz, desconhecida,
que permite a exigência da retomada dos pratos da terra. Do outro lado, nomeia a
grande cozinha, que é capaz de internacionalizar-se, pois os chefs a conhecem em
suas bases, e já que a domina, são capazes de utilizar estas bases em novas criações.
Um bom número de receitas, reavaliadas, podem ser internacionalizadas. O curry
indiano, a paella valenciana, o chucrute alemão, o fritto misto à italiana (prato que
antigamente serviam fritas as entranhas dos porcos abatidos), são possíveis de
internacionalização, e se forem aprimoradas, podem representam melhor a cozinha
internacional do que a regional. Em outros casos, este processo é impossível, pois o
sabor da terra local, ou de técnicas relacionadas a um habitat específico, e até mesmo
do cheiro do ar, as especificidades do clima, podem influenciar negativamente a
tentativa de reprodução de alguma receita e arruiná-la.
Na cultura alimentar contemporânea, para Montanari (2013), um tema
recorrente é a relação que envolve a cozinha territorial e a internacional, que
representam um modelo local e global, respectivamente. A cozinha regional, somente
116
nos dias atuais, ganhou força cultural, tendo uma trajetória parecida com a da
globalização alimentar, mas com resultados diferentes. Desta forma, desenha-se um
paradoxo, pois antes, em sociedades subdivididas, como a antiga e a medieval, o
desejo era de ter um modelo universal de consumo, onde todos tivessem a chance de
ser reconhecidos. Mas hoje, no mundo onde sabe-se de tudo, os valores locais se
afirmam.
Lembrando que o texto já indicou que a cozinha de território é uma invenção
moderna, por outro lado a cozinha internacional possui raízes antigas. Pode-se notar
o passado da cozinha internacional quando citada a cozinha romana mediterrânea,
ou a medieval europeia, pois ambas foram universais, disponíveis em todos os locais
conhecidos e frequentados. A diferença entre estas e a cozinha internacional que
conhecemos hoje não está em quanto internacionalizada era, mas sim quantas
pessoas atingiam em determinados níveis sociais, lembrando que nestes momentos
históricos, essas elites que podiam aderir a essas cozinhas, não eram numerosas,
traçando um paralelo com o momento atual, mesmo não atingindo a população como
um todo, atinge um percentual muito maior.
Com a intenção de incorporar pratos regionais, Revel (1996) diz que a cozinha
internacional necessita contemplar os modos de preparo e a origem de elementos
aromáticos, pois a partir disso será capaz de manipular novas composições e
adaptações quando reproduzida em lugares diferentes. É este o processo que move
a cozinha internacional, a curiosidade, que se difere da regional, porque essa deve
manter-se rotineira, exclusiva, e assim preservar seu status, visto que não deve mudar
o registro de sabores que já possui. Neste circuito, um bom cozinheiro que queira
deslocar um cuscuz norte-africano por exemplo, deve considerar atentamente a
composição original da receita, e não tanto aos ingredientes dela, como o grão de
bico, molho picante, sêmola de trigo, entre outros, mas sim a arte de tratar a sêmola
para que se torne um bom cuscuz, também para a qualidade da carne que será usada,
uma vez que utilizada a carne errada, se torna um exemplo de uma má cozinha
internacional, indicando que o idealizador deste erro, não foi capaz de entender os
princípios da receita original.
Para Montanari (2013), é visível que no decorrer do último século a
homogeneidade do consumo se fortaleceu, seja pela facilidade de comunicação e
trocas, seja pela massiva presença de indústrias alimentícias multinacionais que
controlam os mercados. É enorme a quantidade de pessoas, de diferentes países,
117
classes sociais, culturas, que consomem Coca-Cola, suco de laranja, bife com batata
frita, massa, arroz, entre outros. A cerveja e o vinho se tornam cada vez mais
consumidos em lugares onde um predominava sobre o outro. O pão branco, que era
praticamente consumido só pela elite, hoje é item indispensável em muitos lugares. A
porção diária de consumo de carne aumentou em todos os lugares, inclusive naqueles
que são conhecidos por consumir mais vegetais, como os vinculados à cozinha
mediterrânea. É todo um novo universo alimentar, não elitista, mas de massa. Porém,
é necessário que perante essa expansão da globalização alimentar não ofusque os
modelos culturais antigos.
Neste sentido, os entrevistados expressaram seus sentimentos quando
questionados sobre as mudanças que o passar do tempo ocasionou em suas vidas.
Todos identificam as grandes mudanças de vida de seus avós, depois de seus pais,
deles e agora de filhos e netos, pois os valores e princípios também mudaram, além
das práticas de trabalho e relações familiares. Questionados sobre as diferenças na
alimentação e em que se tem disponibilidade e acesso, eles responderam:
Totalmente diferente pros meus filhos e pros netos então mudou mais um
pouco [...] agora ma mudo totalmente, totalmente, totalmente, a menina por
exemplo ela ta com 20 anos ela trabalha estuda mas ela, faze comida até ela
sabe, mas não sabe nem, se fosse dize, lava as roupas e passa ferro e faze
tudo como nós fizemo, não (APÊNDICE B, p. 170).
[...] agora eles fazem é tortei, é risoto, é galeto, essas coisa toda né,
antigamente não tinha aqueles tortei, aquele galeto, faz uns ano pra cá tem
tudo isso ai né, a gente mudo tudo (APÊNDICE C, p. 177).
Olha, o exemplo, acho que isso ai foi se perdendo sabe, os filós, que se
reuniam as famílias ai jogava baralho, ai era servido um brodo, era servido os
grostolis minha mãe fazia, conforme o grupo então, numa casa era uma coisa
na outra era outra, mas aqui eu lembro que a minha mãe falava que os
homem jogavam baralho e as mulher conversando ou alguma fazia trabalho
manual enquanto minha mãe preparava os grostoli e o café, ou o brodo com
eles achavam melhor né, isso ai, que eu lembro disso ai, depois o que mudou
um pouco foi no decorrer do tempo foi se perdendo muita coisa, por exemplo,
a minha mãe ela fazia um prato que é quando tinha sobras de pão ela de
manhã cedo a primeira coisa que ela fazia ela botava, ai ela fazia o seguinte
não botava fora nunca pão, porque diz que passaram necessidade quando
jovem né, então ela botava leite, açúcar, um pouquinho de sal, ovos e fazia
ela fazia, misturava bem, desmanchava bem aquele pão sabe? Bem
118
Olha, ninguém quer mais nada com nada, a preferência é acha pronto, eu
vejo pelo meus sobrinhos, não os mais velhos, por exemplo que nem o Gilmar
a Jacira, Janice, essas ai não, essas ai ainda toma a iniciativa fazem, mas
meus netos sobrinhos então isso não querem nada (APÊNDICE D, p. 190).
[...] ma te garanto que tu vai pergunta pra um rapaz ali de 14 15 anos uma
moça, não sabe nada, porque quando conversa também, agora tem aqueles
celulares ali, ninguém escuta ninguém (risos) (APÊNDICE D, p. 192).
Agora, meus netos por exemplo não aprendeu nada da colônia porque
nasceram na cidade, então na cidade, agora meu filho que trabalha mesma
coisa que o pai, só que mora na cidade né, ma ele sabe faze tudo o negócio
da colônia (APÊNDICE E, p. 197).
[...] hoje tu vai lá com dinheiro, tu compra o que tu qué, sem trabalha (risos)
(APÊNDICE E, p. 199).
Hoje? Ish, hoje a gente passa bem (risos), hoje a gente passa bem porque a
gente tem tudo que qué né (APÊNDICE F, p. 203).
Agora é assim sabe, tu chega no salão, todo mundo senta, todo mundo come,
vem o rifão e depois todo mundo vai embora, pronto quando é três hora já
acabo a festa, em vez ali na antigamente continuava até noite, pessoal
conversava os rapazes as moças, ai era muito melhor (APÊNDICE F, p. 206).
A hoje é diferente, hoje o churrasco é o prato principal porque uma que é mais
fácil de faze, mais rápido, o pessoal não que trabalha muito, e é diferente
hoje, hoje tem maionese essas coisas toda, ao invés daquela época lá a gente
fazia uma salada de batata com ovo ma tudo picadinho dentro assim no, nada
de maionese, bem diferente (APÊNDICE F, p. 207).
[...] porque hoje é só internet, é tudo, tv, e fica na tv olhando, só essas coisa
agora, mas aquela época era muito bom essas surpresa, esses filó, ai faziam
pipoca, cozinhava amendoim e ia de tudo, pinhão (APÊNDICE F, p. 207).
20 “Tal como acontece com todas as grandes invenções que mudaram o curso da história, o guia
MICHELIN não começou como o icônico guia de restaurantes que é hoje. De fato, suas raízes eram
muito mais simples: o pequeno guia vermelho foi originalmente concebido simplesmente para
encorajar mais motoristas a pegar a estrada. Pela primeira vez, contemplaram-se uma lista de hotéis
em Paris e listas de restaurantes de acordo com categorias específicas. Foram excluídos os anúncios
pagos do guia. Em 1926, o guia começou a conceder as estrelas aos restaurantes em destaque,
inicialmente marcando-os apenas com uma única estrela. Cinco anos depois, uma hierarquia de zero,
119
das opções desenvolvidas pelo Chef. A primeira coluna descreve as carnes e peixes,
que podem ser servidas cruas, semicozidas ou cozidas de várias formas diferentes.
Na segunda coluna se escolhe os acompanhamentos e na terceira os molhos. Isto
possibilita ao consumidor a montar um prato da forma que mais o agrada e a criar
pratos que podem cruzar etnias, ou seja, poderão ser pratos ítalo-indo-nipo-
mexicanos ou ainda outra coisa. As louças que servirão esses pratos também podem
variar, e os talheres podem ser substituídos por pauzinhos.
Fonte: guide.michelin.com
De acordo com Carneiro (2003), vale ressaltar que uma revolução silenciosa
tem importância para que a gastronomia e o prazer de comer se constituíssem no
formato que se conhece hoje, que foram as evoluções das maneiras à mesa. A
utilização do garfo substituindo as mãos, o uso do guardanapo, o pão redondo e chato
foi substituído pelo prato, o uso de cadeiras e da própria mesa, que ainda hoje
diferencia o Ocidente e o Oriente, onde por exemplo, os japoneses tradicionais ainda
comem sem o uso de cadeira, ou indianos que nem mesmo a mesa utilizam.
As bebidas também fazem parte deste processo, vinhos e águas têm
diferentes proveniências. Este modelo, não propõe um modelo único de consumo,
todos os exemplos citados neste texto a este respeito mostram o contrário. Todavia,
a globalização alimentar não apaga as diferenças dos locais. Alguns hábitos territoriais
específicos se mantêm, como o consumo de vinho pelos europeus mais ao sul e o
consumo de cerveja pelos europeus mais ao norte, mesmo que esse habito tenha
exceções. “Embora que condicionadas pela padronização dos consumos, as
uma, duas e três estrelas foram introduzidas e, em 1936, os critérios para os rankings estrelados
foram publicados” Disponível em: https://guide.michelin.com/br/sao-paulo/about-us. Acesso em:
18/10/2018.
120
Nesta etapa, o trabalho irá abordar o tema identidade. Para isso, teorias que
conceituam o tema serão descritas, e trabalhos de autores que façam relação entre a
identidade e a comida estarão presentes. Assim, a fonte que um povo utiliza para dar
significado às coisas refletidas em suas experiências, é o que Manuel Castells (2002)
indica como identidade. Por isso, o processo de concepção desses significados, com
base em características culturais, ou em um conjunto de atribuições culturais inter-
relacionadas representam o que é a identidade. Não fica difícil entender que as
identidades são construídas, mas como, a partir de quê, quem a constrói, e com que
finalidade, são pontos importantes no entendimento do conceito. A construção da
identidade se utiliza de material histórico, geográfico, biológico, de instituições
produtivas e reprodutivas, da memória coletiva, das fantasias pessoais, pelos apelos
religiosos e pelas relações de poder existentes nas sociedades.
Todos esses materiais são processados pelos sujeitos e grupos sociais, que
os reorganizam, ressignificando tudo de acordo com as tendências e projetos culturais
próprios. Sendo assim, Craig Calhoun (1994), com quem Castells (2002) dialoga,
sugere que não se tem conhecimento de comunidades ou povos que não tenham
nomes, idiomas ou suas próprias culturas, onde apareçam alguma forma de
diferenciação entre o eu e o outro, o nós e o eles. O autoconhecimento perpassa a
diferença entre o eu e o outro.
O conteúdo simbólico dessas identidades é determinante para a construção e
para o propósito delas, assim como o que elas significam para quem se identifica com
elas, ou as excluem. Sabendo que a concepção social da identidade se relaciona
diretamente com as concepções de poder, segundo Castells (2002), pode-se verificar
a diferença entre três formatos e origens de construções de identidades: (1) identidade
legitimadora; (2) identidade de resistência; (3) identidade de projeto. A identidade
legitimadora, é aquela que é utilizada por instituições que já dominam as sociedades,
e pretendem continuar a dominar os indivíduos, com o pano de fundo nacionalista. A
identidade de resistência, é aquela criada pelos indivíduos dominados, baseada em
impedimentos para os princípios das instituições dominantes. E a identidade de
projeto, é aquela que reúne o material cultural disponível para configurar uma
identidade diferente das anteriores, que seja capaz de redefinir seu lugar na
123
sociedade, e a partir disso, busca alterar toda a estrutura social já construída, como
exemplo pode-se citar o feminismo, que não se caracteriza como resistência, mas sim
enfrenta o sistema patriarcal, atingindo muitas outras estâncias, como a estrutura de
produção, reprodução, sexualidade e personalidade marcantes nas sociedades já
estabelecidas historicamente.
Diferente dos apontamentos de Castlles (2002), as discussões sobre o tema
identidade sempre estiveram em pauta, principalmente em teorias sociais. Stuart Hall
(2005) diz que no centro destas discussões encontram-se argumentos como o
enfraquecimento de velhas identidades, que a longo tempo consolidaram o mundo
social, dando lugar a novas identidades que fragmentam os indivíduos
contemporâneos, que até então eram vistos como sujeitos consubstanciados. Para
entender melhor essa fragmentação atual da identidade, é importante distinguir as três
concepções distintas sobre identidade: o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico e
o contemporâneo.
O sujeito do Iluminismo tinha uma construção centrada, unificada, que nascia
com ele, se desenvolvia com o seu crescimento, mas permanecia estática, ou idêntica,
ao longo da vida. O ser era sua identidade, e o individualismo era uma marca da
época. Já o sujeito sociológico mostrava uma maior complexidade, perdendo a
individualidade e a autonomia, relacionando a identidade com as pessoas que eram
importantes para ele, aqueles que interviam sobre valores, sentidos e símbolos, ou
seja, a cultura, da sociedade que faziam parte. Neste ponto de vista, a identidade se
forma a partir da interação entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda apresenta um
centro, o eu real, mas se transforma quando interage com culturas diferentes e as
identidades inseridas nesta nova cultura.
