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Orgs.

: Luciana Tatagiba,
Debora Rezende de Almeida,
Adrian Gurza Lavalle e
Marcelo Kunrath Silva

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Conselho Editorial

Cristiane Tavares – Instituto Vera Cruz/SP


Daniela Mussi – UFRJ
Idalice Ribeiro Silva Lima – UFTM
Joanna Burigo – Emancipa mulher
Leonardo Antunes – UFRGS
Lucia Tennina – UBA
Luis Augusto Campos – UERJ
Luis Felipe Miguel – UnB
Maria Amelia Bulhões – UFRGS
Regina Dalcastagnè – UnB
Regina Zilberman – UFRGS
Renato Ortiz – Unicamp
Ricardo Timm de Souza – PUCRS
Rodrigo Saballa de Carvalho – UFRGS
Rosana Pinheiro Machado – Universidade de Bath/UK
Susana Rangel – UFRGS
Winnie Bueno – Winnieteca

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Orgs.: Luciana Tatagiba,
Debora Rezende de Almeida,
Adrian Gurza Lavalle e
Marcelo Kunrath Silva

2022

1ª edição

Porto Alegre

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2022 © Luciana Tatagiba, Debora Rezende de Almeida,
Adrian Gurza Lavalle e Marcelo Kunrath Silva

Projeto gráfico e edição: Editora Zouk


Revisão: Tatiana Tanaka
Capa: Maria Williane

direitos desta edição reservados à


Editora Zouk
Av. Cristóvão Colombo, 1343 sl. 203
90560-004 – Floresta – Porto Alegre – RS – Brasil
f. 51. 3024.7554
www.editorazouk.com.br

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Sumário

Agradecimentos
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Introdução: participação, democratização e desdemocratização


Luciana Tatagiba, Debora Rezende de Almeida, Adrian Gurza Lavalle ,
Marcelo Kunrath Silva e Rebecca Abers
xx

PARTE 1: A DESDEMOCRATIZAÇÃO E SEUS IMPACTOS SOBRE


A PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL
xx

1. Conselhos de Políticas Públicas no governo Bolsonaro: impactos do


Decreto 9.759/2019 sobre a participação da sociedade civil
Carla de Paiva Bezerra, Maira Rodrigues e Wagner de Melo Romão
xx

2. Mudanças recentes nos papéis das Instituições Participativas nas


Políticas Públicas
Carla Giani Martelli, Carla Almeida e Rony Coelho
xx

3. Desmantelamento, encaixes institucionais e repertórios de interação


nos subsistemas de políticas de reforma urbana e reforma agrária no
contexto brasileiro pós-2016
Camila Penna Castro, Lizandra Serafim e Thiago Aparecido Trindade
xx

4. Participação em tempos de desdemocratização: notas para


um modelo de análise
Leonardo Avritzer, Eduardo Moreira da Silva,
Priscila Delgado de Carvalho e Priscila Zanandrez
xx

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PARTE 2: NOVOS PERSONAGENS, NOVAS CENAS
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5. Movimentos sociais e representação eleitoral: o fenômeno das


candidaturas e dos mandatos coletivos
Debora Rezende de Almeida e Lígia Lüchmann
xx

6. Em nome de Deus: os ativismos evangélicos progressistas no Brasil


contemporâneo
Rebecca Neaera Abers, Marcelo Kunrath Silva e Luciana Tatagiba
xx

7. Balbúrdia? Sobre anti-intelectualismo e ativismo científico no Brasil


contemporâneo
José Leon Szwako e Rafael Souza
xx

8. Repertórios e estratégias do ativismo digital de direita


Viktor Chagas e Michele Goulart Massuchin
xx

9. Despublicização nas políticas educacionais: o projeto político do


movimento Escola sem Partido em Belo Horizonte
Cláudia Feres Faria e Marcos Paulo Dias Leite Resende
xx

PARTE 3: PARTICIPAÇÃO E ATIVISMOS: SENTIDOS


(NOVAMENTE) EM DISPUTA
xx

10. O que quer dizer participação aqui e hoje?... E outrora e alhures


Adrian Gurza Lavalle e Ernesto Isunza Vera
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11. Os coletivos sob um olhar culturalista: deslocamentos analíticos


Matheus Mazzilli Pereira e Jonas Medeiros
xx

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12. O Conceito de Ativismo Digital: uma agenda para além das fronteiras
entre sistema político e sociedade civil
Marisa von Bülow, Danniel Gobbi e Tayrine Dias
xx

13. Crise epistêmica e democracia: amadores e especialistas


Ricardo Fabrino Mendonça e Cristiane Brum Bernardes
xx

14. Ciência e sociedade: as potencialidades da pesquisa participativa


Maria do Carmo Albuquerque, Fernando Peres Rodrigues e
Tânia Maria Silveira
xx

15. Políticas públicas e movimentos sociais: institucionalização de


demandas e consequências nas capacidades estatais
Monika Dowbor, Euzeneia Carlos, Kellen Gutierres e
Luciana Andressa M. de Souza
xx

Referências Bibliográficas
xx

Sobre os colaboradores

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Agradecimentos

Este livro é fruto dos sonhos e do trabalho coletivo de um grupo de pes-


quisadores diretamente envolvido com a construção de um campo de estudos
e de uma área de pesquisa sobre participação social no Brasil. Começou a ser
gestado no XI Encontro Anual da Associação Brasileira de Ciência Política,
em 2018, quando ficou claro nos debates e trabalhos apresentados na Área
Temática de Participação Política (AT) que um novo contexto nos desafiava
a avançar o conhecimento. Assim, agradecemos a todos os pesquisadores que
vêm contribuindo para o desenvolvimento da área de estudos em torno da AT
e também à ABCP, pela acolhida e pelo papel fundamental no desenvolvimen-
to da ciência política no país. Após o Encontro Anual, realizamos em 2019,
nos dias 25 e 26 de março, no Instituto de Ciência Política da Universidade
de Brasília (UnB), o seminário “A interação Estado e sociedade nas políti-
cas públicas: desafios da agenda de pesquisa sobre participação e democracia
no Brasil”, com a participação de 25 pesquisadores de diferentes regiões do
país. O seminário só foi possível graças ao apoio financeiro da CAPES (Edital
N. 29/2015, de Auxílio de Eventos, processo 88881.290479/2018-01), do
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, da UnB, e do Instituto pela
Democracia e Democratização da Comunicação da Universidade Federal de
Minas Gerais (INCT/UFMG). Em 2020, já com capítulos iniciais que agre-
garam outros pesquisadores, nos reunimos novamente na UFMG, com apoio
da Fundação Ford (Projeto GTLFF19001) e do INCT. Agradecemos, ainda,
o Centro de Estudos da Metrópole (CEM), que permitiu a materialização de
todo este trabalho mediante a parceria para a publicação do livro. A todas as
autoras e autores, agradecemos o comprometimento ao longo desse processo
amplo de escrita e revisão e por terem nos brindado com um livro que avança
além do conhecimento acumulado e propõe um escopo abrangente da rela-
ção entre participação, democratização e desdemocratização, o que foi possível
graças a um diálogo e uma interlocução dos mais amplos e generosos.

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Introdução:
Participação, democratização e desdemocratização

Luciana Tatagiba
Debora Rezende de Almeida
Adrian Gurza Lavalle 
Marcelo Kunrath Silva
Rebecca Abers

A democracia tem passado por profundas mudanças na última década.


As referências a essas mudanças mediante novos termos como “morte da de-
mocracia”, “crise da democracia”, “desdemocratização”, “autoritarismo furtivo”,
“populismo autoritário”, “democracias iliberais”, “regressão democrática”, entre
outros, são esforços para conceituar essas transformações e compreender suas
causas e efeitos futuros. Trata-se de um desafio que se faz presente não apenas
na academia, mas que também ocupa o centro do debate político, principal-
mente em países que, como o Brasil, viram emergir governos liderados por
coalizões de extrema direita.
Embora a crise das democracias esteja na ordem do dia, via de regra o
tema é tratado a partir de uma perspectiva que privilegia o “andar de cima”,
aqueles que a literatura de transições democráticas denominava de “atores
politicamente relevantes”; ou seja, o foco está nas disputas entre as elites e
os impactos dessas disputas sobre as instituições democráticas. Aqui atenta-
mos para um conjunto de processos políticos que, embora secundarizados nas
perspectivas predominantes, são indispensáveis para entender as dinâmicas de
democratização e desdemocratização. Os capítulos reunidos neste livro ado-
tam uma perspectiva centrada nas relações entre Estado e sociedade, que toma
os processos de democratização e desdemocratização como resultado do con-
fronto político estabelecido entre alinhamentos de forças sociais antagônicas:
as elites e as autoridades políticas.
A ênfase numa compreensão alargada e centrada nas interações con-
frontacionais e colaborativas entre agentes políticos atuantes em arenas ins-
titucionais e societárias oferece perspectivas inovadoras para análise dos pro-
cessos de erosão democrática em curso. Ao tomar como pressuposto que a
política institucional e extrainstitucional são interdependentes e se influen-
ciam mutuamente, os autores aqui reunidos apontam para uma instigante

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agenda de pesquisa voltada ao esforço de compreender como as atuais disputas
pelo acesso aos recursos públicos e à direção política da sociedade, em um
contexto político caracterizado pelo avanço da extrema direita, produzem e são
resultantes, ao mesmo tempo, de mudanças nos padrões da mobilização social
e do ativismo.

Movimentos sociais e democratização

A ênfase sobre a inter-relação de movimentos sociais, participação e


processos de democratização e desdemocratização é tributária de uma tra-
dição de pesquisa voltada a analisar as disputas pela construção democrática
na América Latina (Alvarez, Dagnino & Escobar, 2001; Dagnino, 2004;
Dagnino, Olvera & Panfichi, 2006; Santos & Avritzer, 2002)1. Esse
campo de investigação desafiou os pressupostos da transitologia tanto no que
diz respeito ao seu foco no restabelecimento da competição entre elites como
central para a passagem do autoritarismo à democracia quanto no que tange
ao seu diagnóstico sobre os efeitos de desmobilização da sociedade civil pela
normalização da vida política (Stepan, 1988; Linz & Stepan, 1996).
A ênfase das teorias da transição reside na compreensão das disputas en-
tre as elites e suas escolhas estratégicas como fatores centrais para a explicação
dos processos políticos que conduziram ao restabelecimento da democracia.
A partir de uma lógica que contrapõe política institucional e extrainstitucio-
nal, seus diagnósticos compreendem a mobilização social como resultado das
oportunidades políticas abertas pelas disputas no interior das elites. O efeito
da mobilização social sobre o processo político é, no máximo, acelerar as tran-
sições em curso, pressionando pelo retorno das liberdades democráticas. Uma
vez restabelecida a democracia, a estabilidade das instituições e sua capacidade
para processar os conflitos sociais conduzem à expectativa de redução da mo-
bilização social à participação nos limites da democracia representativa. Em
paralelo com argumentos caros à escola elitista, a transitologia opera assim a
partir da contraposição entre estabilidade e mobilização social, que retira dos
atores coletivos qualquer papel significativo no fortalecimento das democra-
cias recém instaladas (O’donnell, Schmitter & Whitehead, 1991).
No livro A Moralidade da Democracia, Avritzer aponta de modo cla-
ro os custos cognitivos da compreensão restrita e meramente institucional da

1  Em registro diferente ao da construção democrática, as teses da transitologia a respeito do


papel secundário dos movimentos sociais nas transições também foram objeto de crítica (ver,
por exemplo, Collier & Mahoney, 1997).

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democracia própria das teorias da transição. O autor chama a atenção para o
fato de que a democracia – e seus problemas – não se reduz a uma questão de
engenharia institucional, mas também envolve a “incorporação de um sistema
democrático de valores à ação no interior do sistema político” (1996, p. 134).
A identificação da convivência entre práticas políticas autoritárias e democrá-
ticas nas instituições políticas e nas práticas sociais predominantes conduz a
uma interpretação do processo de construção da democracia como não linear,
complexo, em jogo permanente dentro e fora das instituições do governo re-
presentativo e sempre sujeito a reversões (Alvarez, Dagnino & Escobar,
2000; Souza & Avritzer, 2002, p. 39-54).
Essa forma de enquadrar a questão democrática é indissociável do esfor-
ço teórico e político para ampliar os sentidos da democracia e do que é definido
como política, incluindo seus atores e arenas. Tal agenda encontra argumenta-
ção contundente no belo livro de Norbert Lechner, Los patios interiores de la de-
mocracia: subjetividade e política (1988): a política não está circunscrita às dinâ-
micas institucionais, estratégias dos atores e condicionantes econômicos, mas
envolve igualmente a experiência diária das pessoas, seus projetos e emoções.
A concepção alargada da democracia como conjunto de procedimentos que
garantem a estabilidade na disputa pelo poder e como gramática da vida social
também está presente na influente coletânea de Escobar & Alvarez (1992).
Na obra, a relação entre movimentos sociais e democracia assume centralidade
com base em um conjunto de trabalhos que trazem ao primeiro plano o proble-
ma da formação do sujeito político. Na concepção dos autores, os movimentos
sociais contribuem para a democratização ao visibilizar esconderijos de poder
e opressão incrustados na vida cotidiana, contribuindo para o questionamento
de relações sociais autoritárias e pressionando por sua transformação; ainda, ao
fazer a mediação entre comunidades e sistemas partidários, fortalecendo a co-
nexão entre sociedade civil e instituições políticas (Escobar & Alvarez, 1992,
p. 317-330). Essa compreensão é reforçada na obra Cultura e Política nos movi-
mentos sociais latino-americanos, organizada por Alvarez, Dagnino e Escobar, na
qual se afirma que, no alvorecer do novo milênio, a disputa na América Latina
se dá em torno de modelos alternativos de democracia, e que os movimentos
sociais desempenham papel fundamental nessa luta: “o que está fundamental-
mente em disputa são os parâmetros da democracia, são as próprias fronteiras
do que deve ser definido como arena política: seus participantes, instituições,
processos, agendas e campo de ação” (2000 [1998], p. 15). Já no contexto dos
governos de centro-esquerda em vários países da região, o esforço analítico
se desdobra no sentido de compreender as disputas de projetos políticos em

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torno dos sentidos da participação da sociedade civil, a partir da contraposição
entre os projetos políticos democrático-popular e neoliberal. Com os colegas
Alberto Olvera e Aldo Panfichi, Dagnino forja a influente tese da “confluência
perversa”, por meio da qual sustentam que em contextos marcados pela dupla
transição2, da ditadura para a democracia e do modelo neodesenvolvimentista
para o neoliberal, a participação da sociedade civil pode tanto contribuir para o
aperfeiçoamento da democracia e combate às desigualdades quanto fortalecer
práticas autoritárias e excludentes, colaborando para a consolidação de uma
democracia de baixa intensidade. Esse conjunto de trabalhos, articulado em
torno da ideia de “construção democrática”3, teve forte influência na configu-
ração do campo de estudos da participação e dos movimentos sociais no Brasil,
principalmente entre as décadas de 1990 e 2000. Certamente contribuíram à
formação desse campo outras vertentes oriundas de tradições teóricas distin-
tas, notadamente aquelas que ao longo dos anos 1990 e 2000 orientaram o
debate sobre a sociedade civil, ora em registro neotoquevilliano à la Putnam
(1996), ora orientadas pelo registro da sociedade civil da teoria deliberativa da
democracia à la Habermas (1992)4.
No contexto pós-autoritário, os movimentos sociais no Brasil investi-
ram pesadamente na construção de uma arquitetura participativa (Isunza &
Gurza Lavalle, 2012; Teixeira et al., 2012; Isunza Vera et al., 2012) capaz
de levar os conflitos sociais para dentro do Estado, principalmente aqueles re-
lativos ao acesso da população de baixa renda aos direitos básicos de cidadania.
A literatura do pós-transição deu destaque para esses processos por meio do
estudo das inovações participativas como os orçamentos participativos, conse-
lhos de políticas públicas, conferências e fundos participativos, com o propósi-
to de compreender como e com que finalidade ocorria a disputa entre as forças
sociais nessas novas instâncias de participação. Prestou-se particular atenção às
disputas entre Estado e sociedade civil, nos processos de definição das políticas

2  A hipótese da concomitância da dupla transição, de regime e de modelo de desenvolvimen-


to, como compondo o contexto de ameaças e oportunidades políticas nas quais atuam os mo-
vimentos sociais latino-americanos no pós-transição, é desenvolvida por Paul Almeida (2016).
3  Para uma síntese da abordagem e sua importância para a configuração da agenda de pesqui-
sa sobre a participação e a democracia no Brasil, ver Szwako (2012) e Trindade (2017).
4  As teses do capital social de Putnam desempenharam um papel importante na orientação
do pensamento interessado em elaborar a relação entre sociedade civil e políticas públicas, como
atestado no país pelo trabalho de Abramovay (2000). A obra de Tocqueville também informou
a produção nacional sobre a sociedade civil de modo direto (Boschi, 1987). Por sua vez, a ver-
tente habermasiana da sociedade civil ganhou maior projeção na América Latina e disputou os
diagnósticos da literatura sobre movimentos sociais (Avritzer, 2002; Costa, 2002).

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públicas, em áreas como assistência social, saúde, criança e adolescente, meio
ambiente etc.5
Nos anos 90, os movimentos sociais ajudaram a construir tais arenas
participativas. Em nível local, partidos progressistas começaram a ganhar
governos municipais e a colocar em prática propostas que se originaram nos
movimentos sociais. O Orçamento Participativo, implementado pela primeira
vez na cidade de Porto Alegre, governada pelo PT de 1989 a 2004, foi tal-
vez a experiência mais conhecida (Abers, 2000; Baiocchi, 2005). Os esforços
bem-sucedidos do movimento de saúde para criar um sistema de instituições
participativas consagrado na legislação nacional – do posto de saúde local aos
conselhos municipais, estaduais e nacional (Côrtes, 2002; Dowbor, 2012;
Mayka, 2019) – foram emulados por outros movimentos para criar siste-
mas descentralizados e participativos similares nas áreas de assistência social
(Gutierres, 2019; Raichelis, 2002), políticas para crianças e adolescentes
(Baptista, Valença & Pezoti, 2002), gestão de áreas protegidas, habitação
(Donaghy, 2013), gestão de bacias hidrográficas (Abers & Keck, 2013), em
programas específicos como Bolsa Família (Spinelli & Costa, 2010) e em
outras áreas de políticas e programas. Vários modelos alternativos de políticas
desenvolvidos por movimentos foram inicialmente implementados por gover-
nos locais progressistas: a criação de cooperativas de reciclagem para propor-
cionar dignidade aos catadores de lixo (Brandão, 2021), iniciativas habita-
cionais participativas (Viana, 2021; Blikstad, 2012), programas de apoio às
cooperativas de agricultores familiares (Amaral, 2021) e assim por diante.
Estes esforços tinham em comum a ideia de que para combater a desigual-
dade era necessário organizar os diversos grupos sociais excluídos e lhes dar
controle sobre as políticas que deveriam beneficiá-los, através do que Teixeira
e Tatagiba (2021) chamam de “programas associativos”. Embora algumas or-
ganizações e ativistas de movimentos fossem mais avessos à interação com
governos e instituições participativas, para muitos, ir além da pressão sobre
o Estado para ajudá-lo a criar este tipo de programa era consistente com o
que Dagnino, Olvera e Panfichi (2006) chamavam de “projeto democrático
participativo”. Com a ascensão das forças de centro-esquerda ao poder federal,
em 2003, a permeabilidade do Estado aos movimentos sociais progressistas

5  Há consistentes revisões da literatura que explicam de que forma o desenvolvimento das ex-
periências se deu concomitantemente a uma rica e diversificada agenda de investigação voltada a
compreender seus sentidos e efeitos sobre o processo de produção e implementação das políticas
públicas e acesso aos direitos de cidadania (Souza & Vasconcelos, 2006; Reis & Arantes,
2010; Gurza Lavalle, 2011; Buvinich, 2014; Almeida, Cayres & Tatagiba, 2015).

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levou a um novo ciclo de ocupação do Estado e de disputa pelas políticas
públicas (Abers, Serafim & Tatagiba, 2014; Gurza Lavalle et al., 2018)6,
que envolveu setores diversos, muitos dos quais historicamente excluídos da
possibilidade de disputar fundos públicos. O trânsito intensificado dos movi-
mentos sociais para a luta “por dentro do Estado” gerou tanto uma expansão de
canais institucionalizados de participação quanto um incremento significativo
dos estudos sobre as chamadas “instituições participativas” (Avritzer, 2009,
2011; Avritzer & Souza, 2013; Dagnino & Tatagiba, 2007; q, 2015) com
uma ênfase cada vez maior sobre os efeitos da participação na definição das
políticas públicas e seus resultados7.

O campo de estudos da participação e dos movimentos sociais

Nesse período, houve um notável desenvolvimento quantitativo e qua-


litativo dos estudos, com esforços dirigidos à generalização teórica e à sofis-
ticação metodológica. A perspectiva da mútua constituição entre Estado e
sociedade como chave para compreender os processos de institucionalização
das demandas de atores sociais, com destaque para a abordagem centrada em
“encaixes institucionais”, é um bom exemplo desses avanços (Gurza Lavalle
et al., 2019). Ao longo do processo de intensificação das relações entre Estado
e sociedade civil, o associativismo brasileiro tornou-se cada vez mais hetero-
gêneo e plural (Lüchmann, 2014; Almeida, Lüchmann & Ribeiro, 2012).
Novos atores emergiram na cena pública reivindicando vez e voz, com destaque
para a centralidade assumida pelo debate de gênero e racial. É nesse contexto
que a discussão sobre os sentidos e a legitimidade da representação dos atores
sociais ganhou proeminência política e acadêmica, ajudando a enquadrar sobre
outras chaves o debate contemporâneo acerca da crise de representação nas
democracias e o próprio debate teórico sobre a participação (Almeida, 2015;
Martelli, Almeida & Lüchmann, 2019; Gurza Lavalle, Houtzager &
Castello, 2006; Mendonça, 2008).
Nesse percurso de construção da agenda de investigação do campo de
estudos da participação, ficou cada vez mais evidente que era necessário olhar

6  Para análise desses processos em áreas específicas, ver Rodrigues (2020) e Rios (2014) para
políticas de igualdade racial; Matos & Alvarez (2018) para políticas para as mulheres.
7  A coletânea Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação, orga-
nizada por Roberto Pires em 2011, tem o mérito de dar visibilidade ao tema e organizar o debate
que então se fazia de forma pouco sistemática. Nos anos seguintes, essa agenda se complexificou
a partir do avanço teórico e empírico do debate sobre os efeitos dos movimentos sociais sobre
as políticas públicas (Tatagiba & Teixeira, 2016; Carlos, Dowbor & Albuquerque, 2017).

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de outra forma para o Estado – suas instituições e atores –, os movimentos
sociais e a inter-relação deles. Nos trabalhos de Dagnino e seus colegas, já
mencionados aqui, enfatizava-se a perspectiva da heterogeneidade do Estado
e da sociedade, numa crítica à tendência de tomar o Estado como a encarna-
ção do mal e a sociedade civil como lócus da virtude democrática. Na mesma
direção foram pioneiros os trabalhos da antropóloga Ruth Cardoso (1987),
que, já nos idos dos anos de 1980, chamava a atenção para os riscos de tomar a
retórica antiestatal dos movimentos sociais como um dado da realidade. Cabe
mencionar os trabalhos sobre o associativismo de Boschi, guiados pelo esforço
de entender de que maneira os movimentos sociais – como aqueles que contes-
tam a eficácia dos canais institucionais existentes para o processamento de de-
mandas – contribuem para a democratização das práticas sociais, de um lado,
e, de outro, conseguem atingir seus objetivos por meio da criação de canais de
representação e da interação com instituições existentes, como os partidos e
os sindicatos (Boschi & Valadares, 1983; Boschi, 1987); no mesmo senti-
do, as pesquisas de Foweraker, que em meados dos anos de 1990 destacava a
dimensão estratégica dos movimentos sociais, afirmando que suas interações
com o Estado são sempre interativas e construídas sobre um terreno legal e
institucional, terreno este que é um acúmulo de resultados históricos das lutas
populares e das políticas do Estado (Foweraker, 1995, p. 62). Desse modo,
o autor colocou em outra chave um tema central no discurso dos movimentos
sociais: a questão da autonomia8.
Mais recentemente, a crítica a uma concepção marcada pelo pressupos-
to da externalidade do Estado e instituições políticas em relação à sociedade
civil tem orientado parte importante dos estudos de Kunrath Silva (Silva &
Oliveira, 2011), que desde uma perspectiva da sociologia relacional enfati-
za a importância de que avaliações acerca das relações entre movimentos so-
ciais e instituições políticas sejam resultantes de investigações empiricamente
orientadas e não análises apriorísticas, com forte conotação normativa9. Nessa
direção, o diálogo crítico com a teoria dos movimentos sociais, especialmen-
te na perspectiva do confronto político (Mcadam, Tarrow & Tilly, 2001),
contribuiu para a sistematização dos distintos ativismos que borram as fron-
teiras entre Estado e sociedade (Abers & Von Bülow, 2011). Organizações e
movimentos sociais lançam mão de distintos repertórios de ação e interação
(Abers, Serafim & Tatagiba, 2014) para influenciar as instituições políticas

8  Para releituras desse debate a partir da realidade brasileira, ver Adrian & Szwako (2015) e
Avritzer (2012).
9  Ver também Gurza Lavalle & Szwako (2015).

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e o desenho das políticas, envolvendo-se com partidos políticos, institui-
ções participativas, nomeações políticas, os poderes Executivo e Legislativo
(Dowbor, 2012; Carlos, 2015; Oliveira, 2021; Carone, 2018; Zaremberg
& Almeida, 2021). A partir da adoção de uma abordagem pragmatista, Rebecca
Abers acrescenta uma camada de complexidade a essa discussão, mediante
um olhar sobre os atores que compõem a burocracia pública. Mobilizando os
conceitos de ativismo institucional e criatividade, Abers (2021) inaugura uma
agenda de investigação que se distingue por analisar a burocracia pública numa
perspectiva agêntica. A partir desse conjunto de trabalhos e sua significativa
repercussão em estudos posteriores sob a forma de teses, dissertações e artigos,
os pressupostos relacionais e da mútua constituição acabaram se tornando ali-
cerces teóricos que distinguem o campo de pesquisa da participação e dos mo-
vimentos sociais no Brasil do conjunto da produção latino-americana recente.
Com base nesse breve resgate, nota-se que o campo de estudos da parti-
cipação e dos movimentos sociais têm forte conexão com o percurso histórico
dos anos pós-ditadura, mantendo estreito diálogo com a própria trajetória dos
atores, suas práticas e disputas. O campo emerge no contexto de transição
da ditadura para a democracia, primeiro reivindicando o potencial explicativo
dos movimentos sociais para a compreensão da desestabilização do regime
autoritário e, depois, o papel da sociedade civil na construção e consolidação
da democracia recém restaurada. É interessante, ainda, notar que os temas da
agenda, seus conceitos e ênfases respondem a um momento do processo po-
lítico brasileiro marcado pela ampliação das oportunidades para atuação de
atores progressistas no interior do Estado, em um conjunto muito diverso de
áreas. Esse contexto de maior permeabilidade do Estado marcou a produção
teórica do campo, o que fica evidente na caixa de ferramentas que resulta dele,
no geral voltada a descrever e explicar os encontros entre Estado e sociedade
civil e seus efeitos sobre as políticas públicas. O horizonte histórico no qual os
pesquisadores estavam situados gerou uma expectativa de ampliação contínua
da democracia como regime político e gramática da vida social, embora com
muitas idas e vindas e em um ritmo muito mais lento do que se poderia desejar.
No momento em que este livro foi concebido e escrito, no entanto, o
contexto político é completamente diferente. Desde a crise política aberta em
2014, quando o candidato derrotado à presidência questionou o resultado da
eleição, a democracia brasileira foi projetada, em ritmo acelerado, rumo a um
processo de desdemocratização, que resultou no golpe contra a ex-presiden-
ta Dilma Rousseff, em 2016, no assassinato de Marielle Franco e na prisão
do ex-presidente Lula, ambos em 2018, e na eleição da extrema direita, em

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2019. Também as ruas mudaram: as jornadas de junho de 2013 anunciaram
claramente não apenas múltiplas insatisfações acumuladas na sociedade, mas
a capacidade de atores sociais conservadores de hegemonizar tais insatisfações
(Alonso & Mische, 2016; Tatagiba & Galvão, 2019). De fato, um longo
processo de organização de uma nova direita na sociedade civil ocorrera ao
longo dos anos 1990 e 2000, e a disputa exaltada da esfera pública por forças
conservadoras tornara evidente que a desdemocratização no plano do sistema
político tinha e nutria um substrato societário (Rocha, 2020; Rocha, Solano
& Medeiros, 2021).
A ascensão da extrema direita ao poder colocou a desnudo o autorita-
rismo social que, embora submerso na redemocratização, permanecia na cul-
tura política do país e, em termos mais gerais, da América Latina (Dagnino,
Olvera & Panfichi, 2006). Essas mudanças tensionam o campo da parti-
cipação, tanto do ponto de vista analítico e teórico quanto das práticas dos
atores. Do ponto de vista das análises, busca-se sair do diagnóstico da novi-
dade, mostrando a inadequação das nossas lentes para dar conta da disputa
na sociedade civil por um conjunto de atores conservadores que operavam e
buscavam influenciar políticas concomitantemente com os atores progressistas
(Szwako & Gurza Lavalle, 2021). No plano teórico, a ascensão da extrema
direita nos mostra que há ainda um caminho a percorrer na compreensão dos
sentidos atribuídos à sociedade civil. Embora o campo de pesquisa tenha su-
perado concepções despolitizadas da sociedade civil responsáveis por eclipsar
suas relações com as instituições políticas, resquícios neo-tocquevillianos per-
sistem na expectativa de que os movimentos sociais produzam necessariamen-
te efeitos democráticos e de que uma sociedade civil “vibrante” é sinônimo de
desenvolvimento de uma política e cultura democrática. Conforme já alertado
por Berman (1997) e especialmente por Warren (2001), o associativismo não
produz automaticamente efeitos democráticos, e algumas vezes conforma or-
ganizações incivis que demandam e sustentam projetos autoritários. Como
temos visto sobejamente no caso brasileiro, o mundo associativo, em muitos
casos, conforma uma sociedade “incivil” que não apenas demanda e sustenta
ativamente projetos autoritários, mas emerge dos mesmos contextos urbanos
que deram origem aos movimentos populares privilegiados pela literatura, ofe-
recendo ordens morais alternativas a seus moradores (Feltran, 2011).
As mudanças no ativismo trouxeram novas oportunidades para os gru-
pos conservadores e abertamente antidemocráticos disputarem as políticas pú-
blicas e a sociedade, seja a partir de novos canais de participação no Estado
ou por meio da pressão exercida nas ruas e nas mídias digitais. Já os atores

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associados aos movimentos de esquerda ou progressistas perderam os canais
de interlocução com o Estado no plano federal (como evidenciado no caso
do Decreto N. 9759/2019, que extinguiu conselhos nacionais de políticas pú-
blicas e/ou alterou sua composição) e passaram atuar sob frequentes ameaças
perpetradas pelas novas coalizões no poder nos diferentes níveis da federação,
incluindo as forças milicianas. Ataques persistentes, inclusive com ameaça de
morte ou mesmo assassinatos, atingiram não apenas as lideranças de movi-
mentos sociais e de partidos de esquerda, mas grupos, organizações e indi-
víduos publicamente associados à defesa da agenda igualitária, com especial
destaque para aqueles vinculados às agendas de gênero e sexualidade, raça,
meio ambiente, defesa dos povos originários e tradicionais e da reforma agrá-
ria, incluindo aqueles que atuavam desde a academia, transformada ela própria,
nos discursos de ministros e do presidente, em inimiga do desenvolvimento e
da soberania nacional. Mas não é só de recuo e ataques que vivem os atores
progressistas e de esquerda. A mobilização e a mudança de repertórios ocor-
rem tanto por parte daqueles que estiveram em íntima conexão com o Estado,
especialmente nos governos petistas, quanto dos novos atores que também
emergem e/ou passam a ser visíveis na conjuntura de junho de 2013.

Sobre lacunas, silenciamentos e a necessária revisão dos pressupostos

O acelerado processo de desdemocratização colocou em xeque impor-


tantes pressupostos do campo de estudos da participação e dos movimentos
sociais, dentre os quais se destacam, como apontado acima, as relações entre a
participação social e a construção de valores democráticos, e entre consolidação
da democracia e combate às desigualdades. Contudo, é importante reconhecer
que ainda antes da eleição de Jair Bolsonaro a coexistência entre ampliação da
participação social, no plano institucional, a perseverança do racismo e sexis-
mo, e o avanço da destruição ambiental e da violência estatal e paraestatal fez
com que diversas vozes críticas se levantassem, apontando a incapacidade do
campo em lidar adequadamente com o problema do conflito e das desigual-
dades estruturais que limitam os avanços da democracia como regime político
e como gramática social. Uma das principais críticas voltou-se ao predomínio
de uma visão de participação que tendia a tomar a parte (a participação ins-
titucional) pelo todo, obscurecendo um conjunto de práticas, atores e eventos
que contestavam as estratégias de aproximação com o Estado, mobilizando
um repertório mais confrontacional. Nessa mesma direção, criticou-se a ên-
fase nas políticas públicas e a dificuldade de avançar em modelos teóricos e

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metodológicos capazes de recolocar no centro do debate o problema da cultura
política, ou seja, a questão relativa às subjetividades políticas e à incorporação
de valores democráticos.
Em 2008, o pequeno texto de intervenção de Ermínia Maricato, inti-
tulado “Nunca fomos tão participativos”, repercutiu no debate acadêmico e
político, dando voz a essas críticas. No manuscrito, a autora explicitou o diag-
nóstico, presente em certos setores da academia e dos movimentos, que indi-
cava os limites “do participacionismo”, ou seja do investimento na participação
institucional, quando o que estava em jogo era lidar com questões relativas à
propriedade da terra urbana e rural. A avaliação é que essas lutas envolviam
uma dimensão de classe, cujo tratamento não encontrava lugar na agenda da
participação. Ademais, faltava, segundo a autora, uma abordagem mais clara
sobre a natureza do Estado brasileiro, atentando para sua face patrimonialista
e para padrões de relação com a sociedade, baseados no clientelismo. Sob essa
perspectiva, os encontros entre Estado e sociedade em canais institucionais de
participação poderiam servir ao oposto do pretendido, reforçando práticas de
cooptação, ao invés de contribuir com a organização autônoma da sociedade
civil. Outra crítica presente no texto voltava a uma contraposição que nunca
deixou de estar presente no debate: a tensão entre ação institucional e ação
direta (Doimo, 1995). A esse respeito, houve até quem defendera a urgência de
resgatar a participação da perda de radicalidade que sua expressão institucio-
nalizada e a literatura do campo tinham lhe imposto (Miguel, 2017).
Mais recentemente, Thiago Trindade (2017) elabora essa crítica a partir
de uma posição interna ao campo. Segundo o autor, a ênfase na participação
institucional e nas políticas públicas produziu uma concepção limitada de par-
ticipação, que acabou por obscurecer o ativismo popular que se dava fora das
instituições e a partir de uma dinâmica mais confrontacional. A partir do caso
das ocupações urbanas, Trindade traz para o centro da discussão a questão da
propriedade privada e os conflitos que enseja, girando o foco de atenção dos
espaços institucionais para as ruas. De modo mais amplo, a omissão quanto
a investigações dedicadas às práticas de ativismo, protesto e confronto já foi
apontada não como um problema circunscrito ao campo da participação, mas
da ciência política brasileira (Tavares & Oliveira, 2016).
Cabe aqui também mencionar os estudos sobre política, periferia, vio-
lência e crime organizado, pois, mesmo que não tenham estabelecido um diá-
logo direto com o campo de estudos da participação, foram importantes no
sentido de contestar alguns de seus fundamentos, em especial a ênfase sobre
a gramática dos direitos, como língua franca da resistência. O processo de

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inclusão pelo consumo e expansão de direitos sociais associado aos anos da
pós-transição e, especialmente aos governos do PT, coexistiram ao longo dos
anos 2000 com a perda da centralidade do trabalho e a expansão do crime or-
ganizado com uma lógica moral, de ordem e justiça próprias que organizaram
os territórios das periferias se imbricando, por vezes, em registro de concorrên-
cia e, por vezes, de complementaridade, com as ordens morais do Estado e das
igrejas evangélicas (Feltran, 2005, 2011; Telles, 2015). Enquanto o campo
de estudos da participação focava na ação de organizações civis e movimentos
sociais reivindicando a efetivação de direitos, a literatura debruçada sobre os
processos às margens escancarou um outro mundo em pleno funcionamento
e nos mesmos sítios em que a literatura do campo diagnosticava lutas pela
democratização. As interconexões entre mundos assim díspares restaram como
uma questão largamente inexplorada.
No campo da sociedade civil, a crítica mais contundente aos pressupostos
da área e, em termos mais gerais, das abordagens institucionais da democracia
tem sido feita pelas organizações de mulheres negras. Seu discurso interpela
não um ou outro pressuposto, mas a própria narrativa hegemônica no campo
acerca dos processos de construção da democracia brasileira, como exposta no
item anterior. As vozes dessas mulheres, que constituem a base da sociedade e
sofrem todo o tipo de violação de direitos, não apenas sobre seus corpos mas
sobre a própria possibilidade de manter em segurança seus filhos e entes que-
ridos no contexto da “guerra às drogas”, denunciam que, para certos grupos da
sociedade, o Estado sempre foi um Estado de exceção (Pinheiro, 1996) e que
a democracia para elas nunca passou de uma miragem. A questão do genocí-
dio da população negra, principalmente da juventude periférica, tornada uma
não questão ao longo dos governos petistas, por exemplo, evidencia como o
diagnóstico acerca da maior permeabilidade do Estado aos movimentos sociais
não enfrentou o problema de que, para amplas parcelas da população brasileira,
a questão política fundamental estava não em participar do Estado, mas em
garantir condições de existir, a partir da reivindicação dos direitos civis básicos
(Das & Poole, 2004; Figueiredo, 2018; Kilomba, 2019)

O futuro da agenda de pesquisa no campo de estudos da participação e dos


movimentos sociais

A partir das críticas sintetizadas na seção anterior, é possível perceber


que não foi apenas a eleição de um governo de extrema direita, após três dé-
cadas de avanços democráticos, que interpelou os pressupostos da área: sua

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revisão também se tornou pertinente porque escolhas na forma de enquadrar
as questões de pesquisa acabaram por obnubilar problemas e atores que se
mostram centrais para a compreensão da crise da democracia brasileira e suas
relações com as transformações do ativismo. Com base nesse diagnóstico, os
capítulos deste livro a um só tempo exprimem e estimulam a renovação das
agendas de pesquisa no campo, convidando os jovens pesquisadores a avan-
çar sobre diversas lacunas. A renovação das agendas é imprescindível em uma
conjuntura que é bastante diferente daquela que orientou a formulação dos
principais pressupostos de nosso campo.
A questão é como avançar a partir do reconhecimento das lacunas e
silenciamentos, preservando o conhecimento e desenvolvimento teórico acu-
mulados. O campo de estudos da participação no Brasil cresceu e consolidou-
-se como um campo interdisciplinar dinâmico e analiticamente inovador em
relação à literatura internacional. Ao mesmo tempo, trata-se de um campo de
investigação que tende a seguir os atores e os movimentos da conjuntura. Isso
traz um estímulo permanente à renovação e revisão da adequação dos quadros
analíticos, mas pode trazer prejuízos se essa orientação para o presente e o
futuro vier acompanhada de um movimento radical de pêndulo, que resulte
no abandono do conhecimento acumulado do campo em termos teóricos e
metodológicos.
Uma das principais características da nossa área é a abertura teórica a
recombinações e fertilização cruzada. Essa heterogeneidade e diversidade se
acentuaram ao longo do tempo, pelas razões apontadas nas páginas anterio-
res, mas isso não significa que não haja convergências; pelo contrário, como é
notável nos capítulos reunidos neste livro, o intenso diálogo estabelecido pelos
pesquisadores do campo em relações acadêmicas mantidas há pelos menos
duas décadas resultou na conformação de alguns registros comuns de análise
ou perspectivas convergentes que passaram a funcionar como parâmetros e
favorecem a divisão do trabalho científico no interior da área. Sobre a base des-
sas escolhas compartilhadas tem sido possível investir, de forma coletiva, para
que a saudada diversidade constitutiva do campo não resulte em rotas de pes-
quisas correndo em paralelo, ou numa babel conceitual que torne a iniciação
dos jovens pesquisadores uma tarefa ingrata. Assim, não se trata de interpor
constrangimentos à inovação, a partir da invocação de um modo de fazer, mas
de adotar uma perspectiva reflexiva que é capaz de apontar lacunas, e ao mes-
mo tempo reconhecer acúmulos e avanços que não deveriam ser desprezados
no afã da atualização necessária da agenda de pesquisa. Reconhecer e nomear
essas perspectivas em que há confluências parece importante como base para

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avançar na construção de agendas futuras; nesse sentido, destacamos a seguir
três registros comuns de análise evidentes nos capítulos do livro e que hoje
perpassam, em grande medida, as pesquisas produzidas pelo campo.

1) Perspectiva baseada nas práticas

Uma característica do nosso campo é a atenção especial não somente


aos atores, mas às formas de agir. Como notam Gurza Lavalle e Isunza (neste
volume), ao longo do tempo a literatura sobre participação deslocou seu olhar
cada vez mais para a ação concreta dos participantes. Inicialmente, a socieda-
de civil era vista principalmente como observadora e fiscalizadora do Estado.
Depois, o foco foi no processo deliberativo: a sociedade era fonte de propostas
e posições políticas. Com tempo, no entanto, os estudiosos repararam que os
participantes não apenas expressavam suas posições, mas também contribuíam
para a criação concreta de políticas públicas. A atenção foi cada vez mais para
como se dava esta ação e para identificar e compreender as práticas realizadas
tanto por movimentos sociais quanto por atores estatais no contexto da parti-
cipação institucionalizada.
Certamente, o debate sobre a agência humana nos processos sociais e
políticos não é especialmente novo ou limitado à nossa área. Referências teóri-
cas importantes como Giddens (1984) e Bourdieu (1977) exploraram a fundo
a relação entre estrutura e agência, afirmando que os indivíduos participam
ativamente na reprodução das estruturas sociais. Mesmo sem citar estes auto-
res diretamente, ou contribuições relevantes mais recentes como as de Archer
(1996), boa parte da ciência política é orientada de alguma maneira por estes
debates. É verdade que o institucionalismo da escolha racional tende a focar
na ação individual, deixando a origem e reprodução das instituições por fora
da análise. O institucionalismo histórico e boa parte da política comparada, no
entanto, focaram no “nível médio”, explorando a evolução das instituições ao
longo do tempo. É neste contexto que alguns teóricos exploram o papel dos
atores na transformação de instituições. Mahoney e Thelen (2010) propõem
uma tipologia de atores associados com diferentes processos de mudança. O
“institucionalismo ideacional” (Blyth, 2001; Hay, 2008; Schmidt, 2008) en-
fatiza que a reprodução institucional envolve processos ideacionais. E ideias
são ao mesmo tempo estruturas que nos orientam e construtos humanos.
Embora questões referentes ao papel do ator sejam constitutivas da li-
teratura mainstream da Ciência Política, pouco se discute o que exatamente os
atores fazem quando agem. A atenção tende a ser posta nas causas e efeitos da

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ação, nas condições oferecidas pelo entorno institucional e a capacidade ou não
dos atores de superar os obstáculos e mobilizar os recursos para concretização
dos seus interesses. Ou seja, busca-se estabelecer associações entre as condições
estruturais e os resultados da ação, sem analisar a fundo o que acontece nesse
ínterim.
A literatura de movimentos sociais, diferentemente, privilegia o olhar
para as práticas dos atores. Pergunta-se como movimentos sociais organizam,
mobilizam, recrutam membros e apoios, e como constroem e disseminam in-
terpretações e identidade. A literatura também se debruça sobre as “formas” da
ação coletiva. O conceito chave aqui é o “repertório de ação coletiva”, cunhado
por Tilly (1978) para referir as práticas culturalmente disponíveis em determi-
nado momento ou lugar para grupos que buscam se engajar na ação coletiva.
Ao pesquisar a história da ação contenciosa na Europa, Tilly identificou uma
transformação nas formas de atuação a partir do final do século 18. Surgiram
naquela época uma série de “rotinas” que hoje associamos com movimentos
sociais: a realização de marchas, a criação de associações, a circulação de abaixo
assinados etc.
Ao dar nome às formas de ação, Tilly propõe explicar a ação coletiva
não apenas a partir dos fatores que inspiram um grupo a se mobilizar, tais
como a formulação coletiva de reivindicações, a existência de capacidades or-
ganizativas, a avaliação política sobre as perspectivas de sucesso. O repertório
de ação coletiva descreve o tipo de prática que os movimentos sociais sabem
e consideram apropriado empregar quando decidem agir coletivamente. Esse
conhecimento existe com relativa independência das causas e objetivos que
mobilizam um movimento.
Uma consequência dessa independência é que formas de atuar aparen-
temente convencionais podem ser mobilizadas para fins confrontacionais; ou
seja, embora as práticas clássicas de confronto – protestos, ocupações, abaixo
assinados etc. – continuaram como objetos de estudo na nossa área, também
se investigou a fundo o potencial transformador de práticas que a literatura
associa com outros atores do sistema político. O primeiro movimento nesse
sentido foram os estudos sobre instituições participativas, em que cada vez
mais se percebeu que o papel da sociedade civil não era apenas comunicar de-
mandas ao estado, mas também ajudar na formulação de modelos alternativos
de política pública (Tatagiba & Teixeira, 2016) e até em ajudar o Estado a
implementar estes modelos (Abers & Keck, 2009). Com tempo, no entanto, a
literatura examinou uma diversidade de outras práticas comumente considera-
das “convencionais”: criar partidos e órgãos governamentais (Oliveira, 2021),

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reunir-se com tomadores de decisão, produzir informação técnica (Coelho &
Gurza Lavalle, 2018), participar de seminários técnicos, ocupar cargos go-
vernamentais e assessorias parlamentares, se envolver em campanhas eleitorais
etc. A literatura do campo sugere que esse tipo de prática não é somente asso-
ciado com a “institucionalização” de movimentos já em fase de desmobilização
como uma parte da literatura internacional pressupõe, mas que são atividades
cotidianas de muitos movimentos sociais, que fazem parte de agendas de con-
fronto e resistência.

2) Perspectiva relacional

O conjunto de capítulos que compõe o presente livro expressa outro


aprendizado central do campo de estudos da participação e dos movimentos
sociais ao longo de mais de quatro décadas de pesquisas empíricas e formula-
ções teóricas: a importância de uma perspectiva relacional no estudo dos pro-
cessos sociais e políticos. Tal perspectiva é tributária de uma longa linhagem
de cientistas sociais que conferiram às relações (de cooperação e conflito, de
dominação e contestação, de poder e de resistência) uma posição de precedên-
cia na análise da vida social: Karl Marx, Georg Simmel, Norbert Elias, Pierre
Bourdieu, Michel Foucault, Harrison White, entre outros. De acordo com essa
perspectiva, como sintetiza Emirbayer (1997, p. 287),

os próprios termos ou unidades envolvidos em uma transação derivam


seu significado, importância e identidade dos (mutáveis) papéis funcio-
nais que desempenham nessa transação. Essa última, vista como um
processo dinâmico e em desdobramento, torna-se a unidade primária de
análise e não os seus elementos constituintes.

A perspectiva relacional, então, parte do pressuposto analítico de que


fenômenos e processos sociais são conformados pelas ações simultâneas e recí-
procas de uma diversidade de atores inseridos em relações de interdependên-
cia. Tais atores constituem e ao mesmo tempo são constituídos por estruturas
relacionais que têm sido apreendidas na literatura a partir de diferentes con-
ceituações: redes, configurações, campos, coalizões, comunidades, subsistemas.
A primeira geração de pesquisas sobre movimentos sociais, na década
de 1980, tendeu a privilegiar a constituição e a atuação dos “novos personagens
em cena”. Em grande medida, essa literatura tomou determinadas característi-
cas ou expectativas, tais como a externalidade à política institucional e a atua-
ção confrontacional frente ao Estado autoritário, como elementos definidores

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da própria natureza dos movimentos. Em um contexto ainda marcado pelo
relativo fechamento institucional, tendiam a predominar modelos de análise
baseados em dicotomias que contrapunham de forma maniqueísta a sociedade
e o Estado, a política institucional e a política não institucional, a autonomia e
a interação, a participação e a representação, o conflito e a cooperação.
Tais dicotomias, no entanto, se tornaram pouco adequadas para apreen-
der teoricamente e analisar empiricamente o crescimento da participação das
organizações e ativistas de movimentos sociais em espaços e processos polí-
ticos institucionais ao longo do processo de redemocratização. Em especial,
se mostraram insuficientes para abordar a expressiva ampliação das institui-
ções participativas na década de 1990 e o intenso envolvimento de atores
movimentalistas na implementação de políticas públicas na década de 2000.
Desenvolveram-se então abordagens e conceitos que buscavam expressar
teoricamente as interdependências e os processos de mútua constituição que
conformavam atores, instituições e políticas públicas. Tal movimento teórico
ampliou os focos de análise para os diversos encaixes através dos quais atores
societários e estatais se relacionam nos distintos regimes, domínios de agên-
cia, redes e subsistemas de políticas públicas. O resultado desse processo foi
uma significativa ampliação e qualificação dos modelos de análise e das in-
terpretações das complexas e dinâmicas relações estabelecidas entre atores e
arenas estatais e societárias. Atores e arenas deixaram, assim, de ser abordados
como possuidores de uma natureza fixa e imutável; ao contrário, passaram a
ser analisados como elementos que se transformam continuamente a partir de
mudanças nas suas inserções em estruturas relacionais.
No entanto, o privilégio analítico conferido às relações entre atores so-
ciais e estatais (em parte decorrente de influências teóricas como o institucio-
nalismo de Theda Skocpol e a teoria do confronto político de Charles Tilly,
Doug McAdam e Sidney Tarrow) limitou a capacidade de apreensão e análise
de outras dinâmicas relacionais também imprescindíveis para a compreensão
da conflitualidade contemporânea e seus atores. Transcendendo tais limites, na
última década desenvolveram-se novos focos temáticos que trazem para o cen-
tro das pesquisas empíricas e das teorizações do campo da participação e dos
movimentos sociais atores e arenas até então relativamente secundarizados na
literatura. Esse movimento de ampliação e complexificação da trama relacional
que configura os processos políticos se expressa na atenção aos atores político-
-religiosos, aos coletivos e às diversas conformações dos ativismos contempo-
râneos (de direita, científico, digital) abordados ao longo dos capítulos do livro.

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3) Perspectiva ecológica

A importância de adotar uma perspectiva ecológica é uma contribuição


comum de diversos capítulos do livro, com implicações analíticas relevantes.
Abordagens ecológicas ganharam, na literatura internacional, notável desen-
volvimento e sofisticação metodológica no campo da sociologia organizacio-
nal, mas também foram incorporadas à análise da relação entre sociedade civil
e democracia e à composição da sociedade civil em diversos contextos. No país,
pela sua relação de origem com a compreensão dos protestos e da mobiliza-
ção social, bem como da atuação da sociedade civil e de diversos ativismos, o
campo de estudos da participação tem sido marcado por privilegiar teórica e
metodologicamente formas de ação e atores coletivos. Foi seguindo as práti-
cas e estratégias dos atores, por exemplo, que o campo passou a pesquisar as
instituições participativas. Certamente, a opção por seguir os atores traz con-
sigo vantagens analíticas que tem contribuído para o dinamismo desse campo,
mas pode acarretar perdas cognitivas quando o foco no ator desconsidera sua
posição em ecologias de atores e ecossistemas de ação que definem diversos
campos de ação social e institucional além do campo em que se inserem prin-
cipalmente os atores e as práticas sob análise.
Não é apenas que esse foco analítico privilegia certos atores, amiúde às
custas de excluir outros, que “de repente”, quando irrompem na esfera pública
ou nos âmbitos de ação dos atores tradicionalmente estudados, emergem como
“novidades”. É claro que a nova direita e os novos ativismos de direita e ato-
res conservadores não são espontâneos: antes, respondem a processos que, em
boa medida, ficaram fora de nossas lentes. Uma perspectiva ecológica obriga a
situar os atores em âmbitos de ação maiores e mais alargados temporalmente,
mas não só: implica também simetrizar os atores presentes nesses âmbitos
como animados por lógicas comuns, mesmo quando são concorrentes ou ad-
versários em tais âmbitos. No que tange ao âmbito de análise alargado e à di-
mensão temporal, implica reconhecer que os atores estão sempre em interação
com atores oposicionistas, inseridos em conflitos diversos – incluindo aqueles
produzidos no interior de sua comunidade política – e que a participação é
constantemente disputada. Isso permite uma leitura ampliada da crise política
não circunscrita a um evento histórico e atenta às dinâmicas concomitantes de
institucionalização e desinstitucionalização, mesmo em governos considerados
aliados dos movimentos progressistas. Por sua vez, simetrizar o tratamento dos
atores evita binarismos confortáveis. O ativismo digital de direita e o ativismo
digital de esquerda, por exemplo, são ambos expressão de um ecossistema de

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ação política (online) regido por lógicas comuns; as ações da igreja católica e
das igrejas evangélicas na esfera pública e no processo legislativo são, em ambos
os casos, atuação política de atores religiosos. Certamente há especificidades,
e diagnosticá-las é tarefa da pesquisa; para tanto, porém, pouco ajuda assumir
que o ativismo de direita é intrinsecamente distinto por ser de direita, ou que
a presença de igrejas evangélicas e seus agentes na política e nas políticas, por
definição, vulnera a laicidade, mas que não seja assim no caso da igreja católica
e seus agentes, cuja incidência nesses âmbitos é anterior e foi historicamente,
em termos do campo dos atores religiosos, predominante.
Sobretudo, a adoção de uma perspectiva ecológica obriga a dar centra-
lidade analítica à premissa de que atores e suas formas de ação orientam suas
ações sempre em relação a outros atores, que nem sempre são compreendidos
ou sequer captados por nossas lentes. Assim, a compreensão das estratégias
e escolhas dos atores observados resta comprometida pela desconsideração
dos efeitos das escolhas e estratégias de atores não contemplados. Pela sua
notabilidade pública, isso é intuitivamente mais claro no caso dos movimen-
tos e contramovimentos, embora não por isso os segundos recebam a atenção
devida; entretanto, opera igualmente em relações menos óbvias entre atores
inscritos nos mesmos campos ou até em campos diferentes. A categoria “cole-
tivos” se fortaleceu na gramática ativista como uma alternativa para produzir
diferenciação em relação a outros atores coletivos. Assim, em vez de assumir
ingenuamente a ênfase autonomista dos coletivos como um traço distintivo de
sua atuação avessa à política institucional, é preciso entendê-la como parte de
uma gramática que visa significar distanciamento em relação a outros atores
do mesmo campo. Em sentido semelhante, a invocação da participação como
uma categoria nativa para nomear uma prática responde menos às proprieda-
des objetivas dessa prática e mais aos efeitos visados pelos atores que a invocam
em face de outros atores. De fato, sem levar em consideração as implicações de
uma perspectiva ecológica, é difícil responder de modo satisfatório a questões
hoje fundamentais para o campo de estudos da participação como aquelas elu-
cidadas ao longo dos capítulos deste livro.

As partes e aportes do livro

O livro está organizado em três partes. A primeira, “A desdemocrati-


zação e seus impactos sobre a participação institucional” tem como objetivo
demonstrar que embora a extrema direita tenha travado uma verdadeira cru-
zada contra o ativismo e as instituições participativas no Brasil, os resultados

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que alcançou foram distintos e que importa, tanto em termos analíticos quan-
to políticos, compreender as razões dessa variação. Os dois primeiros capí-
tulos, “Conselhos de Políticas Públicas no governo Bolsonaro:  impactos do
Decreto 9.759/2019 sobre a participação da sociedade civil”, de Carla Bezerra,
Maira Rodrigues e Wagner Romão, e “Mudanças recentes nos papéis das
Instituições Participativas nas Políticas Públicas”, escrito por Carla Martelli,
Carla Almeida e Rony Coelho, evidenciam que os impactos da desdemocrati-
zação sobre as instituições participativas variaram a depender de um conjunto
de fatores, notadamente a trajetória do setor de política pública, o grau de
institucionalização das IPs, a capacidade de resistência das comunidades de
políticas e o lugar dessas IPs nas estratégias de tais comunidades. Apoiados
sob sólido trabalho empírico, as autoras e autores mostram que as ações de
desinstitucionalização, em alguns casos, foram parcialmente bloqueadas pelos
movimentos de resistência institucional, e que, não raro, os sentidos das IPs
foram se transformando no curso do desmonte.
O capítulo seguinte, intitulado “Limites da institucionalização e da per-
meabilidade do Estado aos movimentos urbanos e rurais: reflexões a partir
do contexto recente”, escrito por Camila Penna Castro, Lizandra Serafim e
Thiago Aparecido Trindade, foca nos subsistemas de políticas públicas ligados
à reforma agrária e à reforma urbana, e coloca em discussão os cortes temporais
adotados quando falamos em desdemocratização. Argumentam com base em
evidências persuasivas que as assimetrias de poder existentes nesses subsistemas
– contemplando todos os atores relevantes, especialmente os oposicionistas – e
o tipo de conflito em que os atores se inserem – a disputa pela apropriação e
redistribuição da terra – são elementos centrais para a compreensão da consti-
tuição, durabilidade e desmantelamento de políticas e encaixes institucionais.
A seção finaliza com o capítulo de Leonardo Avritzer, Eduardo Silva, Priscila
Zanandrez e Priscila Carvalho, “Participação em tempos de desdemocratiza-
ção: notas para um modelo de análise”, que nos convida a olhar a interação
entre participação e o sistema político a partir de uma perspectiva temporal
alongada que considere os ciclos de democratização e desdemocratização. Para
os autores, o Decreto n.º 8.243/2014, da Política Nacional de Participação
Social, instaura um novo ciclo de desdemocratização que tem efeitos deletérios
para a interação entre Estado e sociedade. O ciclo é marcado por uma mudan-
ça de rota no legislativo, que torna a participação uma questão diretamente
contenciosa no Congresso Nacional, bem como por uma mudança no papel do
poder Judiciário, que passou a oferecer resguardo institucional à participação.

