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O processo pelo qual o Ocidente contextualizou e valorou os objetos dos outros foi
fundamental para a construção da própria disciplina antropológica (Stocking, 1985).
Noções como autenticidade, temporalidade e continuidade a partir das quais as coleções
etnográficas foram compostas, compunham um sistema científico a partir do qual o
Ocidente se compreendia ao produzir o outro como contraponto. Esse processo não estava
restrito aos objetos apenas, mas, constituía uma engrenagem da produção do
conhecimento antropológico fundamental para o seu funcionamento (Fabian, 2010).
Como argumenta José Reginaldo Gonçalves (2007), acompanhar as interpretações
antropológicas produzidas sobre as coisas é até certo ponto acompanhar as mudanças nos
paradigmas teóricos ao longo da história dessa disciplina. Os estudos migratórios, que
também acompanham a formação da disciplina, já mostravam seu interesse nas formas
materiais como materialização das identidades étnicas e a possibilidade de observação
das transformações de comportamentos e valores muito antes da chamada “virada do
objeto” se tornar quase uma subdisciplina dentro da própria antropologia.
Nas últimas décadas tem se notado um aumento de interesse pelas temáticas da formação
e gestão de coleções artístico-científicas e as práticas de representação a elas associadas
fomentadas, em grande medida, pelas revisões de diversos autores em relação aos temas
da cultura material, dos museus, das práticas patrimoniais e da formação de campos
disciplinares e instituições a eles vinculados. Em parte, esses estudos foram motivados
pela proposta de Appadurai (1988) acerca da ‘vida social dos objetos’; e, outros autores
tem somado criativas contribuições a essa proposição, a exemplo do Handbook of
Material Culture ( Hicks and M. Beaudry, 2010) e há ainda algumas propostas que buscam
superar a analogia realizada por Appadurai entre ‘trajetórias de vida’ e ‘objetos’ através
de novas conceitualizações, como os ‘itinerários’ (Joyce, 2017) que permitiria conectar
objetos muito recuados no tempo até os dias atuais, sem para isso recorrer
necessariamente a uma possível ‘idéia de morte’.
Interessa-nos discutir trabalhos que apresentem as trajetórias de transformação dos
objetos e coleções em sua relação com os contextos de guarda e as práticas de organização
e interpretação sobre os mesmos. Os trânsitos dos objetos entre diferentes domínios, por
vezes, colocam em movimento representações sobre memória e história transformando
objetos em coleções e heranças em representações coletivas que tensionam ‘memórias
hegemônicas’ e ‘memórias dissidentes’ (Zambrano, 2000). Quando, por outro lado, os
objetos são patrimônio privado e parte de ilusões situacionais (Lopes, 2017) eles existem
dentro de um regime de grandeza dos afetos que os insere na trama cotidiana do tempo,
relativizando o momento de criação frente aos novos significados constantemente
incorporados. O preparo de acervos em instituições de preservação, modificam os
sentidos através de mediações diversas desde ideais de acondicionamento, interpretação
e apresentação que em grande medida fixam as coisas no tempo e no espaço. Essa
cristalização é a inserção em um novo registro, no qual os sentidos que ali se imprimem
não são mais os iniciais. A herança de coleções e / ou coisas age, transformando o status
das coisas e reorganizando as percepções que elas têm de si e de seus coletivos,
promovendo alianças, trocas e tensões. Em tempos de volatilidade dos objetos, o ímpeto
de sua reapropriação, canonização e arquivamento é um dos desafios mais relevantes das
ciências sociais e da antropologia em particular.
Resumo
Interessa-nos discutir trabalhos que apresentem as trajetórias de transformação dos
objetos e coleções em sua relação com os contextos de guarda e as práticas de organização
e interpretação. Os trânsitos dos objetos entre diferentes domínios, por vezes, colocam
em movimento representações sobre memória e história transformando-os em coleções e
heranças em representações coletivas que tensionam ‘memórias hegemônicas’ e
‘memórias dissidentes’ (Zambrano, 2000). Quando, por outro lado, os objetos são
patrimônio privado e parte de ilusões situacionais (Lopes, 2017) eles existem dentro de
um regime de grandeza dos afetos que os insere na trama cotidiana do tempo,
relativizando o momento de criação frente aos novos significados constantemente
incorporados. O preparo de acervos em instituições de preservação modificam os sentidos
através de mediações diversas desde ideais de acondicionamento, interpretação e
apresentação que em grande medida fixam as coisas no tempo e no espaço. Essa
cristalização é a inserção em um novo registro. A herança de coleções e / ou coisas age,
transformando o status das coisas e reorganizando as percepções que pessoas têm de si e
de seus coletivos, promovendo alianças, trocas e tensões. Em tempos de volatilidade dos
objetos, o ímpeto de sua reapropriação, canonização e arquivamento é um dos desafios
mais relevantes das ciências sociais e da antropologia em particular
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