Deste modo, projeta-se “nós mesmos” em identidades culturais, juntamente
com a internalização de significados e valores dessas culturas, que acabam fazendo
parte do que o sujeito diz ser. Assim, a identidade une os sujeitos aos processos
culturais em que habitam. Entretanto, todo esse processo está em mudança, o sujeito
está se tornando fragmentado, portando não somente uma identidade, mas muitas
delas. Esta fragmentação possibilitou o surgimento do sujeito contemporâneo, que é
aquele que não tem uma identidade fixa ou permanente. Neste caso, a identidade
passa a ser móvel, gerada e transformada constantemente. Assim é possível que os
sujeitos assumam identidades diferentes em momentos diferentes. “[...] à medida em
que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos
124
como se estivesse unida, sob a perspectiva de ser uma pessoa unificada. Por estes
aspectos que a psicanálise identifica a origem da identidade.
Sendo assim, a identidade é algo que se forma, ao longo do tempo, não algo
inerte, que passa a existir no momento do nascimento. E como não é estática,
permanece incompleta, sempre em processo de formação. Hall (2005, p. 39) afirma
que:
como realidade, como sonho, ou seja, aqueles que podem consumir, ou aqueles que
sonham em consumir. Assim, as identidades nacionais são representadas pelo
vínculo ao local, eventos, símbolos, histórias pessoais, que podem ser formas
particulares de se sentir pertencente. Essas questões se tencionam com as
identidades mais universais, como por exemplo uma identificação maior com a
humanidade do que com a brasilidade.
Isto posto, identifica-se a identidade relacionada à comida, pois um dos pontos
importantes deste aspecto, de acordo com Montanari (2013), é o comer junto, porque
é tradição na raça humana. Quando reunidos, os gestos que sozinhos são funcionais,
passam a ser comunicativos, ou seja, a reunião imediatamente dá sentido aos gestos
que envolvem o comer. Assim, a comida passa a exercer um papel cultural, além de
nutrir. Nas sociedades contemporâneas, onde há abundância alimentar, a comida
perde o valor nutricional, enfatizando os outros significados. Desta forma, a
alimentação se constitui como um sistema linguístico cheio de valores, pois em
qualquer nível social, a aceitação de alguém à mesa, é o primeiro indício de
pertencimento ao grupo, podendo ser a família, ou outros grupos maiores como uma
confraria, uma corporação, que afirmam à mesa suas identidades coletivas.
Para Maciel (2005), há um encontro de cultura e natureza na alimentação dos
sujeitos, porque comer é necessário, mas a escolha do que comer, quando e com
quem, são processos que fazem a alimentação ganhar significados. Desta forma, esse
fenômeno não é somente a forma de manter a nutrição, pois mesmo isso está
relacionado ao sistema cultural que se está inserido, ou ao que se prefere seguir. E
assim, se tem diferentes formas de nutrir-se, indicando uma grande diversidade
cultural. Indo além de questões biológicas, alimentar-se é um ato social e cultural que
produzem variados sistemas alimentares. A criação destes sistemas mistura fatores
ecológicos, históricos, culturais, sociais e econômicos diretamente relacionados às
representações de uma sociedade. “Assim, estando a alimentação humana
impregnada pela cultura, é possível pensar os sistemas alimentares como sistemas
simbólicos em que códigos sociais estão presentes atuando no estabelecimento de
relações dos homens entre si e com a natureza” (MACIEL, 2005, p. 49).
Se o comer junto pode representar uma metáfora da vida, Montanari (2013)
diz que não está sempre em perfeita harmonia, representando também as relações
que acontecem no grupo. Como por exemplo, as diferentes atribuições entre homens
e mulheres em diferentes sociedades, homens sentados, mulheres ao redor prontas
128
feijão, o tomate, as batatas, o milho, entre muitos outros que vieram das américas. “As
identidades não estão escritas no céu” (MONTANARI, 2013, p. 188).
Na contemporaneidade, Maciel (2005) diz que devido à
internacionalização/globalização, os chamados fast-food, restaurantes de comidas
rápidas, e os restaurantes étnicos, expandiram. Houveram aqueles que enxergavam
essas inovações como ameaças às cozinhas mais tradicionais, mas o contrário
aconteceu, aumentou o consumo de fast-food, mas não acabou com as outras
cozinhas, fortaleceu a comida tradicional local, como forma de afirmação da
identidade da comunidade. Há muito o que estudar a respeito das identidades, mas é
sempre importante lembrar que não se deve olhar para ela como uma coisa estática,
concreta, mas algo que se transforma e que possui múltiplos sentidos. O ato de comer,
em uma cozinha organizada, é símbolo de uma das muitas identidades do ser
humano, por onde é possível se orientar e se diferenciar de outros, assim como a
língua. Neste sentido, as cozinhas viabilizam a percepção e a expressão de estilos de
vida de determinado indivíduo ou grupo, onde fica claro o sinal de pertencimento e o
código de reconhecimento social.
Repetindo que a comida revela a identidade, e oportuniza sua alegação,
Denise Amon (2014) aponta que os modos de preparos de pratos que são passados
de geração para geração, seja por meios orais ou escritos, afirmam a identidade e ao
mesmo tempo a transformam, pois quem executa a receita altera o seu ato de fazer,
que pode ser a adaptação de ingredientes ou procedimentos, convertendo assim a
tradição daquele preparo. As comidas de comunidades de imigrantes têm um
vislumbre a parte, pois por um ponto de vista precisam se manter estáticas, garantindo
a identidade do grupo, mas por outro, dependem da realidade do local, em relação ao
acesso de ingredientes, tendo que realizar alterações para manter a receita.
As relações entre comida e identidade se tornam obstáculos quando se pensa
em transformações de hábitos alimentares. A comida e os ritos que envolvem o
alimentar-se são representações, e compreender estas representações apontam para
conjecturas nas mudanças alimentares, mesmo assim, sendo processos complexos,
levam tempo para modificarem-se. A dificuldade da transformação apresenta um
ponto importante das representações, que é a questão afetiva manifestada nas
crenças.
131
Olha, foi bom, mas assim, teve umas pergunta que me fizeram, o que que
nós tinha ido faze lá? Eu disse que a gente tinha ido pra ve da onde que
saíram nosso descendentes né, que saíram da Itália, então, as nossas raízes
né, mas então diz ela, numa loja lá foi isso, ela disse, ma vieram faze o que
aqui na Itália que o Brasil é belíssimo (APÊNDICE B, p. 161).
Caiu da moda, mas uma vez se arrumava as roupa, costura, com 8 anos eu
costurava, costurei um macacãozinho pra minha irmãzinha, que ela não tinha
roupa, a mãe corto e deixou ali, com 8 anos eu costurei e vesti nela e levei
ela pra mama na roça (APÊNDICE B, p. 169).
Não, quere eu gostaria de ter ido, agora nessa época não, mas antigamente
eu gostaria de ter ido pra Itália, que a minha vó veio da Itália, ela me contava
muita coisa de lá da Itália né (APÊNDICE C, p. 173).
Por exemplo, o que eles comia lá, como é que eles vivia, no inverno, onde
eles dormia junto de, aonde dormia as vaca os bichos e eles dormia lá dentro
132
que não tinha casa pra dormi, que era inverno então era tudo aquele quente
que era dos próprios animais que davam pra eles né, e comia comida, era
tudo coisa mais simples, feijão, arroz, polenta fazia bastante, carne de porco,
radicci, verdura assim bastante também, lá na Itália e é isso né (APÊNDICE
C, p. 173).
Antigamente não era na comunidade, quando casei, uns ano, era cada um,
fazia festa cada um era em casa, convidava seus amigo na família, não era
na sociedade, era em família, então, por exemplo, eu tinha os meu parente,
parente do marido e então era lá em casa, então a gente fazia uma sopa, um
churrasco e pão e salada era isso, e depois começo a faze mais salões de
festa ai começaro faze no salão, que dava muito transtorno assim pra faze
cada um na família, era muito trabalho né, então fizero isso ali né (APÊNDICE
C, p. 177).
[...] de Nova Milano eles vieram mora ali onde que é o Mario Bampi, aí do
lado do salão, ali que é a morada dos meus antepassados até existe ainda a
casinha onde eles tavam morando né (APÊNDICE D, p. 186).
[...] e olha pra nós graças a deus como meus pais contavam, nunca falto
comida, então assim, graças a deus nunca falto comida, nunca, pobrezinho
sim com condições financeiras poucas que não tinha como produzi né, então
era polenta, queijo salame que eles faziam com o que produziam né, era
assim que vivia, carne de mercado não, eles não tinha, porque não tinha
dinheiro pra compra (APÊNDICE D, p. 186-187).
Então assim eles contaram que foram chutados de lá porque prometeram que
aqui no Brasil tinha a tal da cucanha, tinha até salame pendurado em árvores,
e os pobrezinhos vieram, confiando né, vieram e aqui encontraram o que?
Mato, né, sem casa sem moradia, sem condições de construí, e aí sabe isso
aí me marco, eu disse po, com tanta coisa bonita aqui no Brasil pra vê porque
que a gente vai pra Itália, que terá coisa mais interessante lá vê onde nosso
antepassados saíram né, mas não me atrai (APÊNDICE D, p. 185).
Lá era de muito sacrifício, diz que passavam, eram muito podres, o governo
diz que não ajudava em nada, por isso que eles se afastavam de lá e vinham
pra cá, por causa que lá não tinha, não tinha futuro, tinha muita população, e
aqui não tinha então eles vieram pra cá (APÊNDICE F, p. 203).
Já Hall (2005) aponta que na atualidade o sujeito não tem mais uma
identidade estagnada, que nasce e morre com o indivíduo, diferente do sujeito do
iluminismo e o sociológico. O sujeito contemporâneo tem muitas identidades, uma
para cada tipo de ocasião, cada grupo social, cada espaço de convívio. Essas novas
identidades surgem quando há interação com culturas diferentes, modos de vida
diferentes. Os entrevistados, vivem muito tempo em contato com as mesmas pessoas,
outros moradores da comunidade, mas seus filhos e outros conhecidos, moradores
de meio urbano, interagem e proporcionam este cruzamento de culturas, fazendo com
que as novas identidades apareçam. Estes são alguns comentários que corroboram
neste ponto:
Não, bem diferente, bem diferente, as massas la, eles fazem bastante massa
né, os tempero deles bem diferentes, eles usam bastante o, como é? O
manjericão né, e que nós por exemplo aqui na minha casa não uso, tem gente
que usa que ocupa né faze os molho e tal né mas não ocupo (APÊNDICE B,
p. 162).
Olha, tem coisa parecida que agora a gente tem muita outras coisas, a gente
faz curso, tem outras comida muito diferente, só que é comida mais que faz
mal do que bem, e naquela época era uma coisa mais boa, mais, como é que
eu digo, verdadeira, não tinha tratamento, não tinha nada dessas coisas né,
e agora tudo vem do mercado, tudo vem com porcaria junto não é mais aquela
comida que tu faz, por quanto que tu cuida mas não é, o que tu compra tu
não sabe o que vem na tua mão, porque naquela época não tinha né
(APÊNDICE C, p. 175).
134
[...] porque quando a minha mãe fazia o fermento era diferente, o fermento
ela fazia com batata, ela ralava a batata e botava açúcar e sal e deixava
fermenta, quando fazia o pão então ela reservava uma parte daquele
fermento pra próxima vez então ela reforçava então ela botava mais uma
batata mais um poquinho de açúcar um poquinho de sal então ela levava um
dia inteiro pra fazer o pão, porque tinha que deixar crescer né, e agora não,
agora é feito com a máquina e as formas são iguais só o fermento é de
mercado né (APÊNDICE D, p. 187-188).
A bom, hoje tu vai lá com dinheiro, tu compra o que tu qué, sem trabalha
(risos) (APÊNDICE E, p. 199).
Hoje? Ish, hoje a gente passa bem (risos), hoje a gente passa bem porque a
gente tem tudo que qué né, naquela época por exemplo tu comia tomate só
na época né, quando tu plantava que vinha porque não era sempre que dava,
agora com as estufa, com todos esses coisas novas que tem ali, tem toda
hora, todo dia, vai no mercado se não tem aqui eles vem de fora né, então
agora é super bom (APÊNDICE F, p. 203).
A sopa de agnoline, a lesso, crem, pao, vinho é... massa e risoto (APÊNDICE
A, p. 158).
Aqui a gente faz também bastante é tortei, os agnoline, tudo esse tipo de
massa (APÊNDICE B, p. 165).
[...] por isso que eu digo de repente nem é uma farinha como era antigamente,
e aquela farinha fina eu fazia bastante aquela, antigamente era aquela farinha
de moinho verdadeiro de pedra, e agora em vez é quase farinha comprada,
aquela farinha de pedra, apesar de que ninguém, assim mesmo não gostam
muito dessa polenta de farinha fina, a minha família, tem gente que nem meu
genro, minha filha ela faz com aquela farinha fina, aquela polenta eu até gosto
daquela, é boa, só que é mais difícil pra começa ela, que ela “embalota” muito
assim (APÊNDICE C, p. 176).
A parte da comida olha, não posso me queixa, a comida tava boa por tudo
onde fomos, fomo bem aceito e a comida, ótima (APÊNDICE B, p. 162).
As minhas neta quando vem na casa da vó é ‘vó faz os macarrão’, o que elas
adoram é o macarrão e o sagu com creme, que ainda são comidas antigas
né, embora que os primeiros não tinham maquina pra faze os macarrão né,
então eles amassavam a massa com o rolo em cima da mesa né e cortava
assim, mas (APÊNDICE F, p. 203).
E a minha mãe fazia aqueles prato com, eu adorava quando chegava a festa,
que ela botava aqueles bife à milanesa com aqueles bolinho de batata,
bolinho de batata, ela fazia que nem um croquete assim sabe, cozinhava as
batata, ela cozinhava as batata, um quilo de batata, dois ovos, duas colheres
de sopa de farinha de trigo, sal ela botava um pouquinho de salsa, um
pouquinho de pimenta a gosto e depois esmagava tudo e modelava, fazia uns
croquete, passava na farinha de rosca ou farinha de trigo e fritava, ficava uma
delícia (APÊNDICE F, p. 207).
Nós temo nosso padroeiro né que agora nós vamo te a festa dia 8 de julho,
então é sempre assim, o padroeiro, depois tem outras coisa, depois nos temo
uma tortelada, numa outra ocasião em setembro e é isso aqui na nossa
comunidade, mas em geral, no geral aqui, é isso que acontece então
(APÊNDICE B, p. 167).
É aqui em São Virgílio, não eu gosto da festa aqui em São Virgílio, todo
mundo de acordo, se faz uma festa muito bonita, bom tu foi ainda em festa
aqui né? (APÊNDICE E, p. 195).
E a gente tem que se ajuda né, participa, se não não sai nada né, e tu fica
sempre em casa como é que não pode sabe alguma coisa né (APÊNDICE E,
p. 196).
As festas antigamente era uma festa por ano que eles faziam na comunidade,
não tinha salão, tinha assim, só tinha a igreja e um pequeno boteco, bodega
eles chamavam né, e nesses festas então o pessoal ia pra festa, então vinha
de todas as comunidades da redondeza né, e nessas festa então a família
fazia em casa a festa, então me lembro que lá em casa tinha uma sala grande
então a gente estendia aquela mesa que cabia lá umas 20, 25 pessoas
(APÊNDICE F, p. 206).