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A segunda parte, “Novos personagens, novas cenas”, busca captar a re-
novação do ativismo na última década, seus impactos político-institucionais e
a relação com os processos de democratização e desdemocratização em curso,
lançando luz sobre os novos sujeitos da participação e do ativismo, situados
à direita e à esquerda do espectro político, online e offline, e que passaram a
adquirir centralidade na cena pública brasileira, principalmente no pós-2013.
No capítulo 5, “Movimentos sociais e representação eleitoral: o fenômeno das
candidaturas e dos mandatos coletivos”, Debora Rezende de Almeida e Lígia
Lüchmann apresentam a novidade das candidaturas e mandatos coletivos
como um repertório e uma tática eleitoral dos movimentos sociais que pode ter
reverberações na crise da representação no que diz respeito não apenas à dis-
tância entre representantes e representados, mas tanto ao problema da exclusão
de minorias e grupos marginalizados do sistema político quanto à insuficiência
das instituições de intermediação do circuito eleitoral, especialmente partidos,
para dar conta da relação entre sociedade e Estado. O capítulo oferece orienta-
ções para uma agenda de pesquisa futura interessada em conectar as literaturas
de movimentos sociais, partidos políticos e representação. No capítulo 6, “Em
nome de Deus: os ativismos evangélicos progressistas no Brasil contemporâ-
neo”, Rebecca Abers, Luciana Tatagiba e Marcelo K. Silva recuperam o tema
das relações entre religião e política como um elemento estruturante para a
agenda contemporânea de pesquisa sobre ativismos e movimento sociais, a
partir de uma análise que busca compreender o repertório de ação dos evan-
gélicos progressistas em um contexto de crescentes ameaças postas para eles
pela associação entre a ascensão da extrema direita e os evangélicos – ameaças
que reconfiguram, simultaneamente, o campo religioso e o campo político. O
capítulo seguinte, “Balbúrdia? Sobre anti-intelectualismo e ativismo científico
no Brasil contemporâneo”, escrito por José Szwako e Rafael Souza, discute
o cenário do anti-intelectualismo corrente no Brasil e o “ativismo científico”
que emerge como resposta a ele. Com base em uma reconstrução narrativa
dos confrontos travados contra a universidade, as ciências e a educação pú-
blica por Jair Messias Bolsonaro desde sua campanha eleitoral em 2018 até
fins de 2020, o texto mostra que o anti-intelectualismo pode ser entendido
duplamente como recurso político manuseado pelo atual presidente e como
parte de um projeto neoliberalizante mais amplo; propõe, ainda, uma agenda
de pesquisa centrada em ambos, nos confrontos ao redor da ciência e contra
universidades e intelectuais, e nas formas públicas de mobilização de cientistas.
Os dois capítulos que encerram essa parte têm como objeto o ativismo
das novas direitas, um fenômeno do qual o campo de estudos da participação

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precisa se apropriar mais. Abrindo o debate, em “Repertórios e estratégias do
ativismo digital de direita”, Viktor Chagas e Michele Goulart Massuchin dis-
cutem como os novos ativismos de direita incorporam em suas ações o ativis-
mo digital e quais são as estratégias comuns tendo-se em conta uma perspecti-
va transnacional sobre o fenômeno. Na sequência, o capítulo “Despublicização
nas políticas educacionais: o projeto político do movimento Escola sem Partido
em Belo Horizonte”, de Cláudia Feres Faria e Marcos Paulo Resende, traz im-
portante contribuição para avançar os estudos sobre a relação dos movimentos
sociais e legislativo, atentando para a atuação de agentes conservadores – es-
pecificamente o Movimento Escola sem Partido – no legislativo municipal de
Belo Horizonte. O capítulo introduz o conceito de “despublicização”, entendi-
do a partir de duas faces: as propostas de retração do Estado na política de edu-
cação e, também, de negação do espaço público como âmbito de politização de
temas e direitos. O autor e a autora mostram, ainda, que o ESP encontra resis-
tência de atores progressistas e organizados, desafiando novamente uma leitura
desse processo, e da desdemocratização em termos mais gerais, simplesmente
como uma sequência de perdas ou como desmonte da participação.
A terceira e última parte tem como objetivo refletir sobre as formas pe-
las quais as profundas transformações da conjuntura têm desafiado os concei-
tos de participação e ativismo, convocando não apenas à formulação de novas
questões, mas também a olhar de forma diferente questões constitutivas do
campo a partir de um exercício reflexivo sobre as nossas categorias e seus usos
e sobre a forma como o conhecimento tem sido produzido e difundido. Como
resta claro ao longo dos capítulos, esse exame reflexivo é particularmente opor-
tuno em um momento no qual a ascensão da extrema direita na vida pública
do país interpela em mais de um sentido a trajetória do campo, suas inflexões
teóricas e conceitos básicos.
A seção começa com “O que quer dizer participação aqui e hoje?... E
outrora e alhures”, de Adrian Gurza Lavalle e Ernesto Isunza-Vera. Nesse
capítulo, os autores enfrentam o desafio de conectar reflexivamente os usos
da participação como categoria da prática política e como categoria teórica,
examinando as tensões e conexões internas entre ambas. Mediante o exame
da estrutura básica da participação como categoria prática, os autores mos-
tram como são produzidos os sentidos políticos da participação e como es-
tes simultaneamente escapam a e são transcendidos por avanços teóricos que
configuram as principais inflexões do campo. No mesmo diapasão, Matheus
Mazzilli Pereira e Jonas Medeiros, em “Os coletivos sob um olhar culturalista:
deslocamentos analíticos”, reenquadram o debate sobre os coletivos ativistas,

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uma forma de ação coletiva saudada como uma inovação pelo menos des-
de o ciclo de protestos de junho de 2013. Indo de encontro ao diagnóstico
de total novidade, os autores se perguntam: por que a categoria “coletivos” se
fortalece na gramática ativista como uma alternativa a outras que nomeiam
formas de organização política tidas como distintas (tais como “movimentos
sociais”), mesmo diante de eventuais semelhanças em suas práticas? Os autores
inquirem as motivações e os efeitos que a invocação de “coletivos” na prática
dos atores exerce sobre a estruturação do confronto político e propõem uma
definição de coletivos, com importantes implicações sobre a formulação das
agendas de pesquisa.
O capítulo seguinte, “O Conceito de Ativismo Digital: uma agenda
para além das fronteiras”, de Marisa von Bülow, Danniel Gobbi e Tayrine
Dias, contribui para iluminar as práticas ativistas digitais que se tornaram cen-
trais nos últimos anos, mas que foram analisadas ainda de maneira tímida no
campo de estudos da participação. Propõe-se uma definição para o ativismo
digital como um conjunto de práticas caracterizadas pela promoção pública
de causas contenciosas e questiona compreensões dicotômicas dessas práti-
cas que ora presumem que atores estatais se comportam de uma maneira na
internet, enquanto a sociedade civil age diferentemente, ora assumem a sepa-
ração entre práticas virtuais e presenciais. Na análise do ativismo em torno do
impeachment de Dilma Rousseff, o texto encontra atores agindo de maneira
híbrida (online e offline) e através da fronteira entre estado e sociedade. Já em
“Crise epistêmica e democracia:  amadores e especialistas”, Ricardo Fabrino
Mendonça e Cristiane Brum Bernardes lançam luz sobre os efeitos ambí-
guos – não intencionais – de alguns processos associados com a ampliação
da democracia e do debate público que podem nos ajudar a compreender as
condições simbólicas favoráveis em que emergem fenômenos hoje associados
com a desdemocratização. Para os autores, os debates sobre participação, iden-
tidades, e saber e poder, bem como as transformações na forma como nos
comunicamos, também contribuíram, paradoxalmente, para colocar a política,
a ciência e o jornalismo em xeque. Nesse sentido, iluminam uma questão cada
vez mais central para compreender processos de democratização e desdemo-
cratização, a saber, a crescente desinformação acrescida à deslegitimação do
saber autorizado.
O capítulo 14, intitulado “Ciência e sociedade: as potencialidades da
pesquisa participativa”, de Maria do Carmo Albuquerque, Fernando Peres
Rodrigues e Tânia Maria Silveira, analisa as potencialidades que uma pers-
pectiva participativa agrega à pesquisa científica a partir da implementação

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de uma intervenção participativa, denominada “ComRioComMar Opinião
Popular”, voltada ao diagnóstico de problemas e soluções para a recuperação
da Bacia do Rio Doce no Espírito Santo. Reafirma-se, dessa forma, a busca
pela integração da sociedade ao processo de produção científica, um propósito
que tem mobilizado pesquisadores, especialmente na América Latina, cujas
abordagens teóricas evidenciaram a importância da participação dos atores so-
ciais na construção do conhecimento. As autoras revelam os ganhos sociais e
analíticos que decorrem da integração reflexiva de metodologias acadêmicas e
participativas. Por fim, o capítulo 15, “Políticas públicas e movimentos sociais:
institucionalização de demandas e consequências nas capacidades estatais”,
autorado por Monika Dowbor, Euzeneia Carlos, Kellen Gutierres e Luciana
Andressa M. de Souza, examina o processo de institucionalização das deman-
das de movimentos e atores sociais na formulação e aprovação de políticas
inclusivas nas áreas de saúde, assistência social e direitos humanos. O capítulo
identifica os fatores relevantes para a implementação dessas políticas e mos-
tra que as políticas públicas examinadas não seriam as mesmas – ou sequer
existiriam – se não fosse a atuação sistemática de movimentos sociais que não
apenas as reivindicaram, mas as construíram técnica, relacional e administrati-
vamente, atuando ou colaborando diretamente na burocracia do Estado.

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PARTE 1:
A desdemocratização e seus impactos sobre a
participação institucional

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1. Conselhos de Políticas Públicas no governo Bolsonaro: 
impactos do Decreto 9.759/2019 sobre a participação da
sociedade civil

Carla de Paiva Bezerra


Maira Rodrigues
Wagner de Melo Romão

Introdução

Logo após a divulgação do resultado do primeiro turno das eleições


presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro declarou: “vamos botar um ponto final
em todos os ativismos do Brasil”1. Como muitas das promessas e anúncios
de Bolsonaro, essa declaração foi entendida como mera retórica. Porém, após
eleito o presidente tomou inúmeras medidas que buscam consubstanciar aque-
la intenção declarada. A partir do primeiro dia de governo, foram editadas
medidas provisórias, decretos, leis e portarias do Governo que criminalizam
e cortam fontes de financiamento de ONGs e sindicatos, ou ainda esvaziam
e desmontam diversas instituições voltadas para a interlocução com organiza-
ções da sociedade civil, com especial destaque para o papel de órgãos colegia-
dos, como os conselhos de políticas públicas.
O presente capítulo tem por objetivo realizar uma análise conjuntu-
ral das ações do governo Bolsonaro a respeito dos Conselhos Nacionais de
Políticas Públicas, com foco nos impactos do Decreto 9759/2019 e demais
medidas decorrentes, no conjunto de órgãos colegiados existentes na adminis-
tração pública federal com participação de representantes da sociedade civil. O
trabalho apoia-se em extensivo levantamento de dados sobre órgãos colegiados
com participação social e análise de medidas legais (leis, decretos, portarias)
editadas em 2019 e 2020 que incidem sobre a recomposição dos mesmos; isto
é, ele apresenta as alterações observadas ao longo desses dois anos, cabendo,
porém, ressalvar que se trata de processo dinâmico e ainda em andamento,

1  Vídeo divulgado após o resultado eleitoral confirmando o segundo turno em 07 de outubro


de 2018. Disponível em: <https://videos.band.uol.com.br/16553044/bolsonaro-vamos-botar-
-ponto-final-em-todos-ativismos-do-brasil.html>.

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sendo possível que haja alterações posteriores ao período observado, passíveis
de atualização.
Na primeira parte, o capítulo apresenta uma síntese da evolução dos
Conselhos Nacionais desde o período de redemocratização e a Constituição
de 1988 até a edição do Decreto 9.759/2019. Na segunda parte, são descritas
medidas tomadas pelo atual governo para desinstitucionalizar a participação
social que culminaram no decreto citado. Na terceira parte, se apresentam as
resistências às mudanças ocorridas a partir do Decreto, no âmbito do legis-
lativo, do judiciário e da sociedade civil. Na quarta parte, apresentamos uma
análise de como os Conselhos passaram a funcionar após as ações de desins-
titucionalização pelo Governo. Seguem-se as considerações finais, com alguns
apontamentos das consequências desse processo e possíveis agendas de pesqui-
sas a serem desenvolvidas sobre essa temática.

Da Constituição de 1988 a 2018: ampliação e consolidação da participação

Em meio ao processo de redemocratização brasileira, ao longo dos anos


1980, observou-se um processo crescente de ampliação de formas de parti-
cipação de organizações da sociedade civil na elaboração, gestão e fiscaliza-
ção de políticas públicas. O direito à participação social foi consagrado como
princípio na Constituição de 1988 e, nos anos 1990, a partir da regulação dos
direitos sociais constitucionais, a disseminação de instituições participativas
(IPs) – termo cunhado por Avritzer (2008) e hoje largamente utilizado pelos
estudos sobre participação – se intensificou e ganhou formatos diversos em
municípios, estados e no âmbito nacional.
Os chamados conselhos gestores ou conselhos de políticas públicas es-
tão entre as IPs mais conhecidas e disseminadas. Em políticas como saúde ou
assistência social a existência de conselhos é exigida legalmente como um dos
condicionantes para o repasse de recursos para os municípios, o que faz com
que os conselhos destas políticas existam em mais de 98% dos mais de 5.570
municípios brasileiros (Gurza Lavalle & Barone, 2015).
Mesmo entre políticas públicas cuja regulação é menos indutiva ou na-
quelas em que praticamente inexistem incentivos institucionais para a parti-
cipação da sociedade civil, a presença de conselhos é significativa. A “Pesquisa
sobre Perfil dos Municípios Brasileiros” (MUNIC IBGE) permite levantar
informações sobre a disseminação de 43 áreas de políticas públicas que contam

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com conselhos municipais no período 1999-20182. Mais recente e, portan-
to, de menor abrangência temporal e temática, a “Pesquisa sobre Perfil dos
Estados Brasileiros” (ESTADIC, 2014 e 2017 – IBGE, 2020) também indica
que tal realidade se repete no âmbito estadual.
Nacionalmente, as políticas públicas que contam com conselhos nacio-
nais restringiam-se às grandes áreas de políticas sociais como saúde, educação,
assistência social, meio ambiente e proteção da criança e adolescente até mea-
dos dos anos 1990. A maior diversificação ocorre a partir do Governo FHC e
atinge seu ápice no Governo Lula, com a criação de dezenas de conselhos na-
cionais, como o Conselho das Cidades, da Juventude, de Segurança Alimentar,
de Transparência Pública e Combate à Corrupção, e a reformulação de tantos
outros. Até 2018, quando Bolsonaro foi eleito, levantou-se que pelo menos
88 Conselhos Nacionais de Políticas Públicas (ou órgãos colegiados simila-
res) haviam sido criados, cada um atuando em uma política pública específica
(Bezerra, 2020). Assim, o que se observa desde a reabertura democrática é
que mesmo governos com orientações políticas bastante distintas, como PSDB
e PT, possuíam ambos um compromisso com a manutenção e ampliação dos
Conselhos Nacionais, como espaços em que a sociedade civil estava institucio-
nalmente legitimada para elaborar e monitorar diferentes áreas de atuação do
Estado (Bezerra, 2020).
A Figura 1 mostra o aumento do número de conselhos criados em cada
gestão, corroborando as informações levantadas nos estudos citados anterior-
mente, mas também apresenta a média anual, de modo a padronizar a infor-
mação mesmo entre gestões com durações distintas.

2  Conforme sistematização realizada dentro do subprojeto de “Conselhos, Regimes e


Capacidades Estatais”, coordenada pelo Professor Adrian Gurza Lavalle, dentro do Centro de
Estudos da Metrópole (CEPID/FAPESP).

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Figura 1. Criação de Conselhos Nacionais de Políticas Públicas por
presidente

Fonte: Bezerra (2020).

Mesmo com variações observadas em cada gestão, se destaca que a cria-


ção de Conselhos Nacionais de Políticas Públicas foi uma ação consistente ao
longo dos anos pós-redemocratização, independente do espectro ideológico
do presidente. E mesmo considerando a queda dessa tendência com Temer,
ela não se compara à ruptura ocorrida no governo Bolsonaro. Não se tratou
apenas de estancar a criação de novos conselhos, mas de extinguir conselhos
já institucionalizados ou de descaracterizar quase que completamente funções
e composições originais de conselhos criados à luz da própria Constituição de
1988 e de tratados internacionais, como veremos a seguir.

Bolsonaro e a lógica da desinstitucionalização

A partir da eleição do presidente Jair Messias Bolsonaro, há uma in-


flexão forte na valorização da atuação democrática da sociedade civil junto ao
Estado. Já em seu discurso de campanha, Bolsonaro apresentou seu projeto
político antagônico a qualquer bandeira que pudesse ser associada a agendas
identitárias, a setores da esquerda ou ao Partido dos Trabalhadores, colocan-
do-se contrário a “todos os ativismos”, conforme mencionado anteriormente.

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Tal agenda buscava agregar os setores sociais e econômicos insatisfeitos com
o PT sem que isso representasse necessariamente uma agenda coerente em si.
Assim, promessa considerada mera retórica por alguns, Bolsonaro co-
meçou a colocar em prática seu discurso já no seu primeiro dia de governo. A
Medida Provisória 870/2019, posteriormente convertida na Lei 13.844/2019,
define a estrutura ministerial do novo governo e apresenta um importante
indicativo de sua agenda política: há a redução de ministérios, com a extinção
ou enfraquecimento de praticamente todas as pastas mais fortemente rela-
cionadas com agendas sociais. Parte dessas mudanças já havia sido iniciada
na reforma administrativa realizada em 2015 pelo Governo Dilma, na busca
de acomodar o PMDB, e também ao longo da gestão Temer (Tanscheit &
Pogrebinschi, 2017), mas elas são consolidadas como agenda de governo na
gestão de Bolsonaro. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea)
e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ambos cria-
dos em 2003 pelo Presidente Lula como parte da estrutura da Presidência da
República, deixam de ter previsão legal, embora seus decretos permaneçam
vigentes em um primeiro momento.
Em seguida, houve a edição do Decreto 9.759, em 11 de abril de 2019.
Nele, havia a previsão aberta de revogação de todos os conselhos que não fos-
sem previstos em lei; isto é, conselhos previstos em decretos ou portarias de-
veriam ser enviados à Casa Civil com justificativa para sua permanência até 28
de junho daquele ano, caso contrário, estariam revogados. Tal situação gerou
uma enorme insegurança jurídica e reações judiciais e legislativas diversas. Isso
fez com que o governo fosse aos poucos ajustando a sua estratégia e recuando
em alguns pontos.
A medida foi justificada por Bolsonaro em um tuíte3 como uma “gigan-
tesca economia, desburocratização e redução do poder das entidades aparelha-
das politicamente”. Enquanto os dois primeiros itens focam em uma gestão
supostamente mais eficiente e econômica, o terceiro item deixa claro o seu ca-
ráter de disputa de poder, em que ele deslegitima a sociedade civil – os setores
que não compõem sua base política e social – em sua atuação democrática de
fiscalização do setor público.
Para além da disputa retórica, as ações contra os conselhos de políticas
públicas têm um efeito prático duplo: de enfraquecimento daqueles que são
considerados seus adversários políticos no âmbito da sociedade civil e de des-
regulamentação das políticas públicas constituídas.

3  O tuíte pode ser acessado em: <https://twitter.com/jairbolsonaro/status/11174412940480


71682>.

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O balanço, após dois anos de vigência do decreto, é de que dentre os 21
conselhos analisados, selecionados a partir de relatório do CNDH, apenas um
foi formalmente extinto, uma parte tornou-se inativa, à espera de uma redefi-
nição de sua composição, e a maioria sofreu grandes alterações no seu funcio-
namento e composição, a ponto de haver uma descaracterização das funções, o
que impossibilita uma real incidência da sociedade civil sobre a política públi-
ca, como veremos nas seções seguintes.

Reações e resistências ao “Revogaço”

As reações ao Decreto 9.759 ocorreram principalmente a partir das


organizações e da sociedade civil atuantes nas centenas de conselhos nacio-
nais e estaduais e nos milhares de conselhos municipais existentes hoje no
Brasil, bem como dos partidos de oposição ao governo. Os repertórios de ação
(Abers, Serafim & Tatagiba, 2014) para se opor à medida governamental
podem ser agrupados em três âmbitos: em mobilizações da sociedade civil, no
Legislativo e no Judiciário.
No âmbito da sociedade civil, diversos Conselhos Nacionais e organiza-
ções aprovaram moções e notas de repúdio ao Decreto, promoveram audiên-
cias públicas e buscaram realizar ações na mídia que dessem evidência à pauta.
As relações já existentes entre diferentes conselhos nacionais se fortaleceram,
sendo que o Conselho Nacional de Direitos Humanos, a partir de seu status
protegido por tratados internacionais, teve um papel de destaque em ações que
pudessem garantir o funcionamento regular de diversos conselhos com menor
grau de institucionalização. Houve ainda uma campanha na internet impul-
sionada por uma rede de pesquisadores (Rede Democracia e Participação),
chamada “O Brasil precisa de Conselho”. Publicizada pelo Facebook e pelo
Instagram, tornou-se um espaço de divulgação de artigos, manifestações de
entidades e veiculação de vídeos contrários ao “Revogaço”, como ficou conhe-
cido o Decreto 9759. Diversas personalidades, lideranças populares, parlamen-
tares e acadêmicos foram entrevistados ou enviaram vídeos que foram publi-
cados nas redes4.
No âmbito do Legislativo, foram apresentados diversos projetos de de-
creto legislativo (PDLs) que tinham por objeto sustar os efeitos do Decreto
Presidencial. Partidos políticos de centro-esquerda e esquerda atuaram em

4  O primeiro vídeo da campanha foi veiculado já no dia 16 de abril, com alcance estimado
de 46 mil pessoas, com 1.776 pessoas com envolvimento efetivo na publicação. Disponível em:
<https://www.facebook.com/democraciaparticipacao>.

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uma espécie de frente parlamentar, composta por lideranças partidárias do
PSB, PDT, PCdoB, PT, PSOL, REDE e até do PV. De outro lado, o apoio ao
“Revogaço” se deu mais fortemente no então partido bolsonarista, o PSL. Os
diversos PDLs foram apensados em um único projeto com tramitação relati-
vamente rápida nas comissões, até chegar à Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ), onde até o presente aguarda parecer do seu relator, Dep. Luiz Philippe
de Orleans e Bragança (PSL-SP)5. De fato, é incomum que esse tipo de pro-
jeto feito por bancadas da oposição contra decretos do governo prospere. Eles
têm muito mais um papel de instrumento de visibilidade e pressão de uma
determinada pauta.
Foi no âmbito judicial, porém, que as reações ao Decreto do “Revogaço”
obtiveram o maior êxito em se contrapor ao Executivo e limitar o escopo
do Decreto presidencial. Dentre diversas ações apresentadas6, o Partido dos
Trabalhadores impetrou, junto ao Supremo Tribunal Federal, uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6121) com pedido liminar, uma vez que
o Decreto produziria efeitos em 28 de junho de 2019. Isso possibilitou que a
ação fosse julgada rapidamente, ainda em 12 de junho do mesmo ano. Apesar
de se tratar de decisão apenas do pedido liminar, o julgamento foi feito em
plenário sob relatoria do ministro Marco Aurélio de Mello, abordando pontos
substantivos da ação. Foi a primeira vez que o tema do direito à participação e
da democracia participativa foi levado à Corte Constitucional, que unanime-
mente afirmou que se trata de direito previsto e protegido constitucionalmente.

5  Diversos PDLs foram propostos e posteriormente apensados ao PDL 113/2019, proposto


pela Bancada do PT, que susta, nos termos do art. 49, V, da Constituição Federal, o Decreto n.
9.759/2019. Os PDLs foram propostos pelos seguintes parlamentares: Dep. Helder Salomão
(PT-SP, PDL 115/2019), Dep. Jandira Feghali (PCdoB-RJ, PDL 118/2019), Dep. João
Daniel (PT-SE PDL 119/2019), Dep. André Figueiredo (PDT-CE, PDL 120/2019), Dep.
Ivan Valente (PSOL-SP, PDL 121/2019), Dep. Patrus Ananias (PT-MG, PDL 125/2019),
Dep. Nilto Tatto (PT-SP, PDL 131/2019), Dep. José Guimarães (PT-CE, PDL 132/2019),
Dep. Alessandro Molon (PSB-RJ, PDL 135/2019), Dep. Luiz Flávio Gomes (PSB-SP, PDL
136/2019), Dep. Joenia Wapichana (REDE-RR, PDL 138/2019), Dep. Leandre (PV-PR, PDL
139/2019). Em 12 de agosto do mesmo ano o Dep. Túlio Gadelha (PDT-PE) apresentou pa-
recer favorável à aprovação do PDL, na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço
Público. O parecer foi aprovado nessa Comissão na sessão de 28 de agosto.
6  Foram apresentadas também uma Ação Popular 1009725-49.2019.4.01.3400 proposta
pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que foi indeferida por questões formais sem jul-
gamento de mérito, e uma Ação Civil Pública (65) n.° 5008416-16.2019.4.03.6100 / 19ª Vara
Cível Federal de São Paulo, proposta pelo Intervozes, INESC e Fórum Nacional pelo Direito à
Comunicação, todas organizações da sociedade civil, que também foi extinta sem julgamento de
mérito em razão da decisão do STF na ADI 6121.

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O julgamento contou ainda com a manifestação de entidades da sociedade ci-
vil em defesa dos conselhos, na qualidade de Amicus Curiae7.
Apesar do consenso entre os 11 Ministros do Supremo na defesa da
proteção constitucional de conselhos e outras instituições de democracia parti-
cipativa, bem como na impossibilidade de o Chefe do Executivo extinguir por
decreto conselhos previstos em lei, a liminar foi apenas parcialmente provida.
Isso porque parte dos ministros entendeu que o Chefe do Executivo poderia
extinguir por decreto conselhos instituídos apenas por ato infralegal, isto é, re-
gulações que são hierarquicamente inferiores a leis, como é o caso de decretos
e portarias.
Diante dos inúmeros questionamentos legais e da ADI 6121, que per-
manece em curso – não houve ainda julgamento do mérito, somente da liminar
–, o governo editou posteriormente o Decreto 9.812/2019, que alterou alguns
pontos frágeis do anterior, ao mesmo tempo em que criou regras que limitavam
significativamente o funcionamento dos colegiados, com redução do número
de membros e das reuniões presenciais. Depois, foram ainda editados decretos
que extinguiam expressamente alguns colegiados, com base no Decreto 9.759,
sendo em sua maioria colegiados já sem atividade ou compostos apenas pelo
governo.
Finalmente, sem conseguir extinguir definitivamente quase nenhum
conselho, o governo passou a editar novas regulamentações caso a caso, no
sentido de reduzir, alterar sua composição ou inviabilizar suas reuniões. Dentre
os 21 casos de conselhos analisados, 13 deles tiveram nova regulamentação
editada por meio de decreto específico e/ou portaria8. Apenas um desses no-
vos decretos, o relativo ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA), Decreto 10.003/2019, foi também levado ao
Supremo, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 622, impetrada pelo Ministério Público Federal. Por esse motivo, o
CONANDA se tornou um caso paradigmático para a análise aqui realizada.
Essa ação teve sua decisão de mérito julgada em maio de 2021, na
qual a Corte firmou a tese de que: “É inconstitucional norma que, a pretex-
to de regulamentar, dificulta a participação da sociedade civil em conselhos

7  Manifestaram-se Carlos Nicodemos, pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos;


José Sousa de Lima, pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais; Gustavo Silva, pela Defensoria Pública da União; e o próprio vice-procurador geral
da República, Luciano Mariz Maria, defendeu a concessão da medida cautelar para suspender o
decreto. Apenas o advogado-geral da União, André Mendonça, foi favorável ao Decreto.
8  O Quadro 2 detalha as principais alterações geradas por esta nova regulamentação e o
Quadro 3 (anexo) apresenta a relação de novos decretos e/ou portarias.

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deliberativos”9. A ADPF 622 foi julgada parcialmente procedente, entendendo
como inconstitucionais diversas mudanças definidas no Decreto 10.003/2019,
que foram orientadas pelo Decreto 9.759 e reproduzidas em parte significativa
dos novos decretos, como a interrupção de mandatos em andamento, a redução
da frequência de reuniões, a obrigatoriedade da videoconferência para mem-
bros que residem fora do Distrito Federal, a eleição dos membros por meio de
edital e a escolha do Presidente do Conselho pelo Presidente do Executivo.
Entendeu-se assim que a redução de membros de forma não motivada fere os
princípios constitucionais da igualdade e da participação popular direta, res-
tabelecendo o mandato dos antigos conselheiros até o seu termo final e outras
garantias de autonomia da representação da sociedade civil.
Somente os artigos do decreto 10.003, que regulamenta o CONANDA,
foram julgados inconstitucionais, muito embora esse decreto siga diretrizes
que foram estabelecidas de forma genérica anteriormente pelo Decreto 9.759,
que permanece vigente na sua íntegra. Assim, o quadro atual ainda permite
vislumbrar uma continuidade de um litígio jurídico sobre a constitucionalida-
de ou não das novas regulamentações editadas para diversos conselhos, confor-
me veremos de forma detalhada na seção seguinte.

O funcionamento atual dos conselhos

Diante das diversas alterações legais e eventuais reveses jurídicos, qual o


quadro atual de funcionamento de órgãos colegiados governamentais que con-
tam com a participação da sociedade civil em sua composição? Diferentemente
do inicialmente pretendido pelo governo, a análise de vinte e um conselhos
revelou que não houve uma solução uniforme, tampouco uma extinção maciça
de conselhos e comissões. As alterações acabaram por ocorrer caso a caso e de
forma gradual, seja por meio da edição de decretos específicos que redefinem
o funcionamento de um dado colegiado, seja eventualmente por meio de re-
gulamentações infralegais, isto é, alterações no regimento interno e normas
administrativas.
Para realizar tal levantamento, nos baseamos preliminarmente nas in-
formações disponíveis em relatório expedido pelo Conselho Nacional de
Direitos Humanos (2019), a partir do “Relatório Colegiados e Participação
Social: Impactos do Decreto n.° 9.759/2019”10. Tal relatório foi elaborado

9  Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5774611>.


10  Consideramos como universo da nossa análise todos os conselhos e comissões que foram
citados nesse relatório, seja com seção própria, seja apenas como menção em uma tabela, mesmo

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pela Comissão Especial sobre Participação Social11, instituída no âmbito do
Conselho, e conta com representantes dos colegiados afetados. O Relatório
menciona 21 casos, porém as informações entre eles são bastante desiguais:
enquanto alguns casos possuem um relatório completo e detalhado sobre sua
atuação, outros são apenas mencionados na introdução ou na sua tabela final.
Após sistematizar a relação de conselhos mencionada no Relatório e as infor-
mações ali reunidas, foi necessário realizar um levantamento de informações
complementares por meio da busca de legislação, sites institucionais e de notí-
cias, de modo que as informações disponíveis sobre todos os colegiados fossem
as mais uniformes e atualizadas possível.
O quadro abaixo sintetiza a situação atual para esses conselhos de políti-
cas públicas, a partir da análise relativa à atividade ou inatividade do Conselho,
combinada com a existência de nova regulamentação.

que não tradicionalmente associados com a temática de direitos humanos.


11  A existência de tal comissão especial foi possível pelas características especiais do CNDH,
em que a autonomia do Conselho é amparada por tratados internacionais de proteção dos di-
reitos humanos, em especial os “Princípios Relativos ao Status das Instituições Nacionais de
Direitos Humanos (Princípio de Paris)”, definidos pela ONU em 1992. Ele também é consti-
tuído por membros dos três poderes (não apenas do Poder Executivo, como é a regra prevalente
nos demais Conselhos).

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Quadro 1. Síntese dos efeitos das medidas do governo Bolsonaro sobre conse-
lhos citados em relatório do CNDH
Classificação Órgão Colegiado
Conselho Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa
Revogado (1)
(CNRDR)
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA)
Inativo (2)
Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI)
Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento
da Política Nacional para População em Situação de Rua
(CIAMP-Rua)
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
(CEMDP)
Comitê Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo
(CONATRAP)
Conselho Nacional da Criança e Adolescente (CONANDA)
Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/
Ativo com nova LGBT)
regulamentação Conselho Nacional de Imigração (CNIg)
(13) Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE)
Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRAE)
Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)
Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad)
Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI)
Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial
(CNPIR)
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT
e MCNPCT)
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)
Conselho Nacional de Direitos da Mulher (CNDM)
Ativo e sem alte-
Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
rações legais (5)
(CNPCT)
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(CONADE)
Fonte: Conselho Nacional de Direitos Humanos (2019). Disponível em <legislacao.planalto.
gov.br> e <in.gov.br>. Elaboração própria.

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De posse desse conjunto de informações, elaboramos quatro categorias
que permitem agrupar de modo coerente e facilmente compreensível a varie-
dade de alterações ocorridas em cada um dos colegiados: 1) revogado, para os
casos em que o Conselho foi expressamente extinto por meio de Decreto ou
portaria que o revoga; 2) inativo não revogado, no caso de o colegiado não pos-
suir qualquer registro de reunião nos últimos dois anos analisados (2019/2020),
apesar de sua regulamentação legal seguir vigente (por outras palavras, o órgão
colegiado existe apenas formalmente, mas não possui qualquer atividade de
fato); 3) ativo com nova regulamentação, para os casos em que houve edição de
nova regulamentação específica (decreto ou portaria) que alterou a composição
do colegiado, reduzindo ou excluindo as cadeiras ocupadas por representan-
tes da sociedades civil, o que ocasionou também a interrupção de mandatos,
destituindo os conselheiros durante vigência de seus mandatos, dentre outras
limitações no funcionamento dos órgãos; 4) ativo sem alterações formais, para os
casos em que não houve alterações formais no seu funcionamento, seja porque
não houve edição de nova regulamentação específica, seja porque, quando isso
ocorreu, não ocasionou nenhuma limitação significativa ao Conselho, ao me-
nos no que diz respeito às suas regras de funcionamento. A seguir, detalhamos
o ocorrido em cada grupo.

1) Colegiado revogado

De um total de 21 conselhos analisados, apenas um foi formalmen-


te revogado; ou seja, diferentemente da intenção inicialmente anunciada pelo
governo, a extinção foi a exceção e não a regra. Dentre os fatores explicativos
para isso está a decisão em sede liminar tomada pelo STF, que reconheceu
os conselhos como espaços de concretização do princípio constitucional da
participação popular e estabeleceu mais limites para a abrangência do Decreto
9.759, que não mais poderia afetar conselhos com alguma menção legal.
O Conselho Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa (CNRDR)
foi extinto pela mesma portaria que criou o Comitê Nacional da Liberdade
de Religião ou Crença12. Apesar de poder aparentar uma simples mudança
de nome e formato, de acordo com o Relatório CNDH (2019) houve um
direcionamento da atual gestão do órgão para pautas voltadas à “cultura judai-
co-cristã” em oposição à laicidade e objetivos primários do CNRDR. Também
ocorreu a paralisação de ações públicas ou políticas para fomento do respeito

12  Portaria MMFDH nº 3.075, de dezembro de 2019. Disponível em: <https://www.in.gov.


br/web/dou/-/portaria-n-3.075-de-16-de-dezembro-de-2019-234030578>.

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à diversidade, combate à intolerância e defesa da laicidade do Estado. Nesse
caso, temos um conselho extinto e substituído por outro de nome similar, mas
com importantes mudanças de diretrizes.

2) Colegiados inativos não revogados

Há apenas dois casos nesta categoria, com características bastante distin-


tas. Por um lado, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA),
criado em 1993, veio a se tornar o símbolo da política de enfrentamento à
pobreza e à fome dos governos petistas; talvez por isso, foi um dos poucos
colegiados excluídos da estrutura da Presidência da República no primeiro dia
do governo, por meio de medida provisória convertida na Lei 13.844/2019.
Porém, o Conselho também é previsto na lei que criou o Sistema de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN, além de regulamentado por decreto13. Com
a decisão liminar do STF, por ser previsto em lei, o Conselho não pôde ter seus
decretos revogados e ser formalmente extinto, porém ele permanece inativo
desde 2018, sem nova composição de conselheiros, não estando formalmente
vinculado a nenhum órgão da estrutura administrativa.
Por sua vez, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) é um
caso de inatividade anterior ao governo Bolsonaro, permanecendo referencia-
do em diversas leis, decretos e portarias da administração pública. A última
resolução encontrada do Conselho data de novembro de 2016 e se trata de
uma moção de repúdio à reestruturação da FUNAI sem consulta prévia ao
Conselho14. O Decreto 8.593/2015 que regulamenta o Conselho segue vigen-
te, embora não tenha sido possível identificar qualquer registro de atividade
desde então.

3) Colegiados com nova regulamentação

Nesta categoria se situam treze colegiados, isto é, a maior parte dentre os


casos analisados. Aqui, todos seguem como padrão a edição de uma nova regu-
lamentação específica, que reproduz as diretrizes das limitações estabelecidas

13  Respectivamente, Lei 11.246/2007 e Decretos 6.272/2007 e 7.272/2010.


14  Essa reestruturação estava em elaboração à época e foi realizada efetivamente em julho
de 2017, de acordo com a Portaria MJSP 666, de 17 de julho de 2017, disponível em: <https://
www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-666-de-17-de-julho-de-2017-19183102>. A nota de
repúdio está disponível em: <http://www. funai.gov.br/arquivos/conteudo/presidencia/CNPI_
Conselho/Atos_e_Normas/RESOLUCOES/CNPI_20 16_Resol006.pdf>.

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pelo Decreto 9.759/2019. Destacamos abaixo as principais diretrizes definidas
por esse decreto que foram posteriormente incorporadas nos decretos especí-
ficos de cada conselho:

a) Limitação do número de membros dos colegiados: no artigo


6º, inciso V, é estabelecido que os conselhos deverão justificar a neces-
sidade de possuir mais de 7 membros, somando os representantes do
governo e da sociedade civil;
b) Limitações para realização de reuniões: as reuniões devem ser
por videoconferência para membros de fora do Distrito Federal, salvo
justificação e comprovação de disponibilidade orçamentária (art., 6, II e
III) e limitadas a duas horas (art. 4, parágrafo único);
c) Limitações à criação de subcolegiados (GTs, comissões, câ-
maras): deve ser fixado o número máximo de subcolegiados simultâneos
e o seu número de membros, sendo necessário ser de caráter temporário.

O número de membros dos colegiados na maior parte dos casos se man-


teve acima dos 7 estipulados como parâmetro, mas necessariamente implicou
uma redução da participação da sociedade civil de pelo menos 37% da com-
posição anterior, com perda significativa da diversidade de representação. Os
casos de maior redução foram CONAD, que se tornou um conselho estrita-
mente governamental, sem nenhum representante da sociedade civil (quan-
do anteriormente tinha 13 membros), CONATRAP, CONAMA e CNCD/
LGBT, que tiveram uma redução de 80% do número de representantes da
sociedade civil.
Deve-se destacar também que todos os treze conselhos com nova regu-
lamentação sofreram interrupção dos mandatos dos conselheiros eleitos ante-
riormente, implicando necessariamente uma nova composição. Há três casos
desse grupo (CEMDP, CNPCT/MNPCT e CNPIR) que não foram afetados
com a redução do número total de sua composição nem da representação da
sociedade civil; porém, pelo fato de terem tido nova regulamentação, foram
afetados especialmente com a interrupção imediata dos mandatos dos con-
selheiros, além de outros constrangimentos específicos detalhados em alguns
casos exemplares.
No que tange às limitações para reuniões, quase todas as novas regu-
lamentações específicas estabelecem de forma explícita que as reuniões serão
completamente virtuais ou que pelo menos os membros de fora do Distrito
Federal participarão por videoconferência, e somente em poucos casos com a

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limitação explícita de duas horas de duração. O mesmo ocorre com relação à
limitação da existência de subcolegiados: em todos os casos há alguma redução
e limitação estabelecida nos termos do Decreto 9759, quando não é comple-
tamente vedado.
Outras limitações que não são previstas pelo Decreto 9.759, mas apa-
recem de forma recorrente e padronizada nos casos analisados, são: redução
da periodicidade das reuniões, presidência do conselho indicada pelo chefe
do executivo e necessariamente exercida pelo governo, e a forma de definição
dos membros da sociedade civil, que via de regra é feita por meio de um edital
de chamamento público para credenciamento das organizações, com a poste-
rior indicação do membro pelo Presidente da República15. Esse procedimento
substitui em alguns casos processos eleitorais abertos realizados junto à socie-
dade civil.
Em conjunto, essas alterações fazem com que o funcionamento dos
conselhos seja bastante limitado: vale lembrar que não se trata de um espaço
meramente administrativo que visa velocidade e eficiência nas decisões, mas
antes de espaços de representação e debate democrático, que ganham mais re-
levância e legitimidade conforme mais diversos os representantes e mais livres
e abertos os espaços para debate forem. A redução drástica de membros, dos
encontros e de sua duração necessariamente reduz a relevância dos conselhos
como espaços de controle democrático e de formulação de políticas mais ade-
quadas às distintas realidades16.

15  O chamamento público para credenciamento das organizações já era uma prática es-
tabelecida em alguns conselhos; no entanto, outros processos de eleição foram padronizados
também para esse formato, trazendo maior controle na definição da composição pelo Governo
Federal, destacando-se o fato de que o membro efetivo do conselho é indicado pelo Presidente
da República (e não pela própria organização credenciada).
16  Em função da pandemia do novo coronavírus, a utilização de videoconferência se fez
necessária independentemente dessa normativa, o que certamente amenizou possíveis questio-
namentos a esse formato. Inicialmente, ele era justificado em termos de redução de gastos com
passagens e diárias, mas com possíveis efeitos de limitação ao debate.

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Quadro 2. Conselhos com nova regulamentação - Detalhamento da variação
das principais alterações
Colegiado Número total Proporção GTs e Periodicidade
de membros Governo/ So- Subcomissões das reuniões
ciedade Civil
CEMDP Sem alterações Mantida Sem alterações Sem alterações
CIAMP-Rua Redução Mantida Vedação Sem alterações
CNCD/ Redução Redução Vedação Reduzida
LGBT
CNIg Redução Redução Redução Reduzida
CNPCT/ Sem alterações Mantida Sem alterações Sem alterações
MNCT
CNPIR Sem alterações Mantida Sem alterações Sem alterações
CONATRAE Redução Mantida Sem Sem alterações
informações
CONATRAP Redução Redução Sem Reduzida
informações
CONANDA Redução Mantida Redução Reduzida
CONJUVE Redução Mantida Redução Sem alterações
CONAMA Redução Mantida Redução Sem alterações
CONAD Redução Sociedade Redução Reduzida
Civil Excluída
CNDI Redução Mantida Vedação Reduzida
Fonte: Conselho Nacional de Direitos Humanos (2019). Disponível em: <legislacao.planalto.
gov.br> e <in.gov.br>. Elaboração própria.

Houve ainda alterações específicas em alguns conselhos que extrapo-


lam as limitações impostas pelo Decreto 9.759 e desvirtuam ou inviabilizam o
exercício das suas competências originais dos colegiados. Exploraremos alguns
desses casos a seguir17.
No caso do CNDI e CONANDA, a redução na composição tem im-
pactos diretos não só na elaboração e fiscalização das políticas específicas, mas

17  No relatório do CNDH, alguns conselhos eram apenas mencionados de forma pontual
como alterados, mas sem nenhuma informação adicional. Nesses casos, tampouco foi possí-
vel encontrar notícias ou outras referências que possibilitassem uma análise qualitativa mais
detalhada. Para esses casos, nossa análise se valeu centralmente da comparação entre os decre-
tos anteriores e novos, cujos achados estão sintetizados no Quadro 2. São os seguintes casos:
CIAMP-Rua, CNIg, CONJUVE, CONATRAP, CONATRAE e CONAD.

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também reduz o controle e a transparência na gestão orçamentária, uma vez
que ambos os conselhos são responsáveis pela gestão de fundos específicos,
com aporte de recursos de diversas fontes.
O Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) sofreu duas alte-
rações: com a edição do Decreto 9893/2019, ele foi reduzido de 28 para apenas
6 membros, sendo que os três representantes do governo são parte do mesmo
Ministério18 e a presidência é exclusiva do governo. Antes dessa alteração, as
decisões sobre a gestão dos recursos do Fundo eram submetidas primeiro à
análise de uma subcomissão específica, e posteriormente iam ao plenário, onde
além de um maior número de entidades da sociedade civil, havia também uma
maior diversidade do próprio governo, que contava com representantes de vá-
rios ministérios. Finalmente, a rotatividade da presidência do Conselho entre
governo e sociedade civil também garantia um maior controle sobre as deci-
sões finais sobre o uso dos recursos. Com a drástica redução, somada à vedação
da existência de GTs e Subcomissões e exclusividade da presidência por parte
do governo, as decisões sobre a gestão dos recursos do fundo ficam na prática
concentradas apenas na figura do presidente do CNDI, esvaziando a capaci-
dade de controle e autonomia do colegiado, uma vez que os demais membros
do governo são ocupantes de cargos de confiança subordinados ao próprio
presidente do Conselho19. Mais recentemente, em março de 2021, houve novo
Decreto (10.643), que amplia a composição para 12 membros; porém, a nova
composição ainda se encontra em fase de seleção por meio de edital público,
permanecendo em funcionamento a gestão de apenas 6 membros.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA) teve sua estrutura alterada pelo Decreto 10.003, de 4 de setem-
bro de 2019. Como mencionado anteriormente, esse decreto foi alvo da ADPF
622, impetrada pelo Ministério Público Federal. Apesar do pedido ter sido foi
julgado parcialmente procedente, com a manutenção de garantias à autonomia
da representação da sociedade civil já indicadas, foram mantidas algumas das
alterações. Desse modo, houve a redução do número de conselheiros titulares
(de 28 para 18), o veto à reeleição de conselheiros e o voto de Minerva do
presidente do Conselho. Já em maio de 2021, o Conselho renovou essa repre-
sentação com a realização de uma Assembleia por meio remoto, com inscrição

18  Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH.


19  Relatório do Projeto de Decreto Legislativo n. 454 de 2019, de autoria do Deputado
Chico D’Angelo e relatoria da Deputada Lídice da Mata, que “Susta o Decreto no 9.893, de 27
de junho de 2019, que dispõe sobre o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso”.

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de 103 organizações da sociedade civil, sendo 37 candidatas e 32 eleitoras, isto
é, 69 entidades aptas a votar.
O Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT)
se constitui como um caso especial, uma vez que o colegiado segue existindo
apenas com a manutenção do nome, mas com a exclusão da temática LGBT.
Isso aconteceu pela trajetória do próprio Conselho, que foi criado durante o
governo Fernando Henrique Cardoso, pelo Decreto n.° 3.952 em 2001, como
um Conselho responsável por tratar sobre o enfrentamento a diversos tipos
de discriminação, com ênfase na discriminação étnico-racial. Com a criação
do Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR), os de-
bates sobre discriminação étnico-racial se deslocaram para esse conselho, en-
quanto as organizações LGBT, na ausência de um espaço institucional próprio
para pautar políticas para o segmento, passaram a ocupar mais o espaço do
Conselho (Mello, Avelar & Maroja, 2012). Somente em 2010, após de-
manda aprovada na I Conferência Nacional LGBT (2008), o CNCD foi re-
formulado em sua finalidade para o combate à discriminação e a elaboração de
políticas públicas para a população LGBT, por meio do Decreto 7.388/2010.
Assim, a opção do governo Bolsonaro para extinguir a temática foi fazer com
o CNCD voltasse a ter uma redação semelhante ao seu Decreto de criação, em
2001, para o tema de enfrentamento à discriminação, sem destacar nenhuma
área. Com essas mudanças, mantém-se o nome genérico, excluindo, na prá-
tica, a área de política pública. Analisando-se a atual composição20, verifica-
-se que a Secretaria-Executiva do Conselho é administrativamente ligada ao
“Departamento de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais” do
MMFDH; além disso, as três entidades indicadas pela sociedade civil atuam
em temáticas relacionadas à saúde e diversidade sexual, o que faz supor que
o Conselho ainda atue na prática sobre a pauta LGBT, ainda que com perda
significativa de poder, representatividade e legitimidade.
O Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR), com
novo regimento editado em outubro de 2020, teve sua representação forte-
mente afetada, com a descaracterização do que fora a sua principal motivação
de existência, a proposição de políticas públicas de igualdade racial com ênfase
na população negra. Em 2020, foram anulados 14 mandatos de integrantes do
Conselho, sob a justificativa de que estavam irregulares. Em 2021, no atual pro-
cesso de escolha da representação da sociedade civil, apenas sete das 19 vagas

20  Portaria 3.486 de 23 de dezembro de 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/


dou/-/portaria-n-3.486-de-23-de-dezembro-de-2020-296133381>.

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foram preenchidas, sendo apenas uma ligada ao movimento negro21. Trata-se
de um caso típico que manteve seu funcionamento, mas que alterou quase que
por completo suas finalidades originais, com forte impacto na representação. O
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) teve redução de 96 para
23 membros, com principal diminuição da representação da sociedade civil –
que caiu de 23 para 4 membros. A ampliação proporcional da representação
do governo subiu de 29,5% para 41% (Bragança, 2019). De acordo com o
Regimento Interno registrado na Portaria 630 de 5 de novembro de 2019, ou-
tras alterações importantes na representação podem ser notadas pela redução
na composição do Plenário do conselho. Foram retiradas a representação do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a representação dos
governadores dos estados e dos Comandos militares do Ministério da Defesa,
com redução de ministérios – segundo o regimento anterior, todos os ministé-
rios estavam representados no Plenário, enquanto apenas cinco permaneceram
com as alterações do novo regimento. Também foi reduzida a representação de
entidades empresariais (de 8 para 2), com redução de 7 para apenas 2 Câmaras
Técnicas. Com relação a escopo, não houve mudanças notadas nos regulamen-
tos, mas a redução de prazo para realização de diversos procedimentos22.
Já o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT/
MNCT), um colegiado ligado ao Mecanismo Nacional de Combate à Tortura
(MNCT), criado por lei federal, teve sua regulamentação alterada pelo Decreto
9.831/19. Nele, são retirados os cargos dos peritos e peritas aprovados em am-
plo processo seletivo público e nomeados para o exercício de sua função por
um mandato de três anos. Essa medida impede que o MNCT exerça suas
atribuições, como realizar visitas periódicas de monitoramento a espaços de
privação de liberdade, e impacta diretamente na sua independência e autono-
mia enquanto órgão de fiscalização, o que também tem impactos diretos no
seu colegiado.
Finalmente, a Comissão Especial de Mortes e Desaparecidos (CEMDP)
teve diversos episódios de conflito aberto entre membros do Governo e seus

21  Ver mais em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/02/governo-bol-


sonaro-nomeia-so-uma-associacao-do-movimento-negro-em-conselho-de-igualdade-racial.
shtml>.
22  Vale destacar que em processo paralelo as alterações do CONAMA, seguiu-se a recria-
ção do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CONAMAZ), anunciada pelo presidente
Bolsonaro em seu twitter no dia 21 de janeiro de 2020. Junto com a criação do CONAMAZ
também foi criada a Força Nacional Ambiental “à semelhança da Força Nacional de Segurança
Pública, voltada à proteção do meio ambiente e da Amazônia”, segundo o tuíte do presidente.

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Conselheiros, destacando-se os relativos às declarações de Jair Bolsonaro sobre
o pai de Fernando Santa Cruz, o presidente da OAB Nacional, que teve seu pai
morto e torturado pela Ditadura Militar. Bolsonaro deu declarações públicas
de que poderia contar como isso ocorreu, dando a entender cumplicidade com
o fato. Os membros do CEMDP repudiaram tal declaração e, cinco dias de-
pois, 4 de seus 7 membros foram substituídos23. Seis meses depois, em janeiro
de 2020, o CEMDP teve seu regimento alterado, com a inclusão de uma se-
ção detalhada sobre “procedimento para apreciação dos requerimentos”, dentre
outras alterações. Na leitura de Eugênia Gonzaga, ex-presidente destituída do
CEMDP, a mudança

acaba com a emissão de atestados de óbito que reconhecem como ver-


dadeira causa da morte das vítimas da ditadura a “perseguição violenta
e política do Estado”; limita a busca dos corpos dos militantes políticos
que seguem desaparecidos, mesmo passados 30 anos do fim do regime
militar; e desobriga o governo de promover medidas de reparação ima-
terial aos familiares dessas vítimas24.

Por sua vez, o MMFDH emitiu nota de esclarecimento em que afirma


que

todas as modificações foram feitas rigorosamente para eliminar irregu-


laridades cometidas pela antiga gestão ao adequar o documento à Lei
9.140/95, que criou a comissão, estabeleceu sua competência e prazos,
além de reconhecer como mortos os desaparecidos políticos25.

No caso desses conselhos, ainda que não tenha havido diminuição da


representação da sociedade civil de modo formal, podemos observar que a
interrupção dos mandatos teve o efeito de enfraquecer as pautas ou mesmo
impossibilitar o trabalho do conselho nas áreas de políticas que se associam.

23  Para saber mais: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/08/01/


interna_politica,774939/governo-troca-integrantes-comissao-de-mortos-e-desaparecidos-po-
liticos.shtml>.
24  Fonte: <https://congressoemfoco.uol.com.br/direitos-humanos/governo-reduz-atribui-
coes-da-comissao-de-mortos-e-desaparecidos-politicos>.
25  Fonte: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/janeiro/nota-de-escla-
recimento-comissao-especial-sobre-mortos-e-desaparecidos-politicos>.

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4) Colegiados ativos sem alterações formais

Dos conselhos pesquisados, apenas cinco não tiveram alterações formais


significativas em seu regimento e mantiveram funcionamento regular. Isso não
quer dizer, no entanto, que houve plena liberdade e respeito à representação da
sociedade civil; pelo contrário, observamos grave cerceamento em alguns casos.
O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) realizou revisão
de seu regimento interno com base no Decreto 9759/19. Observou-se atra-
so na discussão de temas prioritários, sendo o principal elemento de cercea-
mento da participação social o cancelamento da 12ª Conferência Nacional
de Assistência Social, em abril de 2019, cuja convocação é uma atribuição do
CNAS. Esse cancelamento aconteceu por decisão judicial obtida pelo governo
federal. A representação da sociedade civil, então, convocou uma conferência
“democrática”, que ocorreu em novembro de 2019. A última decisão sobre a
12ª Conferência foi a Resolução CNAS nº 31 de 23 de março de 2021, que
criou a comissão organizadora da referida conferência, ainda sem data para
ocorrer.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) é protegido por
tratados internacionais e há décadas vem mantendo funcionamento regular
e autônomo com relação aos governos. Houve, entretanto, um episódio que
mostra interferência do governo e cerceamento de opinião, em agosto de 2019.
Após o CNDH deliberar contrariamente à reforma da Previdência, uma servi-
dora pública federal, então coordenadora geral do CNDH, foi exonerada desse
posto, para o qual havia sido escolhida pelo plenário do Conselho.
Nos casos do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(CONADE) e do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
(CNPCT), houve a publicação de nova legislação, porém sem alterações
substantivas no funcionamento dos conselhos. No CONADE tratou-se do
Decreto 10.177/2019 e da mudança do Conselho da alçada do ministério da
Justiça para o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Quanto ao
CNPCT, publicou-se novo regimento em dezembro de 2019, um ano depois
de sua aprovação pelo próprio Conselho em dezembro de 2018, ainda antes da
posse de Bolsonaro.
Finalmente, o relatório apresentado pelo Conselho Nacional de Direitos
da Mulher (CNDM) para a Comissão Especial sobre Participação Social no
âmbito do CNDH parece indicar um funcionamento regular do Conselho,
elemento reforçado pela busca realizada no Diário Oficial da União, no qual se
verifica a publicação regular das reuniões do Conselho. No entanto, por meio

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de busca de notícias, é possível verificar que o Conselho havia já sido esvaziado
politicamente em 2016, com a renúncia coletiva das principais organizações
e redes que participavam dele26. Assim, o atual funcionamento regular ocorre
em razão de uma mudança importante, do ponto de vista político, do perfil de
entidades da sociedade civil.

