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AMORINHOS E AMORINHAS,

Com vocês,
Resumos e Análises
Obras Literárias ACAFE 2021 (Vestibular de Verão)

1 Melhores Contos - Lygia Fagundes Telles


2 O Cemitério dos Vivos - Lima Barreto
3 Os Milagres do Cão Jerônimo - Péricles Prade
4 De Amor e Amizade – Clarice Lispector
5 Negro – Cruz e Sousa

A banca recomenda que se estude o contexto histórico-social de cada


obra – o famoso ALÉM-LIVRO – e é esta pesquisa que me propus a realizar para
trazer aqui todas as informações contextuais para que você desfrute com prazer
da leitura deste livro.

Lembre-se:
Recomenda-se a leitura integral das obras.
O conhecimento dessas obras supõe capacidade de análise e
interpretação de textos, bem como o reconhecimento de aspectos próprios aos
diferentes gêneros.
Entende-se que é necessário conhecer também o contexto histórico,
social, cultural e estético de cada obra.

O que eu pretendo é ajudar você a alcançar o seu sonho!


Boa leitura, Família COC!

Professora Mari
SUMÁRIO
MELHORES CONTOS .................................................................... 8
BIOGRAFIA: Lygia Fagundes Telles .............................................. 8
BIOGRAFIA: EDUARDO MATTOS PORTELLA ORGANIZADOR DO
LIVRO .................................................................................................. 10
ANÁLISE DOS CONTOS: MELHORES CONTOS.............................. 11
O TEMPO E O ESPAÇO DOS CONTOS .......................................... 15
TEMÁTICA DOS CONTOS ............................................................ 16
O REALISMO FANTÁSTICO NA OBRA .......................................... 17
RESUMO DOS CONTOS ............................................................... 18
CONCLUINDO... .......................................................................... 44
Exercício.................................................................................... 45
NEGRO....................................................................................... 48
BIOGRAFIA: JOÃO DA CRUZ E SOUSA ........................................ 48
ANÁLISE DA OBRA NEGRO ......................................................... 50
ESTRUTURA DA OBRA: POEMA // PROSA // CORREPONDÊNCIAS
............................................................................................................ 51
OS MILAGRES DO CÃO JERÔNIMO - PÉRICLES PRADE ............... 62
Biografia: Péricles Luiz Medeiros Prade ....................................... 62
CONTOS ..................................................................................... 64
ANÁLISE DA OBRA ..................................................................... 77
Exercício.................................................................................... 79
CEMITÉRIO DOS VIVOS .............................................................. 81
Biografia: Lima Barreto............................................................... 81
EXERCÍCIO ................................................................................ 95
CRÔNICAS PARA JOVENS - DE AMOR E AMIZADE ....................... 96
Biografia - Clarice Lispector........................................................ 96
EXERCÍCIOS ............................................................................ 105
GABARITOS ............................................................................. 106
MELHORES CONTOS

SELEÇÃO DE EDUARDO PORTELLA


ESCOLA LITERÁRIA: PÓS- MODERNISMO /
CONTEMPORÂNEA
ANO DE PUBLICAÇÃO: 1983
GÊNERO: NARRATIVO - CONTOS
DIVISÃO DA OBRA: 16 CONTOS

TEMAS:
VIDA NAS GRANDES CIDADES;
PROBLEMAS SOCIAIS; VÍCIOS, VIOLÊNCIA, SEDUÇÃO, INGENUIDADE,
AMOR, ADULTÉRIO E PROSTITUIÇÃO;
FUSÃO DO FANTÁSTICO À REALIDADE DO ESPAÇO URBANO.

BIOGRAFIA: LYGIA FAGUNDES TELLES


Formada em Direito e Educação Física
Primeira mulher brasileira ser indica ao prêmio Nobel De Literatura em
2016
Ocupa a Cadeira n°16 da Academia Brasileira de Letras
Nasceu em São Paulo, no dia 19 de abril de 1923. Filha do promotor
Durval de Azevedo Fagundes e da pianista Maria do Rosário Silva Jardim de
Moura, passou sua infância em várias cidades do interior em função do trabalho
do pai. Seu interesse por literatura começou na adolescência. Com 15 anos, com
a ajuda do pai, publicou seu primeiro livro de contos, "Porão e Sobrado".
De volta à capital, estudou no Instituto de Educação Caetano de Campos.
Em seguida, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da
Universidade de São Paulo. Nessa mesma época, cursou Educação Física na
mesma universidade. Ainda estudante, colaborava com os jornais “Arcádia” e “A
Balança”, ambos vinculados à Academia de Letras da faculdade. Nessa época,
frequentava os encontros de literatura com Mário e Oswald de Andrade.
A estreia oficial de Lygia Fagundes Telles na literatura ocorreu em 1944,
com o volume de contos "Praia Viva". Em 1947, casou-se com um de seus
professores, o jurista Goffredo Telles Júnior, com quem teve um filho. Segue com
a contínua produção de contos e romances, entre eles, “Ciranda de Pedra”
(1954), onde relata a história de um casal que se separa e a caçula vai morar
com a mãe, onde vive os dramas ocultos de uma jovem de pais separados. (A
obra foi posteriormente adaptada para uma novela na TV Globo).
Em 1958, publica o livro de contos, “História do Desencontro”, que
recebeu o Prêmio do Instituto Nacional do Livro. Em 1960 se separa do marido.
Em 1963, publica seu segundo romance “Verão no Aquário”, que recebeu o

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Prêmio Jabuti. Nesse mesmo ano, casa-se com o ensaísta e crítico de cinema
Paulo Emílio Salles Gomes. Com ele, escreveu o roteiro para o filme Capitu
(1967), baseado na obra Dom Casmurro de Machado de Assis, uma encomenda
de Paulo César Saraceni, que recebeu o Prêmio Candango de Melhor Roteiro
Cinematográfico.
A obra de Lygia Fagundes Telles apresenta um universo marcadamente
feminino, embora comprometida em documentar a difícil condição de vida de
uma sociedade frágil dos centros urbanos, uma literatura engajada, destinada a
documentar a história trágica do país, como se lê em “As Meninas”. Por sua vasta
produção literária é considerada uma das maiores romancista e contistas da
literatura brasileira. É uma das mais destacadas representantes do Movimento
Pós-Modernista no Brasil.
A década de 70 foi o ano da consagração de Lygia. O livro de contos “Antes
do Baile Verde” (1970) recebeu o Prêmio Internacional de Escritoras, na França.
O livro “As Meninas” (1973), que se tornaria um dos seus mais importantes
romances, recebendo o Prêmio Jabuti, em 1974, e adaptado ao cinema em 1975,
dirigida por Emiliano Ribeiro. A obra traça um paralelo entre a vida de três
pessoas que agitaram a juventude em um período conturbado da história do
Brasil. “Seminário dos Ratos” (1977) recebeu o Prêmio PEN Clube do Brasil. “A
Disciplina do Amor” (1980) recebeu o Prêmio Jabuti e o Prêmio da Associação
Paulista dos Críticos de Arte.
Em 1982, Lygia Fagundes Telles foi eleita para a Academia Paulista de
Letras. Em 1985, tornou-se a terceira mulher eleita para a Academia Brasileira
de Letras, ocupando a cadeira n.º 16, no dia 12 de maio de 1987. Nesse mesmo
ano, foi eleita para a Academia das Ciências de Lisboa. A consagração de Lygia
veio em 2001, quando recebeu o Prêmio Camões, que lhe foi entregue em 13 de
outubro de 2005, durante a VIII Cúpula Luso-brasileira, realizada na cidade do
Porto, Portugal. Em 2016 e aos 92 anos de idade, Lygia Fagundes Telles tornou-
se a primeira mulher brasileira a ser indicada para receber o prêmio Nobel de
Literatura.

Obras A Disciplina do Amor, contos,


Porão e Sobrado, contos,1938 1980
Praia Viva, contos, 1944 Mistérios, contos, 1981
O Cacto Vermelho, contos, 1949 Venha Ver o Por do Sol e Outros
Contos, 1987
Ciranda de Pedra, romance,1954
As Horas Nuas, romance, 1989
Histórias do Desencontro, contos,
1958 A Noite Escura e Mais Eu, contos,
1995
Verão no Aquário, romance, 1964
Invenção e Memória, contos, 2000
Histórias Escolhidas, contos, 1964
Biruta, contos, 2004
O Jardim Selvagem, contos, 1965
Histórias de Mistérios, contos, 2004
Antes do Baile Verde, contos, 1970
Conspiração de Nuvens, contos, 2007
As Meninas, romance, 1973
Passaporte para a China, contos,
Seminário dos Ratos, contos, 1977
2011
Filhos Prodígios, contos, 1978

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Melhores Contos, de Lygia Fagundes Telles é uma seleção de Eduardo
Portella. foi crítico, professor, escritor, conferencista, pesquisador, pensador,
advogado e político brasileiro. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras.
Recebeu a Ordem do Mérito Cultural (OMC), uma ordem honorífica dada a
personalidades brasileiras e estrangeiras como forma de reconhecer suas
contribuições à cultura do Brasil.

BIOGRAFIA: EDUARDO MATTOS PORTELLA


ORGANIZADOR DO LIVRO

Eduardo Mattos Portella OMC Salvador, 8 de outubro de 1932 – Rio de


Janeiro, 2 de maio de 2017) foi um crítico, professor, escritor, conferencista,
pesquisador, pensador, advogado e político brasileiro pertenceu à Academia
Brasileira de Letras.
A Ordem do Mérito Cultural (OMC) é uma ordem honorífica dada a
personalidades brasileiras e estrangeiras como forma de reconhecer suas
contribuições à cultura do Brasil.
Eduardo Portella tinha um pensamento notadamente avançado:
a) concebia a realidade numa recusa da tripartição linear do tempo
(presente, passado, futuro), propondo a compreensão simultânea do tempo;
b) definia literatura e arte como dimensões constitutivas do homem; e
c) assinalava a Liberdade como destino do Ser.

Melhores Contos é uma coletânea retirada dos Livros:


O segredo (2012) – 1 conto;
Antes do Baile Verde (1970) – 6 contos;
Seminário dos Ratos (1977) – 6 contos;
Cacto Vermelho (1949) - 1 conto;
Missa do Galo Variações sobre o mesmo tema, organizado por Osman
Lins (1977) - 1 conto;
A estrutura da bolha de sabão (1978/1991) - 1 conto.

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ANÁLISE DOS CONTOS: MELHORES CONTOS
Um dos nomes mais importantes da literatura brasileira, a romancista
notável Lygia Fagundes Telles encontra no conto o seu mais autêntico meio de
expressão e de renovação. Suas histórias, em que a mulher ocupa quase sempre
o primeiro plano, desvendam com mão de mestre o íntimo do ser humano, suas
dúvidas e perplexidades.
O livro apresenta uma seleção dos contos de Lygia Fagundes Telles,
realizada pelo acadêmico Eduardo Portella.
Contos - Verde lagarto amarelo; Apenas um Saxofone; Antes do baile
verde; Eu era mudo e só; As pérolas; Herbarium; Pomba enamorada ou uma
historia de amor; Seminário dos ratos; A confissão de Leontina; Missa do Galo;
A estrutura da bolha de sabão; A caçada; As formigas; Noturno amarelo; A
presença; A mão no ombro.
Apontada por boa parte da crítica como a maior escritora viva da
literatura brasileira, Lygia Fagundes Telles é um tesouro das letras nacionais,
seja para o leitor comum, seja para aqueles que se debruçam criticamente sobre
sua obra.
Constam histórias já consagradas como "Antes do Baile Verde",
"Seminário dos Ratos", "A Estrutura da Bolha de Sabão", entre outros, que
demonstram a habilidade incontestável de Telles na narrativa curta.
Com uma escrita sutil e elegante, esculpindo os mais mínimos detalhes,
Lygia cria contrastes e tensões psicológicas entre os seus personagens, revelando
um talento raro em recriar as relações humanas a partir da introspecção
subjetiva.
A escrita e os temas abordados por Lygia em seus contos em muito se
assemelham à obra de Clarice Lispector. Ambas pertenciam à mesma geração
pós-modernista surgida na década 50, marcada pelo trabalho sutil com a
linguagem e a introspecção psicológica. Talvez a principal diferença entre as
duas esteja no fato de que a escrita de Clarice é por vezes mais hermética e
alegórica, enquanto a de Lygia é mais aberta e estrita à realidade.
Os contos são estruturalmente curtos, utilizando - se do fluxo de
consciência e do discurso indireto livre como formas de ampliar o perfil intimista
das personagens, recursos que aliás funcionam muito bem.
Temas como o amor, a morte, a velhice e o ciúme são retratados com rara
maestria narrativa.

Linguagem: Traços coloquiais; uso de diálogos

Tempo e espaço: Não há tempo definido; uso da atemporalidade; alguns


contos se passam apenas em um lugar e outros em vários lugares

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Temáticas: Vida nas grandes cidades; Problemas sociais; Vícios,
violência, sedução, ingenuidade, amor, adultério e prostituição; Fusão do
fantástico à realidade do espaço urbano.

Personagens: Universo feminino; são pessoas comuns do século XX;


análise psicológica dos personagens, misteriosos e complexos
• Imaginário
• Presença de monólogos
• Ironia
• Conflito entre o objetivo e subjetivo
• Contos psicológicos – influência neossimbolista

O universo feminino é apresentado numa perspectiva mais moderna,


trazendo vida e liberdade à mulher, o que não era admissível até então, já que a
mulher era normalmente apresentada como a dominada.

• Caráter intimista na análise psicológica das personagens, o


inconsciente e o fluxo da consciência, o monólogo interior, as fantasias, os
sonhos (universo onírico), os conflitos interiores e introspectivos que dão à obra
uma multiplicidade de interpretações.
As personagens são pessoas comuns do século XX que expressam suas
alegrias, tristezas, melancolias, desejos, amores platônicos, amores
interrompidos, amores terminados, práticas cotidianas, desgaste de
relacionamento.
• Há também personagem de aparência sinistra e, ainda, há personagens
que não são pessoas, são animais.

CONTOS 13. “As formigas”


01.“Verde Lagarto Amarelo” 14. “Noturno Amarelo”
02. “Apenas um Saxofone” 15. “A presença”
03. “Antes do Baile Verde” 16.“A mão no ombro”
04. “Eu Era Mudo e Só”
05. “As Pérolas”
06. “Herbarium”
07. “Pomba enamorada ou uma
história de amor”
08. “Seminário dos Ratos”
09. “A confissão de Leontina”
10. “Missa do Galo”
11. “A estrutura da bolha de sabão”
12. “A Caçada”

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01.“Verde Lagarto Amarelo”
Ano: 1960
Temática: lembranças da infância, frustração, relacionamento familiar, solidão
Personagens: Rodolfo e Eduardo (irmãos)
Narração: 1ª pessoa – Rodolfo

02. “Apenas um Saxofone”


Ano: 1970;
Temas abordados: solidão, existencialismo, busca do Eu
Personagens: Luisiana e saxofonista, Renê (o decorador)
A personagem protagonista relembra seus encontros e desencontros com um ex-
namorado
Narrador: 1ª pessoa – Luisiana

03. “Antes do Baile Verde”


Ano: 1970
Temática: carnaval, morte, mesquinharia humana, egoísmo
Personagens: Tatisa (patroa), Lu (empregada), Raimundo (namorado de Lu) e o
pai de Tatisa
Narração: 3ª pessoa, narrador observador

04. “Eu Era Mudo e Só”


Ano: 1958
Temática: - Casamento Saturado; Comodismo; Relacionamento Marido E
Mulher; Busca Do Eu
Personagens: -Manoel: Esposo; Fernanda: Esposa; Vicentina: Tia; Jacó
Narrador: 1ª Pessoa - Manuel

05. “As Pérolas”


Ano: 1958
Temas abordados: morte, relacionamento entre marido e mulher, desconfiança
Personagens: Tomás e Lavínia (marido e mulher)
Espaço: casa da personagem
Narração: 3ª pessoa

6. “Herbarium” (Em latim, significa: coleção de plantas.)


Ano: 1977
Temática: amor, inocência, adolescência
Personagens: uma menina e seu primo
Narração: 1ª pessoa – menina narradora

07. “Pomba enamorada ou uma história de amor”


Ano: 1977
Temática: - Amor não correspondido; Desilusão; Conflitos individuais;
Superstições; Crenças; Solidão
Personagens: - Uma moça ( Pomba Enamorada) - Antenor ( um rapaz grosseiro)

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Narração: 3ª pessoa

08. “Seminário dos Ratos”


Ano: 1977;
Temas abordados: situação política do país
Personagens: Chefe das Relações Públicas, Secretário do Bem-Estar Público e
Privado, Assessor da Presidência da Ratesp, Diretor das Classes Conservadoras
Armadas e Desarmadas, Delegação Americana, cozinheiro-Chefe e Euclídea
Espaço: um casarão do governo, espécie de casa de campo afastada da cidade
Narrador: 3ª pessoa
A autora rompe com a realidade e com a lógica racional.

09. “A confissão de Leontina”


Ano: 1949
Temática: prostituição, violência, miséria, conflitos intimistas, condição da
mulher, infância, morte, desilusão, busca do eu, amor, solidão
Personagens: Leontina (Pedro, Rubi, Rogério, Armando, Velho)
Narração: 1ª pessoa – Leontina

10. “Missa do Galo”


Ano: 1977
Personagens: -Conceição – Nogueira - Menezes
Temática: - Paixão - Sedução
Narrador: 1ª pessoa

11. “A estrutura da bolha de sabão”


Ano: 1978 (republicado em 1991)
Temas abordados: amor interrompido, morte, infância, relacionamento marido
e mulher
Personagens: narradora (sem nome), o físico e sua mulher
Narrador: 1ª pessoa - mulher narradora

12. “A Caçada”
Ano: 1965
Temática: -Lembranças - A morte - Mistério - Passagem do tempo
Personagens: - Senhor - Moça da loja
Narrador: 3ª pessoa - Observador
Espaço: Loja de antiguidade

13. “As formigas”


Narração: primeira pessoa - estudante de Direito
Personagens: duas amigas e primas, estudantes de Direito e Medicina e a dona
da pensão
Espaço: quarto da pensão
Temas abordados: mistério, medo
Duas estudantes se hospedam em um quarto de pensão; à noite, elas veem
formigas misteriosas andando pelo quarto e indo em direção a uma caixa de

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ossos - os insetos estão montando o esqueleto de um anão, e antes das formigas
terminarem, as meninas fogem do local.

14. “Noturno Amarelo”


Ano: 1977
Temática: - Lembranças - Marido e mulher
Personagens: - Laura – Fernando - Familiares de Laura
Narrador: 1ª Pessoa

15. “A presença”
Ano: 1977
Temática: morte, velhice, desilusão, abandono, soberba, solidão, mistério
Personagens: um rapaz de 25 anos, o porteiro do hotel, velhos do hotel
Narração: 3ª pessoa

16.“A mão no ombro”


Ano: 1977
Temática: - Morte – Relacionamento - Medo
Personagens: Homem – Mulher - Morte
Espaço: Casa do homem e no jardim
Narrador: 3ª pessoa

O TEMPO E O ESPAÇO DOS CONTOS

CONTOS TEMPO (ESTIMATIVA) ESPAÇO


Verde lagarto amarelo Algumas horas Casa da personagem
Apenas um saxofone Algumas horas Casa da personagem
Antes do baile verde Algumas horas Casa da personagem
Eu era mudo e só Algumas horas Casa da personagem
As pérolas Alguns minutos Casa da personagem
Espaço de uma
Herbarium Casa, num sítio
semana
Pomba enamorada ou Salão de beleza, rua,
Muitos anos
uma história de amor clube
Seminário dos ratos Um dia Mansão
Casa (no interior);
A confissão de cidade grande, ruas de
Algumas horas
Leontina SP, pensão, hotel,
salão de dança

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Missa do galo Algumas horas Casa da personagem
A estrutura da bolha Bar, casa da
Alguns dias
de sabão personagem
Loja de antiguidades -
Espaço fantástico:
A caçada Alguns dias (talvez 2)
bosque representado
dentro da tela
As formigas 3 dias Quarto de pensão
Carro - Espaço
Não se sabe ao certo
Noturno amarelo fantástico: casa dos
(alguns minutos)
avós
A presença 1 dia Hotel de velhos
Casa da
A mão no ombro 1 noite e 1 dia personagem - Espaço
fantástico: um jardim

TEMÁTICA DOS CONTOS

CONTO TEMÁTICA
Infância, frustração,
Verde lagarto amarelo
relacionamento familiar, solidão
solidão, existencialismo, amor
Apenas um saxofone
perdido, busca do eu
carnaval, morte,
Antes do baile verde
mesquinharia humana, egoísmo
casamento saturado,
Eu era mudo e só comodismo, relacionamento marido
e mulher, busca do eu
morte, relacionamento
As pérolas
marido e mulher, desconfiança
Herbarium amor, inocência, adolescência
amor não correspondido,
Pomba enamorada ou uma
desilusão, conflitos individuais,
história de amor
superstições, crenças, solidão
Conto fantástico: corrupção,
Seminário dos ratos
censura, política, miséria
prostituição, violência,
miséria, conflitos intimistas,
A confissão de Leontina condição da mulher, infância, morte,
desilusão, busca do eu, amor,
solidão

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paixão, sedução, condição da
Missa do galo
mulher (dominante x dominada)
amor interrompido, morte,
A estrutura da bolha de
infância, relacionamento marido e
sabão
mulher
conto fantástico: conflitos
A caçada intimistas, delírio, morte, mistério,
busca do eu
conto fantástico: mistério,
As formigas
sobrenatural
conto fantástico: família,
lembranças, memórias, busca do eu,
Noturno amarelo
amor, relacionamento marido e
mulher
morte, velhice, desilusão,
A presença
abandono, soberba, solidão, mistério
conto fantástico: morte,
comportamento humano, suas
A mão no ombro fragilidades, conflitos, medos,
infância, relacionamento marido e
mulher

O REALISMO FANTÁSTICO NA OBRA

Seminário dos ratos -


Apesar de alguns críticos
considerarem ser este
conto uma alegoria
(representação da
realidade), pois mostra,
de certa forma, uma
realidade brasileira, com
a repressão, gastos
excessivos do dinheiro
público, etc., o conto
aborda também essa questão fantástica em: o próprio ataque dos ratos à
mansão; o tamanho dos ratos; a intensidade com que tudo acontece; a força e o
tamanho deles.
A caçada - O fantástico aparece no encontro do personagem com o seu
duplo, isto é, o seu eu que havia se perdido no tempo.

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As formigas - As formigas aparecem, vão montando os ossos do
anão e somem como num passe de mágica.
Noturno amarelo - Laura faz uma viagem ao passado, reencontra os
familiares, numa fração de tempo que não consegue ser cronometrada.
A mão no ombro - Em um sonho, um homem faz uma viagem a um
jardim que não tem tempo nem espaço e fica apavorado quando sente que a mão
que toca seu ombro é a morte; consegue escapar dela ao acordar. Quando vai
para o trabalho, ele se vê novamente no tal jardim, mas agora está acordado.
Como estratégia para enganar a morte, decide fazer o contrário do que fizera no
sonho: dormir.

RESUMO DOS CONTOS

1 - VERDE LAGARTO AMARELO

SÍNTESE
Eduardo visita Rodolfo, os dois conversam sobre trivialidades e relembram
o passado, o que significa uma tortura para Rodolfo, pois lhe traz
lembranças dolorosas da infância.

Em Verde Lagarto Amarelo, escrito em 1969 e inédito até a publicação


de Antes do baile verde (livro), o tema desenvolvido no conto está relacionado à
importância da infância e às consequências dos dramas infantis na vida de
duas personagens adultas. Afinal, de que cor é o lagarto? O título talvez tenha
sido escolhido com a intenção de despertar a curiosidade do leitor: apenas por
seu intermédio não é possível a formação de um projeto virtual sobre o conto,
também pode associar o personagem Rodolfo às características do camaleão
(adaptável).
A narrativa é subjetiva, pois existe no discurso a presença de um “eu”,
Rodolfo, o narrador. Esse esclarecimento feito pelo narrador parece servir para
reforçar a impressão positiva sobre Eduardo. Assim, se ele anda sem fazer
ruído, é com a intenção de não incomodar, e não para surpreender Rodolfo
sorrateiramente, como faz um felino ao caçar uma presa.
Com o sorriso de Eduardo, têm início as recordações da infância, para
Rodolfo. E o leitor recebe a informação que Eduardo é irmão de Rodolfo. A partir
desse momento, o conto passa a ser construído com a intercalação de trechos
que representam o passado das personagens, com outros que se situam no
momento presente da narrativa, na cena que se desenvolve no apartamento de
Rodolfo. O passado é composto por recordações da infância, nas quais Rodolfo
faz conjeturas sobre o próprio comportamento e o dos outros membros da
família, especialmente o do irmão e o da mãe.
O diálogo entre os irmãos transcorre normalmente, com a evocação das
qualidades de Eduardo por parte do narrador. Pela forma como Eduardo é
apresentado, percebe-se que existe um engajamento afetivo do narrador em

18
relação a essa personagem e que, aparentemente, o narrador procura fazer com
que o leitor sinta simpatia por Eduardo. Entretanto, a partir do trecho citado
a seguir, o drama de Rodolfo passa a ser apresentado para o leitor: “Respirei
de boca aberta agora que ele não me via, agora que eu podia amarfanhar a cara
como ele amarfanhara o papel. Esfreguei nela o lenço, até quando, até
quando?!... E me trazia a infância, será que ele não vê que para mim foi só
sofrimento? Por que não me deixa em paz, por quê? Por que tem que vir aqui e
ficar me espetando, não quero lembrar nada, não quero saber de nada!..”
Rodolfo afirma ser “um tipo meio esquisito”, “meio louco” o que parece ser uma
máscara que utiliza para esconder a tristeza que sente, a amargura que traz
dentro de si. Eduardo é oposto ao irmão.
A consciência da diferença sufoca Rodolfo. Para resolver o problema,
pensa em morrer, “Era menino ainda mas houve um dia em que quis morrer
para não transpirar mais”. Chega-se ao clímax do conto. Rodolfo adivinha o
motivo da visita do irmão. O impacto da descoberta faz com que ele sinta uma
dor “quase física”.
A única coisa que era verdadeiramente sua, o único talento que sobrara
para Rodolfo, seu único canal para se expressar e conseguir um pouco de
admiração, era o ato de escrever, agora também “roubado” por Eduardo. A
surpresa e a decepção são grandes demais. “Senti meu coração se fechar como
uma concha”.
Eduardo tornar-se escritor, o que é sugerido pelo conto, cujo final
permanece em aberto, sem a confirmação de Eduardo – é o golpe de
misericórdia na tentativa de Rodolfo de manter a compostura.
A intertextualidade está presente no conto com o drama entre os irmãos
Abel e Caim, descrito na Bíblia. Caim sente inveja do outro, que é o predileto
do Senhor, e a ira cresce a tal ponto que o leva a assassinar Abel.

2 - APENAS UM SAXOFONE

SÍNTESE
A narradora é uma mulher rica e fútil, que se lembra da paixão que viveu
com um saxofonista. Ele era dedicado em extremo, julgava-a a coisa mais
bela e importante do mundo. Ela, com medo de um amor tão puro e
autêntico, pede que ele a deixe.

É a história de uma mulher e rica aos 44 anos. Tinha um homem velho


e rico que a sustentava, relacionava-se com um jovem que lhe satisfazia
sexualmente e com um professor espiritual com quem dormia e discutia
filosofia.
Possuía joias, tapetes e uma mansão, no entanto vivia infeliz. Vivia na
saudade do seu grande amor, um saxofonista que se dedicara a ela
completamente, ela era a música dele. Ele tocava com paixão o saxofone e
assim mantinha a mulher.
Com ele ela se sentia viva, pois o saxofonista a idolatrava. Eles artista
e pobre se esforçava para satisfazer seus desejos frívolos: um sapato, um

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vestido, uma joia... Sempre antecedidos pela frase de Luisiana: Se você me
ama, ...Seus desejos ficam por demais exigentes. Até que ela diz: Se você me
ama, se mate...E ele ir desaparece de sua vida. Assim ela vivia só com a
lembrança.
Ela pode recuperar, pela memória, pessoas, gestos, sons, objetos que,
na verdade, simbolizam o tempo perdido, o desejo de resgatar algo que só foi
valorizado no momento de maturidade da vida.
Luisiana, em crise existencial, já satisfeita de outras necessidades,
agora quer apenas “ouvir o saxofone”. Ela mergulha na memória, guiada pela
música na figura de um objeto-símbolo remetendo-se a outro tempo, e
transporta-se para outro espaço de sua vida, o qual percorre, recordando-se de
um amor da juventude.
“A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão,
agora, à nossa disposição, no conjunto das representações que povoam nossa
consciência atual”.
Sob essa ótica, a voz narradora coloca-nos diante dessa personagem no
instante em que ela se depara com sua juventude ao lembrar-se do que passou
e agora não há mais. A pergunta que a consome encabeça uma lista de objetos
de sua posse numa espécie de balanço cujo resultado é sua certeza de que
trocaria tudo por um momento de seu passado jovem com o amor que só
entendeu agora ser o importante de sua vida:
“Onde, meu Deus? Onde agora? Tenho também um diamante do
tamanho de um ovo de pomba. Trocaria o diamante, o sapato de fivela e o iate
– trocaria tudo, anéis e dedos, para poder ouvir um pouco que fosse a música
do saxofone. Nem seria preciso vê-lo, juro que nem pediria tanto, eu me
contentaria em saber que ele estava vivo, vivo em algum lugar, tocando seu
saxofone”

3 - ANTES DO BAILE VERDE

SÍNTESE
Tatisa se prepara para ir ao baile de carnaval. Ela pede ajuda para a
empregada, para terminar sua fantasia. Enquanto isso seu pai está no
quarto ao lado à beira da morte.

