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O TRIPÉ DA GASTRONOMIA BRASILEIRA:

ÍNDIOS, EUROPEUS E AFRICANOS


Alimentação indígena

A base da alimentação
indígena era a mandioca,
na forma de farinha e de
beijus, mas também de
frutas, pescado, caça,
milho, batata e pirões.

Os povos indígenas conheciam o


fogo e o utilizavam tanto para o
aquecimento e a realização de rituais
quanto para preparar os alimentos.
Diferentes produtos da Mandioca depois de
ralada e espremida:
➢fermentado ao sol e fervido –manicuera ou tucupi –
usados em caldos, carnes e peixes, e no tacacá;
➢massa prensada –beijus assados no forno,
semelhante pão ázimo, beiju com goma ou tapioca,
massa puba;
➢massa torradas e esfarelada –farinhas de todas as
cores, secas –finas e grossas;
➢quando se mudavam transformavam o mandiocal
em farinha. Origem das farofas, pirões, xibés (com
água pura),e caldos da caridade para os doentes.
[...] os indígenas americanos têm nas suas terras duas espécies de

raízes, a que chamam aipim e mandioca, as quais em três ou quatro

meses crescem no solo e ficam tão grossas como a coxa de um

homem, com o comprimento de pé e meio, mais ou menos: quando as

arrancam, as mulheres (pois os homens não se ocupam disso)

secando-as ao fogo no moquém, tal como logo descreverei, ou

tomando-as ainda frescas, as ralam à força em pontas de pedras

miúdas fixadas e arranjadas em uma peça chata de madeira (como

ralamos e raspamos o queijo e a noz moscada), e as reduzem a farinha

alva como a neve. [...] (LÉRY, 1889, p. 194).


Os peixes
➢Moqueado (difundido entre o
piratas franceses-bouquen; pilado –
ração de grande durabilidade –
piracuí; quinhapira (peixes ou piracuí
cozidos na pimenta) com folhas da
mandioca, as manivas –maniçoba.

➢Carne de caça –alimento secundário: porco do mato. Da carne


pilada –paçoca;
➢Outras fontes proteicas –insetos: cupins amarelos vivos ou
assados, tanajuras cruas com farinha, besouros e gafanhotos
tostados, tapurus de troncos podres.
➢Outros alimentos secundários:milho, batatas-
doces, feijões e os jerimuns de leite e o caboclo.
➢O hábito de plantar frutas não era comum entre
os indígenas, já que dispunham de uma grande
oferta natural abacaxi, ananás, goiaba, cajá,
maracujá, umbu, açaí, mangaba, caju entre
outras.
➢As polpas eram dissolvidas em água,
transformando-se em vinhos e misturados com
farinhas e tapiocas.
➢Caldos, bebidas e mingaus eram feitos com o
cozimento da banana-da-terra ou pacova
[...] quanto ao modo de cozinhar e preparar a carne, nossos

selvagens a fazem, moquear, na forma de seu costume. [...

infincam em suficiente profundidade na terra quatro forquilhas [...]

formam uma grande grelha de madeira, que na sua linguagem

chamam de moquem. [...] E por que não salgam suas viandas

para guardá-las, como cá nós fazemos, não têm outro meio de as

conservar senão fazendo-as assar. (LÉRY, 1889, p. 207).


Pimenta e Sal
Elemento essencial para os indígenas
Comia- se verde ou madura; misturada com
pescados ou legumes; ou ainda inteira ou
amassada com farinha, era, por si só, um
alimento completo. Já se via entre os índios
a obtenção do sal pela retenção da água do
mar ou pela queima da terra salitrosa e este
sal com a pimenta transformava-se num
molho especial que se acrescentava ao
alimento somente no momento da ingestão.
Refeições
➢Não havia hora determinada para as
refeições.
➢Os índios se alimentavam quando
sentiam necessidade.
➢Sua preferência era o alimento
assado ou tostado ao cozido e a fritura
não era uma técnica conhecida.
➢Os alimentos eram preparados
separadamente, em recipientes
distintos, ainda que fossem para ser
comidos misturados.
A partir da influência Moura, e das
relações que já tinham com o
Oriente e a África, a cozinha lusa
trouxe para o Brasil uma culinária
rica em temperos, sabores e
produtos até então desconhecidos
pelos que lá habitavam.