Considerações finais

O processo de redemocratização no Brasil foi marcado pela demanda


de inclusão da sociedade civil nos processos decisórios sobre políticas públicas.
Da inscrição da participação popular enquanto princípio constitucional à mul-
tiplicação de inovações democráticas na gestão de governos de todos os níveis
da federação, os conselhos de políticas públicas se destacaram pelo seu número
e continuidade.
Isso se fez possível graças ao fato de essas instituições participativas
terem se inserido no ciclo de funcionamento das políticas públicas, sendo
responsáveis, conforme cada caso, pela elaboração de diretrizes, fiscalização e
monitoramento e até mesmo por atividades cotidianas de gestão, como gestão
de recursos de fundos e credenciamento de entidades. Outro aspecto determi-
nante para essa continuidade foi o compromisso com o princípio da democra-
cia participativa que partidos políticos de diferentes orientações ideológicas
mantiveram em seus governos, dentre os quais destacam-se PSDB e PT.
O Presidente Jair Bolsonaro rompe com esse compromisso político.
Pelos dados analisados, fica evidente que as ações de seu governo com o objeti-
vo de dificultar a participação de representantes da sociedade civil ou até mes-
mo extinguir conselhos e outras instituições participativas não são pontuais,
mas se constituem enquanto elemento programático.
O argumento utilizado de busca por maior racionalidade administrativa
e mesmo economia de gastos com os conselhos não se mostra verossímil se
comparado com os efeitos observados do decreto e suas decorrências legais. O
que se verifica, na prática, é um funcionamento mais restrito dos espaços de
participação social, com de maior controle governamental de pautas e decisões,
às custas da transparência e representação da diversidade da sociedade civil
no controle social e na gestão de fundos específicos ligados aos conselhos. O
ataque também é especialmente direcionado a setores e pautas que o Governo

26  Conselho das Mulheres tem renúncia coletiva em reação a Temer, Rede Brasil Atual. 15
jun. 2016. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/06/mulheres-
-renunciam-cargos-de-conselho-nacional-por-considerar-governo-temer-patriarcal-1776/>.

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entende como adversários de seu programa político, como é o caso de Meio
Ambiente e temas de direitos humanos como combate à tortura, mortos e
desaparecidos e políticas LGBT.
A atuação da sociedade civil e dos demais poderes constituídos foi im-
portante para estabelecer limites institucionais e frear a atuação do Presidente
em suas intenções de desmonte institucional. Como vimos, apesar do Decreto
9.759 propor a extinção dos órgãos colegiados, dentre os selecionados para a
análise, a extinção foi de fato a exceção e não a regra. Isso se deve especialmen-
te à decisão tomada em sede liminar pelo STF na ADI 6121, que, além de es-
tabelecer que não poderiam ser extintos por Decreto aqueles Conselhos men-
cionados em lei, também forçou o Governo a recuar na sua intenção inicial.
Ainda assim, observamos limitações às possibilidades do exercício do
controle social mesmo com a continuidade dos Conselhos. Isso porque o
Governo Federal passou a realizar um esforço para retirar a representativi-
dade política e o poder decisório dos Conselhos, uma vez que não poderia
mais extingui-los. É assim que se observa um esforço significativo em alterar
detalhadamente o funcionamento dos órgãos colegiados com participação da
sociedade civil como continuidade de sua estratégia mais ampla de centraliza-
ção do poder político, de deslegitimação da voz da sociedade civil e de redução
da própria arquitetura do Estado brasileiro construído após a Constituição de
1988.
Embora dos 21 conselhos analisados apenas um tenha sido formalmen-
te extinto, outros 15 tiveram seu funcionamento fortemente afetado: 2 inati-
vos, 13 com nova regulamentação que interrompe mandatos e reduz ou exclui
a participação da sociedade civil, dentre outras limitações. Os 5 que restaram
que não tiveram uma intervenção mais direta, ainda assim há relatos de situa-
ções de constrangimentos e criação de barreiras para sua adequada atuação.
Isso quer dizer que áreas de políticas públicas que historicamente vinham for-
talecendo essa prática agora contam com menos representantes da sociedade
civil acompanhando, participando e fiscalizando a tomada de decisões pelo
poder público.
É preciso ainda verificar se a nova decisão do STF, tomada no âmbito
da ADPF 622 sobre o novo Decreto do CONANDA, terá alguma repercus-
são sobre outros Conselhos. A decisão reconhece que as alterações formais na
composição, limitações ao funcionamento interno e destituição imotivada dos
conselheiros prejudicam ou inviabilizam o exercício das funções de controle
social do Conselho. Pelo levantamento realizado, assim como o CONANDA,
pelo menos outros 12 conselhos tiveram interferências semelhantes em seu

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funcionamento, sendo plausível supor que esse número seja ainda maior, con-
siderando o universo mais amplo de conselhos existentes, mas que fogem ao
escopo deste trabalho. Portanto, vale acompanhar como se dará esse embate
entre as pretensões de desmantelamento democrático do Governo Federal e a
resistência de setores da sociedade e de outras instâncias públicas em relação
a esse processo.
Além da sua necessária atualização, face a um contexto dinâmico, o es-
forço aqui apresentado de compreender de forma detalhada o atual funcio-
namento dos conselhos nacionais analisados possibilita também lançar novas
questões e agendas de pesquisa para aprofundar a compreensão da participação
social nessa conjuntura política adversa. Em primeiro lugar, quais seriam as
consequências do Decreto 9.759/2019 e de outras ações de restrição à parti-
cipação social realizadas pelo Governo Bolsonaro para as redes federativas de
participação social, sobretudo os conselhos de políticas públicas nos estados e
municípios? A literatura tem nos mostrado que a indução advinda do governo
federal é estruturante da criação de conselhos locais. Isso ocorreu ao longo
dos anos 1990 e 2000 para as áreas de saúde, educação e políticas para pessoas
idosas (Gurza Lavalle & Barone, 2015). É possível dizer, ademais, que o
modelo de representação de conselhos nacionais tende a se reproduzir nos
municípios e estados, ora por legislação específica – como no caso do sistema
único de saúde – ora por homologia. Como vimos, as mudanças provocadas
pelo Decreto obedecem a uma lógica de confronto. Serão reproduzidas nos
outros entes federados? Estudos que se realizem em grupos de estados ou mu-
nicípios poderão indicar se há “indução negativa” a partir do que ocorre no
âmbito federal.
Em segundo lugar, quais serão os impactos dessa restrição à diversidade
de representação da sociedade civil nos conselhos quanto à própria dinâmica
das relações entre os movimentos sociais e organizações da sociedade civil em
nível nacional? As reuniões dos conselhos e as conferências, para além de seus
objetivos mais restritos, são oportunas para a articulação de atores de diver-
sas especialidades de atuação e regiões do país em projetos políticos comuns.
O que temos percebido empiricamente são dois movimentos: por um lado,
a multiplicação de redes e fóruns que tornaram as redes sociais seus espa-
ços de articulação (é certo que isso já existia, mas se intensificou no período
recente, sobretudo em virtude da pandemia de Covid-19, que cerceou ainda
mais os encontros presenciais); por outro lado, a ressignificação dos processos
conferenciais, como no caso já mencionado da assistência social e também no
caso da educação, com a realização em andamento de processos de conferência

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organizados pela sociedade civil, conforme visto no âmbito da educação e da
segurança alimentar27, que tem se mostrado um processo participativo de re-
sistência às iniciativas do governo federal.
Em terceiro, vale refletir sobre os impactos das restrições e descaracteri-
zação dos conselhos nas políticas públicas. O princípio da participação social
contido na Constituição de 1988 estava ligado à dimensão democrática, mas
não só: a ideia de que a participação produz políticas públicas mais efetivas, com
maior proximidade às demandas da sociedade, também é coerente com o prin-
cípio constitucional. Ademais, há toda uma legislação posterior à Constituição
e que se identifica com esse princípio (Lei de Acesso à Informação, Lei da
Transparência, diversos estatutos como o Estatuto da Cidade), de modo que é
praticamente impossível – no Estado Democrático de Direito – retroceder a
uma situação em que conselhos não se proponham a realizar alguma mediação
entre Estado e sociedade civil. Ocorre que, com as consequências do Decreto
9759/2019, a qualidade da representação e a capacidade de intervenção da so-
ciedade se reduziu bastante. Desenvolver metodologias de pesquisa para men-
surar esses impactos nos setores de políticas é um interessante desafio.
Por fim, alguns apontamentos sobre o que todo esse processo nos diz
sobre a democracia no Brasil e sua relação com as instituições participativas.
A participação social, embora preconizada na Constituição de 1988, se desen-
volveu nas últimas décadas em uma relação tensa no contato com os poderes
Executivo e Legislativo. O Legislativo, em geral, a considera uma competidora.
É textual na Lei 8.142/1990 – que estabelece a participação social na gestão
do Sistema Único de Saúde – que a existência de conselho e conferência não
se dará em prejuízo das funções do Legislativo. Trata-se de um indicativo das
tensões que vieram se concretizar nas experiências de Orçamento Participativo
e mesmo na relação dos conselhos com esse poder. O Congresso Nacional se
insurgiu fortemente contra o Decreto 8243/2014, que estabelecia a Política
e o Sistema Nacional de Participação Social (Avritzer et al., neste volume;
Romão, 2016). São poucos os setores que preveem seus conselhos nacionais
na forma de lei: a grande maioria obedece a decretos presidenciais, portanto
dependem da vontade do Executivo. Esse poder, por sua vez, com a força da
iniciativa da criação dos conselhos, também predomina sobre sua agenda. E

27  A Conferência Nacional Popular da Educação foi organizada pelo Fórum Nacional
da Educação e a Conferência Nacional Popular, Democrática e Autônoma por Soberania
e Segurança Alimentar e Nutricional é convocada pelo Fórum Brasileiro de Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e diversas outras entidades que já compuseram
o CONSEA. Mais informações em: <https://fbssan.org.br/> e <https://fne.mec.gov.br/>.

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terá o condão de isolar, manipular e até extinguir os conselhos se julgar ter
força política para tanto.
O poder Judiciário aparece neste momento como aquele que dá guarida
à participação social, mesmo considerando os limites constitucionais de sua
atuação. Nesse sentido, as decisões do Supremo Tribunal Federal que restrin-
giram a abrangência do Decreto 9759/2019 e, posteriormente, do Decreto do
CONANDA, se coadunam a outras ações do próprio Supremo contra o go-
verno federal, o presidente da República e ativistas antidemocracia. De acordo
com isso, esse poder tem se mostrado um importante aliado para a sociedade
civil, que se tiver capacidade de ativar o Judiciário, tende a alcançar algumas
vitórias.
Os fatos que aqui analisamos e o modo pelo qual a sociedade civil vem
reagindo a eles, de certo modo, recolocou os conselhos na pauta da mobilização
política do campo progressista no país. Os Conselhos que permanecem ativos
mantêm-se como espaços de mobilização da sociedade civil e de resistência à
concentração de poder do atual governo e seus aliados, seja no nível federal,
seja nas esferas subnacionais. Parece-nos que se abre a perspectiva de um pe-
ríodo de renovação das expectativas sobre a capacidade dos conselhos – e da
sociedade civil neles engajada – em responder à sua tarefa original, qual seja,
gerar um fluxo democrático de fora para dentro do Estado, a fim de promo-
ver políticas públicas mais efetivas e justas. Após a tormenta, a retomada da
promessa em outros termos, com mais experiência institucional e política acu-
mulada, poderá significar uma melhor chance à participação social no Brasil.

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ANEXO

Quadro 3. Novas regulamentações editadas no Governo Bolsonaro sobre


Conselhos citados em relatório do CNDH
NOVA REGULAMENTAÇÃO (A
COLEGIADO
PARTIR DE 2019)
Comissão Especial sobre Mortos e RESOLUÇÃO MMFDH n.° 4, DE 14 DE
Desaparecidos Políticos (CEMDP) JANEIRO DE 2020
Comissão Nacional de Erradicação do DECRETO n.° 9.887, DE 27 DE JUNHO
Trabalho Escravo (CONATRAE) DE 2019
Comitê Intersetorial de Acompanhamento
e Monitoramento da Política Nacional para DECRETO n.° 9.894, DE 27 DE JUNHO
População em Situação de Rua (CIAMP- DE 2019
Rua)
Comitê Nacional de Enfrentamento ao DECRETO n.° 9.833, DE 12 DE JUNHO
Tráfico de Pessoas (CONATRAP) DE 2019
Comitê Nacional de Prevenção e Combate DECRETO n.° 8.154, DE 16 DE
à Tortura (CNPCT e MCNPCT) DEZEMBRO DE 2013
Comitê Nacional de Respeito à Diversidade PORTARIA MMFDH n.° 3.075, DE 16
de Religião ou Crença (CNRDR) DE DEZEMBRO DE 2019
Conselho Nacional da Criança e DECRETO n.° 10.003, DE 4 DE
Adolescente (CONANDA) SETEMBRO DE 2019
Conselho Nacional de Assistência Social
N/A
(CNAS)
Conselho Nacional de Combate à DECRETO n.° 9.883, DE 27 DE JUNHO
Discriminação (CNCD/LGBT) DE 2019
Conselho Nacional de Direitos da Mulher
N/A
(CNDM)
Conselho Nacional de Direitos Humanos
N/A
(CNDH)
DECRETO n.° 9.873, DE 27 DE JUNHO
Conselho Nacional de Imigração (CNIg)
DE 2019
Conselho Nacional de Juventude DECRETO n.° 10.069, DE 17 DE
(CONJUVE) OUTUBRO DE 2019
DECRETO n.° 9.806, DE 28 DE MAIO
Conselho Nacional de Meio Ambiente DE 2019
(CONAMA) PORTARIA MMA n.° 630, DE 5 DE
NOVEMBRO DE 2019
Conselho Nacional de Política Indigenista
N/A
(CNPI)
DECRETO n.° 9.926, DE 19 DE JULHO
Conselho Nacional de Políticas sobre DE 2019
Drogas (CONAD) PORTARIA MJSP n.° 382, DE 22 DE
JULHO DE 2020

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Conselho Nacional de Povos e
N/A
Comunidades Tradicionais (CNPCT)
Conselho Nacional de Promoção de RESOLUÇÃO CNPIR n.° 7, DE 27 DE
Igualdade Racial (CNPIR) OUTUBRO DE 2020
Conselho Nacional de Segurança
N/A
Alimentar (CONSEA)
DECRETO n.° 9.893, DE 27 DE JUNHO
DE 2019 
Conselho Nacional do Idoso (CNDI)
DECRETO n.° 10.643, DE 3 DE MARÇO
DE 2021
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa DECRETO n.° 10.177, DE 16 DE
com Deficiência (CONADE) DEZEMBRO DE 2019
Fonte: Conselho Nacional de Direitos Humanos (2019). Disponível em: <legislacao.planalto.
gov.br> e <in.gov.br>. Elaboração própria.

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2. Mudanças recentes nos papéis das Instituições
Participativas nas Políticas Públicas

Carla Giani Martelli 


Carla Almeida 
Rony Coelho

Introdução1

Este capítulo tem o objetivo de contribuir com o debate sobre os pa-


péis das Instituições Participativas (IPs) nas políticas públicas brasileiras no
contexto da ascensão da agenda conservadora na esfera federal. Em 2018, o
resultado das eleições presidenciais revestiu essa agenda de um caráter explici-
tamente autoritário, o que vem colocando em risco o conjunto de instituições
de controle existentes no país.
Em trabalho anterior, analisamos historicamente a presença das IPs na
estruturação e trajetória de suas respectivas áreas de políticas, e argumentamos
que conselhos e conferências assumiram um papel reformador na assistência
social, fundante nas políticas para mulheres e episódico no meio-ambiente. O
caráter reformador significa que as IPs foram centrais no projeto de refor-
mulação da política; o fundante, que colaboraram de maneira importante nos
processos implicados com a própria criação e reconhecimento da política; o
episódico, que tiveram importância em momentos pontuais na trajetória do
setor, sendo neutralizadas em outros (Almeida, Martelli & Coelho, 2021).
Neste capítulo, mostramos como esses papéis têm se alterado no con-
texto adverso à participação2, que vem acompanhado por um conjunto maior
de medidas que corrói as condições e os recursos estatais dos quais dependem
a promoção de políticas voltadas a garantir e ampliar direitos de cidadania.
Daí a importância de continuarmos a inserir as IPs numa agenda voltada a

1  Este trabalho foi construído no quadro dos projetos de pesquisas “Efeitos dos conselhos
gestores nas administrações públicas municipais e na política de assistência social” (CNPq
28/2018) e “Uma análise longitudinal da participação como política pública no Brasil – 1988-
2020” (FAPESP 2019/05959-0).
2  São exemplos a não aprovação pelo Congresso, em 2014, do Decreto que instituía a Política
Nacional de Participação Social; a extinção do Consea e a publicação do Decreto 9759/2019, no
início do governo Bolsonaro (cf. Bezerra, Romão & Rodrigues, neste volume).

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compreender esse novo contexto, tão diferente daquele em que vigorava forte
aposta na construção de instâncias inovadoras de participação com o objetivo
de ampliar e enriquecer a democracia brasileira.
Analisando as três áreas de políticas mencionadas acima, mostramos
que as mudanças em curso resultam do lugar mais ou menos central ocupado
pelas IPs nas estratégias de ação de suas respectivas comunidades de políticas.
Essas estratégias, por sua vez, não podem ser devidamente compreendidas sem
que se leve em conta o grau da força institucional adquirido por conselhos e
conferências em cada setor de política e a robustez das demais capacidades
estatais neles presentes. Assim, partimos da perspectiva de que os diferentes
usos que as comunidades de políticas fizeram e fazem das IPs dependem de
sua força institucional e das capacidades estatais construídas ao longo das tra-
jetórias setoriais.3
Tensões e mudanças são intrínsecas às instituições, dado que sua cria-
ção e funcionamento necessariamente implicam certa distribuição de poder
que fortalece determinados atores e enfraquece outros (Mahoney & Thelen,
2010). As IPs são, portanto, dinâmicas, e seus papéis podem sofrer alterações
na trajetória das políticas. Mediante processos que envolvem lutas pelo poder,
internamente e/ou em seu entorno, podem passar por mudanças que afetam
suas condições de concretizar os objetivos que inspiraram sua criação, seja na
direção de reforçá-los, reorientá-los ou mesmo torná-los sem efetividade.
Sabemos, por exemplo, que conferências e conselhos datam da década
de 1930, e foram criados em algumas áreas de políticas como parte da es-
tratégia do governo varguista para promover uma modernização na máquina
estatal de corte tecnocrático que previa: a inclusão seletiva de novos interlocu-
tores junto ao Estado, o fortalecimento do poder central, o reordenamento das
alianças com os entes federativos e o aumento da capacidade de execução de
programas governamentais. Mas foi a partir da Constituição de 1988 que essas
instâncias assumiram um novo sentido e papel, expressando a articulação entre
participação e políticas públicas como ideia-força nas lutas pela democrati-
zação e pela ampliação do acesso a direitos. Seu avanço pelo sistema político,
desde a década de 1980 e nos governos petistas na presidência, imbricou-se à
própria trajetória de estruturação de um conjunto de políticas públicas. Esse
processo afetou a distribuição do poder no processo de formulação e controle

3  Agradecemos a Debora Almeida e Adrian Gurza Lavalle pela leitura da versão preliminar
deste trabalho, cujas considerações nos ajudaram a ajustar e refinar os argumentos aqui expostos.

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das políticas públicas ao nele incluir organizações da sociedade civil compro-
metidas com a ampliação de direitos.4
Durante esse período, a construção e a ocupação de IPs tornaram-se
importantes repertórios de ação para atores interessados em projetos refor-
madores ou na própria criação de novas políticas públicas. É exatamente esse
papel das IPs que está sendo colocado em xeque. Para compreender esse pro-
cesso, é preciso reconhecer que, além das investidas que tomam as IPs como
alvo explícito de desmonte, desde meados dos anos 2000, um processo de es-
gotamento ou de “crise de meia idade”, conforme Pires (2014), já sinalizava
que parcelas do campo progressista manifestavam certo cansaço e frustação
nas apostas dirigidas às IPs como repertório de ação para implementar as mu-
danças desejadas para o país.
As três políticas selecionadas aqui para análise refletem de forma varia-
da esse fenômeno, mostrando que as IPs são mobilizadas distintamente por
suas comunidades de políticas. Como veremos, exatamente porque a agenda
da participação se fecha na esfera federal, fica evidente o legado construído nas
esferas subnacionais, tanto em termos de capacidades técnico-administrativas
presentes em cada setor, como no que se refere ao grau de institucionalização
alcançado por conselhos e conferências, com implicações para maior ou menor
coesão e capacidade criativa de suas comunidades para a mobilização dessas
instâncias. Assim, mostramos que na Assistência Social, o Conselho Nacional,
reformador outrora, passa a exercer um papel inercial; quer dizer, tem mostrado
letargia frente aos novos desafios que a área enfrenta em contexto adverso. Em
contrapartida, neste momento, conferências e conselhos municipais e estaduais
mostram-se ativos, já que vistos pelos atores como potenciais espaços para sua
mobilização. Já nas políticas para Mulheres, as IPs, outrora com papel fundan-
te, passam a ocupar um papel periférico, isto é, passam a ser preteridas nas es-
tratégias dos atores socioestatais como espaços de representação de interesses,
pois que a escalada autoritária no nível federal e a baixa institucionalização
das capacidades estatais e de conselhos e conferências nessa área encolhem
a possibilidade de negociações e consensos por dentro do Estado. No Meio
Ambiente, considerando a institucionalização mediana de suas capacidades
estatais e de seus conselhos, a depender do ator em causa, as IPs podem ter
diferentes papéis: para os atores sociais as IPs passam a ter um papel periférico,

4  Não à toa, Gurza Lavalle e Bezerra (2020) notaram que, no diagnóstico que orienta os
esforços destrutivos do governo Bolsonaro em direção às IPs, está o entendimento do papel
estratégico que as organizações da sociedade civil tiveram na governança social dos governos do
PT, com sua significativa entrada nos processos decisórios.

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mas para os atores estatais elas mantêm seu papel contingencial. Nesse novo
contexto, porém, elas são mobilizadas conforme a conjuntura e os interesses
em jogo para legitimar suas ações no desmonte da política.
Para desenvolver esses argumentos, organizamos o capítulo em duas se-
ções: na primeira, apresentamos o modo como estamos mobilizando os con-
ceitos de comunidade de política, força institucional e capacidades estatais;
na seguinte, apresentamos as três políticas – Assistência Social, Política para
Mulheres e Meio Ambiente – para mostrar a variação dos papéis das IPs e seus
condicionantes em tempos adversos à participação. Por fim, tecemos nossas
considerações finais.

Comunidades de políticas, força institucional e capacidades estatais

Como dissemos, atores das comunidades de políticas têm apostado (ou


não) nas IPs como instâncias de representação e negociação de seus interes-
ses, neste novo contexto, a depender do quanto elas ainda oferecem vantagens
como espaços de luta por dentro do Estado.
Lembramos que as comunidades de políticas (policy communities), cons-
tituídas por servidores públicos, acadêmicos, pesquisadores, consultores, as-
sessores parlamentares e da presidência, grupos de interesses e organizações
da sociedade civil, são espaços importantes para a geração de ideias relativas a
soluções e alternativas que podem ser desenvolvidas e adotadas como políticas
públicas pelos tomadores de decisão (Kingdon, 2003). Ganham relevância
na nossa análise não só pela importância que têm na produção de ideias, mas
porque é no seu interior que ocorrem as escolhas de repertórios de ação nas
políticas públicas. Em áreas nas quais as comunidades são mais coesas, onde há
maior consenso entre os atores acerca de perspectivas e orientações mais gerais
sobre os temas que os unem, há maior possibilidade de resiliência em ambien-
tes adversos. Em contraste, em setores nos quais as comunidades são mais he-
terogêneas, a própria política está mais exposta a mudanças contextuais, como
é o caso das Mulheres e do Meio Ambiente.5 Considerando que as IPs são
apenas um dos espaços possíveis de atuação de representantes das comunida-
des, importa mostrar se, em quais condições e por quais atores as IPs têm sido
ocupadas nos três setores e as implicações para as respectivas políticas públicas.

5  Estamos falando de maior ou menor coesão das comunidades de políticas tendo como refe-
rência suas atuações nas IPs, e não em outros espaços, seguindo a abordagem de Romão, Gurza
Lavalle e Zaremberg (2017).

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Para tanto, lançamos mão dos conceitos de força institucional e de ca-
pacidades estatais. A ideia de força institucional ajuda a compreender as razões
que levam alguns atores, em seus respectivos setores, a investir energias nas IPs.
Segundo Mayka (2019), o fortalecimento institucional das IPs é condicionado
por três processos interdependentes: o desenvolvimento de um forte desenho
institucional; sua implementação de maneira uniforme pelo território; e sua
institucionalização como instâncias rotineiras e legítimas de representação e
negociação de interesses por parte de atores estatais e sociais. Um forte dese-
nho institucional indica o quanto os conselhos possuem prerrogativas nacio-
nais claras quanto à sua autoridade deliberativa e ao seu raio de incidência nas
políticas, acompanhadas por sanções quando descumpridas. A institucionali-
zação diz respeito ao grau em que os conselhos são instituições “rotinizadas”,
ou seja, implementadas de forma padronizada em todo o país, com moldes
comuns de interação, e aceitas e valorizadas pelos atores no processo de formu-
lação de políticas. A autora acrescenta que a força institucional é resultado de
dois processos: quando a criação dos conselhos integra um projeto mais amplo
de reforma setorial na política, que inclui mudanças na cobertura, formas de
acesso e gestão das políticas; e quando há formação de coalizões pró-conselhos
a partir da atuação ativa de “empreendedores”, atores comprometidos com a
participação e que efetivamente aproveitam as incertezas e instabilidades pró-
prias geradas pelos projetos reformadores para fazer com que instâncias parti-
cipativas sejam vistas pelos demais atores como vitais para a representação de
seus interesses. Sua pesquisa conclui que os Conselhos de Saúde e Assistência
Social brasileiros, em contraste com os colombianos, contemplaram esses dois
processos.
Em outro estudo, Gurza Lavalle e Barone (2015) mostram que esses
conselhos compõem aquele grupo específico que, sob indução federal, univer-
salizou-se pelo território brasileiro ao longo dos anos 1990, alcançando uma
inserção mais estruturada em sua respectiva área. Por outro lado, os dois outros
conselhos aqui abordados, Meio Ambiente e Políticas para Mulheres, que não
contaram com forte indução federal, compõem, respectivamente, aqueles que
tiveram média e baixa expansão no território, com picos de criação ao longo
dos anos 2000 e concentração em municípios de IDH mais elevado. Ademais,
enquanto a totalidade dos conselhos municipais de Saúde e Assistência são
deliberativos, no Meio Ambiente os que possuem esse caráter são 85%, e os da
Mulher, 75% (Almeida et al., 2021). Estes últimos possuem, também, menor
grau de ativismo em relação aos primeiros, levando em consideração suas mé-
dias anuais de reunião. Em síntese, Conselhos da Mulher e do Meio Ambiente

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não são dotados de mesma força institucional que os da Saúde e Assistência,
e esse fator nos ajuda a entender a maior ou menor centralidade que as IPs
assumem nos repertórios de ação das respectivas comunidades de políticas.
Além de força institucional, lançamos mão do conceito de capacidades
estatais, pois as IPs não estão constituídas num vazio institucional, e a forma
como são mobilizadas pelos atores das comunidades de políticas está condi-
cionada pela própria maneira como cada setor está estruturado. Capacidades
estatais são aqui entendidas como a “capacidade do Poder Executivo de im-
plementar suas políticas envolvendo múltiplos atores e interesses” (Pires &
Gomide, 2014, s/p). A definição envolve tanto a competência do Estado para
implementar suas políticas, as quais dependem de determinados atributos e re-
cursos, quanto a autonomia e legitimidade para fixá-las por meio de processos
democráticos, o que depende do envolvimento de múltiplos atores e processos
de interação; ou seja, envolvem duas dimensões: uma técnico-administrativa
e outra político-relacional. A primeira é constituída de elementos como re-
cursos humanos, recursos financeiros, instrumentos de planejamento e gestão
bem como estruturas de gestão (Gomide, Pereira & Machado, 2017); tem
a dizer sobre a existência (ou não) de órgãos responsáveis pela elaboração e
execução de uma dada política situados no Poder Executivo, nas esferas fe-
deral (ministérios, secretarias), municipal, estadual (secretarias exclusivas). Os
elementos da segunda dimensão, constituem-se de arranjos interfederativos,
mecanismos de interação da burocracia com os atores do sistema representa-
tivo, mecanismos de transparência e controle bem como canais institucionais
de participação (Gomide, Pereira & Machado, 2017). A Assistência Social,
distintamente das duas outras áreas aqui examinadas, está constituída como
um sistema de política mais estruturado, com capacidades estatais capilariza-
das pelo território nacional. Como veremos, esse fator também ajuda a com-
preender como conselhos e conferências são mobilizadas pelos atores.
Assim, tendo como pano de fundo as ideias de força institucional e de
capacidades estatais, nosso objetivo é investigar as transformações em curso,
que têm resultado em lugares mais ou menos centrais ocupados pelas IPs nas
estratégias de ação de suas respectivas comunidades, nas áreas da Assistência
Social, Mulheres e Meio Ambiente.

Assistência Social

Se ao longo da década de 1990 e 2000 as IPs desempenharam um pa-


pel reformador na política de assistência social, cujo impulso partia do nível

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nacional para os subnacionais, no atual contexto de mudanças na condução da
política pelo governo federal, conselhos e conferências podem assumir papel
estratégico para atores da comunidade pró SUAS na construção de mobiliza-
ções multiníveis. Isso ficou evidente em 2019, quando o governo federal barrou
a convocação feita pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) para
a realização da 12ª Conferência Nacional. Os atores da comunidade pró SUAS
acionaram as redes ativistas no território e organizaram, à revelia do governo,
a Conferência Nacional Democrática de Assistência Social. O evento contou
com cerca de 200 mil participantes e foi precedida de 4.200 conferências mu-
nicipais e 24 conferências estaduais6.
Essa extraordinária demonstração de força deveu-se a uma mobilização
com capilaridade territorial, articulada pelas organizações da sociedade civil
por fora e nos entornos do CNAS, e contou com o engajamento tanto dos
gestores como dos conselhos subnacionais da área.7 Para compreender a força
da Conferência de 2019 e, de maneira mais ampla, os motivos que permitem
aos atores da comunidade de política (defensores do SUAS) enxergarem nes-
se momento de mudanças na orientação da política conselhos e conferências
como instâncias de mobilização, é preciso considerar o saldo legado pela im-
plementação do projeto reformador, que fortaleceu nos subníveis governamen-
tais as instâncias participativas, bem como as capacidades técnico-administra-
tivas dessa política.
Como se sabe, a implementação do projeto reformador da Assistência
ganhou forte fôlego na década de 2000 com os governos petistas, quando buro-
cratas comprometidos com a reforma passaram a comandar a pasta da área na
esfera federal. Foram marcantes a criação do Ministério de Desenvolvimento
Social (MDS), a aprovação do SUAS e da Política Nacional de Assistência
Social (PNAS) pelo CNAS. A aliança entre agentes governamentais e parcelas

6  Disponível em: <https://crppr.org.br/wp-content/uploads/2019/12/agenda-de-lutas-2.


pdf>.
7  A realização dessa conferência foi considerada um sucesso pela adesão e produziu desdobra-
mentos efetivos, com o comprometimento de parlamentares com uma agenda que é, ao mesmo
tempo, reativa e propositiva diante do atual desmonte do SUAS. Parlamentares se comprome-
teram com a aprovação integral do PLN 42/19 e do PLN 48/19, que anunciam a abertura ao
orçamento de determinadas áreas para reforço de dotações constantes da Lei Orçamentária
vigente. Os Projeto de Lei do Congresso Nacional citados originaram, respectivamente, as leis
nº 13.963 de 20/12/2019 e Lei nº 13.955 de 16/12/2019, que somavam a destinação de R$
911.348.242,00 para o Fundo Nacional de Assistência social. O texto da Conferência realça
a mobilização popular na conquista de R$ 800.000.000,00 para a garantia dos repasses para a
manutenção de CRAS, CREAS, Centros Pop e dos serviços de acolhimento nos municípios e
estados.

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da sociedade civil defensoras do projeto reformador, sobretudo as organiza-
ções de representação profissional, tornou o CNAS a instância normatizadora
das novas regras que passaram a vigorar na estruturação do SUAS (Côrtes,
2015; Dowbor et al., neste volume). Sob hegemonia dessa aliança, foi possível
contornar, ainda que não sem tensões, as restrições que entidades religiosas e
prestadoras de serviços de assistência manifestavam ao projeto reformador, por
considerarem que ele resultaria em controle nas suas rotinas organizacionais,
execução e oferecimento dos serviços (Côrtes, 2015; Mayka, 2019).
Embora a expansão territorial dos conselhos de Assistência já tivesse
ocorrido na década de 1990, e as normativas nacionais dessa política já ga-
rantissem seu caráter deliberativo, a partir dos governos petistas as conferên-
cias nacionais realizadas sistematicamente a cada dois anos produziram deli-
berações recorrentes que buscaram uniformizar e fortalecer essas instâncias
numa série de aspectos.8 Simultaneamente, e em sintonia com o princípio da
descentralização que rege a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) e o
SUAS, bem como em alinhamento a uma prática da área que remonta aos
anos 90 (Santos, 2021), fóruns da sociedade civil ligados à assistência fo-
ram organizados em vários municípios e estados. Em 2009 e 2014, respectiva-
mente, foram criados o Fórum Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores do
SUAS (FNTSUAS) e o Fórum Nacional de Usuários do SUAS (FNUSUAS)
(Santos, 2021). Essas instâncias, com certa capilaridade pelo território, con-
tribuíram para a pluralização da comunidade de política e o fortalecimento, no
seu interior, dos aliados pró SUAS, com impactos importantes para as compo-
sições dos conselhos da área.9

8  Uma análise dos relatórios das conferências ocorridas nesse período permite agrupar as
preocupações relacionadas aos conselhos em três aspectos: a) aprimoramento das suas condições
de funcionamento, com a disponibilização de infraestrutura necessária; capacitação aos conse-
lheiros; garantia de uma representação plural da sociedade civil, com inclusão de representantes
usuários; garantia do princípio da paridade e alternância da presidência entre sociedade civil e
governo; b) fortalecimento da conexão dos conselhos com a sociedade, com ações de divulgação
do SUAS junto à população, a formação de fóruns regionais e o desenvolvimento de ações de
mobilização social; c) aproximação dos conselhos com outros órgãos de controles estatais, como
a busca de interlocução junto ao Ministério Público, às Defensorias Públicas e demais conse-
lhos. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/participacao/conferências>.
9  Entidades tradicionalmente vinculadas à área, de caráter filantrópico e religioso, passaram
a conviver, nos conselhos municipais e estaduais, com associações mais diversificadas, ligadas à
defesa dos direitos das comunidades negra, LGBTs, indígenas, organizações de geração de em-
prego e renda etc. (Almeida, 2009). Essa convivência, adicionada às próprias mudanças que as
organizações religiosas tiveram que fazer nas suas rotinas e linguagem em função das exigências
do SUAS, possibilitou a absorção de referências importantes da imagem da assistência social
como direito de cidadania, ainda que de forma seletiva e fragmentada (Taborna, 2018).

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Por outro lado, o princípio da gestão descentralizada, orientador da im-
plementação do SUAS, possibilitou o incremento e o fortalecimento de impor-
tantes capacidades estatais nos subníveis governamentais, com a exigência de
recursos humanos e criação de órgãos especializados, como secretarias próprias,
os CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e os CREAS (Centro
de Referência Especializado da Assistência Social). Também em sintonia com
as normativas da área, os gestores municipais e estaduais ganharam protago-
nismo na gestão da política por meio das Comissões Bipartites e Tripartites10,
bem como de suas entidades representativas, o Congemas (Colegiado Nacional
de Gestores/as Municipais de Assistência Social) e o Fonsea (Fórum Nacional
de Secretários de Estado da Assistência Social).
Assim, a partir da década de 2000, observamos fortalecimento da ar-
quitetura participativa da área e incremento de suas capacidades estatais pelo
território nacional que foram acompanhados também pelo fortalecimento dos
gestores subnacionais e de organizações civis pró SUAS. Foram esses recursos
organizacionais e institucionais, com capilaridade territorial, que mobilizados
pelos atores da comunidade pró SUAS possibilitaram a organização bem-su-
cedida da Conferência Democrática de 2019, em reação à nova orientação
federal que passou a vigorar no governo Temer, que tem ameaçado a efetivi-
dade da política e procurado enfraquecer conselhos, conferências e comissões
de gestores11.
Assim que assumiu o governo em 2016, Temer fundiu o Ministério
do Desenvolvimento Social ao da Previdência e Agricultura, o que sinalizava
a perda do status que a pasta tinha anteriormente com um órgão exclusivo.
Houve também uma redução do quadro de funções do CNAS em 50% e,

10  Instâncias que reúnem gestores municipais e estaduais, no caso da CIB, e federal, no caso
da CIT, para definir pactos de gestão para a área.
11  Em 2014, na campanha eleitoral para Presidência da República, já havia uma percepção
de que a possível derrota do PT nas eleições representaria uma reorientação no comando da
política, com perdas para o SUAS, o que levou à criação do MaisSuas, com o lema “Diga Não
ao retrocesso! Diga Não nas Urnas!”, formado por atores governamentais e da sociedade civil,
que se engajou na campanha da candidata do PT. A vitória de Dilma Rousseff, como se sabe,
não atenuou as pressões e a ascensão da agenda conservadora no período, e o desfecho foi sua
deposição em 2016. Nesse ano, outra articulação foi formada por organizações da sociedade
civil: a Frente Nacional em defesa do SUAS e da Seguridade Social (FNDSUAS), agora sem as-
sociação imediata com a defesa dos governos petistas, mas orientada a fazer oposição ao governo
Michel Temer na defesa da política. Essas mobilizações não foram construídas num vácuo, já
que, como dissemos, na esteira da implementação do SUAS, seus defensores na sociedade civil
acumularam importantes recursos organizacionais. Agradecemos o trabalho de Maithê Potrich,
bolsista de iniciação científica/UEM, que nos ajudou nessa coleta de dados.

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sobretudo, a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que delimitou
teto dos gastos da União para as políticas sociais por 20 anos. Em 2017, os
cortes orçamentários para programas sociais afetaram o BPC (Benefício de
Prestação Continuada) e outros programas e serviços da área.
O governo Bolsonaro seguiu com medidas restritivas ao setor, por exem-
plo, com a Portaria 2362/2020, que alterou as regras de repasses do Fundo
Nacional de Assistência Social aos fundos municipais e estaduais, e com o de-
creto 9759/2019, que extinguiu vários colegiados e conselhos, abrindo brechas
para alterações na estrutura do CNAS, com a extinção das comissões internas
então existentes.12 De acordo com Paiva et al. (2021), nos últimos cinco anos,
a tendência na condução da política por parte do governo federal está marca-
da, entre outros, pelo enfraquecimento da Comissão Intergestores Tripartite
e do CNAS, bem como pela queda de repasses de recursos federais às esferas
subnacionais, o que ajuda a compreender a atuação de gestores estaduais e
municipais nas mobilizações em defesa do SUAS.
Importante lembrar que o CNAS vive outra correlação de forças com
a saída do PT do governo. Diante das medidas que afetaram diretamente a
política desde o governo Temer, o CNAS, embora tenha endossado algumas
manifestações públicas de oposição às mudanças junto com outros conselhos
nacionais e organizações sociais, não tomou, como instituição, a frente das
mobilizações. Diferentemente da posição crítica que o Conselho Nacional de
Saúde manifestou sobre o impeachment, em 2016, o CNAS não fez, nos seus
canais de comunicação oficial, menção direta aos acontecimentos políticos de
então, o que foi cobrado por organizações, ativistas e fóruns da área (Almeida,
Vieira & Kashiwakura, 2020).
Frente às medidas que vêm comprometendo a efetividade do SUAS e
corroendo suas bases de sustentação, o CNAS, nos parece, tem assumido até
aqui um papel inercial. A Conferência Democrática de 2019 mostrou que o
protagonismo na organização de uma reação mais firme e pública tem sido das
organizações pró SUAS, que se formaram na esteira do fortalecimento da po-
lítica e das entidades dos gestores subnacionais. Nesse contexto, como mostrou
a Conferência de 2019, os conselhos subnacionais, por sua força institucional,
e ancorados em capacidades técnica-administrativas da área nos municípios
e estados (como secretarias municipais e estaduais, Comissões Bipartites e
os próprios CRAS e CREAS), podem assumir papel ativo e estratégico em

12  Agradecemos as informações dadas por Aldenora González, vice-presidenta do CNAS,


representante dos usuários pelo Instituto EcoVida.

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mobilizações em defesa do SUAS, organizadas de forma multinível e capilari-
zadas territorialmente.

Políticas para Mulheres

No trabalho já citado de Almeida, Martelli e Coelho (2021), mostramos


que instâncias participativas estiveram entre os primeiros órgãos governamen-
tais então criados para o engajamento do Estado na proteção às mulheres; ou
seja, a estruturação de uma Política para as Mulheres se deu em paralelo à
institucionalização de conselhos e conferências pelo território nacional – daí
sua qualidade de fundante. No momento atual, as IPs passam a ter um papel
periférico, ou seja, ficam à margem, deixam de ter protagonismo como espaços
estratégicos para pautar a agenda do setor. Em grande medida, é a movimenta-
ção da comunidade de política e o uso que fez e faz das IPs que dá a base para
explicação dessa variação.
Lembramos que o processo conferencista ocorrido durante os governos
petistas foi fundamental para a própria construção da comunidade política,
uma vez que até 2003 não havia se configurado propriamente um subsiste-
ma de políticas públicas de gênero no Brasil (Almeida, 2020). A política só
ganhou ossatura com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres
(SPM), no início do governo Lula (2003), e só a partir de então o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1985, foi revigorado e
passou a ter um papel central na estruturação do setor, com suas implicações
para os subníveis federativos. O CNDM foi responsável pela organização das
quatro Conferências Nacionais (2004, 2007, 2011, 2016), as quais, por sua vez,
foram responsáveis por elaborar diretrizes para o Plano Nacional de Política
para as mulheres. Nesse sentido, Conselhos e Conferências foram responsáveis
pela própria estruturação do setor, atuando na elaboração de narrativas em
defesa dos direitos das mulheres, na articulação da comunidade de política,
pautando as agendas governamentais e emprestando expertise para o engaja-
mento estatal na área.
As ações da SPM geraram incentivos significativos para a criação de ca-
pacidades estatais nos municípios e nos estados, com adensamento dos recur-
sos organizacionais, administrativos, humanos e orçamentários das políticas
para mulheres (Almeida & Belançon, 2020). No entanto, mesmo com os in-
centivos da SPM, os conselhos de mulheres têm baixa cobertura no território,
estão concentrados nos municípios maiores e mais ricos, possuem uma maior
heterogeneidade nos seus desenhos institucionais e são bem menos ativos

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como espaços de encontros entre atores sociais e estatais, indicando um grau
menor de sua rotinização (Mayka, 2019). Desde o pico de criação dos conse-
lhos em 2009, o ritmo vem diminuindo. Além da dependência dos municípios
e estados de incentivos oriundos da pasta federal, o CNDM nunca controlou
um fundo financeiro específico para mulheres, o que o tornava dependente
da SPM. Mas a capacidade estatal da SPM para pautar a política era muito
reduzida em termos de recursos e pessoal, somando-se o caráter transversal da
política, que tornava a Secretaria dependente de parcerias com outros minis-
térios. Assim, embora com papel crucial na construção de uma agenda para a
política no governo federal, a falta de autonomia administrativa e financeira
da SPM “não levou à consolidação dos direitos das mulheres na estrutura do
Estado, especialmente do ponto de vista de estabelecer coalizões que apoiem
mudanças reais nas leis e na implementação de políticas públicas” (Almeida,
2020, p. 16).
A fragilidade na estruturação do setor pelo território nacional se agu-
diza com a nova gestão no executivo federal, de 2019, que trouxe uma série de
mudanças na sua estrutura administrativa, especialmente nas pastas de caráter
mais ideológico, como a das mulheres. Mas a nova institucionalidade no âm-
bito do Executivo federal já vinha sendo desenhada nas gestões anteriores.
Em 2015, no governo Dilma, já sob o impacto das tensões geradas pela as-
censão da agenda conservadora, a SPM foi extinta e foi criado o Ministério
das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH),
provocando uma reação de indignação por parte de representantes da socieda-
de civil no CNDM, registrada na nota “Em defesa da manutenção da SPM”
(Carvalho, 2018). O governo Temer extinguiu o MMIRDH, recriando-
-o como ministério em 2017, mas com o nome de Ministério dos Direitos
Humanos. O impeachment de Dilma Rousseff provocou a saída de sete conse-
lheiras da sociedade civil do CNDM. A fala das conselheiras já dava o tom do
lugar que as IPs passariam a ocupar:

Não reconhecemos este Governo e, portanto, com ele não dialogaremos.


Acreditamos que a participação nos conselhos de controle social tem
como objetivo primordial democratizar o Estado e avançar na garantia
de direitos. Em um governo instituído pelo desrespeito à Constituição e
ao voto popular e, portanto, a institucionalidade democrática, não existe
possibilidade de diálogo (Sos Corpo, 2016, apud Carvalho, 2018, p.
101).

No Governo Bolsonaro, a Secretaria Nacional de Políticas para


Mulheres voltou a existir, mas perdeu o status ministerial, pois a pasta se fundiu

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a outras no agora Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
(MMFDH), que também passou a englobar as políticas indígenas.
O contexto avesso à participação, em curso desde 2016, afetou profun-
damente as atividades do CNDM, que em 2017 praticamente não se reuniu,
não produzindo atas de reuniões, tampouco informações sobre os rumos da
política. O website (da agora Secretaria) está desatualizado, sem publicização
de suas atividades, e foi retirado do ar o material sobre as gestões anterio-
res, dificultando o trabalho de pesquisa (Almeida, 2020). As Conferências
Nacionais não foram mais realizadas desde 2016.
A chegada à presidência de um governo declaradamente antifeminista e
porta-voz dos setores conservadores e de extrema direita marca a escalada do
desmonte progressivo da política para mulheres, que se tornaria cada vez mais
o terreno, por excelência, das disputas entre conservadores e progressistas no
cenário nacional (Almeida & Belançon, 2020). Isso se concretiza no Plano
Plurianual 2020-2023, pois é a primeira vez, desde o início dos anos 2000,
que não foi desenhado um programa específico para esse público, estando as
menções às mulheres contidas em ações de um programa guarda-chuva de
Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos para Todos; ou seja, o tema da proteção às mulheres como grupo
específico foi se tornando, pouco a pouco, cada vez menos visível na agenda
do governo federal (Tokarski et al., 2021, p. 417). Em paralelo, quando men-
cionadas, elas são vistas sobretudo como “mães”, e é nessa condição que são
protegidas pelo Estado.
Os dados da MUNIC/IBGE de 2018 já mostram os impactos do pro-
cesso de desmonte, com a diminuição dos OPMs (Organismos de Políticas
para Mulheres) nos municípios: em 2013, 27% dos municípios contavam com
um OPM; em 2018, esse número caiu para 20%, muito provavelmente de-
vido à falta de prioridade do setor na pasta do governo federal (Almeida &
Belançon, 2020, p. 11).
Olhando a movimentação da comunidade de política, destacamos que
os ativismos feministas que atuaram fortemente para conformar uma comu-
nidade de política no setor tiveram protagonismo nos anos de governo Lula,
tanto na ocupação de cargos na burocracia como emprestando suas vozes aos
Conselhos e Conferências para clamar pela institucionalização da política.
Como bem observa Alvarez (2014, p. 18), em diferentes momentos históricos
“distinta/os atoras/es ou vertentes ganham maior ou menor visibilidade polí-
tica e cultural, e maior ou menor acesso ao microfone público e aos recursos
materiais e culturais, às vezes conseguindo se estabelecer como hegemônicos”.

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Conceituando os feminismos como “campos discursivos de ação”, a autora fala
em “pontos nodais” mostrando que, a depender dos contextos históricos, diver-
sos atores, em espaços dentro e fora do Estado, podem servir como “nós arti-
culadores” desses campos. Por essa perspectiva, no pós-2003, as IPs serviram
como nós articuladores de várias vertentes feministas que, por sua vez, se inter-
conectaram com indivíduos e agrupamentos menos formalizados, situados em
diversos espaços na sociedade civil, formando uma trama a pautar, por dentro
do Estado, as políticas para as mulheres. Dada a importância em particular das
conferências para esse processo, Matos e Alvarez (2018) utilizaram a expres-
são “feminismo estatal participativo” para qualificar os ativismos feministas do
período.
Os feminismos ganham destaque nas IPs porque, como observa Pinto
(2018), houve a ocupação de espaços na burocracia estatal pelos movimentos
sociais, principalmente os ligados ao PT, a partir de 2002. O estudo de Matos
e Alvarez (2018) também revela que as delegadas das CNPMs de 2011 e 2016
eram feministas em sua esmagadora maioria (mais de 82%).
Desde 2016, as IPs têm sido preteridas como estratégicas para as pau-
tas do setor também por que o próprio campo vem se reconfigurando como
resultado das mudanças nas alianças e das disputas internas, bem como das
transformações nas coligações e conflitos com outros campos movimentistas,
como observa Alvarez (2014). A pluralidade de projetos sempre permeou o
feminismo13 e, se é verdade que o contexto de oportunidades políticas dos anos
2000 fortaleceu as vertentes que apostavam numa atuação próxima e por den-
tro ao Estado, é também fato que esse repertório acentuou tensões e frustações
no campo, resultantes do gap existente entre as demandas presentes e as res-
postas estatais efetivamente fornecidas a elas. A frustração com o investimento
no campo institucional, mesmo em contexto de governo “aliado”, decorre da
não absorção de demandas centrais para o movimento, especialmente as que
se referem aos direitos sexuais e reprodutivos. O debate dos últimos anos em
torno da questão do aborto, por exemplo, demonstra que o enquadramento pú-
blico do tema tem sido feito, prioritariamente, pela perspectiva conservadora
(Elias, 2018).
Além disso, pesquisas mostram a multiplicação de inovações de re-
pertórios entre as feministas, especialmente com os mais variados setores do
chamado “feminismo jovem”, que envolvem apostas de aumento da presença

13  Essa diversidade se expressou com peculiaridades ao longo do tempo, mas uma das cliva-
gens importantes presente dizia respeito às divergências em torno de uma atuação mais próxima
ou distante de Estado e partidos políticos (cf. Alvarez et al., 2003).

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no Legislativo, mas que conferem, também, forte valor à atuação não institu-
cional, no uso de redes sociais e da mídia e no fortalecimento das marchas e
protestos (Alvarez, 2014, p. 33). Destaque-se o repertório das ruas, que passa
a ser mais valorizado como o momento em que ocorre a sinergia entre o “novo”
e o “velho” feminismo, a exemplo do Dia Internacional da Mulher, da Marcha
das Mulheres Negras e da Marcha das Vadias. A percepção é a de que “é pre-
ciso reconstruir laços de solidariedade com o(s) movimento(s) e fortalecer a
base – um outro tipo de trabalho institucional fora do Conselho” (Almeida,
2020, p. 17). Fala-se em “quarta onda” do feminismo que nasce já “num cená-
rio de acirramento das posições fundamentalistas contrárias à autonomia das
mulheres, do debate sobre interseccionalidade e trazendo novas estratégias de
resistência através das tecnologias virtuais e retomada das ruas” (Matos &
Alvarez, 2018, p. 16).
Observa-se, portanto, que os ativismos feministas têm construído novas
rotas para a resistência e a institucionalização de demandas, mostrando o papel
periférico que as IPs têm assumido nesse processo. A fragilidade institucional
das IPs, bem como das capacidades estatais técnico administrativas da área,
que vêm sendo bastante corroídas, ajuda a reforçar no interior dos ativismos
feministas a percepção de que é necessário construir novas rotas e formas de
mobilização para a institucionalização de suas demandas.

Meio Ambiente

Considerando a configuração heterogênea de sua comunidade de políti-


ca, suas capacidades técnico administrativas e as oportunidades políticas, as IPs
do meio ambiente desempenharam papel episódico no processo de estrutura-
ção do setor (Almeida, Martelli & Coelho, 2021). Isso significa que no
processo de construção da política, as IPs tiveram importância em momentos
pontuais, sendo neutralizadas em outros.
A arquitetura participativa do setor veio a se estruturar somente de for-
ma tardia, nos anos dos governos do PT (pós-2003), e não esteve no centro
da institucionalização da política, que já vinha ocorrendo há décadas14. No

14  As primeiras ações de política ambiental datam da década de 1930 (Oliveira, 2008;
Losekan, 2009; Araújo, 2013). Não obstante, um marco temporal importante foi o ano de
1981, ainda durante o regime militar. Pouco antes, em 1973, havia sido criada a Secretaria do
Meio Ambiente (Sema), subordinada ao então Ministério do Interior, como resposta concreta à
famosa conferência de Estocolmo, realizada em 1972. Em 1981, foi promulgada a Lei 6.938, que
criou a Política Nacional do Meio Ambiente, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama),
o Cadastro de Defesa Ambiental e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

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processo de construção da política ambiental, as IPs adquiriram grau media-
no de força institucional. Isso quer dizer que não se universalizaram, tal qual
a Assistência Social ou a Saúde, nem construíram processos de rotinização
uniformes como essas áreas de maior força (Mayka, 2019), embora tenham
se espraiado por boa parte do território (Gurza Lavalle & Barone, 2015).
Assim, o papel das IPs no Meio Ambiente foi secundário na estruturação do
setor, uma vez que as capacidades técnico-administrativas já se encontravam
presentes previamente e a incidência das comunidades de políticas através das
IPs se deu apenas tardiamente. As comunidades não apostaram fortemente
nas IPs, tais como na Saúde ou Assistência Social, uma vez que privilegiaram
outros espaços de atuação. Daí o caráter episódico ou contingencial na institu-
cionalização da política ambiental.
Vale ressaltar que a efetiva estruturação e funcionamento do CONAMA
se deu a partir de 1983, não obstante seu caráter bastante técnico (Vilares,
2008). Foi incorporado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) quando da
criação deste, em 1993. Apesar da criação do Conselho Nacional ter ocorrido
na década de 1980, a primeira Conferência Nacional do setor veio a ser reali-
zada somente em 2003. Ao todo, foram apenas quatro Conferências Nacionais
até o momento, nos anos de 2003, 2005, 2008 e 2013 (Ayres et al., 2018). As
Conferências foram espaços importantes de interlocução, embora, na leitura
de Losekan, (2009)15, não tenham impactado as decisões políticas. O pico da
onda de criação dos seus conselhos municipais se deu somente na segunda me-
tade da década de 2000 (Almeida et al., 2021), especialmente durante a gestão
ministerial de Marina Silva (2003-2008), quando houve maior oportunidade
de incidência sobre a política ambiental por parte da comunidade por meio da
IPs, valorizadas, naquele momento, como instâncias de interação entre atores
sociais e estatais.
No atual contexto político, observa-se uma reorientação desse papel
episódico, na medida em que tem o sinal trocado de positivo para negativo: se
antes as IPs, no Meio Ambiente, se caracterizaram por performance contin-
gencial na estruturação do setor, agora, com a vitória das forças conservadoras,
elas são marcadas pelo papel de desestruturação da política ambiental. Caso

15  Para Losekan (2009, p. 1897), as duas primeiras conferências nacionais do meio ambiente
foram “mais um espaço estatal de interlocução do que um momento de encontro de sociedade
e Estado. Do ponto de vista da influência na política ambiental, as duas primeiras conferências
não impactaram as decisões políticas”, diz a autora, o que reforça o papel episódico das IPs na
área.