Em Antes do baile verde, conto de Lygia Fagundes Telles, uma jovem se


prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que todos
devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai
doente agoniza em seus últimos minutos de vida.
Tudo acontece no apartamento de Tatisa, que juntamente com sua
empregada, Lu, preparam-se para um Baile Verde de carnaval. Ambas estão
apressadas, em especial Tatisa, preocupada em chegar atrasada ao encontro
de seu namorado, Raimundo. Lu vai ajudando Tatisa a terminar sua fantasia.
É nessa situação que a empregada chama a atenção da jovem para a
saúde de seu pai. Disse que esteve lá (no mesmo prédio); que o pai de Tatisa
estava morrendo e que seria bom que ela fosse vê-lo. No decorrer da conversa,

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a garota deixa transparecer seu egoísmo em total indiferença ao pai. Transfere
não só a culpa disso, mas também a responsabilidade para outrem (o médico
e a própria empregada).
Depois, tenta convencer a empregada de ficar com o pai naquela noite.
Esta reluta a ideia alegando que não perderá o desfile de carnaval por nada.
Tatisa tenta se convencer

4 - EU ERA MUDO E SÓ

SÍNTESE
Manuel sente-se oprimido pelo casamento que o afastou dos amigos.
Abandonara sua profissão e foi trabalhar com seu sogro − com máquinas
agrícolas− apenas para manter o nível de vida da mulher.

Para construir a narrativa em Eu Era Mudo e Só, de 1958, Lygia


Fagundes Telles criou o personagem Manuel, o marido que se sente oprimido
com o casamento. É por meio do olhar de Manuel que o leitor conhece a esposa,
Fernanda.
O conto tem início com uma cena familiar, Manuel observa Fernanda,
que está lendo um livro à luz do abajur, já preparada para dormir. Nesse
primeiro parágrafo, o narrador emprega a focalização externa para iniciar a
caracterização da esposa: descreve o traje que ela está usando e o aspecto e
perfume de sua pele. Por meio das características empregadas para compor a
personagem, o leitor pode perceber que se trata de uma mulher vaidosa e que,
provavelmente, tem um alto poder aquisitivo.
Utilizando o recurso do monólogo interior, o narrador apresenta uma
analepse externa, por meio da qual o leitor conhece a opinião de tia Vicentina
sobre Manuel: “‘Ou esse seu filho é meio louco, mana, ou então...’ Não tinha
coragem de completar a frase, só ficava me olhando, sinceramente preocupada
com meu destino.” (p. 95). Entretanto, com a continuidade do monólogo
interior, o leitor toma conhecimento que Manuel é um homem materialmente
bem sucedido, contrariando os prognósticos da tia Vicentina
“Penso agora como ela ficaria espantada se me visse aqui nesta sala que
mais parece a página de uma dessas revistas da arte de decorar, bem vestido,
bem barbeado e bem casado, solidamente casado com uma mulher
maravilhosa: quando borda, o trabalho parece sair das mãos de uma freira e
quando cozinha!... Verlaine em sua boca é aquela pronúncia, a voz impostada,
uma voz rara. E se tem filho então, tia Vicentina?! A criança nasce uma dessas
coisas, entende?... Tudo tão harmonioso, tão perfeito.” (Telles, 1982, p. 95)
Ao pensar no futuro de Gisela, o narrador prevê que a situação pela
qual ele, Manuel, passou, ao ser apresentado à família de Fernanda, irá se
repetir, um dia:
“Era o círculo eterno sem começo nem fim. (...) A perplexidade do moço
diante de certas considerações tão ingênuas, a mesma perplexidade que um
dia senti. Depois, com o passar do tempo, a metamorfose na maquinazinha
social azeitada pelo hábito: hábito de rir sem vontade, de chorar sem vontade,

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de falar sem vontade, de fazer amor sem vontade... O homem adaptável, ideal.
Quanto mais for se apoltronando, mais há de convir aos outros, tão cômodo,
tão portátil.”(Telles, 1982, p. 99)
O mundo de Fernanda e do senador era belo, mas irreal. Manuel sabe
que não faz parte daquele mundo, que se quiser continuar a ser como é deve
permanecer do lado de fora, contentando-se a apenas admirá-lo.

5 - AS PÉROLAS

SÍNTESE
Tomás e Lavínia são casados. Ela se prepara para ir a uma reunião,
enquanto ele está deitado e doente. Por ciúmes, ele esconde o colar de
pérolas da mulher, mas depois o devolve.

Em As Pérolas, conto de 1958, o pano de fundo para tratar o tema é um


diálogo entre marido e mulher. as personagens que formam o casal
apresentado em As Pérolas, Tomás e Lavínia, se amam.
O que gera a tensão no conto é o fato de Tomás estar doente, e ambos
sabem que a morte do marido está próxima. Lavínia preocupa-se com o estado
de saúde de Tomás. O leitor não consegue definir o que é pior para Tomás, se
a certeza da proximidade da morte ou a iminência da traição. Ele sabe que a
situação entre os dois irá mudar depois dessa noite, depois do encontro que
acontecerá entre Lavínia e Roberto: “Depois ela não lhe diria mais nada. Seria
o primeiro segredo entre os dois, a primeira névoa baixando densa, mais densa,
separando-os como um muro, embora caminhassem lado a lado.”
Essa certeza o deixa desesperado, mas o grito de angústia não é
verbalizado, fica apenas dentro da mente de Tomás: “‘Lavínia, não me
abandone já, deixe ao menos eu partir primeiro!’(...) ‘Não podem fazer isso
comigo, eu ainda estou vivo, ouviram bem? Vivo!’”
Tomás não pode alterar o destino que lhe cabe. A morte está próxima.
Lavínia e Roberto ficarão juntos. “(...) Seria triste pensar, por exemplo, que
enquanto ele ia apodrecer na terra ela caminharia ao sol de mãos dadas com
outro? Hein?...”.
Entretanto, ele pode se permitir uma pequena maldade, a subtração de
um detalhe importante na cena, o colar de pérolas que Lavínia usou no
casamento e que pretende usar no jantar dessa noite. No fim, Tomás decide
aceitar os fatos e entrega o colar à sua mulher.

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6 – HERBARIUM

SÍNTESE
A menina se apaixona por um primo que estava doente e viera passar uns
dias em sua casa. O garoto colecionava folhas.

Em sensível narrativa, esse conto nos traz uma pequena história


contada, em 1ª Pessoa, por uma menina, criança à beira da adolescência, que
descobre a paixão num primo doente e mais velho que vem ficar alguns dias
em sua casa.
Não se sabe a causa da doença do primo. Sabe-se que ele é estudioso
das plantas e está frequentemente apanhando folhas para seu
herbanário Todas as manhãs eu pegava o cesto e me embrenhava no bosque,
tremendo inteira de paixão quando descobria alguma folha rara (...) ele tinha
em casa um herbanário com quase duas mil espécies de plantas (...).
A menina narradora, desconcertada e apaixonada pelo primo, passa a
coletar várias amostras e faz de tudo para impressioná-lo. Deixa de roer as
unhas e passa, infantilmente, a ocupar-se somente da presença do primo,
mudando algumas atitudes e comportamentos que até então não importavam.
A convite do próprio primo aceita ser uma espécie de assistente dando asas à
sua paixão e imaginação, até que vem a notícia da partida do rapaz O chamado
era urgente, teriam que voltar nessa tarde. Sentia muito perder tão devota
ajudante, mas um dia quem sabe? (...).
ouro, tinha rompido o sol. Encarei-o pela última vez, sem remorso, quer
mesmo? Entreguei-lhe a folha.
Triste e sem graça, a menina tenta encobrir seus sentimentos que, a
cada passo desengonçado, ficam mais evidentes. Chateada com a notícia da
partida e mais a chegada de uma moça que veio buscar o primo, nossa
narradora acha uma rara folha que pensa em ocultar do primo só por
birra Estendi-lhe o cesto, mas ao invés de segurar o cesto, segurou meu pulso:
eu estava escondendo alguma coisa, não estava? (...) Enfiei a mão no bolso e
apertei a folha, intacta a umidade pegajosa da ponta aguda, onde se
concentravam as nódoas vermelhas. Ele esperava. Eu quis então arrancar a
toalha de crochê da mesinha, cobrir com ela a cabeça e fazer micagem, hi hi!
hu hu! Até vê-lo rir pelos buracos da malha, quis pular da escada e sair
correndo em ziguezague até o córrego, me vi atirando a foice na água, que
sumisse na correnteza! Fui levantando a cabeça. Ele continuava esperando, e
então? No fundo da sala, a moça também esperava numa névoa de

7 - POMBA ENAMORADA OU HISTÓRIA DE AMOR

SÍNTESE
Pomba enamorada era uma jovem moça que possui uma paixão não
correspondida por Antenor. Ela sofre, depois casa-se com outro, tem
filhos, mas nunca desistiu de seu primeiro amor.

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Pomba Enamorada ou Uma História de Amor – Outra narrativa que
apresenta a figura masculina como grosseira. Numa narrativa em terceira
pessoa, acompanhamos as desventuras do decorrer do tempo de uma mulher
que se apaixona, ainda na adolescência, por uma figura ríspida, Antenor. É
uma obsessão que vai até a velhice. No começo, perseguia-o insistentemente,
seja ao telefone, seja indo até o local de trabalho dele.
Não desiste nem mesmo quando fica sabendo do casamento do objeto
amado. Tenta suicídio, frustrado. Recupera-se e diz ter amadurecido e nunca
mais querer incomodá-lo. No entanto, faz questão de escrever uma carta para
Antenor, para deixar tal resolução clara. O tempo passa e ela, sempre
descobrindo o endereço dele, até a nova profissão (de mecânico passara a
motorista de ônibus) manda cartas, falando do casamento dela, enviando
notícias dos filhos dela
. No final, já com filhos crescidos, um deles casado, vai à cartomante e
esta lhe diz que um grande amor iria entregar-se a ela na rodoviária no domingo
próximo. Sua ida ao terminal de ônibus claramente indica que nada havia
mudado no coração da sonhadora.

8 - SEMINÁRIO DOS RATOS

SÍNTESE
Ratos invadem uma mansão onde vai acontecer um seminário entre
autoridades políticas justamente para tentar exterminar ratos que
invadem a cidade.

Seminário dos ratos, é um conto de Lygia Fagundes Telles, e está


também presente no livro de mesmo nome. Neste conto a autora também rompe
com a realidade e com a lógica racional.
Conto em terceira pessoa que apresenta uma alegoria de nossas
estruturas político-burocráticas. Trata-se de ratos, pequenos e temerosos
roedores, numa treva dura de músculos, guinchos e centenas de olhos luzindo
negríssimos, que invadem e destroem uma casa recém restaurada localizada
longe da cidade. Ali aconteceria um evento denominado VII Seminário dos
Roedores, uma reunião de burocratas, sob a coordenação do Secretário do
Bem-Estar Público e Privado, tendo como assessor o Chefe de Relações
Públicas. O país fictício encontra-se atravancado pela burocracia, invertendo-
se a proporção dos roedores em relação ao número de homens: cem por um.
O conto aparece em livro homônimo, no ano de 1977, época em que o
Brasil se encontrava em um momento histórico de repressão política. No
trabalho gráfico da capa da primeira edição do livro Seminário dos ratos,
aparecem dois ratos empunhando estandartes com bandeiras à frente de uma
figura estilizada – uma espécie de monstro com coroa, um rei no trono, a ser
destronado pelos animais?

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O próprio nome do conto "Seminário dos ratos" já causa uma
inquietação. Um seminário evoca atividade intelectual, local de encontro de
estudos, possuindo etimologicamente mesma raiz de semente/sementeira –
local para germinar novas ideias.
Também traz uma ambiguidade: seminário no qual se discutirá a
problemática dos ratos, ou seminário no qual os ratos serão participantes?
Essa questão ficará em aberto ao final do conto.
Que século, meu Deus! – exclamaram os ratos e começaram a roer o
edifício. A imagem evocada por este verso já traz um efeito em si, remetendo à
história de homens sem alma e a construções sem sentido, que não vale a pena
conservar, condensando uma perplexidade frente a situações paradoxais
daquele século surpreendente. O nome "esplendor" no título do poema é uma
ironia, visto que o edifício descrito pelo poeta é pura decadência.
O espaço privilegiado no relato é um casarão do governo, espécie de
casa de campo afastada da cidade, recém-reconstruída especialmente para a
realização do evento. Portanto, o seminário aconteceria em uma casa de
ambiente acolhedor, longe de temidos inimigos como insetos ou pequenos
roedores, equipada com todo o conforto moderno: piscina de água quente,
aeroporto para jatinhos, aparelhos eletrônicos de comunicação, além de outras
comodidades e luxos.
A narrativa fantástica transcorre neste cenário insólito com
protagonistas ambivalentes que carecem de nomes próprios. Até mesmo os
acontecimentos e seus indícios nesta representação espacial transmitem uma
sensação ameaçadora ao leitor. A intenção política fica atestada nesta escolha
da mansão restaurada no campo, evidenciando um plano físico/espacial
expandido ao psicológico: distante, porém íntimo para quem lá está. Embora o
processo psicologizante seja lento, a total e inevitável destruição ao final é
completamente bem-sucedida.
A primeira personagem apresentada no conto é o Chefe das Relações
Públicas, um jovem de baixa estatura, atarracado, sorriso e olhos
extremamente brilhantes, que se ruboriza facilmente e possui má audição. Ele
pede permissão, através de batidas leves na porta para entrar na sala do
Secretário do Bem Estar Público e Privado, a quem chama de Excelência
– homem descorado e flácido, de calva úmida e mãos acetinadas [...] voz
branda, com um leve acento lamurioso. O jovem chefe encontra o secretário
com o pé direito calçado, e o outro em chinelo de lã, apoiado em uma almofada,
e bebendo um copo de leite. Curiosamente, a personagem do jovem chefe é a
única que sobreviverá ao ataque dos ratos, restando ao final da história para
contá-la.
As personagens desse conto são nomeadas através de suas ocupações
profissionais e cargos hierárquicos, havendo portanto uma focalização
proposital nos papéis sociais. Também nesse primeiro momento, há descrição
pormenorizada do físico das personagens já apresentadas, que levam a
inferências sobre aspectos psicológicos, que permitem conhecer a
interioridade.
No caso destas duas personagens, parece que ambos não têm contato
com seu inconsciente. Elas não se apoderam de si mesmas: não está em

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contato consigo mesma, mas com sua imagem refletida. As individualidades do
chefe e do secretário encontram-se completamente confundidas com o cargo
ocupado, resultando num estado de inflação, num papel social representado,
longe da essência de seus núcleos humanos e de suas sensibilidades. A ênfase
dada à ocupação e ao cargo da primeira personagem mostra que se trata do
responsável pela coordenação dos assuntos que dizem respeito ao
relacionamento com o público em geral. Em outras palavras, sua função está
ligada aos tópicos referentes à mídia, à comunicação com o coletivo.
Esta primeira cena do conto já remete a uma dualidade que acentua
oposições: embora seja o responsável pelo bem-estar coletivo, o secretário sofre
de um mal-estar individual, pois tem uma enfermidade que ataca seu pé - a
gota - em cujas crises seu sentido da audição também se aguça. Cria-se uma
figura contraditória: um secretário do bem-estar que se encontra mal.
A narrativa apresenta a divisão da unicidade física e psíquica desta
personagem, que já vem nomeada com esta cisão de forças antagônicas: o
público e o privado. Este índice já pertence ao duplo – um pé esquerdo doente
– que desvela a cisão em que se encontra o secretário. Embora aparentemente
restrita ao nível físico, há uma divisão da unidade psíquica também. No outro
dia ele calçará os sapatos, para aparecer "uno" diante do mundo externo.
Através do discurso, revela-se uma bivocalização, uma relação de alteridade,
uma interação da voz de um eu com a voz de um outro.
Este diálogo que se estabelece entre os dois acontece com um pano de
fundo: a crise de artrite que acomete o secretário. A partir deste momento,
estabelece-se uma ênfase acentuada nesta parte-sustentáculo do corpo
humano, enfermo na personagem. Ao receber em chinelos seu subordinado –
que, também detém um cargo de chefia – ele revela sua intimidade,
denunciando sua deficiência física e tornando-se vulnerável. Confessa que fará
o sacrifício de calçar sapatos, porque não deseja apresentar-se assim aos
demais convidados. Dessa forma, o secretário encontra-se destituído de um
dos símbolos de sua autoridade: os sapatos.
No conto, o fato de o secretário estar com a saúde do pé abalada, e não
poder se locomover (a não ser de chinelos) nem calçar sapatos, parece significar
justamente não poder gozar de sua plena autoridade. É uma pessoa fragilizada,
com limitações expostas, cuja "persona" não está sintonizada com o exigido,
além de beber leite, alimento relacionado com a infância.
Na continuação da conversa, o secretário solicita notícias sobre o
coquetel que ocorrera à tarde, ao que o Chefe das Relações Públicas responde
ter sido bem-sucedido, pois havia poucas pessoas, só a cúpula, ficou uma
reunião assim aconchegante, íntima, mas muito agradável. Continua
informando em que alas e suítes estão instalados os convidados: o Assessor da
Presidência da RATESP na ala norte, o Diretor das Classes Conservadoras
Armadas e Desarmadas na suíte cinzenta, a Delegação Americana na ala azul.
Complementa dizendo que o crepúsculo está deslumbrante, dando indícios do
tempo cronológico do conto, que transcorre entre um entardecer e um
alvorecer: o ciclo de uma noite completa. A conversa inicia quase às seis horas,
indicando um momento de passagem, de transição entre a luz/claridade e a
noite, quando a consciência vai pouco a pouco dando lugar ao mundo da

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escuridão, do inconsciente. Como bem assinala Franz: ...a hora do poente pode
ser interpretada como dormir, o apagar-se da consciência.
O secretário solicita explicações sobre a cor cinzenta escolhida na suíte
do diretor das classes, por sua vez representando também uma síntese de
contrários, e o jovem Relações Públicas explica os motivos de suas escolhas
para distribuir os participantes. Depois indaga se o secretário por acaso não
gosta da cor cinza, ao que ele responde com uma associação, lembrando tratar-
se da cor deles. Rattus alexandrius.
O secretário os chama pelo nome latino, o que sugere um artifício para
minimizar a gravidade da situação. Aqui é trazida uma perspectiva polarizada:
norte-sul. Entre as duas, uma zona cinzenta. É interessante perceber que o
ocupante desta área tem uma responsabilidade contraditória de defender as
classes conservadoras com as forças armadas e com as forças desarmadas. No
conto, a cor da suíte que lhe é destinada – cinzenta - remete a algo que não é
preto nem branco, mas à mescla destas duas cores, como se faltasse uma
definição na cor e nas forças que utiliza.
No prosseguimento da conversa entre ambos, o secretário confessa ter
sido contrário à indicação do americano, argumentando que, se os ratos são
pertencentes ao país, as soluções devem ser caseiras, ao que o chefe objeta ser
o delegado um técnico em ratos. Fica evidente a posição política contrária à
intervenção americana no país, principalmente porque na época havia
suspeitas de que agentes americanos especializados em repressão política
vinham ao Brasil treinar torturadores. O secretário aproveita para indicar ao
jovem chefe (que está sendo orientado, pois é um candidato em potencial) uma
postura de positividade diante dos estrangeiros, devendo esconder o lado
negativo dos fatos: mostrar só o lado positivo, só o que pode nos enaltecer.
Esconder nossos chinelos. Aqui a personagem expõe sua visão de mundo, suas
relações consigo mesmo e com o mundo externo - aspectos que são motivo de
orgulho e envaidecimento devem ser mostrados, porém aspectos da psique
individual e coletiva que envergonhem e representam dificuldades não. Em
outras palavras: o mundo da sombra deve ser escondido.
No discurso sobre as aparências, a personagem relaciona os ratos com
os pés inchados e com os chinelos. O aspecto que estes três elementos têm em
comum é que são todos indesejáveis para a personagem: o rato, pela ameaça
da invasão, epidemia e destruição (além de prejudicarem sua gestão e pôr em
dúvida sua competência de zelar pelo bem-estar coletivo), o pé enfermo por
denunciar sua deficiência física, e os chinelos, finalmente, por revelarem um
status inferior, uma espécie de destituição de seu poder. Também não agrada
ao secretário saber que o americano é um especialista em jornalismo eletrônico,
solicitando ser informado sobre todas as notícias veiculadas a esse respeito na
imprensa a partir dali. Já se encontram no sétimo seminário e ainda não
solucionaram o problema dos roedores, porém não desejam ajuda estrangeira.
O jovem Relações Públicas conta que a primeira crítica levantada fora a própria
escolha do local para o seminário – uma casa de campo isolada -, e a segunda
questão se referia aos gastos demasiados para torná-la habitável: tem tanto
edifício em disponibilidade, que as implosões até já se multiplicam para corrigir
o excesso. E nós gastando milhões para restaurar esta ruína....

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O chefe continua relatando sobre um repórter que criticou a medida do
governo e este torna-se alvo do ataque dos dois homens: estou apostando como
é da esquerda, estou apostando. Ou, então, amigo dos ratos, diz o secretário.
Franz sublinha que a sombra, o que é inaceitável para a consciência, é
projetada num oponente, enquanto a pessoa se identifica com uma
autoimagem fictícia e com o quadro abstrato do mundo oferecido pelo
racionalismo científico, algo que provoca uma perda constantemente maior do
instinto e, em especial, uma perda do amor ao próximo, tão necessário ao
mundo contemporâneo.
Entretanto, o jovem chefe salienta a cobrança de resultados por parte
da mídia. Acentua que, na favela, as ratazanas é que andam de lata d’água na
cabeça e reafirma ser uma boa ideia a reunião se realizar na solidão e ar puro
da natureza no campo. Nesta primeira afirmação, percebe-se uma total falta de
sensibilidade, empatia, solidariedade e humanidade para com os favelados:
tanto faz que sejam as Marias ou as ratazanas que precisem carregar latas
d’água na cabeça. Esta parte do conto é reforçada pela citação supracitada.
Neste momento, o secretário ouve um barulho tão esquisito, como se viesse do
fundo da terra, subiu depois para o teto... Não ouviu mesmo?, porém o jovem
relações públicas nada ouve. O secretário encontra-se tão paranoico com a
questão dos ratos e do seminário, que desconfia da possibilidade de um
gravador estar instalado veladamente, talvez da parte do delegado americano.
O relações públicas conta ainda que o assessor de imprensa sofrera um
pequeno acidente de trânsito, estando com o braço engessado.
No prosseguimento da conversa, um ato falho do secretário faz
confundir braço com perna quebrada. Franz faz ver que os braços são em geral
os órgãos de ação e as pernas nossa postura na realidade. O jovem chefe diz
que o assessor de imprensa dará as informações pouco a pouco por telefone,
mas que virão todos ao final, para o que ele denomina "uma apoteose". A
tradução do texto latino Finis coronat opus, ou seja, "o fim coroa a obra",
evidencia que para ele não importam os meios. Denuncia-se desse modo a falta
de princípios éticos das personagens. O secretário confessa se preocupar com
a incomunicabilidade, preferindo que os jornalistas ficassem mais perto, ao
que o jovem assessor contra-argumento que a distância e o mistério valorizam
mais a situação. A preocupação da personagem é com o mundo externo, com
os meios de comunicação, com as boas notícias, mesmo que inverídicas.
Entretanto, permanece incomunicável com seu mundo interno, não lhe dando
atenção.
O secretário pede inclusive para seu assessor inventar que os ratos já
estão estrategicamente controlados. Fica evidenciada no diálogo a manipulação
da informação, principalmente na vocalização do chefe: [...] os ratos já se
encontram sob controle. Sem detalhes, enfatize apenas isto, que os ratos já
estão sob inteiro controle. Além disso, aqui são visíveis os mecanismos da luta
pelo poder: o binômio mandante/poder – executor/submissão representa parte
de um sistema sócio-político explorador e falso, prevalecendo a atitude de
ludibriar.
Novamente, o secretário chama a atenção para o barulho que aumenta
e diminui. Olha aí, em ondas, como um mar... Agora parece um vulcão

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respirando, aqui perto e ao mesmo tempo tão longe! Está fugindo, olha aí...,
mas o chefe das relações públicas continua a não escutar. A comparação com
forças poderosas e potencialmente destrutivas da natureza mostram o quanto
ele estava apreensivo. O barulho desconhecido e esquisito que persegue o
secretário aparece como uma ameaça severa, como se algo já existente em
potencial estivesse por acontecer.
O secretário afirma que escuta demais, devo ter um ouvido
suplementar. Tão fino. e que é o primeiro a ter premonições quando coisas
anormais acontecem, evocando sua experiência na revolução de 32 e no golpe
de 64. Esta verbalização aponta indícios de que a sede do sétimo seminário é o
Brasil, ao menos como inspirador do país ficcional do texto. No entanto, o
cenário é ampliado para a América do Sul, com o uso repetido do termo "bueno"
pelo jovem assessor, em várias de suas vocalizações, e o nome da safra do
vinho, mais adiante analisado. Respira-se uma atmosfera latina em função
disto. Em geral há um tom de tragédia, típico da simbologia isomorfa das
trevas.
O jovem assessor lança um olhar suspeitoso sobre uma imagem de
bronze: aqui aparece, sob a forma de uma estatueta – da justiça – uma figura
feminina no conto: tem os olhos vendados, empunha a espada e a balança.
Desta, um dos pratos está empoeirado, novamente numa alusão à situação de
injustiças em que vive o país. A balança é o elemento mais evidenciado da
imagem, como se estivesse em primeiro plano. Através dessa alegoria, há como
um convite para refletir sobre as diferentes polaridades que se evidenciam, já
que se trata de um instrumento que serve para medir e pesar o equilíbrio de
duas forças que se colocam em pratos opostos: bem estar x mal estar, pé sadio
x doente, ratos x governo, mansão x ruína.
Os dualismos apontados acabam por sintetizar uma confrontação
simbólica entre homens e animais, entre racionalidade e irracionalidade. A
espada é o símbolo por excelência do regime diurno e das estruturas
esquizomorfas. A arma pode representar a reparação e o equilíbrio entre o bem
e o mal. No tecido do conto, a imagem da espada nas mãos da justiça adquire
sentido de separação do mal. Neste conto, a correspondência das situações e
personagens apresentadas corrobora uma significação dualista, através do uso
de antíteses pela escritora.
Somente então o secretário faz menção ao pé enfermo, usando o termo
"gota" pela primeira vez na narrativa.
E o jovem assessor de imediato canta Pode ser a gota d’água! Pode ser
a gota d’água!, estribilho da canção popular do compositor Chico Buarque de
Holanda, na época um crítico dos fatos políticos do país. A associação musical
do chefe parece não agradar ao secretário. O jovem chefe defende-se, dizendo
ser uma música cantada pelo povo, ao que o secretário aproveita a deixa para
declarar que só se fala em povo e no entanto o povo não passa de uma
abstração [...] que se transforma em realidade quando os ratos começam a
expulsar os favelados de suas casas. Ou roer os pés das crianças da periferia.
O secretário complementa que quando a "imprensa marrom" começa a explorar
o fato, aí "o povo passa a existir".

