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Incêndios na Amazônia levam a 15 milhões de casos de doenças respiratórias e cardíacas por

ano

Custo anual de saúde estimado é de US$ 2 bi; terras indígenas absorvem cerca de um terço dos
poluentes COMPARTILHAMENTO ESPECIAL Assinantes podem liberar 5 acessos por dia para
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ou FAÇA LOGIN 6.abr.2023 às 12h00 Atualizado: 6.abr.2023 às 12h16 Ouvir o texto Diminuir
fonte Aumentar fonte Ana Bottallo SÃO PAULO No romance do autor português Valter Hugo
Mãe lançado em 2022, "As Doenças do Brasil", o fogo é visto pelos indígenas da aldeia fictícia
amazônica Abaeté como espíritos do mal da floresta, já que lambe toda a vida e provoca a
morte. Fora da ficção, os incêndios na Amazônia trazem também problemas graves de saúde às
populações de territórios indígenas e de outras cidades que podem persistir por anos. Um
estudo conseguiu mensurar pela primeira vez os danos associados às queimadas em terras
indígenas da Amazônia Legal e observou um impacto estimado de cerca de 15 milhões de casos
de infecções respiratórias e doenças cardiovasculares por ano com um custo estimado de US$
2 bilhões (cerca de R$ 10,1 bi). Considerando que as partículas de poluentes dispersas com os
incêndios podem se espalhar para até 500 km do local do foco inicial, os danos à saúde são
sentidos em diversos outros estados e países do continente sul-americano. Queimada em área
desmatada no município de Humaitá, sul do Amazonas - Lalo de Almeida -
11.set.20/Folhapress Por outro lado, manter a floresta de pé auxilia na absorção desses
poluentes e ajuda a prevenir casos de problemas respiratórios e gastos aos serviços de saúde.
O estudo, publicado nesta quinta (6) na revista científica Communications Earth &
Environment, do grupo Nature, foi conduzido por pesquisadores de Brasil, México e Estados
Unidos, com apoio financeiro da Fundação Ford. Antes da publicação, foi organizada uma
conferência para jornalistas na última quarta (5) com a presença de Carlos Nobre, cientista do
clima, Paula Prist, pesquisadora da Ecohealth Alliance (EUA) e autora principal do estudo,
Patrícia Pinho, diretora científica do Ipam (Instituto Brasileiro de Pesquisa Ambiental da
Amazônia), Marcia Macedo, diretora do programa de água e pesquisadora do Centro de
Pesquisas Climáticas Woodwell, Dinamam Tuxã, coordenador-executivo da Apib (Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil) e Maypatxi Apurinã, gerente de monitoramento territorial da
Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). Para avaliar os efeitos
na saúde do fogo nos territórios indígenas da Amazônia, os cientistas primeiro usaram dados
de satélite de dois sistemas da Nasa de incêndios e a correlação destes com a emissão de
poluentes na atmosfera de 2010 a 2019. Esses poluentes são medidos pela chamada
concentração de material particulado de dimensão 2,5 (PM2,5). A OMS (Organização Mundial
da Saúde) recomenda um limite máximo de 5 µg/m3 (microgramas por metro cúbico) de
PM2,5. Em seguida, observaram a incidência das infecções respiratórias do mesmo período
provocadas pela poluição do ar ou por inalação dessas substâncias, utilizando os dados do
DataSUS, do Ministério da Saúde. Os cientistas consideraram as taxas de infecções nos 772
municípios da região, não só naqueles adjacentes às terras indígenas. Segundo Prist, a análise
das infecções respiratórias no estudo incluiu tanto os pacientes afetados pela exposição ao
PM2,5 aguda (no local do incêndio), cujos efeitos levam ao atendimento emergencial em
serviços de saúde, quanto aqueles que, devido a uma exposição anual às partículas, tiveram
adoecimento crônico. Cruzando os dados, os pesquisadores viram uma maior incidência de
infecções por doenças respiratórias nos anos de maior ocorrência de queimadas (2011, 2013 e
2010). A incidência média anual no período foi de 587 casos por 100 mil habitantes. Nos
territórios indígenas, a taxa registrada foi de 227 casos por 100 mil habitantes —cerca de 143