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emblemático nesse sentido é o CONAMA, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente, como veremos.
Já durante a campanha eleitoral de Bolsonaro, em 2018, sinalizava-se
inflexão radical no setor, pois eram frequentes suas declarações contra os ser-
vidores do IBAMA, do Instituto Chico Mendes e da ICMBio, e as críticas ao
que se referia como “indústria da multa”. Também, ainda durante a campanha,
Bolsonaro sugeriu acabar com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), fun-
dindo-o ao da Agricultura, historicamente visado e dominado pela “bancada
ruralista” (Araújo, 2020), um conjunto de deputados federais que se articulam
para defender pautas do agronegócio e que, historicamente, votam contra os
interesses ambientalistas.
Com a forte e ampla reação contrária à extinção do MMA de diversos
setores (não só dos atores ligados ao meio ambiente), Bolsonaro recuou des-
se objetivo. Ao assumir a presidência, porém, nomeou para ministro Ricardo
Salles, acusado formalmente pelo Ministério Público de improbidade adminis-
trativa por esvaziar políticas de proteção ambiental e por paralisar fiscalizações
de forma dolosa16, quando exercia o cargo de Secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo. Trocando em miúdos, na impossibilidade de liquidar
o MMA, Bolsonaro nomeou alguém para corroer por dentro suas capacidades
estatais.
Com apenas cinco meses de governo, o Decreto nº 9.806/2019 reduziu
drasticamente o número de conselheiros do CONAMA, de 96 para apenas 23
membros. As ONGs ambientalistas, que tinham 22 vagas, ficaram com ape-
nas 4. Salvo melhor juízo, o enfraquecimento do CONAMA não gerou forte
mobilização contrária da sociedade, em geral, ou das entidades ambientalistas,
em particular.
Em parte, isso pode estar associado às reações naquele mesmo momento
contra o Decreto nº 9.759/2019, que pretendia “extinguir” ou “limitar” todas as
IPs no plano federal, e que acabaram consumindo energias e esforços. A forte
reação e a posterior interpretação do STF de que o Executivo não teria poder
de extinguir colegiados criados por lei (Oliveira, 2020; Rodrigues, 2020;
Bezerra, Romão & Rodrigues, neste volume) pouparam o CONAMA, mas
o presidente acabou reduzindo a representação da sociedade civil nesse espaço.
A leitura é a de que, assim como ocorreu com o MMA, na impossibilidade
de eliminar a instância, o governo Bolsonaro acabou por enfraquecê-la. Isso
foi possível, em parte, porque as ONGs ambientalistas estavam distantes do

16  Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/mpf-pede-afastamento-de-salles-do-minis-


t%C3%A9rio-do-meio-ambiente/a-54073667>.

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CONAMA. Com efeito, o tamanho e a amplitude do colegiado eram alvos de
reclamo das próprias ONGs, que criticavam as longas discussões técnicas que
ocupavam a pauta, dificultando as mais profundas sobre os rumos da política
ambiental.
O CONAMA, até então, foi um dos conselhos nacionais com maior nú-
mero de representações (Cruxên et al., 2013), dada a complexidade do setor:
chegou a ter mais de 100 membros entre representantes dos estados, dos mi-
nistérios, do setor empresarial, do industrial e do agropecuário, dentre outros.
Em recente aula pública17, Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA, explica
que o CONAMA “sempre teve representação da área empresarial, industriais,
agricultura. Então, nunca foi um conselho cheio de ONGs ambientalistas, não.
Tinha representação das ONGs ambientalistas, lógico, mas não era e nunca
foram preponderantes na composição do conselho”.
De fato, como pesquisas demonstraram, por um lado, a gênese de boa
parte do movimento ambientalista brasileiro encontra-se em setores da classe
média que adotou uma estratégia de “micromobilização”, isto é, “microcon-
textos de interação social, tais como instituições profissionais, grupos cultu-
rais e redes de amizade, nos quais cidadãos comuns se convertem em ativistas
ambientalistas” (Alonso, Costa & Maciel, 2007, p. 154); por outro, desde a
década de 197018, a agenda ambiental ganhou contornos internacionais com
uma série de conferências mundiais. No contexto desses eventos, atores in-
ternacionais, como ONGs, organizações e redes ambientalistas, pautaram o
debate sobre a participação da sociedade na política ambiental. Assim, por
mais paradoxal que possa parecer, historicamente os atores que se mobilizaram
pelo meio ambiente o fizeram a partir de espaços internacionais e/ou locais e
territoriais.
A complexidade das comunidades do setor aparece no plano subnacio-
nal. Conforme demonstraram Luchmann, Almeida e Gimenes (2018, p. 225),
nos conselhos predomina o associativismo patronal-empresarial, seguido do
associativismo do mundo do trabalho. Depois desses, aparecem o associativis-
mo socioambiental e acadêmico. Os autores apontam “um associativismo de
caráter mais elitizado quando comparamos com as outras áreas”. Segundo eles,

17  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mCX5wPznVpk&t=3732s>.


18  Em 1972, a ONU organizou a primeira conferência mundial sobre o meio ambiente,
realizada em Estocolmo, na Suécia. Desde então, diversos outros fóruns de grandes dimensões
foram realizados, como o Protocolo de Montreal (1987), a ECO-92 (1992), o Protocolo de
Kyoto (1997), a Rio+10 (2002), a Rio+20 (2012) e o Acordo de Paris (2015).

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isso seria expresso, por exemplo, no peso considerável de entidades acadêmicas
e de pesquisa em comparação com outros setores, como a saúde e assistência.
Assim, não se verifica no Meio Ambiente, como em outras áreas, uma
comunidade de política orientada por objetivos e pautas comuns direcionadas
às IPs, pois a temática sempre suscitou o encontro de diversos atores oriundos
de distintos espaços sociais, disputando o próprio sentido do que se entende
por movimento ambientalista (Martelli et al., 2018, p. 255). Isso se reflete
na diversidade de espaços de atuação, legando às IPs uma atuação bastante
fragmentada e ocasional.
No governo Bolsonaro, além de reduzir o número de membros do
CONAMA, o processo de escolha dos representantes passou de eleição para
sorteio. Na primeira formação, algumas ONGs sorteadas recusaram-se a as-
sumir a vaga, denunciando o caráter de desmonte da participação social19. A
situação denota que, para parte da comunidade de política do Meio Ambiente,
as IPs, que já funcionavam de forma episódica e contingencial, ficaram ainda
mais periféricas, pois que as entidades ambientalistas têm utilizado – não de
hoje – outros “repertórios de interação” (Tatagiba, Abers & Serafim, 2014),
como o lobby/advocacy e a judicialização (Oliveira, 2016; Araújo, 2020).
Após a redução e a nova composição formada por sorteio, o CONAMA
revogou quatro importantes resoluções20 relacionadas a sistemas de proteção e
preservação ambiental. Nessa ocasião, da revogação das resoluções, houve sim
forte reação contrária da sociedade, de autoridades e dos ambientalistas, mas
após isso o CONAMA se reuniu poucas vezes. Em entrevista à BBC Brasil21,
a ambientalista Natalie Unterdstell, diretora do Instituto Talanoa de políticas
públicas sobre o clima, descreveu bem a estratégia do governo: “tentam usar
os órgãos ambientais para implementar sua agenda. Se não dá certo, recuam e
deixam (o órgão) abandonado”.

19  Disponível em: <https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/politica/2020/07/entidades-


-denunciam-destruicao-da-politica-ambiental-e-papel-de-ongs-sorteadas-para-o-conama/>.
20  Resoluções 302/02; 30302; 264/99; e 28401. A primeira previa uma faixa mínima de
preservação permanente nas margens de represas artificiais. A segunda, proteção a restingas
com faixa de 300 metros da linha média do mar na maré alta. A terceira resolução proibia a
incineração de agrotóxicos em fornos de cimento. A quarta exigia licenciamento ambiental para
irrigação.
21  Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56831720?at_custom1=%5B-
post+type%5D&at_campaign=64&at_medium=custom7&at_custom4=B87BC316-A38E-
-11EB-B4A6-9E650EDC252D& at_custom2=facebook_page&at_custom3=BBC+Brasil&-
fbclid=IwAR0AWy0HXpEIVYBYePG4kAMEtFhZPEqCA5mEjtLW_byvkh60Nc2K3_
fzQC0>.

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Ao fim e ao cabo, após tentar eliminar o Conselho e/ou enfraquecê-lo,
o governo passa a usá-lo para atender seus propósitos, buscando dar ares de
legitimidade à desregulamentação do setor, desconfigurando-o como lócus de
interação socioestatal e de legitimação de demandas dos atores envolvidos com
a política. Isso caracteriza o papel episódico das IPs, com sinal negativo. Para
novos atores que agora ocupam o CONAMA, ele foi utilizado pontualmente,
com o objetivo de legitimar suas ações na desregulamentação do setor. Assim,
perversamente, com anuência ou ausência das IPs, as capacidades estatais
construídas ao longo de décadas têm sido desmanteladas, com consequências
deletérias para a Política do Meio Ambiente no Brasil.

Considerações Finais

Neste capítulo, partimos da perspectiva de que as tensões e possibili-


dades de mudanças são intrínsecas às dinâmicas das instituições, não sendo
diferente para o caso das IPs, cujos papéis desempenhados nas políticas públi-
cas alteram-se no atual contexto, adverso à participação. Desde a Constituição
de 1988, as IPs se fortaleceram como espaço de interação de atores estatais e
sociais que compartilhavam o desejo de participar e interferir nos processos de
construção e de controle de políticas públicas. Conselhos e conferências tor-
naram-se expressão da articulação entre participação e políticas públicas, uma
ideia-força a sintetizar o desejo de atores na criação ou reforma de políticas
voltadas a ampliar acesso a direitos. Os exemplos trazidos com os setores de
Assistência Social, Mulheres e Meio Ambiente mostram que é esse sentido e
papel – de serem as IPs espaços de interação entre atores estatais e sociais que,
democraticamente, pautam questões para as políticas públicas – que está sendo
colocado em xeque.
O caso do Meio Ambiente é emblemático, pois que as IPs não têm
sido usadas como espaço de valorização da participação e de representação de
interesses comuns, ou de interação entre atores sociais e estatais a defender
projetos para o setor. Ao contrário, têm sido esvaziadas desses sentidos. Por um
lado, atores sociais da comunidade de política do setor deixam de valorizar as
IPs, fazendo delas espaços periféricos de atuação; por outro, os atores estatais as
têm utilizado de forma pontual e contingencial, apenas quando interessa para
colocar em movimento seus propósitos de desregulamentação do setor.
No caso das Políticas para Mulheres, as IPs tiveram papel fundante ocu-
pando, nos anos 2000, lugar central nos processos que lhe legaram maior es-
trutura institucional. No atual contexto político, no entanto, as IPs passam a

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ocupar um lugar periférico como espaços de representação de interesses, tanto
para atores sociais como estatais. O pouco enraizamento territorial das capaci-
dades técnico-administrativas da área, a reduzida força institucional adquirida
pelos conselhos e as mudanças pelas quais passa o campo feminista ajudam a
explicar a perda de protagonismo das IPs na área.
O caso da Assistência Social é interessante porque, além de mostrar o
dinamismo das IPs, foi capaz de chamar atenção para outro aspecto importan-
te: o fato de tratar-se de uma política universalizada, robusta em suas capaci-
dades estatais, faz com que as IPs tenham força institucional nas três esferas
federativas. Espraiados por todo o território nacional, conselhos e conferências
continuam a ser instituições importantes nas disputas em curso, com potencial
de impacto nos rumos da política. No entanto, são as IPs nas esferas estadual e
municipal que ganham protagonismo, em detrimento de uma certa inércia do
CNAS, que não tem se posicionado com altivez e centralidade contra as inves-
tidas que ameaçam o setor desde 2016, embora seus representantes da socieda-
de civil compareçam de maneira central nas mobilizações em curso, como foi o
caso da Conferência de 2019. Esse protagonismo de conselhos e conferências
nos níveis subnacionais está associado, portanto, ao longo processo de constru-
ção do setor aliado à trajetória de mobilização das comunidades de políticas
nas esferas subnacionais que, articuladas a gestores da área, mostram potencial
para catalisar a força institucional acumulada pelas instâncias participativas na
construção de ações comuns para o setor. O caso da Assistência Social sugere,
portanto, cautela ao colocar foco exclusivo nos conselhos nacionais para com-
preender as IPs no novo contexto.
Os três casos analisados buscam contribuir com o debate sobre as mu-
danças dos papéis das IPs nas políticas públicas, em que tanto a participação
institucional como as condições que viabilizam políticas promotoras de di-
reitos passam a ser alvos de investidas. Nesse contexto, o legado construído
em termos de capacidades técnico-administrativas e de força institucional dos
conselhos e conferências ajuda a compreender como as IPs têm sido mobili-
zadas pelas comunidades de políticas de cada setor, indicando o potencial que
guardam de sobrevida em tempos de desmonte e/ou ressignificação da parti-
cipação institucionalizada.

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3. Desmantelamento, encaixes institucionais e repertórios
de interação nos subsistemas de políticas de reforma
urbana e reforma agrária no contexto brasileiro pós-20161

Camila Penna Castro


Lizandra Serafim
Thiago Aparecido Trindade2

Introdução

A chegada do PT ao governo federal, em 2003, inaugurou um período


caracterizado pela institucionalização de uma arquitetura participativa nacio-
nal, pelo trânsito de vários ativistas em direção às instituições públicas e insti-
tucionalização de várias das demandas do campo popular através da criação de
diversas secretarias e ministérios, o que demonstrou que uma parte das estru-
turas do Estado brasileiro havia de fato se tornado mais permeável à influência
dos setores populares (Silva & Oliveira, 2011; Serafim, 2013; Teixeira,
2013; Abers, Serafim & Tatagiba, 2014).
Muito do que se pensou e escreveu sobre a interação entre movimen-
tos sociais e Estado ao longo desses últimos anos foi feito em um contexto
marcado pela combinação entre a experimentação democrático-participativa
regulamentada pela Constituição de 1988 e ascensão do PT ao poder em 2003
(Miguel, 2018, p. 64-65). Trata-se de um contexto de maior proximidade, em
que “movimentos sociais e atores estatais experimentaram criativamente com
padrões históricos de interação Estado-sociedade e reinterpretaram rotinas de
comunicação e negociação de formas inovadoras” (Abers et al., 2014, p. 326).
Todavia, o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, marca um reali-
nhamento de forças no campo institucional que leva a modificações considerá-
veis nas interações entre movimentos sociais e Estado. Há uma sinalização de
que “o período de expansão dos direitos e de inserção de agendas sociais [...]

1  Este capítulo é produto da pesquisa intitulada “Interações socioestatais e processos de


institucionalização no nível federal: um balanço pós-2016”, que conta com apoio financeiro
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Chamada
MCTIC/CNPq n.° 28/2018.
2  A ordem dos autores é meramente alfabética. A escrita deste trabalho foi compartilhada
igualmente.

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no Executivo estava chegando ao fim” (Avritzer, 2016, p. 141-142). Com a
eleição de Bolsonaro, esse processo de fechamento do regime se aprofundou.
Além da retórica agressiva do presidente contra os movimentos e ativismos
de esquerda, o novo governo tomou uma série de medidas que extinguiram e/
ou enfraqueceram instâncias participativas em nível federal, além de minar a
representação de setores da sociedade civil nesses espaços.
O presente trabalho analisa as mudanças nas interações socioestatais nos
subsistemas3 de políticas públicas ligadas à reforma urbana e à reforma agrária,
buscando responder às seguintes perguntas: o que muda a partir de 2016, e em
maior medida a partir de 2019, em um contexto de fechamento do Estado aos
movimentos sociais e à participação, de desmantelamento das políticas sociais
e desinstitucionalização de encaixes institucionais (Gurza Lavalle, Carlos,
Dowbor & Szwako, 2019) constituídos nas últimas décadas?4 Como os atores
reagem a esse fechamento e reconfiguram, criam e ressignificam suas rotinas e
repertórios de interação?
Para compreender comparativamente as transformações no escopo des-
ses dois subsistemas de políticas (Abers, Silva & Tatagiba, 2018), identifica-
mos, descrevemos e analisamos as mudanças mais significativas que se deram
no nível institucional e na estrutura relacional em cada subsistema nas últimas
décadas. Partindo do princípio da mútua constituição entre Estado e socie-
dade, discutimos como as assimetrias de poder existentes nesses subsistemas
influenciaram os formatos das políticas e dos setores do Estado associados a
elas. Políticas de reforma urbana e de reforma agrária e as relações socioestatais
com os movimentos sociais que as reivindicam têm sido estudadas no cam-
po de democracia e participação (Serafim, 2013; Penna, 2015; Trindade,

3  Seguindo a definição de Sabatier e Jenkins-Smith (1993), por subsistema estamos nos refe-
rindo ao conjunto de atores que tentam influenciar a política em determinada área ou domínio,
e que vão constituindo coalizões de acordo com ideias e crenças compartilhadas a respeito da
natureza do problema e das soluções a serem adotados pela política.
4  Utilizamos o conceito de desmantelamento de políticas públicas tal como definido por
Bauer et al. (2012): “a change of a direct, indirect, hidden or symbolic nature that either dimin-
ishes the number of policies in a particular area, reduces de number of policy instruments used
and/or lowers their intensity. It can involve changes to these core elements of policy and/or it
can be achieved by manipulating the capacities to implement and supervise them” (Bauer et al.,
2012, p. 36). Nesse sentido, adotamos os termos “desinstitucionalização de encaixes institucio-
nais” ou “desencaixe” para nos referirmos a processos específicos de reversão da institucionaliza-
ção de encaixes institucionais, inseridos ou não em processos mais amplos de desmantelamento
de políticas públicas. Por limitação de espaço, no presente capítulo a discussão teórica sobre a
relação entre desmantelamento de políticas públicas e (des)encaixes não pode ser desenvolvida,
e é objeto de artigo no prelo (Penna, Trindade & Serafim, 2021).

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2017), porém não de forma comparativa. Nossa contribuição empírica a partir
de uma comparação sistemática é significativa para uma interpretação mais
abrangente dos processos de transformação a partir de 2016.
Um elemento comum a ser destacado diz respeito ao tipo de conflito em
que esses atores estão inseridos: a disputa em torno da apropriação e redistri-
buição da terra. Haja vista que a concentração fundiária é um traço caracterís-
tico da formação de nossa sociedade, é importante considerar que, talvez mais
do que em outras esferas, as políticas de democratização do acesso às terras
urbanas e rurais afetam interesses de elites historicamente consolidadas na so-
ciedade brasileira, cujo poder gira fundamentalmente em torno da propriedade
privada da terra (Maricato, 2014; Sauer, 2017).
Para comparação entre os dois subsistemas, tomamos como eixos ana-
líticos os seguintes fenômenos: inflexões nas políticas participativas; recon-
figurações nas relações entre agentes governamentais e atores civis; mudan-
ças na legislação fundiária e nas políticas relacionadas ao urbano e ao rural.
Mobilizamos os conceitos de repertórios de interação (Abers, Serafim &
Tatagiba, 2014) e encaixes institucionais (Gurza Lavalle et al., 2019), além
de conceitos e discussões atuais presentes na bibliografia sobre os dois subsis-
temas. Importante destacar que nossa abordagem trabalha com os conceitos
de repertórios de interação e encaixes institucionais em uma perspectiva de
complementaridade, esforço que acreditamos ter o potencial de trazer consi-
deráveis ganhos analíticos para o debate.
Argumentamos que ampliar o enfoque centrado nos movimentos,
olhando de forma mais abrangente para as relações entre todos os atores que
constituem o subsistema da política pública – inclusive para os atores que se
opõem às agendas dos movimentos e que têm mais recursos e poder de barga-
nha –, é fundamental para a compreensão dos processos de desmantelamento
e desencaixe em curso, bem como das possibilidades e limites para a manu-
tenção ou construção de encaixes em um contexto adverso. No caso da polí-
tica urbana, o desmonte da estrutura participativa facilitou a implementação
de políticas mais diretamente vinculadas aos setores do grande empresariado,
enfraquecendo as vozes de oposição do campo da reforma urbana. No caso da
política fundiária, a mudança na agenda de democratização da terra (com po-
lítica reforma agrária e titulação de territórios quilombolas) para uma agenda
de ampla titulação de terras é uma pauta central para o agronegócio (Pompeia,
2020). A aproximação de ambos os setores patronais à aliança governista, ain-
da no segundo governo Dilma, ajuda a explicar o desmantelamento por en-
xugamento de recursos destinados a políticas reivindicadas por movimentos.

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O capítulo se organiza em quatro seções, incluindo esta introdução. Na
segunda seção, apresentamos os conceitos e teorias mobilizadas na análise. Na
terceira e na quarta seção, realizamos uma revisão do processo de construção
institucional e interações socioestatais nas esferas de política urbana e de re-
forma agrária, respectivamente, apresentando dados que demonstram o que as
mudanças recentes significaram para as relações entre Estado e movimentos
em cada subsistema. Na conclusão, apontamos brevemente para agendas de
pesquisa e caminhos possíveis para se continuar trabalhando com a temática
da institucionalização e da permeabilidade Estado-movimentos.

Repertórios de interação e encaixes institucionais

Os processos de interação entre movimentos sociais e Estado, suas mu-


danças ao longo do tempo e seus efeitos institucionais e organizacionais têm
sido objeto de estudos no Brasil pós-transição, sob diversas perspectivas e en-
foques. As variadas experimentações participativas e de construção de políticas
públicas protagonizadas por movimentos sociais, que ganharam novo patamar
durante as gestões petistas no governo federal, inspiraram a elaboração de ca-
tegorias que permitem compreender tais processos de interação e seus efeitos
sob a perspectiva da mútua constituição entre Estado e sociedade (Gurza
Lavalle et al., 2019).
O conceito de repertório de interação foi proposto por Abers, Serafim e
Tatagiba (2014) como adaptação do conceito de repertoire of contention (Tilly,
1992) para o contexto brasileiro, caracterizado por maior proximidade entre
governo e sociedade civil ao longo das gestões petistas, com o intuito de in-
corporar a diversidade de vínculos de colaboração e ação por dentro do Estado
(Abers & Von Bülow, 2011) e de compreender como diferentes estratégias
adotadas pelos movimentos sociais brasileiros eram usadas, combinadas e
transformadas, ampliando as chances de acesso e influência sobre o Estado.
As autoras identificam pelo menos 4 rotinas comuns de interação
Estado-sociedade no Brasil que se combinam de maneiras diversas, formando
repertórios de interação específicos em cada setor, mutáveis a depender do
contexto: a) protestos e ação direta – rotina utilizada para abrir ou restabelecer
negociações, como parte do ciclo de negociação (Abers, Serafim & Tatagiba,
2014) ou, complementamos, como forma de buscar legitimar socialmente uma
questão como problema público e forçar a agenda pública na direção do re-
conhecimento de atores, direitos ou soluções apresentadas pelos movimentos
sociais para determinado problema; b) participação institucionalizada, através

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de canais de diálogo oficialmente sancionados e guiados por regras previa-
mente definidas, a exemplo de conselhos de políticas públicas, conferências e
orçamentos participativos. A mobilização dessa rotina de interação não sig-
nifica de antemão que a relação estabelecida entre movimentos e Estado é
colaborativa. Os atores podem se utilizar destes canais como forma de reação
ou resistência em face da conjuntura adversa à participação social, como apon-
tam Almeida (2020) e Almeida, Vieira e Kashiwakura (2020); c) política de
proximidade, através de contatos diretos entre atores de Estado e sociedade
forjados pela distinção de atores específicos pela sua posição em um determi-
nado campo relacional; e d) ocupação de cargos na burocracia – rotina utiliza-
da com frequência por diversos movimentos brasileiros, mesmo em contextos
em que governo e movimento não compartilham do mesmo projeto político, e
cuja mobilização se intensifica quando governos são percebidos como aliados
dos movimentos, estimulando e retroalimentando outras rotinas de interação
(Abers et al., 2014).
A combinação criativa de repertórios de interação, construídos histori-
camente pelos atores societários, seguindo dinâmicas políticas internas a cada
setor, consiste em uma chave para explicar a ampliação da possibilidade de
influenciar o Estado a seu favor e construir instituições e políticas públicas
que canalizem e atendam às demandas dos movimentos sociais. As rotinas
de interação mobilizadas pelos movimentos devem ser compreendidas dentro
do conjunto mais amplo do repertório de interação mobilizado em cada setor
e em cada contexto a fim de se compreender seu conteúdo e significado; ou
seja, repertórios específicos não são dotados de um caráter confrontacional ou
colaborativo intrínseco (Almeida et al., 2020), mas seu caráter varia de acordo
com a (re)interpretação, (res)significação e adaptação dos mesmos por parte
dos atores em um dado contexto5.
O conceito de repertório de interação segue sendo útil para compreen-
dermos de que maneira, em um contexto adverso à influência de movimentos
sociais sobre o Estado, os atores escolhem acionar e combinar criativamente
um conjunto específico de rotinas, reconfigurando seus repertórios de intera-
ção. A análise empírica comparativa das transformações nos dois subsistemas
de política pública e das estratégias dos movimentos ao longo dos últimos anos

5  Exemplo disso é o exposto por Almeida et al. (2020) ao analisar as formas de ação criativa
dos atores no interior das instituições participativas (IPs) pós-2016. As autoras argumentam
que determinados repertórios que seriam modulares de alguns movimentos podem tornar-se
singulares quando aplicados em um contexto institucional. Assim, destacam a importância de
se compreender como os atores de movimentos sociais e Estado processam conflitos através e
além das instituições do Estado.

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nos permitiu identificar alterações significativas nos repertórios de interação,
como o crescimento da judicialização e do trabalho de base. Argumentamos
que as assimetrias de poder em cada subsistema, as características da agenda
que se busca avançar e o grau e ritmo de desinstitucionalização influenciarão a
escolha de formas de resistência e a experimentação dos repertórios.
Se o conceito de repertórios de interação nos permite observar como os
atores agem no sentido de buscar ampliar sua influência sobre a agenda pública
e as ações do Estado, a abordagem dos encaixes institucionais e domínios de
agência nos permite estender o olhar para os efeitos das interações construídas
historicamente sobre as instituições e as políticas públicas. Tal abordagem é
proposta por Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor e Szwako (2019) em sua análise
sobre processos de institucionalização de demandas dos movimentos sociais a
partir de dinâmicas de interação e mútua constituição com o Estado. A partir
de uma revisão do debate neoinstitucionalista histórico, os autores propõem a
revisão e ampliação da abordagem da polity e adaptação do conceito de insti-
tutional fit elaborado por Skocpol (1992).
Compreendidos como sedimentações institucionais resultantes de pro-
cessos de interação socioestatal em construção contínua, que ganham densi-
dade própria e permitem aos atores dirigirem a seu favor a seletividade das
instituições políticas, ampliando sua capacidade de ação e concedendo-lhes
poder de agência, os encaixes institucionais têm durabilidade e influência va-
riáveis a depender do nível de autoridade em que operam (vertical ou horizon-
tal) (Gurza Lavalle et al., 2019, p. 47-51). Encaixes constituídos em níveis
hierárquicos diferentes podem ser articulados horizontal e verticalmente em
configurações de maior ou menor alcance, constituindo domínios de agência
– esferas de competência relacionadas à capacidade de ação dos atores em um
âmbito de política pública. O estabelecimento de domínios de agência favore-
ce a capacidade de agência e decisão de determinados atores em detrimento de
outros. A noção de encaixe institucional refere-se tanto à institucionalização
de pontos de acesso e influência sobre os processos decisórios ou instituições
do Estado quanto à cristalização institucional do que se produz a partir desse
acesso e interação sustentada sobre as instituições e as políticas públicas, ex-
presso em instrumentos estatais de ação6.
Em consonância com o pressuposto da mútua constituição, o conceito
de capacidades estatais ganha centralidade no modelo proposto pelos autores,

6  Os autores utilizam o conceito de instrumentos na acepção ampla de Lascoumes e Le Galés


(2007), como “modos de resolver certos problemas, aplicados de modo recorrente e sancionados
como modos de proceder corretos” (Gurza Lavalle, 2019, p. 50).

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em interlocução com o debate neoinstitucionalista e com o debate brasileiro.
De acordo com diversos autores (Abers & Keck, 2013; Pereira, 2014; Pires
& Gomide, 2016; Bichir et al., 2017), as capacidades estatais acumuladas (ou
sua falta) estruturam as formas de interpelação do Estado e as chances de in-
fluência dos atores sociais no processo decisório de uma determinada política
pública; reciprocamente, os instrumentos estatais de ação e intervenção e, por
conseguinte, as capacidades estatais, têm gênese sociopolítica e são estrutu-
radas pelas interações socioestatais. Essas interações se dão no contexto de
diferentes subsistemas e são atravessadas por assimetrias de poder.
Parte considerável da literatura que se deteve aos estudos de processos
de institucionalização privilegiou o olhar para interações entre atores e coali-
zões específicas, na chave da garantia de direitos sociais, em um contexto de
avanço do projeto democrático-participativo. Entendemos que é importante
ampliar o foco para além dos movimentos sociais e suas interações com o
Estado e olhar para todo o subsistema de uma esfera de políticas públicas,
levando em consideração o conjunto de atores interessados em influenciar o
processo político envolvido naquela política. Isso inclui compreender as estra-
tégias de atores e coalizões contrários aos encaixes que garantem maior acesso
a movimentos sociais, e que também buscam forjar canais de acesso ao Estado,
instituições ou atores com maior autoridade; implica, ainda, como tratado em
Abers et al. (2018), olhar para assimetrias de poder político e econômico entre
os diferentes atores que compõem os subsistemas em torno das políticas de
reforma urbana e reforma agrária, que garantirão a determinados atores e coa-
lizões maior poder de organização, pressão e acesso a níveis hierarquicamente
superiores de decisão no Estado, revertendo esses processos quando possível.
Por fim, argumentamos, isso implica também identificar as fissuras no proces-
so de construção de encaixes e institucionalização dos setores, permeados por
contradições e ambiguidades, que podem ser exploradas pelos atores contrários
para minar o processo de institucionalização e desmantelar as políticas exis-
tentes, e que influenciarão na durabilidade dos encaixes.

Desmantelamento e desencaixes na política urbana pós-2016 e suas “raízes”

A construção institucional da política urbana em nível federal foi marca-


da pela atuação de uma diversidade de atores provenientes de movimentos po-
pulares urbanos, sindicatos, associações, acadêmicos, entidades profissionais de
arquitetos, urbanistas, engenheiros e juristas, que se articularam, ainda na dé-
cada de 1970, e criaram, em 1985, o Movimento Nacional de Reforma Urbana.

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Essa articulação originou o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU)
em 1987 no decorrer do processo Constituinte (Saule & Uzzo, 2010; Silva
Almeida, 2002).
O projeto de reforma urbana defendido pelos atores que compõem o
FNRU organiza-se, em linhas gerais, em torno dos princípios do direito à
cidade, da função social da cidade e da propriedade, e da gestão democráti-
ca e participativa das cidades (Saule & Uzzo, 2010; Silva Almeida, 2002).
Remonta ainda à década de 1980 a mobilização, por tais atores, de repertórios
de interação que envolviam protestos e ações diretas, como ocupações; relação
de proximidade, sobretudo com parlamentares e membros do Executivo local;
e, em gestões municipais progressistas, já nas primeiras décadas da redemocra-
tização, a ocupação de cargos e participação institucionalizada, em conselhos
e orçamentos participativos (Silva, 2002; Serafim, 2013; Abers et al., 2014).
O capítulo sobre Política Urbana da constituição de 1988 originou-se da
proposta de emenda popular elaborada pelo FNRU, e constitui-se como mar-
co fundador de uma nova ordem jurídica para a gestão urbana. Outro marco
importante da política urbana foi o Estatuto da Cidade (2001), lei federal que
detalha e regulamenta a aplicação dos dispositivos previstos pela Constituição
(Trindade, 2012). Já o Ministério das Cidades (MCidades), criado no início
do primeiro governo Lula (2003), foi considerado a principal conquista dos
atores historicamente mobilizados em torno do ideário da reforma urbana. Sua
criação representou a possibilidade de articulação entre as políticas do urbano,
historicamente fragmentadas, e a institucionalização, no Executivo Federal, do
projeto defendido ao longo de mais de três décadas (Serafim, 2013).
A narrativa sobre as interações socioestatais na política urbana federal
no período que compreende o início do Governo Lula (2003) até a ruptura de
2016 é conhecida (cf. Serafim, 2013; Duque Brasil, 2011; Duque Brasil et
al., 2013; Abers et al., 2014); já o que aconteceu após 2016 é menos conheci-
do, especialmente por se tratar de um processo ainda em curso, que precisa ser
caracterizado e analisado em sua complexidade.
É possível identificar as raízes do processo de desinstitucionalização dos
encaixes (ou desencaixe) a partir de 2016 na esteira de um processo mais am-
plo de desmantelamento da política urbana em sua concepção reformista ori-
ginal, que remonta ainda às gestões petistas, em um subsistema cuja correlação
de forças entre as coalizões se deu de forma muito assimétrica historicamente
– notadamente entre o empresariado dos setores de construção civil, incor-
poradores e de serviços urbanos, de um lado, e os movimentos populares por
moradia e direito à cidade, de outro. A natureza da questão central em jogo – a

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função social da propriedade – envolve a demanda por políticas redistributi-
vas com potencial de alterar significativamente os ganhos e impor perdas aos
setores que historicamente lucraram com a exploração da propriedade e dos
serviços urbanos.
Nos termos de Gurza Lavalle et al. (2019), podemos considerar o
MCidades e o Conselho Nacional das Cidades (ConCidades, criado em 2004)
como encaixes institucionais, forjados a partir do processo de interação entre
os atores do FNRU e o Estado. O comando do Ministério ficou inicialmen-
te a cargo de Olívio Dutra, político fortemente vinculado aos princípios da
agenda participativa, e seu corpo dirigente incluía diversos quadros militantes
da reforma urbana. O compartilhamento de projetos entre o corpo diretivo do
MCidades e os atores do FNRU garantiu que o ConCidades, a despeito de
sua condição de consultivo, tivesse um papel relevante no processo de defini-
ção de programas e políticas no MCidades em seu primeiro ano de existência
(Serafim, 2013).
O MCidades teve apenas dois anos e meio de uma gestão alinhada com
o projeto reformista. Nesse período predominou um repertório de interações
entre FNRU e MCidades constituído por ações de política de proximidade
e de participação institucionalizada (Abers et al., 2014; Serafim, 2013). No
entanto, ainda que tenha acumulado paulatinamente uma estrutura e apare-
lho técnico, e desenvolvido capacidades estatais em função da expertise e da
articulação de seu corpo técnico e político reformista, o MCidades esteve su-
jeito a crescentes pressões políticas provenientes da coalizão governamental
(Klintowitz, 2015; Rolnik, 2009; Marques, 2019).
A partir da substituição do ministro Dutra por Márcio Fortes (do então
Partido Progressista) e da saída de parte significativa dos dirigentes do campo
reformista, em meados de 2005, no contexto do escândalo do “Mensalão”, ob-
serva-se uma mudança significativa na direção da política urbana e o início de
seu desmantelamento no que se refere aos seus princípios fundamentais e inte-
gração entre subáreas, além do enfraquecimento progressivo do Ministério das
Cidades enquanto coordenador das políticas do urbano. Como demonstrado
pela literatura (Serafim, 2013; Duque Brasil, 2011; Duque Brasil et al.,
2013; Abers et al., 2014), houve uma inflexão significativa na relação dos ato-
res civis com o Ministério, além do esvaziamento (pela direção do Ministério)
das Conferências Nacionais e do ConCidades.
Ainda que em condições desfavoráveis internamente ao Ministério e
na coalizão de governo, os atores reformistas lograram institucionalizar en-
caixes na forma de instrumentos e capacidades estatais em conformidade ao

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projeto de reforma urbana ao longo das gestões petistas, a exemplo da realiza-
ção das Conferências Nacionais das Cidades (2003, 2005, 2007, 2010, 2013),
da criação do Fundo e do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
(FNHIS e SNHIS) em 2005, da aprovação do Plano Nacional de Habitação
(2008), da Lei Nacional de Saneamento Básico (2007), do Plano Nacional de
Habitação de Interesse Social (2010) e da Política Nacional de Mobilidade
(2012).
O início do segundo mandato de Lula (2007-2010) é marcado pelo pro-
tagonismo do “núcleo estratégico do governo” (Serafim, 2013), conformado
pela Casa Civil e pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento
e Gestão, na definição de políticas estratégicas relacionadas ao urbano, como
o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, e o Programa
Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) em 2009. O PMCMV foi concebido
como política anticíclica para combater os efeitos da crise econômica de 2008
e se tornou a principal política habitacional do país, mas não teve sua formula-
ção discutida no âmbito do ConCidades ou mesmo qualquer protagonismo do
MCidades. Sua definição foi feita basicamente pela Casa Civil e pela Fazenda,
em articulação com a pasta do Planejamento e com atores hegemônicos no
setor da construção civil, fortemente impactado pela crise econômica.
O PMCMV, ao mesmo tempo em que contemplava as demandas dos
movimentos de moradia por maiores investimentos em habitação popular
e por recursos para projetos autogestionários em sua modalidade MCMV
Entidades, também representou um duro golpe na agenda da reforma urbana,
ao reproduzir o padrão periférico de urbanização e contribuir para ampliar
a segregação das camadas de baixa renda nos centros urbanos. Além disso,
corria em paralelo à política habitacional em processo de institucionalização,
caracterizando o que Klintowitz (2015) chama de “dupla agenda”, resultando
no esvaziamento do FNHIS. O ConCidades e os movimentos de moradia,
alijados do processo decisório, pressionaram o governo e a Caixa Econômica
Federal, operadora do PMCMV, para participarem da definição das normas
operacionais do Programa e por recursos para o MCMV Entidades, através do
Conselho e de relações pessoais com a direção da SNH e da Caixa Econômica
Federal.
Essa transferência da decisão sobre a mais robusta política habitacional
para outros ministérios resultou no enfraquecimento dos encaixes mais im-
portantes constituídos até então, o MCidades e o ConCidades, que continua-
ram existindo formalmente, mas sem poder efetivo na definição das políticas

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mais estratégicas. Estabelece-se, desde então, um processo progressivo de
“desencaixe”.
O primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014) foi marcado por uma
relação mais conflitiva entre governo e atores do FNRU críticos ao modelo
PAC e MCMV, que se intensificou no contexto das remoções e conflitos ur-
banos gerados pelas grandes obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Esse processo alavancou a organização de ações diretas em diversas cidades
sedes, como os Comitês Populares da Copa, mas não representou o abandono
de rotinas de interação via participação institucionalizada, ocupação de cargos
e política de proximidade.
Em suma, o padrão de interação socioestatal ao longo do período 2003-
2016 se caracterizou por uma relação na qual a participação institucionalizada
se consolidou como elemento central. A ocupação de cargos na burocracia
também foi parte da estratégia de avançar a agenda da reforma urbana por
dentro do governo federal, mas após a saída de Dutra os quadros progressistas
do Ministério foram gradualmente se tornando menos numerosos. Marchas
a Brasília e protestos nas diferentes regiões do país, convocados pelas organi-
zações ligadas ao FNRU, aconteceram pelo menos uma vez por ano entre o
período de 2005 a 2008, mas não adquiriram a mesma centralidade da partici-
pação institucional e da política de proximidade enquanto rotina de interação.
Esse padrão, contudo, é drasticamente afetado após a destituição de Dilma
Rousseff em meados de 2016.
Em 2017, com o Decreto 9.076, o governo Temer adiou a realização da
6ª Conferência Nacional das Cidades, prevista para ter início em junho da-
quele ano. O referido Decreto também transferiu atribuições do ConCidades
para o MCidades, o que conferia ao mesmo o poder de convocar a Conferência
e editar um novo regimento sem consultar o conselho. Com a Conferência
adiada, o ConCidades necessariamente deixaria de funcionar, uma vez que
seus membros são eleitos pela plenária final. Já o Decreto 9.076, também de
2017, pode ser compreendido como um ensaio para o “Revogaço” (Decreto
9.759/2019) editado por Jair Bolsonaro no início de sua gestão, que extinguiu
quase todos os espaços de participação social no governo federal, analisado em
detalhes no capítulo de Bezerra, Rodrigues e Romão, neste livro. Na prática,
o adiamento da Conferência das Cidades em 2017 – e a consequente inope-
rância do ConCidades – foi a prévia para um processo de desmonte muito
mais profundo que viria a se concretizar na gestão Bolsonaro. Nesse senti-
do, é possível afirmar que a política urbana serviu como “laboratório” para o

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desmantelamento da arquitetura participativa em nível federal, que seria acen-
tuado a partir de 2019.
Os encaixes institucionais mais importantes sofrem, com Temer e
Bolsonaro, um processo mais direto de desmantelamento. Tal processo se dá
em um contexto marcado por uma série de mudanças políticas e jurídicas no
subsistema de política urbana que alteram os traços fundamentais dessa políti-
ca, consagrados pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade, denominado por
Alfonsin et al. (2020) como descaracterização da política urbana.
A ação de desmantelamento do governo Temer não se restringiu às ins-
tâncias participativas. A Lei n.° 13.465/2017 – REURB, aprovada na gestão
Temer, consiste em uma das ações de descaracterização da política urbana mais
importantes, pois modifica o marco legal da terra no Brasil e revoga o concei-
to de regularização fundiária instituído pela Lei 11.977/2009, substituindo-o
por uma política de titulação e contrariando a diretriz do Estatuto da Cidade
(Alfonsin et al., 2020). Na prática, abandona-se o paradigma de regularização
fundiária voltado à função social da propriedade, adotando-se um modelo de
distribuição de títulos plenos de propriedade.
Os recursos para moradias populares sofreram severo contingenciamen-
to em 2017, o que provocou novas mobilizações dos movimentos de moradia
com a realização de atos em Brasília. Embora o elemento mais central dos pro-
testos estivesse relacionado aos recursos financeiros da política habitacional, o
desmantelamento das instâncias de participação também foi pauta (Paixão,
2017; Sampaio, 2019).
A ruptura de 2016 reduziu significativamente o espaço para negociações
informais com o governo, forçando os movimentos a recorrerem novamente
ao protesto como forma de pressão. As ONGs que compõem o FNRU, por
sua vez, voltaram-se para uma atuação mais focada no nível local a partir da
destituição de Dilma Rousseff, combinada à vitória eleitoral de forças conser-
vadoras em várias capitais nas eleições municipais em 2016 e ao adiamento da
Conferência das Cidades em 2017.
O desmantelamento definitivo do encaixe institucional representado
pelo MCidades se daria apenas em 2019, logo no início da gestão Bolsonaro.
Por meio da Medida Provisória 870 (1 de janeiro de 2019), o governo federal
reorganizou o desenho de ministérios e secretarias, fundindo o MCidades e
o Ministério da Integração Nacional em uma mesma pasta, o Ministério do
Desenvolvimento Regional. A fusão em um órgão com competências muito
diversas reduziu a especialização administrativa e as capacidades estatais para
o tratamento da questão urbana (Alfonsin et al., 2020).

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Outra iniciativa que fere os princípios da política urbana durante o atual
governo foi a PEC 80 (março de 2019), de autoria de Flávio Bolsonaro, que
altera os artigos 182 e 186 da Constituição sobre a função social da proprieda-
de. Desde maio de 2020 à espera de um relator, a PEC “regulamenta a função
social da propriedade urbana e condiciona a desapropriação da propriedade
urbana e da rural à prévia autorização do poder legislativo ou de decisão judi-
cial, observando-se em ambos os casos o valor de mercado da propriedade na
indenização” (Brasil, 2019). Na prática, a proposta desconsidera a autonomia
municipal na definição de como se dará o cumprimento da função social da
propriedade e premia com ganhos financeiros o descumprimento da função
social da propriedade (Alfonsin et al., 2020).
No que se refere à política habitacional, com os sucessivos cortes nos
recursos e a substituição do PMCMV pelo Programa Casa Verde e Amarela
em 2020 – que extingue a faixa mais baixa do PMCMV –, encerra-se um ciclo
histórico de ação do Estado na promoção de habitação popular. Os movimen-
tos sociais urbanos, em um contexto de criminalização e fechamento dos prin-
cipais encaixes constituídos anteriormente e pelas contingências dadas com a
pandemia da Sars-Cov-2 em 2020, não tiveram força suficiente para conter
essa tendência de retrocesso.
Mais do que o fechamento de encaixes que foram concebidos como
grandes conquistas dos atores mobilizados pela reforma urbana no Brasil, o
fim do MCidades e a paralisia do ConCidades simbolizam o quanto a “ques-
tão urbana” perdeu força na agenda pública nacional ao longo desses anos.
Argumentamos que o processo de extinção do MCidades e do ConCidades
deve ser compreendido como parte, portanto, de uma inflexão mais profunda
da política urbana, a partir de um conjunto coordenado de ações empreendi-
das pelas forças conservadoras em âmbito Executivo e Legislativo federais no
sentido de esvaziar e alterar profundamente o princípio da função social da
propriedade e da cidade, do direito à cidade e da gestão democrática das políti-
cas urbanas e das cidades. Trata-se de uma reação aos princípios redistributivos
da propriedade privada, encarnados pelas políticas urbanas na Nova República
e pelos encaixes como o Ministério das Cidades, o Conselho das Cidades e
demais instrumentos legais e de políticas do urbano.

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Relações socioestatais na política fundiária pós-2016

Para compreender a interação socioestatal no campo da política fundiá-


ria e as condições de possibilidade de funcionamento dos encaixes formalmen-
te institucionalizados, é necessário olhar para o subsistema de política mais
amplo e como ele afeta a dinâmica de mútua constituição entre Estado e so-
ciedade; ou seja, é necessário olhar além dos movimentos sociais e considerar
o papel dos atores que se opõem a suas agendas. No caso das políticas fun-
diárias, os opositores centrais à pauta da reforma agrária são as organizações
representantes dos proprietários de terra, como a UDR (União Democrática
Ruralista) e, mais recentemente, as organizações representativas do agronegó-
cio, que têm se articulado em defesa da segurança jurídica (Pompéia, 2020) e
contra o avanço na demarcação de terra indígenas e quilombolas.
A dinâmica de interação e de constituição mútua entre movimentos
rurais e Estado no Brasil é um processo contínuo que remonta ao período
anterior à redemocratização (Medeiros, 2020). Contudo, o formato do en-
caixe mais recente que garantiu aos movimentos acesso ao processo de decisão
e de implementação da política de reforma agrária se consolidou na década
de 1990, quando se construiu uma linguagem para reivindicação de terras no
Brasil, caracterizada pela “forma acampamento” (Sigaud, 2005) e que orien-
tou a implementação da política pela autarquia estatal responsável (Penna,
2015). Nesse encaixe, os movimentos rurais eram responsáveis por organizar a
demanda de beneficiários, uma vez que a implementação da política, no mais
das vezes, vinha na forma de resposta à mobilização dos movimentos e como
forma de resolver a tensão social criada pelas ocupações de terra (Rosa, 2011;
Penna, 2015). Além de organizar a demanda, as reivindicações dos movimen-
tos também incluíam a melhoria das capacidades estatais do INCRA (Penna
& Rosa, 2015).
As mobilizações recorrentes como repertório de interação (Abers et
al., 2014) frequentemente culminavam em negociações que resultavam na
ampliação de orçamentos previstos para diferentes programas relacionados à
reforma agrária e à inclusão de demandas específicas na agenda de políticas
fundiárias. Embora esses repertórios tenham sido constituídos ainda no gover-
no FHC, eles se aprofundam nos governos Lula. Ainda nesse governo, outro
repertório de interação passa a ser comum: a ocupação de cargos públicos no
Executivo federal por pessoas ligadas aos movimentos. Além da ocupação de
cargos já existentes, é interessante notar que, assim como se deu na área de
política urbana, um dos efeitos da organização dos movimentos foi a criação

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de um Ministério, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, ainda no gover-
no FHC, que passou a centralizar, no âmbito do Executivo, a interação com
os movimentos. A política de proximidade com representantes no legislativo
federal mais próximos às bandeiras da reforma agrária (núcleo agrário), bem
como com representantes de legislativos e executivos estaduais (nos casos em
que a política fundiária é feita pelos institutos de terra estaduais) também é um
repertório historicamente utilizado pelos movimentos.
Embora tenha havido maior proximidade entre movimentos agrários e
Estado ao longo dos governos do PT, é importante notar que os setores pa-
tronais ligados ao agronegócio também faziam parte desta coalizão governista,
o que mitigou as possibilidades de avanço significativo na pauta da reforma
agrária, não se cumprindo nem a metade do que havia sido pactuado e cons-
truído junto aos movimentos no plano de governo e que estava expresso no II
Programa Nacional de Reforma Agrária (Santos, 2008). Se há uma fissura
entre o esperado e executado já no primeiro mandato do presidente Lula, a
marginalidade da política de reforma agrária na agenda do governo Dilma é
ainda mais significativa, com cortes orçamentários expressivos e redução na
política de criação de novos assentamentos (Sauer, 2019).
Essa situação, que na prática implicou um desmantelamento da políti-
ca sem um desencaixe, foi concomitante ao fortalecimento da articulação do
agronegócio, que conseguiu avançar em diferentes pautas, como a reformula-
ção do código florestal, tornando-se cada vez mais central na coalizão do go-
verno Dilma (Pompéia, 2020). Esse processo de desmantelamento coloca em
xeque não a existência do encaixe, que continuou existindo e sendo reforçado
com o trânsito institucional (Oliveira & Silva, 2011) cada vez maior entre
ativistas, partido e Estado, mas a própria existência da política. À medida em
que o agronegócio foi ganhando maior espaço na aliança governista, ainda no
governo Dilma, as políticas de desconcentração da terra foram se tornando
cada vez mais marginais (Sauer, 2019).
Além da reforma agrária, a política fundiária também envolve outras di-
mensões, como a regularização e titulação de terras públicas, a demarcação de
terras indígenas e a titulação de territórios quilombolas, em articulação com os
respectivos órgãos responsáveis pelo reconhecimento dos direitos territoriais,
além de todos os procedimentos envolvidos nesses processos. Embora tenham
sido reconhecidos na Constituição de 1988, foi a partir do governo Lula que
os direitos territoriais passaram a ser garantidos de forma mais sistemática. Ao
longo desse período, os movimentos agrários também ampliam suas pautas e
buscam estabelecer uma nova coalizão capaz de abarcar os povos do campo,

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das águas e da floresta, o que ficou conhecido como campo unitário, a partir
de um congresso realizado em Brasília em 2012, do qual participaram sin-
dicatos e movimentos rurais, organizações quilombolas, de seringueiros e de
indígenas. Nesse momento se buscou articular agendas e ações relacionadas às
políticas fundiárias e voltadas para a agricultura familiar. Essa articulação foi
importante porque ampliou o escopo da coalizão progressista no subsistema
das políticas fundiárias.
O fato de terem participado da coalizão governista ao longo dos gover-
nos Lula e Dilma e de terem ganhado cada vez mais centralidade na agroestra-
tégia econômica (Almeida, 2011) desses governos não impediu que os setores
ligados ao agronegócio apoiassem o impeachment e se alinhassem com a nova
coalizão governada por Temer (Sauer, 2019). A ruptura com o governo PT
resultou em mudanças imediatas na política fundiária, que se refletiu tanto
no desencaixe de estabilizações em que movimentos rurais tinham domínio
de agência quanto no aprofundamento do desmantelamento das políticas de
democratização da terra, que já vinha se dando nos últimos anos7.
Logo no início do governo Temer há uma reorganização dos órgãos e
secretarias responsáveis pela política fundiária. É destituído o Ministério de
Desenvolvimento Agrário (MDA), considerado um ganho de instituciona-
lidade das políticas para agricultura familiar (Grisa & Schneider, 2014), e
suas funções passam para o Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário e,
posteriormente, para a Casa Civil. Além dessa reorganização institucional, há
também uma reorientação dos objetivos da política pública, que passa a prio-
rizar a regularização fundiária em detrimento da reforma agrária. Essa reo-
rientação é visível na alocação de orçamento, por meio do qual há um corte da
ordem de -78,85% para a obtenção de terras para novos assentamentos e um
aumento da ordem de +499,08% para a política de titulação de terras (Leite
et al., 2018). É importante lembrar que essa mudança se dá em um contexto de
avanço do projeto neoliberal, e que a titulação de terras de assentamentos tem
como objetivo privatizar terras que antes tinham sido redistribuídas e estavam
sob o domínio do Incra, recolocando-as no mercado. Esse processo leva à re-
concentração fundiária e é denominado “contrarreforma agrária” ou “antiagen-
da da reforma agrária” pelos movimentos sociais (Alentejano, 2020).

7  Um marco na paralisação da política de reforma agrária foi o Acórdão publicado pelo


Tribunal de Contas da União em 2016, que a partir de cruzamento de dados identificou incon-
formidades na execução da política de reforma agrária e paralisou a distribuição de créditos para
assentamentos e o cadastro de novos assentados no Programa Nacional de Reforma Agrária
(Sauer & Leite, 2017).

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Essas transformações na política fundiária são institucionalizadas em
nova legislação, que tem como um dos efeitos o desencaixe das institucionali-
dades que garantiam o acesso dos movimentos sociais à política. Em paralelo,
analisando-se o texto das novas legislações é perceptível o avanço de reivindi-
cações da coalizão ruralista. A primeira grande mudança legal vem com a MP
759, que passa a permitir que as terras para reforma agrária sejam adquiridas
em dinheiro, o que acaba por mitigar o instrumento da desapropriação por
interesse social feita com indenizações em títulos da dívida agrária (Sauer
& Leite, 2017). A possibilidade de pagamento de terras adquiridas é uma
demanda histórica dos ruralistas (Medeiros, 2020). Os movimentos agrários,
em articulação com o campo unitário e com movimentos urbanos, se opuse-
ram publicamente à nova legislação, publicando uma carta conjunta (Sauer &
Leite, 2017).
A nova legislação foi complementada pelo Decreto 9.331 (2018), que
avança no desencaixe e na retirada do domínio de agência que os movimentos
tinham para pautar a demanda por beneficiários da reforma agrária. O novo
decreto exclui o conceito de “entidade representativa”, presente na legislação
anterior, que a definia como “entidade ou organização, formal ou informal,
que, isolada ou cumulativamente, preste atendimento, assessoramento e de-
fesa e garantia de direitos às famílias em situação de vulnerabilidade social”
(Decreto 8.738/2016). Em sua grande maioria ligadas aos movimentos sociais,
essas entidades tinham antes o respaldo legal para organizar e representar, em
algumas situações, os pleiteantes a beneficiários a serem assentados, podendo
fazer a inscrição coletiva de grupos de famílias acampadas. Contudo, o novo
decreto avança no sentido de desencaixar o formato da interação socioestatal
estabilizada na “forma acampamento” (Sigaud, 2005) na medida em que retira
o conceito de entidades representativas e transfere para os municípios a res-
ponsabilidade do cadastramento, a ser feito por meio de edital de convocação
pela internet (Sauer & Leite, 2017), descentralizando o processo de mediação
antes conduzido entre INCRA e entidades.
A alteração na legislação, que desfaz o encaixe, se dá ao mesmo tempo
em que um desmantelamento total da política de democratização da terra.
Com efeito, o orçamento do INCRA destinado à obtenção de terras para a
reforma agrária e à titulação de territórios quilombolas, que já havia sofrido
um corte drástico em 2016, é zerado entre 2019 e 2020 (Sauer et al., 2020).
Concomitante a isso, há um aumento na criminalização dos movimentos so-
ciais e das políticas de democratização da terra, na esteira de um processo que
vinha ocorrendo desde a instauração das Comissões Parlamentares Mistas de

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Inquérito do Incra e da Funai, entre 2015 e 2017, que ganharam visibilidade
na mídia e contribuíram para deslegitimar esses órgãos e os beneficiários de
suas políticas aos olhos da opinião pública (Ribeiro, 2020). Esse processo se
deu paralelamente ao avanço da concertação política do agronegócio, que fez
avançar algumas de suas pautas centrais em articulação com a bancada rura-
lista representada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (Pompeia, 2020).
Com o governo Bolsonaro há um avanço no processo de desencaixe,
com uma retórica mais agressiva em relação aos movimentos agrários, povos
indígenas e quilombolas. Com efeito, o presidente havia prometido, ainda em
campanha, não demarcar mais nenhuma terra indígena e quilombola, além da
promessa de avançar na liberação de armas no campo, para que fazendeiros
pudessem defender suas propriedades de invasores. Logo no início do man-
dato há uma nova reorganização da estrutura estatal responsável pela política
fundiária, com a criação da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, vincu-
lada ao Ministério da Agricultura, e sob gestão de Nabhan Garcia, presidente
licenciado da UDR e opositor ferrenho da reforma agrária e dos movimentos
sociais (Medeiros, 2020).
No novo governo há, portanto, uma continuidade do desmantelamento
da política fundiária de democratização da terra, com paralisação da criação
de novos assentamentos, titulação de territórios quilombolas e demarcação
de territórios indígenas. Em consonância com a centralidade que os setores
ruralistas e o agronegócio ganham na aliança governista, a política fundiária
passa a ser caracterizada pela mercantilização da terra, desregulamentação de
instrumentos legais que garantem a preservação do meio ambiente e assegu-
ram a soberania dos direitos territoriais das populações tradicionais. Do ponto
de vista da repressão, há uma escalada do uso da força com o envio da Força
Nacional para assentamentos do MST, na Bahia.8
A agenda da mercantilização da terra por meio de uma política fundiá-
ria que prioriza a regularização de posses com critérios cada vez mais favorá-
veis aos grandes proprietários que invadiram ou grilaram terras públicas nos
últimos anos, e cada vez mais lenientes com o desmatamento, é aprofundada
com uma nova Medida Provisória (910) de regularização fundiária editada
por Bolsonaro em 2018. Essa MP buscava flexibilizar ainda mais os critérios
para a titulação de terras públicas, reduzindo o marco temporal, aumentando o
tamanho da área e instituindo a autodeclaração, o que, na prática, legitimaria o

8  Disponível em: <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/03/forca-nacional-che-


ga-ao-extremo-sul-da-bahia-para-reforcar-seguranca-em-assentamentos-apos-acao-que-dei-
xou-feridos.ghtml>.