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Na afirmação de que o povo não existe enquanto realidade, o secretário
parece ser um secretário mais para privado do que para público, porém é
forçado a reconhecer o povo quando suas mazelas e infortúnios aparecem nos
jornais, expostos em manchetes, o que muito abomina.
Na rede de intertextualidade do Seminário dos ratos, a alusão à canção
"Gota d’água" completa uma série de referências presentes no conto a poetas
brasileiros: Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque de Holanda,
Vinícius de Moraes, presentes no texto. Poderíamos contar ainda com a
presença da letra de "Lata d’água", música de carnaval tipicamente brasileira.
É como se a narrativa quisesse enfatizar as coisas boas do país, em contraponto
com a situação política vigente.
Outra teia intertextual possível é o conto de fadas O flautista de
Hamelin: a personagem-título livra a população da peste dos ratos apenas com
sua música. A condução/expulsão dos ratos para longe é um contraponto ao
texto de Lygia, que, por sua vez, trata da chegada de ratos.
Órgãos públicos como RATESP – numa clara referência aos ratos e à
cidade de São Paulo – parecem não alcançar nenhum resultado contra os ratos
que se multiplicam em uma cidade sem gatos exterminadores. O secretário
lembra também que no Egito Antigo, resolveram esse problema aumentando o
número de gatos, ao que o assessor responde que aqui o povo já comera todos
os gatos, ouvi dizer que dava um ótimo cozido!, em uma resposta claramente
irônica, aludindo ao fato de que o povo estaria esfaimado a ponto de comer
carne de gato.
Com o escurecer, o jovem relações públicas recorda que o jantar será
às oito horas, e a mesa estará decorada com a cor local: orquídeas, frutas,
abacaxi, lagostas, vinho chileno. O preparo cuidadoso e aparência requintada
do alimento não o afastará de ao final tornar-se comida dos animais. Aqui
aparece outro fio intertextual – com a política de outro país da América do Sul,
o Chile - pois na narração o nome da safra do vinho é Pinochet, referência
explícita ao ditador na época da publicação do conto, recentemente julgado por
seus atos.
O ruído retorna de forma bem mais forte: agora o relações públicas
identifica-o, levantando-se de um salto. Aparece a satisfação do secretário ao
ver confirmadas suas intuições, porém ele mal imagina que esta satisfação logo
irá também por sua vez inverter-se, pois é a confirmação de um barulho
prenunciador da catástrofe que logo a seguir se abaterá sobre o casarão, o
ruído surdo da invasão dos ratos que se articula. Novamente compara com
vulcão ou bomba, e o jovem assessor sai apavorado murmurando: Não se
preocupe, não há de ser nada, com licença, volto logo. Meu Deus, zona
vulcânica?!....
No corredor, ele encontra-se com Miss Glória, secretária da delegação
americana, a única personagem feminina do conto, com quem conversa
rapidamente em inglês, praticando seu aprendizado de idiomas. Parece haver
uma ironia também no nome, pois contrariamente à glória esperada, o
seminário parece fadado ao fracasso. Ela tem um papel secundário no
seminário, que aparece como um evento de poder eminentemente masculino.
O chefe encontra-se em seguida com o diretor das classes conservadoras

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armadas e desarmadas, vestido com um roupão de veludo verde e encolheu-se
para lhe dar passagem, fez uma mesura, ‘Excelência’ e quis prosseguir mas
teve a passagem barrada pela montanha veludosa, e ainda lhe admoesta sobre
o ruído e o cheiro. Informa-lhe que os telefones estão mudos (no país os meios
de comunicação estavam sob censura), o que o surpreende. A comparação que
a escritora faz com uma montanha veludosa, em correspondência ao chambre
de veludo verde, neste contexto, alude à cor do conservadorismo e do poder.
Trata-se de cor muito utilizada pela escritora, já referido em outros contos. O
uso desta cor na obra da escritora é tão notável, que mereceu análise de Fábio
Lucas no ensaio Mistério e magia: contos de Lygia Fagundes Telles.
Neste momento surge a personagem do cozinheiro-chefe, que anuncia
a rebelião dos animais, aparece correndo pelo saguão – sem gorro e de avental
rasgado – com mãos sujas de suco de tomate que limpa no peito, a cor vermelha
em clara alusão a sangue, revolução, esquerda – dizendo aos gritos que
acontecera algo horrível: Pela alma de minha mãe, quase morri de susto
quando entrou aquela nuvem pela porta, pela janela, pelo teto, só faltou me
levar e mais a Euclides! - os ratos haviam comido tudo, só se salvara a
geladeira. Relata, como o secretário, que o barulho fora percebido antes, feito
um veio d’água subterrâneo. Depois havia sido um apavoramento, um espanto
com aquela invasão despropositada e aterrorizante em meio aos preparativos
para o seminário. O estranhamento que causa a invasão dos ratos dentro desta
atmosfera é abrupta, apesar dos indícios, pois não existe uma explicação lógica
da desmesura dos ataques. A violência do ocorrido, de uma certa forma, reflete
aspectos "monstruosos" dentro do homem, e que também dá a medida de como
a sociedade se constitui. Aqui, o fato fantástico instala-se no âmago do real,
confundindo os parâmetros racionais e provocando uma ruptura da ordem do
cotidiano. A não resolução da narrativa e o sistema metafórico fazem da
narração, um drama e da leitura, um exercício conflitiva.
O jovem assessor preocupa-se com as aparências, pedindo que o
cozinheiro-chefe fale baixo, não faça alarde sobre os acontecimentos. A cozinha
é, no conto, o local por onde inicia a invasão dos roedores.
Como é sugerido desde o título do conto, os agentes instauradores da
estranheza são os ratos, símbolos teriomórfico, uma vez que se constituem
responsáveis pela invasão, tomando conta do espaço físico conhecido, e pela
destruição do local. Convertem-se no centro das preocupações das
personagens e, depois, no ponto deflagrador do pânico. Os atributos desses
animais significam o poder destruidor do tempo, possuindo uma grande
resistência ao extermínio. Ratos são considerados animais esfomeados,
prolíficos e noturnos, aparecendo como criaturas temíveis, até infernal. No
conto, os ratos são totalmente subversivos, no sentido de corroerem a ordem e
estabelecerem o caos e o terror.
Na sequência do conto, o jovem chefe tenta que o cozinheiro volte à
cozinha, porém este mostra que a gravidade da situação não está sendo
compreendida pelo jovem: nenhum carro está funcionando [...] Os fios foram
comidos, comeram também os fios, ir embora só se for a pé, doutor. Foram
retirados todos os símbolos que remetem à acessibilidade e à comunicação com
o mundo exterior, e agora, sem subterfúgios externos para se salvarem,

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somente restam suas próprias forças e recursos. Os ratos devastaram toda a
infraestrutura do VII Seminário de Roedores. O relações públicas com olhar
silencioso foi acompanhando um chinelo de debrum de pelúcia que passou a
alguns passos do avental embolado no tapete: o chinelo deslizava, a sola
voltada para cima, rápido como se tivesse rodinhas ou fosse puxado por algum
fio invisível.
Esta imagem é dúbia, não se sabe se o secretário está sendo arrastado
junto com o chinelo ou se o chinelo é o que resta do corpo devorado; voltemos
à sua premonição: o pé fora roído por ratos como o das crianças pobres? De
qualquer forma, o destaque é dado para o chinelo, justamente aquilo que fora
desprezado pela personagem: era tudo o que restara de si.
Nesse momento a casa é sacudida em seus alicerces por algo que parece
uma avalanche e as luzes se apagam. Invasão total. O texto compara a irrupção
dos animais aos milhares, brotando do nada e de todos os lugares, a uma
erupção vulcânica, incontrolável. A própria narrativa vai avisando que foi a
última coisa que viu, porque nesse instante a casa foi sacudida nos seus
alicerces. As luzes se apagaram. Então deu-se a invasão, espessa como se um
saco de pedras borrachosas tivesse sido despejado em cima do telhado e agora
saltasse por todos os lados numa treva dura de músculos, guinchos e centenas
de olhos luzindo negríssimos.
Do ataque rapidíssimo dos roedores, salva-se somente o chefe das
relações públicas, que se refugia entrincheirando-se na geladeira: arrancou as
prateleiras que foi encontrando na escuridão, jogou a lataria para o ar,
esgrimiu com uma garrafa contra dois olhinhos que já corriam no vasilhame
de verduras, expulsou-os e, num salto, pulou lá dentro, mantendo-a aberta
com um dedo na porta para respirar, logo em seguida substituindo-o pela
ponta da gravata.
No início do conto, a gravata representa o status, o prestígio, o mundo
das aparências. Já no final, aparece como símbolo de sobrevivência. Há aqui,
portanto, uma transformação de um símbolo em função das ameaças e do
perigo que se apresentaram à personagem, modificando o contexto. E ainda
pode-se apontar mais uma inversão: as pessoas fogem espavoridas enquanto
os ratos se instalam, e o chefe das relações públicas esconde-se na cozinha
(depósito de mantimentos) como se fosse um rato.
Aqui tem-se o início do segundo bloco. Em flashback, avisa-se ao leitor
que, após os acontecimentos daquele dia, houve um inquérito – medida
obscura que ocorria no panorama do país naquela época. É a única coisa que
o narrador conta de concreto após os fatos.
O elemento invasor, portanto, conseguiu exterminar o seminário.
A estada do jovem chefe no interior da geladeira parece ter se
constituído em um ritual de passagem, até mesmo um cerimonial, pois de um
certo modo ele não renasceu? Afinal, somente ele sobreviveu e regressou ao
social para relatar, tendo ficado privado de seus sentidos, que ficaram
enregelados durante um tempo. A personagem, buscando refúgio na geladeira,
tenta sobreviver e se salvar.
Aqui o narrador suspende a história. Este final é ambíguo, talvez em
uma alusão aos ratos se reunindo para realizar o VII Seminário dos Roedores,

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deliberando e decidindo o destino do país em lugar dos homens dizimados...
Após a iluminação do casarão, inicia-se uma nova era, governada pelo mundo
das sombras, com os ratos assumindo o poder.
Todo o conto é filtrado por indicativos do fantástico, tendo seus limites
no alegórico. Predomina a inversão e os animais corporificam o duplo. O clima
permanente é o medo apavorante de algo que se desconhece – e principalmente,
que não se controla. E sob esta capa do fantástico, Lygia compôs um conto
denunciador da situação não menos terrificante em que vivia o país, abordando
uma temática sobre as complexas relações entre o bem e o mal-estar coletivo e
pessoal. O atributo sobrenatural – a hesitação experimentada por um ser que
só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente
sobrenatural, aparece neste conto, fazendo o leitor hesitar ao realizar a
interpretação.
Esta narrativa de Lygia é outro exemplo da literatura como duplo, ou
seja, o próprio conto como um todo é uma duplicidade de uma situação real.
Uma situação política de um país, as forças militares que nele operavam,
praticamente toda sua doença social personificadas nas personagens que se
desdobram, os ratos como imagem de um povo faminto de liberdade e justiça
que refletem (se duplicam) no conto literário. O epílogo do conto prova a
existência do povo, sob forma de ratos rebelados, que mostra sua revolta e
vingança, ao contrário da crença do secretário, de que ele não existiria. Neste
conto, na luta entre os homens do poder e os ratos (os duplos - representantes
do fantasmático), os vencedores são aparentemente estes últimos, que
conseguem aniquilar com o VII Seminário. Porém, o final ambíguo (com a
iluminação da mansão) e a sobrevivência do Chefe das Relações Públicas
podem encaminhar a outras possibilidades de interpretação. Porém, a dúvida
se instala: se os ratos haviam roído a instalação elétrica, de onde provinha a
iluminação? Mais um enigma proposto pelo fantástico.
Este conto, por se tratar de uma temática social, distingue-se dos
demais e traz um diferencial. Uma praga sobrenatural de ratos: eis a fantasia
de Lygia Fagundes Telles para dizer de sua indignação com a situação do país
e com a censura instalada. Os ratos aqui aparecem como elementos que
subvertem a ordem estabelecida. A ironia, o humor negro e o sentido crítico
perpassam as linhas dessa história satírica, sem abandonar o sentido de uma
invasão sobrenatural dos animais. A inversão de papéis realizada entre os
animais e os homens apresenta-se como a principal característica do fantástico
e do duplo nesse tenso universo representado no conto.

9 - A CONFISSÃO DE LEONTINA

SÍNTESE
A mulher está na cadeia, presa por ter assassinado um homem em legítima
defesa. Ela conta sua triste história de vida, desde a infância, a uma
senhora que se propôs a escutá-la.

Quinto conto do livro: a narradora é uma mulher pobre e de pouco


verniz cultural, que reclama por não confiar em ninguém da cidade grande.

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Nasceu na pequena cidade Olhos D’Água e mal sabe ler e escrever, além de não
ter ninguém por ela no mundo. Lembra do primo Pedro que, ao derrubar a
pequena Luzia, irmã da narradora, atingiu o cérebro da menina, criada desde
ali como um vegetal.
A mãe de Luzia e dela, Leontina, era uma lavadeira que criara o filho da
irmã, Pedro. Os poucos centavos, a melhor comida, a escola, tudo só dava a
ele, em quem depositava falsas esperanças. Quando ela morreu, Leontina foi
ser lavadeira. E também na formatura de Pedro, Luzia afogou-se. Pedro não a
quisera no colégio, mal podia aturar a miséria da nossa narradora. Forma-se,
pega o que pode e vai para São Paulo estudar medicina e fazer o possível para
vencer e esquecer Leontina e todo aquele horrível passado de pobre. Obrigou-
a a vender tudo que tinha e entregou-a aos cuidados de um padre que a
empregou na casa de uma perversa mulher, mãe de um filho que quis abusar
de Leontina.
Nossa heroína vai à luta na cidade grande fugindo do interior.
Dançarina de aluguel, prostituta e... assassina? Com tantos elementos assim,
Lygia entrega ao leitor sua visão confortável de todo o nosso desconforto. É
como perguntaria Machado de Assis sobre Dona Plácida, de Memórias
Póstumas de Brás Cubas: para que existir deste modo?
A narradora dirige-se a alguém que mal conseguimos distinguir. Há um
tom de tragicômico, desespero. A morte da mãe e da cachorra Titã no mesmo
parágrafo revela que o mundo é dos fortes: Pedro venceu, mesmo quando nega
conhecer Leo como sua prima. O primeiro “amor” da vida dela, já dançarina de
aluguel: um marinheiro; seu primeiro vestido: aquele que vestiria na mãe para
enterrá-la e que lhe foi deixado como herança.
Minha mãe vivia lavando roupa na beira da lagoa (...) nunca vi minha
mãe se queixar. Era miudinha e tão magra que até hoje fico pensando onde ia
buscar forças para trabalhar tanto não parava (...) Pedro precisava estudar
para ser médico. Prometera a irmã e todos passavam necessidades em nome
dele. E ele as renegava.
Não podemos aqui falar em felicidade. Leontina é uma Macabreia (de A
Hora da Estrela, de Clarice Lispector, 1977) que foi à luta e acabou na prisão.
Lygia vai tecendo a trama desta pequena novela. Onde está a narradora? O que
aconteceu com ela para estar assim? Com quem fala?
A ruptura com o tempo cronológico faz o leitor viajar na mente tortuosa
e ao mesmo tempo simplista da personagem. '“Essa daí não é a tua irmã?", um
menino perguntou. Mas Pedro fez que não e foi saindo. Fiquei sozinha no palco
com um sentimento muito grande”, diz diante da primeira negativa de Pedro.
“Não conheci meu pai. Morreu antes de você nascer, respondia minha
mãe sempre que eu perguntava”. A narrativa é fragmentada e trabalha o
discurso indireto livre imprimindo ao texto um ritmo ágil: “Meu pai feito um
Deus desaparecendo atrás da montanha com sua capa de nuvem num carro
de ouro”. É um pai mítico e a menina o cria com elementos do seu universo
particular: as nuvens, quando se deitava na beira da lagoa e escolhia a cara
que o pai devia ter.
A velha Gertrude (e o filho João Carlos), sua primeira “patroa”, a tratara
como um animal: “Nem pra ir ao banheiro eu tinha sossego que ela ficava

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rodando a porta e resmungando que eu devia estar cagando prego pra demorar
tanto assim”.
Na fuga de trem, ela vê uma “estrelinha verde brilhando lá longe” que a
acalma e também nos transmite o grau poético da cena.
Rogério era o nome do marinheiro com quem ela “se perdeu”. Um
quartinho de hotel / pensão barato. Ele a chamara de Joana e não de Leontina:
“Seu cabelo encacheado é igual ao de São João do carneirinho”. Segunda
referência à Bíblia, Pedro faz a primeira: “Conte só com você que todo mundo
já está até as orelhas de tanto problema e não quer nem ouvir falar do problema
do outro”, sentencia Rogério ao prometer levá-la para conhecer o mar, comer
uma peixada em Santos: “Aprendi a tomar banho com Rogério. Você tem que
tomar banho todo dia e lavar as partes (...) em casa a gente só tomava banho
de bacia em dia de festa, mas outras vezes só lavava o pé. E na casa da patroa
ela não gostava que eu me lavasse pra não gastar água quente”.
Às vezes o verde da tal estrelinha ou do sabonete do marinheiro
esbarram com nossa frieza de leitor: “Não sei por que pensei no meu pai quando
Rogério passou o braço por baixo da minha cabeça e me chamou, Vem Joana”.
Depois da vírgula o “v” maiúsculo do “vem”. Uma felicidade clandestina e
efêmera de fazer amor e fumar. Dava tristeza “fazer amor” com Rogério: ia “com
cara de boi indo pro matadouro”. "Ele dizia que minhas sobrancelhas eram
como as asas das gaivotas.”
Ele se foi. Ela decai e numa pensão, cheia de artistas de circo, conhece
Rubi, quem levou Leontina para lá foi o Milani, colega de Rogério. Personagem
secundário mas Lygia os tece com carinho de mãe.
Leontina trabalha em inferninhos rodeada da escória típica destes
locais: “Nunca dizia não pro freguês”.
A segunda vez que encontra Pedro, e ele fingiu não conhecê-la, foi na
enfermaria da Santa Casa. Aqui a narradora faz a inevitável comparação com
Jesus. Leontina é tentada.
Ao apreciar um vestido marrom com rosa de vidrilho vermelho no
ombro, ela é assediada por um velho rico dono de jornais “e mais isso e mais
aquilo”: “Amaldiçoada para que enveredei por aquela rua e parei naquela
vitrina. O vestido estava numa boneca e tinha o meu corpo”.
O duplo está estabelecido: o jogo completamente armado. O ritual do
sacrifício se encaminha para um desfecho dramático: ela deixa na loja o vestido
branco. O velho a proíbe de voltar. Ele lhe comprara o vestido que ela queria.
A estrada, o repúdio, o carrão, a estrada: “Era rico e feio com aquele jeito de
peru do bico mole molhado de cuspe (...) boca inchada e roxa como se tivesse
levado um murro”.
“O bofetão veio nessa hora e foi tão forte que me fez cair no banco (...) o
punho do velho desceu fechado na minha cara. Foi como uma bomba (...) achei
uma coisa pura e fria no chão. Era o ferro...”.
Depois de tudo ela volta à loja para buscar o vestido branco a polícia
está lá. A vendedora dera a reconhecer.

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10 - MISSA DO GALO

SÍNTESE
Versão moderna de um conto homônimo de Machado de Assis, no qual a
personagem Conceição, mostra-se sedutora e sensual em seu diálogo com
o garoto Nogueira.

Neste conto, Lygia disseca a intertextualidade com o conto de Machado


de Assis, no qual nos é apresentada uma mulher da segunda metade do século
XIX: Conceição, casada, vítima de um marido adúltero, que a deixa
praticamente só numa noite de Natal. Esta senhora mantém um insinuante
diálogo com um hóspede adolescente, o Nogueira (que é leitor, tal qual a
senhora, de romances românticos, como Os três mosqueteiros, ou os do senhor
Joaquim Manuel de Macedo). Ele faz hora esperando um amigo para juntos
irem à tal missa do galo.
Ela “deixou travesseiro e quarto numa disponibilidade sem espartilho,
livre o corpo” e Lygia cria um narrador que vai invadindo o espaço do não dito,
nas entrelinhas, de Machado, coloca até na alcova do adúltero com uma certa
“mulata”.
A relação do jovem Nogueira com Conceição também é, digamos assim,
intensificada nesta recriação. Lygia apimenta-a, vasculha-a como um
psicanalista provocador.
O insólito é observado: “Durante o dia Conceição parece tão objetiva,
eficiente. E agora esta inconsistência”. Seu narrador observa pelas vidraças da
casa, ele está na rua da “noite antiguíssima”. Sente desejo de entrar e vive um
tempo anacrônico como a interferência de uma lembrança de algo escrito em
um caminhão (!): “Matérias perecíveis”. Mas “aquela casa”, o narrador
contrapõe, é “imperecível”, no ”bojo de tempo”. A obra de Machado.
Conceição: “bruxa” ou “belíssima”? Quer gritar, é hora de calar: “Vocês
sabem que dentro de alguns minutos será nunca mais?”, pergunta-nos. O
menino de 17 anos estará na igreja e ela no quarto.
Parece Clarice Lispector, amiga de Lygia: “Faça alguma coisa”, pede o
narrador insistentemente com o coração pesado diante desses dois indefesos
no tempo.
Metalinguagem e intertextualidade aqui se confundem quando o amigo
do rapaz chega, ele vai para a missa, Conceição volta para o quarto e o narrador
conclui:
Quando volta ao quarto, pisa na tábua do corredor, aquela que range.
Rangeu, paciência! Agora está desinteressada da mãe e da tábua.
No canapé, a almofadinha das guirlandas um pouco amassada.
Apago o lampião.

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11 - A ESTRUTURA DA BOLHA DE SABÃO

SÍNTESE
A narradora reencontra, depois de anos, uma antiga paixão, um físico, que
agora estava casado e à beira da morte e estudava a estrutura da bolha de
sabão.

Neste conto, que dá título à obra, Lygia cria um narrador em primeira


pessoa: uma mulher que encontra o ex-marido com a atual esposa num bar.
Sente ciúme e testa a incomunicabilidade entre os seres, a aprendizagem dos
sentimentos: uma delicada teia de relacionamentos. Ele é físico e estuda a
estrutura da bolha de sabão (sólida / líquida / gasosa): híbrida. Ele, ela percebe
aos poucos, está com uma doença terminal. Ela pensa na própria infância, revê
sua vida em labirinto: “No escuro eu sentia essa paixão contornando
sutilíssima meu corpo”. Lygia é dona de uma sintaxe especial, particular.
Pratica o intimismo com maestria. Sua poesia narrativa é uma espécie de ritual
sem sangue, sem grito: “Amor de transparência e lembranças condenado à
ruptura”.
Em relação à outra mulher, a narradora mostra-se superior: “Como ele
podia amar uma mulher assim?”. São frases insólitas como: “Me refugiei nos
cubos de gelo amontoados no fundo do copo”. Ela tem ciúmes e ao saber da
doença do ex-marido vai à casa dele. É recebida pela fulana que agora ocupa o
“seu” lugar. Quando a “outra” sai, ela se aproxima do homem que já foi seu.
Ela não tem nome no conto. Ela flui. Ele usa um roupão verde, mãos
“branquíssimas”, está quase lívido. Ela começa a sentir uma falta e não sabia
do que era. Descobre: “Ô! Deus – agora eu sabia que ele ia morrer”.
Este final vago e brusco nos conduz ao amor interrompido, petrificado
em narrativa de prosa lírica, urbana, metafísica.

12 - A CAÇADA

SÍNTESE
Um homem visita uma loja de antiguidades e fica fascinado com uma
tapeçaria que está na parede. Ele se sente preso à imagem, como se fizesse
parte da caçada a qual ela ilustrava.

Em A Caçada, de 1965, Lygia Fagundes Telles emprega um narrador


extradiegético, com relação ao nível narrativo, e heterodiegético, quanto à sua
relação com a história, ou seja, a voz que conta está ausente da história.
O cenário é uma loja de antiguidades e é apresentado ao leitor por meio
do discurso narrativizado. Para compor o espaço físico onde a ação irá se
desenvolver, o narrador emprega imagens de percepção sensória. Assim, o
leitor sente o cheiro da loja: “tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus
panos embolorados e livros comidos de traça” (p. 41); tem a sensação do tato,

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por intermédio da personagem, que, “com a ponta dos dedos” (p. 41), toca em
uma pilha de livros; vê detalhes do lugar, “uma mariposa levantou voo e foi
chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas” (p. 41).
As imagens literárias produzidas com o uso de detalhes transferem
maior verossimilhança à narrativa.
Existem duas personagens, uma velha, provavelmente a dona da loja,
ou então uma funcionária, há muito tempo no estabelecimento, e um homem,
que vai ao estabelecimento atraído por uma tapeçaria antiga, com a
representação de uma caçada. As personagens não têm nome e o narrador não
faz descrições sobre seus aspectos físicos para caracterizá-las. O tempo da
história abrange um período de dois dias. No primeiro dia, o homem vai à loja
de antiguidades.
No dia seguinte, o segundo dia da história, o homem vai, novamente, à
loja de antiguidades, mais cedo do que de costume, "– Hoje o senhor
madrugou.” (p. 44). Essa mesma personagem diz para o homem “Pode entrar,
pode entrar, o senhor conhece o caminho...” (p. 44), referindo-se ao local onde
está pendurada a tapeçaria, na loja. O homem murmura “Conheço o caminho”
(p. 44), referindo-se ao caminho do bosque, representado na tapeçaria.
Chega-se, então, ao clímax da narrativa. Mais uma vez, são empregadas
imagens sensoriais: “aquele cheiro de folhagem e terra” (p. 44), “a loja foi
ficando embaçada” (p. 45), “seus dedos afundaram por entre galhos e
resvalaram pelo tronco de uma árvore” (p. 45). Nesse trecho se alternam as
focalizações externa e interna, caracterizando a mistura do real e do fantástico,
e retratando o possível delírio pelo qual passa o homem. “Imensa, real só a
tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão” (p. 45), passa a impressão
de que apenas a tapeçaria é real, tudo o mais são elementos do delírio da
personagem. Observe-se o segmento em discurso indireto livre: “Era o caçador?
Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que
prosseguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado.
Ou sendo caçado?...” (p. 45).

13 - AS FORMIGAS

SÍNTESE
Duas estudantes hospedam-se em um quarto de pensão. À noite, elas veem
formigas misteriosas andando pelo quarto e indo em direção a uma caixa
de ossos− os insetos montam o esqueleto de um anão.

O enredo do conto se passa em uma pensão simples, na qual duas


estudantes, e primas, resolvem morar para ficar mais perto da universidade.
Quem conta a história é a própria protagonista, portanto vemos o ocorrido
através dos olhos de quem viveu tudo que aconteceu.
Logo de início, sabemos que tudo se passa à noite. A protagonista
começa dizendo que já era quase noite, ou seja, que a luz do dia já estava indo
embora. Aliás, durante todo o conto, pouco sabemos a respeito da vida diurna
das protagonistas, uma estudante de medicina e outra de direito.

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A pensão é um lugar decadente, apresentado a nós como um lugar
velho, triste, sombrio e até um pouco assustador. As personagens obviamente
não desejam ficar ali, mas infelizmente não há muito escolha, já que o lugar é
o único que poderiam pagar. A narradora conta ainda que ainda antes de
entrar, ambas ficaram imóveis, avaliando a fachada da pensão, que parecia um
rosto entristecido.
Elas entram na pensão decadente, em salas escuras e móveis velhos.
Até a mulher que as atende parece algo triste, envelhecido, vestida em pijamas.
Assim que as moças chegam ao quarto, percebem que o antigo morador
esqueceu um pertence, um caixote deixado em um canto. Curiosas, resolvem
avaliar o que tem dentro e percebem um conjunto de ossos. A estudante de
medicina, logo se interessa, e avaliando mais de perto, percebe que o conjunto,
apesar de estar totalmente completo, é bastante pequeno, e portanto que se
trata de um raro esqueleto de anão.
Resolvem então dormir, e no meio da noite, e todas as noites que se
seguirão, serão preenchidas com um forte cheiro de bolor e uma invasão quase
inacreditável de formigas. O rastro dos animais segue sempre para debaixo da
cama, mas especificamente para dentro do caixote de ossos, que fora guardado
ali.
O que deixa tudo ainda mais intrigante e estranho, é que na primeira
noite naquele quarto, a protagonista ainda nos conta que teve um sonho um
pouco bizarro, no qual um anão de olhos azuis a fitava firmemente.
Ao perceberem as formigas, as primas se perguntam o que poderia ter
chamado a atenção dos animais para os ossos. Uma delas então abre o caixote
e percebe que os ossos mudaram de posição. Mesmo assim, resolvem
simplesmente matar as formigas e voltar a dormir.
Na noite seguinte, as moças percebem o mesmo cheiro, a volta das
formigas e mais uma vez, que os ossos mudaram de posição dentro do caixote.
Por isso, na terceira noite, resolvem ficar acordadas até descobrir de onde e por
onde, chegam as formigas. O problema é que elas se sentem muito cansadas e
sem perceber, acabam adormecendo.
Quando acordam, ficam ainda mais assustadas, já que ao observar o
caixote, encontram o esqueleto de anão quase totalmente formado, faltando
apenas um osso da perna e um braço para ficar completo.
O medo então toma conta das duas estudantes, que resolvem que não
irão ficar mais tempo para descobrir o que vai acontecer. Elas pegam suas
coisas e deixam a pensão desesperadas, assustadas com toda a história e a
montagem dos ossos de anão pelas formigas que só chegam a noite.
Como leitores, ficamos presos neste mistério. Jamais seremos capazes
de descobrir a razão pela qual as formigas montavam o esqueleto, e o motivo
pelo qual estava ali.

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14 - NOTURNO AMARELO

SÍNTESE
Laura transpassa para outro tempo e espaço (vai para casa de seus avós),
enquanto está parada, com o marido, na beira da estrada, por falta de
combustível.

Família, cheiros, lembranças, calor, memórias, acerto de antigas


contas: a oportunidade via o fantástico. Esses ingredientes de "Noturno
amarelo", narrado ao sabor do intimismo de mais uma mulher, desta feita
Laurinha que nessa noite junto ao amado Fernando encontra-se em plena
estrada com o carro sem gasolina e que em breve irá rever velhos conhecidos.
Enquanto espera Fernando providenciar o combustível, não sem antes
aludir que a relação amorosa não vai nada bem, chega até ela o cheiro
estonteante da Dama-da-noite. Instintivamente segue o perfume e se vê no
antigo cenário familiar de uma casa alta e branca fora do tempo, mas dentro
do jardim. Luzes se acendem nas janelas. A sempre boa, Ifigênia, anos na
cozinha da família, vem receber festivamente a narradora. Lá dentro estão
todos e principalmente aqueles que ela precisava encontrar: - Que feio, Laura!
A Chapeuzinho Vermelho atravessou um bosque cheio de lobos só pra levar o
bolo pra Avozinha que estava com resfriado, não era um resfriado? (...) – Não
veio buscar Ifigênia que queria cumprir promessa, não trouxe meu espelho,
roubou a torre do Avô, roubou o noivo de Eduarda e não visitou a avó.
Assim, não se sabe por quanto tempo, esteve entre todos desculpando-
se ou ao menos podendo conversar sobre suas culpas.
O título do conto fica por conta de sua avó que ao piano mostra uma
composição de sua autoria: Noturno amarelo, para a neta visitante, que vê sua
irmã caçula, Ducha dançar ao som da música.
De repente, rápido ou lento, Laura não sabe precisar, confunde-se na
lembrança e só recorda-se que todos começam a ficar distantes saindo porta
fora. Bastante emocionada, Laura consegue sair também e ao dar volta pela
casa certifica-se do que suspeitava: nada havia ali atrás daquela porta, apenas
um campo. Em seguida reencontra Fernando que nem percebera que ela tinha
saído ou não do carro. Ou não terá saído? A viagem continua.

15 - A PRESENÇA

SÍNTESE
Um rapaz de 25 anos hospeda-se em um hotel para velho e é
misteriosamente assassinado.

O velho, o idoso e o desgastado versus o novo, o jovem, a vitalidade em


pessoa. Em "A presença", um narrador oculto, em 3ª pessoa, conta-nos com
certo mistério o conflito de faixas etárias distintas quando um moço de 25 anos

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hospeda-se num hotel ocupado por pessoas idosas, burguesas e acabadas para
o mundo lá fora. O porteiro, igualmente velho, à medida que faz o registro do
novo hóspede, tenta de todas as formas também dissuadi-lo de não permanecer
naquele lugar mofado e sem atrativos para um jovem. O rapaz entende e
continua firme no propósito de ali se hospedar. O velho tenta novamente
descrevendo o mal que a juventude do moço poderá causar aos velhinhos
decadentes com seus feridos orgulhos já que muitos ali eram artistas. Fala de
uma ex-atriz que mal sai do quarto. Diz também que os espelhos grandes que
antigamente pipocavam pelo hotel, foram removidos Era evidente o alívio dos
hóspedes livres daquelas testemunhas geladas, captando-os em todos os
ângulos. (...)
Diz que antigamente aquele hotel fora agitado com inúmeras famílias
passando o verão ali na bonita piscina. Danças até de madrugada. Jogos.
Competições... o hotel dispunha de ótimos cavalos. Charretes. Mas aos poucos
os hóspedes mais velhos foram dominando, à medida que os mais jovens
começaram a rarear, não sabia explicar o motivo (...).
Ressalta que se lá fora não há espaço para eles, naquele hotel eles
conquistaram esse direito. Formavam uma verdadeira comunidade uniram-se,
e a antiga fragilidade, tão agredida além daqueles portões, foi se transformando
numa força. Num sistema. E eram seres obstinados (...) se não eram felizes,
pelo menos conseguiram isso, a segurança (...).
O jovem não considera a advertência dada pelo porteiro e instala-se no
segundo andar. Antes do jantar exercita-se na piscina exibindo seu corpo jovem
e observando as cabeças alvas que o espiam das janelas.
No jantar comeu com apetite de ‘jovem’ e aplaudiu muito os três velhos
músicos que tocaram antigas peças que alguns hóspedes (poucos desceram
para o jantar) ouviram imperturbáveis. Achou um certo amargor na goiabada
com queijo.
Ao se deitar, depois de ter tomado o chá servido às vinte e uma horas,
ele já não se sentia bem.