Embora que hoje, hoje não tem mais aquela, antigamente o pessoal assim
de lazer essa coisa, eles iam muito no filó, de noite, então eles iam nas
famílias, porque não tinha rádio, não tinha nada pra se comunica, não tinha,
então eles tratavam, bom tal noite nós vamo na família tal, vamo faze uma
surpresa, alguém estava de aniversario, bom na minha família por parte do
meu pai, todo mundo tocava, então lá era bandeon, era acordeon, era, então
era aquela festa, então cada um levava alguma coisa pra comemora lá, um
bolo, uns grostoli, alguma coisa eles faziam né, então lá dançavam pulavam
140
dentro de casa assim, era uma beleza, dia de hoje não tem mais isso
(APÊNDICE F, p. 207).
[...] outras coisas assim vai se perdendo porque a gente fala, aqui em casa
ainda quando vem meus sobrinhos a gente fala muito desses antepassados,
o que fizeram pra construção da igreja a construção da comunidade, a gente
fala muito dessas coisa, ma te garanto que tu vai pergunta pra um rapaz ali
de 14 15 anos uma moça, não sabe nada, porque quando conversa também,
agora tem aqueles celulares ali, ninguém escuta ninguém (risos) (APÊNDICE
D, p. 192).
141
As minha neta, tenho duas neta só então elas, uma ta se formando agora
arquiteta e a outra ta tirando administração de empresa, então já elas não
vão mais naquele que nem nós assim né, de trabalha faze comida essas coisa
toda, porque o dia de hoje tem empregada né então eles, facilita, é que elas
trabalham fora né então se obrigam, se obrigam a pega empregada né,
faxineira essas coisa toda, mas nós continuamo na tradição (APÊNDICE F,
p. 208).
fácil, influencia todas as outras famílias da comunidade a fazer o mesmo. Desta forma,
a identidade vai se transformando.
Assim, de acordo com Montanari (2013), toda a história contada lembra uma
cultura, uma tradição, uma identidade resultante de uma história dinâmica nascida de
trocas, cruzamentos e contaminações. Os modelos de práticas alimentares são os
resultados de encontros entre culturas diferentes, proporcionada pela circulação que
o homem fez ao longo do tempo e dos locais do mundo. E quanto mais essas trocas
aconteciam, mais interessante as culturas alimentares, e a cultura geral, se tornavam.
Um intrincado sistema existe quando se tenta buscar as raízes, mesmo que feita com
método crítico, não chega a definir um ponto de início, mas sim um cruzamento de
linhas e vai ficar cada vez mais complicado de desfazer os nós. Desta forma, somos
nós (humanos) que somos o ponto de início, pois a identidade não existe no início,
mas sim no final do trajeto.
143
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
da cidade de Caxias do Sul, mas não abrange todo o território rural da cidade. São
Virgílio da Segunda Légua, fica muito próximo, territorialmente, mas é uma localidade
a parte. Quem não tem o conhecimento correto das restrições geográficas, denomina
todo o território próximo de Forqueta com este nome, como eu fiz por muitos anos,
mas são localidades diferentes. Acredito que seja relevante essa observação, porque
todos os entrevistados deste trabalho, são moradores de São Virgílio da Segunda
Légua, e não de Forqueta. Destaca-se, no entanto, que optamos pela permanência
com o foco em Forqueta, pois toda a região é gerida pela subprefeitura de Forqueta21,
fato que apoia a percepção de todos sobre a localização da “região de Forqueta”.
Após revisitar a história dos antepassados dos nossos entrevistados,
entramos na parte principal, e abordamos a comida como um processo cultural. Neste
terceiro capítulo, ousamos em aprofundar o tema comida em três etapas, e cada uma
das etapas atrelamos um conceito de cultura diferente. Digo que ousamos, porque é
difícil estabelecer um conceito de cultura e sustentá-lo durante todo desenvolvimento
do trabalho, porém, a comida é tão diversa como objeto de estudo, e as três áreas
que optamos por descrevê-la casaram tão bem com estes três diferentes conceitos
de cultura, que foi produtivo para a ciência e muito mais para mim como pesquisador.
Iniciamos esta etapa informando a metodologia do trabalho, a pesquisa
bibliográfica e a história oral. Seria muito difícil alcançar os resultados deste trabalho
sem a história oral, pois foi através das entrevistas que encontramos informações
importantes que documentaram o necessário para a elaboração do texto. Então, o
primeiro aspecto da comida que investigamos foi a produção. E o conceito de cultura
atrelado a esta etapa foi publicado por Bronislaw Malinowski (1975), pois se baseia
no elo entre o homem e a natureza.
Pertinente à comida quando produzida, porque foi neste ponto que
presenciamos o nascimento da agricultura, e as transformações de algumas raças de
animais selvagens em domésticos, onde o homem deixa de ser nômade, abstendo-se
de comer somente o que encontra pelo caminho, e se fixando em determinados locais,
assim aprendendo a lidar com a terra, para que ela provenha o seu alimento. É
também nesta etapa que aparecem as primeiras tentativas de conservação de
comidas e alimentos e como essas primeiras civilizações lidavam com a fome. Todos
REFERÊNCIAS
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152
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perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Companhia das letras, 1995.
APÊNDICES
155
Entrevistador: então tá, pra gente começa, dona Itamyra, eu só preciso que a
senhora me confirme então, pra fica gravado, o seu nome, sua idade, onde a
senhora nasceu
Entrevistado: sim
Entrevistador: e onde a senhora mora
Entrevistado: agora?
Entrevistador: sim, pode começar
Entrevistado: mas onde que eu moro agora ou?
Entrevistador: agora, ou onde a senhora morou desde
Entrevistado: morava lá na conceição, sim na linha Feijó, na conceição né
Entrevistador: a sim
Entrevistado: nasci lá
Entrevistador: a é mesmo?
Entrevistado: mas depois vim pra cá né
Entrevistador: lá em cima, lá no centrinho?
Entrevistado: na conceição
Entrevistador: qual é a sua idade, dona Itamyra?
Entrevistado: 82
Entrevistador: 82, e a senhora já viajou para a Itália alguma vez?
Entrevistado: já
Entrevistador: já? E como é que foi? Me conta um pouco da viagem? Faz quanto
tempo?
Entrevistado: meu deus agora, Sérgio? O Sérgio? Quanto tempo será que eu fui na
Itália? Não me lembro. Acho que foi 15 ano faz
Entrevistador: 15 anos?
Entrevistado: mais ou menos. Ah? (Sérgio: quindici), eu acho 15 anos.
156
Entrevistador: 15 anos. E como é que foi assim, o que que a senhora encontrou
lá? O que a senhora mais gostou?
Entrevistado: olha gostei, café da manhã muito bom
Entrevistador: é?
Entrevistado: só que de meio dia carne não tinha de vaca só de porco, aí não gostava
Entrevistador: faltava alguma coisa
Entrevistado: faltava, mas se não era muito bom, a gente tudo...
Entrevistador: foi interessante então?
Entrevistado: foi interessante
Entrevistador: tá, e da família da senhora, a senhora conhece, como é que era,
como é que foi a vinda dos seus familiares aqui pro brasil?
Entrevistado: meu pai?
Entrevistador: foi seu pai que veio?
Entrevistado: não, eu nem conheci eles, sim o avô do meu pai era
Entrevistador: o vô do seu pai que veio?
Entrevistado: sim
Entrevistador: então seu bisavô?
Entrevistado: sim, mas ele não falou nada de lá
Entrevistador: não?
Entrevistado: só fala, só diz que vieram pra cá e não tinha nada, fizeram tudo...
Entrevistador: do zero?
Entrevistado: do zero, sabe como é que é?
Entrevistador: entendi, e então, mas a senhora conheceu ele?
Entrevistado: quem o?
Entrevistador: o seu bisavô?
Entrevistado: um sim conheci. Boa tarde nega!
Entrevistador: olá. Oi. Tá então seu bisavô veio, mas ele não contava nada da
história de lá?
Entrevistado: não contava nada, não
Entrevistador: não. Tá. E como é que era nessa época assim, como é que
funcionava a comida, porque se eles chegaram e não tinha nada, tiveram que
construir as coisas, a comida era meio
Entrevistado: era meio ruim
Entrevistador: era trabalhoso né?
157
Entrevistado: era trabalhoso, não tinha nada, depois ainda, antes de fazer, se faze
não foi fácil né, só que meu pai dizia se comia só feijão de noite era só sopa e vai
Entrevistador: sopa de que, a senhora sabe?
Entrevistado: sopa de feijão
Entrevistador: sopa de feijão?
Entrevistado: sim
Entrevistador: e o milho, como que era? Como que usava o milho? Polenta,
essas coisas?
Entrevistado: se fazia polenta, a única coisa que se comia era a polenta, porque pão
não tinha
Entrevistador: olá
Entrevistado: era muito difícil pra faze pão, meu pai dizia sempre: tem que plantar
trigo. Mas nem tinha trigo né, que era muita terra.
Entrevistador: então tá. E agora assim, pensando um pouquinho nessa comida
que é feita aqui hoje, o que que a senhora vê de diferença do que era nessa
época, lá do seu pai, seu bisavô
Entrevistado: sim
Entrevistador: pra hoje?
Entrevistado: era tudo bem dize diferente agora né, porque uma vez era, não tinha
muita coisa, a gente comia um ovo em 7 pessoa, na minha família, não aqui, si quando
morava na conceição né, não tinha
Entrevistador: sim, e ai hoje então come tudo que
Entrevistado: hoje (risos)
Entrevistador: tudo que tem vontade
Entrevistado: (risos)
Entrevistador: e quais são as comias que vocês mais gostam de comer? O que
vocês mais preparam aqui?
Entrevistado: aqui? Mais? A massa e que, carne também, todo dia tem que te carne
né
Entrevistador: tem que ter?
Entrevistado: porque antigamente não tinha carne né
Entrevistador: então hoje aproveita e come todo dia?
Entrevistado: todo dia
Entrevistador: e a massa?
158
Entrevistador: que coisa né. A senhora acha que quanto tempo ainda dura essas
coisas?
Entrevistado: não sei, acho que ta mal o negocio
Entrevistador: é difícil né. Porque tem que te pessoas
Entrevistado: sim
Entrevistador: pra manter isso, e os jovens
Entrevistado: agora o povo não vai mais na igreja
Entrevistador: entendi. Então tá, acho que a gente pode já, era mais ou menos
isso
Entrevistado: sim
Entrevistador: né, não sei a senhora quer me contar mais alguma coisa assim
como é que funciona, se a senhora lembra de alguma coisa, uma história que é
antiga assim, alguma foto, se a senhora tem alguma foto
Entrevistado: de?
Entrevistador: dos seus pais, dos seus bisavôs, alguma coisa
Entrevistado: ma nem da minha mãe não tenho foto
Entrevistador: não?
Entrevistado: como que eu queria conhece, mas olha meu pai nem me deixou uma
foto
Entrevistador: que pena. Então ta bom, eu acho que era isso pra hoje.
Entrevistado: (risos)
Entrevistador: Muito obrigado então.
161
Entrevistador: sim, então tá, Helena então, a gente começa a conversa assim,
eu queria saber se você já esteve na Itália?
Entrevistado: já
Entrevistador: me conta como foi a visita?
Entrevistado: foi ótima, com uma viagem ótima
Entrevistador: a senhora conheceu muitos lugares?
Entrevistado: é, fomos em bastante lugares, fiquemo 18 dias
Entrevistador: bastante coisa
Entrevistado: bastante coisa, mas nossa viagem foi mais assim técnica pra ver de
agricultura, coisas da agricultura, parreira, nós visitemo, visitemo cantinas, e como é
que vo te dize, gado, gado de leite umas coisa assim que a gente visito mais
Entrevistador: entendi. E o que que a senhora tinha de expectativa assim, do
que que tinha lá, do que que a senhora achava que ia encontrar, ou do que que
a senhora não achava que ia encontrar mas encontrou, como é que foi assim a
chegada assim?
Entrevistado: olha, foi bom, mas assim, teve umas pergunta que me fizeram, o que
que nós tinha ido faze lá? Eu disse que a gente tinha ido pra ve da onde que saíram
nosso descendentes né, que saíram da Itália, então, as nossas raízes né, mas então
diz ela, numa loja lá foi isso, ela disse, ma vieram faze o que aqui na Itália que o Brasil
é belíssimo
Entrevistador: olha, ela prefere aqui do que lá
Entrevistado: é, ela acho que o Brasil é bem melhor que a Itália
Entrevistador: e o que a senhora acha?
Entrevistado: o Brasil
Entrevistador: prefere?
Entrevistado: sim, toda vida, eu não saberia vive lá, não
Entrevistador: porque?
162
Entrevistado: bom, saíram de lá porque faltava até comida né, isso e a chegada não
foi fácil, foi bem difícil, porque chegaram e não tinha nada nada além de uns galhos
de arvore pra eles dormi, corta os galhos das arvores pra dormi, e não sei como é que
eles comiam naquelas horas né
Entrevistador: pois é
Entrevistado: depois no dia seguinte quem sabe lá alguém acho que alguém socorreu
eles, porque se não eles não iam aguentar é não iam pode sobreviver né
Entrevistador: isso a senhora sabe porque os seus pais lhe contaram
Entrevistado: sim
Entrevistador: que os avos contaram
Entrevistado: que os avos contavam pra eles que foi muito difícil o começo né pra eles
aqui
Entrevistador: e eles falavam sobre essa parte da comida, o que que eles, já que
era tão difícil assim, como é que eles faziam?
Entrevistado: o que mais eles comiam então era caça, tinha caça que dava medo,
comiam até carne pura
Entrevistador: sim
Entrevistado: então passarinhos, e sei lá se bichinhos de mato, comiam bastante
carne, até carne pura porque não tinha, eu me lembro que teve um senhor que falô,
esse é daqui mesmo, ele falô que eles iam na mesa e ele dizia pros filho: comem
carne, porque a polenta tá escassa tem pôca, comem carne bastante, porque carne
tinha até
Entrevistador: sim. E a senhora comeu bastante carne lá na Itália?
Entrevistado: não, tudo na medidinha
Entrevistador: mas tinha carne?
Entrevistado: tinha carne, sim, carne tinha, ma tudo vinha um bifinho olha desse
tamainho e deu
Entrevistador: não tinha fartura?
Entrevistado: não não não. Em lugar nenhum, não fartura não chegamo a ve
Entrevistador: a senhora acha que tem alguma coisa assim dessa época dos
avos e bisavós que vocês hoje ainda fazem, em relação a comida tipo, a polenta
é feita do mesmo jeito, essas caças ainda se caça ou não caça mais?
Entrevistado: não se caça mais, nada nada nada. Mas mesmo não tem agora caça
não teria né, só se fosse ir lá pra fora nas perdiz ou qualquer outra coisa, mas aqui
164
não teria caça não, nenhuma, não teria. E a polenta eu já não faço mais que nem os
nono né, que nem a minha mãe fazia, não
Entrevistador: o que que mudou?
Entrevistado: mudou que eu faço numa panela e tampo ela e ela se cozinha sem ta
mexendo toda hora, mexo de vez em quando e deixo lá, é
Entrevistador: e a sua mãe fazia mexendo todo tempo?
Entrevistado: minha mãe mexendo todo tempo, e com a panela dentro do fogo sabe
aqueles
Entrevistador: sim, o taxo?
Entrevistado: o taxinho de polenta que a gente abria os arco e colocava, e ela ia
mexendo todo tempo
Entrevistador: o que que vocês aqui na família assim mais fazem, qual é a
comida que tem sempre, quase sempre?