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processo de grilagem e de desmatamento ilegal feito por grandes proprietários
em terras da união (Sauer et al., 2019). A essa medida houve ampla resistência,
levada a cabo por uma coalizão formada por movimentos agrários, ambienta-
listas, indígenas e quilombolas. Algumas das atividades dessa coalizão foram
voltadas para os meios digitais, como tuitaços e lives, uma vez que já havia se
iniciado a pandemia. Como resultado da visibilidade da campanha opositora,
que incluiu artistas famosos, e da falta de acordo entre a base parlamentar go-
vernista e o restante da heterogênea bancada ruralista, a medida provisória não
foi votada e se transformou em um projeto de lei.
O processo de desmantelamento das políticas de democratização da ter-
ra e os desencaixes ocorridos após 2016 resultaram no fechamento de canais
de acesso ao Executivo Federal, o que impactou em mudanças significativas na
interação socioestatal e nos repertórios dos movimentos sociais. Considerando
os repertórios de interação (Abers et al., 2014), é possível dizer que a ocupa-
ção de cargos públicos e a participação institucionalizada se enfraqueceram
no governo Temer e praticamente deixaram de existir no governo Bolsonaro.
As ações diretas de protesto também se reduziram, na medida em que há uma
diminuição na política de assentamentos e um aumento na perseguição de
lideranças e na violência no campo9, inclusive com a autorização de operações
de garantia da Lei e da Ordem (GLO) no campo, o que teve como efeito a
redução no número de famílias engajadas na luta por terra (Stédile apud
Medeiros, 2020). Além disso, como a possibilidade de negociação com o
Executivo Federal passa a estar praticamente fechada, os movimentos voltam
suas ações para a sociedade e para suas bases, dando centralidade a bandeiras
como alimentação saudável, agroecologia, solidariedade entre classes trabalha-
doras rurais e urbanas, soberania alimentar, direitos territoriais (Medeiros,
2020). Nesse processo, a mobilização das mulheres do campo por meio da
Marcha das Margaridas ganha destaque (Teixeira, 2018).
A política de proximidade continua sendo um repertório de intera-
ção importante para os movimentos rurais, ainda que com diferenças entre
as diferentes organizações. A estratégia de ação institucional é mais central
para o sindicalismo rural do que para o MST e outros movimentos ligados à
Via Campesina. Ao passo em que havia uma proximidade significativa com
o Executivo Federal nos governos Lula e Dilma, agora ela se dá quase que
exclusivamente com os núcleos mais próximos no legislativo federal, seguindo

9  De acordo com o Relatório da CPT de 2019 sobre Violência no Campo, o ano de 2017
representa um aumento significativo no número de assassinatos no campo, tendência que con-
tinuará alta nos dois anos seguintes.

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uma tendência histórica dos movimentos rurais (Medeiros, 2020), e com le-
gislativos e executivos estaduais, notadamente com governadores no campo da
esquerda, como o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável
do Nordeste. Por meio desse repertório de interação, tem sido possível avan-
çar em agendas importantes, como a retomada do Programa de Aquisição de
Alimentos por alguns governos estaduais (Valadares et al., 2020). Vale no-
tar que boa parte da atuação dos movimentos rurais nos últimos anos esteve
voltada não para o Estado, mas para a sociedade, haja vista que os canais de
interação com o Estado estão cada vez mais fechados. Ao tomar como foco
as interações socioestatais, podemos negligenciar esse trabalho de reprodução
interna dos movimentos (Teixeira, 2018) que, embora pouco visíveis, são fun-
damentais para a dinâmica de organização interna (Medeiros, 2020).

Conclusões

Este texto teve como objetivo principal analisar as mudanças e rupturas


nos processos de interação socioestatal nos subsistemas das políticas de re-
forma urbana e reforma agrária no contexto pós-2016, a partir da análise das
inflexões nas políticas participativas, reconfigurações nas relações entre agentes
governamentais e atores civis, mudanças na legislação fundiária e nas políticas
relacionadas ao urbano e ao rural. Argumentamos pela necessidade de se am-
pliar o olhar sobre as interações socioestatais, considerando todo o subsistema
de atores e políticas públicas. Entendemos que a agenda de pesquisa em curso
sobre o interacionismo socioestatal tem avançado nessa direção, mas essa ainda
é uma tarefa por fazer, sobretudo nos dois casos aqui analisados.
Nosso foco esteve na compreensão do processo de desinstitucionaliza-
ção dos encaixes institucionais construídos a partir das interações entre os ato-
res em cada subsistema, em um processo mais amplo de mudanças que se de-
ram nas políticas públicas, instituições e estruturas relacionais que constituem
os subsistemas, e no regime. Além disso, buscamos identificar as assimetrias de
poder nos processos de interação e as fissuras que se constituíram no processo
de construção de encaixes.
A partir da comparação dos dois casos, concluímos que em ambos os
subsistemas, entre os anos de 2009 e 2011 (fim do segundo governo Lula e
início do primeiro mandato de Rousseff ), iniciou-se um processo de desman-
telamento das políticas e de instituições construídas em relação com os movi-
mentos sociais, que abriu caminho para a posterior desinstitucionalização dos
encaixes institucionais. Nos governos PT isso se deu sem grandes alterações

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nos objetivos das políticas, com cortes orçamentários (caso da reforma agrária)
e ações contrárias aos interesses da agenda reformista (caso da reforma urba-
na), mas que ao mesmo tempo pareciam atender parcialmente aos interesses de
alguns setores populares, seguindo as características básicas do arranjo lulista.
A partir de 2016 esse processo é acelerado, no contexto mais amplo de
retrocesso e fechamento democrático. Tem-se, a partir da ruptura democrá-
tica de 2016, o início de um processo mais abrupto de desmantelamento de
políticas, instituições participativas e rotinas de interação marcadas pela pro-
ximidade entre ativistas e agentes estatais, conformadas no decorrer do ciclo
petista. Esse é um ponto comum aos dois casos de estudo, que em nossa visão
contribui para iluminar o processo mais amplo de retrocesso e redução da per-
meabilidade do Estado brasileiro aos movimentos populares.
Por um lado, não é possível afirmar que haja uma interrupção total dos
canais de acesso ao Estado pelos movimentos sociais, dada a heterogeneidade
constitutiva do Estado – afinal ainda existe uma relação de proximidade com
setores da burocracia técnica no Executivo que possuem vínculos com ativistas,
bem como as brechas para atuação no Legislativo, no Judiciário e no próprio
Ministério Público. Mas, por outro lado, a ofensiva conservadora sobre os es-
paços de participação, os sucessivos cortes orçamentários, o aprofundamento
das políticas de mercantilização da terra e as recentes tentativas de endureci-
mento da legislação de repressão aos protestos demonstram que houve de fato
uma inflexão mais profunda nas interações socioestatais nos dois subsistemas
estudados, constituindo parte de um esvaziamento e reversão dos princípios
e direitos que marcaram a ordem constitucional na nova República, e cujo
elemento central é a questão da (re)distribuição da propriedade da terra. A
profunda assimetria de poder que marca historicamente os subsistemas é, por-
tanto, um fator central para a compreensão da constituição e da durabilidade
das políticas e dos encaixes e da forma como os mesmos são desfeitos.
Olhando para as ações dos movimentos, foi possível concluir que houve
uma mudança no padrão de interações socioestatais a partir de 2016. A po-
lítica de proximidade e a ocupação de cargos no Executivo federal se tornam
menos relevantes, e a proximidade com o Legislativo e com o Judiciário, que
sempre fizeram parte dos repertórios de ação dos movimentos, se tornam mais
relevantes. Outro ponto em comum foi a descentralização das interações so-
cioestatais. A interpelação de governos estaduais e locais também se torna mais
relevante como estratégia para se avançar nas agendas ligadas à reforma urba-
na e à reforma agrária. Outro ponto comum observado foi o direcionamento
das ações dos movimentos para o processo de reprodução interna (Teixeira,

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2018) e para a mobilização das bases. Essa atuação com foco na sociedade não
é capturada pelo conceito de repertório de interação, que se foca na relação
socioestatal. Não obstante, é um processo fundamental na política cultural dos
movimentos (Alvarez et al., 2000), e deve ser olhada com mais cuidado no
momento atual.
Os resultados preliminares apresentados neste trabalho são parte de
uma pesquisa em andamento. É necessário, ainda, avançar no mapeamento e
na análise do conjunto de atores e coalizões que compõem cada subsistema, a
correlação de forças entre eles e as estratégias empreendidas para influenciar o
processo político e construir ou desfazer encaixes em cada contexto, em condi-
ções assimétricas de poder.
Na medida em que políticas públicas sempre envolvem disputas entre
atores com diferentes interesses e recursos, consideramos profícua a estratégia
de tomar como unidade de análise os subsistemas, seus atores, coalizões e polí-
ticas específicas, a fim de compor um quadro mais amplo e situado para a aná-
lise dos processos de construção de encaixes e desencaixe, e das mudanças nos
repertórios de interação socioestatal. Tal estratégia possibilitará avançarmos na
comparação entre diferentes subsistemas e na compreensão do período pós-
2016, bem como avaliarmos em que medida as reconfigurações nos repertórios
e estruturas relacionais possibilitam ou não, e em que grau, a (re)abertura de
acesso ao Estado, a permanência e o funcionamento das instituições participa-
tivas e outros encaixes, e seu alcance efetivo, em um contexto adverso.

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4. Participação em tempos de desdemocratização: 
notas para um modelo de análise

Leonardo Avritzer
Eduardo Moreira da Silva
Priscila Delgado de Carvalho
Priscila Zanandrez 

Introdução

A participação social institucionalizada, no Brasil, tem uma história de


três décadas. Neste texto, propomos que essa trajetória pode ser dividida se-
gundo dois padrões: o primeiro deles marcado pela proliferação dos arranjos
participativos, entre 1990 e 2014, e o segundo marcado por uma dinâmica
de retrocessos desses arranjos, que se estabeleceu após 2014 e segue vigente
enquanto escrevemos este texto, em 2021. Ao sistematizar esses padrões, bus-
ca-se avançar na direção de um marco analítico capaz de levar em conta um
modelo de participação no Brasil que envolva, ao mesmo tempo, a longue durée
(longa duração) da participação e as suas diferentes relações com o sistema
político e com o Estado no Brasil.
O modelo que se construiu no país para se pensar as relações entre ar-
ranjos participativos, sistema político e Estado foi formulado em um período
de expansão democrática, em meio aos processos de transição e de consolida-
ção da democracia. Tal modelo situa a participação institucional como elemen-
to de aprofundamento democrático, seja devido a sua capacidade de contribuir
para a renovação das conexões entre representação e participação, seja pela
inclusão da participação como elemento definidor de um dos projetos políticos
que disputavam os rumos do país. Dagnino, Olvera e Panfichi (2006) foram
assertivos ao destacar a coexistência dos projetos políticos democrático-popu-
lar, neoliberal e autoritário e suas diferentes combinações ao longo do tempo.
Escrevendo na primeira década deste século, perceberam o projeto autoritário
em “estado de latência” (Dagnino, Olvera & Panfichi, 2006, p. 45). Assim,
ao longo dos últimos 30 anos, pouca atenção parecia necessária aos resquícios
dos projetos autoritários, que tenderiam a se diluir, ou às interseções entre a
política e as instituições coercitivas do Estado, que seguiram presentes, mas
não pareciam trazer riscos maiores à democratização.

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Quando, a partir de 2014, começam a emergir no horizonte político
elementos de desdemocratização, a participação não perde centralidade; ao
contrário, as disputas que se abriram sobre o sistema político e o Estado en-
volveram, diretamente, as formas de participação que vinham se ampliando
no período anterior. O conflito em torno da participação surgiu alguns meses
antes das eleições de 2014. Esse conflito, que é apenas o início de um ciclo de
contenciosidade da participação e reversão de arranjos participativos, colocou
um novo desafio teórico: o de entender como a participação se relaciona com
o sistema político e o Estado não somente em períodos de ampliação, mas
também de retração da democracia. Neste trabalho, propomos denominar esse
período de retração como um processo de desdemocratização, tal como formu-
lado por Charles Tilly (2007). Tal abordagem é útil para analisar de que ma-
neira processos de democratização e desdemocratização passam, entre outros
temas, pela abertura (ou fechamento) do Estado às demandas expressas pela
cidadania e pelo deslocamento de posições de atores-chave.
O capítulo está organizado em três seções. Na primeira, retomamos o
marco teórico proposto por Charles Tilly, indicando de que forma ele pode ser
útil para discutir mudanças no cenário da participação em tempos de demo-
cratização e desdemocratização (Tilly, 2007). A partir desse enquadramento,
segue-se uma análise da participação institucional no Brasil, que identifica pa-
drões, cada um deles discutido em uma seção: primeiro, o padrão de demo-
cratização que levou à ampliação da participação, e, em seguida, o padrão de
retração da participação, atualmente em curso.

Participação, democratização e desdemocratização

Charles Tilly (2007) define democratização como processo em que a


atuação do Estado caminha no sentido de maior conformidade às demandas
expressas pelos cidadãos. Trata-se, porém, de processos sempre incompletos e
sujeitos à reversão, o que ele denominou “desdemocratização”. Tilly tem um
conceito heterodoxo de democratização, entendendo-a sob a perspectiva da
relação entre Estados e a cidadania. O Estado é o ator que concentra poder e
que pode ser democratizado a partir de pressões que têm origem na sociedade
ou, mais especificamente, nos cidadãos (ou naqueles que buscam tornar-se ci-
dadãos). A democratização, nesse modelo, não é concedida pelas elites quando
o custo de repressão das demandas expressas por trabalhadores, camponeses
ou minorias é maior do que o custo da inclusão, como afirmado pela teoria da
transição (O’donnell & Schmitter, 1986); ao contrário, ela é centrada nas

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lutas e disputas entre Estado e cidadãos, que se expressam publicamente por
meios institucionais como as eleições, mas também por movimentos sociais, re-
voluções ou guerras civis (Tilly, 2007, p. 12). Para os objetivos deste capítulo, é
interessante desagregar a forma de relação entre Estado e cidadão: as pressões
que o Estado recebe da sociedade podem ter origem em movimentos sociais,
tal como o próprio Tilly demonstrou em diversas obras (Tilly, 1986; 1997);
elas também podem passar pelos partidos e pelo parlamento como formas de
estabelecimento de um fluxo democratizante (Avritzer, 1995). Assim, exis-
tem múltiplos fluxos no processo democratizante que se expressam na forma
como ele chega ao parlamento e aos setores do Estado, que tem capacidade de
criar políticas de inclusão.
Para observar como se desenvolvem processos de democratização e
desdemocratização, Tilly propõe um modelo analítico composto por quatro
dimensões nas relações políticas entre Estados e cidadãos: 1) abrangência da
cidadania; 2) equidade; 3) proteção, ou a medida em que a expressão das de-
mandas é protegida da ação arbitrária do Estado e de outros grupos; e 4) a
existência de consultas mutuamente vinculantes (Tilly, 2007, p. 13-15).
Instituições participativas não estão mencionadas diretamente, mas não
é difícil entendê-las como um dos possíveis canais públicos que ganham forma
nos processos que contribuem para a extensão da cidadania e para a existência
de consultas amplas e vinculantes. Em períodos de democratização, esses espa-
ços propiciaram a expressão de segmentos que tinham pouco acesso ao Estado,
a expressão de opiniões sobre políticas públicas e a formulação de modos de
atuação do Estado de modo a incluir segmentos antes marginalizados. Em
casos de instituições com caráter deliberativo, tais grupos são incluídos em
decisões que vinculam políticas e ações do Estado.
Em países onde a democracia se consolidou, essa construção passou ne-
cessariamente por diversos processos de democratização e de desdemocratiza-
ção. As ondas de democratização, conforme conceituadas por Markoff (1996),
são processos que aproximam tendências semelhantes em vários países. A de-
finição, porém, é útil para apontar como nesses processos a atuação de atores
domésticos tende a ser transformada.

Em uma onda democrática, há muitas discussões sobre as virtudes da


democracia, movimentos sociais frequentemente demandam por mais
democracia, e as pessoas em posição de autoridade proclamam suas
intenções democráticas. Durante as ondas antidemocráticas, governos
são transformados em maneiras que são entendidas como não demo-
cráticas, movimentos sociais proclamam suas intenções de livrar-se da

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democracia, e figuras do governo orgulhosamente expressam hostilida-
des à democracia (Markoff, 1996, p. 1-2, apud Tilly, 2007, p. 40).

Segundo essa teoria, os mesmos atores que antes estavam comprometi-


dos com a democratização podem desempenhar um papel central nas ondas de
desdemocratização. Isso inclui movimentos sociais, partidos, setores das elites
e da opinião pública, mas também atores dos governos e das mais diferentes
esferas estatais. A partir dessa base conceitual, é possível propor que, no Brasil,
tanto a expansão dos arranjos participativos quanto a retração desses instru-
mentos de participação envolvem diferentes relações entre atores da sociedade
civil, mídia, poder executivo, poder legislativo e até mesmo o poder judiciário.
Nas páginas a seguir, nos dedicamos a delinear a ação de tais atores em pro-
cessos de democratização e desdemocratização recentemente observados no
Brasil.

A participação e o padrão de democratização no Brasil

A década de 1980, marcada pela transição brasileira do período militar


para um regime democrático, reflete também um processo de descentralização
de autoridade e inovações institucionais, no qual se começa a construir tam-
bém um modelo democrático participativo. A promulgação da Constituição
Federal de 1988 é um marco nesse sentido, ao oferecer as condições necessárias
para a implementação de um conjunto de espaços de articulação entre a socie-
dade e o governo nas mais diversas áreas de políticas públicas. A Constituição
inaugura o que estamos chamando de um padrão de democratização, em que o
Estado se torna mais poroso às demandas dos diferentes setores da sociedade
civil.
A partir desse período, houve a expansão de práticas participativas
sobretudo em nível local, através da multiplicação de conselhos de políticas
públicas vinculados às áreas de saúde, assistência social, direitos da criança e
adolescente, mulheres, educação, desenvolvimento rural, dentre tantas outras
áreas que, a partir de legislação específica, tornaram o processo de formulação
de suas políticas mais inclusivos (sobre isso, ver Gurza Lavalle e Isunza Vera,
neste volume). A multiplicação das iniciativas de orçamentos participativos
municipais também é situada nesse período. Se um primeiro momento de ex-
pansão participativa no Brasil se deu em nível local (Avritzer, 2010), a déca-
da de 1990 e anos seguintes é marcada pelos esforços de difusão de instituições
participativas também na esfera federal. Até aquele momento, a participação

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em âmbito federal esteve organizada apenas em áreas muito específicas e pio-
neiras, a exemplo das comissões tripartites do Sistema Único de Saúde.
A participação social ganhou destaque no nível federal com a expan-
são dos conselhos nacionais, e ganhou capilaridade com as conferências. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início de seu governo, em 2003,
reativou e ampliou o número de instituições participativas já existentes como
os conselhos nacionais e as conferências nacionais. Desde 1941 até 2013 foram
realizadas 153 conferências nacionais. Do total de 126 conferências realiza-
das no atual período democrático, 74 ocorreram durante o governo Lula e
29 no governo Dilma Rousseff; ou seja, 103 realizadas pelos governos do PT
(Avritzer & Souza, 2013). As conferências realizadas abrangeram 45 áreas
setoriais em todos os níveis federativos – municipal, estadual e nacional.
As políticas participativas cresceram sobretudo em áreas e temas relacio-
nados às políticas sociais, na esteira das demandas de movimentos sociais que
se formaram desde a redemocratização. Em termos temáticos, as conferências
ampliaram-se de áreas como saúde, assistência social e políticas urbanas até
áreas como políticas para mulheres, cultura e direitos humanos. As instituições
participativas tiveram menor presença em outras áreas, a exemplo das políticas
relativas à infraestrutura e à segurança pública (Avritzer, 2016, p. 51).
A expansão da participação teve impactos sobre diferentes instâncias
do poder executivo, e ecoou também no poder legislativo. A partir de 2003,
com a Medida Provisória 103, o papel da Secretaria-Geral da Presidência da
República passou a ser o de organizar a relação entre o governo federal e os
movimentos sociais e as instituições da sociedade civil. Houve também um
movimento no sentido de articulação entre decisões das conferências nacionais
e decisões de gerentes dos programas de políticas públicas (Pires & Sousa,
2013). No interior do parlamento, à medida que se expandiram as áreas de
organização das conferências nacionais, vimos a ratificação de diversas de suas
decisões, tal como a transformação em legislação da deliberação da Conferência
Nacional da Assistência Social pela Criação de um Sistema Único para a área,
o SUAS, em 2004.
Assim, pensado a partir do marco analítico proposto por Tilly, o pe-
ríodo entre os anos 1990 e 2014 representa um momento de expansão da
demanda por direitos e sua inserção no interior do Estado, o que possibilitou
a ampliação de mecanismos e práticas de consultas com diferentes perfis em
termos de impacto sobre o Estado, ações governamentais e políticas públicas.
O padrão de interação entre Estado e sociedade aponta na direção de um pro-
cesso de expansão dos arranjos participativos, que se aprofunda com a eleição

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dos governos de esquerda no nível nacional, mas também com a ampliação da
participação nos níveis estadual e municipal. A expansão nesses níveis locais
muitas vezes aparece ligada à eleição de prefeitos e governadores do Partido
dos Trabalhadores, ainda que dificilmente pudéssemos afirmar que o processo
se limita a uma relação entre o desempenho de partidos de esquerda e a reor-
ganização do Estado.
Uma das marcas desse período foi uma sinergia entre os atores institu-
cionais que participavam desses arranjos, fossem eles líderes eleitos dos exe-
cutivos, burocratas nos diferentes níveis de governo, vereadores ou deputados,
e os próprios atores da sociedade que propunham a expansão dos arranjos
participativos. Ainda que tenha havido situações e temas nos quais emergiram
conflitos entre atores institucionais e a sociedade civil, essas disputas não ques-
tionavam a desejabilidade ou a validade dos processos de participação.1
A rica literatura que se desenvolveu em busca da compreensão desses
fenômenos esteve atenta à presença de atores da sociedade civil nos arranjos
participativos e sua articulação com o Estado; ainda, abordou esses fenômenos
sob as lentes da construção democrática via implementação de um projeto po-
lítico participativo (Dagnino, 2004; Avritzer, 2002, 2010) e da articulação
entre participação e representação (Gurza Lavalle & Vera, 2003; Almeida,
2013). Essas teorias convergem ao mobilizar alguns elementos centrais, dos
quais destacamos três.
Primeiro, ressaltamos a existência de demandas por participação por
parte dos atores da sociedade civil durante o processo de democratização
(Avritzer, 2002; Dagnino, 2004). Nesse caso, o marco teórico aponta para a
preexistência de práticas participativas na sociedade civil.
Um segundo debate trata de como se deu a relação com um Estado
mais poroso às formas de participação, questão levantada por Francisco de
Oliveira ainda na década de 1990. Para ele, o elemento central para a análise
da capacidade de empoderamento da participação seria a presença ou ausên-
cia do Estado na elaboração de políticas públicas. A questão tratava de haver
empoderamento estatal com participação social, ou a alternativa seria o neo-
liberalismo (OLIVEIRA, 1995). Ainda que, do ponto de vista conceitual, o
argumento de Oliveira pudesse ter capacidade explicativa, a década seguinte

1  Alguns casos marcantes nesse sentido são como o da cidade de São Paulo entre 2001 e
2004 ou os municípios analisados por Souza (2021)  e Romão (2010). Episódios de disputas
são encontrados também em conselhos de direitos, como os que levaram à saída de ativistas
rurais do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) na esteira da aprovação do uso
dos transgênicos, ou os episódios de renúncia coletiva no Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher (CNDI) em 1995; duas décadas depois, houve nova renúncia em 2016 (Santos, 2021).

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foi de ampliação da presença do Estado nas políticas públicas, junto com o
surgimento de arranjos participativos nos quais o Estado partilhava parte de
seu poder de decisão; assim, não se configurava uma colonização completa pelo
mercado.
A literatura sobre participação no Brasil caminhou de um olhar sobre
o papel dos movimentos e do Estado como atores independentes, mas em
relação (Wampler & Avritzer, 2004), para o desenvolvimento de catego-
rias analíticas capazes de fazer jus às diversas maneiras como se davam essas
interações, avançando nos esforços de situar a participação institucionalizada
em meio a outras formas de ação contenciosa e não contenciosa que se esta-
belecera no período (Abers, Serafim & Tatagiba, 2014). Nos anos recentes,
aprofundam-se também reflexões sobre a mútua constituição de movimentos
e Estado (Penna, 2015; Gurza Lavalle et al., 2018).
Um terceiro debate passa pela articulação entre práticas participativas e
formas de relação entre sociedade e partidos (Houtzager et al., 2004). Nesse
caso, a ênfase analítica recaiu sobre as relações entre atores coletivos como,
por exemplo, aqueles filiados à Central Única dos Trabalhadores e a defesa de
práticas participativas através da mediação partidária, em especial do Partido
dos Trabalhadores. No ciclo de expansão, vê-se o alinhamento entre atores do
sistema político e da sociedade civil no sentido de ampliação de mecanismos
de consultas amplas e vinculantes.
A sinergia entre essas diversas perspectivas levou à consolidação, na dé-
cada passada, de um marco analítico capaz de explicar a expansão da partici-
pação sob um contexto de democratização. A emergência de um conjunto de
disputas em torno da participação, a partir de 2014, traz novos elementos para
o cenário, que demandam reenquadramentos para que se pense a participação
em um contexto de crise e de desdemocratização. É esse o objetivo da próxima
seção.

Participação e desdemocratização no Brasil

Nesta seção, discutimos dois momentos-chave que expressam mudan-


ças no cenário da participação no país, relacionados à emergência de um con-
texto de disputas acirradas, de (re)emergência de atores em defesa do projeto
autoritário e de crise nas instituições democráticas. Trata-se das disputas em
torno da proposta de criação da Política Nacional de Participação Social pelo
governo Dilma Rousseff, em 2014, e da proposta de extinção de centenas de
conselhos de direitos, pelo governo Jair Bolsonaro, em 2019.

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2014: Emergência da contenciosidade em torno da participação

Até meados de 2013, o padrão democrático participativo existente no


país apresentava alguma solidez, ainda que se restringisse, sobretudo, às áreas
de políticas sociais (Pires & Vaz, 2012) e que houvesse diferenças setoriais
importantes (Gurza Lavalle et al., 2018). Com mais de 10 mil conselhos
municipais, centenas de experiências de orçamentos participativos, dezenas de
conselhos e conferências nacionais, o país experimentou, em 2014, a tentativa
de consolidação e aprofundamento do projeto democrático participativo com
a criação de uma Política Nacional de Participação Social (PNPS), articulada
a um Sistema Nacional.
Em 14 de maio de 2014, a então presidente Dilma Rousseff emitiu o
Decreto nº. 8.243/2014, resultado de uma longa discussão realizada no interior
da secretaria geral da Presidência sobre a ampliação das arenas participativas
do governo Federal.2 O cerne dessa discussão residia no fato que esses arran-
jos tinham se mostrado bastante exitosos em reorganizar as áreas de políticas
sociais, mas não tinham influência nas políticas de outras áreas, especialmen-
te naquelas ligadas ao planejamento econômico. O decreto criou o Sistema
Nacional de Participação Social (SNPS), que explicitava os princípios e as
diretrizes gerais da participação social a incidir sobre a gestão governamental
e definia o papel do Estado como agente promotor do direito humano à par-
ticipação. O Sistema Nacional seria organizado em um conjunto de medidas
institucionais de articulação e fortalecimento dos instrumentos e mecanismos
de participação já existentes e sua interface com as novas formas e linguagens
participativas, principalmente virtuais, de modo flexível, não hierarquizado e
complementar.
O decreto apresentava as definições básicas do escopo da PNPS, ressal-
tando a necessidade de fortalecimento e articulação das instituições participa-
tivas, e se preocupou, ainda, com as definições e diretrizes para cada um dos
formatos de espaços participativos. A análise cuidadosa revela que o decreto
versa prioritariamente sobre a ampliação e a articulação das instituições parti-
cipativas. A maioria dos artigos trata da capacidade das instituições participa-
tivas em promover transparência, representatividade, acesso e publicidade de
suas ações (Alencar & Ribeiro, 2014).

2  Alguns trabalhos, porém, apontam para deficiências na articulação do apoio ao decreto com
atores externos ao governo, incluindo ativistas e movimentos sociais (Magalhães et al., 2021;
Gurza Lavalle & Szwako, 2014).

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A reação ao Decreto nº. 8.243/2014 foi intensa e concentrou-se em
dois âmbitos: na imprensa e no parlamento. Na imprensa, foi capitaneada pelo
jornal O Estado de S. Paulo, cujo editorial de 29 de maio de 2014 defendia
haver uma tentativa, pela presidente Dilma Rousseff, de “modificar o sistema
brasileiro de governo” e mudar a ordem constitucional por decreto, criando
mecanismos de sobreposição a representantes eleitos (Estadão, 29/05/2014).
Situava, ainda, o decreto como reação às demandas de junho de 2013, que leva-
ram a sugestões de reforma política. Outros veículos foram além e apelidaram
o decreto de bolivarianista. A repercussão do tema explicita uma mudança
no padrão do debate semelhante àquilo que apontou Markoff (1996), com a
transformação das posturas de atores-chave em períodos de desdemocratiza-
ção. No Brasil, viram-se setores formadores de opinião dispostos a disputar os
sentidos da participação na democracia brasileira.
Nas duas casas do Congresso Nacional, o Decreto nº. 8.243/2014 foi ob-
jeto de propostas de revogação, via Projetos de Decreto Legislativo e Projetos
de Lei (cf. Magalhães et al., 2021). No Projeto de Decreto Legislativo de
Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo (PDL nº. 1491/2014), os
deputados Mendonça Filho (DEM-PE) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) pro-
puseram o cancelamento do decreto presidencial, argumentando haver ali mu-
dança no papel do representante político.

O Decreto presidencial corrói as entranhas do regime representativo


[...]. Essas breves linhas retratam de maneira absolutamente clara qual a
intenção da Presidente da República: implodir o regime de democracia
representativa, na medida em que tende a transformar esta casa em um
autêntico elefante branco, mediante a transferência do debate institu-
cional para segmentos eventualmente cooptados pelo próprio governo
(Brasil, 2014).

O trecho destacado merece ser observado com mais detalhes.


Primeiramente, ao afirmar que o decreto presidencial corrói as bases do regime
representativo, evoca-se uma narrativa falsa de que os conselhos passariam a
competir com as instâncias representativas clássicas do poder legislativo. Vale
a pena observar que desde os anos 90 a Câmara dos Deputados tinha uma
comissão de legislação participativa e que essas questões jamais haviam sido le-
vantadas pelas lideranças de diversos partidos no Congresso Nacional. A des-
peito do fato de ser contenciosa e contradizer as práticas participativas da dé-
cada anterior, essa narrativa tornou-se vitoriosa, inclusive, na cobertura sobre
o decreto realizada pela imprensa. A revogação do Decreto 8.243 foi aprovada
na Câmara menos de uma semana depois da reeleição da presidente Dilma

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Rousseff, em outubro de 2014. Encaminhada ao Senado, ela jamais foi aprecia-
da, de modo que o decreto seguiu em vigor. No entanto, o gesto dos deputados
tem também sentidos simbólicos. Os parlamentares romperam a tradição de
não realizar votações na semana posterior às eleições, já mostrando ali fraturas
importantes na base governista. Isso porque a oposição formou maioria contra
o Decreto com o apoio de partidos da base, como o PMDB e o PP. O então
presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que já havia
se pronunciado no plenário contra a PNPS, considerou a sessão que derrubou
o decreto histórica, descrevendo-a como “manifestação de altivez e democracia
desta Casa” (Siqueira, 2014). A anedota mostra o nível de discordância no
interior da coalizão governante, inclusive sobre processos participativos.
As propostas de revogação legislativa do Decreto nº. 8.243/2014 foram
um marco da emergência de inédita contenciosidade em torno da participação
institucional no Brasil. Se até 2014 a dimensão de contenciosidade não apa-
recia como uma das chaves para analisar processos participativos no Brasil, a
partir daquele ano um padrão diferente na relação entre participação, sistema
político e Estado começou a emergir.
Destacou-se aqui, além do reposicionamento da imprensa, a mudança
de posicionamento no poder legislativo, que abandonou postura de ratificação
de decisões de conferências e de alinhamento à defesa dos arranjos participati-
vos. De fato, o papel do poder legislativo em relação às instituições participa-
tivas não havia sido proeminente no período anterior, e, portanto, fora pouco
abordado3.
Em suma, a reação à proposta da Política Nacional de Participação
Social tornou visível um conjunto de discordâncias em torno da participação.
Essa via de contenciosidade ficaria novamente visível em 2019, como veremos
no item a seguir. Antes, porém, cabe dizer que a disputa em torno da parti-
cipação insere-se e contribui para uma conjuntura de crise nas instituições
democráticas e da legitimidade do regime democrático no Brasil. A fragilidade
da articulação política do segundo governo Dilma ficaria evidente já nos pri-
meiros meses de seu segundo governo, tanto pelo esfacelamento de sua base
parlamentar como pelas oscilações no apoio de setores da elite econômica às
medidas do seu governo (Singer, 2018).
Entre 2015 e 2016, manifestações em defesa e contrárias ao governo
eleito tornaram evidentes uma série de disputas que, nos protestos de junho
de 2013, ainda apareciam de forma embrionária e difusa. Os conflitos que ali
se acirraram passavam por visões sobre o papel do Estado, a desejabilidade de

3  Para rara exceção, ver Dias (2002).

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políticas públicas e o perfil das ações governamentais. Incluíram, também, um
conjunto de pautas morais. Eles ganharam expressão no parlamento durante
o processo de impeachment de Rousseff, em 2016. Na famigerada votação
sobre a cassação do mandato, viram-se tanto discursos em nome de Deus e da
família tradicional como a reabilitação do projeto autoritário na fala do então
deputado Jair Bolsonaro (PSC), que evocou a memória do coronel Brilhante
Ustra, torturador da ditadura. Pouco depois, já sob o governo Temer (MDB),
durante a greve dos caminhoneiros o Brasil assistiu à vocalização de demandas
por uma intervenção militar. A reabilitação da ideia de que a intervenção dos
militares na política seria desejável para setores da população viria com a elei-
ção de Jair Bolsonaro, em 2018.
Nesse período, o país viu não apenas a reorganização da direita, mas
também a emergência de uma extrema-direita brasileira; viu também trans-
formações importantes na própria composição dos atores mobilizados na so-
ciedade civil, em processos simultâneos de heterogeneização – com a entrada,
nos debates públicos, de atores com perfil e estratégias diferentes do padrão
que emergiu no período de democratização – e de polarização das disputas em
curso (Tatagiba & Galvão, 2018).
Entre analistas, ganhou força a percepção de um período de crise na de-
mocracia, baseada tanto no questionamento das instituições democráticas por
líderes políticos como pela diminuição dos indicadores de apoio da opinião
pública à democracia e pela revalorização de discursos autoritários. Haveria,
agora, um movimento pendular em termos de apoio à democracia no país, com
o realinhamento de setores das elites e classes médias (Avritzer, 2020).

2019: Extinção e defesa dos conselhos de direitos

A despeito de o Decreto n.° 8.243/2014 ter sido bombardeado tanto


pelo Congresso Nacional quanto pela imprensa, ele permaneceu vigente até 11
de abril de 2019, quando foi publicado o Decreto n.° 9.759, que, em seu artigo
décimo, revoga o anterior.
Para além dessa medida, o Decreto n.° 9.759/2019, da Presidência da
República, foi uma das claras investidas do governo Bolsonaro de cerceamen-
to à participação popular, ao “Extingu[ir] e estabelece[r] diretrizes, regras e
limitações para colegiados da administração pública federal”. Seu objetivo era,
em síntese, desmontar as formas de participação institucional vigentes, com a
revogação da totalidade dos colegiados participativos não previstos em lei e,
ainda, aqueles mencionados em leis nas quais não constasse a indicação de suas

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competências ou dos membros que os compõem. Ou seja, outros conselhos,
comitês, mesas de diálogo, fóruns e grupos de trabalho ligados à administração
pública federal que tenham sido criados por decreto ou ato normativo inferior
estariam sujeitos a extinção; entre eles, os Conselhos Nacionais das Cidades, dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, de Combate à Discriminação e Promoção
dos Direitos de LGBT, de Erradicação do Trabalho Infantil, de Direitos da
Pessoa Idosa, de Transparência Pública e Combate à Corrupção, de Segurança
Pública, de Relações do Trabalho, de Agroecologia e Produção Orgânica,
além das Comissões Nacionais de Política Indigenista, da Biodiversidade, e o
Comitê Gestor da Internet no Brasil – mais sobre isso encontra-se no texto de
Romão e Bezerra, neste volume.
Na Exposição de Motivos (Brasil, 2019), assinada pelo então ministro
chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a justificativa para a medida baseia-se
não apenas na necessidade de desburocratizar o Estado e promover a conten-
ção de despesas, mas também na contenção da participação popular na gestão
do Estado brasileiro. O trecho a seguir evidencia tais motivos e mais uma vez
evoca uma errônea disputa entre os poderes executivo, legislativo e a sociedade
civil:

Alguns consideram, equivocamente, que o problema do excesso de cole-


giado é, apenas, o gasto com diárias e passagens nas reuniões e as expec-
tativas frustradas quanto aos resultados. Sem desmerecer tais problemas,
o fato é que o excesso de colegiados resulta em problemas muito mais
graves, entre os quais citamos [...] Grupos de pressão, tanto internos
quanto externos à administração, que se utilizam de colegiados, com
composição e modo de ação direcionado, para tentar emplacar pleitos
que não estão conforme a linha das autoridades eleitas democratica-
mente (Brasil, 2019 p. 1-2).

O presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa do decreto nas suas redes


sociais, em que afirmou: “Gigantesca economia, desburocratização e redução
do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para
impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desen-
volvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da popu-
lação” (Texto publicado no Twitter do presidente Bolsonaro em 14 de abril de
2019). Tanto o decreto quanto as falas do presidente e de sua equipe reforçam
a aridez do campo em que a participação se insere atualmente.
As reações à medida foram protagonizadas por ativistas da sociedade
civil e suas organizações, historicamente envolvidos com os diversos canais de
participação. Sua reação retomou repertórios de ação comuns a esses atores

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desde pelo menos o período da redemocratização. Houve notas, cartas de re-
púdio, a formação de frentes acadêmicas (“O Brasil precisa de Conselhos”) e
organização de plataformas para acompanhamento do processo de encerra-
mento dos conselhos a partir do decreto; houve, ainda, estratégias inovado-
ras, como os “banquetaços”, que em mais de 40 cidades ofereceram alimentos
produzidos por agricultores familiares para questionar a extinção do Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e dos outros conse-
lhos (Magalhães et al., 2020).
Assim como na disputa de 2014, partidos e parlamentares capitanearam
respostas no âmbito legislativo, indicando que a presença seja uma constante
neste novo período de contenciosidade. Em 2019, a reação originou-se nova-
mente da oposição ao governo em turno, agora de esquerda.
Na Câmara, o Decreto de 2019 foi questionado por quatorze Projetos
de Decreto Legislativo, apresentados por deputados do PT, PCdoB, PDT,
PSOL, PSB, Rede e PV. Apensados, os projetos foram aprovados na Comissão
de Trabalho, Administração e Serviço Público e encaminhados à Comissão
de Constituição e Justiça. Ali, receberam parecer negativo do relator, Luiz
Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), e não chegaram a entrar na pauta
da comissão até o momento de redação deste capítulo, no fim de 2021.
Uma novidade, em 2019, foi a inclusão também do poder judiciário. O
Partido dos Trabalhadores foi responsável por levar a disputa até o Supremo
Tribunal Federal. Apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI 6121) argumentando haver usurpação de iniciativa do Congresso, não
sendo possível revogar, por decreto, dispositivos legais sobre o funcionamento
de colegiados da administração pública. Argumentava-se, na ADI, que o de-
creto representava uma violação aos seguintes princípios: da segurança jurídi-
ca, democráticos, republicanos e, por fim, da participação popular prevista na
Constituição de 1988 (Brasil, 2019).
Foram inscritos como amici curiae no processo o Movimento Nacional
dos Direitos Humanos e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (ABGLT). O representante do MNDH ratificou os
avanços sociais trazidos pelo funcionamento dos diversos conselhos, que es-
tavam sendo ameaçados de extinção pelo decreto. Por outro lado, o represen-
tante da ABGLT destacou a importância e seriedade do Conselho Nacional
de Combate à discriminação LGBT, além de seu papel para levar a público
questões relevantes para esse segmento da população (Brasil, 2019).
O Supremo Tribunal Federal realizou sessão extraordinária, em 12 de
junho de 2019, para iniciar o julgamento da medida cautelar da ADI 6121, em

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caráter de urgência, posto que o Decreto n.° 9.759/2019 estipulou a data de 28
de junho de 2019 para a extinção dos colegiados. O ministro relator foi Marco
Aurélio e votou pelo deferimento parcial da medida cautelar por entender que
não caberia ao poder executivo, por meio de ato unilateral, extinguir os cole-
giados, fossem eles conselhos, comitês, câmaras ou grupos de trabalho, que
tivessem sido criados com a aprovação do Congresso Nacional. Decidiu-se,
ainda, suspender o artigo primeiro, parágrafo segundo do Decreto 9.759/2019,
que versa sobre as extinções, até o julgamento definitivo da ADI 6121 pelo
STF (Brasil, 2019).
De modo semelhante ao que apontamos em relação ao poder legislativo,
esse segundo padrão que delineamos é marcado também pela centralidade do
poder judiciário, que não teve fortes impactos no padrão anterior de ampliação
da participação no contexto de democratização – a não ser em seus momentos
iniciais, como por exemplo no período de implantação do orçamento partici-
pativo estadual no Rio Grande do Sul (Vitale, 2004). Reunidos, os argumen-
tos sobre a relevância dos poderes legislativo e judiciário, pouco visíveis nos
debates sobre participação até os anos 2010, ratificam as indicações sobre o
necessário olhar da área para além do poder executivo para a compreensão das
dinâmicas da participação no país (Almeida, 2020).
Alguns caminhos iniciados nesse processo de desdemocratização pos-
suem resultados ainda abertos, uma vez que o impacto sobre as diversas áreas
de políticas públicas pode variar bastante. Isso porque existem conselhos na-
cionais mais antigos e consolidados, como é o caso do Conselho Nacional
do Meio Ambiente (CONAMA), cuja criação se deu na década de 1980. O
Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Assistência Social
também apresentaram longa trajetória institucional e realizaram campanhas e
mobilizações em defesa da saúde pública e da assistência social. Nas três áreas
citadas, a literatura indica a existência de comunidades de políticas públicas –
com seus respectivos atores civis, privados e públicos, que foram fundamentais
para a consolidação daqueles conselhos. Nesse sentido, as comunidades políti-
cas podem constituir potenciais focos de resistência ao processo de desdemo-
cratização mencionado acima (Almeida, 2017; Avelino, Alencar & Costa,
2018).
A emergência desse segundo padrão, ainda em curso, coloca uma nova
agenda para a área de participação no Brasil: aponta para a importância de
analisar como se transforma a atuação desses novos atores e instituições envol-
vidos nos debate. Será seu engajamento conjuntural, em momento de disputas

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pujantes e em cenário de crise democrática, ou tendem a se tornar atores con-
tinuamente envolvidos com a área?
Entre os atores a serem acompanhados, podem figurar 1) integrantes
do sistema de justiça; 2) corporações da mídia; 3) representantes e agentes
do capitalismo financeiro; 4) partidos e parlamentares; 5) lideranças religiosas
evangélicas e católicas conservadoras; 6) setores da sociedade, principalmente
das classes média e média-alta, que foram às ruas em 2015 e 2016; 7) agentes
externos (Baggio, 2018).
Outra questão relacionada refere-se ao perfil da sociedade civil envolvi-
da nas iniciativas de participação. Se até 2013, apesar de diferenças em termos
de posicionamentos políticos e de articulações com atores do sistema político,
havia certa estabilidade no formato de sociedade civil que se estabilizou no
país pós-redemocratização (Dagnino et al., 1988), após 2013 um conjunto de
novos atores tornou-se visível no cotidiano dos espaços participativos estabe-
lecidos, levando a contenciosidade aqui identificada para a ponta.

Conclusão

As dinâmicas de interação entre Estado e sociedade em relação à parti-


cipação no Brasil podem ser organizadas conforme ilustrados pelo diagrama a
seguir. Em síntese, é possível identificar dois diferentes processos, um primeiro
fortemente marcado pelo surgimento e expansão de instituições participativas
e um segundo momento de retração e cerceamento desses espaços. O gráfico
abaixo exemplifica os momentos de ampliação da participação institucionali-
zada desde a promulgação da Constituição de 1988 até a tentativa de amplia-
ção da participação por meio do decreto 8.243. Na sua outra metade ele mostra
os momentos de estreitamento da participação desde o início da reação ao
decreto de instituição com os diferentes decretos de revogação legislativa. Não
por acaso, essas dinâmicas estão relacionadas a processos de democratização e
desdemocratização no país.

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Fonte: Formulação dos autores

Em nossa análise com foco nas dinâmicas de participação institucional,


processos de democratização são marcados sobretudo pela criação, expansão
e aprofundamento de canais para consultas mutuamente vinculantes entre
Estado e sociedade. Tais canais têm potencial para gerar impactos positivos
sobre cada uma das dimensões das relações entre Estados e cidadãos, pro-
movendo maior abrangência da cidadania, contribuindo para a promoção de
equidade sobretudo em termos da expansão de políticas públicas e garantindo
a expressão de demandas oriundas de setores da sociedade. Mais do que isso,
entretanto, o modelo sugere atenção à existência de fluxos que não apontam
para um único sentido em um processo de democratização, havendo sempre a
possibilidade de desdemocratização. A mudança do sentido do fluxo envolve
diferentes atores de dentro e fora do Estado. Durante ondas antidemocráticas
– como aquelas identificadas por Tilly e Markoff –, é de se esperar que atores
transformem discursos e agendas em sentidos contrários ao que se via no pe-
ríodo anterior.
Ao longo do texto, além de identificar a emergência de um segundo
padrão de interação entre Estado e sociedade em termos de participação, men-
cionamos momentos-chave no processo, apontando haver ali elementos de
desdemocratização na medida em que vão, justamente, no sentido contrário

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da inclusão, da porosidade a demandas da sociedade civil e de mecanismos
públicos de consultas.
É muito difícil afirmar que a decisão do STF em 2019 feche um círculo
de atuação das instituições participativas no Brasil. No momento da escrita
deste capítulo, a participação institucionalizada no Brasil está presente em três
lugares: primeiro, naqueles conselhos nacionais que são capazes de resistir ao
avanço bolsonarista e que têm estrutura e autonomia para enfrentar a desde-
mocratização (esses casos coincidem com áreas nas quais há uma sociedade
civil bem-organizada e disposta a orientar seus esforços de militância para
disputar os debates nos conselhos); segundo, em experiências de cidades que
já tiveram formas de participação importantes e voltaram a ser governadas
por partidos de esquerda em 2019, tal como é o caso de Belém, Diadema,
Juiz de Fora e Contagem; por fim, áreas de políticas públicas nas quais há
práticas participativas fortemente institucionalizadas, como aquelas voltadas
para mulheres, saúde e assistência social. Evidentemente, se compararmos a
ambição de expansão da participação institucionalizada inserida no Decreto
n.° 8.243/2014 com a realidade da capacidade de sobrevivência da participa-
ção em um governo hostil como o do presidente Jair Bolsonaro, vemos que a
ampliação ou retração está diretamente ligada à relação entre a sociedade civil
e projetos de governo, tal como afirmou Dagnino há mais de uma década. O
governo Bolsonaro, no entanto, traz novidades em relação ao chamado projeto
autoritário e à sua expressão implementada a partir de 1964 pelos militares.
Trata-se agora de um projeto antigovernança e de forte mobilização de movi-
mentos antipolíticos. O ataque à participação contido no decreto 9.759/2019
se dá nesse contexto.
O futuro das formas institucionalizadas de participação está ligado a
dois processos políticos em curso cujo desfecho ainda é difícil saber com pre-
cisão – daí a interrogação na última figura do diagrama acima. Em primeiro
lugar, liga-se aos caminhos do bolsonarismo, que enquanto governo funciona
sob a égide da crise, equilibrando-se entre as crises fiscal, sanitária e política
para as quais contribui fortemente, e que enquanto movimento segue susten-
tando-se em uma base coesa – ainda que eventualmente reduzida – de apoia-
dores. A situação de crise pode, afinal, desembocar em algum movimento de
redemocratização que, julgamos poder afirmar, estará associado à implementa-
ção ou à restauração de algumas das formas de participação institucionalizada
que no início da democratização fizeram parte da tradição do próprio centro
democrático, como, por exemplo, formas de participação na saúde. Se de fato
o momento de superação do bolsonarismo promover uma repactuação ampla

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entre sociedade e Estado no Brasil, será possível pensar em uma restauração
das instituições participativas e do modelo de sinergia entre representação e
participação instaurado pela Constituição de 1988.

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PARTE 2:
Novos personagens, novas cenas

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5. Movimentos sociais e representação eleitoral:
o fenômeno das candidaturas e dos mandatos coletivos

Debora Rezende de Almeida


Lígia Lüchmann

Introdução

Neste capítulo, avaliamos as candidaturas e os mandatos coletivos e/


ou compartilhados como modalidades que promovem um (re)encontro dos
movimentos sociais, coletivos e organizações civis com a institucionalidade
por meio da disputa e da ocupação coletiva de cargos de representação polí-
tica eleitoral. Esses fenômenos desafiam a tradicional lógica de representação
política de base individual e de exclusividade da mediação partidária e, por
seu vínculo mais estreito com o campo do associativismo e dos movimentos
sociais, ressignificam e complexificam tanto o campo da atuação social quanto
o da representação institucional.
Embora haja registros de candidaturas coletivas no Brasil desde 1994, é
a partir de 2014 que elas passaram a ganhar notoriedade na dinâmica política
brasileira (Raps, 2019)1. O crescimento da disputa dos movimentos pela repre-
sentação coincide com o contexto de intensificação da crise política que não é
exclusividade nacional, mas que aqui ganha contornos específicos. Enquanto a
crise econômica pareceu jogar um grande papel nos protestos antiausteridade
ao redor do mundo e, consequentemente, na interação entre movimentos e
sistema político e na emergência de novos partidos-movimentos ou partidos
digitais, como o Podemos na Espanha, Syriza na Grécia e 5 Estrelas na Itália
(Della Porta et al., 2017; Gerbaudo, 2019), no Brasil é preciso colocar ên-
fase na crise política e nas consequentes mudanças nos padrões de interação
entre Estado e sociedade que não derivam diretamente da crise econômica,
embora guardem alguma relação (Tatagiba & Galvão, 2019).
Desde os protestos de junho de 2013 e dos eventos que seguem em
2015 e 2016, os campos do ativismo progressista vêm alterando seus repertó-
rios. De um lado, organizações e movimentos que antes operavam em íntima

1  De acordo com o levantamento, o crescimento foi de 4 candidaturas, entre 2010-2012, para


74 entre 2014-2016.

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relação com o Executivo, em especial em processos de formulação de políticas
públicas, começam a alterar rotinas e práticas de ação coletiva, seja porque os
canais para o Executivo nacional começam a se fechar, seja porque também são
críticos aos resultados ou efeitos produzidos na interação com os governos pe-
tistas, como os casos dos movimentos feministas, negro, saúde e assistência so-
cial (Almeida, 2020; Almeida, Vieira & Kashiwakura, 2020; Rodrigues
& Freitas, 2021), ou dos urbanos e rurais, estudados neste livro por Castro,
Serafim e Trindade. De outro lado, a literatura vem destacando a reconfigura-
ção do ativismo a partir da maior diversificação e pluralização dos movimen-
tos (Bringel & Pleyers, 2015). Entre as inovações, destaca-se o surgimento
de formas organizacionais distintas sob o termo guarda-chuva de “coletivos”,
além do crescimento de ativistas individuais, ambos com forte ativismo digital
(D’andrea, 2013; Medeiros, 2019). Esses grupos e indivíduos criticam os
movimentos sociais “tradicionais” e sua forma de atuação e interação com o
sistema político, e propõem, assim como os movimentos antissistêmicos da
Primavera Árabe ou manifestações antiausteridade nos Estados Unidos e na
Europa, a ampliação das formas de mobilização contestatórias e modalidades
de organização supostamente mais horizontais e autônomas em relação ao
sistema político (Gohn, 2016). As pesquisas vêm mostrando, contudo, que o
discurso dos atores é melhor compreendido se visto como uma construção que
busca marcar uma diferença simbólica em relação aos “outros” atores políti-
cos (Pereira & Medeiros, neste livro). Os coletivos propõem formas menos
hierárquicas de decisão coletiva, embora isso não signifique a eliminação com-
pleta de hierarquia ou total horizontalidade, de independência e tentativa de
demarcar distanciamento da forma de operação dos partidos – ainda que com
eles se relacionem – e de maior compartilhamento de decisões com membros
e população (Perez, 2019).
Em que pese, para determinados atores, a ênfase na horizontalidade e
autonomia, o fato é que aqui e alhures movimentos de contestação ao sistema
político se relacionam e impactam o campo da representação eleitoral, seja
pela criação de novos partidos, caso exemplar do Podemos, seja pela influência
nos processos eleitorais subsequentes, como a candidatura de Bernie Sanders
nos EUA. No Brasil, da justaposição entre os novos ativismos e a geração crí-
tica aos limites do ativismo institucional surgem reclamos de distanciamento,
mas também de ocupação da política a partir de, pelo menos, três dimensões.
Em primeiro lugar, os movimentos colocam na agenda política a centralida-
de das pautas de gênero, classe, raça, periferia, sexualidade, entre outras, para
tratar das desigualdades sociais e políticas (Alvarez, 2019; Coacci, 2014;

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Rodrigues & Freitas, 2021). Em segundo lugar, a disputa eleitoral sugere
uma ressignificação das formas de acesso ao poder político, denunciando as
barreiras impostas pelos partidos políticos para a inclusão de minorias sociais.
Em terceiro lugar, colocam no holofote a problemática da baixa conexão do
sistema, especialmente dos partidos, com a sociedade, e a demanda por maior
representatividade e participação. Ainda que não criem partidos-movimentos,
chama a atenção a busca por “mover as estruturas por via da representação po-
lítica” que, embora não seja novidade no campo dos movimentos sociais, passa
a ser mobilizada e intensificada por diversos movimentos, incluindo aqueles
que têm defendido processos e agendas ancoradas nos princípios da autonomia
(Rodrigues & Freitas, 2021, p. 35). O repertório eleitoral é diverso: alianças
com partidos para disputar eleições e promover um treinamento político de
candidatos – caso dos movimentos de renovação –, apoio a candidaturas indi-
viduais e coletivas ou lançamento de candidaturas de membros de movimen-
tos, à direita e à esquerda do espectro político.
No que tange às candidaturas e aos mandatos coletivos, argumentamos
neste capítulo, a partir de dados empíricos, que essas experiências podem ser
entendidas como uma estratégia política por parte dos movimentos sociais que
visa interpelar essas três dimensões. Neste sentido, pretendemos analisar como
as candidaturas coletivas disputam a representação política e reposicionam a
atuação dos movimentos sociais e sua interação com o sistema político no que
se refere: 1) aos vínculos entre movimentos sociais, associações e as eleições;
2) às desigualdades de acesso ao sistema político de minorias políticas tradi-
cionalmente marginalizadas da política, por meio do mapeamento do perfil de
seus porta-vozes; e 3) às relações entre partidos e organizações da sociedade
civil, identificando os vínculos partidários das candidaturas e eleitas/os. Após
discutir como as candidaturas coletivas conectam distintamente participação e
representação, as seções seguintes do capítulo discutirão cada uma dessas três
dimensões, argumentando como elas apresentam questões de pesquisa rele-
vantes para o futuro da agenda de estudos sobre movimentos sociais e repre-
sentação política.
Os dados aqui apresentados fazem parte de um levantamento sobre o
perfil das/dos porta-vozes das 311 candidaturas coletivas das eleições muni-
cipais de 2020, identificando sua posição de gênero e raça e sua vinculação
aos partidos políticos. Além disso, nossos dados confirmam a impressão ge-
neralizada, mas pouco demonstrada, de que existe uma relação entre candi-
daturas coletivas e movimentos sociais, organizações civis e coletivos (84.6%

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das candidaturas apresentaram vínculos associativos)2. Vale destacar que há
algumas distinções entre essas modalidades, em especial entre os mandatos co-
letivos e os compartilhados. Os primeiros são definidos a partir da presença de
um número reduzido de pessoas, com forte alinhamento ideológico entre seus
membros que deliberam conjuntamente. Já os mandatos compartilhados apre-
sentam número maior de pessoas, sem um alinhamento ideológico predefinido
e com decisões geralmente tomadas por meio de votação individual (Secchi
et al., 2020). Em que pese as possíveis combinações entre as modalidades e o
fato de que a vinculação jurídica fica a cargo de uma/um das/os candidatas/os
que, necessariamente, deve estar vinculada/o a um partido político, a campa-
nha é realizada a partir de um conjunto de pessoas – que podem ser filiadas a
distintos partidos políticos – que se comprometem a exercer o mandato, caso
sejam eleitas, de maneira coletiva. Neste capítulo, consideramos apenas as can-
didaturas que, inicialmente, apresentam-se como coletivas, com covereadores
bem definidos. Não sabemos, porém, em que medida as/os eleitas/os adotarão
estratégias que os aproximem de mandatos compartilhados.
O banco de dados foi construído a partir de uma revisão e compilação
das informações apresentadas por Secchi et al. (2020) e INESC (2020), e da
busca própria na Internet e plataformas de mídias sociais de novos mandatos.
As informações sobre as/os demais integrantes das candidaturas coletivas não
foram incluídas devido à ausência de registro dessa informação pelo TSE e à
dificuldade de mapeamento para todos os casos a partir de buscador na inter-
net. Ainda assim, nesta pesquisa3 ampliamos as informações qualitativas sobre
as candidaturas coletivas em relação aos dados já publicados4, e agregamos
algumas informações complementares de sites e de entrevistas realizadas com
três representantes dos mandatos coletivos de Belo Horizonte e São Paulo,
identificadas como E1, E2 e E3.5

2  Em alguns momentos do texto, nos referimos apenas a movimentos sociais de forma gené-
rica, mas considerando que há várias formas associativas e de ativismo nas candidaturas.
3  Agradecemos a Lucas Galvão e Luciana Feitosa estudantes de graduação em Ciência
Política na Universidade de Brasília, e a Luana de Brito da Universidade Federal de Santa
Catarina pela coleta de informações para compor o banco de dados, o qual conta com financia-
mento do Projeto de Pesquisa FAP-DF “Movimentos sociais no sistema político”.
4  Na análise dos dados apresentados por ambos os relatórios, algumas candidaturas foram
excluídas, pois apresentavam nome de coletivas ou compartilhadas – no site do TSE –, mas
não encontramos nenhuma informação que confirmasse o dado. Outras candidaturas foram
incluídas.
5  Entrevistas realizadas no âmbito do Projeto “Representação democrática e sociedade
civil: entre a accountability e a responsividade”, financiada pelo Edital Universal CNPQ n.º
426882/2016-4, e da Bolsa de Produtividade de Debora Almeida.