16 - A MÃO NO OMBRO

SÍNTESE
Um homem de quase 50 anos de idade prenuncia a sua morte a partir de
um sonho, por meio do toque de uma mão em seu ombro.

Como anuncia o título, o conto "A mão no ombro" expressa a


anunciação da morte de um homem de quase cinquenta anos, pelo toque de
uma mão no ombro através de uma sonho. O conto constrói-se em torno dessa
narrativa onírica do protagonista, oriunda da necessidade de refletir sobre sua
vida antes de enfrentar a iminência da morte, abordando a passagem temporal.
Uma frase do próprio conto: um homem (ele próprio) fazendo parte do
cenário – indicia os aspectos do narrador. Pode-se classificá-lo como
heterodiegético. O narrador relata os fatos orientado pela percepção da

41
personagem, em determinados momentos como se fosse um monólogo interior,
pois são fatos que ele próprio vivencia. O confronto com a situação de morte
iminente é protagonizado por ele, tendo seu processo interno exposto através
da voz do referido narrador. A narração funciona como se fosse em primeira
pessoa, pois o homem participa da história.
A narrativa divide-se em três blocos, separados através de um
espaçamento físico de três linhas. No primeiro bloco, destaca-se o sonho no
qual ele se encontra em um jardim causador de uma série de estranhamentos,
em uma dada situação temporal. O espaço/cenário dessa primeira parte é o
jardim. No segundo bloco, em outra situação temporal, a personagem aparece
em estado de vigília, cumprindo com sua rotina matinal. O espaço/cenário
dessa segunda parte é o interior da casa: quarto, banheiro e sala de jantar. No
terceiro bloco, fundem-se os planos espaciais e temporais na experiência da
morte. O espaço/cenário dessa última parte do relato é o interior do carro da
personagem.
No primeiro bloco, a personagem passeia nesse irreconhecível jardim de
plantas sem vida, com aquele céu verde com a lua de cera coroada por um fino
galho de árvore, as folhas se desenhando nas minúcias sobre o fundo opaco,
que parecem artificiais, cujo céu verde-cinza é de fosca luminosidade. Esses
elementos formam uma ambientação na qual ela pressente uma força
inusitada, prenunciadora de algum acontecimento. Buscando uma orientação
temporal, o protagonista se detém a observar indícios das estações - o tempo
cíclico. Não há vida no jardim, não se consegue identificar nenhuma das
estações: eram as folhas cor de brasa, mas não era outono. Nem primavera [...]
Não era verão. Nem inverno.... Porém não os encontra: sente, sim, situar-se
em um jardim fora do tempo, mas dentro do [seu] tempo, pensou. Esta
afirmação denota um tempo interno contrário ao fluxo e refluxo da vida, ao
ritmo, ao ir e vir da natureza, como o nascimento, a morte e o renascimento.
O tempo não se ajusta a nenhum padrão a que esteja habituado. Evoca
o agasalho (um sobretudo), trazido pela associação com a fria viscosidade das
pedras. Além de indicar a ideia de proteção, o agasalho comporta outras
possibilidades: pode ser tanto um símbolo utilizado para impressionar os
outros quanto uma proteção para ocultar-se dos outros, numa alusão à ideia
de persona. Um casaco é, muitas vezes, símbolo de abrigo protetor ou de
máscara que o indivíduo apresenta ao mundo. Tem dois propósitos: primeiro,
dar determinada impressão aos outros; segundo, ocultar o íntimo do indivíduo
da curiosidade alheia.
A sensação de estranhamento experimentada pela personagem remete
ao desconhecido que, associado à perspectiva atemporal e a seu mundo
interno, reflete o onírico.
Conto em terceira pessoa que começa com a narração de um sonho que
o protagonista tem, todo recheado de idéias ligadas a morte: Cristo crucificado,
trapezista acidentado. No jardim em que o personagem principal se vê, sente
que alguém vem por trás tocar-lhe o ombro. Assustado, pois intuí que se trata
da morte, acorda imediatamente. A partir de então, resolve começar o seu dia
de forma diferente, como se estivesse diante dos seus últimos momentos. Vive
o seu momento, dando especial atenção a tudo o que se refere ao simples, mas

42
importante ato de viver. Estava, de alguma forma, preparando-se para a morte.
No instante em que prepara o carro para sair, vê-se fantasticamente no mesmo
jardim do sonho. Já não tem mais medo da mão que vai tocar seu ombro.
No conto "A mão no ombro", a escritora ironiza os valores burgueses, o
sistema da família de aparências que vive mais para o social.
A personagem está fora do tempo, sentindo-se sem raízes, em um
estado de expectativa ansiosa, enquanto prossegue aventurando-se naquele
estranho espaço. Ela vivencia uma outra dimensão temporal na experiência
onírica. A linguagem do conto transmite a angústia do sonhador. A focalização
é a representação da informação diegética que se encontra ao alcance de um
determinado campo de consciência, quer seja o de um personagem da história,
quer o do narrador heterodiegético.
A narração (as palavras, os pensamentos, as percepções e os
sentimentos), nesse conto, parece brotar direto do interior da personagem. O
narrar é discreto, apesar da interioridade densa, sendo que é tão harmonioso
que parece ao leitor que a história flui como se contasse a si mesma. O ouvido
do leitor acompanha o protagonista nas profundezas de suas reflexões e
remorsos, como se fosse ele vivenciando o fato.
O jardim, espaço selecionado como cenário desse conto, agrega
elementos diversos e essenciais ao simbólico da narrativa. Esta paisagem é
recorrente na literatura da escritora. Nesse conto, o jardim reúne um mosaico
de cores e percepções, que catalisam a irrupção das memórias infantis do
protagonista. Ele toma uma conotação de atmosfera pesada e opressiva para a
personagem. Trata-se de um jardim impregnado de inquietação, um jardim
sem vida, sem abelhas, formigas ou pássaros, onde nem mesmo resina existe
nos troncos: o jardim da morte, antítese do jardim do paraíso.
A cor verde é explorada principalmente na descrição do jardim, tendo
esta um simbolismo ambíguo, uma polaridade simultânea de representar vida
(da vegetação) e morte (dos cadáveres).
A personagem sentia e sabia com muita força que alguma coisa ia
acontecer, o quê?! Sentiu o coração disparar. A premonição aparece com mais
intensidade. Este também é o primeiro indício do enfarte final. Prosseguindo o
caminhar pelo local, o homem se depara com uma estátua: aquilo não era uma
estátua? Aproximou-se da mocinha de mármore arregaçando graciosamente o
vestido para não molhar nem a saia nem os pés descalços, que examina
minuciosamente: trata-se de uma jovem dentro de um tanque seco – com
pedras ao redor - com uma estria negra – cicatriz que vai da cabeça ao meio
dos seios e lhe decepa metade do nariz.
Observa a cabeça encaracolada, os anéis se despencando na nuca,
imagem que desperta ternura e vontade de acariciar. Faz um gesto para se
relacionar com a estátua, propondo-se até mesmo a ajudá-la. Todavia, assusta-
se à vista de um inseto desconhecido e cheio de penugens que sai
inopinadamente da orelha da estátua.
É bem visível a representação de contrastes através das características
paradoxais do próprio jardim e da estátua, já que o jardim não é paradisíaco e
a estátua, embora jovem, está deteriorada. O valor simbólico da estátua
reveste-se de duplicidade por tratar-se da estátua de uma jovem, porém com

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características velhas, no sentido de estar carcomida, corroída, tendo estado
sujeita a intempéries.
Também os pés, a par dos sinais de erosão, insinuam uma delicadeza
ao sugerir medo em escolher as pedras para pisar. Outro exemplo é a
deterioração visível da estátua, provocada pela cicatriz, que marca seu rosto e
peito, todavia com uma certa sensualidade, pois se perdia ondulante no rego
dos seios meio descobertos pelo corpete desatado. Muitas dessas imagens
parecem constituir-se em símbolos da passagem do tempo. A personagem
sente-se sensibilizada pela estátua, a ponto de ensaiar uma fala com a mesma.
Aqui, temos a primeira vez em que o homem depara-se mais explicitamente
com a dualidade - o velho e o novo. A estátua parece representar um espelho
do homem: é ainda fisicamente jovem, porém tem seu interior carcomido pela
idéia da morte. A estátua descomposta, as plantas sem vida, a fonte e o tanque
secos levam a crer em referenciais da passagem do tempo. Tais elementos são
indiciadores do regime diurno da imagem, que reconhece e luta contra a
passagem temporal.
A personagem percebe os sentidos se aguçarem, mergulhada nesse
cenário esquisito, nesse jardim repleto de estranhas ervas perfumosas, com
um silêncio cristalizado como num quadro, tudo muito estático, em meio a um
torpor. O único movimento é o do inseto saindo da orelha – em um movimento
semelhante ao dos insetos nos corpos dos mortos. Outra alusão à morte é o
fato de ele seguir andando com as mãos nos bolsos e encontrar dois ciprestes,
árvores típicas dos cemitérios, cujas fortes folhagens simbolizam a
imortalidade. Uma curiosidade, nesse primeiro segmento, é que o sonhador faz
uso de quase toda a sensorialidade, desenvolvendo quatro sentidos: visão,
audição, olfato e tato, somente faltando alusão ao paladar que, em
contrapartida, será resgatado no segundo segmento, na cena do café da
manhã. Aliás, o fato do paladar não estar presente neste sonho corrobora seu
sentido como experiência da morte: esta, ao invés de nutrir, retira a vida do
corpo.
Apesar da aparência inocente, o jardim é tão inquietante quanto o jogo
de quebra-cabeça de sua infância. Nesse, seu pai estimulava sua perspicácia
em localizar rapidamente o caçador no bosque, sob pena de perder o
jogo: vamos, filho, procura nas nuvens, na árvore, ele não está enfolhado
naquele ramo? No chão, veja no chão, não forma um boné a curva ali do
regato?. Ao final da narrativa, no detalhe desta lembrança, temos a situação
inversa no plano da realidade, pois a personagem é caçada pelo caçador.
Porém, desta vez a morte é o ônus: o homem fantasia a figura do caçador na
escada como representação da morte.

CONCLUINDO...
Existem contos que tratam de ciúmes (como o do marido pela jovem
esposa em “As Pérolas) e da vida difícil – em todos os sentidos – daqueles que

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lutam pela família e para ser feliz e a vida só lhe dá bordoadas (como em “A
Confissão de Leontina”, narrada em primeira pessoa e o mais longo conto da
obra).

A morte aparece aqui e acolá, como no destino dos velhinhos em “A


Presença” e do pai em “Antes do Baile Verde”, ou nos presságios e sonhos em “A
Mão no ombro”. Pode ser imaginária, como em “A Caçada”, que mistura o real e
o imaginário, a vida e o sonho; ou ser sugerida, como em “A Estrutura da Bolha
de Sabão” e em “Herbarium”, que tem a delicadeza de fazer brotar da terra e das
plantas a poesia que o amor empresta à vida.

O conto “As formigas”, conta a história de duas jovens que vão morar
em um sótão, que possui um caixote com ossos de um anão, a autora mostra o
mistério que há nas inocentes formigas que passeiam pelo local à noite.

Enfim, a beleza da vida, a sucessão de problemas que o ser humano


enfrenta e a perspectiva de que um dia tudo acaba são tratados de forma sutil,
por vezes melancólica e poética por Lygia F. Telles nessa coletânea.

EXERCÍCIO

Assinale verdadeiro ou falso

1. ( ) Com uma escrita sutil e elegante, esculpindo os mais mínimos


detalhes, Lygia cria contrastes e tensões psicológicas entre os seus personagens,
revelando um talento raro em recriar as relações humanas a partir da
introspecção subjetiva.

1. ( ) A escrita e os temas abordados por Lygia em seus contos em muito


se assemelham à obra de Clarice Lispector. Ambas pertenciam à mesma geração
pós-modernista surgida na década 50, marcada pelo trabalho sutil com a
linguagem e a introspecção psicológica.

2. ( ) Os contos são estruturalmente longos, utilizando - se do fluxo de


consciência e do discurso indireto livre como formas de ampliar o perfil intimista
das personagens, recursos que aliás funcionam muito bem.

3. ( ) A linguagem apresenta traços formais e o uso de diálogos.


Nas narrativas não há tempo definido; uso da atemporalidade.

4. ( ) Muitos personagens são do universo feminino; são pessoas comuns


do século XXI; análise psicológica dos personagens.

5. ( ) No conto “Verde Lagarto Amarelo”, de 1960, a temática é lembranças


da infância, frustração, relacionamento familiar, solidão.

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6. ( ) A morte aparece aqui e acolá, como no destino dos velhinhos em “A
Presença” e do pai em “Antes do Baile Verde”, ou nos presságios e sonhos em “A
Mão no ombro”.

7. ( ) Em “Apenas um Saxofone” a personagem Luisiana protagonista


relembra seus encontros e desencontros com um ex-namorado.

8. ( ) “Antes do Baile Verde” Lygia escreve sobre o carnaval, morte,


mesquinharia humana, egoísmo; narrado em 3ª pessoa.

9. ( ) “Eu Era Mudo e Só” trata da temática do casamento saturado;


comodismo; relacionamento marido e mulher; busca do eu. Narração em 1ª
pessoa.

10. ( ) “As Pérolas” - relacionamento entre marido e mulher, desconfiança


de Tomás com relação à Lavínia.

11. ( ) Em “Seminário dos Ratos”, a autora rompe com a realidade e com


a lógica racional, cujos políticos reúnem-se em um casarão que começa a ser
invadido por ratos. Este conto é uma alegoria (representação da realidade), pois
mostra, de certa forma, uma realidade brasileira, com a repressão, gastos
excessivos do dinheiro público. O conto aborda também essa questão fantástica
em: o próprio ataque dos ratos à mansão; o tamanho dos ratos; a intensidade
com que tudo acontece; a força e o tamanho deles.

12. ( ) “Missa do Galo” é um conto análogo ao conto de Machado de Assis,


cujo tema é a sedução.

13. ( ) “As formigas” – estudantes de Direito e Medicina se hospedam em


um quarto de pensão; à noite, elas veem formigas misteriosas andando pelo
quarto e indo em direção a uma caixa de ossos - os insetos estão montando o
esqueleto de um anão, e antes das formigas terminarem, as meninas fogem do
local.

14. ( ) O Realismo fantástico está presente nos contos O Seminário dos


Ratos; As formigas; Noturno Amarelo; A mão no ombro.

15. ( ) A mão no ombro - Em um sonho, um homem faz uma viagem a um


jardim que não tem tempo nem espaço e fica apavorado quando sente que a mão
que toca seu ombro é a morte; consegue escapar dela ao acordar. Quando vai
para o trabalho, ele se vê novamente no tal jardim, mas agora está acordado.
Como estratégia para enganar a morte, decide fazer o contrário do que fizera no
sonho: dormir.

16. ( ) A obra de Telles é escrita em prosa, no contexto do pós-modernismo,


cuja ficção intimista e de penetração psicológica desenvolve-se em narrativas
permeadas de fluxo de consciência.

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17. ( ) A obra de Lygia Fagundes Telles apresenta um universo
marcadamente feminino, embora comprometida em documentar a difícil
condição de vida de uma sociedade frágil dos centros urbanos, uma literatura
engajada, destinada a documentar a história trágica do país. Por sua vasta
produção literária é considerada uma das maiores romancista e contistas da
literatura brasileira.

18. ( ) O livro de contos “Antes do Baile Verde” (1970) recebeu o Prêmio


Internacional de Escritoras, na França.

19. ( ) Em 2016 e aos 92 anos de idade, Lygia Fagundes Telles tornou-se


a primeira mulher brasileira a ser indicada para receber o prêmio Nobel de
Literatura.

20. ( .) Melhores Contos, de Lygia Fagundes Telles é uma seleção de


Eduardo Portella. Foi crítico, professor, escritor, conferencista, pesquisador,
pensador, advogado e político brasileiro. Pertenceu à Academia Brasileira de
Letras. Recebeu a Ordem do Mérito Cultural (OMC), uma ordem honorífica dada
a personalidades brasileiras e estrangeiras como forma de reconhecer suas
contribuições à cultura do Brasil.

21. ( ) Melhores Contos é uma coletânea retirada dos Livros: O segredo


(2012) – 1 conto; Antes do Baile Verde (1970) – 6 contos; Seminário dos Ratos
(1977) – 6 contos; Cacto Vermelho (1949) - 1 conto; Missa do Galo Variações
sobre o mesmo tema, organizado por Osman Lins (1977) e A estrutura da bolha
de sabão (1978/1991).

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NEGRO
João Da Cruz E Sousa
Organização, introdução e notas Zilma Gesser Nunes

ESCOLA LITERÁRIA: SIMBOLISMO


ANO DE PUBLICAÇÃO: 2020
GÊNERO: POEMAS E PROSA
DIVISÃO DA OBRA: POEMAS, TEXTOS EM
PROSA, CORRESPONDÊNCIAS
TEMAS: CONDIÇÃO DE NEGRO, A CONSCIÊNCIA DA
NEGRITUDE E A SENSUALIDADE AFRICANA

É um conjunto de textos nos quais o poeta


simbolista exprime sua condição de negro e a
consciência da negritude.
Nas palavras de Zilma Nunes, o livro “configura
uma mostra da forma como o poeta tratou o negro em
sua produção, seja em sua condição de escravo, em cenas de dor e humilhação,
seja na condição de poeta emparedado por uma sociedade preconceituosa, seja
em textos que evocam a sensualidade africana, a beleza e a volúpia dos prazeres
carnais”.

BIOGRAFIA: JOÃO DA CRUZ E SOUSA


Cruz e Sousa (1861-1898) foi o mais importante poeta simbolista
brasileiro. Com os livros: Missal (poemas em prosa) e Broquéis (versos)
inaugurou oficialmente o Simbolismo no Brasil.
Apesar de ser filho de escravos, Cruz e Souza pôde receber educação de
qualidade graças à proteção que teve do casal Clarinda Fagundes e Guilherme
Xavier de Sousa, militar herói da Guerra do Paraguai. Em reconhecimento, João
da Cruz adotou o nome pelo qual é mundialmente conhecido.
Nasceu em 1861 na Ilha de Nossa Senhora do Desterro, atual
Florianópolis. Ainda jovem, iniciou sua atividade literária e jornalística,
engajando-se também na campanha abolicionista. Na Província, integrou um
grupo chamado de Ideia Nova, que defendia a estética realista.
Em 1885, Cruz e Sousa estreia na literatura com o livro de poemas em
prosa: "Tropos e Fantasias", em parceria com Virgílio Várzea, em que já se
reconhecem algumas características marcantes do Simbolismo. Nesse mesmo
ano assumiu a direção do jornal "O Moleque".
Em 1889 transferiu-se definitivamente para o Rio de Janeiro. Nesta
cidade conheceu Gavita Rosa Gonçalves, imortalizada em um de seus poemas
como “Rosa Negra”. No Rio de Janeiro, através do editor Domingos de Magalhães,

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lançou os livros Missal, em prosa, e Broquéis, de poesia, ambos em 1893. A
crítica literária aponta Broquéis como o livro que inaugura o Simbolismo no
Brasil.
A obra mais importante de Cruz e Sousa, no entanto, somente veio a
público após a sua morte, através dos amigos Saturnino de Meireles e Nestor
Victor. Destacam-se os livros Evocações (1898), Faróis (1900) e Últimos
sonetos (1905).

Doença e Morte
Conhecido como o “poeta negro”, Cruz e Sousa viveu seus últimos anos
numa luta contra a miséria e a infelicidade, quando poucos reconheceram seu
valor como poeta. Sua esposa tem crises nervosas. Dos seus quatro filhos apenas
dois sobreviveram. Vítima da tuberculose, em 1898, muda-se para a cidade de
Sítio, em Minas Gerais, à procura de alívio para o mal, mas falece logo depois.
Seu corpo foi transladado para o Rio, num vagão de transporte de animais.
Cruz e Sousa faleceu na cidade de Sítio, em Minas Gerais, no dia 14 de
março de 1898, com apenas 37 anos de idade.
No Rio de Janeiro, Cruz e Sousa lutou para sobreviver, trabalhando como
arquivista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 1898, despediu-se de
Gavita, grávida do quarto filho, para tratar-se de uma tuberculose em
Barbacena, Minas Gerais. Mas não resistiu à doença. Seu corpo retornou ao Rio
num vagão de trem destinado ao transporte de animais.
Em 1924, por iniciativa de Nestor Victor, surgiu a primeira Obra
completa. No centenário de nascimento, veio a público a segunda Obra
completa, organizada por Andrade Murici. Anos mais tarde, a mesma foi
atualizada por Alexei Bueno. Enfim, a reunião mais completa da obra de Cruz e
Sousa foi publicada em 2008 por Lauro Junkes. A par disso, livros de crítica
literária e de História aclamam o poeta negro como expressão máxima de
Mallarmé e Baudelaire o Simbolismo no Brasil, fazendo páreo com os mestres
universais.

➢ SIMBOLISMO
O Simbolismo foi um movimento Literário que teve sua origem na França
em 1870. Verlaine, Mallarmé e Rimbaud formam a famosa tríade do Simbolismo
francês. No Brasil, Cruz e Souza e Alphonsus de Guimaraens são os dois nomes
mais significativos do Simbolismo. O simbolismo apresenta uma linguagem
carregada de símbolos, em clara oposição à literatura de linguagem mais
impessoal. Suas características são:
Musicalidade – onde as palavras têm um valor sonoro, fazendo uma
comparação da poesia com a música.
Subjetividade – a valorização do inconsciente e do subconsciente, do
estado da alma, da busca do vago e do sonho.
Espiritualidade – apresenta uma atmosfera de delírio, o caráter ideológico
do verso e o mistério são constantes, traduzidas pelos temas da morte,
desencanto pela vida, fé cristã e transcendentalismo.

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Sugestão – afastando a descrição, criam-se novas imagens, novos
símbolos que acentuam a carga emotiva das palavras, na tentativa de expressar
o vago, o incorpóreo e o não concreto.
Elementos místicos e transcendentais
Subjetividade
“Oposição ao realismo e naturalismo”
Uso de aliteração e assonância
Presença de musicalidade
Sinestesia
Maiúsculas Alegorizantes

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DE CRUZ E SOUSA


→ Forma
Preferência pelo soneto:;
Composição de outras formas de poema menos rígidas que o soneto.
→ Linguagem
Subjetiva;
Vaga e imprecisa, com predominância de sugestões ao invés de
nomeações objetivas;
Predominância de substantivos abstratos;
Predominância de adjetivos;
Uso frequente de figuras de linguagem, como metáfora, comparação,
aliteração, assonância e sinestesia.
→ Conteúdo
Temáticas ligadas ao misticismo e à religiosidade;
Expressão de estados mentais contemplativos;
Predominância de um tom pessimista, que expressa a dor existencial do
eu lírico;
Interesse por temáticas ligadas ao mistério, à noite, à morte;
Predominância de uma visão de mundo antirracionalista e
antimaterialista, o que lembra o Romantismo.
Mesmo sendo um intelectual à altura de qualquer outro, sua condição de
homem negro impôs-lhe o preconceito racial ao longo de sua vida. Atento à
realidade que o circundava, tornou-se um atuante abolicionista, autor de
poemas e textos em prosa contrários à escravidão.

ANÁLISE DA OBRA NEGRO

A poesia de Cruz e Sousa mantém a estrutura formal típica do


Parnasianismo de sonetos (versos decassílabos, rimas ricas, entre outros), mas
em um tom mais musical, rítmico, com uma variedade de efeitos sonoros, uma

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riqueza de vocabulários, e um precioso jogo de correspondências (sinestesias) e
contrastes (antíteses).
Transparece a preocupação social, onde a dor do homem negro (fruto de
suas próprias experiências de preconceito) funde-se à dor universal humana,
conferindo à sua obra um tom filosófico que reflete a angústia, o pessimismo e
o tédio.
A solução é sempre a fuga, a preferência pelo místico, a busca pelo
mundo espiritual que o consola.
É o eterno conflito entre o real e o irreal dentro do universo humano, os
mistérios de Deus e do homem, da vida e da morte que convivem com o amor, o
misticismo, e os desejos.
O resultado é sempre o sofrimento do ser, muitas vezes personificado
pela dor do preconceito (o que leva aos ideais abolicionistas dentro de sua obra).
Em contraste com a cor negra, está o uso de um vasto vocabulário
relacionado à cor branca: neve, espuma, pérola, nuvem, brilhante. Isso reflete
sua obsessão, tipicamente simbolista, pela imprecisão, pelo vago, a pureza e o
mistério.
Sua obra ainda é vastamente tomada pela sensualidade, pela busca da
auto-afirmação e pela subjetividade (indicada no uso constante da primeira
pessoa), pelo culto à noite, pela busca do símbolo e do mistério da existência,
através de uma imagem obscura, sugerida e distorcida.
É considerado por muitos como um dos maiores poetas simbolistas do
mundo, com uma qualidade literária muito próxima a dos melhores poetas
simbolistas franceses, como Mallarmé.
A temática da negritude é o que há de mais identitário em sua obra.

ESTRUTURA DA OBRA: POEMA // PROSA //


CORREPONDÊNCIAS

Siglas – Os poemas e os textos trazem siglas indicando o nome dos livros


cujos poemas foram publicados
LD – O livro Derradeiro TF – Tropos e Fantasias
BR – Broquéis DI – Dispersos
FA – Faróis MI – Missal
US – Últimos sonetos EV- Evocações
EU- Últimas Evocações CO – Correspondência

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TEXTOS EM VERSOS (poemas)
ESCRAVOCRATAS (soneto) LEVAMTEM ESTA BANDEIRA
DA SENZALA... (soneto) GRITO DE GUERRA
DILEMA (soneto) OLHOS PRETOS
AURÉOLA EQUATORIAL (soneto) CRIANÇAS NEGRAS
25 DE MARÇO (soneto) AFRA (soneto)
ETERNO SONHO (soneto) MONJA NEGRA
ROSA NEGRA (está manuscrito CANÇÀO NEGRA
também) (soneto) LIVRE! (soneto)
TITÃS NEGROS (soneto) CÁRCERE DAS ALMAS (soneto)
À PÁTRIA LIVRE (soneto) BENDITAS CADEIAS! (soneto)
LIBERTAS (soneto) VINHO NEGRO (soneto)
ENTRE LUZ E SOMBRA O ASSINALADO (soneto)
AS DEVOTAS

ROSA NEGRA (pg 27) AFRA (pg 45)


Nervosa Flor, carnívora, suprema, Ressurges dos mistérios da luxúria,
Flor dos sonhos da Morte, Flor Afra, tentada pelos verdes pomos,
sombria, entre os silfos magnéticos e os
Nos labirintos da tu’alma fria gnomos
Deixa que eu sofra, me debata e maravilhosos da paixão purpúrea.
gema.
Carne explosiva em pólvoras e fúria
Do Dante o atroz, o tenebroso lema de desejos pagãos, por entre assomos
Do Inferno a porta em trágica ironia, da virgindade — casquinantes
Eu vejo, com terrível agonia, momos
Sobre o teu coração, torvo problema. rindo da carne já votada à incúria.

Flor do delírio, flor do sangue Votada cedo ao lânguido abandono,


estuoso aos mórbidos delíquios como ao sono
Que explode, porejando, caudaloso, do gozo haurindo os venenosos
Das volúpias da carne nos gemidos. sucos.

Rosa negra da treva, Flor do nada, Sonho-te a deusa das lascivas


Dá-me essa boca acídula, rasgada, pompas,
Que vale mais que os corações a proclamar, impávida, por trompas,
proibidos! amores mais estéreis que os
(Dedicado a sua esposa, a negra eunucos! (Publicado no livro
Gavita Rosa Gonçalves, que foi a sua Broquéis - 1893).
“Rosa Negra”.)

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CRIANÇAS NEGRAS (pg 41) todo o teu divagar na Esfera
Em cada verso um coração pulsando, indefinida!
Sóis flamejando em cada verso, e a (...)
rima Ó grande Monja negra e
Cheia de pássaros azuis cantando transfiguradora,
Desenrolada como um céu por cima. magia sem igual do páramos eternos,
Trompas sonoras de tritões marinhos quem assim te criou, selvagem
Das ondas glaucas na amplidão Sonhadora,
sopradas da carícia de céus e do negror
E a rumorosa musica dos ninhos d'infernos
Nos damascos reais das alvoradas.
... Hóstia negra e feral da comunhão
Para cantar a angústia das crianças! dos mortos,
Não das crianças de cor de oiro e noite criadora, mãe dos gnomos, dos
rosa, vampiros,
Mas dessas que o vergel das passageira senil dos encantados
esperanças portos,
Viram secar, na idade luminosa. ó cego sem bordão da torre dos
Das crianças que vêm da negra noite, suspiros...
Dum leite de venenos e de treva, ...
Dentre os dantescos círculos do Faz descer sobre mim os brandos
açoite, véus da calma,
Filhas malditas da desgraça de Eva. sinfonia da Dor, ó Sinfonia muda,
... voz de todo o meu Sonho, ó noiva da
As pequeninas, tristes criaturas minh'alma,
Ei-las, caminham por desertos vagos, fantasma inspirador das Religiões de
Sob o aguilhão de todas as torturas, Buda.
Na sede atroz de todos os afagos.
Vai, coração! na imensa cordilheira Ó negra Monja triste, ó grande
Da Dor, florindo como um loiro fruto Soberana,
Partindo toda a horrível gargalheira tentadora Visão que me seduzes
Da chorosa falange cor do luto. tanto,
As crianças negras, vermes da abençoa meu ser no teu doce
matéria, Nirvana,
Colhidas do suplício a estranha rede, no teu Sepulcro ideal de desolado
Arranca-as do presídio da miséria encanto!
E com teu sangue mata-lhes a sede!
Abençoa meu ser, unge-o dos óleos
castos,
MONJA NEGRA (pg 46) enche-o de turbilhões de sonâmbulas
É teu esse espaço, é teu todo o aves,
Infinito, para eu me difundir nos teus
transcendente Visão das lágrimas Sacrários vastos,
nascida, para me consolar com os teus
bendito o teu sentir, para sempre Silêncios graves. (Publicado no livro
bendito Faróis - 1900).