“no Brasil, os elementos trazidos nas bagagens, na memória,


intrínsecos nas heranças culturais, vivos nos hábitos, fiéis nas
tradições, aculturaram-se, reformularam-se, reelaboraram-se
numa cozinha que em um primeiro momento mobiliza a base
alimentar do índio, nativo brasileiro”. (Lima 2005:15).
Conforme Goes (2008:88-89) no século XV, os portugueses se
alimentavam:
“comia-se pão e peixe cozido, confeitos, farteis, mel, figos passados
(segundo se lê na carta de Pêro Vaz de Caminha), o universal
manjar branco, massapão, bolos de amêndoas, marmeladas e
peradas, sopas, muitas sopas, caldos de carne ou hortaliças, sobre
fatias de pão, papas, trigo, centeio, cevada e aveia, milheitos e
painços, pastéis e empadas de caça ou de peixe, perdizes, lebres,
coelhos e veados, porco (presuntos, enchidos, fumados), cabrito,
vaca, carneiro, carnes assadas no espeto, galinhas e patos, ovos,
cação, sardinha, linguados, corvinas, congro e lampreia, salmão,
trutas, salmonetes, besugos, sargos, pescadas, atum, raias, polvos,
solhas, savéis, eirós, tainhas, ameijoas, berbigão e ostra,
caranguejos, santolas, lagostas, lagavantes, percebes, leite, queijo e
manteiga, marmelos, limões e laranjas, melão, figo, uvas, ameixas,
cerejas, peras, castanhas, amêndoas e nozes, pepinos, alhos e
cebolas, grãos, lentilhas, temperava-se com sal, azeite, banana e
especiarias (pimenta canela, noz moscada) vindas da Índia, mel e
açúcar da Madeira, bebia-se vinho branco e tinto”.
Na tentativa de reproduzir a

cultura alimentar europeia, os

portugueses trouxeram

diversos produtos e animais

que não existiam no país.

Porém, também se adaptou aos alimentos ofertados pelos


trópicos. Dentre eles a principal substituição foi a do trigo pela
mandioca, que constituía a principal base da alimentação
ameríndia.
Com início da colonização sistemática em 1530, os portugueses foram
paulatinamente se estabelecendo ao longo do litoral brasileiro. Ocorreu
então, promovido pelos colonos, navegadores e jesuítas portugueses um
amplo processo de troca de plantas, dentre elas as hortaliças, entre
Portugal, Brasil e as outras possessões portuguesas na África e na Ásia.
Além de diversificar a alimentação, estas introduções serviram de material
básico para o melhoramento genético, muitas vezes realizado de forma
empírica, na adaptação destas espécies às condições climáticas brasileiras
Para além dos alimentos, o
português levara
“conhecimentos e práticas de
cozinha e de produtos que
conhecera em Cabo Verde,
Angola, Madeira, Açores e nos
contatos com Árabes e
Espanhóis. Trouxeram também
modos de temperar, preparar,
confeccionar e conservar
alimentos” (Hamilton, 2005:62).
A matrona portuguesa aprimorou
muitos pratos indígenas: “fez o beiju
ameríndio mais fino e mais seco,
molhou o polvilho de mandioca com
leite. Criou comidas, doces, conservas
com frutas e raízes da terra, vinho e
licor de caju, castanha de caju no
lugar da amêndoa, o cuscuz de
mandioca, a carne com cará, a canela
e cravo conferindo sabores nobres a
frutos tropicais” (Dutra, 2005 :34). -
Os portugueses trouxeram ao Brasil:

Bois, vacas, touros, ovelhas, cabras, carneiros, porcos, galinhas,


patos, gansos e outros que criavam nos quintais e currais que
faziam em suas fazendas. Além disso foram os responsáveis por
plantar uma enorme quantidade de frutas, legumes, vegetais,
cereais e temperos. (LEAL,1998,p.71)
➢No século XVI os portugueses
introduziram o costume de comer
carne de gado que começou com a
vinda dos rebanhos para o continente
americano.

➢Assim, sarapatel, panelada, buchada, entre outros, não foram


técnicas africanas, mas processos europeus.

➢O sarapatel ou sarrabulho, alimento preparado com sangue e


vísceras de porco e carneiro, o português aprendeu na Índia.
➢A panelada e a buchada, preparadas
com vísceras assadas em grelha ou
chapa do fogão, têm origem
castelhana e entraram no país por
influência da vizinhança e contato
espanhol.

➢Os indígenas nem conheciam o consumo de carne bovina e os


africanos nunca tiveram tal costume.

➢Em períodos de escassez, o negro africano vendia boi para adquirir


comida no comércio.
Plantado pelos portugueses, o arroz
só passou a ser largamente
consumido no século XVIII e, ainda
assim, na consistência de pirão com
água e sal para acompanhar carnes e
peixes.
A partir da contribuição dos negros,
dos índios e dos brancos inúmeros
pratos de arroz começaram a ser
criados como o arroz de haussã, arroz
de forno, arroz de cuxá, arroz de piqui,
arroz de carreteiro, entre outros.
Os talheres vieram para o Brasil na metade do século XVII, mas apenas
as casas nobres os conheciam.
O português também trouxe para o
Brasil:

➢as festas tradicionais – Páscoa, São


João, Natal –, com seus cantos, danças
e comidas típicas.

