Nome Completo: Idália Rodrgues Bata Pseudónimo do autor : Idália Bata Título da crónica O Pranto da Matimati E-mail do autor: idaliabataa@gmail.com Celular: +258 842335055 Data de nascimento: 04/12/2001 Cidade / Província de residência: Cabo Delgado Universidade: Universidade Rovuma - Extensão de Cabo Delgado Curso Licenciatura em ensino do Português com habilitação em ensino de Inglês Mini biografia Idália Rodrgues Bata, nascida aos 04 de Dezembro de 2001, no distrito de Jamgamo, provincia de Inhambane, frequentou o ensino primário de entre 2007 à 2014 nas escolas primária completa de Matenga e Escola primária completa 25 de Junho, frequentou o ensino secundário de entre 2015 à 2019 nas Escolas secundária Nelson Mandela e Escola secundária de Massinga, actualmente, licenciando em ensino do Português com habilitação em ensino de Inglês na Universidade Rovuma – extensão de Cabo-Delgado, Moçambique. O pranto da Matimati O dia nasceu morno. Não aquecia muito, nem gelava muito. Estava morno. Muito tépido para um simples dia do mês mais árctico do ano – o gélido mês de Junho. Uma densa cacimba ofuscava o caminho, mas o autocarro que transportava Matimati e Paulo, seu filho, ainda se movia. Não corria com a mesma velocidade com que deslizava nas zonas de maior brilho, mas ainda assim se movia. Era um desses autocarros da Companhia Nagi, uma das maiores companhias de transporte rodoviário de pessoas no país, e tinha um motorista que pareceria não conhecer regras básicas de condução. Quem, em sã consciência, conduz um autocarro com mais de sessenta passageiros num cacimbo denso daqueles e numa zona perigosíssima e propensa a ataques armados como a de Muxungué? Sou um tresloucado como Thandi, o motorista do autocarro que transportava a Matimati e o Paulo. Saiam, então, da Cidade de Nampula com destino à cidade de Maputo. Matimati e Paulo iam participar das exéquias de Manuel Muchanga, esposo da Matimati e pai do Paulo, morto há uma semana na zona de Nhamapaze, troço da Estrada Nacional Número 1. Manuel encontrara a morte quando voltava de Maputo em missão de serviço. Segundo as autoridades locais de Nhamapaze, o autocarro em que Manuel se encontrava, também pertencente à Companhia Nagi, fora encurralado pelos homens das Forças Residuais de RENAMO – a famigerada Junta Militar – e foram todos eles metralhados à queima-roupa, até o seu último suspiro, pela referida Junta Militar. Verdade ou não, Matimati não sabia. Sabia somente que o seu amado estava morto e havia um velório aguardando por eles na Cidade de Maputo, onde eles deviam tomar parte. Manuel vivia e trabalhava em Nampula, mas era natural da cidade de Maputo. O normal seria, depois de identificado o cadáver, transportarem-no à Cidade de Nampula, sua residência habitual, ao invés da Cidade de Maputo. No entanto, como o bilhete de identidade de Manuel, encontrado nos haveres deste, havia sido emitido pelo Arquivo de Identificação Civil da Cidade de Maputo, o cadáver acabou sendo transladado para a cidade capital. E como os familiares de Manuel não cogitavam a possibilidade de ver um dos seus, um Muchanga, sepultado em terras distantes das dos seus antepassados, concluíram que o sepultamento ocorreria na Cidade de Maputo, numa das covas do sobejo Cemitério de Lhanguene. Por isso, Matimati viajava com Paulo à Cidade de Maputo a fim de participar nas exéquias de seu finado marido. Noutros tempos, tempos muito áureos e de muita bonança para a família de Matimati, estariam ambos viajando de avião e sobrevoando Moçambique de lés a lés. Mas agora que o Manuel estava morto, o único provedor de rendimentos na família, cabia-lhes somente podiam viajar de autocarro, ainda que estivéssemos a par dos perigos que a viagem acarretaria para ambos – mormente na região centro do país. “ Estamos em austeridade máxima; há que poupar, há que apertar os cintos, Paulito!,” retrucava Matimati, entristecida, quando Paulo, jovem altista de dezanove anos, questionava-a sobre o facto de não estarem a viajar de avião a Maputo. E tudo voltava a normalidade, como o mar depois de o maremoto passar. Paulo andava petrificado na janela e tinha a atenção furtada pelas paisagens que, conforme a cacimba se desfazia, iam nascendo. “Muito verde, muita vida…” pensava, enquanto impacientava o sono frágil de sua mãe. Na verdade Matimati não dormia. Pregava os olhos, é verdade, mas sono que é bom nada. Nunca pegava. “Como é que as pessoas conseguem dormir nestas condições?” questionava-se, de quando em vez, quando via uma senhora de idade ressonar profundamente na cadeira defronte à ela. Depois volteava os seus olhos sobre os demais passageiros, e alivia-se em saber que havia também gente que mal conseguia pregar os olhos. Achava-se normal por isso. Volta e meia, enviesava o rosto para o lado do Paulo e via-o rasgar-se de alegria. Parecia uma criança de dez anos em sua primeira viagem. E de facto era a primeira vez que Paulo viajava de autocarro à Cidade de Maputo. Olhava esgazeadamente sobre as passagens, sem pestanejar, e vibrava de alegria quando recebesse um aceno de quem estava para lá do carro ou quando visse algum animal selvagem mover-se por entre as matas. Em suma, estava deveras feliz e a sua alegria era inebriante com a seiva da papoila. Matimati gostava deste contentamento. Gostava tanto que vendo-o feliz olvidava-se do que o futuro lhes reservava agora que Manuel se fora; que se esquecia de que estavam prestes a chegar no local onde Manuel encontrou a morte; gostava por demais que extirpava de sua mente que ainda estavam em Sofala e que o calvário de muitos moçambicanos ficava a poucas centenas de quilómetros de onde estavam. Thandi, vendo que o sol já começava a dar sinais de refulgência e a cacimba desvanecendo-se, pisou fundo no acelerador, convicto de que o perigo já havia se esvaído com a cacimba, e o autocarro foi andando à velocidade luz. Entretanto, teve de abrandar a velocidade quando se aproximaram de uma brigada da UIR (Unidade de Intervenção Rápida) instalada na zona de Nhamapaze. A brigada estava instalada lá com o fito único de escoltar os carros que pretendiam atravessar aquele troço da Estrada Nacional Número 1, com o destino a zona sul do país e vice-versa e evitar que fossem pilhados ou incendiados. Como eram os primeiros a alcançar a brigada da UIR, começaram a ser escoltados por duas viaturas repletas de agentes da referida unidade, uma à frente e outra atrás. Noutros dias teriam enfrentado filas enormes para poderem avançar. Mas, aquele era, por assim dizer, o dia de sorte deles e não encontram nenhuma bicha de carros e/ou autocarros aguardando a escolta dos agentes da UIR para poderem atravessarem aquele troço da Estrada Nacional Número 1. Andaram por vinte quilómetros numa pacatez dos templos budistas. Nem um ruído estranho, nenhuma bala perdida. Iam, deste modo, passando Nhamapaze são e salvos apesar dos inúmeros temores que povoavam os cérebros dos passageiros que já há um bom tempo ouviam falar dos hecatombes que ocorriam naquela zona. Do nada, uma chuva de balas se viu saindo das matas e matando, um a um, os homens da UIR que estava a frente do autocarro que carregava Matimati e Paulito. Não se via quem disparava, mas via-se o brilho dos canos reluzirem entre os verdes arbustos que ficavam nos dois lados da Estrada Nacional Número I, algures na zona de Nhamapaze. “Matxangaissas!,”Gritou a senhora, em pânico, da cadeira de frente que andava a ressonar há pouco. Levantaram-se todos os passageiros e, através das