53
CÁRCERE DAS ALMAS (pg 55) Sonha e, sonhando, as imortalidades
Ah! Toda alma num cárcere Rasga no etéreo Espaço da Pureza.
anda presa
Soluçando nas trevas, entre as Ó almas presas, mudas e fechadas
grades Nas prisões colossais e abandonadas
Do calabouço olhando imensidades, Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Nesses silêncios solitários, graves,
Tudo se veste de igual grandeza Que chaveiro do Céu possui as chaves
Quando a alma entre grilhões as Para abrir-nos as portas do Mistério?!
liberdades

Análise
O eu lírico exprime seu desejo de transcender o corpo físico e superar
os limites impostos ao ser humano, como se pode observar nos versos “Que
chaveiro do Céu possui as chaves/ Para abrir-nos as portas do Mistério?!”. Note,
ainda, que o desejo de superar a prisão física é reforçado em “Quando
a alma entre grilhões as liberdades / sonha e, sonhando, as imortalidades/
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.” Nesse poema Cruz e Sousa expressa os
principais aspectos formais e temáticos que caracterizaram o simbolismo, como
o sofrimento humano, que se manifesta, ao longo dos versos, por meio da
oposição entre corpo e alma, em que a alma só se liberta quando se rompem as
correntes que a aprisionam à matéria corporal.
Além desse tom metafísico (ou seja, para além da física) e espiritual, há
no poema, como traço muito marcante da estética simbolista, a constante
presença de metáforas, o que faz com que haja muitas sugestões e não
explicitações das mensagens transmitidas pelo eu lírico. Por exemplo, em
nenhum momento do poema fala-se explicitamente da palavra morte, porém
infere-se que o romper das correntes refere-se à perda da vida e,
consequentemente, à libertação da alma.
Outra característica simbolista presente no poema, além da presença das
metáforas, diz respeito ao uso da sinestesia, figura de linguagem caracterizada
pela junção de aspectos sensoriais, como se nota neste verso: “Ó almas presas,
mudas”. Em relação aos aspectos formais, Cruz e Sousa também expressa uma
tendência simbolista: a construção de sonetos, forma consagrada pela literatura
clássica.

54
O ASSINALADO (pg 58)
Tu és o louco da imortal loucura, Tu és o Poeta, o grande Assinalado
O louco da loucura mais suprema. Que povoas o mundo despovoado,
A Terra é sempre a tua negra algema, De belezas eternas, pouca a pouco...
Prende-te nela a extrema Desventura.
Na Natureza prodigiosa e rica
Mas essa mesma algema de amargura, Toda a audácia dos nervos justifica
Mas essa mesma Desventura extrema Os teus espasmos imortais de louco!
Faz que tu'alma suplicando gema (Publicado no livro Últimos Sonetos -
E rebente em estrelas de ternura. 1905).

Análise
É um poema metalinguístico, pois fala do fazer poético. Portanto, trata da criação
poética. Além de ser autorreflexivo, pois o poeta está falando de si mesmo, tratando-se
como um ser diferenciado, um assinalado, alguém que carrega um tipo de sina, que, no
caso, leva-o fatalmente a sofrer a loucura dos desventurados. Mesmo usando o “tu”, fica
claro que o diálogo é interno. Percebe-se claramente que o poeta está falando de si para
si mesmo.

VINHO NEGRO (pg 57) acorrentado.


O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias E o sangue chama o vinho negro e
Como fascinações de atras sereias quente
E um inferno sinistro e perfumado. Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.
O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, E tudo nesse vinho mais se apura,
cheias. Ganha outra graça, forma e
como que quer rasgar essas formosura,
cadeias Grave beleza d'esplendor secreto.
Em que a carne o retém

TEXTOS EM PROSA VIII – À ZEZÉ


O PADRE CONSCIÊNCIA TRANQUILA
ABOLICIONISMO O ABOLICIONISMO
HISTÓRIAS SIMPLES TENEBROSA
I - À IAIA DOR NEGRA
II – À SINHÁ ASCO E DOR
III – À NICOTA EMPAREDADO
IV – À BILU
V- À SANTA
VI – À BIBI
VII – À NENÉM

55
O PADRE (PG 61) da estola um vergalho, do missal
A João Lopes um prostíbulo.....
Um padre escravocrata! .... Horror! Um padre, amancebado com a
Um padre, o apóstolo da Igreja, que treva, de espingarda a tiracolo
deveria ser o arrimo dos que como um pirata negreiro, de
navalha em punho, como um
sofrem, o sacrário da bondade, o
amparo da inocência.... O reflexo de garoto, para assassinar a
Cristo .... consciência. O ABUTRE DE
BATINA.
Fazer da Igreja uma senzala, dos
dogmas sacros leis de impiedade,

Análise
Neste texto apresenta forte denúncia aquele “que deveria ser o arrimo dos
que sofrem”, no entanto surge “amancebado com as trevas”. Sua crítica à Igreja,
denota seu engajamento social em início de carreira, ainda em desterro.

ABOLICIONISMO (PG 68) - Ah! Lá se vão elas, vejam, lá se vão


A escravatura – escrevia o Correio elas! Quantas! Eram todas minhas!
Brasiliense em Londres – é um mal Vinham entregar-se ao meu ouro
para o indivíduo que sofre e para o que tinia, tilintava....
estado onde ela se admite, lemos -Ah! Ah! Pois não era só meu ouro,
em O Brasil e a Inglaterra ou o só o meu ouro, sempre o meu ouro
tráfico dos africanos. que comprava tanta carne humana,
O Ceará, que o foi o berço da desprezível, que eu via entrar nas
literatura que deu ALENCAR, quis senzalas, de volta do eito? Negros
também ser a cabeça libertadora da trêmulos, velhos, tristes, com o
raça escrava deste país e, a golpes dorso curvado, mudos e cegos na
de direito e a vergastadas de sua dor absurda.... P. 106
clarões, conseguiu este Aleluia
supremo: EMPAREDADO (pg 134)
NÃO HÁ MAIS ESCRAVO NO O emparedado, texto em prosa que
CEARÁ! integra o livro Evocações, é um
febril protesto contra as teorias
CONSCIÊNCIA TRANQUILA (pg racistas e a discriminação contra o
100) negro, tão intensos no final do
O ilustre, o douto homem rico, o século XIX.
abastado e poderoso senhor de De origem pobre, o poeta faz da sua
escravos está já segundo a previsão prosa um importante instrumento
do seu médico, quase as portas da de libertação. Cercado pela
morte. opressão escravista, ainda que
alforriado, Cruz e Sousa lança um
grito que está além da cor da pele,

56
mas que encontra força na agonia acuado. A voz do eu enunciador
dos afro descendentes. Sob carrega, em sua lírica, o lamento e
influência da retórica condoreira o sonho de um dia alcançar
abolicionista de Tobias Barreto e plenamente a liberdade. A angústia
Castro Alves, além da inovação da longa espera o atormenta!
estética de Verlaine, Mallarmé e Embora numa sociedade que
Baudelaire, Cruz e Sousa fala com afirme não haver racismo, sob a
ousadia das inquietações do negro. ilusão da chamada democracia
Disfarçada na individualidade do racial, o afro-brasileiro é um ser
poeta, encontra-se a voz coletiva, o emparedado, oprimido.
clamor de um povo cercado e

Fragmento de O emparedado
[...] Artista?! Loucura! Loucura! Pode lá isso ser se tu vens dessa
longínqua região desolada, lá do fundo exótico dessa África sugestiva, gemente,
Criação dolorosa e sanguinolenta de Satãs rebelados, dessa flagelada África,
grotesca e triste, melancólica, gênese assombrosa de gemidos, tetricamente
fulminada pelo banzo mortal; dessa África dos Suplícios, sobre cuja cabeça
nirvanizada pelo desprezo do mundo Deus arrojou toda a peste letal e tenebrosa
das maldições eternas!
A África virgem, inviolada no Sentimento, avalanche humana amassada
com argilas funestas e secretas para fundir a Epopeia suprema da Dor do
Futuro, para fecundar talvez os grandes tercetos tremendos de algum novo e
majestoso Dante negro!...
No final do texto, há uma dimensão trágica, exposta visceralmente pelo poeta
que evoca um novo “Dante Negro” (referência ao escritor Dante Alighieri, autor de A
divina Comédia), que seja capaz de retratar com tal realismo o inferno dessa gente.
Para Cruz e Sousa, a história da África e de seu povo é uma epopeia; no entanto
a dor e a saudade não lhe arrancam o sentimento duplamente perverso, de negro e
poeta oprimido. O poeta e o eu enunciador se confrontam, porque um insiste em lembrar
ao outro a sua triste condição, os seus limites.

Correspondências (cartas)
A carta é um gênero de feição múltipla, de naturezas diversas —
administrativa, social, comercial ou pessoal —, e diferentes tipos — familiar,
amorosa, política, autobiográfica, diplomática. Principal meio de contato entre
interlocutores distantes até o século XIX e boa parte do século XX, escrever
cartas era a forma de manter a interação entre os missivistas e de sustentar um
relacionamento a distância. Por meio desse diálogo epistolar têm-se registros
socioculturais que revelam características e hábitos de uma época, e uma vez
que se constitui num momento espaço-temporal específico, a carta atua como
reflexo da vivência do indivíduo em determinado tempo histórico, chegando a
constituir-se, muitas vezes, como objeto autônomo. A leitura de cartas de
escritores/intelectuais tem mostrado que o gênero epistolar presta-se ao
conhecimento do cenário literário e cultural de determinado período, ou como
gênese do processo de composição/criação de um texto. Além disso, seu caráter

57
biográfico pode revelar características, intenções e ideias que auxiliem a
compreensão do escritor.

MINHA ADORADA NOIVA (manuscrito)


À SOCIEDADE CARNAVALESCA DIABO A QUATRO
A GERMANO WENDHAUSEN (diretor da Sociedade Carnavalesca Diabo a Quatro)
A VIRGÍLIO VÁRZEA (amigo)
A ARAÚJO FIGUEREDO (poeta simbolista de Florianópolis)

A VIRGÍLIO VÁRZEA * (PG 171)


Corte, 8 de janeiro de 1889.
Adorado Virgilio
Estou em maré de enjoo físico e mentalmente fatigado. Fatigado de
tudo: de ver e ouvir tanto burro, de escutar tanta sandice e bestialidade e de
esperar sem fim por acessos na vida, que nunca chegam. Estou fatalmente
condenado à vida de miséria e sordidez, passando-a numa indolência persa,
bastante prejudicial à atividade do meu espírito e ao próprio organismo que fica
depois amarrado para o trabalho. Não sei onde vai parar esta coisa. Estou
profundamente mal, e só tenho a minha família, só te tenho a ti, a tua belíssima
família, o Horácio e todos os outros nobres e bons amigos, que poucos são. Só
dessa linda falange de afeições me aflige estar longe e morro, sim de saudades.
Não imaginas o que se tem passado por meu ser, vendo a dificuldade
tremendíssima, formidável em que está a vida no Rio de Janeiro. Perde-se em
vão tempo e nada se consegue. Tudo está furado, de um furo monstro. Não há
por onde seguir.
Todas as portas e atalhos fechados ao caminho da vida, e, para mim,
pobre artista ariano, ariano sim porque adquiri, por adoção sistemática, as
qualidades altas dessa grande raça, para mim que sonho com a torre de luar da
graça e da ilusão, tudo vi escarnecedoramente, diabolicamente, num tom
grotesco de ópera bufa. Quem me mandou vir cá abaixo a terra arrastar a calceta
da vida! Procurar ser elemento entre o espírito humano?! Para quê?
Um triste negro, odiado pelas castas cultas, batido das sociedades, mas
sempre batido, escorraçado de todo o leito, cuspido de todo o lar como um
leproso sinistro! Pois como! Ser artista com esta cor! Vir pela hierarquia de Eça,
ou de Zola, generalizar Spencer ou Gama Rosa, ter estesia (capacidade de
perceber sensações; sensibilidade, de perceber o sentimento da beleza) artística
e verve (entusiasmo e inspiração), com esta cor? Horrível! [...].

*Virgílio dos Reis Várzea nasceu em Florianópolis. Foi escritor, jornalista


e político brasileiro. Amigo do poeta Cruz e Sousa, foi seu parceiro no
livro Tropos e Fantasias.

58
Segundo o Prof. Dr. Jair Tadeu da Fonseca (UFSC), Cruz e Sousa
defendia que: Se há paredes que aprisionam a demandar demolição e liberdade
outras há que são de sonhos.
A dor do artista é a dor provocada pelo preconceito racial, bem como suas
oscilações, foram as duas variáveis mais exploradas pelo poeta. A primeira dor
é cósmica: da qual provém o impulso criativo e a moção maior do poeta para
produzir belezas. A segunda dor é uma reação ao preconceito racial, uma dor
que punge a alma do homem e do artista. Essa é a dor que provoca a ira, a
vingança, que possui a cor da noite, da morte, da África escravizada, mas que
também habita a criação literária.

** Zilma Gesser Nunes


Possui Graduação em Letras Habilitação Licenciatura em Língua
Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de
Santa Catarina (1992), mestrado em Literatura Brasileira pela Universidade
Federal de Santa Catarina (1995) e doutorado em Teoria da Literatura pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Atualmente é professora efetiva
da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Língua e Literatura Clássicas Latinas, atuando principalmente
nos seguintes temas: língua e literatura clássicas latinas, literatura catarinense,
memória, crítica genética, interpretação e manuscritologia.

EXERCÍCIOS

1 - Os elementos formais e temáticos relacionados ao contexto cultural do


Simbolismo encontrados no poema Cárcere das almas, de Cruz e Sousa, são:

a) a opção pela abordagem, em linguagem simples e direta, de temas filosóficos.


b) a prevalência do lirismo amoroso e intimista em relação à temática
nacionalista.
c) o refinamento estético da forma poética e o tratamento metafísico de temas
universais.
d) a evidente preocupação do eu lírico com a realidade social expressa em
imagens poéticas inovadoras.
e) a liberdade formal da estrutura poética que dispensa a rima e a métrica
tradicionais em favor de temas do cotidiano.

2 - Identifique nos versos finais do poema “O assinalado”, de Cruz e Sousa


citados os elementos que caracterizam a poesia simbolista do autor. Depois
assinale a alternativa correta.
“Tu és o Poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,

59
de belezas eternas, pouco a pouco.
Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!”

a) A poesia é criação de belezas eternas.


b) A poesia é a linguagem que provoca a loucura do poeta.
c) O poeta se distingue dos mortais comuns porque é louco.
d) A natureza oculta a loucura do poeta.
e) O poeta á assinalado porque contribui para povoar o mundo.

3 - “É, mais pedras, mais pedras se sobreporão às pedras já acumuladas, mais


pedras, mais pedras, mais pedras... Pedras destas odiosas, caricatas e fatigantes
civilizações e sociedades... E as estranhas paredes hão de subir - longas, negras,
terríficas! Hão de subir, subir mudas, silenciosas, até às Estrelas, deixando-te
para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho..."
É comum, durante o Simbolismo, a criação de textos como o acima transcrito.
Com base nesse excerto de Cruz e Sousa podemos dizer que se trata de:

a) uma crônica historiográfica.


b) uma tragédia em moldes clássicos.
c) um romance em que predomina a descrição
d) um poema em prosa.
e) uma sátira aos costumes.

4 - "Faz descer sobre mim os brandos véus da calma,


Sinfonia da Dor, ó Sinfonia muda,
Voz de todo meu Sonho, ó noiva da minh'alma,
Fantasma inspirador das Religiões de Buda." (Monja Negra)

A estrofe acima é de Cruz e Sousa, e nela estão os seguintes elementos típicos


da poesia simbolista:
a) realidade urbana, linguagem coloquial, versos longos.
b) erotismo, sintaxe fluente e direta, ironia.
c) desprezo pela métrica, linguagem concretizante, sátira.
d) filosofia materialista, linguagem rebuscada, exotismo.
e) misticismo, linguagem solene, valorização do inconsciente.

5 - Assinale a alternativa que contém apenas características da estética


simbolista.

60
a) temática social; hermetismo; valorização dos tons fortes; materialismo;
antítese.
b) temática intimista; ocultismo; valorização dos tons fortes; espiritualidade;
sinestesia.
c) temática intimista; hermetismo; valorização do branco e da transparência;
espiritualidade; sinestesia.
d) temática bucólica; hermetismo; valorização do branco e da transparência;
espiritualidade; antítese.
e) temática bucólica; ocultismo; valorização das tonalidades verdes;
materialismo; sinestesia.

6 – Assinale V (Verdadeiro) ou F (Falso).


( ) A poesia de Cruz e Sousa mantém a estrutura formal típica do Parnasianismo
de sonetos (versos decassílabos, rimas ricas, entre outros.
( ) Na obra, transparece a preocupação social, onde a dor do homem negro (fruto
de suas próprias experiências de preconceito) funde-se à dor universal humana.
( ) Negro é um conjunto de textos nos quais o poeta simbolista Cruz e Sousa
exprime sua condição de negro e a consciência da negritude, organizado por
Zilma Nunes, poetisa simbolista.
( ) O texto EMPAREDADO apresenta forte denúncia aquele “que deveria ser o
arrimo dos que sofrem”, no entanto surge “amancebado com as trevas”. Sua
crítica à Igreja , denota seu engajamento social em início de carreira, ainda em
desterro.
( ) Cruz e Sousa no poema CRIANÇAS NEGRAS faz uma crítica direta, ou seja,
expõe uma ferida social quando apresenta as crianças negras na sua miséria.
( ) Em carta de 1889 a Virgílio Várzea, amigo de longa data com quem publicara
o livro Tropos e Fantasia (1885), Cruz e Sousa manifesta todo o seu transtorno
e revolta pela situação de miséria em que se encontrava.

61
OS MILAGRES DO CÃO JERÔNIMO - PÉRICLES
PRADE
ESCOLA LITERÁRIA: LITERATURA PÓS-
MODERNA - SC
ANO DE PUBLICAÇÃO: 1971
GÊNERO: CONTOS FANTÁSTICOS
DIVISÃO DA OBRA: 15 CONTOS
TEMÁTICA: REALISMO FANTÁSTICO –
OCULTISMO, MISTÉRIO, SEGREDO, MAGIA,
ELEMENTOS SAGRADOS, TEMÁTICA DO
ABSURDO

https://www.youtube.com/watch?v=UA2-mVzD7xA
(resuminho)

BIOGRAFIA: PÉRICLES LUIZ MEDEIROS


PRADE
Nascido em 1942, Rio do Cedro, Santa Catarina;
Escritor, advogado e jornalista brasileiro;
Escreveu mais de 70 obras, entre poesias, contos, romances, críticas
de arte, literatura e jurídica;
Seu foco é uma literatura pós moderna caracterizada pela dependência
de técnicas narrativas, como fragmentação, o paradoxo e o narrador não
confiável.
Nas suas obras apresenta dicotomia entre o bem e o mal, que segundo o
autor faz parte do ser humano, porém nunca acontece no mesmo tempo.
É considerado um dos grandes autores de literatura fantástica do Brasil.
Ocupa a cadeira nº 28 da Academia Catarinense de Letras, presidiu a
União Brasileira de Escritores (1980 a 1982)
Foi vice-prefeito de Florianópolis.
Péricles Prade é formado em direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina e ex-juiz federal em Florianópolis e em São Paulo.
É autor de inúmeros livros e artigos em diversas áreas do direito,
palestrante em conferências de expressão jurídica e congressos internacionais.

62
Foi professor de direito constitucional na Escola Superior da Magistratura
de Santa Catarina, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
na Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU/SP); professor de instituições de
direito público no Centro Sócio-Econômico da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC); professor de direito administrativo na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC); professor de direito financeiro e finanças
públicas na Fundação Universidade Regional de Blumenau; professor-
desdobrador de direito penal, teoria geral do direito penal
e criminologia da Universidade de Brasília; professor de direito penal da
Faculdade de Direito de Itajaí; professor de teoria geral do direito civil da
FMU/SP.
Membro da Academia Paulista de Direito, do Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional, da Academia de Ciências de Roma, da Associação
Brasileira de Magistrados Federais, da Associação dos Advogados de São Paulo
e da Ordem dos Advogados do Brasil (secções de São Paulo e de Santa Catarina).
Foi presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) de 1980 a 1982.
Sua obra contemplando ficção, ensaio, poesia, filosofia, direito e artes plásticas,
algumas delas traduzidas para o francês, o italiano e o inglês

Principais obras
Poesia: Este interior de serpentes alegres (1963), A lâmina (1963),
Sereia e Castiçal (1964), Nos limites do foro (1976, 2ª ed.), Os faróis invisíveis
(1980), Guardião dos 7 sons (1987), Jaula amorosa (1995), Pequeno tratado
poético das asas (1999), Ciranda Andaluz (2003), Além dos Símbolos (2003),
Em forma de Chama (2005), Pantera em Movimento (2006), Tríplice Viagem
ao Interior da Bota (2007), Labirintos (2009), Os melhores poemas de Lindolf
Bell (2009), Sob a Faca Giratória (2010).
Prosa: Os milagres do Cão Jerônimo (1971), Alçapão para gigantes
(1980), Ao Som do Realejo (2008) e Relatos de um Corvo Sedutor (2008).

Sobre a obra
Por ser do período ditatorial a obra faz parte de uma vertente que se
destacou na América Latina em meados do século XX por ser uma forma de
protesto aos regimes opressivos.
Machado de Assis foi um dos maiores escritores do conto fantasioso além
de Aluísio de Azevedo e Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles.
A história só é.

Contexto histórico
A Guerra Fria foi uma disputa pela superioridade mundial entre Estados
Unidos e União Soviética após a Segunda Guerra Mundial. É chamada de Guerra
Fria por ser uma intensa guerra econômica, diplomática e ideológica travada
pela conquista de zonas de influência.

63
A disputa dividiu o mundo em blocos de influência das duas
superpotências e provocou uma corrida armamentista que se estendeu por 40
anos.
Com sistemas econômicos e políticos diferentes, EUA e URSS colocam o
mundo sob a ameaça de uma guerra nuclear, criando armas com potência
suficiente para explodir o planeta inteiro. Os EUA assumiram a liderança do
chamado mundo capitalista livre, e a URSS, do mundo comunista.
No Brasil, ditadura militar pós 68. Censura e perseguição política.

Período Literário
O Pós-Modernismo, Pós-Modernidade, ou ainda movimento pós-
industrial, é um processo contemporâneo de mudanças significativas nas
tendências artísticas, filosóficas, sociológicas e científicas.
Surgiu após a Segunda Guerra Mundial e o movimento Modernista.Esse
conceito de pós-moderno foi introduzido a partir dos anos 60 e veio
acompanhado dos avanços tecnológicos da era digital, da expansão dos meios
de comunicações, da indústria cultural, bem como do sistema capitalista (lei de
mercado e consumo) e da globalização.
As principais características do movimento pós-moderno são a ausência
de valores e regras, imprecisão, individualismo, pluralidade, mistura do real e
do imaginário (hiper-real), produção em série, espontaneidade e liberdade de
expressão.

CONTOS
01. A filha do rei Anjahamara
Personagens: O rei Anjahamara e sua filha com olhos de abelha e o narrador.
O conto não menciona o local especifico dos acontecimentos.
Segundo o conto, a princesa por ter olhos de abelha possuía a habilidade de
levitar objetos.
Narração: 1ª pessoa
Personagens: Rei, sua filha, sua mulher e o narrador (uma espécie de sábio)
Tempo: não definido
Espaço: uma vasta região de florestas
Temática: mistério, segredo, magia, ocultismo, número sete
Elementos: segredo, floresta, animal

64
Resumo
Anjahamara era um Rei que habitava uma vasta região de florestas.
Tinha cruel vocação pela caça de abelhas ferozes e, quando a ela se dedicava,
permanecia muitos dias sem comer.
O Rei tinha tanta habilidade que, durante a caça que fazia com seus
escravos, chegava a matar mais de duas mil abelhas.
O rei tinha um segredo que só ele, a mulher e o narrador da história
sabiam: ele tinha uma filha de dois anos, que possuía os olhos iguais aos de
abelhas ferozes e com um simples olhar suspendia qualquer objeto por mais
pesado que fosse.
A menina vivia trancada no quarto e fazia dessa “magia” seu
divertimento.
Um dia, o narrador falou ao rei que havia somente uma forma de salvá-
la: matar a rainha das abelhas, retirar seus belos olhos negros e conservá-los
numa antiquíssima redoma de prata durante sete anos, até se transformarem
no luminoso líquido chamado puderama.
O líquido deveria ser injetado com uma agulha na medula da espinha
dorsal. A fim de salvar a filha, o rei fez o indicado pelo narrador (que deixa claro
que a receita não era dele, era de um sábio chamado Rhemos, da Ilha das
Águias.), após os sete anos de espera.
Após sete anos de espera, ocorre, meus príncipes, que na espinha nasceu
uma erva estranha, cujo odor envenenou todos os habitantes do reino.
O conto termina com o narrador dizendo que soubera da triste notícia
quando discutia com Cagliostro o aumento dos diamantes pela arte hermética.
Ele indica por fim que, mesmo tendo ocorrido tal fato, as pessoas ainda
continuam procurando seus serviços, em especial as mais simples.
Após sete anos de espera, ocorre, meus príncipes, que na espinha nasceu
uma erva estranha, cujo odor envenenou todos os habitantes do reino.
O conto termina com o narrador dizendo que soubera da triste notícia
quando discutia com Cagliostro o aumento dos diamantes pela arte hermética.
Ele indica por fim que, mesmo tendo ocorrido tal fato, as pessoas ainda
continuam procurando seus serviços, em especial as mais simples.

02. No hipódromo
Personagens: O cavalo de crinas verdes e o senhor na plateia
O conto faz referência a Alquimia
Narração: 1ª pessoa
Personagens: narrador e algumas pessoas que ele encontra no hipódromo
Tempo: não definido
Espaço: um hipódromo
Temática: conto fantástico - misticismo, magia, ocultismo
Elemento: animal

65
Resumo
O narrador conta que uma mulher o fita “com os demônios nos olhos”.
Ele começa a correr pelas arquibancadas, irrita-se com um vendedor de agulhas
que lê um poema imoral.
De repente, ele esbarra em uma senhora que, perto do poço localizado à
entrada do túnel, com o fino chicote bate nas costas de um belo animal.
O sangue colore os azulejos e eu me sinto feliz. Na décima quinta volta
o cavalo de crinas verdes levanta voo, planando alegre e descrevendo nos céus
complicada lição de alquimia.
O narrador diz que havia um homem sentado, que retira de sua pasta
negra um papiro, anotando as fórmulas que diz: “ – Não autorizei a exibição.
Hoje haverá morte no meu exército de cavalos alados.”

03. As nove cantoras paralíticas


Personagens: As nove cantoras paralíticas, Falma e Marcola.
As nove cantoras são irmãs e não envelhecem.
Elas podem cantar por meses a fio e prendem a atenção da plateia em um
silêncio absoluto.
Marcola ao investigar as cantoras acaba por tornar-se membro do grupo
Narração: 1ª pessoa - Marcola
Personagens: Marcola, as nove cantoras, a costureira
Tempo: não definido
Espaço: uma aldeia
Temática: conto fantástico - mistério, magia, ocultismo, número sete, castigo,
segredo
Elementos: terra, sagrado

Resumo
Um homem velho conta uma história para seu animal de estimação,
enquanto suas filhas colocam panos em um enorme vaso.
Havia nove meninas que eram conhecidas por serem as cantoras da
aldeia. Elas eram paralíticas e tinham um talento incomum: podiam cantar
meses a fio sem cansaço e sua melodia hipnotizava a todos – deixava-os em
absoluto silêncio durante o longo tempo das canções.
O viajante Marcola, que fora ao vilarejo para realizar um negócio rendoso
com Arfan, o comprador de seda, observou que, além do talento para a música,
as nove cantoras não envelheciam, tinham sempre a mesma voz e a mesma
beleza.
Marcola começou a investigar e soube que uma senhora, de nome Falma,
era a única que lhe poderia revelar o segredo.

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Procurou-a, mas não conseguiu sequer iniciar o assunto com ela. Sete
dias depois, soube que a tal senhora fora encontrada morta no corredor de sua
casa, sangrando, com os olhos vazados e a língua cortada.
Marcola compra um ingresso para o concerto. Fica ansioso pelo
espetáculo. Sente-se feliz, não apenas por ter descoberto tudo, mas pela
oportunidade de sentar na primeira fila do espetáculo.
Não é sem temor que, no dia marcado, de repente toma consciência de
encontrar-se no palco, paralítico também, cantando uma música da infância.

04. O Sábio
Personagens: O Sábio e a jovem peregrina chamada Alma
Um sábio encontra uma jovem na igreja
Após ele pedir, a jovem agarra sua língua e o sábio começa a gritar fazendo com
que fiéis peçam para que ela seja expulsa
O sábio começa a rezar e depois tira sua roupa.
E por incrível que pareça o conto acaba assim.
Narração: 3ª pessoa
Personagens: o sábio
Tempo: não definido
Espaço: um lugarejo não definido
Temática: mistério, magia, ocultismo, religiosidade, hipnose
Elementos: água, sábio

Resumo
Com o sol doendo nos olhos, sorri. Sereno e profundo levanta os braços,
lentamente, caminhando entre as folhas selvagens.
Tosse, tingido a túnica com um vermelho-violeta. De forma ritual, tira as
roupas, vira seu corpo para o sol e banha-se em um lago. Bebe a água pura,
retira-se, insulta os deuses e chora.
Cansado, põe as longas vestes e, à noite, bate na porta da Igreja de São
Sebastião dos Humildes. Ao abrirem faz o sinal da cruz.
- A que horas começará a missa? pergunta a uma jovem sentada ao lado.
Por ser peregrina e se chamar Alma, não podia informar.
Então, ele lhe mostra a língua e insiste para que ela a pegue. Ela não
queria, mas de tanto que ele insistiu, ela assim o fez, com violência.
Ele dá gritos, histéricos, chamando-a de sádica, criatura má, desumana!
Os fieis ficam contra a garota, exigem que seja expulsa.
Então, ele começa o seu teatro: começa a rezar em voz alta – tinha uma
bela voz –, cantando maravilhosos salmos e influenciando os presentes.
Pede licença e sobe no soberano altar. Reza ainda mais, com entonação
solene. Tosse, e os fiéis veem boquiabertos o sábio despir-se da vestimenta
brilhante.