Entrevistado: que tenho sempre, bom feijão e arroz sempre né, feijão e arroz depois
um dia faço uma polenta, um frango com molho, uma massa, um aipim, umas coisa
assim
Entrevistador: então, o arroz e feijão sempre?
Entrevistado: sempre
Entrevistador: mas dai sempre tem uma outra coisinha?
Entrevistado: sempre tem outro prato, sim um legume cozido, sempre a gente faz um
outro prato junto, sempre
Entrevistador: então a gente pode dizer que essa é a comida que vocês mais
gostam de comer?
Entrevistado: sim, mais
Entrevistador: eu posso dizer que é o arroz e o feijão ou posso dizer que é o
acompanhamento?
Entrevistado: o acompanhamento, (Marido da entrevistada: não é só, sim depois um
dia é uma carne de molho outro dia) sim, um dia, claro um dia é carne de molho, um
dia é bife um dia bife à milanesa
Entrevistador: a carne sempre tem?
Entrevistado: uma carne nunca falta (Marido da entrevistada: sim, nunca falta, graças
a deus) nunca, é
165
Entrevistado: e faz bastante e o resto a gente guarda no freezer pra fazer em outas
ocasiões né
Entrevistador: sim. E a sua mãe fazia assim também ou?
Entrevistado: não, ela nem tinha freezer coitadinha, eu fiz ora casá e depois ela
comprou uma geladeira
Entrevistador: e como é que fazia assim?
Entrevistado: a gente fazia então tudo na hora, fazia e comia
Entrevistador: tinha que fazer na hora
Entrevistado: sim, era o jeito né, fazer na hora
Entrevistador: mas ela já fazia a massa ou?
Entrevistado: nossa se ela fazia, aprendi com ela
Entrevistador: sim, e ela aprendeu com quem?
Entrevistado: com a mãe dela
Entrevistador: e ela contava?
Entrevistado: contava, ma eu convivi com a vó, com a mãe dela, vivi bastante, convivi
bastante
Entrevistador: e vocês falavam o dialeto sempre?
Entrevistado: sim, sempre o dialeto
Entrevistador: o português?
Entrevistado: muito pouco
Entrevistador: e foi aprendendo depois assim?
Entrevistado: é isso depois de grandinhos na escola, na escola comecemo a aprende,
porque o pai e a mãe não falava, na família ninguém falava, então ali nos aprendemo,
na escola mesmo
Entrevistador: sim. E o Irineu chama a senhora de cozinheira, eu queria que a
senhora me explicasse um pouco porque
Entrevistado: olha, faz 30 anos que eu sou chefe de cozinha aqui na nossa
comunidade
Entrevistador: ai que bom
Entrevistado: então ali, mas é aquela tradicional, eu faço a sopa de agnoline, a gente
faz os agnoline nos dias antes e depois no dia a gente faz a sopa tem o galeto no
espeto tem o churrasco, mas isso com os homem né, a minha parte é faze a sopa, o
risoto, a maionese, cuida de todas essas coisas, saladas, é cuida disso
Entrevistador: mas então a senhora coordena todo o pessoal que ajuda a faze
167
Entrevistado: sim, eu tenho uma equipe que me ajuda, bem todas queridas que
colaboram
Entrevistador: e esses preparos que vocês fazem nessas festas é o que já faz
em casa né, não tem nada que?
Entrevistado: sim, nada de especial, não, não, o que a gente sabe faze é que saiu de
casa né
Entrevistador: que foi o que aprendeu com a vó com a mãe
Entrevistado: foi com a vó, com a mãe é
Entrevistador: e ai essas festas elas acontecem no dia do, eu queria saber um
pouco assim de como é que são essas festas e quando
Entrevistado: nós temo nosso padroeiro né que agora nós vamo te a festa dia 8 de
julho, então é sempre assim, o padroeiro, depois tem outras coisa, depois nos temo
uma tortelada, numa outra ocasião em setembro e é isso aqui na nossa comunidade,
mas em geral, no geral aqui, é isso que acontece então
Entrevistador: e a senhora vai pra outras festas de outras comunidades ou?
Entrevistado: eu ia pra mais duas, mas agora eu to parando
Entrevistador: é?
Entrevistado: to parando de ir nas outras duas
Entrevistador: mas daí esse ia, era ir pra trabalhar?
Entrevistado: o sempre pra trabalha eu ajudava em São Martinho aqui na primeira
capela vizinha e depois eu ia pra Santo Antônio do Serro da Gloria que é bem lá em
baixo no é
Entrevistador: mas é Forqueta isso ainda?
Entrevistado: não, lá deve se Vila Cristina
Entrevistador: a tá, mais lá pra baixo
Entrevistado: é lá pra baixo deve se Vila Cristina, lá eu ajudei também por 31, 32 anos
Entrevistador: nossa
Entrevistado: é faz anos que eu, por isso que eu disse bah esse ano acho que é meu
encerramento
Entrevistador: a despedida
Entrevistado: é, mas pode se que eu ajude né, mas gostaria de para de se a chefe né,
porque é uma responsabilidade
Entrevistador: sim
Entrevistado: porque as vezes da 700 pessoas
168
coisa da sopa, mas no trabalho do Irineu era diferente porque, eu perguntei pra
ele o que que a gente, o que que daria pra muda, então por exemplo, eu não sei
se vocês já viram mas o agnoline sem a sopa, sem o caldo, sem o brodo ele é
uma massa como tortei
Entrevistado: como tortei, como ravióli, como isso
Entrevistador: isso, então se agente mistura num outro molho é quase a mesma
coisa, mas dai, mexe nessa sopa, é um problema né?
Entrevistado: a era complicado, depois peneira tudo aquilo porque a sopa quando tu
joga o agnoline ela fica pronta, é só ajunta e servi né
Entrevistador: sim
Entrevistado: mas aquilo lá, tempera tudo aquilo
Entrevistador: é mais o Irineu disse assim: não serve, jamais serve um agnoline
com um molho diferente que não seja na sopa, porque não vai da certo
Entrevistado: não vai da certo, eles
Entrevistador: tu vai arruma briga com um monte de gente
Entrevistado: exatamente, não vai da certo
Entrevistador: bom. Eu acho que a gente conversou sobre tudo assim, eu queria,
de repente a gente, pra fecha a conversa assim, a gente fala um pouco de
tradição. Que é justamente essa coisa assim do que o seu avó, a sua bisavó
passou pra sua avó passou pra sua mãe e hoje a senhora faz igual. Sabe me
dize o que que seria assim, o que que? E não precisa ser só comida assim,
qualquer outra coisa assim, por exemplo, cuidar de uma horta...
Entrevistado: tudo eu te diria, tudo o que a minha vó passou pra minha mãe e ela
passou pra mim, tudo aprendi com a minha mãe, cuida da horta, cuida dos bichinho,
das vaca, tira o leite, tudo com a mãe, tudo foi herdado da mãe, é, do pai também,
mas digamos sempre a mãe mais que, que faz essa parte né
Entrevistador: sim
Entrevistado: é mas, tudo, tudo eu te diria, cuida das roupa, sabê arruma, remenda,
porque uma vez se remendava de monte
Entrevistador: sim
Entrevistado: agora
Entrevistador: compra outra né
Entrevistado: caiu da moda, mas uma vez se arrumava as roupa, costura, com 8 anos
eu costurava, costurei um macacãozinho pra minha irmãzinha, que ela não tinha
170
roupa, a mãe corto e deixou ali, com 8 anos eu costurei e vesti nela e levei ela pra
mama na roça
Entrevistador: olha só
Entrevistado: é, e isso sim me marco que eu nunca mais esqueci essa parte é, eu
costurava, costurava tudo, fazia toda a roupa, todo meu enxoval, tudo, fiz tudo
Entrevistador: e como é essa parte, essa situação pros seus filhos agora?
Entrevistado: pros meus filhos
Entrevistador: pros seus netos?
Entrevistado: totalmente diferente pros meus filhos e pros netos então mudou mais
um pouco, pro diferente é, agora ma mudo totalmente, totalmente, totalmente, a
menina por exemplo ela ta com 20 anos ela trabalha estuda mas ela, faze comida até
ela sabe, mas não sabe nem, se fosse dize, lava as roupas e passa ferro e faze tudo
como nós fizemo, não
Entrevistador: diferente?
Entrevistado: diferente, diferente, a minha filha já bastante diferente e a neta então
que eu tenho só uma neta também bem diferente, eles, é, é outro, outra vida agora
(Marido da entrevistada: os netinho...), a os neto eles é diferente, eles não tem que
aprende na horta, eles é tudo diferente os guri né, em vez as menina seria, teria essa
parte, mas nada disso é, fazia crochê, qualquer coisa, de tudo que vinha pela frente
né mas agora não querem nada com nada
Entrevistador: que pena né?
Entrevistado: é, que pena
Entrevistador: porque a gente perde um pouco
Entrevistado: mas, se vão perdendo, agora é o celular e o computador tem gente
brigando com o colega do outro lado
Entrevistador: é, mas a gente perde um pouco justamente por causa, assim eu
vejo que por exemplo na imigração alemã, por exemplo porque eu moro em
Novo Hamburgo né, e ai Novo Hamburgo do lado de São Leopoldo é alemão
Entrevistado: (Marido da entrevistada: tu é origem alemã?)
Entrevistador: eu sim, mas eu nasci aqui, então fiquei meio deslocado ali, mas
prefiro, por isso estou estudando a imigração italiana, mas hoje por exemplo,
tem uma colega minha que estudou mais ou menos o que eu estudo mas
estudou na parte da imigração alemã, e pra ela acha essas coisas de comida e
ve por exemplo, aqui em caxias a gente tem um restaurante que serve uma
171
trabalho, a gente fazia comida, levava a comida na colônia, a gente sentava ali em
roda daquela, botava uma toalha no chão e se comia ali, polenta, radicci, queijo,
salame, as vez fazia uma massa, ma dificilmente, mais era sopa de feijão de noite
nossas janta era sopa de feijão e até de manhã a gente tomava sopa antes de ir pro
trabalho, depois do trabalho a gente ia, levava, eles trabalhavam diziam que era
colônia né, a colacion, ele chama em italiano, eles levavam a comida, dizia que era
colacion, então a turma tirava leite das vaca, tratava os bicho e a gente ia, e uma
ficava pra faze essa, essa comida pra leva pra come as 7, 8 hora da manhã né na
roça, era polenta e queijo, coisas assim que a gente comia, pão muito pouco também,
mais era polenta essas coisa, de meio dia também a gente levava essas comida, a
gente fazia salada, até as vez eu falo pro filho, botava dentro daquelas latinha de
azeite quadrada que antigamente vinha de coisa, ai a gente levava pra roça e a gente
lá com prato repartia a comida assim na colônia e de noite a gente vinha pra casa, era
noite tinha que tirar leite, tratar os bicho, porco e que que tinha porque o pai, a mãe
não tinha, tive madrasta e ela não ia assim, muito trata então era nós que que tinha
que faze isso ali de noite, e depois era uma sopa que a gente comia a maioria era
sopa de noite
Entrevistador: de feijão?
Entrevistado: de feijão,
Entrevistador: e esse feijão vinha da onde?
Entrevistado: nós que plantava, feijão a gente plantava
Entrevistador: e tinha sempre?
Entrevistado: ein?
Entrevistador: ele não era da, ele vinha sempre?
Entrevistado: sim
Entrevistador: sempre tinha?
Entrevistado: sim, sim, sim, nós sempre tinha feijão
Entrevistador: mesmo inverno, mesmo verão?
Entrevistado: sempre, sempre, sempre, aquilo era comida preferida dos italiano, mais
a gente fazia umas comida um pouco diferente mas não era tão diferente aquela
comida que a gente fazia né, as vezes a gente fazia um arroz, mas sempre a maioria,
quase sempre tinha um feijão junto, que eu me lembro né
Entrevistador: sim, então a sua vó que veio da Itália? Ai ela teve sua mãe aqui?
175
Entrevistado: as duas avós me parece que veio da Itália, a outra também, ela tive a
minha mãe aqui
Entrevistador: nasceu aqui?
Entrevistado: sim nasceu em Antônio Prado, “caravalo” lá de Antônio Prado a minha
mãe, e a minha vó veio da Itália e fico aqui em Loreto, a vó Terezinha, mãe do meu
pai, e a mãe da minha mãe é lá de Flores da Cunha, Antônio Prado, aquelas lados lá
Entrevistador: e então só pra gente fecha aqui a questão, era isso, era polenta,
o que ela comia nessa época aqui, quando ela chegou?
Entrevistado: sim
Entrevistador: polenta, feijão
Entrevistado: é, fazia verdura e salame, queijo, começaram a criar porco, galinha,
começaram a vida aqui né, e quando eu nasci, quando que eu já tinha mais outros,
todos os meus irmãos mais velho, no começo eu não posso dize o que eles fazia
quando chegaram né, mas que eles passaram meio feio, diz que passaram né, que
não tinha nada, chegaram sem nada né aqui, então eles tiveram que luta, corta mato
e planta e faze essas coisa, agora não sei bem com é que eles pegava a semente
essas coisa, não sei te explica, é o que eu penso que eu sei
Entrevistador: tá, então se a gente ve assim hoje o que a senhora cozinha hoje,
a senhora acha que é igual, que é diferente, que tem alguma coisa parecida?
Entrevistado: olha, tem coisa parecida que agora a gente tem muita outras coisas, a
gente faz curso, tem outras comida muito diferente, só que é comida mais que faz mal
do que bem, e naquela época era uma coisa mais boa, mais, como é que eu digo,
verdadeira, não tinha tratamento, não tinha nada dessas coisas né, e agora tudo vem
do mercado, tudo vem com porcaria junto não é mais aquela comida que tu faz, por
quanto que tu cuida mas não é, o que tu compra tu não sabe o que vem na tua mão,
porque naquela época não tinha né
Entrevistador: sim, comia o que tinha ao redor né
Entrevistado: sim, mas tava bom naquela época, naquela época a gente tinha fome,
porque tu ia trabalhar na colônia era pesado, a gente na minha época antes de casá
ainda, a gente trabalhava com alfafa, então as vezes de noite chovia, o tempo chovia
a gente tinha que sai as 1, 2 horas da madrugada ajunta aquela coisa pra guarda que
a gente achava que hoje não vai chove, fico ali fora, tinha que levanta e ir pra colônia
faze isso ai, não era fácil, agora é tudo mais fácil, tudo já tá mais na mão as coisa, não
é que nem na nossa época
176
Entrevistador: mas então quando vocês aqui, pra cá já tinha Forqueta com esse
nome?
Entrevistado: tinha, Forqueta tinha sim, quando, não meu marido era daqui mesmo,
tinha Forqueta mas não era nós que fazia parte de Forqueta, nós fazia parte de Desvio
Rizzo, naquela época
Entrevistador: mas era esse mesmo lugar aqui?
Entrevistado: sim sempre fico
Entrevistador: e quando que, a senhora lembra quando que passou a se parte
de Forqueta?
Entrevistado: não me lembro querido
Entrevistador: tá, não tem problema
Entrevistado: não me lembro
Entrevistador: e naquela época assim, que era, a comida era igual?
Entrevistado: era mais simples, agora tem mais coisa era quase igual, bem dize não
tinha aquela diferença, tu diria na sociedade ou em família?
