Professora Hanna Soares Cruzar as fronteiras rumo ao sul do Brasil é como entrar em outro país. Ainda mais em época de festa, quando o povo se veste com os trajes típicos de seus antepassados europeus de várias nacionalidades. Na paisagem subtropical adornada por parreirais, araucárias e macieiras, o cenário se harmoniza perfeitamente com a comida típica, e todo esse conjunto nos traz a ideia de um Brasil diferente, que evoca um pedacinho campestre da Europa. A cozinha do sul foi primeiramente talhada no molde dos bandeirantes, mas foi a influência dos imigrantes europeus, a partir do século XIX, que realmente definiu essa cozinha regional da maneira como é conhecida hoje. Foram tantos povos, tantas influências, tantos temperos e tantas técnicas novas, algumas ainda em processo de absorção, que muita gente acredita estar essa culinária ainda em formação, não havendo nela elementos suficientemente distintos para caracterizá-la como uma cozinha autenticamente regional. Mas em que outro lugar do mundo se pode comer preparações tipicamente brasileiras como o barreado paranaense, um churrasco de rolete, o charque gaúcho, um bom chimarrão ou um arroz-de-carreteiro? Por isso, não há dúvidas: existe uma maneira sulista de comer, mesmo quando é baseada em pratos introduzidos recentemente pelos muitos imigrantes que nessa região aportaram. Na região, as muitas receitas de origem europeia adquiriram certas peculiaridades, pois, como são muito antigas, trazidas por povos que chegaram aqui ainda no século XVII, o próprio tempo se encarregou de mudar a maioria delas. Dos índios, que viviam espalhados por todo o Sul antes do início das imigrações, veio o barreado e o hábito do chimarrão, feito de mate, servido numa cuia (porongo) e sorvido por um tubo de metal (bomba). 4 Dos poloneses, os sulistas herdaram os bolinhos de semolina cozidos no vapor, conhecidos como knedle, ótimos para acompanhar carnes e frangos. Dos italianos, vieram os risotos, a polenta e os galetos feitos com frango de leite, conhecidos por al primo canto. Com os açorianos, aprendeu-se a utilizar os produtos do mar. A tainha na telha e o caldo de camarões são exemplo dessa influência. 5 Com os alemães, aprenderam a técnica da presuntaria, dos defumados, de pães, biscoitos, tortas e docinhos, além, é claro, da utilização do repolho e da batata em vários pratos salgados. Aliás, os alemães foram os primeiros a produzir manteiga no Brasil. Por nunca terem tido fartura de açúcar, aprenderam a elaborar doces mais suaves. Era comum fazer preparações quase sem açúcar e polvilhá-las depois de prontas. 6 Não é de estranhar que, em uma região com tanta influência estrangeira, o arroz com feijão, farinha e bife não seja o prato mais consumido no dia-a-dia. Dependendo da região, os pratos que vemos com frequência são o eisbein, o kassler e os tortei de abóbora, tão populares quanto o churrasco. Para beber, os acompanhamentos mais prestigiados são o vinho e a cerveja, de farta produção local. Entre as muitas contribuições do Sul para a gastronomia brasileira, o vinho vem ganhando cada vez mais destaque até internacional. A VIDA COTIDIANA
Pelas variadas influências, é difícil
determinar em hábito geral. Porém, alguns costumes mais comuns podem ser identificados. A tendência é o café da manhã farto, com itens como torta e rocambole de frango, torta fria, linguiça, pães (de batata ou de milho, por exemplo), geleias, cucas de maçã e de banana e tortas doces. Acompanham café com leite, chocolate quente e suco de frutas. No almoço, o cardápio acompanha a nacionalidade de ascendência, mas na sobremesa são muito comuns os pudins de leite, as frutas e o sagu. O jantar geralmente consiste em sopas como a de cappelletti ou canja. Arroz, batata e macarrão são ingredientes comuns e também é costume reaproveitar o almoço. Para acompanhar, muito pão com manteiga ou nata. DELÍCIAS DAS MONTANHAS
De clima frio, o Sul possui produtos que lembram a tradição europeia.