132

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Movimentos sociais, participação e representação política

As candidaturas e os mandatos coletivos reposicionam os atores sociais


em direção à institucionalidade, conectando participação e representação de
uma maneira distinta daquela observada na vasta literatura sobre as relações
entre movimentos sociais e o Estado no Brasil. É possível identificar dois focos
analíticos que conectam, direta ou indiretamente, o debate entre participação
e representação de base eleitoral ou não eleitoral no país: 1) os estudos dire-
cionados para as instituições participativas (IPs), que passaram a descortinar
as práticas e os discursos de representação política não eleitoral dos atores
sociais e organizações civis participantes de conselhos e conferências e para
além deles, e 2) os estudos que abordam as relações (alianças, tensões, conflitos,
colaboração etc.) entre atores sociais e as instituições políticas, mas que pouco
refletem sobre os efeitos da interação na própria representação ou atuação des-
ses atores como representantes.
Desde a redemocratização, as instituições participativas passaram a ser
objeto preferencial de análise da interação entre organizações civis e o Estado
(Abers & Von Bülow, 2011; Avritzer, 2002). Os estudos sobre IPs passaram
por diversas inflexões analíticas – como postulam Gurza Lavalle e Isunza Vera
neste livro –, entre as quais destaca-se a estrita conexão com a representação.
Nesse caso, houve o reconhecimento de que experiências lidas como participa-
tivas são, na prática, formas de representação de atores coletivos, o que levou a
uma série de novas perguntas de pesquisa; entre elas, a necessidade de explicar
por que organizações e movimentos sociais que representam grupos e causas
sem autorização formal podem ser considerados representantes, reclamando
uma redefinição do próprio conceito de representação.
Essa reorientação no campo de estudos caminhou pari passu ao deba-
te internacional voltado para descortinar as práticas de representação política
formais ou informais exercidas por indivíduos e organizações que operam por
lógicas diferentes do modelo eleitoral, e que atestam representar outras pessoas,
grupos, populações, discursos, os animais e a natureza (Dryzek & Niemeyer,
2008; Saward, 2006; Urbinati & Warren, 2008). Ao mesmo tempo, os estu-
dos sobre experiências participativas mostraram as especificidades dos forma-
tos brasileiros e contribuições ao debate teórico (Almeida, 2019; Almeida,
2014; Gurza Lavalle, Houtzager & Castello, 2006; Gurza Lavalle &
Isunza Vera, 2010; Lüchmann, 2008). Para os objetivos deste capítulo, é su-
ficiente apontar que essa revisão foi responsável por desvincular representação

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de governo representativo e de eleições, mostrando a lógica representativa da
interação entre atores sociais e o sistema político.
Testemunhamos também um crescente esforço analítico no intuito de
avaliar a legitimidade desses atores, já que esta não é um pressuposto facil-
mente emprestado das noções de autodeterminação e autogoverno presentes
na chave participativa. Nessa linha, os estudos apontam como condições de
legitimidade os vínculos identitários, a tradição, a posse de conhecimento es-
pecializado, as demonstrações públicas e massivas de suporte popular ou os
argumentos de similaridade (descritivos). Apesar de pertinentes para justificar
o exercício de atividades de advocacy, as análises apontam ainda para a neces-
sidade de pensar diversas formas de accountability não eleitoral para atribuir
às experiências caráter de representação democrática (Gurza Lavalle, 2014;
Montanaro, 2012; Peruzzotti, 2004).
Não obstante o avanço nessa agenda da representação da sociedade civil,
em geral, a literatura pouco dialoga com o campo teórico da representação
eleitoral. É possível encontrar alguns esforços no sentido de mostrar que os
representantes de conselhos, orçamentos participativos (OPs) e organizações
civis frequentemente concorrem a cargos de vereança, disputam e fazem parte
de partidos, apoiam candidatos, servem de intermediários entre a comunidade
e representantes eleitos (Romão, 2011; Wampler, 2012), ou mesmo de indicar
que a adoção de OPs pode ser um recurso importante de políticos na disputa
eleitoral (Souza, 2021). Ao avançar na caracterização propriamente política
desses atores ou dos vínculos entre sociedade civil e sociedade política, porém,
falta ainda integrar à análise as preocupações das teorias da representação, se
questionando, por exemplo, em nome de quem essas organizações e movimen-
tos sociais falam quando são eleitos: das organizações ou dos públicos por elas
representados? (Garcêz, 2017); quais as bases da sua legitimidade? Essas são
questões relevantes para a análise das candidaturas e mandatos coletivos, pois,
como veremos abaixo, porta-vozes de candidaturas coletivas possuem vínculos
associativos distintos e sobrepostos, incluindo a participação em conselhos de
políticas, partidos, associativismo comunitário, ONGs e movimentos sociais.
No âmbito do debate sobre movimentos sociais, a literatura vem dialo-
gando criticamente com perspectivas que tendem a separar participação e re-
presentação política, ou movimentos sociais e política institucional. As análises
apontam para as mútuas relações entre esses campos, desafiando leituras dos
movimentos sociais como atores disruptivos e insurgentes, cujos repertórios de
ação são voltados especialmente para o confronto com o Estado – visto como
adversário (Goldstone, 2003; Mcadam, Tarrow & Tilly, 2001). Estudos

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mais recentes vêm demonstrando como os movimentos navegam entre as
fronteiras do sistema político e da sociedade civil e adotam um conjunto diver-
sificado de repertórios de interação, com destaque para as dinâmicas de inte-
ração com o Executivo (Abers, Serafim & Tatagiba, 2014; Gurza Lavalle
et al., 2018; Silva & Oliveira, 2011). Embora em escalas mais modestas, a
interação entre atores sociais, parlamentares e partidos políticos também tem
sido alvo de pesquisas, a exemplo dos estudos voltados para a identificação
da participação associativa das/os políticas/os eleitas/os, buscando avaliar em
que medida o capital associativo se reconverte em trunfo eleitoral (Almeida,
Lüchmann & Ribeiro, 2012; Coradini, 2011; Marenco & Serna, 2007),
ou das pesquisas voltadas para a atuação dos movimentos no poder legislativo
para a promoção de causas, elaboração de leis e bloqueio de projetos de atores
conservadores (Carone, 2018; Zaremberg & Almeida, 2021).
Contudo, novas pontes ainda precisam ser construídas entre a literatura
de movimentos sociais, partidos políticos e eleições. McAdam e Tarrow (2011)
analisam, em tom de autocrítica e com o foco nas relações entre movimentos
sociais e política eleitoral, como o estabelecimento de uma “divisão de tra-
balho” disciplinar vem limitando avanços no reconhecimento do significado
teórico geral das eleições sobre a dinâmica dos movimentos. De acordo com os
autores, “se as eleições são desconsideradas no estudo dos movimentos sociais,
também o inverso é verdadeiro. São poucos os analistas políticos que abordam
a presença ou a ausência de movimentos sociais – ou mesmo de grupos de
interesse – nas eleições” (2011, p. 22).
Um aprendizado no campo de estudos sobre os movimentos sociais
que pode ajudar a compreender os laços recentes entre movimentos, eleições
e partidos é a constatação de que os movimentos adotam vários repertórios
na interação com o sistema político, com destaque ao Estado, a depender da
mudança na correlação de forças e no contexto político (Abers, Serafim &
Tatagiba, 2014). Nesse sentido, os repertórios podem ser reconfigurados a
partir da criatividade e improvisação dos atores (Tilly, 2005), sendo que um
mesmo repertório pode ser utilizado de maneira colaborativa ou confronta-
cional a depender da maneira com que os atores processam os conflitos no
interior e fora do Estado, especialmente em momentos adversos à participação
(Almeida et al., 2020). Por exemplo, as candidaturas coletivas podem ser vistas
como uma tática eleitoral dos movimentos para fazer frente às transformações
no contexto político, sobretudo aos limites do sistema político em incorporar
suas pautas e agendas, e em especial se considerarmos as alterações do regi-
me após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, que vêm produzindo

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realinhamentos nas interações entre movimentos sociais e Estado (Castro,
Serafim & Trindade, neste livro). De fato, os dados sugerem um importante
investimento por parte de movimentos sociais na disputa eleitoral por meio
das candidaturas coletivas, como veremos a seguir ao abordarmos dimensões
como quem são esses movimentos, o que essas alianças nos dizem sobre a in-
clusão de minorias, e a relação dessas candidaturas com os partidos.

Candidaturas coletivas e vínculos associativos

Tendo em vista analisar como as candidaturas coletivas disputam a re-


presentação política e reposicionam a atuação dos movimentos sociais e sua
interação com o sistema político no que tange às relações entre movimentos
sociais, associações e as eleições, conectando distintamente participação e re-
presentação, apresentamos no gráfico 1 abaixo os vínculos associativos das/os
porta-vozes das candidaturas coletivas nas eleições legislativas municipais de
2020.

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Gráfico 1. Tipo de vínculo associativo das/os porta-vozes das candidaturas

coletivas e dos mandatos coletivos eleitos em 2020

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da revisão de Secchi et al. (2020), INESC (2020).

A classificação dos vínculos associativos foi feita a partir da adaptação de


Lüchmann, Almeida e Gimenes (2016), agregando a essa tipologia o ativismo
partidário, os movimentos de renovação política, os coletivos e as/os ativistas
de direitos (em geral, ativistas digitais e individuais). Das 311 candidaturas co-
letivas mapeadas, 84.3% (263 candidaturas) apresentaram vínculo associativo,
o que é um percentual muito expressivo considerando o perfil das candidaturas
em geral, ou mesmo o perfil dos representantes eleitos. Uma pesquisa junto
aos vereadores dos municípios catarinenses (Mick et al., 2015) identificou que
mais de 50% não apresentaram vínculo associativo. Dos casos positivos, des-
taque para as igrejas ou associações religiosas e as esportivas/recreativas. Entre
as/os eleitas/os por mandatos coletivos, o vínculo foi ainda mais frequente,
uma vez que identificamos vínculo associativo em 28 das/os 30 candidatas/os
eleitas/os, com exceção de uma candidatura do PV e outra do PSDB.

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O gráfico 1 acima mostra o tipo e número de vínculos associativos, a
partir de pesquisa na internet utilizando o nome da/o candidata/o ou mesmo
o nome de registro da candidatura, nos perfis dos candidatos em plataformas
de mídias sociais e páginas indicadas dos movimentos. Em primeiro lugar,
observa-se que a grande maioria dos vínculos (147 casos) está relacionada
com os movimentos sociais de defesa de direitos das mulheres, da população
negra, LGBTQI+, moradia, criança e adolescente, juventude, segurança, para
mencionar os mais presentes. Nesse sentido, as candidaturas coletivas parecem
relacionadas tanto com a reconfiguração do ativismo progressista presente na
cena brasileira, pelo menos, desde 2013, quanto com os movimentos sociais
que ao mesmo tempo interagiram com o sistema político nos últimos anos,
lembrando que parte desses movimentos foi importante nas mobilizações que
pautaram a crise do sistema político e as desigualdades, como os protestos
em defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff a chamada Primavera
Feminista, o Fora Cunha, as Marchas das Mulheres Negras e Indígenas. Além
disso, vale destacar que a classificação na categoria “movimentos sociais” con-
siderou a maneira como os próprios atores se vinculavam ou percebiam o “mo-
vimento” ao qual participavam, sem se deter a uma definição teórica restrita de
movimentos sociais6.
Em segundo lugar, aparece o ativismo partidário para o caso de ativistas
que, para além da obrigatória filiação ao partido para a candidatura, se apre-
sentam como ativistas e ocupantes de cargos no interior dos partidos, como
foram os casos do PCB, PCdoB, PT e PSOL. Esse dado reforça os achados
das pesquisas sobre movimentos sociais e participação no país que apontam
para a militância múltipla de atores sociais e partidos, ou para a conexão entre
sociedade civil e sociedade política, que vem sendo fundamental para a intera-
ção desses atores nos poderes Executivo e Legislativo.
Em terceiro lugar, destacamos os ativistas de direitos (33 casos) – confor-
me eles mesmos se reconhecem – em conjunto com os coletivos (13 casos), que
apresentam uma clara identificação com movimentos de mulheres, feministas
e negros, além do campo dos direitos humanos e da defesa socioambiental, os
quais têm se direcionado para a institucionalidade com maior investimento nas
eleições. Em quarto lugar, é interessante observar que 29 candidaturas tiveram
passagens por conselhos de políticas, o que revela a interação, apontada em
diversos estudos, entre participação em IPs e política eleitoral.

6  Uma pesquisa qualitativa mais ampliada seria necessária para melhor caracterizar esses
movimentos.

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Agrupando outras formas de associativismo, vemos que as candidaturas
atraem participantes de modalidades típicas do tecido associativo brasileiro,
como aquelas ligadas ao trabalho – sindicatos e associações –, organizações
civis em defesa da cultura ou educação, ONGs e o campo comunitário/territo-
rial. Atraem pouco o associativismo religioso, assistencial e os movimentos de
renovação – que embora tenham investido fortemente no repertório eleitoral,
parecem não eleger as candidaturas coletivas como modalidade de disputa.
Entre as 30 candidaturas eleitas, encontramos 41 vínculos associativos.
Seguindo a tendência das candidaturas, a maioria numérica apresentou vín-
culos com movimentos sociais (11 eleitas), com destaque aos temas das mu-
lheres e feministas, das mulheres negras, negros, LGBTQI+, saúde, criança
e adolescente e moradia. Porém, proporcionalmente, considerando o número
de candidaturas e eleitas por tipo de vínculo, é possível dizer que fóruns (2
eleitos), ONGs (6) e associativismo religioso (2) tiveram maior êxito eleito-
ral. Na sequência, tiveram êxito os vínculos com conselhos de políticas (5),
associativismo comunitário (3), organizações no campo da cultura e educação
(3), mundo do trabalho (2) e partidários (3). As “novas modalidades”, como
ativistas de direitos (1) e coletivos (1), geralmente associadas no debate público
com as candidaturas coletivas, são bem menos presentes. Os dados parecem
indicar que os vínculos associativos ligados a organizações e movimentos mais
consolidados e organizados parecem fazer diferença na eleição, talvez em fun-
ção do capital associativo, da capilaridade e dos recursos disponíveis a essas
organizações.

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Gráfico 2. Quantidade de vínculos associativos dos porta-vozes das candida-
turas coletivas 2020

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da revisão de Secchi et al. (2020), INESC (2020).

Além da diversificação, a sobreposição de vínculos associativos, carac-


terística da atuação da sociedade civil e dos movimentos no país, parece se re-
produzir nas candidaturas. No gráfico 2 acima, apresentamos quantos vínculos
associativos cada porta-voz de candidatura coletiva possuía, de acordo com os
dados disponibilizados e que conseguimos identificar via pesquisa na internet.
112 candidaturas apresentaram um (01) vínculo associativo, 97, dois (02), 39
com três (03), oito candidatas/os apresentaram quatro (04) vínculos. As/os
demais sete (07) candidatas/os apresentaram de cinco (05) a sete (07) vínculos.
Entre as/os eleitas/os com vínculos, metade possui mais de um vínculo.
Os dados aqui apresentados confirmam a ligação entre candidatu-
ras/mandatos coletivos e movimentos sociais, organizações civis e ativistas.
Parecem também indicar que ativistas, antes vistos sob as lentes da interação
com o Estado ou mesmo a partir de repertórios de ação de protestos, estão
investindo no caminho eleitoral. Desse modo, a interação entre atores sociais,
partidos e eleições é um convite ao campo de estudos sobre a participação
se debruçar de maneira mais sistemática sobre essas relações. De um lado, é
possível indicar uma agenda de pesquisa voltada a pensar sobre a dimensão
da representatividade desses atores. Como se dá a relação entre representan-
tes e representados quando atores de movimentos passam a disputar o espaço
eleitoral? Além disso, apesar de os mandatos coletivos passarem pelo crivo

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eleitoral, as questões anteriormente levantadas acerca da legitimidade con-
tinuam pertinentes, especialmente no que diz respeito à questão de “o que
deve ser representado” (os grupos que fazem parte do mandato ou o público?).
Ainda, os discursos das candidaturas coletivas frequentemente apontam a ne-
cessidade de “transformar a democracia representativa em ‘participativa’”7 ou
ao menos conjugá-las, mas não temos evidências se essa conexão entre partici-
pação e representação está se processando nos mandatos, e tampouco sabemos
sobre quais são as consequências da adoção, em vários casos, de uma linguagem
antirrepresentativa no exercício da representação. De outro lado, a agenda vol-
tada à ação de movimentos sociais contempla outras perguntas ainda não res-
pondidas: em que medida o capital associativo e a filiação múltipla dos atores
exercem influência no resultado eleitoral? Como os mandatos combinam re-
pertórios de ação e confronto próprios dos movimentos sociais com dinâmicas
institucionais? Quais são os efeitos da participação em mandatos coletivos na
dinâmica dos movimentos? E no âmbito do sistema e dos partidos políticos?

Candidaturas, mandatos coletivos e inclusão política de minorias sociais

O tema da desigualdade racial e de gênero e a interseção entre elas, con-


jugado à desigualdade social e econômica, tem estado no cerne das críticas ao
sistema político que alimentam os protestos e a reconfiguração dos ativismos
nos últimos anos, como vimos na introdução deste capítulo. Esse é uma tema
que recebeu atenção marginal no campo dos estudos sobre participação, apesar
da incorporação da temática de gênero nos estudos voltados para a análise da
capacidade de inclusão de mulheres nos espaços participativos, como conse-
lhos, OPs e conferências (Almeida et al., 2012; Cunha, 2013; Lüchmann et
al., 2016), e da crescente interação entre movimentos de mulheres e negros nos
subsistemas de políticas públicas durante os governos petistas. De fato, como
os estudos indicam, os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff não apenas
incorporaram mais mulheres em seus ministérios, 10 e 15 respectivamente8,
como consolidaram um campo de políticas para as mulheres a partir da cria-
ção da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM), com status

7  Carazzai, (2016). Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/elei-


coes-2016/2016/10/18222 31-grupo-e-eleito-para-mandato-coletivo-de-vereador-em-goias.
shtml>.
8  Foram 2 nos governos Fernando Henrique Cardoso e 4 no de Itamar Franco. Levantamento
da Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal. Disponível em: <https://www12.
senado.leg.br/institucional/procuradoria/imagens/mapa-mais-mulheres-na-politica/
image_view_fullscreen>.

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de ministério, a qual viu sua dotação orçamentária crescer ao longo dos anos
(Bohn, 2010). Ao lado da SPM, a instituição e realização de quatro conferên-
cias nacionais e subnacionais na área foi fundamental para a interação entre
movimentos de mulheres, feminista e o governo (Matos & Alvarez, 2018).
Na questão racial também houve o trânsito de ativistas do movimento negro
para os governos petistas, bem como a criação de uma Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), além da realização de conferên-
cias sobre o tema (Rodrigues & Freitas, 2021; Theodoro, 2019). Em que
pesem os problemas e limites dessas relações entre movimentos sociais e go-
verno9, o processo de fechamento dos canais institucionais do Executivo após
o impeachment, aliado ao de inclusão incompleta dos movimentos, aprofundou
o fosso da inclusão política das minorias sociais, o qual se reproduz no campo
da representação eleitoral. Diante desse cenário, as candidaturas coletivas se
apresentaram como estratégia, em especial do ativismo progressista feminista
e negro, de “ocupar a política” para lidar com o problema da sub-representação.
As/os ativistas visam promover uma reinvenção do sistema político a partir
de dentro, uma vez que várias temáticas importantes para os movimentos não
avançaram diante da ampla coalizão de apoio ao presidente, incluindo setores
conservadores (Zaremberg & Almeida, 2021). Além do apoio a candidatu-
ras de aliadas/os ou de campanhas públicas para o incentivo ao voto em mu-
lheres e negros, como “Meu voto será feminista”, “Elas no poder” e “Eu voto
em Negra”, as candidaturas coletivas parecem se destacar como estratégia que
tenta romper as barreiras dos partidos políticos e torná-los mais acessíveis às
minorias políticas. Afinal, com 33 partidos políticos registrados no TSE, sendo
30 com representação no Congresso Nacional, o Brasil ocupa a 143ª posição
em um ranking global em termos de representação de mulheres10, apresentan-
do uma das piores porcentagens de mulheres legisladoras na América Latina.
Essa exclusão se intensifica no caso da sub-representação de não brancos e de
outros grupos minoritários, a exemplo da população indígena e de pessoas com
deficiência.

9  Em ambos os casos, as Secretarias eram limitadas em termos de recursos financeiros e de


pessoal comparado às demais áreas, dependentes do estabelecimento de parcerias com outros
ministérios e de convênios realizados com entidades civis e entes federados (ALMEIDA, 2020).
Com a crise política no nível federal, as secretarias foram as primeiras atingidas e agregadas
juntamente com a Secretaria de Direitos Humanos, ainda por ato da presidenta Dilma Rousseff,
a fim de conciliar os interesses da coalizão que sustentava o governo.
10  A IPU publica o ranking das porcentagens de mulheres nos parlamentos nacionais de
cerca de 192 países – atualmente, o Sudão se encontra suspenso (Inter-Parliamentary Union
[IPU], 2021).

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Vale destacar que a busca por alternativas à representação se dá em um
contexto de baixa eficácia das cotas partidárias para mulheres no legislativo,
apesar de mudanças constantes nos regulamentos que regem e fiscalizam as
eleições. Apenas na última eleição, a presença de mulheres superou a barreira
dos 10%, chegando a 15% na Câmara dos Deputados, o que parece ser resul-
tado em parte da mudança na lei de financiamento para essas candidaturas11.
Em 2020, também por meio de decisão judicial, começou-se a exigir cota de
financiamento para candidaturas não brancas, levando ao aumento das mes-
mas – em alguns casos por mudança na raça declarada por parte de candidatos
–, mas não significativamente de eleitas/os. Desse modo, a mudança parece
não ter afetado o perfil das chamadas candidaturas competitivas, que repre-
sentam apenas entre 20% a 30% de todas/os as/os candidatas/os apresentados
nos pleitos para o legislativo municipal e federal, e que tendem a privilegiar
candidaturas brancas sobre não brancas no acesso aos recursos (Campos &
Machado, 2020). Para Braga et al. (2021), os incrementos na legislação elei-
toral, incluindo também campanhas, programas e plataformas que visam ao
ensino e apoio a mulheres e ao voto feminino, tanto por parte dos movimentos
sociais quanto do próprio TSE, surtiram efeito quase nulo nas eleições mu-
nicipais, especialmente porque os partidos continuam a descumprir a cota de
candidaturas, pelo aumento no limite de candidaturas e pela adoção da cláusu-
la de desempenho dos partidos.
Além das regras eleitorais, a sub-representação é também reflexo das
barreiras impostas no interior dos partidos políticos. As estruturas partidárias
das principais legendas no país têm assumido contornos de maior centraliza-
ção decisória no que tange às escolhas das coligações eleitorais e de dirigentes
partidários, a favor dos órgãos de cúpula – com exceção do PT, que caminha
em sentido oposto, o que não quer dizer necessariamente mais democratização
(Ribeiro, 2013)12. A presença de mulheres e negros nas direções partidárias
é igualmente baixa (Leveguen, Castro & Ribeiro, 2017). Por fim, as estru-
turas pensadas para a representação de mulheres, negros e LGBTQI+, como
secretarias ou órgãos afins, têm apresentado uma atuação limitada e de caráter
retórico (Rezende et al., 2020).

11  Em 2018, o Supremo Tribunal determinou que os partidos destinassem o percentual mí-
nimo de 30% dos recursos do fundo partidário a candidaturas de mulheres.
12  O autor aqui refere-se especialmente à implantação do processo de eleições diretas (PED),
que enfraqueceu os encontros do partido, uma vez que ocorrem depois da diretoria eleita, e con-
feriu um tom plebiscitário à estrutura, comprometendo a accountability interna, o debate entre
correntes, podendo afetar a qualidade da participação.

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Em face a tantos obstáculos à inclusão política de mulheres, mulheres
negras, homens negros, LGBTQI+, entre outras, apesar de décadas de intera-
ção com o sistema político, analisamos em que medida as candidaturas coleti-
vas apresentam um perfil distinto, quando se compara com as candidaturas que
concorrem pelo sistema individual tradicional.

Tabela 1. Gênero e raça da/o porta-voz das candidaturas coletivas


Ne%
    Amarela Branca Indígena Parda Preta
Gênero
N 2 78 0 38 45 163
% em
Homem 66.7 49,1 0 67.8 48.9 52.4
gênero
% em raça 1.2 47.9 0 23.3 27.6 100
N 1 81 1 17 46 146
% em
Mulher 33.3 50.9 100 30.4 50.0 47.0
gênero
% em raça 0.7 55.5 0.7 11.6 31.5 100
N 0 0 0 1 1 2
Não
% gênero 0 0 0 1.8 1.1 0.6
Binário
% em raça 0 0 0 50.0 50.0 100
N 3 159 1 56 92 311
Total
% raça 1.0 51.1 0.3 18.0 29.6 100
Fonte: Elaboração das autoras a partir da revisão de Secchi et al. (2020), INESC (2020).

Os dados levantados das eleições legislativas municipais de 2020 apon-


tam para uma dinâmica em direção à superação dessa estrutura de exclusão.
Em geral, as candidaturas coletivas envolveram de 2 a 4 covereadores (61.6%),
sendo que em poucos casos apresentaram acima de 10 covereadores (3.7%)13.
O perfil das candidaturas coletivas ao legislativo municipal difere fortemente
das/os postulantes ao cargo no modelo tradicional, uma vez que contou com
146 mulheres (47%), alcançando um equilíbrio de gênero, se compararmos
com todas as candidaturas apresentadas em 2020, onde 34,6% eram mulheres
e 65,4% de homens.
Em relação ao perfil racial, as candidaturas coletivas, embora reprodu-
zam o perfil de maioria branca, apresentam uma inversão significativa entre as
não brancas. Nas candidaturas das eleições das Câmaras Municipais de 2020,

13  Importante destacar que, se em 13 casos não foi possível encontrar o número de coverea-
dores, essas candidaturas indicavam a proposta de mandatos compartilhados após as eleições,
incluindo a preocupação com a inclusão de diferentes perspectivas ao longo do mandato.

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46.8% eram brancas, 40% pardos e 10.9% negras14. Já as candidaturas coletivas
apresentaram um perfil um pouco maior de brancas entre as/os porta-vozes
(51.1%), mas 29.6% são candidaturas coletivas pretas e 18.0% pardas. Quando
analisada a interseccionalidade com gênero, entre todas as mulheres candi-
datas, 49,2% eram brancas, seguidas pelas mulheres pardas (38%) e mulheres
pretas (10,8%) (Braga et al., 2021). O perfil cruzado entre gênero e raça das
candidaturas coletivas (Tabela 1) revela um equilíbrio entre homens e mulhe-
res pretas e brancas, mas ainda com clara sub-representação de candidatas/os
pretas e pardas, considerando o perfil da população do país. A representação de
homens pardos também é superior à de mulheres pardas. Mas o percentual de
mulheres pretas (31.5%) é muito superior ao perfil das candidaturas em geral.

Tabela 2. Declaração de cor dos vereadores eleitos no país e nas candidaturas


coletivas
Declaração de cor Todo país Candidaturas coletivas
Branca 53.4% 50.0%
Parda 38.7% 13.4%
Preta 6.2% 33.3%
Outros 1.7% 3.3%
Fonte: Elaboração das autoras com base em Zanlorenssi, Sales e Gomes (2020)15.

O perfil das/os eleitas/os pelas candidaturas coletivas é mais plural. Em


relação ao perfil de todas/os vereadoras/es eleitas/os em 2020, apenas 16% das
vagas foram preenchidas por mulheres, enquanto 84% ficaram com os homens.
A sub-representação ocorre nos três espectros ideológicos – direita, centro,
esquerda –, com melhor desempenho da esquerda, especialmente o Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido dos Trabalhadores (PT). A
maioria das mulheres eleitas é branca (53,2%), seguida pelas mulheres pardas
(39,1%) e, com percentual bem menor, de mulheres pretas (6,0%) – a exceção
é o PSOL, que elegeu 31.4% de mulheres pretas.
Das 311 candidaturas coletivas mapeadas, 30 foram eleitas, o que re-
presenta um relativo sucesso eleitoral (quase 10%), muito próximo à taxa de
êxito de todas as candidaturas a vereadores no país (58.114 vagas / 518.329

14  Dados do TSE, divulgados em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/eleicao-


-em-numeros/noticia/2020/09/28/proporcao-de-candidatos-negros-nas-eleicoes-de-2020-e-
-a-maior-ja-registrada-pela-1a-vez-brancos-nao-sao-maioria.ghtml>.
15  O perfil dos vereadores eleitos no Brasil em 2020. Disponível em: <https://www.nexojor-
nal.com.br/grafico/2020/11/16/O-perfil-dos-vereadores-eleitos-no-Brasil-em-2020>.

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candidatos = 11,2%), as quais tiveram um aumento de candidaturas entre os
partidos (TSE)16 diante das mudanças eleitorais que proibiram coligações nas
eleições proporcionais. Entre as demais candidaturas coletivas, 133 ficaram na
posição de suplentes (42,8%), 10 foram anuladas sub judice, ou indeferidas, e
138 não foram eleitas. Das eleitas, em 18 casos (60%) as porta-vozes são mu-
lheres e 12 são homens (40%). No quesito cor, temos 15 que se autodeclararam
brancas/os, 10 pretas/os, 4 pardas/os e 1 amarelo. Embora o número de eleitas/
os seja muito baixo, é possível afirmar que o perfil mais plural das candidaturas
coletivas se reproduziu entre as/os eleitas/os, mostrando o potencial inclusivo
dessas experiências no que tange às mulheres e pretos.
Em relação ao perfil de escolaridade, os mandatos coletivos possuem
nível de formação superior às demais candidaturas, o que novamente atesta os
limites de inclusão. Dados do TSE revelam que 28.78% dos candidatos pos-
suíam em 2020 ensino superior completo ou incompleto, 38.1% ensino médio
completo e 4.97% médio incompleto. Entre as mulheres, 40% possuíam ensino
médio completo e menos de 28% superior completo (Braga et al., 2021, p.
215). Entre as candidaturas coletivas, a maioria (61.2%) possui ensino superior
completo, 13.8% superior incompleto, seguidas por médio completo (21.2%).
Entre as/os eleitas/os nos coletivos, 20 possuem ensino superior completo, seis
(06) incompleto, três (03) ensino médio completo e um (01) incompleto. Cabe
ainda ressaltar que os mandatos coletivos estão trazendo novos postulantes ao
processo legislativo, uma vez que 207 porta-vozes das candidaturas (66.3%)
estavam concorrendo eleitoralmente pela primeira vez.

16  Estatísticas disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <https://
www.tse.jus. br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais>.

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Gráfico 3. Candidaturas coletivas por unidade da federação

Fonte: Elaboração das autoras a partir da revisão de Secchi et al. (2020), INESC (2020).

Apesar de mais inclusiva do ponto de vista de gênero e raça, essa moda-


lidade ainda está concentrada territorialmente na região Sudeste – com 52.4%
de candidaturas coletivas contra 38.9% nas eleições gerais para vereador/a.
Para as demais regiões, o percentual das candidaturas coletivas se aproxima das
eleições gerais no Nordeste (23.5% coletivas contra 26.3% do total de candi-
daturas) e no Sul (15.1% contra 16.4%), ou é menor no Norte (5.5% coletivas
contra 10.1%) e no Centro-Oeste (3.5% contra 8.3%). São Paulo responde so-
zinha por 42.3% das candidaturas (132), e Pernambuco se destaca no Nordeste
(38 candidaturas).
Em geral, pode-se afirmar que as candidaturas coletivas ampliam a
representatividade de mulheres, negros e mulheres negras nas campanhas,
comparativamente aos mandatos individuais eleitos. Mas é preciso avançar na
caracterização dos mandatos coletivos, considerando covereadores ou codepu-
tadas/os. Por exemplo, a classificação de não binários (1%) considerou os dados
das/os porta-vozes registrados no TSE, mas a presença de vários coletivos e

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movimentos LGBTI+ sugere que esse número possa ser maior. Também não
sabemos se a composição por gênero e raça mudará ao se considerar as/os de-
mais integrantes das candidaturas e mandatos. De toda forma, sugerimos que
os mandatos coletivos estão servindo como um mecanismo utilizado por mo-
vimentos sociais para impulsionar o sistema político na direção da promoção
de uma “representação justa” por meio da inclusão, na política institucional, de
grupos que se encontram sub-representados. Como destacado por Martelli,
Almeida e Lüchmann (2019, p. 9), esse debate, caro à teoria política feminista,
tem buscado justificação teórica às demandas de inclusão política das mino-
rias, que passaram a ser nomeadas de “política da presença”, “representação
descritiva”, “representação de grupos” ou “representação por espelho”, colocan-
do “em foco o problema das disparidades existentes entre a diversidade de gru-
pos que compõem a sociedade e a homogeneidade constatada na composição
das instituições representativas em termos, por exemplo, de gênero, etnia e
classe social”. Mesmo considerando a interseccionalidade dessas dimensões, é
preciso investigar também em que medida os mandatos estariam impactando
o quadro das desigualdades sociais, em especial em sua capacidade de incluir os
setores mais empobrecidos da população. Se levarmos em conta o alto nível de
escolaridade das/os porta-vozes, parece que as barreiras socioeconômicas para
se eleger ainda são muito grandes.
Nesse sentido, uma agenda de pesquisa importante é analisar se a ado-
ção dessas candidaturas terá o efeito de tornar os partidos mais inclusivos em
relação à seleção de candidatas/os e à plataforma política, ou mesmo incentivar
esse debate no sistema partidário, tal qual visto por Cowell-Meyers (2014) no
caso da Coalizão de Mulheres na Irlanda do Norte – ou se as candidaturas
coletivas podem se tornar um nicho a partir do qual esses grupos marginali-
zados concorram sem alterar a distribuição de poder dos grupos privilegiados
no interior dos partidos e mesmo o número de vagas destinadas a eles nas
candidaturas.

Movimentos sociais e partidos políticos nas candidaturas coletivas

Se a literatura sobre as interações entre movimentos sociais e sistema


político pouco privilegiou o estudo das eleições (Mcadam & Tarrow, 2011), a
interação com os partidos políticos é outro gargalo de pesquisa. Como destaca-
do na primeira seção, a sobreposição de filiação entre ativistas de movimentos
e organizações civis e partidos vem sendo reconhecida como fator importante
para a adoção de instituições participativas, ou mesmo para analisar a interação

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com o sistema político. A interação propriamente dita de movimentos no inte-
rior dos partidos é temática na literatura sobre partidos de massas e partidos-
-movimentos (Duverger, 1951; Kitschelt, 1989), além dos estudos sobre
alianças em momentos eleitorais em função da relação de proximidade dos
movimentos/ativistas com os partidos (Albala, 2018). No Brasil, a literatura
sobre a formação do PT foi promissora em discutir essa relação (Keck, 1992;
Meneguello, 1989).
Recentemente, o conceito de partido-movimento retorna à cena visan-
do dar sentido e compreender a emergência de novos partidos ou novas formas
de interação que denunciam os limites da democracia representativa (Della
Porta et al., 2017). Alguns casos de partidos-movimentos são a Coalização de
Mulheres da Irlanda do Norte (NIWC), a Rede Sustentabilidade no Brasil, os
Partidos Verdes europeus e o Podemos, na Espanha (Cowell-Meyers, 2014;
Kioupkiolis, 2016; Oliveira, 2016; Poguntke, 2002). A literatura também
aponta para formas de aproximação menos formais que ocorrem por meio da
formação de redes entre movimentos e partidos, especialmente entre ativistas
partidários (Heaney & Rojas, 2007), que podem gerar estratégias de interação
coordenadas mais ou menos estáveis ou estratégias invasivas e hostis com risco
para ambos, partidos e movimentos (Schwartz, 2010).
A maior interação entre movimentos e partidos ampliaria o acesso de
ativistas aos decisores políticos, ao mesmo tempo em que garantiria aos par-
tidos apoio político e recursos para definir questões oportunas (Heaney &
Rojas, 2007; Schwartz, 2010). Mas a aproximação também geraria riscos,
como o choque entre identidades e estratégias partidárias e de movimentos
(Oliveira, 2016), os impactos de processos de cooptação dos movimentos
pelos partidos (Heaney & Rojas, 2007) e vice-versa, e a perda da democracia
de base e moderação dos movimentos (Poguntke, 2002).
Essa literatura ajuda a pensar a interação entre movimentos e partidos
nas candidaturas coletivas, apesar das diferenças, especialmente por não pro-
porem a criação de novos partidos. Mas tal qual a definição de partidos-mo-
vimentos de Kitschelt (2006), os mandatos coletivos tentam aplicar as lógicas
e práticas organizacionais dos movimentos na arena da competição partidária.
Igualmente, os mandatos coletivos guardam alguma relação com as propostas
de reforma da representação aventadas no mundo que deram origem aos parti-
dos-movimentos, especialmente a rejeição aos sistemas políticos, suas institui-
ções e lideranças. Assim, candidaturas coletivas fazem mais do que influenciar
o partido ou lançar candidatas/os alinhadas ao movimento. Nos termos de
Cowell-Meyers (2014), elas manipulam as regras eleitorais a fim de garantir a

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inclusão de maior número de pessoas e grupos no partido e de aumentar suas
chances eleitorais. Também buscam introduzir modificações no funcionamen-
to partidário quando transformadas em mandatos.
A fim de compreender como as candidaturas podem ou não reconfigurar
a interação com os partidos no país, é preciso inicialmente analisar como elas
se distribuem no sistema partidário brasileiro. Vejamos, para o caso das candi-
daturas coletivas, quais são os partidos que estão mais abertos a essa inovação:

Gráfico 4. Percentual dos partidos das/os porta-vozes das candidaturas cole-


tivas em 2020

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da revisão de Secchi et al. (2020), INESC (2020).

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Do total de 311 candidaturas, vemos que o PSOL liderou a corrida de
candidaturas coletivas a vereadores no país, com 115 casos (37%), seguido pelo
PT com 65 (20.9%). O PCdoB, com 31 candidaturas (10%), também apre-
sentou percentual destacado. Considerando que ativistas tendem a procurar
partidos que consideram em maior consonância de interesses e de relações de
identidade (Heaney & Rojas, 2007; Oliveira, 2016), a maior adesão das can-
didaturas coletivas a partidos como o PSOL e o PT parece ser explicada por
essa vinculação a movimentos. O PSOL é um partido que nasce no parlamen-
to, a partir de uma dissidência com o PT, e tem se aproximado dos movimentos
sociais jovens, negros, indígenas e LGBTQI+, desde 2013, atraindo diferentes
gerações de ativistas. Já em relação ao PT, é farta a literatura que o apresenta
como um partido intrinsecamente ligado aos movimentos sociais desde a sua
origem (Amaral, 2011; Keck, 1992). Isso não significa que a proposta de
candidaturas coletivas seja facilmente aceita no interior desse partido, como
parece mostrar o baixo número de candidaturas no PT quando comparado ao
PSOL, um partido muito menor e menos institucionalizado.
O quadro acima mostra que, apesar da concentração de candidaturas
à esquerda e centro-esquerda do espectro político, o processo de pluraliza-
ção partidária nessa modalidade, já identificado em pleitos anteriores (Silva,
2019), se amplia nas eleições de 2020. Partidos de centro, centro-direita e di-
reita (Scheeffer, 2018)17 representam, no conjunto, 18.3% das candidaturas.
Apesar do maior número de candidatos do PSOL, o partido elegeu o mes-
mo número de vereadores que o PT na modalidade coletiva, dez cada um. O
PCdoB elegeu dois mandatos coletivos, e oito partidos, de centro à direita,
apresentaram uma média de uma candidatura coletiva eleita.
Outro dado importante para avaliar a relação entre partidos e movi-
mentos diz respeito à composição partidária dos integrantes das candidaturas
coletivas. Em 19, dos 311 casos, as/os porta-vozes das candidaturas confirma-
ram que se tratava de mandato pluripartidário, o que significa que o mandato
admite covereadores filiadas/os a outros partidos. Em 169 casos não obtivemos
resposta, e 123 disseram ser candidaturas de um único partido. O quanto essa
relação é viável, considerando a organização e a disciplina partidária requeri-
das aos mandatos e a competitividade eleitoral entre partidos, é um ponto a
ser investigado. Como relata uma codeputada, há muita divergência entre os

17  A esquerda é composta por PCO, PSTU, PSOL, PCB, UP; a Centro-esquerda por
PCdoB, PT, PSB, PDT, PROS, PV; o Centro por AVANTE, PSDB, MDB, Cidadania, REDE,
PMN, PTB, SD, PMB; a Centro-direita: PTC, PODEMOS, Republicanos, PSC, PRTB, DC,
PL, Patriota, PSD, e a Direita: PP, DEM, PSL, NOVO.

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mandatários de diferentes partidos, por exemplo a dificuldade de que “junto
com eles vem os objetivos dos seus partidos. A sua construção, forma de or-
ganizar” (E2, codeputada). Recentemente, o caso de expulsão da codeputada
Raquel Marques, filiada à REDE, da Bancada Ativista, mandato coletivo de
maioria do PSOL, mostra os conflitos que surgem dessa relação.
Em síntese, pode-se dizer que a inovação do ponto de vista da interação
movimentos e partidos não atinge todo o espectro partidário, limitando-se, em
boa medida, ao caso de dois partidos frente a 33 partidos nacionais. Essa pro-
ximidade entre candidaturas coletivas e partidos de esquerda reflete a histórica
interação dos movimentos desde a redemocratização do país que, se por um
lado foi importante para o estabelecimento de políticas públicas desde o nível
subnacional (por exemplo, nas administrações petistas) e para a defesa de um
projeto democrático participativo, por outro lado pode ter limitado a interação
com outros partidos e até mesmo um projeto mais direcionado à instituciona-
lidade legislativa (Zaremberg & Almeida, no prelo). Além disso, um conjun-
to de questões pode ser pensado enquanto desdobramentos de uma agenda de
pesquisa voltada para as relações e tensões entre movimentos sociais, mandatos
coletivos e partidos; em primeiro lugar, as tensões entre o uso pragmático e
estratégico dos partidos pelos movimentos sociais por meio das candidaturas
coletivas, na medida em que, se por um lado os partidos detêm o monopólio no
lançamento de candidaturas, por outro, eles não necessariamente estão com-
promissados com o debate voltado para democratizar as suas estruturas, pouco
contribuindo para ampliar as formas de acesso ao poder.
Em segundo lugar, as candidaturas coletivas surgem como crítica aos
partidos, ao mesmo tempo em que tentam disputá-los tendo em vista o reco-
nhecimento da importância de ganhar acesso aos centros de decisão. Diante
disso, identificadas com movimentos sociais, muitas candidaturas apresentam
uma relação ambígua com os partidos, de afirmação e negação, caracterizan-
do novas dinâmicas e tensões que vão além, como vimos, dos repertórios já
bem conhecidos de criação de um novo partido (a exemplo da REDE) ou de
identificação ideológica entre movimentos e partidos, ou ainda de criação de
movimentos pelos partidos, como tem sido o caso do PSOL. Em alguns casos,
se reivindica certa autonomização dos partidos, sustentando, como em outros
exemplos de partidos-movimentos no mundo, discursos de antirrepresentação
a favor de uma linguagem participativa, e que podem acirrar os já importan-
tes problemas de reconhecimento da legitimidade democrática dos partidos
(Gerbaudo, 2019). Enquanto Cowell-Meyers vislumbrou, na criação de novo
partido, a possibilidade de mudar o sistema por dentro, permanecem o desafio

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e as dúvidas, no caso dos mandatos coletivos, sobre a possibilidade de construir
a democracia por dentro das instituições. Como identificado em entrevista
com uma ativista de Belo Horizonte, a tensão entre manter a ação de movi-
mento ou dentro do parlamento está posta: “a institucionalidade não é o foco
das nossas ações, a gente tem um mandato parlamentar que tem 70% das ações
pensadas para fortalecer coisas que acontecem fora da institucionalidade” (E1).
Nesse sentido, é preciso avançar na análise sobre as estratégias e relações – mais
hostis ou cooperativas – entre partidos e movimentos (Schwartz, 2010).
Em terceiro lugar, as experiências de mandatos coletivos podem gerar
efeitos nos próprios movimentos, a depender da maneira pela qual essas re-
lações são construídas. As entrevistas realizadas com mandatárias/os de Belo
Horizonte e São Paulo confirmam que há diferentes formas de articulação en-
tre movimentos que dão origem às candidaturas. Enquanto no primeiro caso
(BH) a proposta teria emergido de maneira mais orgânica entre movimento e
partido, no segundo (SP) ocorreu um processo de “juntar pessoas” que não se
conheciam ou compartilhavam lutas previamente. Isso tem levado a uma difi-
culdade na relação entre movimentos tão diversos e dúvidas perante as dificul-
dades de fazer avançar as suas pautas em função do poder reduzido de recursos
e do deslocamento de suas lideranças, assumindo funções de covereança. Esses
impactos também podem ter forte reverberação nas relações entre esses cole-
tivos e as/os representadas/os, acentuando a lógica de privilegiar setores mobi-
lizados. Finalmente, os impactos na capacidade de articulação e atuação social
dos movimentos sociais a partir da inserção de suas lideranças no âmbito da
representação eleitoral podem implicar, ao invés de aproximação, um distan-
ciamento ou desconexão com as bases sociais. A superação desse obstáculo vai
depender da capacidade dessas propostas em promover, como propagado em
muitas campanhas, conexões entre participação, deliberação e representação.
Por fim, algumas contradições podem emergir dessa duplicidade dada
pelas reivindicações de representação eleitoral e reivindicações dos próprios
movimentos, afinal os mandatos, a exemplo das “Muitas” de Belo Horizonte,
acabam optando por se integrar a uma legenda já existente, constituindo-se
como “um quase-partido movimento, se apresentando em um estágio entre
o movimento e o partido movimento” (Inácio, 2019, p. 14). Assim, algumas
das tensões dos partidos-movimentos também se recolocam, a exemplo das
diferenças de demandas e causas e das exigências institucionais de atuação
parlamentar, imprimindo conflitos entre os mandatos, os partidos e os mo-
vimentos (Inácio, 2019; Kitschelt, 2006). Algumas dessas tensões já ha-
viam sido identificadas na criação do PT (Keck, 1992) com desdobramentos

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mais recentes, incluindo as tensões desse partido com setores do movimen-
to ambientalista, reverberando na criação de um partido-movimento, a Rede
Sustentabilidade (Oliveira, 2016).

Considerações finais

Diante de um contexto marcado por retrocessos democráticos, as can-


didaturas coletivas oferecem um frescor ao campo de estudos da participação
e da representação política, na medida em que apontam para a reconfiguração
do ativismo e da disputa política, promovendo um (re)encontro de movimen-
tos com a institucionalidade pela via eleitoral. Argumentamos ainda que as
candidaturas coletivas se colocam como uma estratégia política por parte dos
movimentos sociais que visa interpelar algumas das principais dimensões da
crise política que alicerçam os debates no campo da teoria democrática e da
representação, em especial as questões relacionadas à inclusão política de mi-
norias sociais, às conexões entre participação e representação e às relações entre
essas candidaturas e os partidos políticos, detentores do monopólio da repre-
sentação de base eleitoral.
A partir de dados empíricos junto a 311 candidaturas coletivas das elei-
ções municipais de 2020, o trabalho apresentou, ainda que de forma preli-
minar, alguns resultados que interpelam essas dimensões. Em primeiro lugar,
identificou, no que diz respeito às relações entre candidaturas e movimen-
tos sociais, que as candidaturas apresentaram um alto percentual (84.3%) de
vinculação associativa, e abrigam uma pluralidade de formatos, propostas e
manifestações, como movimentos sociais, sindicatos, ONGs, ativismo parti-
dário, conselhos, movimentos de renovação política, coletivos e as/os ativistas
de direitos (em geral, ativistas digitais e individuais). Observou-se também
que a grande maioria dos vínculos associativos (147 casos) está relacionada
com os movimentos sociais de defesa de direitos das mulheres, da população
negra, LGBTQI+, entre outros, além da importância dos vínculos partidários,
com coletivos, ONGs e conselhos de políticas, indicando que ativistas, antes
vistos sob as lentes da interação com o Estado ou mesmo a partir de reper-
tórios de ação de protestos, estão investindo no caminho eleitoral por uma
via alternativa às modalidades já estudadas, aqui e no plano internacional. Os
novos formatos organizacionais como coletivos e ativistas de direitos, porém,
perdem importância entre as/os eleitas/os. Além de abrir caminhos promis-
sores no que diz respeito às demandas por maior inclusão e participação no
campo da representação eleitoral, esses mandatos colocam no horizonte novos

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desafios, a exemplo dos impactos e das tensões no campo do ativismo social e
do político-institucional.
Em segundo lugar, e intimamente relacionado com essa vinculação as-
sociativa, o trabalho demonstrou, em consonância com outros estudos sobre
o tema, avanços no perfil de gênero e raça das candidaturas e eleitas/os pelos
mandatos coletivos. Em comparação com o perfil das candidaturas tradicio-
nais, os dados apontaram para um aumento no número de candidaturas femi-
ninas e negras. Assim, embora um número ainda pequeno, identificamos que
a ocorrência de um perfil mais plural das candidaturas coletivas se reproduziu
também entre as/os eleitas/os, mostrando o potencial inclusivo dessas expe-
riências no que tange a diversos segmentos do campo das minorias sociais.
Nesse sentido, a pesquisa revela que essas experiências trazem consigo a marca
não apenas da pluralização da/o representante, mas também das pautas po-
líticas de minorias sociais, e exprimem a compreensão de que “o corpo em
representação tem que caminhar junto, por isso representatividade importa.
Lugar de fala importa” (E1, covereadora). Trazer grupos excluídos para a po-
lítica não é, certamente, garantia de sua presença nas políticas. Além disso, as/
os candidatas/os reconhecem os riscos advindos da essencialização da ideia de
lugar de fala, uma vez que “se ninguém pode representar minha pauta além
de mim, não é possível construir coletivamente” (idem). De qualquer maneira,
fica a questão sobre em que medida as candidaturas coletivas terão um efei-
to contágio em outros partidos, seja para ampliar a adoção desse mecanismo
diante de crescente sucesso eleitoral, seja para aprofundar o debate no sistema
partidário acerca da sub-representação de grupos. Para as/os ativistas, o expe-
rimento ainda é visto como transitório: “É um tapa buraco”, que não dá conta
de transformar a democracia no país (E3, codeputado).
Em terceiro lugar, o trabalho corroborou os achados anteriores que
apontam uma forte relação entre candidaturas e mandatos coletivos e partidos
de esquerda e centro-esquerda, com destaque para o PSOL e o PT. Identificou
também um aumento no processo de pluralização partidária nas últimas elei-
ções municipais a partir do crescimento de candidaturas vinculadas às siglas
de centro, centro-direita e direita, representando, no conjunto, 18.3% das can-
didaturas. Tendo em vista o caráter preliminar desses dados, o trabalho elen-
cou um conjunto de questões visando avançar na agenda de estudos sobre as
relações entre movimentos sociais e partidos, uma vez que pouco sabemos, por
exemplo, sobre o comportamento desses diversos atores durante os mandatos,
considerando as estratégias, interesses e demandas, por vezes contraditórias,
dos partidos políticos e dos movimentos sociais.

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Assim, o fenômeno dos mandatos coletivos, ainda bastante recente no
sistema político do país, desafia orientações bipolares, seja no campo de estu-
dos sobre participação e representação, seja sobre movimentos sociais e insti-
tuições políticas. É um convite para avançar nas análises que buscam romper
com perspectivas que separam atores sociais do sistema político e da repre-
sentação e procuram iluminar os diferentes sentidos, tensões e inovações da
representação política, no campo eleitoral e não eleitoral, visando a promoção
do empoderamento e da inclusão política dos diferentes segmentos sociais.
Afinal, um dos problemas centrais da representação democrática é a sua ca-
pacidade de promover formas e instrumentos que garantam às/os cidadãs/os
o poder de ter voz sobre as decisões coletivas. Por enquanto, tudo isso ainda é
promessa. “É tudo muito novo. Tamo no olho do furacão. É um processo de
aprendizagem. Talvez uma pesquisa daqui a cinco anos consiga mensurar isso”
(E3, codeputado).

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6. Em nome de Deus:
os ativismos evangélicos progressistas no Brasil
contemporâneo

Rebecca Neaera Abers 


Marcelo Kunrath Silva 
Luciana Tatagiba

Introdução1

“Nunca foi tão difícil separar o sagrado do profano”. É assim que


Joanildo Burity (2015, p. 105) termina o seu instigante ensaio, que caracteriza
as mudanças na “cena da religião pública” e seus impactos sobre as sociedades
contemporâneas. O autor afirma que o atual protagonismo religioso é, ao mes-
mo tempo, resultado e força motriz de transformações globais2 que se relacio-
nam, de forma complexa e não autoevidente, com os contextos nacionais. A
“publicização da religião” produz profundas alterações na relação entre Estado
e sociedade, com repercussões ainda pouco claras no que se refere às dinâmicas
do confronto político. No Brasil e na América Latina, a crescente importância
cultural, social e política dos evangélicos é, segue o autor, a expressão mais clara
desse processo (Burity, 2016).
O ativismo evangélico progressista, que vamos analisar neste capítu-
lo, é parte desse processo global de redefinição das fronteiras entre religião e
política. A literatura brasileira demonstra que não se trata de um fenômeno
novo. Os evangélicos progressistas participaram das lutas contra a ditadura
e seguiram disputando suas igrejas e se posicionando na esfera pública em
defesa da democracia e dos direitos humanos ao longo dos últimos trinta anos
(Conrado, 2009; Costa, 2018; Freston, 1994; Trabuco, 2015).

1  Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF PROCESSO


00193.0000229/2019-14) pelo apoio financeiro à pesquisa.
2  O ponto de inflexão é o 11 de Setembro e suas consequências diretas, dentre as quais o
autor menciona, a “Guerra ao Terror, invasão do Afeganistão, mudança de regime no Iraque, sa-
liência do tema do extremismo ou terrorismo religioso, Al Qaeda, banalização das intervenções
humanitárias capitaneadas pelos Estados Unidos e parceiros europeus em situações de conflito,
a ‘primavera árabe’ e seus desdobramentos” (Burity, 2016, p. 49).

