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Objetos, coleções, heranças e memórias

Patricia Reinheimer (UFRRJ) e Rita de Cássia Melo Santos (UFPB)

O processo pelo qual o Ocidente contextualizou e valorou os objetos dos outros foi
fundamental para a construção da própria disciplina antropológica (Stocking, 1985).
Noções como autenticidade, temporalidade e continuidade a partir das quais as coleções
etnográficas foram compostas, compunham um sistema científico a partir do qual o
Ocidente se compreendia ao produzir o outro como contraponto. Esse processo não
estava restrito aos objetos apenas, mas, constituía uma engrenagem da produção do
conhecimento antropológico fundamental para o seu funcionamento (Fabian, 2010).
Como argumenta José Reginaldo Gonçalves (2007), acompanhar as interpretações
antropológicas produzidas sobre as coisas é até certo ponto acompanhar as mudanças
nos paradigmas teóricos ao longo da história dessa disciplina. Os estudos migratórios,
que também acompanham a formação da disciplina, já mostravam seu interesse nas
formas materiais como materialização das identidades étnicas e a possibilidade de
observação das transformações de comportamentos e valores muito antes da chamada
“virada do objeto” se tornar quase uma subdisciplina dentro da própria antropologia.
Nas últimas décadas tem se notado um aumento de interesse pelas temáticas da
formação e gestão de coleções artístico-científicas e as práticas de representação a elas
associadas fomentadas, em grande medida, pelas revisões de diversos autores em
relação aos temas da cultura material, dos museus, das práticas patrimoniais e da
formação de campos disciplinares e instituições a eles vinculados. Em parte, esses
estudos foram motivados pela proposta de Appadurai (1988) acerca da ‘vida social dos
objetos’; e, outros autores tem somado criativas contribuições a essa proposição, a
exemplo do Handbook of Material Culture ( Hicks and M. Beaudry, 2010) e há ainda
algumas propostas que buscam superar a analogia realizada por Appadurai entre
‘trajetórias de vida’ e ‘objetos’ através de novas conceitualizações, como os ‘itinerários’
(Joyce, 2017) que permitiria conectar objetos muito recuados no tempo até os dias
atuais, sem para isso recorrer necessariamente a uma possível ‘idéia de morte’.
Interessa-nos discutir trabalhos que apresentem as trajetórias de transformação dos
objetos e coleções em sua relação com os contextos de guarda e as práticas de
organização e interpretação sobre os mesmos. Os trânsitos dos objetos entre diferentes
domínios, por vezes, colocam em movimento representações sobre memória e história
transformando objetos em coleções e heranças em representações coletivas que
tensionam ‘memórias hegemônicas’ e ‘memórias dissidentes’ (Zambrano, 2000).
Quando, por outro lado, os objetos são patrimônio privado e parte de ilusões
situacionais (Lopes, 2017) eles existem dentro de um regime de grandeza dos afetos que
os insere na trama cotidiana do tempo, relativizando o momento de criação frente aos
novos significados constantemente incorporados. O preparo de acervos em instituições
de preservação, modificam os sentidos através de mediações diversas desde ideais de
acondicionamento, interpretação e apresentação que em grande medida fixam as coisas
no tempo e no espaço. Essa cristalização é a inserção em um novo registro, no qual os
sentidos que ali se imprimem não são mais os iniciais. A herança de coleções e / ou
coisas age, transformando o status das coisas e reorganizando as percepções que elas
têm de si e de seus coletivos, promovendo alianças, trocas e tensões. Em tempos de
volatilidade dos objetos, o ímpeto de sua reapropriação, canonização e arquivamento é
um dos desafios mais relevantes das ciências sociais e da antropologia em particular.

Resumo
Interessa-nos discutir trabalhos que apresentem as trajetórias de transformação dos
objetos e coleções em sua relação com os contextos de guarda e as práticas de
organização e interpretação. Os trânsitos dos objetos entre diferentes domínios, por
vezes, colocam em movimento representações sobre memória e história transformando-
os em coleções e heranças em representações coletivas que tensionam ‘memórias
hegemônicas’ e ‘memórias dissidentes’ (Zambrano, 2000). Quando, por outro lado, os
objetos são patrimônio privado e parte de ilusões situacionais (Lopes, 2017) eles
existem dentro de um regime de grandeza dos afetos que os insere na trama cotidiana do
tempo, relativizando o momento de criação frente aos novos significados
constantemente incorporados. O preparo de acervos em instituições de preservação
modificam os sentidos através de mediações diversas desde ideais de acondicionamento,
interpretação e apresentação que em grande medida fixam as coisas no tempo e no
espaço. Essa cristalização é a inserção em um novo registro. A herança de coleções e /
ou coisas age, transformando o status das coisas e reorganizando as percepções que
pessoas têm de si e de seus coletivos, promovendo alianças, trocas e tensões. Em
tempos de volatilidade dos objetos, o ímpeto de sua reapropriação, canonização e
arquivamento é um dos desafios mais relevantes das ciências sociais e da antropologia
em particular

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Interessa-nos discutir trajetórias de transformação de objetos e coleções em sua relação com


contextos de guarda e práticas de organização e interpretação. Os trânsitos dos objetos entre
diferentes domínios movimentam representações sobre memória e história transformando-os
em coleções e heranças em representações coletivas tensionando ‘memórias hegemônicas’ e
‘memórias dissidentes’ (Zambrano, 2000). Quando os objetos são parte de ilusões situacionais
(Lopes, 2017) eles existem em um regime de grandeza que os insere na trama cotidiana do
tempo, com novos significados constantemente incorporados. O preparo de acervos em
instituições de preservação modificam os sentidos através de mediações diversas (ideais de
acondicionamento, interpretação e apresentação) que em grande cristalizam sua inserção em
novos registros. A herança de coleções e/ou coisas age, transformando o status das coisas e
reorganizando as percepções que pessoas têm de si e de seus coletivos, promovendo alianças,
trocas e tensões. Em tempos de volatilidade dos objetos, o ímpeto de sua reapropriação,
canonização e arquivamento é um dos desafios mais relevantes das Ciências Sociais,
particularmente da antropologia.

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