Entrevistador: nos dois
Entrevistado: nos dois? Na sociedade era igual, bem dize, tinha menos coisa também,
era mais churrasco mais coisa, agora eles fazem é tortei, é risoto, é galeto, essas
coisa toda né, antigamente não tinha aqueles tortei, aquele galeto, faz uns ano pra cá
tem tudo isso ai né, a gente mudo tudo, começo
Entrevistador: então antes era mais reduzido, não tinha tanta opção?
Entrevistado: é, que eu penso é isso ali que tinha menos, não fazia risoto, não fazia
umas coisa assim, fazia menos né
Entrevistador: e na comunidade quando junta o pessoal assim então faz essas
comidas todas ai, e faz lá na comunidade? Como é que é?
Entrevistado: na comunidade
Entrevistador: as festas
Entrevistado: antigamente não era na comunidade, quando casei, uns ano, era cada
um, fazia festa cada um era em casa, convidava seus amigo na família, não era na
sociedade, era em família, então, por exemplo, eu tinha os meu parente, parente do
marido e então era lá em casa, então a gente fazia uma sopa, um churrasco e pão e
salada era isso, e depois começo a faze mais salões de festa ai começaro faze no
salão, que dava muito transtorno assim pra faze cada um na família, era muito trabalho
né, então fizero isso ali né
178
Entrevistador: e assim, se a gente for pra essa festa assim, qual comida que tem
e se não tivesse não era a mesma coisa? Não pode falta
Entrevistado: em festa, quando fazia?
Entrevistador: é
Entrevistado: acho que comida era essa ai mais
Entrevistador: o que que não pode falta na festa, de comida?
Entrevistado: churrasco com certeza, uma sopa também eles fazia, antigamente no
começo acho que nem sopa ia faze, me parece, era mais churrasco, até a gente
compra o churrasco e botava um espeto fora, em baixo de uma árvore, comprava um
pão, uma salada e ai fora em baixo duma árvore, também isso a gente fez ainda, não
sei se alguém comentou isso
Entrevistador: sim. Então o que não pode falta seria carne e sopa?
Entrevistado: acho que, sopa, salada e pão, isso deveria te né
Entrevistador: sim, e na casa, e na família?
Entrevistado: na família, de festa? Quando tinha festa?
Entrevistador: é
Entrevistado: ou sempre assim?
Entrevistador: nos dias especiais assim
Entrevistado: nos dias especial também, a maioria era churrasco, um churrasquinho,
uma sopa, salada, umas batata, uma maionese essas coisa, pão, a gente fazia uns
doce, fazia uns bolo, umas torta, biscoito pra depois toma o café, isso também tinha
sempre, isso ali, em festa
Entrevistador: e massa?
Entrevistado: massa acho que
Entrevistador: quando servia?
Entrevistado: acho que não era massa mais que servia, não sei se alguém fazia, ma
acho que na minha casa era mais churrasco, que ai era mais fácil, e uma salada, pão
e verdura a gente, depois era um café, depois do almoço, então era bolo biscoito uma
sobremesa a gente deixava preparado, depois do almoço, acho que é isso ali né que
mais eu me lembro
Entrevistador: pra gente ve assim, por exemplo, o que que a senhora entende
sobre tradição assim, que é aquela coisa que a sua vó fazia porque veio da Itália
e fazia lá já, ai veio pra cá continuo fazendo do mesmo jeito dai a senhora
aprendeu porque, e ainda hoje faz
179
Entrevistado: é, acho que é massa, mais biguli, tagliatele (risos), eu não sei como se
explica tudo essas coisa em português, brasileiro né, eu acho que é isso ai, o pão que
não pode falta
Entrevistador: o pão a senhora aprendeu a fazer com ela?
Entrevistado: sim, aprendi
Entrevistador: e ela fazia na Itália?
Entrevistado: não, aprendi com a madrasta, eu tinha 7 ano quando perdi a mãe e a vó
já tava meia velinha, e era mais com a madrasta que a nossa família era um pouco
grande né, nos era em 12 e pobre, então era aquela comida, a gente sentava na mesa
não tinha aquela discussão assim, só um grito do pai era o suficiente, e de repente tu
tinha um irmão do lado que te incomodava era em baixo da mesa beliscões (risos),
ninguém podia abri a boca, que ai só o grito do pai era o que, a liberdade era sempre
o chefe da casa que fazia né, mais
Entrevistador: e assim, vocês falavam o dialeto?
Entrevistado: sim italiano? Sim, é “parlevi in italian” (risos)
Entrevistador: sempre né?
Entrevistado: sempre, eu comecei a fala em português só depois que eu casei que
tinha os filho, ai começo o colégio, a gente tinha que explica pros filho que ai, eu acho
que até o mais velho se lembra muito bem as palavra, e depois vão esquecendo, mas
italiano era, “veni qua”, “va farquel”, “va tome lenha”, é uma coisa que tu nem intende
eu acho o que eu falei, mas é uma coisa isso ali, busca lenha, vez que dize vai filho
me busca uma lenha, “vai tossa”, vai busca uma lenha, era tudo aquela coisa em
italiano que a gente falava, não era, depois que comecei te os filho, começo cresce
coisa, a gente começo mais com troca, mas a gente não tem aquela língua de da a
volta como, que nem vocês que se criaram de pequeno nisso, os meus já não tem
aquela, aquele jeito de fala mesmo em português, que tu sente que eles não tem
aquela volta bem, como deveria se né, mas era nossa época né
Entrevistador: e assim, musica, como que era?
Entrevistado: era bailezinho
Entrevistador: a religião?
Entrevistado: a religião? Não a religião era boa, a gente quando era missa a gente
todos ia
Entrevistador: isso era uma que quem veio da Itália dizia muito?
180
Entrevistado: falava muito, muito católicos, eles procuram puxa sempre a gente na
missa, a gente saia cedo as vezes ia pra igreja de pequeno, eu me lembro que a gente
saia lá onde que morava, era 1km longe da igreja, e a gente ia até descalço até perto
da igreja, porque não tinha sapato e perto da igreja a gente botava o sapato pra entra
na igreja
Entrevistador: pra não usa muito
Entrevistado: sim (risos), até nem é bom conta
Entrevistador: a mas são coisas da época
Entrevistado: sim, mas era normal tinha muita gente assim, que fazia isso ali, não era
só a minha família, tinha muitos outros também que vinha, nós tinha uma pocinha de
água uns 100m longe da igreja, e nós levava o sapato até ali e depois a gente se
trocava, se lavava os pé ali e se botava os sapato, uma vez eu ganhei um sapato
duma vizinha e botei aquele sapato, quando cheguei na igreja o sapato se abriu (risos)
Entrevistador: ai, não acredito
Entrevistado: ai eu sempre, nunca esqueci mais aquilo, mas era o que nós tinha,
porque não tinha dinheiro, não tinha nada né, e a gente vendia umas coisa, bom eles
me botaram empregada com 7 ano, logo que faleceu a mãe, foi numa família ali perto
pra cuida outras criança, que quantas vez que eu falo com eles esse filho que eu
cuidava, agora morreu dois daqueles que eu cuidava também, que eles tinham uma
escada a subi e magina com 7 ano, não sô nem agora que sô firme, magina com 7
ano (risos), sei que depois me mandaram pra casa, mas com 7 ano é tu que, eles que
deviam cuida de mim, eles deveria cuida, bota uma criança agora cuida, não tem como
não, mas a vida era essa, a minha irmã mais nova, que faleceu aquela mais nova ela
nasceu, com um dia de vida e foi criada num outro vizinho porque minha mãe faleceu,
e depois ela foi criada na outra família e depois o meu pai quis leva ela pra casa, ela
choro muito pra leva ela, ele não queria deixa nenhuma filha fora de casa, o pai, o pai
era muito de gente e as família, nós tivemo madrasta a gente passo fome também, as
vezes a gente até robava a comida pra cria a madrasta ela escondia a comida pra
nós, eu cuidava minha vó de noite, eu tinha que vim pra casa cansada com 16 ano 17
e cuidava a minha nona, eu tinha que levanta pra leva ela no banheiro antigamente
era uma cadeira, botava as coisa e eu sei que de noite os pessoal levava chocolate
pra ela come e eu ia, e uma ficava pra mim, e uma ficava pra ela, só que minha
madrasta noto ai ela começo a esconde aquelas também (risos)
Entrevistador: e essa sua madrasta era daqui?
181
foi aquela vida de escravidão, graças a deus comida eu sempre tive pros filho também,
não tinha coisa de riqueza mais deu pra nós dá a volta naquilo como nós tava e como
estão agora no dia de hoje também os meus filho, não tem pra se queixa, a vida foi
nossa foi dura, mas deles também não é vida boa, é vida boa, porque eles ganham
pouco, e o Luis queria sempre que eles estudasse só que nenhum quis se forma nem
a Ilka, último ano que foi o Irineu, levei ele pra Porto Alegre, um passei pra ele ir pro
colégio eu queria marca ele, ele não ia que não ia, depois de grande eles se
arrependeram, pode se que nós fiquemo muito mole não demo aquele duro neles,
vocês tem que ir, a gente não tinha aquela prática, a gente não tinha, mas graças a
deus
Entrevistador: todo mundo bem
Entrevistado: todo mundo não ta passando fome e eles tem a vida deles, tudo bem
né, graças a deus
Entrevistador: e como é que a senhora vê essa questão aí das tradições a partir
dos seus filhos pra frente assim, pros netos, por bisnetos, o que que a senhora
acha que vai ficar? Que que a senhora acha que eles não vão mais da bola?
Entrevistado: na vida? Na?
Entrevistador: é, tudo assim...
Entrevistado: que que eu poderia te responde nisso ali, a minha intensão seria que
eles tivessem amor e ir pra frente né, minha intensão seria aquela, sempre, mas eu te
dize, não poderia dizer isso ai, eu sei que a vontade ele tem, que nem o Irineu ele tem
vontade ir pra frente, eu se eu posso ajuda eu ajudo, eu quero que ele vai pra frente,
eu digo, as vezes ele diz ‘mãe não quero que a mãe me dá isso, mãe não quero’ mas
se eu tenho digo ma Irineu eu quero vê ele bem, eu quero vê os dois bem, não é que
não quero, tanto ele que ela que seja bem, eu disse uma vez que ele ta me cuidando
bem, eu sempre digo pra deus e todo mundo , digo na cara dele que ele me cuida
bem demais esse filho, demais eu se eu digo não to bem, ele já me marca médico,
que as vezes eu nem quero ir pro médico ele me marca, então eu quero o bem deles,
tanto de um que do outro, pra mim eu tenho 6 não sei qual que é o pior, nenhum deles
que eu posso me queixar porque se eu preciso alguma coisa qualquer um me dá uma
mão, então eu só quereria vê eles que isse bem, só isso, só, minha vida, eu penso
assim, até naquela semana que o meu tava doente eu disse ‘fica tranquilo que nós
vamo cuida os filho’, e ele tava preocupado que els não vão bem, porque não sei o
que, eu disse ‘não, fica tranquilo’, mas não ia espera que ele ia, tá, eu dizia pra ele
183
‘fica tranquilo que’, sim mas eu vo morre, eu cuido deles, mas nuca ia espera essa ali
dele né, então eu o que eu quero é vê eles bem, só isso, não quero outra coisa, tanto
que nem, tanto a tua mãe que ele eu nunca digo ‘Irineu olha que a tua mãe é isso ou
a tua esposa ta’, eles são de idade, eles tem que sabe o que eles querem, eu nunca
quis que ninguém se metesse no meu casamento e também não, as vezes eu digo
alguma coisa assim mas não que eu chego dize ‘não filho tu tem que faze’, não eles
que fazem o que eles acharam melhor, a gente deu o que era pra dá, que foi dado o
terreno dele aqui com as coisa, eu gostaria que eles fosse feliz, só isso eu gostaria,
que o Ivo ta muito bem, o Ivanor também, o Itacir também, todo tem a sua casa o seu
telhado, então já ele tem uma coisa que ele só pode subi na vida, só isso que eu digo,
nada de coisa, a
Entrevistador: e assim, se por exemplo, que que a senhora acha que continua
ainda nessa situação de tradição assim, pros seus netos, que que a senhora
acha que eles vão mante ou não vão mais? a senhora acha que eles vão da
valor?
Entrevistado: não sei, to em dúvida (risos)
Entrevistador: mas porquê?
Entrevistado: é verdade que eles são novos, são novos tem uns que eu acho assim,
mas tem uns que ta meio fraquinho, e pra eles faze um futuro bem assim pelo que
eles ganham é pouco, entende? Porque pro, uns dois salario que fosse também, que
fosse nem sei o que eles ganham, que fosse até três salario, não é dinheiro pra eles
pode ir pra frente, eu pensaria isso, porque eu vejo eu o que eu gasto, que eu to aqui,
que ajudo que, não é que ajudo porque o Irineu sempre diz ‘eu não quero dinheiro da
mãe’, ele é sincero demais, não é que eu te dizendo que ele ta com tua mae, não é
isso ali, mais o problema é muito gasto, por exemplo aqui também, que nem o Irineu,
é máquina que quebra, é parreira que nem agora morreu um monte de parreira, tem
que te um gasto em cima daquelas parreira lá que não é fácil, então ora que eles
botam aquelas parreira que começam é uma coisa muito feia, se ele tivesse que nem
o meu marido deu pra nós faze porque eu plantava arroz, feijão, milho, de tudo e ele
já tinha o dinheiro dele então esse já era um dinheiro que sobrava pra nós paga as
dívida, ma que nem o Irineu ele não ta aposentado, não ta nada, e não é fácil quanto
eles gastam eu sempre pego os dois, não é que eu digo que eu quero que eles
guardem dinheiro, não eu não preciso, eu ainda vo deixa pra eles o dia que me parti,
mas eu só digo assim ‘ma vocês tem que cuida pra vocês não irem se afunda, vocês
184
vê como vocês faz, pega uma caneta, marca tudo o que vocês tem, bota ali porque’,
eu vendo uma garrafão de vinho coisa, mas o dinheiro deles ta lá, eu não, então isso
ali eu sempre digo pra eles marca tudo, porque um mexe, não é por que eles levam
embora, não, ma o Ivo pega leva lá, o Irineu pega vai e leva, aqui não tem nota
nenhuma onde que vai, isso ali é um erro, não sei tu que tem mais estudo, não sei se
to errada ou se eu to certa, eu digo a tua mãe também me disse ainda isso, peguem
um caderno, eu levei um garrafão de vinho deu tanto aqui, eu levei 10l de vinho, tanto,
levei um suco, tanto, ai é uma coisa que vai pra frente, até hoje disse ‘olha se é pra
você faze futuro vocês nunca vão faze futuro do jeito que tão indo’, isso eu to dizendo
francamente na cara deles porque não é fácil
Entrevistador: mas então acho que era isso dona Wilma
Entrevistado: eu não sei se eu respondi coisa boa
Entrevistador: mas isso não se preocupa, então tá, muito obrigado
Entrevistado: de nada, que deus te abençoe
Entrevistador: obrigado
Entrevistado: que tu pudesse subi, que deus te de força e tudo de bom, pra ti e o pro
Luis também, os dois
Entrevistador: muito obrigado
Entrevistado: vocês são muito legal
Entrevistador: a senhora também, muito obrigado pela, pelo depoimento
Entrevistado: eu não sei as outras lá fizeram o que? Melhor que eu?