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Contudo, a mudança quantitativa e qualitativa do lugar dos evangélicos
na sociedade brasileira vem alterando os contornos desse ativismo, principal-
mente a partir de 2015. Nesse período, a crescente presença política dos evan-
gélicos e a associação de seus principais representantes políticos e/ou midiáti-
cos com um projeto político conservador e autoritário promoveu, além de uma
sacralização da política, uma politização do sagrado. Assim como o ativismo
evangélico conservador3 colocou a religião no centro da política, ele colocou
também a política no centro da experiência religiosa, gerando um intenso pro-
cesso de politização do campo religioso e, mais especificamente, do campo
evangélico. Dessa forma, as controvérsias e conflitos políticos passaram a fazer
parte do cotidiano religioso. Como afirma Burity (2015, p. 104-105),

A politização, se serve a pretensões de relevância ou de conquista de po-


sições de poder, impõe pluralização à própria experiência da crença e da
espiritualidade em nível pessoal e institucional, de modo que ninguém
mais faz tudo o que quer ou pretende sem sofrer a resistência de outros
ou sem ter que negociar suas pretensões.

A literatura sobre religião e política no Brasil tem abordado principal-


mente o processo de atuação dos atores religiosos na cena pública, seja em
âmbito societário, seja no âmbito da política institucional. O presente capítulo
tem como objetivo dar centralidade analítica para uma dimensão menos ex-
plorada pela literatura: as implicações da politização do sagrado, em grande
medida produzida por um intenso ativismo evangélico conservador, na confi-
guração e atuação do ativismo evangélico progressista. Nesse sentido, os ques-
tionamentos orientadores da argumentação desenvolvida no capítulo são: De
que forma a crescente presença e influência de um ativismo evangélico con-
servador na cena pública tem impactado o ativismo evangélico progressista?
Como os ativistas evangélicos progressistas têm respondido a essas mudanças
que reconfiguram, simultaneamente, o campo religioso e o campo político?
A literatura de movimentos sociais nos ensina que os atores de um con-
flito político estão inseridos em relações de interdependência, cuja configu-
ração tem implicações diretas para a compreensão da emergência, desenvol-
vimento e resultados tanto do conflito quanto de seus atores. Para abordar
essas relações de interdependência, a literatura oferece dois conceitos úteis:

3  Apesar de utilizarmos a denominação de “conservador” e “progressista”, reconhecemos a


dificuldade de conceituação rigorosa dos posicionamentos políticos, já apontada por Almeida
(2017). Na verdade, como demonstrado ao longo do capítulo, a definição das posições políticas
é um dos pontos centrais de disputa do ativismo evangélico progressista.

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oportunidades (Mcadam, Mccarthy & Zald, 1999) e ameaças políticas
(Goldstone & Tilly, 2001). Tais conceitos possibilitam analisar como a con-
figuração das relações entre os atores de um conflito e suas mudanças ao longo
do tempo impactam a constituição e as formas de atuação (ou repertórios) de
tais atores. Neste capítulo, no entanto, privilegiamos analiticamente a atribui-
ção de ameaça como um mecanismo central para a compreensão do ativismo
evangélico progressista contemporâneo. Dessa forma, buscamos responder à
problematização de Goldstone e Tilly (2001, p. 181):

Ainda que a literatura do confronto político não silencie sobre as amea-


ças, referindo-se geralmente a custos de ação, custos de mobilização e os
riscos e a incidência da repressão, nós acreditamos que “ameaça” não tem
sido explorada tão intensamente como “oportunidade”. De fato, “amea-
ça” é geralmente tratada meramente como o lado oposto da oportunida-
de, a medida negativa do mesmo conceito, de forma que “maior ameaça”
simplesmente equivale a “menores oportunidades”. Nós acreditamos
que isso é um equívoco e que “ameaça” é um fator independente cuja
dinâmica influencia fortemente como os grupos populares e o Estado
atuam em uma variedade de situações de conflito.

Partindo de uma interpretação específica desse enquadramento teórico,


que desenvolvemos em Abers, Silva e Tatagiba (2018), sustentamos que a cres-
cente capacidade dos segmentos hegemônicos do campo evangélico forjarem
e difundirem uma identificação entre posicionamento religioso (evangélico) e
posicionamento político-ideológico (conservadorismo), tanto interna quanto
externamente ao campo evangélico, foi percebida por um conjunto de ativistas
evangélicos progressistas como uma ameaça. Para responder a essa ameaça,
os ativistas evangélicos progressistas mobilizaram e inovaram seus repertórios
de ação. A principal novidade é a criação de frentes e organizações voltadas a
pautas específicas construídas na sobreposição entre a identidade religiosa e a
militância dos ativistas em diversas redes de movimentos sociais. A partir da
reinterpretação da Bíblia, os ativistas evangélicos progressistas têm construído
pontes entre a linguagem dos direitos e a linguagem da fé, indicando caminhos
promissores para a renovação do repertório discursivo da esquerda brasileira.
A análise que propomos aqui é baseada numa pesquisa exploratória.
Como estudiosos do campo da participação e dos movimentos sociais, nosso
primeiro esforço foi realizar uma aproximação com a rica literatura produzida
sobre o tema das relações entre política e religião no Brasil, em particular as
dedicadas a reconstituir a atuação dos evangélicos progressistas. Na aproxi-
mação com o campo empírico, partimos do material disponível na internet

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(entrevistas, lives e documentos), de cuja sistematização retiramos as primeiras
pistas para estruturar o roteiro de entrevistas. Em seguida, realizamos dez en-
trevistas com evangélicos progressistas entre janeiro e março de 2021, sendo
cinco homens e cinco mulheres4. Metade deles combinam a militância evangé-
lica com a pesquisa acadêmica, nos auxiliando enormemente na compreensão
do estado da arte do debate. Quase todos os entrevistados pertencem a deno-
minações tradicionais, especialmente a Batista, o que está em parte associado
à importância desses atores na contestação pública à bancada evangélica. Em
pesquisas futuras, seria importante um olhar mais detido sobre o ativismo pro-
gressista pentecostal, em particular o papel que têm desempenhado na promo-
ção de uma linguagem dos direitos junto aos públicos periféricos5.
O texto está organizado em quatro seções, para além da introdução e
da conclusão. Na primeira seção, buscamos delinear o que estamos definindo
como evangélicos progressistas, a partir de um breve diálogo com a literatura
da área. Na sequência, discutimos de que forma o contexto de emergência pú-
blica das direitas evangélicas atua como gatilho para a mobilização dos ativis-
tas evangélicos progressistas. Na terceira seção, apresentamos as formas pelas
quais os ativistas buscam responder a essas ameaças, a partir de uma tipologia
provisória de suas práticas de ação coletiva. Por fim, na quarta seção, aborda-
mos as tensões, conflitos e possibilidades que o ativismo evangélico progressis-
ta coloca para o campo progressista.

Ativismo evangélico progressista: do que estamos falando?

A análise das relações entre religiosidade e processos de organização


e mobilização social constitui um dos eixos tradicionais da literatura inter-
nacional dedicada ao estudo de diferentes configurações do conflito político
(revoltas, revoluções, movimentos sociais, guerras civis, ciclos de protesto etc.).
De acordo com essa literatura, a religião (enquanto referências simbólico-cul-
turais e morais, estruturas organizativas e recursos) é um elemento recorrente
na estruturação da ação de atores orientados tanto pela intencionalidade de
manutenção quanto de transformação da ordem social (Billings & Scott,

4  A fim de respeitar o anonimato dos entrevistados, indicamos apenas o número da entrevista


e a data de realização. Quando não foi possível manter o anonimato, solicitamos a permissão
do(a) entrevistado(a) para informar o nome no texto.
5  Um exemplo recente de análise sobre o ativismo progressista pentecostal encontra-se em
Marçal (2020).

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1994; Farrell, 2011; Faver, 2000; Hill, 1987; Nepstad & Williams, 2007;
Smith, 1996; Williams, 2003; Wood, 1999; Zald, 1982).
Assim como observado na literatura internacional, as relações entre re-
ligiosidade e conflitualidade social e política também se constituem em objeto
de pesquisa tradicional das ciências sociais brasileiras. Nesse sentido, desta-
cam-se os estudos que mobilizaram o conceito de messianismo para analisar
revoltas populares como Canudos e Contestado (Queiroz, 1960), assim como
aqueles voltados a analisar a importância da mobilização política de base re-
ligiosa tanto para a ocorrência do Golpe Civil-Militar de 1964 (Dreifuss,
1981; Simões, 1985) quanto para a resistência à ditadura (Alves, 1968). A
literatura que analisou os processos de constituição e atuação de movimentos
sociais populares na redemocratização, por sua vez, destacou a centralidade
de organizações e agentes religiosos na disponibilização de elementos como
matrizes discursivas, estruturas organizativas, recursos materiais e financeiros,
lideranças, rituais e simbologias àqueles movimentos (Doimo, 1984, 1995;
Krischke & Mainwaring, 1986; Navarro, 1996; Sader, 1988; Singer &
Brant, 1981).
No entanto, apesar dessa significativa produção dos anos 1980, a litera-
tura brasileira que aborda os confrontos políticos e, mais especificamente, os
movimentos sociais secundarizou a dimensão religiosa na análise dos proces-
sos de organização e mobilização social nas décadas seguintes. Dessa forma,
enquanto a literatura de movimentos sociais tendeu a “seguir os atores” que
direcionaram sua atuação para espaços de participação institucional conquista-
dos ao longo dos anos 1990 e 2000, na sociedade ocorria uma transição religio-
sa com significativas (mas pouco percebidas e analisadas) implicações para os
processos de organização e mobilização social (Alves et al., 2017). O aumento
progressivo da filiação religiosa às denominações evangélicas, principalmente
nas áreas urbanas (ibid.), e uma relativa capacidade de mobilização eleitoral
de fiéis possibilitaram um protagonismo político inédito a esse segmento reli-
gioso. Outra fonte desse protagonismo se relaciona ao crescente envolvimento
das organizações religiosas evangélicas com a realização de ações e projetos
sociais, particularmente nos territórios populares (Burity, 2000; Conrado,
2009; Scheliga, 2013). Tal protagonismo se traduziu na ampliação da capa-
cidade de incidência nas políticas públicas, na ocupação de postos em várias
instituições do Estado e na eleição de representantes políticos explicitamente
vinculados às organizações religiosas para a ocupação de cargos no Legislativo
e no Executivo (Prandi & Santos, 2017). É esse conjunto de processos que

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constitui a emergência pública da religião evangélica, tal como definido por
Burity (2015).
A defesa intransigente de uma pauta moral conservadora e a atuação
explícita no apoio a processos e candidatos marcados pelo autoritarismo, ado-
tadas nos últimos anos pela maior parte das lideranças religiosas evangélicas
com protagonismo midiático e político, fundamentou uma associação mais ou
menos direta entre os evangélicos, a “onda conservadora” e os projetos políticos
da extrema direita em ascensão (Rezende, 2016; Almeida, 2017)6. Portanto,
embora a pluralidade do campo religioso seja algo muito destacado nos estu-
dos especializados no que se refere às disputas intradenominacionais, quando
se trata do posicionamento político dos evangélicos, identifica-se uma proble-
mática tendência de interpretação de que o campo evangélico possuiria uma
unidade em termos ideológicos (Costa, 2016; Pleyers, 20207). Contra a visão
homogeneizante da agência evangélica como iminentemente conservadora, vi-
são construída e propagada pelas próprias lideranças evangélicas conservado-
ras e reproduzida por importantes parcelas do campo progressista, é que se
levantam os ativistas evangélicos progressistas e, como resta óbvio, também
este texto.
Reconhecendo a enorme diversidade do campo protestante, partimos
aqui, para fins deste estudo, de uma definição operacional do ativismo evan-
gélico progressista. Definimos como ativistas evangélicos progressistas grupos
ou indivíduos que se autodeclaram evangélicos e que estão engajados em lutas
pela ampliação da cidadania, pelo respeito aos direitos humanos e pela defesa
da democracia. É a partir da adesão a esses valores e do esforço de torná-los
compatíveis com os preceitos de sua fé que os sujeitos que entrevistamos en-
contram seu lugar de enunciação na esfera pública8.

6  Uma das abordagens que faz essa associação é aquela que analisa os conflitos políticos
contemporâneos a partir do conceito de “guerra cultural” (Smith, 2019; Solano, Ortellado
& Moretto, 2017). Uma crítica a essa abordagem encontra-se em Williams (2003) e Kniss
(2003).
7  Para análises empiricamente fundamentadas sobre as diferenças de posicionamentos polí-
ticos entre lideranças políticas evangélicas no Congresso Nacional e a população evangélica ver
Almeida (2017) e Prandi e Santos (2017).
8  Agradecemos a leitura cuidadosa por Joanildo Burity de versão anterior deste texto. Seus
comentários generosos contribuíram muito para o aperfeiçoamento do texto especialmente no
que se trata da nossa compreensão da definição operacional dos evangélicos progressistas.

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O crescimento da direita evangélica e as ameaças ao ativismo progressista

Por que um contingente crescente, embora ainda minoritário, de grupos


de evangélicos progressistas se mobiliza na cena pública brasileira em anos re-
centes? Para compreender esse fenômeno, bebemos da literatura de movimen-
tos sociais e especialmente do debate sobre o efeito de mudanças de contexto
político sobre processos de organização coletiva.
Para tratar a relação entre movimentos sociais e contexto político, a lite-
ratura faz uso do conceito de estrutura de oportunidades políticas. Na formu-
lação original, “oportunidades políticas” representariam mudanças no sistema
político que explicariam, quando combinada a outras variáveis (como estru-
tura organizacional, repertórios e enquadramento discursivo), a emergência,
desenvolvimento e resultados dos movimentos (Tarrow, 1994; Mcadam,
Mcarthy & Zald, 1999). Elaborações posteriores enfatizaram que não ape-
nas as “oportunidades”, mas também as “ameaças”, como contextos de crise
política, ambiental, econômica, sanitária, insegurança alimentar etc., poderiam
funcionar como gatilhos para a ação coletiva (Goldstone & Tilly, 2001;
Mcadam & Boudet, 2012; Almeida, 2015).
Tanto no caso das oportunidades quanto das ameaças, a literatura pos-
terior descartou uma apreensão mecanicista do contexto político, chamando a
atenção para o complexo processo de interpretação intersubjetiva da situação
(como favorável ou desfavorável à realização dos interesses do grupo) que an-
tecede a ação coletiva (Goodwin & Jasper, 1999; Mcadam, Tarrow & Tilly,
2001). Da mesma forma, questionou a externalidade presente na forma de
conceber as relações entre movimentos sociais e o seu contexto político, como
se as mudanças na situação ocorressem de forma independente da ação dos
movimentos sociais. Jasper (2012), por exemplo, propõe uma concepção de
contexto político como configurações de atores interdependentes, que incluem
tanto os movimentos quanto os seus adversários. Tal concepção amplia o con-
ceito para além de seu foco original, as interdependências entre os movimentos
sociais e a configuração do sistema político, abrangendo também as relações
entre outros atores significativos em um determinado campo de conflito.
É a partir dessa ótica que propomos entender a mobilização dos evan-
gélicos progressistas no período recente. Argumentamos nesta seção que a pre-
sença pública dos evangélicos progressistas deve ser compreendida como uma
resposta a um contexto político de ameaça: aquela representada pelo fortale-
cimento político da direita evangélica e sua pretensão, aceita por significativas
parcelas do campo progressista, de falar em nome de todos os evangélicos.

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Muitos dos nossos entrevistados afirmaram que, com a mudança nas
relações de poder dentro do campo evangélico e entre evangélicos no sistema
político, sofreram diversos tipos de retaliações e ameaças. Muitos perderam
posição na hierarquia eclesiástica, sofreram diversas formas de silenciamento,
cerceamento aos espaços de interação com a base da igreja, exclusão da comu-
nidade de fé e até mesmo ameaças contra sua integridade física:

Eu acho que houve um descolamento assim, a gente teve mais dificulda-


de de chegar nas bases porque houve realmente, a partir de 2014, 2015,
houve uma blindagem (Entrevista 4, março de 2021).

Aí a gente sofreu muitos ataques de grupos majoritários dentro do cam-


po eclesiástico. De desmerecer, de desmobilizar, de não deixar mais que
a gente entrasse nos espaços das igrejas, né? Mas é isso assim, alguns
espaços começaram a se fechar por conta desse processo de polarização,
né? (Entrevista 7, março de 2021).

Você tem toda questão de entorno do crescimento da direita, do discur-


so antipetista. Isso vai podando a gente também [...]. E a nossa turma,
muitos de nós foram expurgados (Entrevista 10, março de 2021).

[...] das congregações, das organizações que fazíamos parte passamos


pelo que eles chamam de “cancelamento”. Tudo o que a gente fazia,
não faz mais, todos os convites cancelados, nossas falas foram cerceadas
(Entrevista 1, janeiro de 2021).

Os depoimentos relevam os impactos desses ataques sobre a saúde emo-


cional dos ativistas. Um entrevistado que passou pela experiência de ter que sair
da sua igreja enfatiza o sacrifício que envolve abandonar a comunidade de fé:

Nós tivemos pastores que foram expulsos das suas comunidades porque
não apoiaram Bolsonaro. [...] E romper com essas comunidades de fé
é muito doloroso porque a gente rompe com nosso círculo social, com
nossos vínculos afetivos. Então foi um processo muito doloroso. E ainda
tá sendo para muitas pessoas (Entrevista 5, março de 2021).

No caso de Camila Mantovani, da Frente de Evangélicas pela Legali-


zação do Aborto, as críticas evoluíram para mensagens de ódio e ameaças de
morte nas redes sociais e na porta da sua casa, o que a levou ao exílio9 em 2019.

9  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nZF11stY_sk> e <https://www.rede-


brasilatual.com.br/cidadania/2019/05/exilada-camila-mantovani-teme-avanco-do-fundamen-
talismo-na-america-latina/>.

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Em resposta a esse contexto de ameaças, os ativistas investiram na cria-
ção de organizações e frentes, estabeleceram campanhas e intensificaram sua
presença na esfera pública, de diversas formas. É esse processo que caracteri-
zamos na próxima seção.

O repertório do ativismo evangélico progressista

O conceito de repertório busca chamar a atenção para as diversas for-


mas através das quais o confronto político se dá. Para Tilly (2006, p. 35), são
conjuntos de rotinas de reivindicação que têm “caráter agrupado, aprendido,
porém improvisado”. A forma como os atores agem responde às oportunidades
e às ameaças do contexto político por meio da utilização de um conjunto mais
ou menos amplo de práticas que foram aprendidas por gerações anteriores de
ativistas. O repertório de ação coletiva condensa, assim, a memória das lutas,
ao mesmo tempo em que vai sendo gradativamente transformado pela agência
criativa dos atores coletivos, aqui e agora. Enquanto Tilly enfatizava formas de
atuação coletiva, alguns autores (Steinberg, 1999; Tarrow, 2013) se referem
a repertórios discursivos, como práticas historicamente construídas e constan-
temente transformadas de usar a linguagem, intimamente ligada ao repertório
de ação coletiva. Nesta seção, exploramos como a mobilização frente à ameaça
da emergência e atuação pública da direita religiosa levou ativistas evangélicos
progressistas a mobilizar práticas organizacionais antigas, adaptando-as à nova
realidade. Entre estas práticas, o repertório discursivo que passa pelo diálogo
com o texto da bíblia é central.
De uma forma geral, com base em nossa pesquisa exploratória, é pos-
sível afirmar que o repertório de ação coletiva dos evangélicos progressistas se
sobrepõe ao do ativismo não religioso: eles estabelecem interações face a face
visando recrutar novos aderentes, constroem espaços seguros para defesa de
sua identidade e coesão do grupo, criam organizações e frentes para atuar so-
bre o contexto político, encaminham reivindicações às autoridades e disputam
ideias e valores na esfera pública. A principal diferença em relação aos grupos
não religiosos parece estar nas bases normativas sobre as quais se assentam
suas reivindicações de Valor, Unidade, Números e Compromisso (VUNC),
nos termos de Tilly (2008, p. 121). Enquanto os grupos não religiosos ancoram
suas pretensões de validade discursiva nos valores da modernidade ocidental,
com destaque para a ideia de direitos, os evangélicos progressistas afirmam sua
legitimidade nas diversas expressões de espiritualidade e dignidade da fé, tendo
como base a Bíblia.

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Identificamos seis práticas que compuseram o repertório dos evangé-
licos progressistas nesse momento de ameaça conservadora. Algumas delas
compõem os ritos cotidianos voltados a acolher e fortalecer suas bases, en-
quanto outras visam construir visibilidade e demonstrar força política nas dis-
putas para dentro e para fora da igreja. São elas: 1) criação de organizações e
frentes, 2) produção de material devocional alternativo, 3) acolhimento e cria-
ção de espaços seguros, 4) implementação de ações sociais, 5) atuação na esfera
pública e realização de campanhas e 6) participação nas eleições.

1) Criação de organizações e frentes

Até meados da década de 2010, apesar da longa tradição de ativismo


progressista, esses atores se encontravam pouco articulados e detinham pou-
cos recursos para fazer a disputa no interior de suas igrejas e na sociedade.
Inclusive, alguns dos nossos entrevistados afirmaram que entendiam que sua
militância em causas sociais não se relacionava com suas atividades religiosas,
vistas como apolíticas. Esse quadro começou a mudar, principalmente, a partir
de 2015.
O levantamento não exaustivo que realizamos mostra que várias orga-
nizações hoje importantes do campo evangélico progressista foram criadas no
confronto político envolvendo o impeachment de Dilma Rousseff, justamente
como forma de oferecer um contraponto à pretensão da elite parlamentar e
pastoral de falar em nome de todos os evangélicos. O caso que assumiu maior
visibilidade pública foi o da Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático
de Direito, fundada em 2016. Duas de suas principais lideranças contaram nas
entrevistas que nos concederam que a Frente foi fundada logo depois que a
Câmara aprovou o impeachment de Dilma Rousseff. A ideia original, segundo
um entrevistado, era deixar “claro que a bancada evangélica não falava por
todos os evangélicos”.

Aí o que acontece é que quando vem o golpe, quando se desenha o golpe


é que a gente se vê organizando um movimento, que tem muito a ver
com o fato do Cunha ser o presidente do congresso naquele momento,
porque a gente viu os jornais dizendo que o golpe era gospel, né? E aqui-
lo me ofendeu pessoalmente e ofendia um grupo de amigos que tinha o
mesmo pensamento, pastores, colegas, gente de igreja, a gente se sentiu
muito ofendido com aquilo. Aí lançamos um Manifesto falando o quan-
to o golpe, o impeachment da Dilma era um golpe contra a democracia
[...]. Era um movimento pela legalidade (Entrevista com Nilza Valéria
Nascimento de Oliveira, fevereiro de 2021).

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Nessa mesma direção, podemos citar o movimento Cristãos contra o
Fascismo que surgiu em Porto Alegre, no contexto da campanha eleitoral de
2018, com o objetivo de convencer os cristãos a não votar no candidato da ex-
trema direita. Como salienta um de seus fundadores, “a gente entende que um
movimento como o nosso ele é necessário, porque é necessário a gente debater
esse cristofascismo” (Entrevista com Tiago Santos, março de 2021).
Mais recentemente, em julho de 2020, foi lançada a Bancada Evangélica
Popular10, que tem como objetivo se contrapor à bancada evangélica tradicio-
nal em nome dos valores da igualdade e da justiça social, fazendo a disputa
política eleitoral no interior do parlamento. Como afirma Samuel Oliveira, um
dos seus fundadores:

Hoje nós temos os evangélicos no imaginário como um grupo único,


homogêneo, fundamentalista, tradicional, conservador. [...] O que a
gente quer é poder apresentar para a sociedade uma outra perspectiva
de ser evangélico (Samuel Oliveira, em entrevista à Rede Brasil Atual).11

Nossa pesquisa identificou também articulações específicas, igualmente


constituídas no contexto do avanço dos setores conservadores e autoritários,
voltadas às questões de gênero, diversidade sexual, raça e meio ambiente. É
o caso, por exemplo, do movimento Evangélicas pela Igualdade de Gênero
(EIG), criada em 2015, com o mote “a bancada evangélica não nos representa”;
da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, criada no Rio de Janeiro, em
2017; e da Rede de Mulheres Negras Evangélicas que, com foco na intersecção
entre religião, gênero e raça, realizou seu primeiro encontro nacional em 2018,
no Recife.

10  No seu site (https://www.bancadaevangelicapopular.com/), o Movimento pela Banca


Evangélica Popular apresenta-se da seguinte forma: “Somos um movimento popular de evan-
gélicas e evangélicos que desejam participar de forma direta na política. Um coletivo de lide-
ranças de igrejas e movimentos sociais evangélicos que entendem a necessidade de apresentar
uma outra perspectiva de participação de nosso setor na política. Num grupo pluripartidário e
progressista, nosso propósito é ocupar as câmaras e assembleias com uma Bancada Evangélica
Popular, que lute e defenda os direitos de nosso povo. À luz da Palavra de Deus, queremos
promover políticas públicas concretas que cessem com a desigualdade social e promovam jus-
tiça, paz e dignidade para todas e todos”. Além do site e do Facebook (https://www.facebook.
com/BancadaEvangelicaPopular/), outras informações sobre a Banca Evangélica Popular
podem ser encontradas em: <https://ponte.org/somos-evangelicos-e-temos-vergonha-da-
-bancada-bolsonarista-eles-nao-nos-representam/> e <https://religiaoepoder.org.br/artigo/
esquerda-nas-eleicoes-municipais-2020-o-caso-da-bancada-evangelica-popular/>.
11  Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/07/
nova-bancada-evangelica-popular/>.

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Queremos mostrar para a sociedade, principalmente nesse momen-
to que estamos vivendo, que nem toda evangélica é fundamentalista,
fanática, intolerante religiosa, racista religiosa... Muito pelo contrário.
Existe uma quantidade muito grande de mulheres negras evangélicas
que como eu estão inseridas em atividades de luta, de resistência, de so-
brevivência na sociedade civil (Wall Moraes, 2º Encontro de Mulheres
Negras Evangélicas, 2019, Salvador)12.

Essa é apenas uma pequena amostra do conjunto de redes e coletivos


que têm buscado nadar contra a corrente, impulsionados pela mesma onda que
torna sua existência como sujeito coletivo tão ameaçada.

2) Produção e difusão de material devocional alternativo

Uma parte significativa da ação dos evangélicos progressistas volta-se a


produzir e difundir uma reinterpretação da bíblia, na qual os valores da justiça
social e dos direitos humanos sejam vistos como parte indissociável da ética
cristã. Como afirma Alencar:

para que sejam capazes de se apresentar perante o seu próprio segmento


religioso, os evangélicos progressistas necessitam realizar traduções dos
seus discursos sobre democracia e direitos humanos para uma retórica e
gramática religiosa (Alencar, 2019, p. 189).

Esse aspecto foi muito destacado nas entrevistas que realizamos:

Não basta você ter um discurso da esquerda, tem que ter base Bíblia,
para você poder mexer com as pessoas... eu vou defender os direitos das
mulheres, não porque o pessoal tá dizendo. É porque a bíblia diz: Jesus
tratou as mulheres com igual respeito e conversou com elas quando nin-
guém falava com elas, sentou para conversar de igual para igual... Então
isto tem um apelo muito grande para as mulheres, neste empoderamen-
to, reconhecimento nesta dignidade (Entrevista 3, fevereiro de 2021).

No esforço de demonstrar que a postura progressista é condizente com


a fé evangélica, e não uma prática herege, a própria figura de Jesus Cristo
aparece reenquadrada na figura de Jesus de Nazaré, evocando o compromisso
com grupos oprimidos (pobres, negros, periféricos, imigrantes) e a luta contra
os poderosos.

12  Disponível em: <http://alc-noticias.net/bp/2019/07/23/a-rede-de-mulheres-negras-e-


vangelicas-realiza-o-ii-encontro-de-mulheres-negras-cristas>.

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Nós combatemos o racismo primeiro chamando a consciência dos cris-
tãos de que a fé dos cristãos é uma fé de negros. [...] Jesus era não
branco. [...] Então eu sempre chamo a atenção para um fato de que
nós somos seguidores de um negro (Pastor Ariovaldo, entrevista à TVT
Brasil, publicado em 03 de abril de 2018)13.

Pensar num Jesus trans, travesti, ultrapassa todo entendimento humano,


quando a gente pensa que pessoa transgênero é a aquela que transgride
a norma de gênero, a gente entende que jesus era um espírito que assu-
me a forma humana. Ou seja, ele transgrediu de uma forma para outra
(Alexia Salvador, Pastora transexual, Carta Capital, publicado em 30 de
maio de 2019)14.

Enquanto pastores e pastoras proferem sermões que enfatizam leituras


progressistas da Bíblia, grupos de fiéis ativistas organizam os grupos de estu-
dos bíblicos nos quais compartilham com seus pares uma compreensão das
passagens bíblicas a partir da ótica dos direitos e da justiça social. Foi com esse
objetivo que a Frente Evangélica pelo Estado de Direito produziu uma revista
(de um único número) intitulada “A Bíblia e Direitos”, uma espécie de guia de
estudos bíblicos. O documento de 90 páginas inclui 12 “lições” abordando “O
que a Bíblia Fala” sobre democracia, violência, direito a saúde, direito a mora-
dia, dignidade da mulher, criação (sobre a natureza), imigrantes e refugiados,
crianças, trabalho digno, diálogo com outras religiões e liberdade de expressão.
Cada capítulo traz uma leitura bíblica progressista e pontos para reflexão sobre
o tema (Frente De Evangélicos Pelo Estado De Direito, 2018).
O Cristãos Contra o Fascismo também deu destaque para a produção
e disseminação de materiais escritos que explicavam a agenda política do an-
tifascismo em uma linguagem assentada na Bíblia. Por exemplo, o grupo pro-
duziu um material devocional, com quarenta estudos bíblicos sobre questões
sociais.

Daí a gente fala do desmatamento, fala de toda questão relacionada à


Amazônia. Então falamos do cuidado do cristão com a criação, com a
terra. Falamos do cuidado do cristão com o próximo, essa ideia do amor
ao próximo. Então, a gente entende que essa mensagem que a gente
tem sobre salvação, ela implica também numa mensagem de denúncia
sobre os discursos de alienação, de injustiça, de repressão, de opressão
(Entrevista com Tiago Santos, março de 2021).

13  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jurAvT-dvoA>.


14  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ThM_DCq2hs4>.

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Em entrevista, Ronilson Pacheco, um dos principais propagadores da
Teologia Negra no Brasil, enfatiza a importância de uma interpretação da
Bíblia que parta da história material do povo negro:

As Escrituras aqui não são conjunto de regras e normativas a serem


apropriadas e usadas para controle, mas um conjunto de histórias de
povos e pessoas que clamaram a Deus, como Ele as atendeu e como,
e por que, estas histórias foram guardadas e chegaram até nós. [...] É
uma leitura proposta para quebrar a lógica do discurso que por séculos
serviu como arcabouço da colonização e da escravidão, da segregação e
do apartheid, e que ainda serve em alguma medida de demonização da
cultura africana e de superioridade frente à pluralidade da humanidade
(Ronilson Pacheco, Teólogo, em entrevista à IHU On-Line, publicado
em 04 de setembro de 2019)15.

3) Acolhimento e criação de espaços seguros

Em muitos casos, o trabalho pastoral baseado em leituras progressistas


da Bíblia também se orienta ao empoderamento dos grupos subalternos que
frequentam as igrejas, tais como mulheres, negros e homossexuais. Um exem-
plo é o Abraço Negro, da Pastoral Afro, ligada à Igreja Episcopal Anglicana do
Brasil. Segundo a Reverenda Lilian, “A intenção nossa é [...] fazer uma atuação
missionária que possa, inclusive, dar conta de empretecer a igreja” (entrevista,
Lilian Conceição da Silva Entrevista, março de 2021).
De maneira semelhante, uma pastora feminista nos contou sobre uma
iniciativa de apoiar as adolescentes durante a pandemia sobre como lidar com
a sexualidade em contexto de isolamento social:

Nos grupos da população mais jovem, tratou-se muito da sexualidade


da mulher evangélica na pandemia. Como lidar com sexo e sexualidade
fora do casamento. Lidar com seu corpo já que elas não estavam tendo
espaços e ambientes para encontrar outras pessoas e tinham que ficar
sozinhas. Então, houve muitos problemas que atingiram a saúde emo-
cional dessas meninas, dessas jovens evangélicas. Inclusive, a gente está
organizando mais uma rede de apoio que as mulheres podiam ligar, as
evangélicas que estavam sofrendo com a repressão do corpo (Entrevista
5, março de 2021).

15  Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/592266-uma-teo-


logia-como-chave-para-oprimidos-resistirem-a-aspereza-da-vida-entrevista-especial-com-ro-
nilso-pacheco>.

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Em muitos casos, evangélicos que se identificam com causas progressis-
tas enfrentam dificuldades em continuar dentro das suas igrejas. Uma prática
voltada a lidar com esse problema consiste na criação de novas comunidades
religiosas. Um exemplo é “O Abrigo”, uma igreja criada em Porto Alegre por
um pastor que saiu da Igreja Batista por não se sentia mais acolhido.

No ano seguinte já, tipo um mês depois que eu me desliguei da igreja,


não era um plano meu, essas pessoas foram aparecendo [...] que também
já tinham se desligado das suas comunidades de fé por alguma razão
também, por discordar de vários posicionamentos da igreja. Outras que
nunca queriam ter se desligado, mas que foram expulsas das suas comu-
nidades porque eram LGBTs, porque eram feministas ou porque, enfim,
por diversas razões que a igreja achou que o seu comportamento não se
enquadrava com o padrão que a igreja havia estabelecido. Um padrão
moral, enfim. Mas essas pessoas sentiam muita falta de participar de
uma comunidade que as aceitasse, que as acolhesse e, dessa forma, a
gente começou uma comunidade aqui em Porto Alegre (Entrevista com
Tiago Santos, março de 2021).

O Abrigo era uma comunidade religiosa que até o início de 2021 não ti-
nha sede, reunindo-se em bares, parques e outros espaços públicos da cidade. A
comunidade não apenas atendia as necessidades espirituais dos próprios fiéis,
mas também participava de atividades políticas e sociais: projetos de extensão,
projetos sociais, ao lado de encontros e atividades nas redes sociais para realizar
debates políticos e religiosos. Os membros de O Abrigo acabaram criando o
movimento Cristãos Contra Fascismo. Assim, a criação de um espaço seguro
para pessoas que pensavam de maneira semelhante foi um passo inicial para
o fortalecimento de um grupo que depois pôde embarcar em iniciativas que
buscavam incidir sobre o sistema político.

4) Implementação de ações sociais

Como salienta Burity (2000), a atuação crescente das organizações


religiosas no desenvolvimento de projetos sociais próprios ou relacionados à
implementação de políticas públicas apresenta uma ressignificação a partir
dos anos 1990, se tornando uma face privilegiada da ação pública dos ato-
res religiosos. Nas palavras de Conrado (2009, p. 11), é “possível pensar no
crescente envolvimento de determinados segmentos evangélicos em causas
sociais como uma das formas mais dinâmicas de participação deste segmento
no espaço público”. Nesse contexto, surgem práticas assistenciais progressistas

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que confrontam a lógica tradicional da caridade avançada por entidades como
a Associação Beneficente Cristã (vinculada à Igreja Universal do Reino de
Deus).
Por exemplo, a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS),
que envolve segmentos progressistas do campo evangélico, estabelece um com-
promisso teológico e político com a promoção da justiça e da dignidade huma-
na, conjugando evangelização com responsabilidade social (Scheliga, 2013, p.
21). A ação social constitui um instrumento importante para o enraizamento
territorial das organizações religiosas evangélicas, inclusive em contextos de
conflito social. Swatowiski e Barbosa (2018, p. 83), ao analisarem uma ocupa-
ção de sem tetos em Uberlândia, salientam: “Apesar de suas diferenças doutri-
nárias, todas as organizações pentecostais presentes reconheceram a importân-
cia das atividades beneficentes, a ponto de se tornarem um fator preponderante
na permanência dos ocupantes”.

5) Atuação na esfera pública e realização de campanhas

Como grande parte dos ativistas de movimentos sociais, ativistas evan-


gélicos progressistas se organizam para expressar reivindicações políticas e
pressionar autoridades públicas. Embora essas atividades se assemelhem ao
que nós vemos com outros movimentos sociais, a especificidade do ativismo
religioso se revela a partir do encontro com a mística evangélica.
Uma referência central, nesse sentido, é a Rede Fale, “uma rede de pes-
soas que oram e se manifestam contra a injustiça”. Criada no início dos anos
2000 através da formação de mais de 40 núcleos de estudos bíblicos, a rede rea-
lizou grandes campanhas nacionais sobre temas como: “Pelo Desarmamento”;
“Contra Barreiras Comerciais Na Agricultura”; “Pelas Crianças e Adolescentes
em Situação de Risco”; e “Por Transparência nos Acordos Comerciais do
Brasil”. Os núcleos também realizavam campanhas relacionadas a temas locais,
às vezes com apoio direto do escritório central.
A prática marcante da Rede Fale envolveu a distribuição de folhetos em
papel cartão que apresentavam o tema e uma oração relacionada ao mesmo,
bem como sugestões para atuação política. Cada folheto incluía um cartão
postal destacável a ser encaminhado pelo fiel para uma autoridade política
relevante informando a posição política proposta.

Porque é sempre a discussão que a gente faz, que a gente fazia e continua
fazendo, como que chegar nas bases das igrejas né? [...] Como enviava
cartão e formava grupos de oração, a ideia era essa, a provocação inicial

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era essa, vamos orar pela segurança alimentar, vamos orar [...] pelo re-
ferendo. Aí tinha coisas também de indicações de ação, indicações de
como agir naquele tema né. Então a gente conseguia chegar nas bases
(Entrevista 4, março de 2021).

Figura 1: Trecho do Cartão “Por Transparência nos Acordos Comerciais do


Brasil” da Rede Fale

Por meio das campanhas que realizam, os evangélicos progressistas bus-


cam disseminar ideias e promover compreensões alternativas sobre a socieda-
de. O tema da comunicação ganhou urgência em função da força dos meios de
comunicação do campo evangélico conservador. Como um entrevistado notou:

É proverbial entre os evangélicos que se você quiser difundir uma ideia,


você vai para a TV, mas se você quiser montar uma congregação, você vai
para a rádio. Então todo o mundo vai para a rádio porque quer montar
uma congregação. E quem pode vai para os dois veículos. E isso está na
mão da direita evangélica. Então a esquerda evangélica não consegue
competir com isso. [...] E aí a gente sai correndo atras. Por exemplo, nós
temos o programa de TV na TVT todo sábado e domingo. A gente tem
os nossos canais no Youtube (Entrevista 1, janeiro de 2021).

As lutas no campo de comunicação pública também se deparam cada


vez mais com o problema das notícias falsas. Nesse sentido, o Coletivo Bereia
se dedica ao combate de notícias falsas que circulam na comunidade evangé-
lica. Como qualquer outro projeto de checagem de fatos, o trabalho consiste
principalmente em postar no site do Coletivo análises de notícias considera-
das problemáticas. Em muitos casos, trata-se de notícias falsas que não são

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claramente relacionadas ao mundo religioso, como a matéria “Bolsonaro dis-
torce informações na Cúpula do Clima”16. A maioria das matérias do site, no
entanto, trata de temas de especial preocupação da comunidade evangélica.
Algumas discutem questões politicamente sensíveis na comunidade evangélica
(relacionados a direitos sexuais, gênero, LGBTs etc.) ou tratam de organiza-
ções e atores identificados com a religião. Outras trazem uma peculiaridade
ainda mais específica ao meio religioso: combatem notícias falsas sobre a pró-
pria Bíblia. Por exemplo, no texto “Bolsonaro usa informação falsa sobre a
Bíblia em discurso em que desdenha do sofrimento pela pandemia”17, Magali
Cunha questiona a afirmação do presidente de que a Bíblia diz “não temas” em
365 ocasiões.

O Doutor em Sagradas Escrituras Odalberto Domingos Casonatto


pesquisou o termo em três versões diferentes – católica e evangélicas – e
encontrou três diferentes números: 47, 84 e 92. Mesmo a maior quan-
tidade é bem distante dos 365 (uma para cada dia ano, provavelmente)
indicadas pela assessoria de Jair Bolsonaro para o seu discurso.

6) Participação nas eleições

Como outros movimentos sociais rompem a fronteira entre sociedade


civil e Estado, evangélicos progressistas também têm se orientado para o cam-
po eleitoral. Na eleição presidencial de 2018, um marco foi a atuação do grupo
Cristãos Contra o Fascismo na campanha contra Bolsonaro, descrita acima.
Dois anos depois, o grupo decidiu lançar candidaturas para as eleições muni-
cipais, porque “a gente percebeu que só debater esses temas não era suficiente”
(Entrevista com Tiago Santos, março de 2021). Segundo o criador do grupo,
foram lançados 64 candidatos a vereador e 3 a prefeito por uma diversidade de
partidos, incluindo católicos e evangélicos de várias denominações. O manifes-
to de lançamento da campanha18 novamente reproduz a prática especifica dos
evangélicos, de sustentar o ativismo em justificativas teológicas. O manifesto
elenca um conjunto de posicionamentos “a favor dos valores do Evangelho”:

16  BISBO, Jemima; LESSA, Marcos André. 2021. Bolsonaro distorce informações
na Cúpula do Clima. Coletivo Bereia. Disponível em: <https://coletivobereia.com.br/
bolsonaro-distorce-informacoes-na-cupula-do-clima/>.
17  CUNHA, Magali. 2021. Bolsonaro usa informação falsa sobre a Bíblia em discurso em
que desdenha do sofrimento pela pandemia. Coletivo Bereia, Disponível em: <https://coleti-
vobereia.com.br/bolsonaro-usa-informacao-falsa-sobre-a-biblia-em-discurso-em-que-desde-
nha-do-sofrimento-pela-pandemia/>.
18  Disponível em: <https://www.facebook.com/cristaoscontraofascismo2>.

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contra a pena de morte, a tortura, a ditadura, a discriminação e preconceito,
o ódio, as armas, esterilização, a xenofobia. Cada item é acompanhado pela
identificação de trechos da bíblia que o sustenta.

O ativismo evangélico progressista e o campo progressista

Vimos que para responder as ameaças do contexto político, represen-


tadas pela emergência pública dos evangélicos de direita e a difusão de uma
representação unificadora dos evangélicos como conservadores e autoritários,
os ativistas evangélicos progressistas reelaboraram discursos, estabeleceram
alianças e ampliaram sua presença pública. No entanto, a ameaça representada
pela difusão da identificação entre evangélicos e conservadorismo, dissemina-
da pelos setores hegemônicos do campo evangélico, é também adotada e re-
produzida por importantes parcelas do campo progressista. Assim, o ativismo
evangélico progressista se insere em uma disputa política composta por duas
frentes: contra os evangélicos de direita/conservadores que questionam sua
religiosidade progressista e contra os progressistas que questionam seu pro-
gressismo religioso.
A atuação simultânea em dois campos de conflito, religioso e políti-
co, coloca para os evangélicos progressistas a necessidade de lidar com dois
referentes identitários distintos para construir a demarcação “nós/eles”: um
teológico e outro ideológico. A emergência pública dos ativistas evangélicos
progressistas aparece associada a pautas hoje centrais para os movimentos so-
ciais, como a defesa da democracia, o combate ao racismo, ao machismo e à
homofobia. Essa intersecção entre o ser evangélico e o ser “mulher”, “negro”,
“homossexual” ou “de esquerda” frequentemente resulta da múltipla filiação
dos ativistas, em comunidades de fé e em redes de movimentos sociais19. Aqui
se coloca claramente o dilema da multiposicionalidade (Mische, 2008; Passy
& Giugni, 2000; Silva, 2021) no desafio prático e teológico de conciliar a
linguagem dos direitos (e dos valores que subjazem à democracia) com os pres-
supostos da fé cristã, tal qual expresso na Bíblia. Assim, ativistas evangélicos
progressistas lidam continuamente com duas exigências que nem sempre são
fáceis de conciliar: no interior de sua comunidade de fé é preciso mostrar-se

19  A argumentação teórica sobre múltiplos envolvimentos ou afiliações é desenvolvida por


Mische (2008). Exemplos empíricos da filiação múltipla, religiosa e ativista, são encontrados em
Groppo e Borges (2018) e Novaes (2012). Além disso, as sobreposições de filiações e as interde-
pendências (e eventuais tensões) entre as mesmas foi um tema destacado nas diversas entrevistas
realizadas, demonstrando sua recorrência nas trajetórias de ativistas evangélicas progressistas.

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como “verdadeiramente evangélico”; para estabelecer alianças à esquerda é
preciso mostrar-se como “verdadeiramente progressista”. Como afirma um de
nossos entrevistados:

A gente fica entre dois mundos sabe? Porque nós não somos aceitos
pelo modelo convencional de igreja, porque nos acham comunistas, nos
acham de esquerda demais. E nós não somos muito bem-vistos pela
esquerda por sermos cristãos. Então a gente fica meio que no limbo
(Entrevista 5, março de 2021).

Para lidar com essas exigências, muitas vezes conflitivas, os evangélicos


progressistas buscam confrontar visões hegemônicas, dentro e fora de sua co-
munidade de fé, sobre o que é “ser evangélico” e de como o evangélico deve
agir no mundo. Suas vozes dissonantes buscam convencer a sociedade de que
“evangélico não é tudo igual”, ao mesmo tempo em que “rebaixam” os setores
hegemônicos do campo evangélico a uma parte, dentre outras, daquele campo
(Burity, 2016):

Sofri muitas violências [...], foi muito tenso na igreja [evangélica], por-
que eu nunca entendi esse lugar da opressão entre muros da igreja. [...]
Eu não podia depois de uma chacina na favela não participar de uma
manifestação, ou não puxar uma manifestação [...]. A cristandade é
diversa. Tem gente fazendo os enfrentamentos dentro das suas igre-
jas (Monica Francisco, Pastora e Deputada Estadual/RJ, pelo PSOL,
ex-assessora do Gabinete de Marielle Franco, em entrevista ao canal
#Potência Negra, publicado em 13 de novembro de 2019)20.

E o nosso modelo de luta é dizer assim: “Não, nós que estamos seguindo
a Jesus. (Risos). Quem não luta pela justiça e igualdade não entendeu o
significado da vida de Jesus”. Essa dinâmica eu acho que é a dinâmica
essencial do enfrentamento intracampo que você tem no mundo evan-
gélico (Entrevista 8, março de 2021).

Não generalize os evangélicos. Nem todo evangélico é conservador [...].


Existe um setor fundamentalista, extremista com poder político, econô-
mico e midiático [...]. Nossa tarefa aqui é denunciar que este setor não
representa a totalidade da experiência evangélica em nosso país (Pastor
Henrique Vieira, em entrevista a Caetano Veloso, Midia Nínja)21.

20  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=U6aDUoBP3I4. Acesso em


13/06/2020>.
21  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pXCBnhGbHho&t=19>.

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Um ponto central de tensão se encontra na enorme dificuldade de gran-
de parte da esquerda compreender a potência transformadora da religião, tra-
tada como problema a ser superado através da “conscientização política”. O
pastor Ariovaldo trata do tema de uma forma precisa:

Esse foi o outro grande erro da esquerda: abaixo do Equador todos nós
somos religiosos. [...] A esquerda esqueceu disso. [...] Tem um falso
imaginário na esquerda de que quando as pessoas melhorarem de vida,
começar a estudar, vão virar ateus. Mas a fé é muito mais profunda que
isso. A fé é um jeito de se enxergar na vida, é um jeito de se explicar na
vida. [...] Por que os trabalhadores e as trabalhadoras estão cada vez
mais se tornando evangélicos? Isso é movimento de base, de fé, eles não
estão se tornando evangélicos por causa da fome, eles estão se tornando
evangélicos por causa da dignidade (Pastor Ariovaldo, em entrevista ao
Canal Brasil de Fato)22.

Escrevendo há quase três décadas, Freston (1994) afirmava que os evan-


gélicos no interior da esquerda partidária tendiam a ser tratados com pre-
conceito e desprezo, e apontava para as implicações negativas dessa postura
para a construção de uma política de massas. A contundente fala da Deputada
Estadual/RJ e pastora Mônica Francisco mostra que o problema segue atual:

A classe trabalhadora está dentro das igrejas. Essa classe trabalhadora


são as mulheres negras, os jovens, os pardos, os que estão nos empre-
gos informais, os que estão desalentados. Elas não são fundamentalistas.
Elas não são conservadoras, porque elas nem sabem o que é isso. Na
igreja é o lugar onde elas podem ser, lá é onde elas estabelecem relações
de confiança. [...] Então, tem também uma questão de classe, tem uma
questão de ódios também do lado de cá [da esquerda] que a gente preci-
sa também elaborar, porque senão a gente vai perder cada vez mais essa
narrativa, porque a gente está falando daquele jovem que pode ter pro-
tagonismo, mas que se for numa das nossas reuniões e não leu o capital
e não souber quem é o Marx vai ser ridicularizado (Monica Francisco,
Pastora e Deputada Estadual/RJ, pelo PSOL, ex-assessora do Gabinete
de Marielle Franco, em entrevista ao canal #Potência Negra, publicado
em 13 de novembro de 2019)23.

22  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YyGy7Jo2cr0&t=6s Acesso em


29/09/2020>.
23  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=U6aDUoBP3I4. Acesso em
13/06/2020>.

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Um outro ponto de tensão na relação entre os evangélicos e as esquerdas
refere-se às disputas contemporâneas em torno do que significa “ser progres-
sista”. Aqui o principal ponto gira em torno das questões referentes aos direitos
sexuais e reprodutivos. Para uma parte da esquerda, questões como o aborto e
a homossexualidade assumem proeminência na identificação de determinados
atores como sendo parte (ou não) do campo progressista. E esses são temas
muito delicados de serem tratados numa perspectiva teológica, sob risco de
desagregação do campo e perda de capacidade dos evangélicos progressistas
dialogarem com suas bases. Uma parte dos ativistas progressistas têm ten-
tado contornar o problema a partir da ênfase nos direitos humanos. Como
afirma um de nossos entrevistados, não se trata de defender abertamente, por
exemplo, a homossexualidade, mas de impor o respeito e a dignidade humanas
como valores inegociáveis, a partir de sua associação com o plano dos direitos
civis e humanos (Entrevista 1, janeiro de 2021). Essa abordagem discursiva,
contudo, nem sempre é bem-vista no interior do campo progressista.
Contudo, mesmo ativistas que defendem a agenda LBGT+ ou de direi-
tos reprodutivos abertamente relatam hostilidades e incompreensões de parce-
la dos movimentos progressistas, como no desabafo de Camila Mantovani, da
Frente de Evangélicas pela Legalização do Aborto:

Já recebi muita crítica por estar dentro da igreja, de gente que não en-
tende o trabalho que a gente tá fazendo. Mas quando um jovem dentro
da igreja [por exemplo, homossexual] está passando por uma situação de
exorcismo, e sem condição sequer de negociar com a família, é a gente
que tá lá segurando as pontas, quem tá lá dentro para prestar socorro. É
a gente que conhece o vocabulário teológico, o vocabulário religioso, que
vai conseguir sensibilizar aquele líder religioso, aquela família. É uma
disputa de terreno que é muito importante, e muito dura, e muita cara
(Camila Mantovani, em entrevista ao canal #Potências Negras, publica-
do em 27 de novembro de 2019)24.

E continua:

É um pouco desesperador e frustrante para a gente que está enfrentan-


do todas essas batalhas contra o fundamentalismo religioso dentro das
igrejas, pela vida das pessoas, e a gente se deparar com as pessoas que
estão no processo de militância fora das igrejas numa condenação total
do que a gente está fazendo. É muito frustrante (Camila Mantovani, em

24  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nZF11stY_sk> Acesso em


06/05/2020>.

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entrevista ao canal #Potências Negras, publicado em 27 de novembro
de 2019)25.

Ainda em relação ao preconceito que parte da esquerda tem em relação


aos evangélicos, vale a pena recuperar a reflexão de um dos nossos entrevista-
dos sobre o direito e a legitimidade das pessoas de escolherem sua própria fé,
uma capacidade de agência que de certa forma parece ser negada aos pobres,
que tendem a ser vistos como massa de manobra. A entrevistada destaca uma
dimensão na experiência da fé que é única e transcendente. Negar o direito
dessa escolha é, desde a esquerda, reproduzir um discurso elitista e preconcei-
tuoso em relação ao popular:

Estas mulheres pobres, elas tiveram alguma experiência que transcen-


de e elas precisam ser respeitadas. Elas escolherem esta fé é sinal de
autonomia. Eu não posso entrar no discurso que igreja faz lavagem na
mente das pessoas, porque eu estou quebrando o direito delas de faze-
rem suas próprias escolhas. Então quer dizer que só porque ela escolheu
esta fé, ela não é sujeito da própria escolha dela? [...] Agora, que ga-
nhos elas têm indo [à igreja evangélica] é o que a gente precisa discutir
(Entrevista 2, fevereiro de 2021).

No entanto, cada vez mais os movimentos populares reconhecem a ne-


cessidade de levar em conta a crescente presença de evangélicos em suas bases.
Essa presença de indivíduos e grupos evangélicos nos movimentos sociais já foi
objeto de atenção acadêmica e midiática, especialmente no caso do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST) (Diniz Junior, 2007; Ferreira, 2008,
2014, 2016; Ferreira & Almeida, 2016; Maciel, 2009; Oliveira, 2009).
Tais pesquisas mostram as complexas relações entre as dimensões religiosa e
política que conformam esses espaços sociais, salientando a importância da
religiosidade para a construção do engajamento e da cooperação e, ao mesmo
tempo, como fonte de tensões e conflitos ideológicos e teológicos. Essa presen-
ça evangélica assumiu, ao longo do tempo, uma dimensão tão expressiva que
a Revista Isto É publicou, em setembro de 2014, a reportagem intitulada “Os
Evangélicos ocupam o MST” 26.
Outros movimentos populares também vêm se ajustando ao fato de que
as bases são cada vez mais evangélicas. Como diz um entrevistado: “Você vai
numa ocupação sem-teto, o que você mais vai ver é casa de oração e igreja em

25  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nZF11stY_sk>.


26  Disponível em: <https://istoe.com.br/383339_OS+EVANGELICOS+OCU-
PAM+O+MST/>.

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casebre” (Entrevista 8, março de 2021). Nesse sentido, uma liderança entre-
vistada conta que foi chamada pelo MTST para ajudar com o diálogo entre
lideranças e base. Ela conta um evento interessante que mostra a crescente
força da base evangélica no interior do movimento popular:

No maior assentamento [do MTST] eles iam fazer uma festa de Natal.
Aí tinha uma assembleia para decidir as bebidas e comidas, e a cerveja
foi colocada em votação e cerveja perdeu. Isto nunca tinha acontecido
ao longo dos anos do movimento. Até alguém propôs vinho, o argu-
mento que levantaram foi vinho pode, porque Jesus tomou vinho. Então
teve o primeiro Natal do maior assentamento do MTST sem cerveja.
Isto dá a dimensão [...] entre 60 e 70% das pessoas que estão assentadas
ali vem do movimento evangélico, vem da fé evangélica (Entrevista 2,
fevereiro de 2021).

Tudo isso indica que uma agenda central para pesquisa futura é explorar
as implicações para o ativismo progressista da expansão da fé evangélica, e
especialmente pentecostal, nas periferias urbanas e rurais do país.