Foram os italianos, por exemplo, que trouxeram as primeiras mudas de parreiras para o Rio Grande do Sul, cujos descendentes produzem vinhos competitivos no mercado internacional. Já a região de Gramado e Canela é famosa pela produção caseira de chocolate, muitos são acrescidos de nozes, de uvas-passas, de castanhas e de frutas cristalizadas. Há um grande consumo de carnes selvagens, como o marreco, por exemplo. O Sul é a região brasileira onde esta carne é mais consumida. Inclusive uma parte da produção local é destinada à exportação. Entre a colônia alemã do Sul, O marreco é um prato muito comum no natal e a receita tradicional inclui purê de batatas, chucrute e molhos fortes. Como a caça é permitida no Rio Grande do Sul – respeitando-se a época de temporada -, existe no estado uma preferência por carnes de caça, como perdiz, codorna e javali. Em Santa Catarina a caça é proibida, mas criações de javali abastecem o mercado com a carne e seus derivados: salame, salsicha, linguiça, presunto, copa e lombo defumado. Além disso, a região possui ingredientes que já eram utilizados pelos índios e foram incorporados à cultura dos imigrantes, como o pinhão. AS VINHAS DO SUL A produção de vinhos no sul do país tem-se mostrado uma das atividades mais rentáveis e de prestígio da região. Atualmente são produzidos vinhos de qualidade superior no Rio Grande do Sul, em regiões como a tradicional Serra Gaúcha, a Campanha, na divisa com o Uruguai, e a Serra do Sudeste, próxima ao extremo sul do estado. E em Santa Catarina, algumas regiões começam a ter destaque no cenário vinícola nacional. FESTAS TÍPICAS Manifestar a cultura e os hábitos herdados pelos descendentes europeus é o principal mote das festas dos sulistas, com a gastronomia sendo, muitas vezes, o foco principal. Em Santa Catarina são exemplos a Oktoberfest de Blumenau, que distribui milhares de barris de chope e muita comida típica, e a Fenarreco, que apresenta receitas à base de marreco, muito apreciado na região. Símbolo do estado do Paraná, o pinhão tem seu ponto alto na Festa de São José dos Pinhais. E a importância da uva na cultura e na economia da Serra Gaúcha fez nascer a Festa da Uva, em Caxias do Sul, realizada sempre na colheita, entre fevereiro e março. 13 PARANÁ As típicas casas de madeira ainda prevalecem na paisagem campestre do Paraná. Elas datam da chegada dos imigrantes, por volta de 1850. O desenvolvimento da agricultura é uma das contribuições destes povos, que plantaram produtos como o arroz e o café. A presença dos tropeiros também foi decisiva na cultura paranaense, colaborando com o surgimento de povoados e introduzindo pratos como o feijão-tropeiro e a quirera na cozinha local. Cada povo estrangeiro, além disso, contribuiu com receitas de seu país de origem. Dos alemães, por exemplo, herdou-se a familiaridade com pratos como o chucrute e o picles, os salsichões, as linguiças de porco, as carnes defumadas e as guloseimas como o pão de trigo e de milho, as cucas de banana e de maçã e o famosos apfelstrudel (torta folhada de maçã). São curiosidades o stolen – um tipo de panetone alemão, com passas brancas e pretas, nozes, amêndoas, frutas cristalizadas, rum e trigo – e o strudel de requeijão (streichfasestrudel). Outro prato muito encontrado no paraná é o pierogi, um delicado pastel cozido, à base de massa levedada e recheado com batatas cozidas e requeijão fresco, cuja identidade é polonesa, a cozinha ucraniana deixou marcas na cultura local, com pratos como a sopa de beterraba (borstch). Em Curitiba, capital paranaense, tanta diversidade resultou em uma cidade de organização e beleza impecáveis, na qual se destacam artesanato ucraniano, casas de chá polonesas, restaurantes alemães e um bairro italiano, onde é servido, além de outras tipicidades, um