185
Entrevistado: não
Entrevistador: ta, e fora essa história aí de vim e chega aqui e não ter nada, tu
sabe de alguma história que eles te contavam de como era a vida deles lá?
Entrevistado: lá não tenho recordação do que eles contaram lá, eu sei que os nossos
antepassados eles moravam na região onde que a Itália era dividida na época né,
então eles tavam morando na região de Tirol, então não pertencia realmente lá, dentro
da cúpula da Itália né era uma região afastada e depois de lá eu só sei quando
chegaram aqui no Brasil que não acharam nada e pra vive eles viviam de caça, porque
eles trouxeram na bagagem um pouquinho de comida, né mas não durava muito
tempo que trouxeram, por que não tinha geladeira não tinha essas coisa pra mante
né, então diz que eles viviam de caça, de caça e fizeram um rancho de quatro colunas
com uma cobertura qualquer ali que tinha que eles conseguiram né
Entrevistador: pra se protege
Entrevistado: é pra se protege, assim começaram a vida e pra lava a roupa eles se
agrupava em famílias e ia trilha a dentro até que encontrava água, no mato né e
também pra assim pra faze pão essas coisa tinha que se ajeita como dava, porque
até que eles tinham farinha e depois ‘se fenit’, que até aqui planta e produzi levo tempo
né
Entrevistador: e quem foi da sua família que veio pra cá? Seu bisavó, seu avó?
Entrevistado: veio o meu bisavó, com os 4 filhos
Entrevistador: dentro deles o seu vô já?
Entrevistado: sim, então eles vieram, se instalaram em Nova Milano, de Nova Milano
eles vieram mora ali onde que é o Mario Bampi, aí do lado do salão, ali que é a morada
dos meus antepassados até existe ainda a casinha onde eles tavam morando né
Entrevistador: e eles te contavam ou tu teve a curiosidade de pergunta pra eles,
ou de repente a comida que vocês tinham quando jovens assim junto come eles,
tu consegue me conta um pouco como era assim?
Entrevistado: não, com os meus bisa, meus avós eu não conheci, mas aí meus pais
contavam né, que eles viviam assim, por exemplo, do que eles colhiam, criavam
porcos né então depois quando fazia banha eles pegava e cozinhava a carne junto e
guardava junto com a banha, pra conserva
Entrevistador: sim pra conservar
Entrevistado: é ou de repente as miudezas assim, os ossinho, os pezinho do porco
salgavam e guardavam na salmoura, pra vive era assim, e olha pra nós graças a deus
187
como meus pais contavam, nunca falto comida, então assim, graças a deus nunca
falto comida, nunca, pobrezinho sim com condições financeiras poucas que não tinha
como produzi né, então era polenta, queijo salame que eles faziam com o que
produziam né, era assim que vivia, carne de mercado não, eles não tinha, porque não
tinha dinheiro pra compra, só quando, vinha carne de gado quando eles conseguia
confina um boi uma vaca né
Entrevistador: tu sabe como era feito o queijo naquela época?
Entrevistado: era a minha mãe eu lembro da minha mãe quando fazia, quando nós
era criança que ficava tudo na volta pra pode come, ela botava esquenta quando tava
morno eles botava aquele coalho né, coalho não sei como é que era feito o coalho, e
depois quando tava coalhado ela batia ai o soro ia separando né do queijo, então nós
queria sempre uma bolinha daquelas de queijo que era bom né, que era que nem uma
ricota né, era assim que a mãe fazia, que eu lembro né
Entrevistador: entendi, e agora pensando um pouquinho na comida da senhora
aqui de vocês, aqui da casa assim, do dia-a-dia, o que que mudo daquela época
pra cá, o que que vocês mais gostam de come?
Entrevistado: olha agora tu aperto brasileiro aqui porque assim, em fim de semana
que vem toda turma então muda, então é churrasco com massa ou com maionese ou
com batata doce caramelada, essas coisa né, e durante a semana que agora se
reduziu em dois
Entrevistador: só vocês dois?
Entrevistado: a esposa do Hilário faleceu, então quando tem o genro dele aqui
trabalhando, então muda um poquinho, então é bife com uma salada de batata ou
com massa ou um arroz, o risoto ou carretero, mas se é eu e o Hilário um bife e uma
salada de meio dia e deu de noite então é um café com misturas, geleia, pão, queijo
Entrevistador: e o pão é a senhora que faz?
Entrevistado: sim, pão eu faço
Entrevistador: e faz da mesma forma que a sua mãe fazia?
Entrevistado: sim, não mudo um pouco porque quando a minha mãe fazia o fermento
era diferente, o fermento ela fazia com batata, ela ralava a batata e botava açúcar e
sal e deixava fermenta, quando fazia o pão então ela reservava uma parte daquele
fermento pra próxima vez então ela reforçava então ela botava mais uma batata mais
um poquinho de açúcar um poquinho de sal então ela levava um dia inteiro pra fazer
188
o pão, porque tinha que deixar crescer né, e agora não, agora é feito com a máquina
e as formas são iguais só o fermento é de mercado né
Entrevistador: pra facilitar um pouco
Entrevistado: então é meio dia eu coloco meio dia, mas em quatro horas três e meia
fica pronto
Entrevistador: sim, pensando um pouquinho assim dona Renata na formação
de Forqueta assim, como um lugar como a gente conhece ele hoje assim, a
senhora conhece um pouco da história de como que foi, porque que surgiu com
esse nome, como que era a história do lugar?
Entrevistado: não
Entrevistador: não conhece?
Entrevistado: não conheço, eu só sei da história do meu avó que ele tinha comprado
o terreno em Forqueta né, e ele veio pra casa faceiro porque só tinha um pinheiro
naquele terreno porque o trabalho maior era prepara a terra pra produzi né, então era
tudo manual, então que dava trabalho era com a serra né, pra corta as madera maior,
eu lembro disso ai, ma como foi formada a Forqueta não sei
Entrevistador: tudo bem. E assim, nos dias de festa, por exemplo, nos dia que
vocês, que a comunidade se reúne assim, que que tu pode me conta sobre as
comidas dessas festas?
Entrevistado: olha, as comida dessas festa geralmente o prato, o cardápio é sempre
o mesmo, a gente se reúne uma semana duas pra prepara os agnoline pra sopa né,
depois então aquele dia é sopa de agnoline, lesso, maionese, risoto e churrasco,
galeto, as vezes carne de porco é sempre o mesmo cardápio porque ele fez sucesso
então não pode muda né, é isso que faz, e parta da turma depois se divide né, quem
trabalha na cozinha faz uma coisa, quem cuida do churrasco é outra, quem cuida das
panela é outra turma, quem ornamenta o salão é outra turma é assim que funciona as
festas
Entrevistador: e quando a festa é aqui na casa da senhora?
Entrevistado: aqui, é barulho aqui (risos), o ultimo até nós se reunimo pra, era pra se
ainda em Fevereiro pra faze assim um almoço pra encerramento da safra, ma como
não tinha data e não tinha data foi justamente na véspera da festa dos Bertotti, então
nós fizemo lá em cima no campinho, fizemo costelasso, então a partir das 6 hora da
manha já tinha o fogo e a carne assando né, e levo até a uma hora pra fica pronto, e
189
a festa foi lá em cima então foi o churrasco e a maionese e a salada, tudo numa mesa
só, cada um se servia, só o churrasco era servido no prato
Entrevistador: entendi, e o que que acompanhava esse churrasco?
Entrevistado: olha, toda a turma que veio ajuda a colhe a uva, os familiares e mais os
sobrinhos do meu irmão, mais os meus cunhados, a era uma turma, tinha amigos,
uma turma mais ou menos nós era em 36, 38 pessoas, ainda falto alguém porque eles
tinha outros compromisso
Entrevistador: que pena, e junto com a carne vocês serviram o que mais ou
menos?
Entrevistado: maionese, salada e pão
Entrevistador: ta, entendi, e assim dona Renata, o que que por exemplo a
senhora ve que se a gente tira desses cardápios dessas reuniões assim que
vocês fazem, tanto na família como na comunidade, o que que a senhora ve que
se falta no cardápio o pessoal reclama?
Entrevistado: sopa, sopa
Entrevistador: de agnoline?
Entrevistado: de agnoline, agora aqui em casa nem tanto, nem tanto porque somos
em poucos então até preparar os agnoline essas coisa, as vezes a gente compra os
agnoline conforme se é frio então sai a sopa, se não não, mas na comunidade se
reclama se falta a sopa
Entrevistador: se falta a sopa, e ai pensando um pouquinho assim dona Renata
sobre tradição, aquela coisa assim que seus bisavos faziam ai os teus avos
faziam porque faziam teus bisavos dai os teus pais também faziam e hoje a
senhora também faz, em relação as coisas diárias assim, tanto por exemplo o
pão, ou alguma na lida da terra, essas coisas assim, que que a senhora lebra
que pode da de exemplo nesse acaso?
Entrevistado: olha, o exemplo, acho que isso ai foi se perdendo sabe, os filós, que se
reuniam as famílias ai jogava baralho, ai era servido um brodo, era servido os grostolis
minha mãe fazia, conforme o grupo então, numa casa era uma coisa na outra era
outra, mas aqui eu lembro que a minha mãe falava que os homem jogavam baralho e
as mulher conversando ou alguma fazia trabalho manual enquanto minha mãe
preparava os grostoli e o café, ou o brodo com eles achavam melhor né, isso ai, que
eu lembro disso ai, depois o que mudou um pouco foi no decorrer do tempo foi se
perdendo muita coisa, por exemplo, a minha mãe ela fazia um prato que é quando
190
tinha sobras de pão ela de manhã cedo a primeira coisa que ela fazia ela botava, ai
ela fazia o seguinte não botava fora nunca pão, porque diz que passaram necessidade
quando jovem né, então ela botava leite, açúcar, um pouquinho de sal, ovos e fazia
ela fazia, misturava bem, desmanchava bem aquela pão sabe? Bem desmanchado,
botava um pouquinho de canela em pó, e bem pouco cravo, porque cravo é forte né,
e cozinhava botava no forno, enquanto ela fazia o almoço, outras coisa ela preparava
e ia assando essa torna amilanesa que eles falavam
Entrevistador: é? Tinha esse nome?
Entrevistado: é tinha esse nome, tinha muita gente, a minha mãe fazia assim, por
exemplo eu conhecia pessoas que faziam diferente, faziam ela só salgada, botava
queijo no lugar do açúcar, e botava manteiga então minha mãe não botava manteiga
porque ficava muito gordurosa, então faziam diferente pra servi assim de prato pro
almoço, mas minha mãe mesmo que era doce ela servia junto com outras coisas
assim isso ela fazia, depois o que mais que ela fazia? Que eu lembro que ela fazia?
Porque não era que se tinha em abundancia sabe, tinha que faze conforme tinha as
coisa, eu lembro muito da galinha ao molho com polenta mole ou carne no forno com
batata junto, isso eu lembro bastante que a gente largo de mão, faz bem pocas vez
Entrevistador: a senhora acha que já foram se perdendo e como a senhora ve
isso daqui pra frente assim, pelos teus sobrinhos ou?
Entrevistado: olha, ninguém quer mais nada com nada, a preferencia é acha pronto,
eu vejo pelo meus sobrinhos, não os mais velhos, por exemplo que nem o Gilmar a
Jacira, Janice, essas ai não, essas ai ainda toma a iniciativa fazem, mas meus netos
sobrinhos então isso não querem nada
Entrevistador: não tem interesse
Entrevistado: não tem interesse em faze alguma coisa
Entrevistador: e o dialeto vocês usam, conversam ainda? Seus pais falavam?
Entrevistado: sim, meus pais e nós irmãos a gente fala ainda, mas com a subrinhada
toda mudo, é tudo que nem nós
Entrevistador: não aprenderam?
Entrevistado: eles entendem, tem uns que falam alguma coisa, que nem o Bruno por
exemplo que ele vive visitando as cantina que ele é enólogo né então ele fala bastante
italiano, se tu puxa o dialeto ele vai, mas os outros não, os outros entende ma não
falam
Entrevistador: que é uma pena né?
191
Entrevistado: sim
Entrevistador: porque é esses detalhezinhos que vão mantendo as coisas né
Entrevistado: sim, sim, então eu vejo assim na comunidade também, olha tem muitas
e muitas famílias que é só o português
Entrevistador: então ta dona Renata, acho que era isso assim o que eu tinha pra
conversa
Entrevistado: não sei se te ajudo
Entrevistador: claro, claro que sim, não sei se de repente tu tem mais alguma
coisa que tu lembre que?
Entrevistado: não, eu lembro que não sei se faz parte, mas é uma história que o meu
bisavô, ele criava porcos né, e depois ele tinha roças de milho e ele percebeu que o
milho ia desaparecendo conforme ia crescendo tinha bichos que comia né, ele
percebeu que era javalis
Entrevistador: nossa
Entrevistado: então ele fez um serralho, ele fez que nem uma arapuca né, ele fez e
coloco comida lá dentro e até ensinava pro meu pai depois que ele era o filho mais
novo do meu avô, diz que era ali em cima no canto do parreiral esse serralho que ele
fez boto comida e na manhã seguinte pela surpresa dele encontrou 12 porcos lá dentro
Entrevistador: nossa 12?
Entrevistado: 12 (risos), então nós dizia, mas pai não é muito não? Tinha, tinha,
antigamente tinha bastante bicho selvagem
Entrevistador: selvagem, sim
Entrevistado: bichos do mato
Entrevistador: e o que ele fez será?
Entrevistado: magina, cárneo tudo né
Entrevistador: nossa
Entrevistado: eles eram 14 irmãos do meu pai né, então se dividia, depois com os
vizinhos também quando carneava algum porco era sempre um pedaço pra cada
vizinho, era sempre assim e se trocava, por exemplo meu pai eu lembro do meu pai
faze isso, era um pedaço pros Marchesini, pedaço pros Caberlon, pedaço pros
Postalli, e assim quando eles carneava então também voltava o pedacinho
Entrevistador: claro, cada um se ajuda como pode né
Entrevistado: e era uma tradição assim porque não tinha o que tem hoje, geladeira,
freezer pra conservar essas coisa então quando vinha um pedaço assim era uma
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festa, magina, era uma coisa nova né, outras coisas assim vai se perdendo porque a
gente fala, aqui em casa ainda quando vem meus sobrinhos a gente fala muito desses
antepassados, o que fizeram pra construção da igreja a construção da comunidade, a
gente fala muito dessas coisa, ma te garanto que tu vai pergunta pra um rapaz ali de
14 15 anos uma moça, não sabe nada, porque quando conversa também, agora tem
aqueles celulares ali, ninguém escuta ninguém (risos)
Entrevistador: sim
Entrevistado: então eles não ficam sabendo né das coisa
Entrevistador: é uma pena mesmo
Entrevistado: é uma pena, ta se perdendo muita coisa
Entrevistador: sim, então ta dona Renata, eu acho que então a gente converso
tudo que tinha pra conversa, muito obrigado pelo seu tempo
Entrevistado: denada, magina
193
Entrevistador: Então seu Hilário seguinte, o senhor já foi pra Itália alguma vez?
Entrevistado: não
Entrevistador: tem vontade?