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05. O herói salva a cidade dentro de um sapato
Personagem: O herói
Existe uma ambiguidade no titulo do conto, pois não deixa claro se quem está
dentro do sapato é a cidade ou o herói.
Narração: 3ª pessoa
Personagens: herói
Tempo: não definido
Espaço: uma cidade que fica em um sapato
Temática: conto fantástico – figura do herói como salvador
Elementos: água

Resumo
O sapato ainda está cheio d’água. Os habitantes, submersos após a
inundação, constatam a presença indesejável do perigo. O pânico é geral,
homens e mulheres comunicando se aos gritos.
A esperança daquele povo estava na figura de um herói, que fora
premiado três vezes no século anterior, por ter salvado a vida de quatro
trapezistas, no circo dos irmãos Lorenzi.
Após insistente procura, ele é encontrado e decide ajudar. Voa com
agilidade em direção ao Palácio de Marphis, retirando de conhecido oratório de
ouro a arma predileta
O herói convoca o povo e distribui escafandros verdes fabricados numa
empresa que há muito tempo fundara, prevendo este estado de emergência.
Forma pelotões, dá ordens e, perto da praça principal, abre os braços em
uma expressão de convencimento. O povo aprova a decisão.
Visto de fora, o sapato é um belo aquário em movimento. O herói, girando
como um pião, projeta-se com violência contra o couro, rasgando-o. A água
desaparece, pouco a pouco, voltando a cidade ao estado natural. O herói, com
o pescoço partido e preso na abertura, é um corpo balançando no espaço.

06. A dentadura
Personagens: A dentadura do o seu Pirandelo, Seu Pirandelo, Homem negro,
mulher de cabelo castanho.
O conto transcorre em alguma cidade pela madrugada.
Narração: 3ª pessoa
Personagens: dentadura e Senhor Pirandello
Tempo: não definido
Espaço: não definido
Temática: conto fantástico
Elemento: água

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Resumo
Conta a história de uma dentadura que decidiu ter vida própria.
Cansada de ficar na boca de seu dono, o Senhor Pirandello, saía todas as
noites do vaso em que ficava mergulhada e andava pela casa – conseguira isso
adotando a seguinte tática: comprimir as gengivas do velho de forma tal que ele
teria de retirá-la todas as noites.
Naquela noite, foi até a geladeira e comeu todo o bolo. Depois disso, teve
uma ideia: sairia de casa pela primeira vez.
Na rua, passeou alegremente, foi até o cais, escondeu-se de algumas
pessoas que encontrou pelo caminho até que, ao voltar viu uma cena que a
deixou indignada: vira um negro atacar uma bela menina de tranças marrons.
Correu ao seu encontro e mordeu com violência o calcanhar do
musculoso agressor. Coitada! Mal teve tempo para morder, pois foi esmagada
pelo peso de um sapato de fortes solas de couro grosso.
No dia seguinte o Senhor Pirandello, ao procurar a dentadura na seção
de furtos e roubos, ficou perturbado com a voz de prisão.

07. O pecado original


Personagem: O homem que virou olho
O homem passa por outras metamorfoses até tornar-se o olho
O conto possui intertextualidade com a Bíblia.
Menciona Jonas, personagem bíblico.
Narração: 3ª pessoa
Personagem: um homem que é tomado pelo olho, por castigo
Tempo: não definido
Espaço: uma caverna
Temática: conto fantástico - solidão, medo, abandono, castigo
Elementos: água, religiosidade, caverna

Resumo
O olho transborda a cavidade e cobre o próprio corpo, engolindo-o como
a Jonas em obscena atitude.
O homem (olho) vive em profunda solidão no fundo de uma imperturbável
caverna.
Não resiste à transformação, castigo dos deuses que o viram, quando
baleia, masturbando-se à margem de um úmido litoral, perto dos homens,
habitantes de terras desconhecidas.
Fura-se ao apanhar de surpresa a espada do peixe, pretende ilógico
suicídio. Continua a viver, em maldita escuridão, como o temido olho cego do
Pacífico.

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08. O monge Astheros
Personagens: O palhaço,O monge Astheros e os habitantes da vila
O conto possui um curtametragem produzido pela prefeitura de Florianópolis
em 2011.
https://www.youtube.com/watch?v=8cLqvW8s-0A (confira)
Narração: 1ª pessoa
Personagens: o narrador, o palhaço e o monge
Tempo: não definido
Espaço: lugarejo indefinido
Temática: mistério, segredo, magia, ocultismo, religiosidade, pedofilia, suicídio
coletivo
Elementos: número sete, castigo

Resumo
Certo dia, os moradores ouviram os gritos de um palhaço, vindos de um
carro, que anunciava o nome de uma peça cuja encenação no pitoresco circo da
aldeia sugeria algo original e cativante.
O povo espiava pelas janelas, as crianças olhavam curiosas, como se
previssem alguma coisa ruim.
O palhaço gritara tanto que já falava bem baixinho o nome da peça e de
seu criador: o monge Astheros. A presença deste homem poderoso modificou a
cidade: o clima, a paisagem, tudo se modificara; as mães ficaram receosas.
Na primeira apresentação, no sábado, uma surpresa: ninguém foi.
No entanto, dizem que Astheros fez sua apresentação impecável, mesmo
assim. Suas palavras causaram impactos nos que rodeavam o circo. Não eram
palavras simples, elas permaneceram no espaço, pairando como sutil veneno,
andando de boca em boca, dando ainda mais prestígio ao monge.
A verdade é que quanto mais o povo o repelia, mais ele o atraía para si:
tornou-se uma espécie de conselheiro.
Passaram-se anos, e o monge nunca mais apresentara seu espetáculo. O
povo estava curioso, queria assistir sua peça novamente. O monge negava-se e
apenas administrava as outras atrações do circo.
Um dia, quando não mais pôde deixar de atender aos pedidos do povo,
resolveu apresentar seu espetáculo, mas antes fez um sermão por ele
considerado superior ao de Cristo na Montanha.
Uma das frases ditas pelo monge e lembrada pelo narrador foi: “Insistir
é um pecado também próprio dos deuses”.
Astheros falou por três horas e, durante seu discurso, hipnotizou a todos.
Uma longa fila se formou, e ele os guiou até o circo. Ao chegarem lá dentro,
ouviram um barulho, como se um portão houvesse sido fechado e todos
estivessem trancados.

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Doze relógios, alguns no chão e outros pendurados no palco, batiam de
forma ensurdecedora. Nesse instante, a lona levantou-se, arrancada por força
estranha. O povo sentiu pavor. Estavam dentro de uma jaula.
Astheros tentou acalmá-los e disse a todos: - Antes da peça rezarei a
missa do Juízo Final, mas necessito com urgência de sete coroinhas de sete
anos.
Imediatamente, mães e pais enviaram seus filhos. O monge, ritualmente,
os vestiu e ordenou que o povo tirasse a roupa.
- Agora vamos comungar a emoção do suicídio pelo punhal.
Mandou que as crianças pegassem as centenas de adagas que havia em
uma caixa e as distribuísse aos presentes. Depois, ordenou que todos as
colocassem em frente ao coração e, na terceira balada do gongo, enfiassem-nas
em seu próprio corpo os instrumentos divinos do seu poder. O suicídio coletivo
é a única redenção para uma aldeia que teve a honra de conhecer Astheros.
Assim que ele deu a terceira batida no gongo, todos lhe obedeceram.
Conta o narrador, que ele foi o único que não havia se deixado hipnotizar;
conhecia o segredo do monge, mas não falou nada, deixou amigos e familiares
se levarem pelo monge.
Para não ser flagrado, porém, imitou os gestos de todos e ficou estirado
junto aos demais corpos. Pôde ver, de relance, sobre o altar, as sete crianças
serem acariciadas. Para o monge, “O suicídio coletivo é a única redenção para
uma aldeia que teve a honra de conhecer Astheros”.

09. Alexandria
Personagem: O Animal
Não fica explicito no livro o animal protagonista
O conto transcorre na biblioteca de Alexandria
Segundo El-Abbadie, a biblioteca foi destruída em 48 a.C. por um incêndio
durante a guerra civil romana entre Pompeu e Júlio César e o Serapeu foi
destruído em 342 d.C. por ordem de um bispo de Alexandria, quando o
imperador cristão Teodósio I interditou os cultos pagãos
Narração: 1ª pessoa
Personagens: o animal
Tempo: não definido
Espaço: uma biblioteca
Temática: conto fantástico - ocultismo, ciência
Elemento: animal

Resumo
O animal rompe a porta, violentamente, caindo entre os livros.
Levanta e conduz o corpo com dificuldade; cheira os livros, certo de
reconhecer o conteúdo pelo olfato raro e milenar.

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Percorre os corredores, dois seres solitários, ele e a biblioteca, naquele
ambiente de pura comunicação e tensão.
O odor quase enlouquece o animal. Salta em direção à mesa de mármore
e choca-se contra um vaso de porcelana que quebra.
Ferido na cabeça, dor intensa, tenta achar, desesperado, a saída.
A força se esgota, o líquido se esvai, cruza os olhos azuis, escorrendo pelo
ventre em movimento. O animal estremece, colorindo a paisagem no livro aberto.

10. A simples morte pelo punhal


Personagens: O narrador e Rainer Maria Rilke.
Rainer é um poeta alemão do século XX.
No conto, é citado um de seus poemas mais famosos: Elegias de Duíno
Narração: 3ª pessoa
Personagens: um homem
Tempo: não definido
Espaço: não definido
Temática: mistério, segredo, magia, ocultismo, solidão

Resumo
O personagem manifesta sua possessão em matar o escritor Rainer Maria Rilke.
Isso porque sentia que morria um pouco cada vez que o lia. Cada palavra,
cada frase, todas as interrogações são longos alfinetes rompendo sua inspiração.
E a vontade de matar cada vez crescia.
Sentia-se fracassado, apesar de ter um bom ordenado e filhos que o
amavam. Sente-se um “pálido escritor”.
Naquela noite, abriu o cofre e retirou um arquivo pesado e antigo.
Encontrou uma fotografia que procurava. Explode num riso nervoso,
enfiando o punhal no exato lugar onde na foto um coração aceso deveria existir.
Viu sangue em sua agonia e, alucinado, atravessa a lâmina em suas
têmporas, no momento em que os últimos versos das “Elegias de Duíno” são
murmurados em todos os cantos, como se Rilke oferecesse a brevidade de uma
vingança.

11. O tapete indiano


Personagens: O tapete assassino e a prostituta Adriana.
Narração: 1ª pessoa
Personagens: a prostituta Madalena e o tapete
Tempo: não definido
Espaço: não definido

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Temática: conto fantástico - espiritualidade, religiosidade, prostituição,
decadência
Elementos: tapete, número sete

Resumo
Todos os dias a prostituta batia no tapete indiano. Esmurrava-o com uma
fúria incontrolável.
Diziam as vizinhas que ela o espancava de forma cruel. Como vingar-se?
O tapete esperava por uma oportunidade, mas não surgiam as condições.
Sentia-se desprestigiado por ter ido parar em uma zona de prostituição.
O tempo passou, e a decadência tornou-se ainda maior.
Estavam no inverno, o frio era intenso. A prostituta, agora, andava pelas
ruas, com o tapete sob o braço esquerdo, amparando-se nos muros, caída agora,
pálida,cansada. Que estranho olhar do tapete indiano!
Bastou Madalena encolher as pálpebras, para envolver-se, rápido, no
pescoço. Apertou aos poucos, esbugalhados os olhos, enigmático o sorriso dentro
da noite. Enrolou-se e fugiu, aproveitando a escuridão para enfiar-se no mais
próximo esgoto, à beira da calçada.

12. A maravilhosa história de um tatu


Personagens: O tatu com topete loiro, o patriarca e sua família, o médico.
Local: Indefinido
Narração: 3ª pessoa
Personagens: o tatu e a família de Mr. Jones
Tempo: não definido
Espaço: “Província do Sul”
Temática: conto fantástico - morte, loucura, doença, crueldade do ser humano
Elemento: doença

Resumo
Havia uma família muito excêntrica que possuía um tatuzinho loiro.
O pai da família, Mr. Jones, dizia que a “loirice” do tatu era o de menos;
o pior era uma catarata cor de abóbora que havia crescido no olho do bicho.
A família se reunia sempre para tentar solucionar o problema;
compraram livros, mas nenhum deles falava sobre catarata em tatu.
Pensaram em matá-lo. A esposa deu a ideia de mandar o tatu fazer uma
toca e, quando ele estivesse lá dentro o empurrariam e fechariam o buraco.

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Ninguém, a não ser a família, ficaria sabendo. O problema era que o tatu
nunca havia cavado um buraco, menos ainda agora, com a catarata cobrindo-
lhe os olhos.
Pensando na cegueira do animal, a família ficou desesperada.
Contrataram um médico especialista; pagaram uma fortuna pelos
serviços do doutor Zatrapah.
Acontece que o médico ficou tão emocionado com a experiência, que teve
um enfarte no miocárdio.
A própria razão desconhece o coração dos tatus. Preocupado com o
médico, que lhe fora tão gentil, o tatu salta da mesa de operação e cava um
buraco no lugar onde pulsava o órgão, fazendo uma massagem considerada
depois, pelos entendidos, como eminentemente técnica.
Reviveu o médico. Mas o tatu, também emocionado, desfaleceu e até hoje
não voltou ao normal.
Alguns dizem que ele atingiu esse estado por ser um dos maiores
praticantes de ioga do mundo. O que importa é que a família está satisfeita. Que
importa a catarata, pensam os iniciados, se o tatu permanece frio, imóvel para
a eternidade?

13. A perna
Personagens: Um homem e a estátua do Marquês de Orando
Narração: 3ª pessoa
Personagens: um homem
Tempo: não definido
Espaço: não definido
Temática: conto fantástico
Elementos: tempo, desumanização

Resumo
O homem sentiu uma dor no joelho direito. Há oito anos sentia a mesma
dor, mas agora era mais aguda.
Puxou a calça e viu uma espécie de um olho minúsculo, azulado. Nota
que um pequeno fio escorre pela perna, acompanhando as veias. Pega uma lupa,
e sente prazer e temor ao mesmo tempo.
No dia seguinte, o joelho é uma bola azul rutilante.
Mostra a várias pessoas e começa a falar num tom diverso do habitual.
Corta a calça em forma oval, para mostrar o joelho, em atitudes de
nobreza. Durante a semana, descobre que toda a sua perna se transformara em
um bloco azul de mármore.
Achou aquilo o máximo, não cabia em si de tanto contentamento.
Rasgou a calça e foi para a praça pública. Lá, retirou a estátua do
Marquês Orando do pedestal, sentou-se e, com orgulho, estira a perna azul,

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segurando-a com dificuldade. Após, curva-se, com indizível felicidade, e assobia
para o primeiro passante que vê ao longe.

14. No museu
Personagens: O pintor, Lipont o segurança do museu e o Homem branco de
cabelos verdes.
Menciona um quadro de Van Gogh: Terraço do café a noite
Narração: 3ª pessoa
Personagens: o pintor de roxas faces, o homem de branco e cabelos verdes da
pintura de van Gogh
Tempo: não definido
Espaço: uma casa de artes
Temática: conto fantástico – morte, pintura, inveja, frustração, vingança
Elemento: tempo

Resumo
O pintor de faces roxas ia todos os dias, após o almoço, ao museu,
conversar com o seu quadro predileto, intitulado “Café à noite”, de Van Gogh.
Lá, é recebido por Lipont, um militar que cuida das obras.
O narrador indica que há dez anos, o pintor conversa com o personagem
do quadro, um homem vestido de branco e com cabelos verdes, que está próximo
a uma mesa de sinuca.
Mas, o que ninguém vê é que a pintura está mudando. Isso porque o
pintor de faces roxas fez um pacto com o homem vestido de branco e de cabelos
verdes: iria libertá-lo do quadro se ele modificasse todo o ambiente, pois ele
odiava o gênio Van Gogh.
Assim, o homem de branco, em troca de sua liberdade, ajudou o pintor
de faces roxas e começou a modificar todo o ambiente do quadro.
Por exemplo: o relógio, que no quadro original marcava doze horas e
quatorze minutos, começou a marcar quinze para as oito; sobre a mesa, sete
bolas coloridas, ao invés de três; o taco sumiu de cima da mesa; dos três
lampiões acesos, restava apenas um agora; colocou manchas de sangue no chão,
indicando que houvera uma luta ali; pôs uma rachadura em forma de V na
parede vermelha e a cabeça de todos os fregueses ficaram pendidas sobre as
cadeiras.
Mudado todo o quadro, o pintor fez menção de sair, então o homem de
branco perguntou-lhe se ele não iria libertá-lo.
O outro, respondeu-lhe, zombando: - Ora, a libertação está em ti. Sai,
mas não consegue passar da porta.
Lipont retira das costas do pintor um antigo punhal. A polícia ainda o
está examinando e os depoimentos de Lipond, por incrível que pareça, são
considerados contraditórios.

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15. Os milagres do cão Jerônimo
Personagens: O cão Jerônimo e Sandor.
É o último dos 15 contos e dá titulo ao livro.
Possui uma intertextualidade com a história do Santo Egídio
Narração: 1ª pessoa
Personagens: o cão Jerônimo
Tempo: não definido
Espaço: uma aldeia
Temática: mistério, segredo, sagrado, magia, ocultismo, castigo
Elementos: animal, fogo

Resumo
Jerônimo era um cachorro branco, grande, digno e nobre que vivia há
muito tempo em uma aldeia.
Em volta dele um grande mistério: nunca alguém o havia ouvido latir;
aliás, ninguém nunca o vira abrir a boca, nem para comer.
Todos o temiam e respeitavam-no. O narrador diz que seu avô lhe
contara várias histórias fantásticas sobre Jerônimo, mas que gostava muito de
quatro delas.
A primeira conta que Jerônimo, quando conduzia os tropeiros de Arecuza
para ultrapassarem o rio Venda, lutou durante horas com um cardume de
milhares de piranhas, vencendo-as com o luminoso olhar sob as águas.
A segunda revela que, após violenta tempestade de pedras, o cão
transportou sobre o lombo uma criança, retirada do fundo de uma mina de ouro,
protegendo-a com um leque de retorcidos arames.
A terceira demonstra uma vocação irresistível: no ano de 1812 não faltou
ao enterro dos suicidas, permanecendo sobre as covas até que nelas nascesse
um belo trevo venenoso.
A quarta equivale a uma predestinação. Sempre que desse três voltas ao
redor da Igreja de São Egídio, o próximo afogado seria reconhecido pela tatuagem
imprevista no rosto.
O povo sabia de todas essas histórias, mas a que mais lhes impressionava
era o fato de ele nunca abrir a boca.
Um dia, Sandor, um violento jesuíta, disse na missa que a mudez de
Jerônimo era conduzida pelo demônio, que era preciso matá-lo.
No dia marcado, Jerônimo entra silencioso na missa, e o jesuíta começa
a exorcizá-lo. O cão, tentou livrar-se dele, mas ele gritou para que a multidão o
ajudasse.
Todos partiram para cima do cachorro. Com muito custo, seguraram-no,
e o padre forçou a abertura da boca do animal.

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Assim que abriu a boca do cão, uma enorme língua de fogo, serpente de
infinitas chamas, enleou-se pelas vestes dos crentes, iniciando o mais terrível
incêndio de que a humanidade tem notícia.

ANÁLISE DA OBRA

O livro Os milagres do cão Jerônimo, de Péricles Prade, é composto por


quinze contos curtos, de estrutura simples, porém de complexo entendimento
em muitos casos, pois ele trabalha a lógica do absurdo.
Não adianta querer ler a obra pensando de forma racional, procurando a
coerência nas histórias ou sentido nas mesmas, pois elas são interligadas por
questões “alucinadas”. As narrativas de Os milagres do cão Jerônimo são
marcadas pelo fantástico, pelo inexplicável, pelo mundo dos sonhos, enfim, por
tudo aquilo que foge da “normalidade” de um texto comum, o chamado
nonsense.
Por não serem contos comuns, fica-nos difícil enquadrar o tempo e o
espaço na maioria deles, pois seres fantásticos habitam o universo das
narrativas: são magos, sábios, entidades demoníacas, animais humanizados e
heróis que poderiam viver em épocas muito distantes e em lugares
inimagináveis.
A inserção de todo esse mundo fantástico não significa dizer que a obra
é ruim, pelo contrário, ela nos atrai a partir do momento em que começamos a
entendê-la, a desvendar seus mistérios contidos em cada conto. Esse é o
fantástico da obra.
Apesar de algumas narrativas parecerem fábulas, elas não são
moralistas, pelo menos, não no sentido tradicional; percebe-se que não há uma
preocupação do autor nesse sentido.
Péricles Prade permeia seus textos de algo que nós acabamos perdendo:
a capacidade de imaginação, o privilégio de conviver com seres mágicos, reis,
heróis e divindades, pois hoje primamos muito pelo racional, por isso, a obra,
muitas vezes, passa por incompreendida.

O estilo de escrita de Péricles Prade


A escrita de Péricles Prade torna-se um pouco difícil de ser identificada.
Mas, em entrevista concedida ao professor Viegas Fernandes da Costa ao “Sarau
Eletrônico”, da FURB, o autor, dentre seus vários estilos, caracteriza sua obra
como pós-modernista.
O pós-modernismo é uma espécie de continuação das vanguardas
europeias (Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo, Futurismo, Impressionismo) e
foi introduzido a partir da década de 1960, combinando várias tendências.

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Constituem característica desse movimento a ausência de regras, a
mistura entre o real e o fantástico, a imprecisão, a liberdade de expressão, o
texto sem começo, meio e tradicional, sem coerência; aqui nada mais é certo,
tudo é relativo e impreciso. A obra de Péricles Prade situa-se exatamente aí,
quando ele opta pelo insólito, pelo nonsense, isto é, pelo absurdo, pelo fantástico.

Intertextualidade
A intertextualidade, ou seja, a relação que se estabelece entre dois textos,
quando um deles faz referência a elementos existentes no outro, é uma
característica bem marcante na obra de Péricles Prade.
Em vários contos, percebemos que o escritor se utiliza desse artifício para
inserir neles obras de outros cânones da literatura nos quais ele se inspira para
fazer sua obra.
Exemplos de intertextualidade estão nos contos “A filha do rei
Anjahamara”, no trecho: “Eu soube da trágica notícia quando discutia com
Cagliostro o aumento dos diamantes pela arte hermética.” – aqui, os termos
“Cagliostro”, “diamantes” e “arte hermética” dialogam com a história do
enigmático conde Cagliostro, um dos grandes alquimistas da história, que
transmutava chumbo em ouro e fabricava diamantes da melhor qualidade.
A palavra “diamantes”, também, sempre que associada a Cagliostro
remete-se ao famoso episódio do “Caso do colar da Rainha Maria Antonieta”, um
dos principais motivos pelos quais se deu a Revolução Francesa, em 1789.
O envolvimento de Cagiostro nesse escândalo, mesmo depois de ter sido
absolvido, levou-o a ficar seis meses encarcerado na Bastilha e depois foi expulso
da França.
No conto “O Monge Astheros”, nova intertextualidade com a Bíblia
quando o monge “fez um sermão por ele considerado superior ao de Cristo na
Montanha.” (p. 54)
Em “Alexandria”, um animal rompe a porta e cai em uma biblioteca –
aqui o diálogo se dá diretamente com a famosa e lendária Biblioteca de
Alexandria, do antigo Egito.
Em: “A simples morte pelo punhal”, a intertextualidade ocorre a partir da
referência ao escritor Rainer Maria Rilke (1875-1926). Outro tipo de
intertextualidade é muito marcante nas obras de Péricles Prade: o diálogo
intertextual que ele tece entre diferentes tipos de linguagens, tais como, a verbal
e a não-verbal.
Em Os milagres do cão Jerônimo, vemos esse tipo de intertextualidade
(chamado, na linguagem técnica, de ekphrasis) nitidamente no conto “No
museu”, em que são mencionados comentários da imagem da tela do pintor
holandês Vincent van Gogh.
Uma aula de surrealismo no mundo dos arquétipos (ou quase isso)
Pouco conhecido do grande público, Pericles Prade é um dos nomes mais
significativos da literatura fantástica no Brasil. Essa coletânea, publicada
originalmente em 1971 e hoje esgotada das livrarias, reúne quinze contos com
enredos absurdos, repletos de tons oníricos e fortes cargas de surrealismo.

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São histórias curtas, com pouco mais de uma página, cuja estranheza narrativa
lembra vagamente o estilo de autores como Murilo Rubiao e José J. Veiga,
assemelhando - se com pequenas com fábulas ou contos populares, embora fuja
bastante de qualquer classificação possível.
Não há um fio condutor lógico nas narrativas. É inútil tentar interpreta-las de
um ponto de vista racional, sendo necessário procurar compreende-las como
manifestações do sonho, do caos e Do ilogismo surrealista, tal como num filme
de Bunuel ou um quadro de Salvador Dali.
As personagens costumam seguir modelos arquétipos próprios,
estabelecendo diálogos e intertextos com as mais diversas culturas e
simbologias, evidenciando, numa perspectiva junguiana, um processo de
associação inconsciente que dá margem às mais diferentes interpretações.
Pequenas sutilezas, desde o nome das personagens e lugares à presença de
certos símbolos numéricos (o número 9, o número 7) produzem no leitor uma
sensação mista de caos, estranhamento e alienação, sensações que muitas vezes
apenas o genêro fantástico é capas de propiciar.
Mas o que mais impressiona no autor é o caráter quase incomparável de
sua obra, de modo que não nenhum outro escritor na literatura brasileira que
trate o fantástico com a mesma perspectiva que ele trata, o que faz de Pericles
Prade talvez o expoente mais puro da ficção surrealista no país.
Que estranho o olhar do tapete indiano! Bastou Adriana encolher as
pernas, cerrar as pálpebras, para envolver-se, rápido, no pescoço. Apertou aos
poucos, esbugalhados os olhos, enigmático o sorriso dentro da noite. Enrolou-
se e fugiu, aproveitando a escuridão para enfiar-se no mais próximo esgoto, à
beira da calçada.
O tapete indiano - Péricles Prade

EXERCÍCIO
Verdadeiro ou Falso

( ) O livro Os milagres do cão Jerônimo, de Péricles Prade, é composto por quinze


contos curtos, de estrutura simples, porém de complexo entendimento em
muitos casos, pois ele trabalha a lógica do absurdo.
( ) As narrativas de Os milagres do cão Jerônimo são marcadas pelo fantástico,
pelo inexplicável, pelo mundo dos sonhos, enfim, por tudo aquilo que foge da
“normalidade” de um texto comum, o chamado nonsense.
( ) Seres fantásticos habitam o universo das narrativas: são magos, sábios,
entidades demoníacas, animais humanizados e heróis que poderiam viver em
épocas muito distantes e em lugares inimagináveis.
( ) Algumas narrativas parecerem fábulas, elas são moralistas, pelo menos, não
no sentido tradicional; percebe-se que há uma preocupação do autor nesse
sentido.

79
( ) O estilo de Péricles é marcado pela ausência de regras, a mistura entre o real
e o fantástico, a imprecisão, a liberdade de expressão, o texto sem começo, meio
e tradicional, sem coerência; aqui nada mais é certo, tudo é relativo e impreciso.
A obra de Péricles Prade situa-se exatamente aí, quando ele opta pelo insólito,
pelo nonsense, isto é, pelo absurdo, pelo fantástico.
( ) Exemplos de intertextualidade está no conto “A filha do rei Anjahamara”, no
trecho: “Eu soube da trágica notícia quando discutia com Cagliostro o aumento
dos diamantes pela arte hermética.” – aqui, os termos “Cagliostro”, “diamantes”
e “arte hermética” dialogam com a história do enigmático conde Cagliostro, um
dos grandes alquimistas da história, que transmutava chumbo em ouro e
fabricava diamantes da melhor qualidade.
( ) A intertextualidade (chamado, na linguagem técnica, de ekphrasis)
nitidamente no conto “No museu”, em que são mencionados comentários da
imagem da tela do pintor holandês Vincent van Gogh.
( ) O conto Os milagres do cão Jerônimo é o último dos 15 contos e dá titulo ao
livro. Possui uma intertextualidade com a história do Santo Egídio (protetor
contra convulsões de febre, contra o medo e contra a loucura).
( ) O primeiro conto é A filha do rei Anjahamara cujos personagens são o rei
Anjahamara e sua filha com olhos de abelha e o narrador. Segundo o conto, a
princesa por ter olhos de abelha possuía a habilidade de levitar objetos.

80
CEMITÉRIO DOS VIVOS
LIMA BARRETO

“Veio-me, repentinamente, um horror à sociedade


e à vida; uma vontade de absoluto aniquilamento, mais
do que aquele que a morte traz; um desejo de
perecimento total da minha memória na terra; um
desespero por ter sonhado e terem me acenado tanta
grandeza, e ver agora, de uma hora para outra, sem ter
perdido de fato a minha situação, cair tão, tão baixo, que
quase me pus a chorar que nem uma criança”.

Período: Pré-Modernismo
Gênero: Narrativo - Romance Biográfico/ ConfessionalDivisão da obra: 4 partes
(Prefácio, Diário do hospício, O cemitério dos vivos e o apêndice)
Tempo: Rio de Janeiro (1919 – 1920) - Foi escrito em um período de internação
do escritor no hospital Nacional de Alienados.
Narração: Primeira pessoa (Vicente Mascarenhas)
Publicado em 1953, Editora Brasiliense.
Personagens: Vicente Mascarenhas (positivista), Dona Efigênia (esposa),
Boaventura (filho) Dona Clementina (mãe de Efigênia), Chagas (colega de
Mascarenhas), André (sobrinho).

Resumo e análise
Internado por duas vezes em instituições psiquiátricas por delírios
alcóolicos, Lima Barreto documentou em Diário do hospício sua passagem pelo
Hospício Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro, de maneira lúcida e
contundente. No romance inacabado O cemitério dos vivos, o autor transpôs
para a chave ficcional a mesma vivência. Os dois textos foram publicados em
conjunto postumamente, em 1953.

BIOGRAFIA: LIMA BARRETO


Branco, 33 anos, solteiro, brasileiro, empregado público. Diagnóstico:
alcoolismo. Essa é a descrição do escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) num
prontuário hospitalar datado de 18 de agosto de 1914. Esse registro médico
inédito, relativo à primeira internação do autor do romance “O Triste Fim de
Policarpo Quaresma” está sendo publicado pela primeira vez na reedição de luxo
dos seus livros “Diário do Hospício e Cemitério dos Vivos”

81
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em Laranjeiras, Rio de Janeiro
no dia 13 de maio de 1881. Filho do tipógrafo Joaquim Henriques de Lima
Barreto e da professora primária Amália Augusta, ambos mestiços e pobres,
sofreu preconceito a vida toda. Com sete anos ficou órfão de mãe. Por ser afilhado
do Visconde de Ouro Preto fez o curso secundário no Colégio Pedro II. Ingressou
na Escola Politécnica do Rio de Janeiro onde iniciou o curso de Engenharia.
Em 1903, quando cursava o terceiro ano, foi obrigado a abandonar o
curso, pois seu pai havia enlouquecido e o sustento dos três irmãos agora era
responsabilidade dele. Em 1904, presta concurso para escriturário do Ministério
da Guerra, é aprovado e permanece na função até se aposentar. Em 1905,
ingressou no jornalismo com uma série de reportagens que escreveu para o
Correio da Manhã. Em 1907 fundou a revista “Floreal”, que lança apenas quatro
números.