legítimo frango caipira com polenta e radicci (almeirão). Em sua rica gastronomia também cabem o leitão desossado e recheado, o porco no rolete, o carneiro ao molho de vinho e o quase primitivo carneiro no buraco, muito consumido em campo mourão. E não poderiam faltar as variações com o ingrediente típico dessa terra, o pinhão, e o barreado, a receita símbolo do paraná. O barreado é uma preparação descendente dos moqueados indígenas, que embrulhavam os alimentos em folhas de bananeira, os enterravam e faziam uma fogueira sobre eles. Assim, depois de 12 horas o alimento estava pronto. Posteriormente, o barreado deixou de ser embrulhado e passou a ser colocado dentro de uma panela de barro, tampada e vedada com uma goma feita de farinha de mandioca. Dessa maneira, evita-se a entrada de terra, quando a panela é enterrada, e a saída de vapor, criando-se uma rudimentar panela de pressão. O resultado é uma carne muito macia que já se desfaz com o contato do talher e se desmancha na boca, geralmente servida com farinha de mandioca e banana. O PINHÃO E A LENDA DA GRALHA-AZUL Quando se fala em pinhão, uma associação rápida é feita, na região, à gralha-azul, ave que se encarregou de multiplicar os pés de araucária em território paranaense, ao alimentar-se dos pinhões e deixar as sementes espalhadas pelo solo. Uma lenda indígena conta que essa ave, que inicialmente era cinza, recebeu a incumbência divina de disseminar as sementes de araucária para que seu fruto pudesse ser consumido. Bem sucedida em sua ação, deus transformou sua plumagem em um belo azul da cor do céu. Este pinheiro é tão importante que o próprio nome da capital paranaense, curitiba, vem do tupi kuri (pinheiros) e tyba (abundância). Os índios das terras do paraná foram os primeiros a usar o pinhão em sua culinária, passando a outros povos que vieram habitar a região esses conhecimentos ancestrais. O seu uso não se limita à região sul, pois a araucária e a cultura do pinhão estão presentes em alguns municípios de clima frio do sudeste, como campos do jordão, em são paulo, e visconde de mauá, no rio de janeiro. O inverno é a época da festa do pinhão, em vários municípios do paraná em que araucária resiste. Em são josé dos pinhais, no sul do estado, há mais ou menos uma década essa festa é um importante evento que ocorre em julho. Na ocasião, como não podia deixar de ser, há muitos pratos à base desse ingrediente, tanto tradicionais, como é o caso do típico pudim de pinhão, quanto criativos, sendo um exemplo o estrogonofe de pinhão. Os cozinheiros locais descobriram a versatilidade do pinhão e passaram a usá-lo, já há algum tempo, em receitas doces e salgadas. É tradição arraigada o consumo de pinhão nas festas juninas, tanto cozido quanto assado na brasa. Ingrediente versátil, até recentemente poucos se arriscavam em receitas com ele, mas hoje cozinheiros têm criado pratos com pinhão. SANTA CATARINA Na bela Santa Catarina, repleta de montanhas, os produtos mais cultivados são o milho, a soja, a cana-de-açúcar, o arroz, a uva, a banana e a maçã. Os alemães também encontraram nos vales catarinenses as condições ideais para a criação de marrecos, muito apreciados na culinária dessa região. Chegando a nevar em pontos mais altos da serra catarinense, como na cidade de São Joaquim, o clima peculiar atrai o turismo, fomentando a economia local. O cultivo da maçã tem também grande importância econômica, com a produção de geleias, de maçã-do-amor e de vários outros pratos como o apfelstrudel, além da fruta ser um bonito adorno na paisagem. A cerveja é uma bebida catarinense por excelência, mas a recente produção de vinhos finos no estado, resultado de grandes investimentos, vem despertando o interesse dos especialistas.
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