➢o pão, feito com quase todos os


cereais: cevada, centeio, aveia e
principalmente Trigo.
➢de outras colônias, especialmente as
africanas, novas frutas: uva, figo,
➢maçã, marmelo, pêssego, romã, cidra,
tâmaras, melão, melancia.
➢o pepino, a mostarda e diversos
condimentos e ervas.

O prato nacional, a feijoada completa, é


um modelo aculturado do cozido
português com feijão e carne seca.
Contribuição africana

Em torno de 80 pratos

Dentre eles: mão de vaca, carurus,


vatapás, mingaus, pamonhas e canjicas,
acarajés, arroz de coco, angus,

A palmeira do dendê foi cultivada ao redor da cidade de Salvador, o


maior centro demográfico da época, onde a presença africana
tornou- se marcante.

O uso do dendê era transmitido pelos escravos e as negras que


serviam nas residências dos brancos. Eles impunham o azeite de
dendê como a cozinheira portuguesa impunha o uso do azeite de
oliva.
A população negra que vivia no Brasil
plantou inúmeros vegetais que logo se
tornaram populares, tais como: quiabo,
caruru, inhame, erva-doce, gengibre,
açafrão, gergelim, amendoim africano e
melancia, entre outros.

Os negros trouxeram para o país a


pimenta africana, cujo nome localizava a
origem, Malagueta.
A malagueta apenas aumentou o prestígio das pimentas

brasileiras, que também dominaram o continente africano.

Quanto às carnes, o único animal

africano que continua colaborando

no cardápio brasileiro é a galinha-

d’angola.
A banana foi herança africana no século
XVI e tornou-se inseparável das plantações
brasileiras, cercando as casas dos
povoados e as ocas das malocas indígenas,
e decorando a paisagem com o lento
agitar de suas folhas.

Nenhuma fruta teve popularidade tão


fulminante e decisiva, juntamente com o
amendoim.
Da África vieram ainda a manga, a jaca, o
arroz, a cana de açúcar.

Em troca, os africanos levaram mandioca,


caju, abacaxis, mamão, abacate, batatas,
cajá, goiaba e araçá.

O coqueiro e o leite de coco,


aparentemente tão brasileiros, também
vieram do continente africano.
Pratos brasileiros de origem africana com os respectivos
ingredientes (há variações regionais):
➢Abará ou abalá: bolo de feijão fradinho cozido com sal, pimenta,
azeite de dendê e camarão seco. É enrolado em folhas de bananeira e
cozido no vapor.
➢Aberém: massa de milho cozida em banho-maria, sem levar
tempero. Acompanha vatapá, caruru.

➢Acarajé: massa de feijão fradinho, com


condimentos. Forma uma espécie de
bolinho e é frito no azeite de dendê.
Serve-se com camarão, pimenta etc.
➢Bobó: massa que pode ser de feijão mulatinho,
inhame, aipim etc. É cozida e temperada com
azeite de dendê, camarão e condimentos. Come-se
puro ou com carne ou pescado.

➢Cuscuz: massa de milho pilada, cozida e umedecida com leite de coco


(o original africano era feito com arroz e com outros condimentos ao
invés do leite de coco).
➢Cuxá: diz-se no Maranhão do arroz cozido, temperado com folhas de
vinagreira, quiabo, gergelim torrado e farinha de mandioca.
➢Mungunzá: milho cozido com leite de vaca ou de coco.
➢Quibebe: sopa de abóbora com leite de vaca ou coco. Há variações
com carne seca, toucinho, quiabo, maxixe etc.
➢Vatapá: um tipo de caldo grosso feito de pão dormido, farinha de
trigo e camarões, servido com peixe, bacalhau ou galinha, acrescido de
pimenta, azeite de dendê, leite de coco e condimentos.
Nas últimas três décadas, ocorreram

importantes mudanças nos hábitos alimentares

dos brasileiros: redução no consumo do arroz,

feijão e farinha de trigo; maior consumo de

carnes em geral, ovos, laticínios e açúcar;

substituição da gordura animal por óleos

vegetais, manteiga por margarina e aumento

nos gastos com alimentos industrializados.


O ritmo agitado imposto pelo mercado de trabalho deixa cada vez
menos tempo livre para alimentação e lazer. Os intervalos precisam ser
bem aproveitados e o horário das refeições, em especial o do almoço,
acaba servindo para várias atividades.

Começam a surgir alternativas nas


indústrias de alimentos e dos serviços de
alimentação:
alimentos congelados e pré-cozidos,
drive-thru, fast-food, delivery, e self-
service traduzem a importação do novo
estilo do padrão alimentar brasileiro.
CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil.
4ª ed. São Paulo: Global, 2011.

FLANDRIN, Jean-Louis (Dir.); MONTANARI, Massimo (Dir.).


História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998

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