janelas, tentaram vez o que se passava do lado de lá do autocarro. Viram os agentes da UIR banhados dos seus próprios sangues e o carro da mesma unidade esburacada de tiros. Houve quem tentou desesperadamente esgueirar-se pelas janelas, mas assim que se viram fora do carro foi prontamente atingidos pelas balas perdidas do tiroteio que opunha as tropas da UIR que estavam a nossa atrás e os invisíveis canos que ceifaram a vida dos agentes que estavam a nossa frente. “Abaixem-se todos!,” disse Thandi, mas poucos foram os que o escutaram. Pânico. Pânico. Matimati segurou Paulito pelos ombros, e fê-lo violentamente vergar-se. Paulito ria. Achava que tudo não passava de uma brincadeira e, mais tempo menos tempo, voltariam a sentar-se e dar gargalhadas frenéticas. Enganou-se, o coitado. Sua mãe, muito aflita, tentava devolver-lhe o sorriso para esconder a aflição e vender-lhe a imagem de que tudo voltaria ao normal. Em vão. Os tiros lá fora não lha davam tempo de recobrar o juízo e estar calma. Era aflição para tudo quanto era lado, era oração por todos os lados. Do nada, os canos calaram-se. Nenhuma bala se ouvir, nem um pio sequer. Pensaram os passageiros que tudo estava acabado e que os agentes da UIR haviam dado cabo dos invisíveis canos que ceifavam suas vidas. Então, alguns levantaram-se para ver o que passava. Paulito foi um destes passageiros curiosos. Mas mal levantou-se, uma bala atravessou suas têmporas e o mesmo caiu hirto ao lado de sua mãe. Estava morto. Mais morto que as múmias do Egipto. Matimati quis bradar. Matimati quis bradar o nome de Paulo aos quatro cantos do mundo para que todos soubessem que Paulito estava morto, mas a voz não saia. Matimati quis chorar, como choram os humanos diante da morte dos seus entes queridos, mas as lágrimas não vinham. Não havia pratos para derramar. Suas vistas estavam secas e não havia pranto nenhum para derramar em nome do Paulo. Thandi, que ainda se encontrava agachado, levantou-se com fugacidade e pisou fundo no acelerador e o autocarro, com inúmeros vidros quebrados, voou como um avião a jato e foi parar na ponte sobre o Rio Save, bem na entrada da Província de Inhambane para quem vem do centro e norte do país, onde foram socorridos por agentes da pela Polícia de Transito e agentes da UIR que se encontravam lá afectos. Dos mais de sessenta passageiros que o autocarro levara da cidade de Nampula, só doze é que sobreviveram ao ataque. Isto, incluindo o motorista do autocarro, Thandi. De lá, Matimati rumou a Maputo com o mais um cadáver por chorar. Chegados lá, fizeram as exéquias de pai e filho, Manuel e Paulo, lado a lado, no sobejo Cemitério de Lhanguene e ali as suas almas descansam até hoje. Matimati, regressou à Nampula, mas as suas lágrimas não mais se viram derramar. Foram-se com as vidas de Manuel e Paulo. Mas quanto mais ouvia os jornais e as televisões noticiarem sobre hecatombes ocorridas naquela parte do país, mas seu peito doía. Mas sua alma quebrantava-se. É verdade que nunca mais veria Manuel e o seu querido Paulito, mas Matimati chorava para que os ataques se extirpassem de uma vez por todas. Via a sua dor galgar-se ao lembrar-se dos seus entes queridos, ao ver uma foto ou qualquer outro objecto pertencentes aos finados, e rezava para que o mesmo não acontecesse a mais ninguém. Sua prece foi ouvida pelo altíssimo e pelos líderes do nosso belo Moçambique, e no dia 06 de Agosto de 2019, Felipe Nyusi, ou então Presidente da República, e Ossufo Momade, Presidente da RENAMO, assinaram o Acordo de Cessação Definitiva das Hostilidades Militares, vulgo Acordo de Maputo, e os ataques foram cessando gradativamente até aos dias de hoje em que, mesmo no calar da noite, se pode passar pelas zonas de Nhamapaze sem ameaças de morte.