Resumo – Biografia Lima Barreto


1881 - 1922, Rio de Janeiro;
Morreu vítima de ataque cardíaco aos 41 anos;
Abandonou a faculdade de engenharia;
Escritor e jornalista;
Reconhecido na literatura apenas após sua morte;
Tornou-se alcoólatra, sendo internado duas vezes na Colônia de Alienados, Praia
Vermelha, em razão das alucinações durante a embriaguez;
Abordou em suas obras as injustiças sociais e fez críticas ao regime político da
República Velha;
Seu estilo despojado e coloquial estava fora dos padrões literários da época.

Obras
Recordações do Escrivão Isaías Caminha, romance, 1909
Aventuras do Dr. Bogoloff, humor, 1912
Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance, 1915
Numa e Ninfa, romance, 1915
Vida e Morte de M. J. Gonzaga e Sá, romance, 1919

Contexto histórico – Brasil (panela de pressão)


Revolta da Vacina - foi um motim popular ocorrido entre 10 e 16 de
novembro de 1904 na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil (varíola)
Revolta da Chibata - foi um motim naval no Rio de Janeiro, Brasil,
ocorrido no final de novembro de 1910. Foi o resultado direto do uso
de chibatadas por oficiais navais brancos ao punir marinheiros afro-brasileiros
e mulatos.

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Revolta da Armada - foi um movimento de rebelião promovido por
unidades da Marinha brasileira, de 1893 a 1894, contra os dois primeiros
governos republicanos, que estavam tomando feições de uma ditadura militar
I Guerra Mundial - foi uma guerra global centrada na Europa, que
começou em 28 de julho de 1914 e durou até 11 de novembro de 1918. O conflito
envolveu as grandes potências de todo o mundo, que se organizaram em duas
alianças opostas: os aliados e os Impérios Centrais, a Alemanha e a Áustria-
Hungria.
Guerra de Canudos -ou Campanha de Canudos foi um conflito armado
que envolveu o Exército Brasileiro e membros da comunidade sócio-religiosa
liderada por Antônio Conselheiro, em Canudos, no interior do estado da Bahia
de 1893 a 1897.
Guerra do contestado - foi um conflito armado que envolveu posseiros e
pequenos proprietários de terras, de um lado, e representantes dos poderes
estadual e federal brasileiro, de outro, entre outubro de 1912 – agosto de 1916.

Movimento Literário
Lima Barreto (1881-1922) foi um escritor brasileiro, “o romancista da
primeira república.” Foi um importante escritor do Pré-Modernismo - período
histórico que precedeu a Semana de Arte Moderna.
Em 1909, Lima Barreto estreou na literatura com a publicação do
romance "Recordações do Escrivão Isaías Caminha". O texto acompanha a
trajetória de um jovem mulato que vindo do interior sofre sérios preconceitos
raciais. A obra, em tom autobiográfico, é um brado de revolta contra o
preconceito racial e uma implacável sátira ao jornalismo carioca.

Na obra O cemitério dos vivos a personagem-narrador Vicente


Mascarenhas é alter-ego do romancista Lima Barreto, o qual, através da ficção,
relata suas experiências no hospício em que, devido ao alcoolismo, esteve
internado três vezes. Através do enredo, questionamentos sobre sua função de
escritor e sobre a função da arte na sua vida são levantados, ademais da
pertinente descrição desse espaço de privação da liberdade e de sua repercussão
na vida dos internados.

Tempo e Espaço RJ – 1919 – 1920


Diário do hospício” e “Cemitério dos vivos” - publicado em 1953
Diário: dois meses em que passou no hospício Nacional dos Alienados do
RJ (dezembro de 1919 e fevereiro de 1920)
Segunda obra (“Cemitério dos vivos”): inacabada, ficção que relata as
mesmas experiências

Cinco capítulos sem título


1º: relação afetiva de Vicente Mascarenhas (alter ego de Lima barreto)
com Efigênia, filha da dona da pensão

83
2º: entrada no hospício
3º: reflexão sobre a loucura
4º: sobre os enfermeiros e a biblioteca do local
5º: sobre os médicos (parte inacabada)

Em O cemitério dos vivos o autor mais uma vez transpôs os limites entre
escritos confessionais e ficcionais, ao afirmar:
“ Expiei bem duramente essa minha falta íntima, que tantos sentimentos
desencontrados fez surgir em mim, tantas dores deu nascimento, como verão no
decorrer destas páginas, que são mais de uma simples obra literária, mas uma
confissão que se quer exteriorizar, para ser eficaz e salutar o arrependimento
que ela manifesta” - Lima Barreto, O Cemitério dos Vivos
De referência autobiográfica, o romance revela a personalidade do
autor revoltado com as injustiças e os preconceitos que sofria através do
narrador-protagonista, Vicente Mascarenhas, cuja vida, como a do autor, é
marcada por tragédias pessoais.

Sinopse
Em o Cemitério dos vivos um quase diário nos revela as desventuras de
Vicente Mascarenhas, funcionário do estado, escritor e amante de grandes obras
literárias, sobretudo um homem cheio de dúvidas, traumas e frustrações com a
morte da esposa, uma sogra descrita por ele como uma louca e um filho
fatalmente analfabeto, uma vida infeliz sem esperança que o conduz à depressão,
ao alcoolismo e, finalmente, ao internamento. Foi internado duas vezes no
manicômio, em ambas por alcoolismo crônico, com delírios e alucinações. Na
primeira vez foi levado pela polícia, onde ele descreve que todo louco é tratado
como furioso e que necessita ser contido através da força e ser levado em carro
blindado. E na segunda vez quando viu que estava afundado em uma situação
de incomodo aos próximos, ele mesmo se encarregou de ser internado.
Na segunda parte da obra não há uma divisão clara entre os dois títulos,
pois as declarações descritas se convergem. Sendo difícil ficar claro o que é a
ficção e o que é o diário da vida do escritor. É nítido de que o escritor mesmo
após os seus delírios, e mesmo estando internado em um hospício, sabia que a
sua não podia ser a mesma dos outros internos, sabia que o seu problema era
o alcoolismo devido as suas muitas frustrações não resolvidas ou não bem
aceitas.

Foco Narrativo
O leitor se surpreenderá ao constatar que, no exato momento em que o
depoente entra a escavar o passado e aprofundar a sua “angústia de viver”, o
texto confessional cede a um lance de ficção. O testemunho que, até então,
parecia pura transcrição dos apontamentos de um internado, converte-se na
matéria romanesca de uma novela/romance inacabada(o), cujo título será
igualmente O cemitério dos vivos.

84
Sob a estética do Pré-Modernismo, a obra Cemitério dos Vivos, de Lima
Barreto, estabelece relações dessa com História da Loucura, de Michel Foucault.

Nota: “História da Loucura na Idade Clássica é um livro de Michel Foucault, foi


um filósofo, historiador das ideias, teórico social, filólogo, crítico literário e professor da
cátedra História dos Sistemas do Pensamento, no célebre Collège de France, de 1970 até
1984, originalmente foi publicado como Folie et Déraison pela editora Plon, em 1961,
depois como Histoire de la folie à l'âge classique, em 1972, pela editora Gallimard. Foi
traduzido para o português por José Teixieira Coelho Neto, em 1978. A obra apresenta um
estudo, sob a perspectiva da arqueologia histórica; das ideias, práticas, instituições, arte e
literatura concernentes ao tema da loucura na história ocidental. Esta foi a primeira
grande obra de Foucault, escrita enquanto ele era diretor da Maison de France na Suécia.
Ela resultou de sua tese de doutoramento na Sorbonne.
Foucault começa sua narrativa na Idade Média, detectando a exclusão física-social
dos leprosos. Ele argumenta que com a gradativa exclusão dos leprosos, a loucura ocupou
essa posição excludente. A nau dos loucos no século XV é um exemplo claro dessa
prática: a prática de expulsar os loucos dos navios. Entretanto, durante a Renascença, a
loucura foi tratada como um fenômeno corriqueiro porque os homens não podiam entender
por completo as Razões de Deus. Miguel de Cervantes em Dom Quixote, por exemplo, retrata
os homens como fracos ante a seus desejos e dissimulações. Portanto, o louco, entendido
como aquele que chegou próximo demais a Razão de Deus, era aceito no meio social.
Somente depois do século XVII, num movimento que Foucault descreve como o Grande
Confinamento, esses membros "irracionais" da população começaram a ser presos e
institucionalizados. No século XVIII, a loucura passou a ser encarada como o oposto da
Razão, pois muitos homens assumiam o comportamento de animais e, portanto, deveriam
ser tratados como tais. A partir do século XIX, a loucura é vista como doença mental que
deve ser tratada. Alguns historiadores argumentam que o grande confinamento dos loucos
não ocorreu no século XVII, mas no século XIX. “

O Foco Narrativo em três planos


o autor-pessoa, item não considerado como intrínseco à obra.
o autor-criador, plano cuja consciência informa arquitetonicamente a obra.
o personagem, instância verossímil da obra literária em si .
Vicente relata a repugnância do meio social, no que diz respeito aos
estereótipos, por exemplo, os estrangeiros e os rotulados na relação cor e
condição das faculdades mentais, revela um eu indivíduo manifestando uma
ideia a partir de suas próprias impressões.

Divisão da obra - 4 Partes


O prefácio escrito pelo crítico Alfredo Bosi;
Os dois livros - Diário do hospício, e O cemitério dos vivos
O apêndice com textos de alguns autores sobre o tema do hospício durante o
final do século XIX e início do século XX.

Personagens
Vicente Mascarenhas

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Senhora Dias
Efigênia / Filho
“Quando minha mulher morreu, as últimas palavras que dela ouvi, foram estas,
ditas em voz cava e sumida: – Vicente, você deve desenvolver aquela história
da rapariga, num livro”.
Dr. Roxo
Diretor do Manicômio; Juliano Moreira
Sobrinho André

Enredo
Em O cemitério dos vivos, é narrada a desafortunada vida de Vicente
Mascarenhas, personagem que, devido às adversidades da vida social, à sua
introspectividade e ao desarticulado modo como reage a tudo, mergulha no
alcoolismo e acaba por ser internado por duas vezes, num hospício.
Todavia, as noções relacionadas a autor e personagem, e até mesmo o próprio
texto literário em questão, auxiliam a perceber que não se trata simplesmente
de uma autobiografia. Logo no início da narrativa, o assunto alcoolismo é
suscitado.

Título da Obra
O próprio título do livro revela a situação dos residentes do Hospício, cemitério
remete à ideia de morte, ou seja, um lugar predominado por mortos-vivos.
“ Tenho me alongado em detalhes que parecem não ter interesse algum para o
meu primitivo objetivo; mas espero que, quem tiver a paciência de me ler, há de
achá-los necessários para a boa compreensão desta história de uma vida
sacudida por angústias íntimas e dores silenciosas.” (Pág. 136)

Crítica
O caráter intimista sobre a atmosfera do hospício se mantêm no “romance” O
cemitério dos vivos. Lima Barreto situa o leitor sobre a situação dos negros na
sociedade e ainda marca a violência enquanto esteve internado, mesclando a
ficção com a realidade, o testemunho, como bem disse Alfredo Bosi.
“O mobiliário, o vestuário das camas, as camas – tudo é de uma pobreza sem
par. O acúmulo dos doentes, o sombrio da dependência que fica no andar térreo
– e o pátio interno é quase ocupado pelo pavilhão das latrinas de ambos os
andares – tirando-lhe a luz, tudo isso lhe dá má atmosfera de hospital, de
emanações de desinfetantes, um morrinha terrível.” (Pág. 164)
“Veio-me, repentinamente, um horror à sociedade e à vida; uma vontade de
absoluto aniquilamento, mais do que aquele que a morte traz, um desejo de
perecimento total da minha memória na terra; um desespero por ter sonhado e
terem me acenado tanta grandeza, e ver agora, de uma hora para outra, sem ter
perdido de fato a minha situação, cair tão, tão baixo, que quase me pus a chorar
que nem uma criança.” (Pág. 148)

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“O Hospício é bem construído e seria adequado, se não tivesse quatro vezes o
número de doentes para que foi planejado.” (Pág. 170)
“A cara era suja e sombria; as enfermarias acanhadas e escuras; os loucos
dormiam, ao acaso, atirados pelo chão; as roupas eram velhas e esfarrapadas; a
comida era péssima; e tratamento médico, se não já era o mesmo que grande
Pinel, em 1792, foi encontrar praticado nos hospício franceses, era ainda
bárbara e retrógrada mistura de inépcia e brutalidade: quarto, forte, duchas, e
camisa de força…” (Pág. 262)

Narrativa
A diegese (realidade da narrativa) trata das lembranças vivenciadas que
Mascarenhas vai relatando. Inicia-se com a explicitação de que ele está num
hospício (um tempo presentificado por seu narrador-protagonista) e, após, há o
relato de lembranças, fatos e acontecimentos, tanto dentro, quanto fora do
hospício (dados em um tempo passado até o final do texto).
Sob o ponto de vista da biblioteca, há um ponto de suma importância no
desenrolar da obra que unirá as duas pontas dessa obra de Lima Barreto e da
obra de Foucault, História da Loucura.
Ao longo de toda a narrativa Cemitério dos Vivos, evidencia-se o quanto
Mascarenhas adora o prazer da leitura.
Dessa maneira, é em Foucault que se ratifica a significação que o universo do
personagem-protagonista possui, especificamente, quando enfatiza que a
civilização desenvolve a loucura.
O narrador possui fascínio por suas leituras. Com base em Foucault (1972),
certamente, é muito fina e tênue a película que separa a (in) sanidade e a
sabedoria. Assim é com a paixão - seja qual for seu objeto.
Este personagem possui um grande interesse por viver um mundo fantasioso: o
da leitura - assim como o próprio Barreto!

Apêndice
Olavo Bilac merece destaque ao abordar a situação das crianças no Hospício:
“Antigamente, as crianças idiotas asiladas no Hospício viviam numa sala apenas
cimentada, de rojo no chão, gritando e gargalhando, sem ensino, como animais
malfazejos ou repulsivos. Eram asiladas e alimentadas – e cifrava-se nisso toda
a assistência que lhes dava o Estado. Aquilo era para eles o Limbo sem
esperança. Uma vez entradas ali, como criaturas incuráveis, ali ficavam
crescendo ao acaso, condenadas ao idiotismo perpétuo, à paralisia geral, e à
morte. Inúteis a si mesmas e inúteis à sociedade, os pequeninos idiotas assim
ficavam, como o rebotalho maldito da Vida, flores gangrenadas logo ao nascer,
sem promessa de melhor sorte. “ (Pág. 263)
Em oposição ao tratamento anterior, as crianças são tratadas como uma espécie
de rato de laboratório para os testes dos médicos, curioso notar os termos
utilizados pelo autor ‘criados artificialmente’ e ‘oficina de reabilitação humana’,

87
assim o Hospício trata dos pacientes como uma peça do maquinário da
sociedade.
“Hoje, ninguém lhes assegura a salvação completa, a completa e milagrosa cura,
porque a ciência, ai de nós!, e ainda é para isso impotente e falaz. Mas já não há
ali um bando de animais inúteis ou nocivos: daquela animalidade inconsciente
e grosseira, a ciência e o carinho procuram tirar uma humanidade, incompleta
e rudimentar, mas, em todo o caso, humanidade, com algum sentimento e
algum pensamento. E, quem sabe?… Nunca se deve desesperar do resultado do
trabalho inteligente e piedoso: dali sairão, talvez homens perfeitos e equilibrados,
criados artificialmente naquela oficina de reabilitação humana.” (Pág. 263)

Fragmento I
Quase pura ficção
Fala dos anos de formação de Vicente Mascarenhas
Interesse por literatura, projetos e sonhos de ser escritor
Seu casamento e seu filho que não conseguia aprender
Morte da sua esposa
Alcoolismo e delírios
A história do meu casamento é... Diferente. Eu “tinha” que ser “doutor” e como
eu não tinha dinheiro, ali pelos dezessete anos fiz um concurso público com uma
certidão de nascimento falsa. Passei e fui morar numa pensão.
A Efigênia era filha da dona da casa, a Dona Clementina, e ela cuidava do
refeitório. Olha... Eu nunca me dei bem com as mulheres. Tinha vergonha até
de falar com elas. Era patético.
Que agonia! Não queria falar dos meus estudos. Na verdade, era meu pai que
queria me ver formado.
Você tem que se formar meu filho. Para jogar na cara daquele Doutor Belga.
O Doutor Belga, como ele dizia, era meu primo. Tinha a pele clara, se formou na
Bélgica. Eles saíram no soco uma vez por causa da herança do meu bisavô e
meu pai acabou dando uns tiros nele. Errou todos, foi processado e absolvido.
Eu tinha orgulho da minha inteligência. Mas me formar não era meu sonho, era
o sonho do meu pai. Eu queria era conhecer países exóticos. Desafiar a ciência!
Não me conformo. Como que um hábito individual, adquirido por escolhas ao
longo da vida, como beber, pode ser transmitido pelas nossas células na hora da
fecundação? Como é possível a ciência afirmar isso? Não, eu prefiro desafiar a
ciência.
Escrevia para jornais.
O casamento
Efigênia, mamãe e a Ana (ex-escrava) iam fechar a pensão e ir para o interior
Recebe bilhete para conhecer a casa delas – é pedido em casamento por Efigênia.
Ele não pensa e aceita. “ Sou cheio de defeito, você vai se arrepender”

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Fragmento II
Internação no hospital nacional dos alienados num dia de Natal
Submetido a todas humilhações possíveis a um ser humano
Choque entre seus sonhos de jovem e a realidade
Sua formação relacionada com sua origem
Falta de dinheiro
A polícia generalizava todos os sujeitos como furiosos e malandros, não
diferenciando loucos e mais ou menos sãos
Cheguei ao hospício no dia de natal. Fui pro Pavilhão, que é para onde vão os
indigentes enviados pela polícia. Para polícia, todo russo é cafetão. Todo negro é
marginal. Todo doido é perigoso e tem que ser transportado em carro blindado.
Não dá para explicar o que a gente sofre ali dentro. O carro blindado é um tipo
de solitária de ferro, sacudindo e te jogando de um lado pro outro lá dentro. E
as pessoas, lá fora, olhando curiosas, devem pensar...
Jogado num quarto de ferro - Jogado num hospício no dia de Natal
No pavilhão tive alguns companheiros: São Pedro, um cara alto, de barba
branca, que ficava rezando pelos cantos.
Outro era um português que vivia fingindo, ou acreditando, não sei, que estava
numa carroça, dando ordens aos cavalos
Outro era um negro que parecia saudável. Parecia. Depois soube, era epilético.
Não gostava de ficar pelado na frente dos outros. Ficava esperando que os
guardas esquecessem de mim e eu pudesse escapar. Lembrei do banho da Casa
dos Mortos do Dostoiévski. Mas não tinha nada a ver com aquilo. Tudo ali era
limpo, inocente. Mas eu não gostava mesmo assim.
Não era o varrer em si que me incomodava. Eu varria desde criança. Quando eu
estudava eu varria meus cômodos, pra economizar dinheiro. Não era o varrer
que me incomodava. Era o varrer na frente de tanta gente que não liga pra
infelicidade dos outros
Você está aqui por causa de assassinato? Perguntou um tal de Narciso.
Eu não! Que pergunta! Eu estou aqui por causa de bebida.
Eu estou. Meu advogado arranjou...
Isso ficou me torturando, pensando naquele menino de 17 anos que falava sobre
assassinato como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Como definir aquilo que é tudo e nada ao mesmo tempo? Essa... coisa... esse
ser... Não deve ter forma, nem corpo, nem qualidade nenhuma que a gente
conhece.
Muito tempo sozinho nesse quarto-forte. Saudades da minha esposa... O
primeiro ano de casamento foi bem tranquilo.
Seu filho nasceu!
Seu filho é uma graça!

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Não sentia por minha mulher um sentimento muito extremo. E não falava pra
ela nada do que eu pensava. Durante a semana eu saía da redação e ia para
alguma cervejaria.
Chegava em casa perto da meia noite, um pouco bêbado, e ela estava sempre lá
acordada, costurando... Nunca disse nada. E eu nunca tratei ela mal. Mas só
saia com ela aos domingos, fazer algum passeio ou visita a alguém. Eu achava
um tédio. Eu queria falar sobre literatura, filosofia. Não sobre uma receita nova
de bolo de fubá.
Você não sabe pegar na criança. Vem cá, meu amor. Tudo bem. Quando você se
casar de novo você vai saber fazer essas coisas.

Fragmento III
Reflexões que atingem o estado de loucura
Suas origens, causas e explicações
Absurdas teorias de origem hereditária
Recebe tratamentos mais humanizados que lhe faz renascer as esperanças
Eu não tinha abandonado só a faculdade, meus próprios estudos também.
Ela vivia lembrando como na época do seu Zuzu, (Ana) ex-marido da minha
sogra, era tudo melhor. Ele tinha muita terra, depois vendeu tudo e foi trabalhar
pro governo. Dona Ana dizia isso olhando pra mim.
Sua inteligência, seu amor por mim. Como eu não tinha percebido antes?
Sempre me incentivando... Acabei terminando minha obra.
Agora você tem que publicar.
Ninguém quer imprimir.
Acabei pegando dinheiro emprestado pra conseguir publicar e ela ficou doente.
Foi doloroso... Quatro meses de cama.
Ela já estava morta quando meu livro foi finalmente publicado. Eu vendi toda a
edição praticamente a preço de custo pra quitar as dívidas da publicação. Minha
sogra ia ficando cada vez mais aluada. E eu fui bebendo cada vez mais.
O meu filho, coitado... Com cinco anos teve umas crises de convulsões, de
choros. O médico dizia pra eu tomar cuidado com esse seu filho, seu
Mascarenhas, é melhor não contrariar.
Quando ele fez sete anos tentei ensinar a ler, mas ele ia até certo ponto e chorava
Seu filho é um amor, seu Mascarenhas. Mas não presta atenção na cartilha de
jeito nenhum.
A rotina de bares começou quando meu filho nasceu. Mas foi só depois da morte
da minha esposa que comecei a beber de verdade, indo parar no hospício duas
vezes...Tinha trinta e poucos anos, um filho analfabeto, uma esposa morta, uma
sogra louca e uma garrafa cheia de whisky. Bom, whisky no começo. Depois foi
Gin, conhaque, cachaça, tanto faz.
Depois de beber por uma semana sem parar. Amanheci gritando.

90
Meu sobrinho André, que assim que chegou ao Rio eu ajudei a arranjar um
emprego e onde morar, não teve outro jeito se não me levar para o Hospício. Essa
foi a segunda vez.

Fragmento IV
Relações que ocorrem no presídio
Ganha tratamento diferenciado
Funcionários eram portugueses na maioria e pobres
Descreveu seu atrito com um brasileiro, conferindo lhe as qualidades de exibição
e autoritarismo
Considera a falta de solidão um dos piores suplícios do hospício, sempre tem um
louco por perto
Hora mais triste entre o jantar e dormir por causa das memórias
Eu achei que ia para seção dos pensionistas.
Acabei na seção Pinel. Aqui é onde está a população mais pobre. E onde conheci
o Misael, um veterano do hospício. Ele ajudou muito na transição para a seção
Pinel. Ele sabia muito sobre os outros loucos, suas manias, antecedentes.
Segunda internação – Tipos de internos
MISAEL me explicou sobre os moradores -Tem os quietos. Alguns aqui nunca
falaram na vida. Tem os que são violentos, é bom tomar cuidado. Tem esses que
fazem gestos repetidos. Os que passam o dia delirando, como esse português
aqui.
Aqueles ali, não suportam a roupa no corpo. Por isso andam tudo pelado pelo
pátio. No pátio é onde ficam os berradores também.
No pátio é que dá para ver. A maioria da população aqui é negra.
O que tem disso por aqui... Até sodomia.
E tem os que não falam, não andam, não vão ao banheiro...
A gente não sabe nem o quanto eles entendem.
Precisam de ajuda para tudo. A loucura se reveste de infinitas formas.
Foi nessa segunda vez que eu vim parar aqui que constatei que o espetáculo da
loucura é triste. Esse lugar me lembrava a narração de um diplomata, sobre a
cidade de Cantão, na China. Ele dizia que havia, nos arredores da cidade, um
espaço público onde as pessoas eram deixadas, doentes, à beira da morte. Ele
chamava de Cemitério dos Vivos.
E qual é a sua loucura, além da bebida?
E eu respondi - Culpa. Por não ter entendido minha mulher a tempo.
O hospício é bem construído e seria adequado se não tivesse quatro vezes o
número de doentes para que foi planejado.
Meu sobrinho me lembrava de casa, da minha sogra louca, meu filho que já
passava dos dez anos e ainda não sabia ler. Essas coisas me incomodavam
menos no hospício. Por pior que fosse esse lugar eu conseguia planejar de novo
um futuro, organizar minha cabeça.

91
Você sabia que aqui na seção Calmeil tem uma biblioteca?
Livros! Meu sobrinho finalmente havia conseguido me mudar para a seção
Calmeil, e lá eu tinha acesso à biblioteca. Tinha também um pouco mais de
sossego pra refletir sobre minha vida. Sobre minha mulher... Efigênia merecia
mais do que dei a ela. Mais amor e muito mais reconhecimento. Quero sair
daqui.

Fragmento V
Relação com os médicos
Médicos com atitudes opostas, um teme que lhe aplique os jogos inventos na
medicina. O outro, exalta as suas qualidades humanas
Dúvida das ciências médicas, pela arrogância e distanciamento do médico e
paciente
Reflexão sobre a bebida, que era preciso reagir
Críticas à sociedade
“ Veio-me, repentinamente, um horror à sociedade e à vida; uma vontade de
absoluto aniquilamento, mais do que aquele que a morte traz, um desejo de
perecimento total da minha memória na terra; um desespero por ter sonhado e
terem me acenado tanta grandeza, e ver agora, de uma hora para outra, sem ter
perdido de fato a minha situação, cair tão, tão baixo, que quase me pus a chorar
que nem uma criança.’’ (Pág. 148).
Denúncia a realidade dos negros após a abolição, mostrando as promessas de
liberdade não cumpridas, as dificuldades financeiras e a pobreza do subúrbio
brasileiro.
“O acúmulo dos doentes, o sombrio da dependência que fica no andar térreo –
e o pátio interno é quase ocupado pelo pavilhão das latrinas de ambos os andares
– tirando-lhe a luz, tudo isso lhe dá má atmosfera de hospital, de emanações de
desinfetantes, um morrinha terrível.”
Denúncia o estado por abandonar as pessoas naquele local, as torturas,
humilhações e a falta de infraestrutura para atender e recuperar os internos.
Crítica, pois não havia muitos critérios para diagnosticar a loucura, as
condições dos habitantes do hospício era de miséria e violência.
Pode-se relacionar hoje, com as condições do sistema carcerário brasileiro.

Questões de Biologia
Lobotomia - É a retirada de uma parte do cérebro. “Cada hemisfério do nosso
cérebro é dividido em quatro partes ou lobos que são chamados frontal, occipital,
parietal e temporal” , explica o neurologista Saul Cypel, do Hospital das Clínicas,
em São Paulo. “A retirada do lobo pode ser total ou parcial.” Em épocas antigas,
a lobotomia era usada em pacientes com certos tipos de doenças mentais como
forma de acalmá-los.
Infecção por Malária ou outras doenças.
Vacinas – o medo do desconhecido.

92
Técnicas de cura da loucura do século passado e hoje.

A Loucura Segundo Foucault


Michel Foucault (1926-1984) foi um filosofo francês, que exerceu grande
influência sobre os intelectuais contemporâneos. Ficou conhecido por suas
posição contrária ao sistema prisional tradicional.
Em 1961, Michel Foucault defendeu sua tese de doutorado na Sorbonne com
“História da Loucura na Era Clássica”, na qual analisa a maneira como era
tratada a loucura no século XVII.
A principal questão discutida na obra, diz respeito ao sistema de normas
fundamentais que regem a sociedade e, especialmente, os princípios de exclusão
pelos quais se diferenciam os indivíduos “normais” e os “anormais”.
O filósofo ainda criticava a psiquiatria e psicanálise tradicionais, no seu modo
de ver, instrumentos de controle e dominação ideológica.