Entrevistado: pouca, tem muita coisa boa aqui pra olhar, não se vai nem aqui
Entrevistador: o que que o senhor acha assim que vai encontrar lá se fosse
assim, porque que?
Entrevistado: eu gostaria de ir até, até essa semana aqui tivemo uma janta ali com
meu amigo, ele tinha recém chegado da Itália, eles gostaram muito, sabe que me deu
vontade de ir, senti o que que eles viram lá, coisa séria, não é nem de acredita
Entrevistador: é, da história que eles contaram?
Entrevistado: do que que eles contaram lá, muito bonito, seria bom ir, ma já to com
uma idade meia avançada
Entrevistador: a mais isso não é o problema
Entrevistado: é ma, não tem mais aquele, aquela vontade né, pra ir né
Entrevistador: quem da sua família veio da Itália?
Entrevistado: veio meu nono Basílio, e minha vó, Rosina Onzi, Rosina Onzi e Basílio
Onzi, vieram lá da Itália
Entrevistador: entendi, e eles, o senhor lembra de alguma história que eles
contavam de como era a vida deles lá?
Entrevistado: não, não, muito pouco, olha que não, eu sei que lá passaram errado né,
porque fugiram de lá, vieram pra cá, não sei quantos anos ele tinha, tinha 13, 14 ano
quando vieram pra cá e aqui não tinha nada, se botaram aqui ganharam essa terra
aqui, pagaram 33 réis, pagaram essa terra aqui, e sempre ficou nossa, dos Onzi,
sempre fico
Entrevistador: entendi
Entrevistado: até hoje, ma como eles passaram lá, não te respondo porque não sei
nada
194
Entrevistador: ta, e então por exemplo, o que o senhor consegue me dizer assim
da comida que vocês comiam quando eram mais jovens assim, junto com os
avós?
Entrevistado: era coisa boa (risos), eu me recordo não só do nono Basílio, do meu pai,
posso conta do pai?
Entrevistador: pode, claro
Entrevistado: do meu tio Rico que ficaram anos aqui junto com o tio Rico e meu pai,
quando eles matavam um porco, ali que é coisa boa (risos)
Entrevistador: porque, o que que acontecia?
Entrevistado: porque se tinha aquele fogo, aquela brasa pra esquenta a água pra mata
o porco, daí abria o porco, tirava toda aquelas miudeza dentro e botava no espeto,
salgava, botava em cima da brasa e comia na hora
Entrevistador: na hora?
Entrevistado: que coisa boa, dá saudades hoje de come isso ali, botava bastante
pimenta em cima
Entrevistador: a é mesmo? Pimenta?
Entrevistado: pimenta e sal e dava uma sapecada nas brasa e a gente comia, ma que
coisa boa
Entrevistador: que legal, e hoje, como é hoje, a diferença?
Entrevistado: muito diferente, isso aí não existe não, isso ai não tem mais
Entrevistador: não conhecia essa do
Entrevistado: a, tu não sabia?
Entrevistador: não
Entrevistado: mas essa ali é verdadeira, porque quantas vezes que eu ajudei a come
isso ali, mas agora isso não existe não, não tem
Entrevistador: mas porque, que que aconteceu? Porque?
Entrevistado: a, falta mão de obra, que cria porco por exemplo tem que trabalha, e
não tem ninguém, não tem ninguém que trabalha, que pra te criação tem que planta
também que se não tu vai compra, não adianta compra
Entrevistador: muito caro?
Entrevistado: claro, ma daí não resolve nada né
Entrevistador: e o que que o senhor diria então assim da comida de hoje, o que
vocês normalmente comem em casa hoje?
195
Entrevistador: claro
Entrevistado: e a gente tem que se ajuda né, participa, se não não sai nada né, e tu
fica sempre em casa como é que não pode sabe alguma coisa né
Entrevistador: sim, e a comida dessa festa, o que que o senhor acha?
Entrevistado: muito boa
Entrevistador: que que tem?
Entrevistado: primeiro lugar sopa de agnoline (risos), leso, churrasco de gado, de
porco, de galeto, salada vinho, refrigerante, pão
Entrevistador: e o que que o senhor acha assim que não pode, se falta ta errado?
Entrevistado: a não, tem que te a vontade, porque tu paga e vai na mesa que não vem
nada
Entrevistador: mas eu digo assim, por exemplo, dessas coisas que o senhor me
conto agora, se faltar alguma delas?
Entrevistado: só fala que o garçom vem
Entrevistador: por exemplo se não tem na festa, se não tiver?
Entrevistado: a se não tive, vão faze o que
Entrevistador: qual dessas comidas o senhor acha que se não tive na festa dai
vai, vão reclamar?
Entrevistado: a, eu se não tivesse galeto pra mim é a mesma, é porque eu não como
carne de galeto, não gosto não vai
Entrevistador: entendi
Entrevistado: e a gente come o leso, pedacinho de churrasco, carne de porco, ma
muito poco, salada
Entrevistador: assim, em relação por exemplo a tradição, por exemplo, uma
coisa que seu bisavô fazia aí o seu avó fazia igual ele fazia, por que foi
aprendendo um com o outro, daí agora o seu pai também fez porque aprendeu
e hoje o senhor também faz
Entrevistado: sim
Entrevistador: porque é uma coisa que vocês foram aprendendo assim um do
outro?
Entrevistado: por exemplo, parreira né, parreira eu aprendi do meu pai, porque o
Basílio eu não conheci ele, porque morrero muitos anos atrás, ma eu fui aprendendo
com meu pai o negócio de planta parreira né, tem que, dá mão de obra isso, construí
197
um parreiral não é fácil, porque tem que planta as muda, poste, o arame, e aprendi
tudo do meu pai isso ali
Entrevistador: e ele já fazia com o avó?
Entrevistado: sim, com o nono Basílio né, o pai do meu pai
Entrevistador: sim, e o que que o senhor acha assim por exemplo dessas coisas
assim que vocês aprendiam um com o outro e agora seus filhos e os seus
netos?
Entrevistado: e agora
Entrevistador: que que eles aprenderam assim e vão leva, ou o que eles não
querem faze?
Entrevistado: agora, meus netos por exemplo não aprendeu nada da colônia porque
nasceram na cidade, então na cidade, agora meu filho que trabalha mesma coisa que
o pai, só que mora na cidade né, ma ele sabe faze tudo o negócio da colônia
Entrevistador: e o dialeto? Vocês falam?
Entrevistado: ele entende tudo mas não fala (risos), meus filho tem quatro guri, o
Gilmar meu rapaz, pode fala tudo em italiano, entende tudo ma não fala, não fala, são
criados na cidade né
Entrevistador: daí perde né?
Entrevistado: sim, sim
Entrevistador: então era isso seu Hilário, acho que o que eu tinha pra perguntar
pro senhor era isso, não sei se o senhor lembro de mais alguma coisa assim pra
me conta?
Entrevistado: ma que que eu vo te conta (risos)
Entrevistador: a dona Renata me conto uma história do seu bisavô eu acho, que
ele plantava milho, e o milho tava sumindo, e eles foram ver o que que tava
acontecendo com o milho, o senhor não lembra?
Entrevistado: o negócio dos bicho que comia?
Entrevistador: é
Entrevistado: sim, sim, tinha um paiol ali em baixo, acho que ela contou a mesma
história
Entrevistador: vamos ver
Entrevistado: (risos), ele fez uma, como que é que diria, uma repuca, tu sabe que que
é? E botaram uma porta e encheram o paiol de milho e os porco javali entraram numa
198
noite lá, e no dia seguinte o meu nono foi lá ve tinha 14 porco do mato dentro, fecharam
no paiol
Entrevistador: imagina a festa
Entrevistado: sim, daí mataram não sei como, a paulada eu acho (risos), era isso que
ela conto?
Entrevistador: sim
Entrevistado: (risos)
Entrevistador: então é isso seu Hilário
Entrevistado: tu que pede mais alguma coisa, que eu possa ajuda
Entrevistador: não, é que meu trabalho ele envolve essa questão da comida
assim através dessas coisas que acontecia, porque a gente, porque por exemplo
eu queria ve assim o quanto de Itália pura a gente teria hoje aqui
Entrevistado: sim, sim
Entrevistador: mas como a gente tem essa quebra ali né, porque o pessoal que
veio de lá veio, passo necessidade então não era fácil né, então não tinham as
mesmas coisas né, pra trabalha, por exemplo não tinha a disposição o que
tinham lá né, e por mais que tinha não era igual então tinha que refaze algumas
coisas né
Entrevistado: sim, sim por que também não existe, existem moinho aqui em roda, tinha
um moinho lá em Menino Deus, lá no outro lado lá, o que que fazia, nem a estrada
não existia, cortava o mato com o saco de milho nas costa e ia no moinho lá em baixo
Entrevistador: pra te farinha de milho?
Entrevistado: faze farinha de milho pra polenta, e que negócio né?
Entrevistador: e esse milho era plantado aqui?
Entrevistado: plantado aqui, colhia o milho, plantava no saco botava nas costa, cortava
o mato e ia embora, de a pé, olha que passaram errado né?
Entrevistador: pois é, e quando que paro de faze isso?
Entrevistado: daí começaram a construir em roda aqui né
Entrevistador: a dai tinha moinho mais perto?
Entrevistado: sim, mais perto
Entrevistador: mas e quando que será que, o senhor lembra quando paro de usa
esses moinhos?
Entrevistado: não, não, não
Entrevistador: porque hoje a gente compra farinha no mercado né?
199
Entrevistado: a bom, hoje tu vai lá com dinheiro, tu compra o que tu qué, sem trabalha
(risos)
Entrevistador: mas é interessante isso né, porque dai a farinha ela tinha outra
qualidade né?
Entrevistado: a ela é mais boa, o moinho porque hoje por exemplo tem um moinho
aqui Nossa Senhora Salete, que trabalha que nem antigamente
Entrevistador: a é?
Entrevistado: sim, sim, faz farinha de milho com, com aquele moinho com mola de
pedra
Entrevistador: bah, que legal
Entrevistado: não é que nem aquelas indústria de hoje, é só mola de pedra né, ma o
milho com farinha muito boa, o meu cunhado Ernesto vai sempre lá no moinho, Nossa
Senhora Salete ali, tu conhece?
Entrevistador: não
Entrevistado: é ali, seria interessante pra ti ir lá
Entrevistador: é verdade, seria mesmo
Entrevistado: tu vai lá, até meu parente lá, a gente se dava barbaridade
Entrevistador: e o trigo, vocês tinham, plantavam trigo aqui?
Entrevistado: sim, sim
Entrevistador: e ai fazia essa mesma moagem lá?
Entrevistado: sim, a gente plantava milho, sim, trigo e vinha a máquina bate né, e
pegava primeiro ano que a gente não tinha condição montava numa mula com o saco
em cima, sacos comprido, dois metro (risos), montava em cima da mula e ia no
moinho, daí nesse moinho próprio, o próprio trigo eles te moinha, tu esperava tu vinha
pra casa com a farinha do teu trigo, hoje não existe mais isso ali né
Entrevistador: e daí a qualidade do que faz depois é muito diferente
Entrevistado: mas era uma farinha muito boa, com o teu trigo né
Entrevistador: sim, que pena né que isso foi se perdendo né
Entrevistado: claro, não tem mais, depois não me recordo mais qual é o governo que
foi que tiraram os moinho, não podia mais moe, tu não sabia isso ali?
Entrevistador: não
Entrevistado: o, isso aqui é verdade
Entrevistador: que coisa
200
Entrevistado: é, a gente não podia mais ir no moinho, tu tinha que compra a farinha
então, o teu próprio trigo não podia mais, porque tiraram o moinho tu vai moe aonde?
Nós tinha um moinho aqui longe 1km ali, na descida na ponte tu sabe? Que vai a
Caxias ali, ali era o nosso moinho, agora tiraram tudo
Entrevistador: então tá seu Hilário, acho que era isso então
Entrevistado: ta bom
Entrevistador: pra mim ta suficiente
Entrevistado: tu que sabe (risos)
Entrevistador: muito obrigado
201
Entrevistador: então a primeira coisa assim que eu queria sabe é se tu já foi pra
Itália?
Entrevistado: não
Entrevistador: porque?
Entrevistado: meu filho foi esses dias, ele queria que eu fosse, só que meu esposo
não me acompanha ele não gosta de viaja
Entrevistador: a que pena
Entrevistado: se não eu teria ido, então meus avós são de lá né, veio da Itália meu
avô mesmo, então sou de origem italiana
Entrevistador: sim, então qual foi, o seu avó foi, ele é de lá?
Entrevistado: é de lá, veio com 5 anos de idade
Entrevistador: sim, e aí?
Entrevistado: veio junto com a família né, eles vieram em 10 irmãos
Entrevistador: e aí ele veio com 5?
Entrevistado: 5 aninhos ele veio meu avô, depois aqui então se dividiram assim, eles
vieram de, a maioria vinha de Tirol, de Padua, Vicenza também, vinham de navio, até
aqui São Sebastiao do Cai que na época demorava muito a viagem deles né, inclusive
faleceu um irmão dele na viagem, que nasceu né, jogaram no mar, porque não tem
como né
Entrevistador: não pode ficar junto né
Entrevistado: isso, não podia fica junto, e daí eles de São Sebastião do Cai eles vieram
até Nova Milano, que Nova Milano tinha um barracão que recebia os imigrantes que
vinham de lá, só que daí eles permaneciam um tempo lá até que eles ganhavam o
lote deles, pra poder ir morar e começa a construir a casinha deles e tudo, então o
governo deu umas sementes pra eles e umas ferrameta né, não muitas, mas o
necessário e ai eles entraram pelo mato, que só tinha mato naquela época né, floresta,
floresta fechada, e eles começaram a derrubada de árvores, e cortaram, fizeram as
tabuas, as coisas pra construir as casinha deles, que era coberta com tabuas, ainda
202
lembro do meu pai que ele tinha uma casinha na lavoura assim tudo coberta com
tabuinhas pequenas assim, e era as telha dessas propriedades, e meu pai sempre
contava que meu bisavô eles tinham bastante criança né porque naquela época era
tudo famílias grande, então diz que um sempre ficava de plantão de noite em redor da
casa fazendo fogo para afasta os animais ferozes que eles comiam as crianças
Entrevistador: nossa, sério?
Entrevistado: então eles tinham que fica cuidando e sempre com fogo que aí o bicho
tinha medo de fogo porque diz que vinha onça, vinha leão, vinha esses bicho, então
eles ficavam um de plantão pra pode cuida das crianças
Entrevistador: e isso já aqui?