mil casos por ano. A incidência de novas infecções respiratórias apresentou um crescimento de
165% nos territórios indígenas de 2010 a 2019, sendo o último o pico de maior incidência
(também de maior ocorrência de queimadas). Alguns locais, como nos territórios indígenas
Kayabi (Mato Grosso), Panará (Pará) e Sete de Setembro (na divisa de Rondônia e Mato Grosso)
representaram as maiores incidências de casos respiratórios. Para a pesquisadora, apesar de
alguns picos representados por aumento da ocorrência de queimadas em 2013 e 2019, a
análise considerou as internações ano a ano justamente para eliminar esses possíveis pontos
"fora da curva". "Toda vez que temos um incêndio, ele tem o efeito para a saúde pública e,
embora em anos com mais queimadas o efeito seja maior, na nossa análise vimos uma
correlação clara entre incidência de doença respiratória e emissão de poluentes", afirma Paula
Prist. A pesquisa estimou que mais de 1,7 tonelada por ano de poluentes é liberada só com os
incêndios na Amazônia, sem contar as queimadas em outros biomas brasileiros. Por outro lado,
a floresta amazônica tem o potencial estimado de absorver 26 mil toneladas de poluentes na
atmosfera a cada ano, sendo 27% desta capacidade somente nos territórios indígenas, que
representam 22% de toda a extensão da Amazônia Legal. "A preservação da floresta e dos
territórios indígenas e tradicionais tem capacidade não só de mitigação climática, mas também
de trazer benefícios inequívocos para a saúde", explica Prist, destacando que nos últimos
quatro anos de governo Bolsonaro houve um desmantelamento das políticas de proteção às
terras indígenas. 1 5 Um ano depois do 'dia do fogo' Boiada em meio a área desmatada na
região de Novo Progresso, no Pará, onde, em 2019, houve o "dia do fogo", no qual fazendeiros,
madeireiros Christian Braga/GreenpeaceMAIS
VOLTARFacebookWhatsappTwitterMessengerLinkedinE-mailCopiar link O estudo destaca ainda
que houve um aumento de perda florestal por queimadas no período, uma situação que vem
se agravando —os anos de 2020 a 2022, não inclusos no estudo, foram de recordes de
desmatamento na região. "O número de incêndios vem crescendo nos últimos anos, então é
de se esperar que os efeitos para a saúde também sejam aumentados", afirma a pesquisadora.
Para Dinaman Tuxã, da Apib, o estudo concretiza aquilo que os povos indígenas alertam há
tempos. "Já vimos alertando e contribuindo para a comunidade científica e global a
importância dos territórios indígenas para o combate ao aquecimento global e às mudanças
climáticas. Quando alertamos para a demarcação [de terras], isso reflete muito mais do que
apenas na população indígena que vive ali", diz. Tuxã espera que o governo Lula (PT) cumpra a
promessa de realizar a demarcação de terras indígenas até o prazo de cem dias de governo,
que será completado na próxima segunda (10). Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas
informou que concluiu a instrução processual de 12 terras indígenas consideradas como
prontas para finalização do procedimento demarcatório, de acordo com a identificação feita
pela equipe de transição de governo ainda em 2022, e que espera retomar os processos de
demarcação durante o mês de abril. De acordo com estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia), a demarcação dos 13 territórios indígenas prometidos, dos quais
cinco estão na Amazônia, totalizariam em uma redução de mais de 470 bilhões de gases de
efeito estufa emitidos na atmosfera, além da possibilidade de estocar dezenas de bilhões de
toneladas de carbono. "É imprescindível preservar os territórios não só pela sua biodiversidade
e complexidade cultural, mas para assegurar o futuro tão almejado de um desenvolvimento
sustentável e de resiliência climática", afirma Patrícia Pinho, do Ipam. O projeto Planeta em
Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

Fonte:
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/04/incendios-na-amazonia-levam-a-15-
milhoes-de-casos-de-doencas-respiratorias-e-cardiacas-por-ano.shtml

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