CONCLUINDO...
Lima Barreto foi incansável crítico no que diz respeito ao processo de
modernização do Brasil, ocorrido na virada do século XIX. Foi um inovador da
literatura brasileira, com sua forma de escrever, e mesmo com os temas que
aborda, uma vez que toda sua obra volta-se para uma crítica feroz à sociedade
em geral, trazendo à tona o quotidiano do preconceito e marginalização social e
racial. Lima Barreto pertence a uma geração de escritores preocupados com as
questões sociais, que via na literatura uma forma de denunciar toda a hipocrisia
reinante. Acreditava, pois, na literatura militante, uma vez que dava a ela o poder
de “comunicar umas almas com as outras”, não podendo ainda esquecer que
sua produção literária se encontrava no contexto das relações sociais vivas.
Nas primeiras décadas de 1900, as tendências críticas eram um reflexo das
ideias positivistas/deterministas e cientificistas que dominaram o século
anterior. A literatura não era vista somente como manifestação estética. Críticos
e parnasianos incomodavam-se, pois que Lima Barreto não usava um português
casto, empregava a linguagem coloquial, tinha um estilo despojado. Seus
personagens não seguiam o modelo vigente que impunha limites à criação e
exaltava certas características psicológicas.
Opondo-se à linguagem acadêmica, ao retoricismo, ao beletrismo, à "arte pela
arte", à "arte-evasão", Lima Barreto colocou-se contra a "moda" da "belle époque":
o verbo encantatório e rebuscado de Coelho Neto, a solenidade de Rui Barbosa,
o esteticismo estéril dos parnasianos e o purismo e elegância "britânica" de
Machado de Assis.
Usou uma linguagem jornalística e até panfletária, mais interessado na
enunciação e no conteúdo. Foi acusado de incorreção e mau-gosto; apontaram
em seus livros frequentes vícios de linguagem (solecismos, cacófatos, repetições).
Contudo, essa língua gramaticalmente irregular reflete a própria dissonância
espiritual de Lima Barreto com o estilo corrente da época. São "erros"

93
propositais, que não impedem o uso abrangente da linguagem para a
comunicação militante de sua arte e nem elidem a habilidade de manipulação
das palavras para a obtenção dos efeitos estéticos ou funcionais que a natureza
dos textos exigisse.
Embora conhecesse os autores europeus da moda, Lima Barreto fugiu da
influência francesa, preferindo aproximar-se dos autores russos como Tolstói,
Turqueniev, e especialmente Dostoiévsky, cujo realismo tenso seguiu algumas
vezes de perto e a quem alude frequentemente em Cemitério dos Vivos, livro que
pretendia, como Recordações da Casa dos Mortos, do autor russo, caracterizar
o ambiente nos hospícios, que conheceu nas duas vezes em que foi internado,
em 1914 e 1919.
A obra de Lima Barreto, de temática social, beneficiou os pobres, os boêmios e
os arruinados. Os problemas pessoais e as injustiças foram transportados para
os seus livros. Ele sim foi um crítico, o mais agudo da Velha República que, a
seu ver, mantinha certos privilégios; e tentou também romper com o
nacionalismo ufanista que imperava no Brasil.
A literatura produzida por Lima Barreto é fruto das condições sociais vigentes,
dos conflitos; origina-se em meio às tensões sociais, nas quais estão impressas
muitas realidades vividas, os sofrimentos, as alegrias. Lima Barreto, talvez por
se sentir tão oprimido no seu quotidiano, via na literatura o espaço no qual podia
se colocar por inteiro, não se preocupando com os padrões estéticos até então
consagrados. Ele atribuía à literatura um poder muito especial, o poder de
“comunicar umas almas com as outras”, ou seja, na literatura não havia espaço
para meias verdades, para a hipocrisia; queria sim, desmascarar todas as
contradições sociais, procurando traçar um perfil crítico do seu tempo.
Lima Barreto não queria destruir a sociedade a que ele pertencia, tão mesquinha
e sofredora, mas ao contrário, queria transformá-la, mudá-la para uma
sociedade mais justa e humanitária. Acreditava que a literatura tinha o poder
de transformação e sempre produziu uma literatura social, o que ele dizia ser
uma “literatura militante”.
A obra de Lima Barreto contribuiu para registrar a experiência de vários sujeitos
sociais, com um passado impregnado de signos singulares, sendo
testemunho do modo de vida de pessoas comuns, trabalhadores com funções
marginais, homens e mulheres portadores de experiências realizadas em tempos
e espaços diferenciados. Os anseios e as transformações sociais vividas
contribuíram para o surgimento de um novo modo de viver, segundo o qual
ninguém deveria estar totalmente excluído e submisso ao outro, em que, apesar
da opressão vivida quotidianamente, ainda existia a possibilidade – ou talvez –
de que dias melhores estavam por chegar.
É frequente a comparação entre Lima Barreto e Machado de Assis: ambos eram
mulatos, nenhum dos dois completou sua educação escolar, tiveram trajetória
pessoal semelhante, foram doentes (Machado, epilético; Lima Barreto,
alcoólatra); tiveram ambos predileção ao problema da hipocrisia e das falsas
aparências e escolheram o romance, a prosa de ficção para exprimir a si mesmos.

94
Lima Barreto não queria destruir a sociedade a que ele pertencia, tão mesquinha
e sofredora, mas ao contrário, queria transformá-la, mudá-la para uma
sociedade mais justa e humanitária. Acreditava que a literatura tinha o poder
de transformação e sempre produziu uma literatura social, o que ele dizia ser
uma “literatura militante”.
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=116121

EXERCÍCIO
VERDADEIRO ou FALSO

( ) Cemitério dos Vivos é um romance de Lima Barreto (1881-1923), escrito em


um período de internação do escritor no Hospital Nacional de Alienados no Rio
de Janeiro, entre 1919 e 1920.
( ) De referência autobiográfica, o romance revela a personalidade do autor
revoltado com as injustiças e os preconceitos que sofria através do narrador-
protagonista, Vicente Mascarenhas, cuja vida, como a do autor, é marcada por
tragédias pessoais.
( ) Internado por duas vezes em instituições psiquiátricas por delírios alcoólicos,
Lima Barreto documentou em Diário do hospício sua passagem pelo Hospício
Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro, de maneira lúcida e contundente. No
romance inacabado O cemitério dos vivos, o autor transpôs para a chave
ficcional a mesma vivência. Os dois textos foram publicados em conjunto
postumamente, em 1953.
( ) Em o Cemitério dos vivos um quase diário nos revela as desventuras de Lima
Barreto, funcionário do estado, escritor e amante de grandes obras literárias,
sobretudo um homem cheio de dúvidas, traumas e frustrações com a morte da
esposa, uma sogra descrita por ele como uma louca e um filho fatalmente
analfabeto, uma vida infeliz sem esperança que o conduz à depressão, ao
alcoolismo e, finalmente, ao internamento.
( ) O próprio título do livro revela a situação dos residentes do Hospício,
cemitério remete à ideia de morte, ou seja, um lugar predominado por mortos-
vivos.
( ) É frequente a comparação entre Lima Barreto e Machado de Assis: ambos
eram mulatos, nenhum dos dois completou sua educação escolar, tiveram
trajetória pessoal semelhante, foram doentes (Machado, epilético; Lima Barreto,
alcoólatra); tiveram ambos predileção ao problema da hipocrisia e das falsas
aparências e escolheram o romance, a prosa de ficção para exprimir a si mesmos.
( ) O autor foi por duas vezes internado em instituições psiquiátricas, por
delírios alcoólicos; este relato, lúcido e profundo, refere-se à sua última
internação, em 1919.
https://issuu.com/cursolutherking/docs/livros

95
CRÔNICAS PARA JOVENS - DE
AMOR E AMIZADE
CLARICE LISPECTOR

ESCOLA LITERÁRIA: TERCEIRA FASE


MODERNISTA
ANO DE PUBLICAÇÃO: 2010
Organizado por Pedro Karp Vasquez
GÊNERO: NARRATIVO - CRÔNICAS
DIVISÃO DA OBRA: 43 CRÔNICAS
TEMAS: AMOR, AMIZADE, DOR, FRUSTRAÇÃO,
SAUDADE e tantos outros.

BIOGRAFIA - CLARICE LISPECTOR

Clarice Lispector fez parte da Terceira Fase do Modernismo no Brasil


(1945 – +/- 1960). Clarice imprimiu em suas obras uma literatura intimista, de
sondagem psicológica e introspectiva.
Clarice Lispector, nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, em 10 de
dezembro de 1920, e chegou ao Brasil em 1922, tendo orado em Maceió, Recife,
Rio de Janeiro e, mais brevemente, em Belém. Por ter sido casada com o
diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois filhos, Clarice também
morou e Nápoles ( Itália), Berna ( Suíça ), Washington ( EUA) e Torquay (
Inglaterra) , antes de retornar ao Rio de Janeiro, onde faleceu em 9 de dezembro
de 1977.

Filha de Pinkouss e Mania, de origem judaica, chegaram ao Brasil


fugindo do antissemitismo

96
disseminado na Rússia durante a Guerra Civil Russa.
Fixaram residência em Maceió, Alagoas, todos mudaram o nome. A
escritora foi naturalizada brasileira e se declarava pernambucana. Seu nome,
Clarice, foi uma das formas que seu pai encontrou de esconder toda sua família
quando chegaram ao Brasil. Nascida Haia Lispector, passa a se chamar Clarice.
Em 1929, mudou-se com a família para a cidade do Recife onde passou
sua infância no Bairro da Boa Vista.
Com 12 anos, Clarice mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, indo
morar no Bairro da Tijuca.
Em 1941, terminado o segundo grau, Clarice ingressa na Faculdade
Nacional de Direito, e emprega-se como redatora da Agência Nacional. Depois
passa para o jornal A Noite. Em 1943 casa-se com o amigo de turma Maury
Gurgel Valente.
Perto do Coração Selvagem retrata uma visão interiorizada do mundo da
adolescência, em 1944, com calorosa acolhida da crítica, recebendo o Prêmio
Graça Aranha.
1944 acompanha seu marido – diplomata de carreira para Nápoles, na
Itália. Com a Europa em guerra, Clarice trabalha como voluntária de assistente
de enfermagem no hospital da Força Expedicionária Brasileira.
1946 publicou O Lustre. Reside agora na Suiça.
Em 1949 publica A Cidade Sitiada. Nasce o primeiro filho.
1952 publica Alguns Contos.
Passa seis meses na Inglaterra e em seguida vai para os Estados Unidos,
onde nasce seu segundo filho, em 1953.
Em 1954, Perto do Coração é publicado em francês.
Em 1959, Clarice se separa do marido e retorna ao Rio de Janeiro,
acompanhada de seus filhos. Logo começa a trabalhar no Jornal Correio da
Manhã, assumindo a coluna "Correio Feminino".
Em 1967 publica O Mistério do Coelhinho Pensante. Nesse mesmo ano,
Clarice Lispector sofre várias queimaduras no corpo.
Em 1976, pelo conjunto de sua obra, Clarice ganhou o primeiro prêmio
do X Concurso Literário Nacional de Brasília.
Em 1977 (o ano de seu falecimento) - escreveu Hora da Estrela, sua
última obra publicada em vida.

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Obras de Clarice Lispector
Perto do Coração Selvagem, romance, 1944
O Lustre, romance, 1946
A Cidade Sitiada, romance, 1949
Alguns Contos, contos, 1952
Laços de Família, contos, 1960
A Maçã no Escuro, romance, 1961
A Paixão Segundo G.H., romance, 1961
A Legião Estrangeira, contos e crônicas, 1964
O Mistério do Coelho Pensante, literatura infantil, 1967
A Mulher Que Matou os Peixes, literatura infantil, 1969
Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres, romance, 1969
Felicidade de Clandestina, contos, 1971
Água Viva, romance, 1973
Imitação da Rosa, contos, 1973
A Via Crucis do Corpo, contos, 1974
A Vida Íntima de Laura, literatura infantil, 1974
A Hora da Estrela, romance, 1977
A Bela e a Fera, contos, 1978 (póstumo)

Influenciada por escritores como James Joyce, Virginia Woof, Marcel


Proust e William Faulkner, Clarice Lispector introduziu o fluxo de consciência na
Literatura brasileira, técnica que quebra os limites espaços-temporais e cruza
vários planos narrativos sem preocupação com a linearidade.
De amor e amizade - Crônicas para jovens, elaborado pela editora Rocco
e organizado por Pedro Karp Vasquez reúne diversas crônicas e escritos
publicados por Clarice. É uma obra de relevos abstratos e sem uma ordem
construtiva definida.
Algumas crônicas são bastante profundas e tratam de temas abstratos
complexos - o que é uma característica de Clarice -, já outras são
exageradamente austeras e muito curtas, quase frases similares a provérbios, e
não deixam a narrativa fluir constante ou evoluir.
O fato de haver crônicas curtas e sem muita necessidade de reflexão
sobre as mesmas não é, em si, um problema. Essas crônicas simples,
intercaladas com outras complexas, não é feita de maneira gradual, de modo
que o leitor vá se identificando com as histórias.
No período em que colaborou com o Jornal do Brasil (RJ) entre agosto de
1967 e dezembro de 1974, esteve mais próxima do que nunca de seu público
leitor, chegando a responder cartas de leitores e a escrever textos baseados em
sugestões ou questionamentos que estes fizeram.

98
Os textos escolhidos apresentam-se impregnados pela forma incomum
com que a escritora transporta para o papel seu jeito de ver o mundo e de lidar
com o amor e a amizade. Linha após linha, Clarice conduz seus leitores pela
“mistura de observações das miudezas do cotidiano com vastos voos do espírito”,
como define o editor no prefácio.
Leitores de Clarice Lispector não tem idade, mas desta vez a seleção foi
pensada para provocar uma experiência inspiradora em jovens leitores, aqueles
que “estão começando a descobrir os mistérios e os prazeres do amor e da
amizade”.
Histórias fictícias intercalam-se com relatos pessoais, nos quais Clarice
parece prestar uma homenagem a amigos queridos. Aparecem nesses
momentos, companheiros de episódios de alguma fase da vida da autora, como
é o caso do matemático Leopoldo Nachbin (As grandes punições). Clarice e
Leopoldo encontraram-se no primeiro dia de aula do Grupo Escolar João
Barbalho, em Recife. Durante alguns anos, os dois foram os mais impossíveis da
turma, com boas notas em todas as disciplinas, exceto em comportamento.
Clarice escreve ainda sobre outro tipo de amor/amizade, aquele com
toques genuínos de admiração, algo próximo ao sentimento que levou a leitora
anônima a fazer um suéter especialmente para a escritora (O suéter). A resposta,
em tom de agradecimento, foi escrita com a delicadeza que Clarice costumava
dedicar aos leitores – a quem chegava a responder cartas e a escrever crônicas
baseadas em suas sugestões e seus questionamentos: “E eis-me dona de repente
do suéter mais bonito que os homens da terra já criaram.”
As crônicas não se restringem, porém, somente àqueles que se
encontram com Clarice pela primeira vez, mas serve também como um “sopro
de renovação e reflexão para os leitores mais maduros”, aqueles que há muito já
descobriram que a vida não foi feita para ser vivida automaticamente e que tanto
a amizade quanto o amor devem ser experimentados até a última gota – “sem
nenhum medo”, como ressalta em determinado momento a escritora.
Sem prender-se a significados prosaicos, a escritora criou durante anos
histórias que remetem a amizades daquelas sem tamanho, a amores para o resto
da vida, a relacionamentos baseados na superficialidade e até mesmo ao episódio
daquele amor destruído por causa de um bule de bico rachado.
Os textos são escritos de forma incomum. A autora transporta para o
papel coisas que ela encara no mundo de uma maneira diferenciada. Relatos de
sua vida, como uma simples conversa com um taxista, um simples suéter que
ela ganhou de alguém desconhecido. Há também crônicas do relato de um
primeiro beijo, de amores e saudade.
Clarice escreveu essas crônicas mediante um desafio de se tornar
colunista num jornal. Assim como histórias cotidianas, há também histórias
fictícias. A obra é recheada de Clarice e coberta com uma ternura que só ela
pode ofertar. Pedro Vasquez declara que Clarice conseguiu uma proeza
raríssima, a de conquistar o respeito da crítica e da comunidade acadêmica e o
público, fazendo com que sua leitura seja tão desejada por todos.

99
Com textos diversificados, De amor e amizade trata-se de uma coletânea
fácil de ler, que toca em assuntos cotidianos de relacionamentos e sentimentos
comuns, às vezes em narrativas sensacionais e outras vezes em descrições
detalhadas de uma ocorrência extremamente banal e fácil de passar
despercebida. Além disso, a coletânea foi bem elaborada, pois a seleção das mais
de quatro dezenas de crônicas consegue garantir ao leitor – seja ele um velho
visitante da obra clariceana ou alguém que está tendo contato com ela pela
primeira vez – uma bela aproximação com a inteligência e o talento da autora,
cujos escritos são tão admiráveis, criativos e suavemente acessíveis, por vezes
divertidos e por outras emocionantes.

CRÔNICAS

AMOR IMORREDOURO (inicia o livro)

“Ainda continuo um pouco sem jeito na minha nova função daquilo que
não se pode chamar propriamente de crônica. E, além de ser neófita no assunto,
também o sou em matéria de escrever para ganhar dinheiro. Já trabalhei na
imprensa como profissional, sem assinar. Assinando, porém, fico
automaticamente mais pessoal. E sinto-me um pouco como se estivesse
vendendo minha alma. Falei nisso com um amigo que me respondeu: mas
escrever é um pouco vender a alma. (...) – Depois faz reflexões sobre o homem:-
O homem. Como o homem é simpático. Ainda bem. O homem é a nossa
fonte de inspiração? É. O homem é o nosso desafio? É. O homem é o nosso
inimigo? É. O homem é o nosso rival estimulante? É. O homem é o nosso igual
ao mesmo tempo inteiramente diferente? É. O homem é bonito? É. O homem é
engraçado? É. O homem é um menino? É. O homem também é um pai? É. Nós
brigamos com o homem? Brigamos. Nós não podemos passar sem o homem com
quem brigamos? Não. Nós somos interessantes porque o homem gosta de mulher
interessante? Somos. O homem é a pessoa com quem temos o diálogo mais

100
importante? É. O homem é um chato? Também. Nós gostamos de ser chateadas
pelo homem? Gostamos. (...)

Com a minha mania de andar de táxi, entrevisto todos os choferes com


quem viajo. Uma noite dessas viajei com um espanhol ainda bem moço, de
bigodinho e olhar triste. Conversa vai, conversa vem, ele me perguntou se eu
tinha filhos. Perguntei-lhe se ele também tinha, respondeu que não era casado,
que jamais se casaria. E contou-me sua história. Há catorze anos amou uma
jovem espanhola, na terra dele. Morava numa cidade pequena, com poucos
médicos e recursos. A moça adoeceu, sem que ninguém soubesse de quê, e em
três dias morreu. Morreu consciente de que ia morrer, predizendo: “Vou morrer
em teus braços.” E morreu nos braços dele, pedindo: “Que Deus me salve.” O
chofer durante três anos mal conseguia se alimentar. Na cidade pequena todos
sabiam de sua paixão e queriam ajudá-lo. Levavam-no para festas, onde as
moças, em vez de esperar que ele as tirasse para dançar, pediam-lhe para dançar
com elas.
Mas de nada adiantou. O ambiente todo lembrava-lhe Clarita – este é o
nome da moça morta, o que me assustou porque era quase meu nome e senti-
me morta e amada. Então resolveu sair da Espanha e nem avisar aos pais.
Informou-se de que só dois países na época recebiam imigrantes sem exigir carta
de chamada: Brasil e Venezuela. Decidiu-se pelo Brasil. Aqui enriqueceu. Teve
uma fábrica de sapatos, vendeu-a depois; comprou um bar-restaurante, vendeu-
o depois. É que nada importava. Resolveu transformar seu carro de passeio em
carro de praça e tornou-se chofer. Mora numa casa em Jacarepaguá, porque “lá
tem cachoeiras de água doce (!) que são lindas”. Mas nesses catorze anos não
conseguiu gostar de nenhuma mulher, e não tem “amor por nada, tudo dá no
mesmo para ele”. Com delicadeza o espanhol deu a entender que no entanto a
saudade diária que sente de Clarita não atrasa sua vida, que ele consegue ter
casos e variar de mulheres. Mas amar – nunca mais.

Bom. Minha história termina de um modo um pouco inesperado e assustador.


Estávamos quase chegando ao meu ponto de parada, quando ele falou de novo
na sua casa em Jacarepaguá e nas cachoeiras de água doce, como se existissem
de água salgada. Eu disse meio distraída: “Como gostaria de descansar uns dias
num lugar desses.” Pois calha que era exatamente o que eu não devia ter dito.
Porque, sob o risco de enveredar com o carro por alguma casa adentro, ele
subitamente virou a cabeça para trás e perguntou-me com a voz carregada de
intenções: “A senhora quer mesmo?! Pois pode vir!” Nervosíssima com a
repentina mudança de clima, ouvi-me responder depressa e alto que não podia
porque ia me operar e “ficar muito doente”(!). Dagora em diante só entrevistarei
os choferes bem velhinhos. Mas isso prova que o espanhol é um homem sincero:
a saudade intensa por Clarita não atrasa mesmo sua vida.
O final dessa história desilude um pouco os corações sentimentais Muita
gente gostaria que o amor de catorze anos atrasasse e muito a sua vida. A
história ficaria melhor. Mas é que não posso mentir para agradar vocês. E além
do mais acho justo que a vida dele não fique totalmente atrasada. Já basta o

101
drama de não conseguir amar ninguém mais. Esqueci de dizer que ele também
me contou histórias de negócios comerciais e de desfalques – a viagem era longa,
o tráfego péssimo. Mas encontrou em mim ouvidos distraídos. Só o que se chama
de amor imorredouro tinha me interessado. Agora estou me lembrando
vagamente do desfalque. Talvez, concentrando-me, eu me lembre melhor, e conte
no próximo sábado. Mas acho que não interessa.”

O PRIMEIRO BEIJO (Clarice Lispector, Investigadora de Intimidades)


A autora mergulha na intimidade dos seus personagens e a investiga
profundamente, em busca do que seria o próprio núcleo existencial dessas
criaturas. Utiliza para isso uma prosa rica em características poéticas
sonoridades, analogias, figuras de linguagem e a exposição do fluxo psicológico
dos personagens.
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco se iniciara o
namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas
me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me
beijar?
Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.
Não sabia como dizer... De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os
ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu,
escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou
todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que
era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água.
Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato
gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra.
A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma
mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a
estátua nua.
Ele a havia beijado. Ele se tornara homem...

POR CAUSA DE UM BULE DE BICO RACHADO (“ao que me


contaram, era verídico”)
Jane - 28 anos - e Bob Douglas, 32 anos, casados havia quatro anos,
viviam o que se chama de felizes no bairro de Soho, Londres.
Certa tardinha, quando Jane servia o chá para ambos, Bob de repente,
enfureceu-se:
— Fico doente de ver todos os dias esse bule velho de bico rachado! Não aguento
mais!

102
Jane, em geral suave, retrucou também enraivecida:
— Pois vá você mesmo comprar um bule bem bonito, se tem dinheiro!
Bob — e ao que parece era a primeira “cena” entre ambos — saiu batendo a
porta. Foi visto num pub, certamente para se acalmar — e depois nunca mais
foi visto por ninguém. Isto mesmo: desapareceu. Jane boquiaberta. Tempos
depois soube que Bob estava em Paris. Havia se alistado na Legião. Jane fez de
tudo para resgatá-lo. Mas em vão. A explicação era sempre a mesma: tudo
acontecera por causa de um bule de chá de bico rachado. Bob ficou doente,
curou-se e foi enviado à Indochina. Bob foge, mas é preso por imigração ilegal.
Jane tenta explicar: tudo por causa de um bule de chá de bico rachado.
“Fico danada por não saber o fim da história e suponho que vocês
também.”

VIAGEM DE TREM

SUPONDO O CERTO
Relata uns acontecimentos durante um período do dia de uma pessoa
onde ela supunha tudo que aconteceu com ela e no final fala que tudo que supôs
é verdade. Ela supunha que faz uma ligação, que é verdade. Supunha que em
vez da outra pessoa atender a ligação cruza com outra, que é verdade. Supunha
que começa a ouvir a conversa, que é verdade. Supunha que no final da conversa
houve uma frase que diz "Deus te abençoe", que é verdade. Supunha que se
sente abençoada também, pois a frase também foi para ela. Depois disso, ela
não supunha mais nada, apenas diz sim.

PRECE POR UM PADRE


Em certa noite, uma pessoa pediu prece por um padre que tem medo de
morrer e tem vergonha de ter medo. Ela pediu várias coisas a Deus, inclusive
que ele fizesse o padre compreender que a morte não existe, porque já estamos
todos na eternidade e que ele sinta que a morte não significa morrer e que para
se entregar a Deus não é necessário morrer. Ela pede também para que Deus
lhe faça entender que não há explicação para tudo, visto que nós fomos criados
nesse mundo incompreensível. No final da prece ela revela que foi o próprio padre
que lhe pediu para rezar por ele.
AS DORES DA SOBREVIVÊNCIA: SÉRGIO PORTO
Uma mulher chora pela morte de Sérgio Porto, visto que ele alegrava a
todos, se comunicando com o mundo, fazendo da terra um lugar mais suave e
conseguindo que todos rissem. Ela pergunta a Deus: Por que não eu no lugar
dele? Suponho que eu faria menos falta que ele, já que escrevo para poucos se
comparado a ele.
A mulher pede perdão a Sérgio Porto por várias coisas, entre elas por não
ter lhe falado que adorava o que ele escrevia. No final ela pede perdão por ter
sobrevivido.

103
POR QUÊ?
Um casal de namorados, e ele, certo dia, viu a namorada conversando
na esquina com as amigas e todo o namoro mudou. Não que ela houvesse dito
que não saía com as amigas, mas na cabeça dele ela havia mentido. Nada era
como antes, nem mesmo os olhares e então o namoro logo acabou. Não entendia,
por quê? Mas ela era outra pessoa.

UM PEDIDO
Ela pede em uma crônica curtíssima que simplesmente pare de beber ou
beba menos. Que antes de tudo, viva, que mesmo sendo difícil, viva.

O GRITO
Todas as pessoas tem seu limite de simpatia e o que dela já chegou.
Também diz que o amor dela pelo mundo não impediu de existir tanta coisa ruim
e por isso o mundo falhou com ela e ela falhou com o mundo. Que não ia nem
mesmo escrever outro livro, porque se escrevesse iria falar duras verdades.

O SUÉTER
Um amigo almoçando com uma moça viu seu suéter e achou que ficaria
muito bem em mim. Logo encomendou do mesmo jeito e a menina quando soube
para quem era, quis dar de presente. Ficou muita grata, Sentia-se outra pessoa
com o suéter vermelho-luz.

UMA EXPERIÊNCIA
Como é bom quando você pede socorro a alguém e logo é atendido. Conta
que sempre que pediu socorro foi atendida. Cita também que um tigre quando
precisa de ajuda, fica tão perigoso como uma criança.

CRÔNICA DA SAUDADE (finaliza o livro)


“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença.
Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver
a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para unificação inteira é
um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”.

Despida das personagens de seus contos e romances, Clarice Lispector


fez da crônicas uma janela para conversar – tornando “leitores transeuntes” em
vizinhos íntimos – sobre o que nos fala o coração: amor e amizade.
Entregando a si mesma e sua visão personalíssima de mundo, ela
convida os jovens amigos leitores a se apaixonar também pela palavra, pelos
livros, pelos instantes, pela vida.

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CRÔNICA - Atualmente, é um gênero literário que explora qualquer
assunto, principalmente os temas do cotidiano. Geralmente escritas para serem
publicadas em jornais e revistas — que, mais tarde, podem ou não ser reunidas
em livro — a crônica se caracteriza pelo tom humorístico ou crítico.
CONTO - Narração breve, oral ou escrita, de um sucesso imaginário. Tem
um número reduzido de personagens que participam de uma só ação, em um
foco temático. Sua finalidade é provocar no leitor uma única resposta emocional.
Originariamente, o conto é uma das formas mais antigas de literatura popular
de transmissão oral.

EXERCÍCIOS

Assinale Verdadeiro ou Falso

( ) A obra nomeada "De Amor e Amizade" é um compilado - organizado por Pedro


Karp Vasquez - que apresenta crônicas escritas por Clarice Lispector para
"Jornal do Brasil" entre os anos 1967 e 1974.
( ) Clarice tinha um jeito extremamente peculiar de escrever as suas crônicas
para o jornal; de acordo com ela suas escritas são de tudo, menos uma crônica
de verdade.
( ) Despida das personagens de seus contos e romances, Clarice Lispector fez
da crônica sua janela para conversar sobre amor e amizade.
( ) A palavra “neófita” que aparece na crônica AMOR IMORREDOURO (que
inicia o livro)
pode ser substituída por “principiante” sem que haja alteração de sentido.
( ) A crônica é a manifestação literária em que predominam os aspectos subjetivos do autor.
O eu-lírico. É, em geral, a maneira de o autor falar consigo mesmo ou com um interlocutor
particular (amigo, amante, fantasia, elemento da natureza, Deus...), como se pode observar
nas crônicas do livro De amor e amizade, de Clarice Lispector.
( ) Os temas de Clarice Lispector, quer na crônicas, romances ou contos, são, no conjunto,
essencialmente universais, como as relações entre o eu e o outro, condição social
da mulher, esvaziamento das relações familiares e, sobretudo, a própria
linguagem – única forma de comunicação com o mundo.
( ) Clarice é considerada uma escritora intimista e psicológica. Segundo ela
“Algumas pessoas cosem para fora; eu coso para dentro”.
( ) Os temas de Clarice Lispector são, no conjunto, essencialmente universais,
como as relações entre o eu e o outro, condição social da mulher, esvaziamento
das relações familiares e, sobretudo, a própria linguagem – única forma de
comunicação com o mundo.

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( ) Reconhecida pela crítica literária brasileira e estrangeira como uma das
maiores escritoras do século XX, Clarice Lispector mudou os rumos da narrativa
moderna com uma escrita singular, passando por diversos gêneros, do conto ao
romance, da crônica à dramaturgia, da entrevista à correspondência e, também,
pelas páginas femininas.
( ) Amor Imorredouro conta a história de um motorista que amava uma moça
chamada Clarita. A moça sempre dizia que iria morrer nos seus braços e um dia
isso realmente aconteceu. Depois disso o homem não conseguiu amar mais
ninguém e mudou literalmente seu modo de vida.
( ) Há no livro amores com desfechos imprevisíveis e inacreditáveis, como a
história de Bob Douglas e Jane – cujo casamento desmorona por conta
de um utensílio doméstico velho e termina envolvendo uma tentativa de
reencontro e a legião estrangeira – em “O primeiro Beijo.”
( ) Há crônicas que fazem declarações a amigos queridos da autora, como
por exemplo no belíssimo texto “As dores da sobrevivência: Sérgio Porto”,
no qual Clarice lamenta o falecimento de seu amigo Sérgio, dizendo, logo
nas primeiras frases do texto: “Não, não quero mais gostar de ninguém
porque dói. Não suporto mais nenhuma morte de ninguém que me é caro. Meu
mundo é feito de pessoas que são as minhas – e eu não posso perdê-las sem me
perder”.

GABARITOS
MELHORES CONTOS 16 V
1V 17 V
2V 18 V
3F 19 V
4F 20 V
5V 21 V
6F 22 V
7V 23 V
8V
9V NEGRO
10 V 1–C
11 V 2–A
12 V 3–D
13 V 4–E
14 V 6 – V - V – F (Professora da UFSC) –
15 V F (texto: O Padre) – V – V

106
OS MILAGRES DO CÃO
JERÔNIMO

TODAS Verdadeiras

- O CEMITÉRIO DOS VIVO


Todas verdadeiras

DE AMOR E AMIZADE

V V V V F (esta afirmativa refere-se ao


gênero lírico - poemas/poesias)
V V V V V F(“Por causa de um bule
de bico rachado”) V

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