Entrevistado: aqui, ali no meu irmão que tem ainda o escavo assim onde foi construído
a casinha deles, e eles se alimentavam então, naquela época eles se alimentavam
mais de caça, porque não tinha outra coisa pra come, e como tinha pinheiros e o
pinhão, na época do pinhão, então eles comiam mais carne, do que outras coisas,
depois foram derrubando o mato e aí então eles começaram a planta, plantavam a
coisa principal que começaram a planta porque o italiano gosta muito de polenta,
então eles plantaram milho né, só que só tinha um moinho que era lá em Nova Milano
e como aqui é longe até lá né e não tinha transporte não tinha nada, então eles tinham
que carrega nas costas, então eles pegavam aquele saco de milho e iam, porque
demorava horas pra chega lá né, pra ir no moinho, então lá faziam a farinha, pra
depois faze a polenta pra come junto com a carne né e ai então os pais sempre diziam
pros filho: comam carne poupem a farinha. Porque era muito sacrifício ir até lá, muito
trabalho
Entrevistador: e a carne tinha mais
Entrevistado: e a carne eles caçavam, eles adoravam a caça, os italiano “bah”, pra
caça é, então tudo que era bicho eles matavam e comiam né, então era mais fácil pra
eles do que a polenta, isso eles foram derrubando mato, fazendo as moradia deles, e
assim foi né, até hoje agora estão progredindo, e o italiano gosta, gostava muito de
regiões assim onde tinha mato porque tinha caça e os alemães em vez eles gostavam
de planície, no plano, por isso que é aqui que os italiano são tudo em cima desses
morro (risos), eles sempre procuravam construir a moradia deles perto de uma
vertente, pra te água
Entrevistador: pra ter água
Entrevistado: água boa
203
Entrevistado: isso, era com o trigo também, só que não tinha aqueles fermento de hoje
rápido e tudo, tinha que faze dois ou três dias antes com batatas sal e água não sei o
que que botava lá, e depois fazia o pão, mas aquele pão, aquela farinha, não era que
nem agora branquinha tudo assim, era bem
Entrevistador: a senhora acha que agora é melhor ou antes era melhor?
Entrevistado: bom, pela comida, mas claro que agora é muito melhor
Entrevistador: é mesmo?
Entrevistado: sim, porque tu tem de tudo agora, e naquela época só tinha, é tudo
limitado né porque a família era grande, tudo famílias de 10 12, tive uma tia que ela
tinha 21 filhos
Entrevistador: nossa, é muita gente
Entrevistado: muita gente, então pensa bem a mesa, quando tu vai a mesa tinha que
se polenta, batata, e coisa assim bem rápida que dá pra faze né
Entrevistador: agora pensando um pouquinho na parte assim da história de
Forqueta assim, da formação, dos primeiros, dos lotes, dos primeiros lotes que
foi distribuído, a senhora conhece alguma coisa dessa época? Tem alguma
história da formação da região aqui?
Entrevistado: daqui da, do distrito de Forqueta?
Entrevistador: isso
Entrevistado: Forqueta foi fundado com a cooperativa né, a cooperativa de Forqueta
foi uma das primeiras que o meu vô por parte da minha mãe ele foi um dos fundadores,
eles eram parece que 13 sócios que fundaram a cantina
Entrevistador: cantina pro vinho?
Entrevistado: sim, então é uma cooperativa, e ai então esses fundadores eles, tu sabe
os italianos gostavam muito de vinho também, então trouxeram umas muda de
parreira da Itália, porque quando eles vinham eles não podiam trazer muita bagagem
então alguma coisa um ou outro traziam depois eles se passavam né, e plantaram,
então ai começaram com o cultivo da parreira né, então eles tiveram que arruma uma
cooperativa, pra pode fabrica o vinho porque nem todos tinham maquina essas coisas
né, e a cooperativa de Forqueta foi uma das primeiras do município
Entrevistador: e o nome Forqueta a senhora sabe a origem
Entrevistado: origem, a origem de Forqueta não, só sei que foi pela cantina ali que eu
tinha conhecimento
Entrevistador: aí a partir da cantina foi se desenvolvendo
205
Entrevistado: isto, isto, ainda continua só que ta tudo caindo aos pedaços lá
Entrevistador: é uma pena né
Entrevistado: agora se tornou museu né, então aí
Entrevistador: eu já visitei ali
Entrevistado: a tu já visitou
Entrevistador: é bem legal, e acho que já me contou um pouco dessa comida
primeira aí que o pessoal preparava então, preparava o que tinha por perto
Entrevistado: o que tinha por perto
Entrevistador: o que conseguia planta
Entrevistado: os primeiros né, depois então veio, que eu me lembro da minha mãe
também que ela fazia muito quando eles faziam uma festa, bolinhos de batata, fortaia
que era comida mais assim né, e a bastante coisinhas assim diferente, minha mãe era
muito caprichosa, ela gostava de faze os pratinho dela bem enfeitadinho, ela botava
uns bife à milanesa nos bolinho de batata assim sabe
Entrevistador: tudo ajeitadinho
Entrevistado: é, bem ajeitadinho, uma gostosura que eles vão, e depois o mais rápido
que eles faziam assim em dia de semana era o nhoque, o nhoque
Entrevistador: por causa da batata
Entrevistado: não mas fazia, minha mãe fazia sem batata
Entrevistador: a é?
Entrevistado: sim, tem um tipo que, eu faço sem e também meu esposo gosta, aí é
bem fácil aquele de faze
Entrevistador: é farinha só?
Entrevistado: não, ele bota dois ovos, sal a gosto, um pouquinho de sal né e três
xícaras de água, e a farinha o necessário, vai amassando assim, mexendo bem não
que fica muito duro nem muito mole né, pra depois bota numa panela com água
fervendo né, com sal ai joga as colherada assim dentro, e deixa cozinha lá uns 40
minutos, depois coa põe o molho que quisé por cima, um queijinho ralado, fica uma
delicia
Entrevistador: uma delícia, fiquei com fome agora (risos)
Entrevistado: (risos) esse é um prato assim rápido e que o pessoal fazia muito
Entrevistador: sim, e as comidas, a senhora até comentou um pouquinho das
festas assim o que que a senhora lembra?
206
Entrevistado: as festas antigamente era uma festa por ano que eles faziam na
comunidade, não tinha salão, tinha assim, só tinha a igreja e um pequeno boteco,
bodega eles chamavam né, e nesses festas então o pessoal ia pra festa, então vinha
de todas as comunidades da redondeza né, e nessas festa então a família fazia em
casa a festa, então me lembro que lá em casa tinha uma sala grande então a gente
estendia aquela mesa que cabia lá umas 20, 25 pessoas, e ai a gente na festa
convidava, então a fulano tu vem na minha casa hoje almoça, convidava o outro e
convidava, e todos os convidado tu formava esse grupo, e quando a gente ia pra festa
da comunidade deles eles faziam a mesma coisa, então a gente ia almoça numa casa
numa festa na outra ia almoça numa outra e era tão bom, tão bom porque o pessoal
conversava e, ai era uma maravilha, eu achava muito melhor que agora as festa
Entrevistador: que que é agora?
Entrevistado: agora é assim sabe, tu chega no salão, todo mundo senta, todo mundo
come, vem o rifão e depois todo mundo vai embora, pronto quando é três hora já
acabo a festa, em vez ali na antigamente continuava até noite, pessoal conversava os
rapazes as moças, ai era muito melhor
Entrevistador: saia uns casamento
Entrevistado: casamento muitos, muitos porque o pessoal ia passear pra cá pra lá na
estrada enquanto os outros paqueravam (risos), era assim
Entrevistador: e a senhora lembra, sabe me dize assim quais eram as comidas
que mais serviam nessas festas das casas?
Entrevistado: das casas não tinha nada de churrasco, naquela época nem
churrasqueira tinha, quando eles faziam, faziam numa cova, buraco na terra né e
cozinhava lá, ma lá na minha, no meu pai lá então a mãe fazia os frango temperado
no dia seguinte e botava no forno, forno a lenha e deixava lá toda a manhã, cozinhava,
quando chegava o meio dia tava bem vermelhinho assim, ai ela cortava em pedaço e
colocava nos prato e fazia um brodo, um caldo assim de galinha que deixo dias na,
fechada né que daí então elas ficavam gorda, bonita, ai matavam e faziam a sopa, e
fazia agnoline, aqueles agnoline
Entrevistador: já naquela época?
Entrevistado: sim, sim, os agnoline trouxeram da Itália aqueles agnoline, então a
receita né, então eles iam fazendo os agnoline, então só no dia de festa que tu comia
os agnoline, os galeto assim
Entrevistador: e hoje?
207
Entrevistado: a hoje é diferente, hoje o churrasco é o prato principal porque uma que
é mais fácil de faze, mais rápido, o pessoal não que trabalha muito, e é diferente hoje,
hoje tem maionese essas coisas toda, ao invés daquela época lá a gente fazia uma
salada de batata com ovo ma tudo picadinho dentro assim no, nada de maionese,
bem diferente
Entrevistador: entendi
Entrevistado: e a minha mãe fazia aqueles prato com, eu adorava quando chegava a
festa, que ela botava aqueles bife à milanesa com aqueles bolinho de batata, bolinho
de batata, ela fazia que nem um croquete assim sabe, cozinhava as batata, ela
cozinhava as batata, um quilo de batata, dois ovos, duas colheres de sopa de farinha
de trigo, sal ela botava um pouquinho de salsa, um pouquinho de pimenta a gosto e
depois esmagava tudo e modelava, fazia uns croquete, passava na farinha de rosca
ou farinha de trigo e fritava, ficava uma delícia
Entrevistador: uma delícia
Entrevistado: bem cozido assim, ela botava nas, a eu adorava aquele prato (risos)
Entrevistador: parece muito bom, e assim o, pra gente coloca na conversa agora
aqui essas questões de tradição assim, o que que a senhora entende que o seu
vô fazia e a sua mãe e seu pai faziam aí hoje a senhora faz também, ai tento
passa pros filhos, essa coisa né que a gente vai passando de geração em
geração
Entrevistado: embora que hoje, hoje não tem mais aquela, antigamente o pessoal
assim de lazer essa coisa, eles iam muito no filó, de noite, então eles iam nas famílias,
porque não tinha rádio, não tinha nada pra se comunica, não tinha, então eles
tratavam, bom tal noite nós vamo na família tal, vamo faze uma surpresa, alguém
estava de aniversario, bom na minha família por parte do meu pai, todo mundo tocava,
então lá era bandeon, era acordeon, era, então era aquela festa, então cada um levava
alguma coisa pra comemora lá, um bolo, uns grostoli, alguma coisa eles faziam né,
então lá dançavam pulavam dentro de casa assim, era uma beleza, dia de hoje não
tem mais isso, porque hoje é só internet, é tudo, tv, e fica na tv olhando, só essas
coisa agora, mas aquela época era muito bom essas surpresa, esses filó, ai faziam
pipoca, cozinhava amendoim e ia de tudo, pinhão
Entrevistador: e a comida tava sempre presente né
Entrevistado: sempre
Entrevistador: tinha música, tinha festa, tinha dança, mas a comida tinha que te
208
Entrevistado: sempre, sempre, a comida sempre, sempre, sempre, italiano não gosta
muito de come (risos)
Entrevistador: e gosta muito também de dar valor assim ao ingrediente né,
Entrevistado: sim, isso
Entrevistador: assim antes de virá uma comida né
Entrevistado: sim, sim, são bem gostosos a comida que eles faziam e que a gente
continua fazendo também
Entrevistador: e a senhora acha que seus filhos, seus netos vão da essa mesma
importância assim?
Entrevistado: olha meus filho continuam, porque tenho um filho, tenho uma filha e o
filho bah, tudo que é coisa de antigamente ele adora
Entrevistador: a é, que coisa boa
Entrevistado: ele gosta de tudo, de foto, de, tudo que é coisa assim, bom todos os fim
de semana ele ta aqui em casa, ele tem que vim, hoje ele vem também daqui a
pouquinho ele deve ta ai
Entrevistador: hoje ele tem que vir né
Entrevistado: sim, as minha neta, tenho duas neta só então elas, uma ta se formando
agora arquiteta e a outra ta tirando administração de empresa, então já elas não vão
mais naquele que nem nós assim né, de trabalha faze comida essas coisa toda,
porque o dia de hoje tem empregada né então eles, facilita, é que elas trabalham fora
né então se obrigam, se obrigam a pega empregada né, faxineira essas coisa toda,
mas nós continuamo na tradição
Entrevistador: aí perde um pouquinho dessa mão ali né
Entrevistado: perde, perde, perde porque não é mais que nem uma vez né, que hoje
tem mais facilidade também né, então é diferente
Entrevistador: o Irineu me conto que a senhora foi professora dele
Entrevistado: fui (risos), trabalhei 43 anos, sempre uni docência, com todas as séries,
primeira à quarta séries
Entrevistador: e o que que a senhora leciona?
Entrevistado: lecionava tudo
Entrevistador: tudo?
Entrevistado: tinha que ensinar todo, da primeira à quarta série todas as matérias,
todas, todas, todas, e ainda fazia a merenda, preparava as merenda pras criança
Entrevistador: então a escola era sua?
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Entrevistado: sim, ela tava aqui inclusive, eu tenho uma foto depois eu te mostro, tava
ali em baixo perto do Irineu ali onde tem aquele quiosque, ali na frente ali, trabalhei ali
acho que uns, antes mesmo foi lá em São Virgílio, lá na igreja, tinha uma escolinha lá,
depois eu, não sei quantos anos fiquei lá acho que uns 20, nem lembro mais, depois
eu vim pra cá, então perto aqui eu trabalhei mais acho uns 19, 18 19 anos, depois
ultimamente quando eu me aposentei eu trabalhei aqui em Conceição da Linha Feijó,
ali eu trabalhei mais 4 5 anos com pessoal de bairro assim, ai aquela pobreza, criança
deficiente, ai eu tinha um pouco de tudo, mais ai então tinha mais professoras então
ali eu trabalhei assim mais com as crianças que tinham problemas de primeira série
porque as outras profe. não queriam, não gostavam, e eu sempre gostei de criança,
então adora isso aí, mas se não aqui pra baixo sempre com uni docência, todas as
turma
Entrevistador: trabalhão né
Entrevistado: é, era matemática, era português, era história, era geografia, era
religião, era tudo, tinha que dá tudo, e com quatro séries, então tu tinha que alfabetiza,
tu tinha a primeira, segunda, terceira e quart, então tu dava aqui ali e vai, era uma
ginastica (risos)
Entrevistador: e era em português?
Entrevistado: toda sim, mas eu no começo era assim em italiano né, depois veio um
tempo que o governo proibiu fala em italiano
Entrevistador: é
Entrevistado: então foi tudo
Entrevistador: mas aí a senhora teve que ensina as criança também a volta a
fala português ou começa a fala português
Entrevistado: sim, tudo português, depois foi tudo português comigo né, mas quando
eu ia pra aula né, quando eu era criança tinha esse problema do italiano
Entrevistador: sim, em casa só falava
Entrevistado: sim, sim, mas eu falo tudo em italiano, meus filho entende tudo, só não
fala em italiano, mas eles entende tudo, então fala tudo em italiano aqui em casa
sempre, sempre, sempre, continua (risos), não sei parece que é mais fácil né, não sei
se é porque a gente foi criado com os pais a família sempre falando italiano então
parece que, mais rápido
Entrevistador: sim, é a primeira coisa que vem (risos)
Entrevistado: (risos) é bem assim
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Entrevistador: então tá, eu acho que é mais ou menos ai assim o que eu preciso
assim, acho que nossa conversa é essa
Entrevistado: não sei se pra ti deu
Entrevistador: é assim, em relação as minhas etapas ali eu cumpri elas todas
aqui então não sei se a senhora lembra de mais alguma coisa que acha que é
relevante pra essa história aí
Entrevistado: olha eu, a gente tem muita coisa pra conta de história né, só que no
momento a gente não lembra tudo né, então é mais
Entrevistador: então tá, acho que então finalizamos
Entrevistado: certo
Entrevistador: muito obrigado
Entrevistado: a magina