Conclusão

Retomamos os questionamentos apresentados na introdução do capí-


tulo: de que forma a crescente presença e influência de um ativismo evangé-
lico conservador na cena pública tem impactado o ativismo evangélico pro-
gressista? Como os ativistas evangélicos progressistas têm respondido a essas
mudanças que reconfiguram, simultaneamente, o campo religioso e o campo
político? Conclui-se que a presença pública de um ativismo evangélico con-
servador em anos recentes, com capacidade de produzir e difundir socialmente
uma associação unificadora entre evangélicos e conservadorismo, gerou uma
forte ameaça aos ativistas evangélicos progressistas tanto no interior de campo
evangélico quanto no interior do campo progressista. Para confrontar a essa
ameaça, esses ativistas inovaram no seu repertório de organização e ação, bus-
cando romper com aquela associação unificadora que ameaçava colocá-los em
uma condição de invisibilidade religiosa e política. Desenvolvendo atividades
assistenciais, disputando interpretações e valores religiosos, atuando na política
partidária, construindo espaços de encontro e convivência, concorrendo em
eleições, participando de movimentos sociais, realizando campanhas públicas,
ocupando espaços nas mídias, entre outras iniciativas, o ativismo evangélico
progressista apresenta um repertório diversificado de atuação. Em que me-
dida tal repertório terá capacidade de desconstruir a associação unificadora

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entre evangélicos e conservadorismo coloca-se como uma questão com grande
importância analítica e política para a agenda futura do campo de estudos de
participação e movimento sociais.
Além dessa questão mais específica, o ativismo evangélico progressis-
ta recoloca nos debates do campo de estudos de participação e movimentos
sociais dois elementos mais gerais que foram pouco explorados teórica e em-
piricamente pelo campo. Primeiramente, recupera o tema das relações entre
religião e política como um elemento estruturante para a agenda de pesquisa
sobre ativismos e movimento sociais na contemporaneidade. Seja no que se
refere à infraestrutura organizativa que fundamenta e sustenta ações coletivas
com continuidade ao longo do tempo, seja no que se refere aos fundamentos
culturais, morais e identitários do ativismo, seja ainda no que se refere à defini-
ção das táticas e performances que conformam o repertório de ação de ativistas
e organizações de movimentos sociais, a religião se coloca como uma dimensão
inescapável para a compreensão dos processos de organizações e mobilização
social e, mais amplamente, da conflitualidade social e política contemporânea.
Em segundo lugar, os ativismos evangélicos progressistas problemati-
zam visões dicotômicas e maniqueístas dessa conflitualidade. O sentido políti-
co-ideológico de ativismos religiosamente orientados não está estabelecido de
antemão. As intersecções entre o campo religioso e o campo político produz
relações complexas entre as dimensões teológica e ideológica que se combinam
nesses ativismos. Assim, as próprias definições de esquerda e direita, conserva-
dor e progressista, são objeto de disputa e ressignificação pelas ativistas evan-
gélicas progressistas a partir de sua dupla inserção e atuação enquanto atores,
simultaneamente, religiosos e políticos.
Em contraposição ao senso comum, à direita e à esquerda, que trata os
evangélicos como grupo homogeneamente conservador, o presente capítulo
abordou, de forma exploratória, um elemento destacado nas entrevistas e docu-
mentos coletados na pesquisa: a heterogeneidade teológica e política do cam-
po evangélico. Além de simples “característica”, tal diversidade se traduz em
oportunidades para o avanço de posições progressistas no campo evangélico. O
mundo evangélico é extremamente descentralizado e em constante fluxo, per-
meado por possibilidades de transformação. A própria falta de unidade deno-
minacional, inerente do protestantismo, o torna um espaço em que a luta con-
tra-hegemônica é uma possibilidade sempre presente. Em nosso encontro com
atores e autores progressistas e evangélicos, deparamo-nos não apenas com um
campo de “resistência” frente à hegemonia conservadora. Encontramos uma
leitura distinta do próprio terreno de ação em que o progressista busca ganhar

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espaço. Em vez de um bloco monolítico a ser combatido de frente, o campo
religioso é visto como terreno de brechas, ambiguidades e conflitos. Um campo
fértil para a construção de um projeto orientado pela justiça social e a demo-
cracia, desde que esse projeto não negligencie o direito que todos possuem de
experimentar a dimensão transcendente da fé e orientar suas escolhas a partir
de seus pressupostos morais. Negar aos pobres essa agência significa, desde a
esquerda, reproduzir um discurso elitista sobre o popular.

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7. Balbúrdia?
Sobre anti-intelectualismo e ativismo científico no Brasil
contemporâneo
José Leon Szwako
Rafael Souza

Never has there been so much lying as in our day. 


Never has lying been so shameless, so systematic, so unceasing.
A. Koyré, 1945

Introdução

Os ataques à universidade pública, a seus corpos docente e discente,


bem como a suas fontes, recursos e institutos de pesquisa têm aumentado ex-
ponencialmente no Brasil contemporâneo. Este texto trata desses ataques e os
analisa na chave teórica do fenômeno do anti-intelectualismo. Para dar conta
dele, nos valemos dos insights de “O Anti-intelectualismo nos Estados Unidos”
(Hofstadter, 1963). Como o próprio nome diz, esse fenômeno pode ser en-
tendido como um tipo de atitude – hostil, anti – frente à vida universitária e ao
estilo intelectual de vida nutrido em espaços de formação acadêmica e cultural.
Pode se tratar, além disso, de uma rejeição aberta a alguns dos principais traços
da vida intelectual (abstração ou raciocínio reflexivo e analítico, por exemplo)
e, também, a seus componentes institucionais mais evidentes, quais sejam, or-
ganizações de pesquisa universitárias ou extrauniversitárias, bem como asso-
ciações e autoridades científicas (Shogan, 2007).
Para a análise do anti-intelectualismo vigente no Brasil, rastreamos o
conjunto das mentiras e ofensas dirigidas à universidade e, mais amplamente,
ao ensino público no país disparadas pelo atual presidente Jair Bolsonaro, des-
de as eleições presidenciais de 2018 até o final de 2020. Com vistas a chegar-
mos à cronologia dos episódios de confronto anti-intelectualista, compilamos
as notícias publicadas em sites de jornais, quando, junto do termo “Bolsonaro”,
coocorrem os termos: “ciência”, “educação”, “universidade”, “ataque”, “decla-
rações”, ou “decretos”. Essa estratégia metodológica nos permitiu compilar o
máximo possível de notícias de jornal retratando ataques verbais e medidas
institucionais contra instituições, procedimentos e práticas científicas em um
intervalo de tempo central à ascensão bolsonarista na esfera pública brasileira.

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Antes de passamos à reconstrução narrativa dos confrontos anti-inte-
lectualistas, cabem duas ressalvas. Como se sabe, o ano de 2020 marcou todo
o mundo com a crise sanitária disparada pela pandemia da COVID-19. No
Brasil, essa crise se sobrepôs a crises de raízes diversas (ambiental, socioeconô-
mica e política), trazendo para o primeiro plano a força dos grupos, projetos
e discursos negacionistas. Os negacionismos não constituem fenômenos in-
teiramente novos, sendo a negação do holocausto, bem como o negacionismo
climático, velhos conhecidos de parte importante dos países do Norte glo-
bal. No Brasil de 2020, as relações entre negacionismos e anti-intelectualismo
assumiram configurações complexas nas quais ambos os fenômenos podem
tanto andar de mãos dadas como separadas; quer dizer, embora as posturas
e medidas contrárias a consensos científicos tenham, com a pandemia, se so-
mado a uma trajetória prévia de ataques a autoridades acadêmicas no Brasil,
as lógicas de um e de outro podem convergir, reforçando as orientações de
interesses e grupos no Estado e na sociedade, ao mesmo tempo em que podem
também assumir lógicas autônomas. Para dizê-lo de modo sintético, se nega-
cionismos e anti-intelectualismo andam juntos e se informam reciprocamen-
te, eles não operam – nem sempre e tampouco necessariamente – da mesma
forma. Como eles se relacionam, se sobrepõem e se afastam, nós veremos ao
longo do capítulo.
A segunda ressalva consiste no outro lado dos confrontos anti-intelec-
tualistas. Se existe uma série de ataques a instituições públicas de pesquisa e
ensino no Brasil, e se essa série levou a episódios contenciosos ao redor das
ciências, existe também um lado em defesa dessas instituições e ciências. Para
dar conta deste outra face do fenômeno, mobilizamos a noção de “ativismo
científico” (Frickel, 2004) com vistas a iluminar as estratégias e redes pelas
quais as e os cientistas têm se organizado e protestado em defesa da univer-
sidade pública, da educação e das ciências. Salutar a visões catastróficas, essa
leitura da mobilização pública de cientistas se inspira nos estudos sociais das
ciências e, como veremos, pode aproximar cada vez mais os debates sobre inte-
lectuais e cientistas qua movimentos sociais.
O texto segue esse ritmo. Primeiro, apresentamos algumas elaborações
e implicações teóricas advindas dos debates sobre anti-intelectualismo e ati-
vismo científico. Em seguida, passamos à reconstrução narrativa dos episódios
nos quais, entre final de 2018 e de 2020, Jair Bolsonaro atacou abertamente
autoridades e instituições acadêmicas, via de regra, tendo recebido respostas e
protestos à altura do contencioso. Por fim, desenvolvemos algumas das con-
sequências empíricas e analíticas colocadas pelo caso, esperamos, para uma

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fértil agenda do anti-intelectualismo no Brasil. No seu todo, nosso texto leva
a sério aquelas ameaças um dia dirigidas pelo então Ministro da Educação,
Abraham Weintraub, quando disse: “Universidades que, em vez de procurar
melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas
reduzidas”. Nesse episódio de abril de 2019, o ex-Ministro completou dizen-
do que “balbúrdia” era para ele sinônimo de “sem-terra” e “gente pelada” nos
campi. Falsamente inofensiva, ideias e mentiras análogas a essa têm sido, junto
a expressivas reduções orçamentárias, incansavelmente encampadas pelo atual
governo brasileiro. Entender, na chave do anti-intelectualismo e do ativismo
acadêmico, os significados desses ataques, seus sentidos e direções, bem como
quais foram as respostas a eles, é o objetivo maior deste texto.

Anti-intelectualismo e ativismo acadêmico: discussão

A referência clássica na seara de debate aqui proposta é “Anti-


intellectualism in American Life” (Hofstadter, 1963). Nessa obra, escrita
no rescaldo do macarthismo, Hofstadter delineia os eixos históricos persisten-
temente encontrados nas atitudes e grupos anti-intelectuais estadunidenses.
Tais eixos são, para ele, o antirracionalismo, o instrumentalismo e o antieli-
tismo (Rigney, 1991). Menos que oferecer uma conceituação definitiva do
fenômeno, Hofstadter enfatiza a justaposição desses eixos. Se as tendências
antirracionalistas estão mais relacionadas a grupo religiosos do final do XIX, o
instrumentalismo vai marcar as maiores universidades estadunidenses ao lon-
go do século XX. Por instrumentalista, ele denota a tendência a querer resul-
tados imediatos na produção acadêmica e científica, desvalorizando práticas e
âmbitos do saber reflexivos e menos imediatos ou com efeitos menos claros,
supostamente distantes de uma aplicação prática. O terceiro eixo é o antieli-
tismo, não raro, veiculado pela retórica anti-intelectualista das lideranças po-
líticas, religiosas ou político-religiosas que se pretendem “pessoas comuns” em
oposição a uma suposta “elite arrogante”.
No debate estadunidense, outro autor que inspira nossa leitura do an-
ti-intelectualismo é R. Merton (2013). Sob o risco de soarmos reducionistas,
podemos dizer que a sociologia mertoniana da ciência esteve, ao menos inicial-
mente, interessada no ethos da ciência – entendendo-se respectivamente esse
ethos como um complexo de adesão a valores compartilhados e essa ciência qua
instituição social. Tal compreensão da obra mertoniana importa, em especial,
por ser justamente nas formas de interdependência (tensões, aproximações e
afastamentos) entre ciência e outras esferas (ou seja, entre essa instituição e

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outras) que vai recair a ênfase de seus textos que tratam do anti-intelectua-
lismo. É nessa chave, portanto, que observa e critica os modos pelos quais “o
anti-intelectualismo questiona o valor e a integridade da ciência” (Merton,
2013, p. 178). Remetendo aos choques entre instituições políticas e científicas,
e projetando sua crítica para o cenário da Alemanha nazista, enxerga o então
crescente repúdio à ciência como efeito do nacionalismo e da politização da
ciência. Analogamente a Hofstadter, embora antes dele, Merton identifica no
anti-intelectualismo uma “atitude antiteórica” que reverencia resultados ime-
diatos e utilitários (ibid., p.162). E, de modo interessante, nota ainda como o
clima anticiência não está, à sua época, descolado da disposição ambivalente
com que os e as cientistas agem no mundo. Para ele, tanto o apreço pela inin-
teligibilidade de objetos e textos científicos, como a defesa do saber pelo saber
(i.e., da construção do conhecimento como um fim em si mesmo) podem am-
bos, como efeito não planejado, fomentar o rechaço à ciência e aos cientistas.
Assim como a ideia epigrafada de Koyré, as análises de Hofstadter e
Merton nos permitem extrair um primeiro parâmetro de análise: o anti-inte-
lectualismo não é fenômeno recente, não responde apenas a questões conjun-
turais nem nacionais; é, antes e ao contrário, aqui como alhures, fenômeno que
segue os ditames históricos e políticos mais amplos. Nesse sentido, ao longo
do século XX, a filosofia e a sociologia das ciências testemunharam inúmeras
críticas aos irracionalismos e contramovimentos científicos, bem como defesas
da dignidade acadêmica e da autonomia universitária1.
Essa nuance importa, a nosso ver, na medida em que nos permite um
relativo distanciamento com relação aos ataques hoje dirigidos à universidade.
Do ponto de vista regional, por exemplo, a universidade brasileira não está so-
zinha nas ameaças à sua autonomia2. Já do ponto de vista cronológico recente,
não é a primeira vez no período pós-transição que universidade e pesquisa são,
no Brasil, achincalhadas por um presidente. Em fins de 1998, FHC chegou
a taxar os docentes aposentados de vagabundos, em nome de uma reforma
mais ampla (não universitária3, mas previdenciária) por ele pretendida e feita.
Embora não seja acurado chamar essa postura tucana de anti-intelectualista,

1  Sobre contramovimentos científicos, ver Nowotny (1979); sobre a dignidade docente, ver
Weber (1973); para uma defesa da autonomia universitária, ver Merton (2013).
2  Ver “El pensamiento bajo amenaza. Situación de la libertad académica y la autonomía uni-
versitaria en Venezuela” (Bolivar, 2017).
3  Em seus dois mandatos, FHC pretendeu, mas, de fato, não fez uma reforma universitária
no setor público do ensino superior brasileiro, de modo a fazê-lo no regime do setor privado;
ver Aguiar (2013).

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essa breve sugestão nos permite pensar a mutabilidade histórica dos ataques
antiuniversitários e, simultaneamente, as reformas e projetos maiores, de cunho
neoliberalizante ou outro, dentro dos quais tais ataques ganham sentido.
No debate estadunidense, a noção de anti-intelectualismo tem inspi-
rado pesquisas dedicadas ao estabelecimento de variáveis correlacionadas à
hostilidade frente a intelectuais por partes do eleitorado, em especial, repu-
blicano (cf. Motta, 2017), bem como a respeito do anti-intelectualismo de
diferentes presidentes (Shogan, 2007; Lim, 2008). Na crítica frankfurtiana, o
anti-intelectualismo é parte constitutiva da personalidade autoritária em sua
oposição a raciocínios imaginativos utópicos (Adorno, 2019, p. 173ss; p. 419).
Em sua versão contemporânea, a crítica a projetos e políticos fascistas que, na
abordagem de J. Stanley (2018), vão dos EUA e Rússia e passam por Hungria
e Polônia, destaca os ataques a marxismos e marxistas (reais ou imaginários)
nos currículos e sistemas de educação às universidades (taxadas de “elitistas” e
“hipócritas”) e, sobremaneira, a seus departamentos de gender studies.
No Brasil, as leituras do anti-intelectualismo parecem herdar essa veia
crítica, muito embora tal debate não tenha se dado ainda de forma sistemática,
fazendo parte, antes, das tomadas de posição contra governos instituídos desde
2016. Alguns autores definem o fenômeno como um “um ódio que se dirige
atualmente à inteligência, ao conhecimento, à ciência, ao esclarecimento, ao
discernimento” (Tiburi & Casara, 2016). Conquanto instigante, essa abor-
dagem obscurece o que seria específico a tal sentimento, nele incluindo um
conjunto demasiado díspar de situações sob o mesmo rótulo anti-intelectual.
Tal ódio é notado na atuação legislativa de Alexandre Frota (PSDB), assim
como nos índices de abstenção eleitoral e no que chamam de messianismos, de
modo que todos esses eventos convergem adornianamente para a conclusão: “a
barbárie está em curso” (Tiburi & Casara, 2016). Outros autores enfatizam
a aproximação entre neoliberalismo e anti-intelectualismo (Acserald, 2018).
Igualmente instigante, este autor ressoa Hofstadter ao criticar a desconfiança
“[anti]universidade pública por ser este um espaço por excelência [...] onde se
abriga a produção de conhecimento” e contra as “pessoas que se interrogam
sobre o saber estabelecido e combatem os preconceitos”. Segundo Acserald,
o “casamento” entre razão neoliberal e anti-intelectualismo leva ao “abandono
da vida política” e a “medidas favoráveis aos negócios privados e indiferentes
à pobreza, ao desenraizamento social, à discriminação racial e à destruição do
meio ambiente”. Em que medida essas definições, suas ilações e ênfases encon-
tram eco tanto nos dados sobre o anti-intelectualismo presidencial, como nas
respostas a ele, é questão a ser adiante verificada.

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Importante notar que, similarmente ao negacionismo climático, que se
vale de recursos humanos e argumentativos advindos da pesquisa e da univer-
sidade (Oreskes & Conway, 2010), o anti-intelectualismo também não pres-
cinde de repertório intelectual institucionalizado, seja na universidade ou em
associações. Se é verdade que o maior e mais reacionário intelectual do atual
governo é externo à formação acadêmica, como o é Olavo de Carvalho4, não
é verdade que nossos corpos docentes estão única nem univocamente orienta-
dos para uma acepção difusa e ampla de progressismo5 nem sequer desligados
das bases de apoio ao presidente. Disso dá provas, por exemplo, o movimento
“Docentes pela Liberdade”, em suas conexões com grupos mobilizados pelo
movimento “Escola sem partido” por todo o país. Mais ainda: em plena pande-
mia, um conjunto nada desprezível de médicos, professores e pesquisadores de
medicina têm saído em defesa do Presidente e do pseudo-tratamento precoce
– conjunto negacionista superado apenas pela proeza do Conselho Federal
de Medicina que chegou a atacar os “não médicos, que se autodenominam
cientistas”6.
Tais ataques, no entanto, não se resumem àquilo que o atual presidente
e seu governo projetam sobre intelectuais e cientistas; quer dizer, seus ataques
e ofensas não ficam sem resposta vinda de frações da sociedade civil orga-
nizadas, seja em universidades, sindicatos ou institutos de pesquisa. Assim,
os confrontos anti-intelectualistas são sempre dotados de, no mínimo, duas
partes contenciosas: aquela que ataca as ciências e aquela que sai em sua de-
fesa. Para dar conta desta última, acionamos a noção de “ativismo científico”
(Frickel, 2004). Falar desse tipo de ativismo é, para sermos concisos, falar do
protagonismo acadêmico, i.e., das redes e recursos mobilizados por cientistas
e instituições produtoras de conhecimento orientados por e para uma causa

4  E, nas raízes intelectuais da imaginação bolsonarista, é a reflexão de Olavo de Carvalho que


vai nos fazer entender de onde vem a associação entre universidades públicas e balbúrdia. “Se
examinarmos a história do período ditatorial, veremos [...] no microcosmo da classe letrada, o
nascimento de todas as tendências morbosas, destrutivas e cínicas que depois viriam a conta-
minar a sociedade inteira, produzindo o quadro descrito pelo prof. [Gilberto] Velho. É entre os
intelectuais que nasce, da depressão e do isolamento, o apelo às drogas: antes de tornar-se um
comércio florescente, o vício da maconha, do LSD, da cocaína, foi uma teoria, uma ideologia,
defendida por professores do alto das cátedras como um ‘caminho de libertação’. A droga logo
tornou-se moda entre estudantes, atores, jornalistas” (Carvalho, 1999, p. 100).
5  Au contraire, os títulos falam por si: “A corrupção da inteligência. Intelectuais e poder no
Brasil” (Gordon, 2017); “Por que virei à direita. Três intelectuais explicam sua opção pelo con-
servadorismo” (Coutinho, Pondé & Rosenfield, 2013).
6  Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/01/o-conselho-federal-de-
-medicina-e-a-covid-19.shtml>.

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pública. Inspirados nos chamados estudos sociais da ciência e abrindo fran-
co diálogo com eles, trata-se de observar algumas das respostas e estratégias
públicas de atuação acadêmica face ao anti-intelectualismo. À diferença de
outros conflitos classicamente abordados pelos estudos de movimentos, tanto
a pergunta pelos investimentos contrauniversitários como a atenção dada à
eventual mobilização das e dos docentes se centram, ambas, nos conflitos ao
redor da ciência (e, por extensão, ao redor da educação e da universidade), dos
seus significados e alcances, seus usos e atores.
De um ponto de vista mais amplo, a aproximação entre movimentos
sociais, ciências e políticas públicas foi objeto de interesse da literatura interna-
cional, pelo menos, desde os anos 1990. Exemplo acurado dessa aproximação
pode ser vista na noção de “experts leigos” (Epstein, 1996), ao tratar do papel
de militantes LGBT no combate à AIDS, bem como das tensões e comple-
mentaridades entre saberes, leigos e científicos, ao redor dos diagnósticos em
questão (Collins & Pinch, 2007). Na literatura brasileira sobre movimentos
sociais, pouca atenção sistemática tem sido dada às relações deles com as ciên-
cias, sendo que, como exceção, a noção de “teóricos coletivos” foi proposta para
pensar a fabricação de conhecimentos por parte de movimentos e seus contra-
movimentos (Perissinotto & Szwako, 2017).
Neste texto, nosso interesse específico se volta para as formas acadêmi-
cas de mobilização pública. Seguimos noções como “ativismo científico” ou
“movimento de experts” (Frickel 2004; Woodhouse & Breyman, 2005), que
iluminam as coalizões entre acadêmicos, movimentos e Estado. No entanto,
enquanto Frickel, ao falar de “ativismo científico”, remonta à ecologia organi-
zacional de subáreas disciplinares, incluindo aí associações e redes formais de
pesquisa, visamos algo mais modesto: perguntamos pelas redes e recursos po-
lítico-cognitivos angariados por cientistas naqueles conflitos ao redor da uni-
versidade pública, da educação e das ciências, disparados à raiz da orientação
anti-intelectualista do atual líder do Poder Executivo.
É desse tipo de conflito que trata nosso texto, dos conflitos orientados
contra a pesquisa e as ciências, contra corpos docentes e discentes. Abordamos
aqui não só os ataques que insistem em enquadrar a universidade pública bra-
sileira como “balbúrdia”, mas também as ações e coalizões articuladas em nome
das ciências no país. No próximo tópico, traçamos uma reconstrução narrativa
dos episódios de confronto disparados pelo atual Presidente em oposição à
universidade e à educação. O arco cronológico dos episódios compreendidos
vai das eleições de 2018 até o final de 2020; portanto, já no contexto de crise
pandêmica. Cumpre notar, desde já, que o fenômeno do anti-intelectualismo

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não se resume aos ataques e ofensas hoje dirigidos por discursos bolsonaristas
a instituições científicas e a intelectuais: ao contrário, tende a ser um fenômeno
mais espalhado pela sociedade como um todo, de modo que nosso recorte aqui
lança luz sobre esse projeto articulado, especificamente, desde o reacionarismo
bolsonarista. Por fim, na conclusão, destacamos algumas das principais lógicas
pelas quais operam esses ataques e esboçamos os traços de uma agenda sobre o
anti-intelectualismo e ativismo científico no país. Boa leitura e boa sorte.

Confrontos anti-intelectualistas: negacionismos e instrumentalismo


bolsonarista

“E me coloco diante de toda a nação”, declarou Bolsonaro em sua posse


no 1º janeiro de 2019, “como o dia em que o povo começou a se libertar do so-
cialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente cor-
reto” – é nesse enquadramento, no qual convergem anticomunismo, moralismo
e antiestatismo, que os atuais investimentos contra a universidade e a educação
públicas no Brasil devem ser entendidos. Eles certamente não começaram em
2019, mas, para os fins de nossa análise, vamos retroceder só até as eleições
de 2018. Em paralelo às perseguições então lideradas por outras autoridades
contra estudantes e centros acadêmicos, Bolsonaro abriu uma agenda propria-
mente antiuniversitária em sua campanha.
Entre o primeiro e o segundo turnos daquelas eleições, as manchetes
nas capas e páginas dos jornais variaram entre “Bolsonaro quer” e a “equipe de
Bolsonaro quer” implementar “mensalidade em universidades federais”7. Essa
notícia é interessante porque sintomaticamente ela encarna aquilo que depois
viria a ser um padrão característico e insidioso das formas de exposição do
atual governo: tudo se passa como se o fato veiculado não devesse ter sido no-
ticiado. De modo análogo à reunião ministerial gravada e alegadamente vazada
em maio de 20208, a notícia de uma futura taxa universitária foi difundida
como se ela não devesse vir à tona. “Embora tenha aceitação maciça no grupo
[da campanha de Bolsonaro], a recomendação é falar pouco sobre o plano. O
receio é de que a divulgação provoque polêmica e atrapalhe o desempenho
eleitoral do candidato”.

7  Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/equipe-de-bolsonaro-quer-mensalidade-


-em-universidades-federais/>.
8  Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/veja-os-principais-
-pontos-da-reuniao-ministerial-que-teve-gravacao-divulgada-pelo-stf.ghtml>.

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Pelo oposto: tratava-se precisamente de polemizar. A temporalidade
exata do anúncio e o seu conteúdo não tratam de algo a ser encoberto: essa
notícia veio a lume menos de uma semana antes da volta às urnas contra F.
Haddad do PT. Longe de ser uma incapacidade na manipulação da informa-
ção, essa parece ser uma tática que consiste em mandar sinais para seu eleitora-
do, ou parte dele, na reta final de campanha. Nesse sentido, os “integrantes da
equipe” acenam dizendo que “grande parte das vagas das universidades federais
é ocupada por alunos que cursaram escolas particulares”. Quer dizer, discentes
de nossas universidades (Todos? De todos cursos e faculdades?) formariam
um conjunto privilegiado – uma elite, quiçá –, e uma cobrança compulsória
corrigiria tal situação. Nesse mesmo sentido, a medida visaria supostamente
“reforçar o ensino básico” com o montante economizado. E, crentes na vitória
bolsonarista, os integrantes de sua equipe “dão como certa a implementação
da medida”. Apesar das poucas e pontuais respostas de alguns reitores e de
sindicatos como a Andifes, tratou-se de uma tática eleitoral simbólica e rela-
tivamente eficaz do então candidato, dados os custos e efeitos negativos pra-
ticamente nulos dessa aposta: ao mesmo tempo em que sinalizava para suas
bases, dando o tom de sua agenda para a universidade e animando um espírito
anti-intelectualista na sociedade, Bolsonaro corria pouco ou nenhum risco ao
afirmar algo não oficializado em sua campanha.
O clima esquentou para os professores já no dia seguinte à vitória de
Bolsonaro. “Na semana do dia 29 de outubro [de 2018], muitos professores
doutrinadores estarão inconformados e revoltados [...] Denuncie!” – anunciava
nas redes sociais a recém-eleita deputada estadual Ana Caroline Campagnolo,
pelo partido do Presidente, o PSL, à época. Formada em História, a deputada
se dizia “perseguida” em sua universidade por se declarar “antifeminista”, além
de ser ativista do Escola sem Partido (ESP). Em entrevista, afirmou que as
“pessoas estão, em todo o Brasil, desesperadas para achar um canal para se de-
fender disso”9, isto é, se defender da suposta doutrinação partidário-ideológica.
Com efeito, Campagnolo repetia um gesto feito por Bolsonaro anos antes,
também incentivando um clima de assédio e tensão entre alunos e professores
no Espírito Santo.
Em oposição a Campagnolo, as e os docentes mobilizados se valeram
de seus clássicos representantes corporativos e de aliados institucionais do
Executivo estadual e do sistema de justiça. Após uma reunião com a Secretaria
Estadual de Educação, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa

9  Disponível em: <https://br.noticias.yahoo.com/deputada-eleita-psl-pede-que-144400742.


html>.

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Catarina (Sinte) decidiu abrir uma representação junto ao Ministério Público
daquele estado. Enquanto o Sinte falava em “falta de respeito”, a Secretaria de
Educação defendia que a “a Constituição assegura o pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas no ensino”10. As fontes de solidariedade e de defesa da
educação, no entanto, não pararam nas instituições e se alastraram pelas plata-
formas online. Um abaixo-assinado virtual, com cerca de 100 mil assinaturas11,
convocava “você, professor, estudante, pais que se prezam por uma Educação
livre e democrática [que] compartilhe e nos ajude a denunciar a tentativa de
cerceamento que os professores já estão sofrendo”12 (grifo no original).
A extensão do conflito disparado pelas tentativas de oficializar medidas
ligadas ao ESP extrapolou o nível estadual. Alguns políticos viram na atuação
da deputada catarinense uma oportunidade. Foi o caso, por exemplo, de Flavio
Dino (PCdoB), governador do Maranhão, que lançou decreto assegurando
a liberdade de expressão de docentes nas escolas do estado13. Igualmente, o
governo de Minas Gerais também lançou uma resolução com mesmo tom14.
Na contramão dessa tendência, segundo alguns de seus militantes, o ESP já
era, no final de 2018, “um programa em movimento nos colégios do país”15;
assim como, para alguns especialistas em educação críticos do movimento, “a
percepção de que o projeto está valendo teria se espalhado entre os pais”, sen-
do mesmo “rotina”16. De lá pra cá, depois de quase dois anos de conflitos ao
redor de tentativas estaduais e, sobretudo, municipais de institucionalização de
medidas afins àquelas da deputada de Santa Catarina, e como reação ao assim
chamado Escola Livre alagoano, o STF deliberou, em agosto de 2020, que são
inconstitucionais as leis similares ao ESP ou nele inspiradas17.

10  Disponível em: <https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/10/29/sindicato-vai-ao-


-mp-contra-deputada-que-orientou-gravar-professores.ghtml>.
11  Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/deputada-eleita-
-por-partido-de-bolsonaro-cria-polemica-ao-pedir-que-estudantes-denunciem-professo-
res-23195716>.
12  Disponível em: <secure.avaaz.org/community_petitions/po/Professores_estudantes_e_
comunidade_escolar_em_geral_ Impugnacao_Ana_Caroline_Campagnolo/?zQqQzcb>.
13  Disponível em: <https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2018/11/12/flavio-dino-e-
dita-decreto-sobre-liberdade-de-expressao-em-escolas-do-maranhao.ghtmlo>.
14  Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2018/12/18/governo-
-de-mg-publica-resolucao-que-garante-liberdade-de-expressao-em-escolas-estaduais.ghtml>.
15  Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/11/05/mesmo-sem-lei-
-escola-sem-partido-se-espalha-pelo-pais-e-ja-afeta-rotina-nas-salas-de-aula.ghtml>.
16  Idem.
17  Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/08/21/stf-

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Aqui, nos importa menos saber se essa decisão do STF selou ou for-
taleceu a mobilização do ESP, e mais notar que seu principal mote – a tal
“doutrinação ideológica” – se articula a lógicas do anti-intelectualismo gover-
namental. Por um lado, os ataques anticomunistas e antigênero se orientam no
sentido de instaurar um pânico que leva seus defensores a lutar “em nome de
seus filhos” (Resende & Faria, 2020), i.e., em nome de uma educação anti-
pluralista e não baseada em discussões e evidências científicas. Por outro, tais
esforços estão conectados a outros investimentos de cunho moral no âmbito
dos programas para o campo educacional. Nesse sentido, a militarização das
escolas e do ensino aparece, desde sempre, como alternativa nos projetos e
discursos bolsonaristas. A uma semana do primeiro turno, um jornal ultra-
conservador sintetizava “6 pontos para entender o que Bolsonaro faria como
presidente”18. Na educação, afirmam, “o discurso de Bolsonaro é centrado na
criação de mais colégios militares”; e “já se declarou favorável ao projeto Escola
Sem Partido, que visa restringir conteúdos em sala de aula, bem como banir o
debate sobre [a suposta] ideologia de gênero”. Sua campanha eleitoral justapu-
nha assim ideologias e moralidades, ao prometer “resgatar” elementos como o
hino e a disciplina de educação moral e cívica19, além de “intervir na formação
dos professores” e de “reduzir a relevância”, real ou imaginária, de Gramsci
e Freire. Antes e depois da posse, o primeiro e breve Ministro da Educação,
Ricardo Vélez, fez questão de reiterar sua afinidade com a execução escolar dos
hinos e o crescimento dos colégios militares e, ainda, com a agenda antigênero
e anticomunista do ESP (Resende & Faria, 2020).
Relativamente aos conflitos anti-intelectuais, 2019 foi igualmente inten-
so. Quase quatro meses após a posse, saía Ricardo Vélez para entrar Abraham
Weintraub, que trouxe consigo uma enxurrada de inverdades e ofensas às uni-
versidades públicas. De certo modo, a acusação de “balbúrdia” foi apenas a
cereja do bolo de uma série de ataques e verborragia ininterrupta até sua saída
na metade de 2020. Entre abril e junho de 2019, era como se houvesse uma
competição entre ele e o Presidente pela representação mais baixa dirigida à
educação brasileira em todos seus níveis.

-tem-maioria-contra-lei-de-alagoas-inspirada-no-escola-sem-partido.htm>.
18  Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/eleicoes-2018/
6-pontos-para-entender-o-que-bolsonaro-faria-como-presidente-4dlkzrjl7ffo74j2xar1zk3q1>.
19  Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/bolsonaro-quer-resgatar-
-educacao-moral-e-civica-no-curriculo-das-escolas-b4w9vbdgd9pm4pjppm2ho9o7z/>.

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Enquanto o Ministro nos acusava de “balbúrdia”, o Presidente sugeriu
nada menos que uma “Lava-Jato da Educação”20. Segundo ele, haveria “algo
de muito errado acontecendo” na educação, que é supostamente “usada para
manutenção de algo que não interessa ao Brasil”21. Esse é o estilo paranoico
em ação, brilhantemente analisado por Hofstadter (1996), tão mobilizado por
discursos conspiracionistas. Mas, seguindo a paranoia, quem estaria traman-
do algo “contra o Brasil”? A resposta é sempre a mesma e já estava dada: o
Partido dos Trabalhadores que, alega, “usou as universidades como uma fá-
brica de militantes”22. Parece, mais uma vez, questão moral ou ideológica; no
entanto, àquela altura, o caráter bifronte da empreitada anti-intelectualista de
Bolsonaro começava a delinear sua face pública. Não se tratava apenas de mo-
ralismo ou antiesquerdismo: tratava-se, simultaneamente, de levantar justifica-
tivas para retirar verbas e recursos das universidades.
Por um lado, na sua face mais ideológica, o Presidente seguia com ata-
ques ressoando o Escola sem Partido. Pelo Twitter ele sugeriu, na linha do
instrumentalismo avesso a saberes reflexivos e menos imediatos, que queria
“reduzir verbas para cursos de filosofia e sociologia”; para ele, os jovens de-
veriam aprender “leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere
renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua
volta”23. Esta hipótese do anti-intelectualismo bifronte descortina, por outro
lado, uma face dos interesses materiais implicados nas mais diferentes agen-
das bolsonaristas24. Com relação a universidades e escolas, Bolsonaro chegou a

20  Posição que despertou vivamente a imaginação persecutória da audiência e da imprensa


anti-intelectuais. “Anúncio da ‘Lava Jato da Educação’” – diz a chamada de um jornal de extre-
ma-direita – “dá mais munição para a ‘CPI da UNE’”. Disponível em: <https://www.gazetado-
povo.com.br/educacao/anuncio-da-lava-jato-da-educacao-da-mais-municao-para-a-cpi-da-u-
ne-1pd6mbxjfpa9ar8c3wu0r5nnr/>.
21  Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/bolsonaro-ve-algo-de-
-muito-errado-acontecendo-e-anuncia-lava-jato-da-educacao-2dub2ks6gtoqfcy2ivzfp52pz/>.
22  Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-12-03/o-pt-usou-as-u-
niversidades-como-uma-fabrica-de-militantes-diz-bolsonaro.html>.
23  Disponível em: <https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1121713997156425729>.
24  Essa natureza bifronte do anti-intelectualismo pode ser investigada, por exemplo, na agen-
da da militarização das escolas. No modelo militar de escola, “o aprendizado é substituído pela
repressão e por normas rígidas de comportamento” (Ricci, 2019, p. 109). Há aí, portanto, um
modelo moral de estudante e de sociedade. Fica, porém, sugerida a questão ligada àquela segun-
da face: quem, afinal, ganha com a ampliação desse modelo? Pista para responder essa questão
está nas interações e atores que levaram à criação da “Subsecretaria de Fomento às Escolas
Cívico-militares”, de modo a conformar um encaixe para seus interesses morais e materiais no
âmbito do MEC.

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dizer que “Brasil gasta demais com educação”. Essa é a headline25 que, às aves-
sas, sintetiza o desinvestimento do atual governo na área educacional. Logo
desmentidas26, suas inverdades lançadas a público tinham como fim justificar
as restrições orçamentárias de 30%, colocando em xeque também milhares de
bolsas de pesquisa e de pós-graduação.
A tensão assim instalada nas universidades não deixou a reação acadê-
mica imobilizada. Em vários estados, docentes e estudantes protestaram; no
fim de março, foi realizada uma campanha de “48h pela educação pública”; e,
enquanto as algumas universidades ameaçavam fazer greve27, “[a] reação do
setor de educação e da sociedade em geral foi contundente [...]: no dia 15
de maio, milhões de pessoas tomaram as ruas do país em todos os estados
e regiões” (Carlotto, 2019, p. 131). Chegando a institutos de ensino com
financiamento federal não necessariamente de ensino superior28, o corte na
Educação foi também combatido e criticado por aliados de outrora – ex-minis-
tros publicaram um manifesto contra o contingenciamento29. Além de vários
reitores posicionados nas mídias30, nota-se que a rede em defesa do orçamento
das universidades passou igualmente por partidos aliados e litigância judicial31.
Com efeito, aquele arsenal de ataques foi o prelúdio de uma proposta
de projeto de lei que visava instituir “o Programa Universidades e Institutos
Empreendedores e Inovadores - Future-se”. Apresentada em julho de 2019
às Instituições Federais de Ensino Superior, a proposta visava “o fortaleci-
mento da autonomia administrativa e financeira” das IFES. O Future-se,
em sua primeira versão, se organizava em três eixos: “i) gestão, governança

25  Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-diz-que-brasil-gasta-de-


mais-com-educacao/>.
26  Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br//2019/03/04/ao-contrario-do-que-
-bolsonaro-afirma-brasil-e-um-dos-que-menos-investe-em-educacao/>.
27  Ver, entre outros: <https://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2019/05/15/estudan-
tes-e-professores-do-vale-do-aco-fazem-manifestacao-contra-bloqueio-de-recursos-na-e-
ducacao.ghtml; https://www.brasildefato.com.br//2019/10/03/ufrgs-na-rua-estudantes-e-
-professores-vao-as-ruas-conversar-com-a-populacao/; https://www.gazetadopovo.com.br/
curitiba/protesto-corte-verbas-federais-curitiba-8-maio-2019/; https://www.brasildefato.com.
br//2019/10/02/entidades-convocam-48h-de-mobilizacao-em-defesa-da-educacao-publica/>.
28  Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br//2019/05/04/na-esteira-dos-cortes-
-do-mec-ufrj-colegio-pedro-ii-e-ifrj-tem-orcamento-reduzido/>.
29  Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/ex-ministros-da-educa-
cao-assinam-carta-contra-efeito-fatal-do-contingenciamento/>.
30  Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/cortes-do-mec-nas-universidades-fe-
derais-podem-ferir-a-legislacao/>.
31  Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/392209>.

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e empreendedorismo; ii) pesquisa e inovação; e iii) internacionalização”.
Enquanto estes dois últimos eixos já são normativas da política educacional
para nosso ensino superior, o primeiro carrega traço anti-intelectual típico,
especialmente sua dimensão instrumentalista. Ao focar em “empreendedoris-
mo”, o Future-se olha de modo mercadológico para a universidade, relegando
um papel menor à pesquisa básica, que não interessa ao mercado, mas sem a
qual a pesquisa aplicada tampouco se efetiva (Matheus, 2019). Mais ampla-
mente, deixando-se de lado suas inconsistências jurídicas, o Future-se vendia
gato por lebre, alegando conceder “liberdade financeira”, enquanto na verdade
minava a responsabilidade do Estado brasileiro de garantir o orçamento das
IFES. Tal desresponsabilização vinha por meio de figuras estranhas como a do
“fundo de autonomia”, numa visão análoga e ilusória do que seriam os fundos
no sistema estadunidense32, e, ainda, da figura das “organizações sociais” (OS)
que, desregulamentadas, em nada se assemelhavam às funções desempenhadas
pelas OSs, por exemplo, nas políticas de saúde (cf. Stuchi, 2019).
Do ponto de vista que aqui nos toca, isto é, de uma sociologia política
dos conflitos anti-intelectuais, poderíamos dizer que esse leque de dossiês, en-
contros e livros constitui parte fundamental dos recursos político-cognitivos
disponíveis ao homo academicus. Por meio de sua crítica, as e os docentes mo-
bilizam categorias pelas quais denunciam versões antagônicas de “autonomia”,
ao redor das quais digladiam governo versus universidades. Visto no processo
político mais amplo, o Future-se quase não teve desdobramentos, sendo consi-
derado uma derrota do governo, embora esteja inscrito numa agenda mais lon-
ga e neoliberal de privatização da universidade (cf. Carlotto, 2019). Vencido
nessa empreitada, Bolsonaro reorientou sua estratégia de confronto e passou,
desde fins de 2019, a formas mais diretas de intervenção; por exemplo, à esco-
lha de reitores das IFES alinhados politicamente com o governo, à revelia da
comunidade acadêmica. A escolha desses reitores remete a um ataque direto
à autonomia universitária e uma reafirmação do suposto caráter instrumenta-
lista da ciência. Para Bolsonaro, a escolha dos reitores deve estar submetida às
necessidades mais imediatas e às aplicações “práticas” e “técnicas” da ciência,
e não a supostos partidarismos por parte dos candidatos a reitor; isso, por sua
vez, nos leva às trevas de 2020, quando sobre nós recaíram tanto a crise pandê-
mica como os fatais efeitos do negacionismo bolsonarista.
A crise disparada pela COVID-19 elevou a níveis dramáticos a ten-
são entre o governo – especialmente, mas não exclusivamente na pessoa do

32  Sobre essa ilusão, ver “Excelência acadêmica requer custeio público” (Negri, Knobel &
Cruz, 2018).

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Presidente – e as instituições científicas, para além mesmo das universidades.
A despeito da hesitação inicialmente mostrada em março, logo no começo da
pandemia, as falas de Bolsonaro passaram a minimizar a seriedade da doença.
Seu acervo declarações negacionistas é vasto. Segundo a agência Aos Fatos,
em março de 2021 Bolsonaro já acumulava mais 1.100 declarações falsas33.
Em tensão aberta com o então Ministro da Saúde, Mandetta, e em oposição
a evidências científicas, Bolsonaro deixava a saúde pública em segundo plano,
apostando em “movimentar a economia senão a catástrofe virá de verdade”34.
Contra isso, os esforços da sociedade civil e da comunidade científica,
no sentido de mitigar os danos pandêmicos, representavam uma pedra no sa-
pato do governo. O contexto pandêmico deu ensejo para que Bolsonaro, suas
bases e seus aliados aumentassem o tom dos ataques às instituições científicas
e universitárias. Se, como vimos, em 2018 e 2019 as universidades públicas
tinham sido detratadas como um alegado berço de depravação moral, durante
a pandemia elas foram encaradas como um covil de “alarmistas”, “histéricos”,
“profetas da catástrofe”, cheias de supostos “sabotadores” de um projeto nacio-
nal centrado nos avanços não conhecidos do governo Bolsonaro.
No plano político, o aumento no número de casos e óbitos colou o con-
flito no desenho federativo brasileiro, tendo sido prontamente mediado pelo
STF: contra o Presidente, prefeitos e governadores, sobretudo do Nordeste,
orientados por experts e instituições de produção de conhecimento, passaram
progressivamente a promover medidas de restrição de circulação. No pla-
no da sociedade, esse mesmo conflito opôs correntes na opinião pública: a
despeito da ampla divulgação da importância do distanciamento social, uma
nada desprezível base de empresários, youtubers e grupos bolsonaristas pas-
sou a militar em oposição a supostos interesses da mídia e da comunidade
científica. Formavam-se assim, durante a pandemia, dois campos ao redor da
legitimidade das estratégias de enfrentamento da crise: de um lado, desafian-
tes do governo (movimentos e associações populares; setores da imprensa, co-
munidade científica, partidos de oposição, sindicatos e profissionais da saúde
etc.) denunciavam o negacionismo governamental e sua afronta às medidas de
isolamento em prol da retomada econômica; de outro lado, reunidos em seu
conspiracionismo anticomunista, aliados e apoiadores bolsonaristas (manifes-
tantes, influenciadores conservadores, grupos religiosos, empresários, pequenos

33  Disponível em: <https://www.aosfatos.org/todas-as-declara%C3%A7%C3%B5es-de-


-bolsonaro/>.
34  Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/03/20/economia-nao-po-
de-parar-por-causa-do-coronavirus-diz-bolsonaro>.

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comerciantes, trabalhadores precarizados etc.) viam no isolamento social uma
alegada estratégia da China para minar as reformas liberais-conservadoras de
Bolsonaro. Em outros termos, a pandemia radicalizou o ataque às institui-
ções científicas com base na ideia de que elas sabotavam as boas intenções do
Governo. Nessa esteira, o negacionismo referente às medidas de restrição e a
defesa renitente do tratamento precoce, desrespeitando consensos científicos
na área, andaram de mãos dadas com o antielitismo, faceta fundamental do
anti-intelectualismo de matiz bolsonarista. Para o campo pró-bolsonarista, as
medidas de restrição seriam reflexo de uma mentalidade “elitista” indiferente
ao “povo” e à sua necessidade de trabalhar e prover sustento às suas famílias.
O debate sobre medidas de restrição e isolamento logo se tornou uma
pseudocontrovérsia, pela imprensa sintetizada na oposição entre cloroquiners e
quarenteners35. Enquanto a maior parte dos avanços conquistados em pesquisas
e validados pela OMS desmentia o uso da hidroxicloroquina como tratamento
adequado para os casos de COVID-19, a claque bolsonarista espalhada em
grupos de WhatsApp e em carreatas e motociatas Brasil afora seguia difundin-
do e defendendo fake news, amparada pelo sem-fim de declarações negacio-
nistas do Presidente. Essa estratégia de fabricar uma falsa controvérsia onde
há (se não consensos) tendências rumo a um consenso – tal estratégia é velha
conhecida nos estudos dos negacionismos (cf. Oreskes & Conway, 2010). Tal
como exemplo de antirracionalismo, apontado por Hofstadter, trata-se de su-
bestimar uma realidade tornada visível por métodos científicos e atacar cien-
tistas, chamando-os de “comunistas”, “esquerdistas” ou coisas afins. Bolsonaro,
no entanto, não se satisfez em promover uma política negacionista: insuflou
seus apoiadores, questionando a necessidade do isolamento e visando manter
suas bases mobilizadas. Não foi tão mal nessa tarefa, pois diversos grupos não
só saíram em carreata por várias cidades como também chegaram a invadir
hospitais e a fazer buzinaços em frente de unidades de tratamento de doentes
com COVID-1936.

35  Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/guerra-entre-cloroqui-


ners-e-quarenteners-reinventa-polarizacao-na-pandemia.shtml>.
36  Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/11/bolso-
naristas-fazem-carreata-contra-doria-globo-e-china-nas-ruas-de-sp.htm; https://catracalivre.
com.br/cidadania/manifestantes-pro-bolsonaro-fazem-buzinaco-em-frente-a-hospital-em-
-sp/>; <https://saude.estadao.com.br/noticias/ geral,deputados-invadem-hospital-de-campa-
nha-do-anhembi-e-provocam-tumulto,70003325797>.

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As resistências ao anti-intelectualismo: o ativismo científico

O retrato, embora lastimável, não é de completa desesperança. As insti-


tuições acadêmicas, cientistas, estudantes, professores e intelectuais não assis-
tiram passivamente ao avanço da marcha anti-intelectualista. Campanhas de
redes acadêmicas e científicas também procuravam se contrapor a cada onda
de ataques às universidades e ao mundo acadêmico em geral. Embora nem
sempre contando com a mesma força da ala bolsonarista, esse ativismo científi-
co serviu como uma persistente barreira contra os ataques anti-intelectualistas
desde pelo menos 2018.
Ao longo desse período, essas redes ativaram diferentes estratégias e se
apropriaram de diferentes oportunidades de mobilização. O primeiro exem-
plo de ativismo científico frente à onda anti-intelectualista pode ser visto nas
eleições de 2018. Naquele ano, entre os meses de agosto e outubro, período da
corrida eleitoral, a difusão programada de fake news atingiu grandes propor-
ções no país, especialmente no Twitter, tendo, no segundo turno, se alastrado
pelo WhatsApp (Ruediger, 2019) preponderantemente em grupos pró-Bolso-
naro (Gomes & Dourado, 2019). Concomitantemente à campanha de desin-
formação, os embates anti-intelectualistas ganharam forte expressão quando
vários campi universitários foram alvo de operações da Justiça Eleitoral, sob
alegação de “propaganda eleitoral irregular”37, posteriormente consideradas in-
constitucionais. Já no que tange àquela enxurrada de desinformação que fez de
2018 uma eleição sui generis, as coisas não acabaram ali. Em uma sorte de tática
contrainformacional, um grupo de cientistas sociais, economistas e jornalistas
arregaçou as mangas e formou, durante a própria corrida eleitoral, o chamado
“Brasil em Dados”. Esse grupo fez as vezes de ativistas: reuniu um conjunto de
capacidades e recursos político-cognitivos para atuar publicamente; seu slogan,
“Menos fake news, mais real data”, já disse a que vinha ou ao menos a que se
propunha.
Em 2019, com os cortes de 30% no orçamento das universidades públi-
cas e institutos federais, eufemisticamente apelidados de contingenciamentos,
o ataque às universidades passou a ser frontal. Após o anúncio dos cortes,
movimentos estudantis, professores, entidades científicas e acadêmicas mo-
bilizaram o Dia Nacional de Greve na Educação. A mobilização foi maciça.
Houve registros de protestos em 200 cidades em todo o Brasil. Apesar de

37  Momento emblemático desses episódios – e que remete àquela associação entre anti-in-
telectualismo e fascismo – esteve na retirada à força de uma bandeira do movimento estudantil
que dizia “Direito UFF Antifascista”.

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pacíficos, Bolsonaro aproveitou a ocasião para qualificar os manifestantes de
“idiotas úteis” e “imbecis”.38 Com o bloqueio das verbas chegando a quase 2
bilhões de reais, a situação poderia representar uma calamidade geral para o
campo acadêmico e científico. A reação não veio só das ruas: seis ex-ministros
da Educação de diferentes governos (de 1991 a 2016) lançaram um manifesto
contra os cortes na pasta e a perseguição instaurada no interior das universi-
dades. As redes transnacionais de apoio à comunidade científica também não
ficaram de braços cruzados: mais de mil pesquisadores em Harvard, Princeton,
Sorbonne e outras universidades de peso no cenário internacional assinaram
uma carta repudiando os cortes na educação.
Ainda em 2019, o Future-se também foi alvo de resistências da comu-
nidade científica – haja fôlego para tanto ataque. Parte das IFES prontamente
respondeu ao Future-se, instalando arenas de debate e crítica. Note-se, porém,
que houve ao menos uma adesão ao projeto, tal como foi o caso da reitoria da
UFSCAR39. Já no rol das resistências, duas iniciativas destacam-se: UFBA e
UFABC. No primeiro caso, tratou-se de extenso dossiê liderado e publica-
do pelo “Grupo de Pesquisa Trabalho, Precarização e Resistências Centro de
Estudos e Pesquisas em Humanidades”40. No segundo caso, foi organizado o
seminário “Future-se? A universidade pública brasileira entre impasses e pro-
messas”, cujos resultados foram publicados em título homônimo (cf. Ximenes
& Cássio, 2019). Em seu conjunto, os debates e textos sintetizados nessa obra
questionam um a um os aspectos da proposta do governo, destacando as amea-
ças nele implicadas relativamente não só ao financiamento público das IFES,
mas à sua autonomia didática, científica e administrativa.
Com a chagada da COVID-19 em 2020, esse cenário se complicou. As
estratégias de intervenção nas universidades foram contrapostas a um reper-
tório do ativismo científico que incluía o protesto de rua e a advocacy pública,
visando chamar a atenção da opinião pública contra os desvarios instrumen-
talistas e antielitistas de Bolsonaro e sua trupe. Com a doença em solo nacio-
nal, veio junto um festival de desinformação e um gerenciamento acéfalo da
crise. O repertório de ativismo científico passou também a incorporar outras
estratégias para combater o descaso com a doença. A crise pandêmica fez,

38  Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/05/15/cidades-brasileiras-


-tem-atos-contra-bloqueios-na-educacao.ghtml>.
39  E, mesmo neste caso, houve a tomada pública de posição num “Manifesto à comunidade
da UFSCAR”, assinado por seus “Ex-reitores”. Ver UFBA (2019, p. 250). Para a adesão da
UFSCAR, ver: <https://www2.ufscar.br/noticia?codigo=11854>.
40  Ver UFBA (2019).

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porém, mais que servir de oportunidade aos negacionismos no governo e na
sociedade: disparou também a mobilização do ativismo científico brasileiro.
Nesse repertório, é possível elencar as estratégias de combate ao negacionismo,
como a criação de novas organizações, a construção de projetos de pesquisas
voltados para o entendimento da epidemia no Brasil, a difusão de informação
para combate à doença e a criação de redes de suporte e tratamento alterna-
tivo a populações de risco. Ainda no começo da pandemia, frente a ausência
de um plano nacional para lidar com a doença, uma coalizão entre a Frente
Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo e 40 entidades científicas lançou a
Plataforma Emergencial para Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus e
da Crise Brasileira41.
O surto associativo entre cientistas e instituições de pesquisa tem sido
tal que não teríamos como, nesse espaço, dar conta das nuances do tecido or-
ganizacional científico criado em 2020. Para citar apenas algumas iniciativas,
dentre outras foram formadas: Rede de Pesquisa Solidária; Rede Covida; Info
Tracker; Rede Covid Humanidades; Gênero e COVID-19; e União Pró-
vacina42. Enquanto a maior parte delas está direcionada à produção de co-
nhecimento específico relativo aos impactos da coronavírus, outra parte mira
a difusão e a comunicação adequadas desse conhecimento. Em todos os casos,
se trata de articulações que aglutinam dois ou mais dos seguintes entes: IFES,
institutos de pesquisa, instituições internacionais, iniciativa privada e agências
estaduais de fomento. Além disso, essas formas acadêmicas de consociação se
inserem no bojo do conflito federativo e tomam não o governo federal, mas os
poderes municipais e estaduais como seus principais interlocutores. Todo esse
arsenal científico se orienta com a finalidade de produzir dados qualificados,
de modo a fornecer informação e elaborar indicadores e estatísticas capazes de
identificar o que pode ser melhorado nas respostas à crise. No caso da União
Pró-vacina, por exemplo, a mobilização científica acompanha o conflito ao
redor das evidências científicas, situando-se no polo de combate aos negacio-
nismos e visando unir pesquisa, poder público, institutos e órgãos da sociedade
civil para combater a desinformação sobre vacinas.

41  Disponível em: <http://apub.org.br/apubnaquarentena/movimentos-sociais-lancam-pla-


no-emergencial-para-enfrentamento-da-crise-e-do-covid-19/>.
42  Disponível em: <redepesquisasolidaria.org/>; <redecovida.org/>; <https://www.spcovid.
net.br/; https://covid19communicationnetwork.org/covid19resource/gender-covid-19/?lang=-
pt>; <www.ufrgs.br/redecovid19humanidades/index.php/br/>; <sites.usp.br/iearp/uniao-pro-
-vacina/>.

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Outro exemplo de grupos de trabalho que procuraram rebater a de-
sinformação sobre a pandemia no Brasil foi o Epicovid-19, coordenado por
pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Ainda em março
de 2020, a gestão do Ministério da Sáude, sob o comando de Luiz Henrique
Mandetta, decidiu financiar o projeto da Epicovid-19 para compreender me-
lhor os determinantes de propagação da doença. Entre maio e junho de 2020,
a Epicovid-19 testou 100 mil brasileiros e foi capaz de produzir relatórios
técnicos, subsidiando as entidades de saúde acerca da natureza do contágio
da doença. Não bastou muito tempo para que os resultados incomodassem o
Ministério da Saúde, que acabou cortando o financiamento do projeto. Poucas
semanas depois o projeto teve financiamento de outras instituições e conse-
guiu seguir adiante graças à ativação dessas redes de apoio.
Se as “redes” de pesquisa e difusão de conhecimento parecem ter sido o
repertório privilegiado de organização das e dos cientistas, houve também ou-
tras estratégias e formas de mobilização, não necessariamente acadêmicas, de
resistência à pandemia e à desinformação. Tais iniciativas não estiveram, con-
tudo, desligadas da interlocução direta quer com universidades e institutos de
pesquisa, quer com os poderes públicos. Esse foi o caso das campanhas “Vacina
para todas” e “Todos pelas vacinas”43. Em outro âmbito de nossa ecologia tec-
nológico-científica – sem deixar de mencionar Fiocruz, Instituto Butantã e
várias outras IFES, em sua luta em prol da fabricação de uma vacina –, tem
havido igualmente a atuação das associações científicas, em geral aglutinadas
e lideradas pela Academia Brasileira de Ciências e pela Sociedade Brasileira
pelo Progresso da Ciência, cujos esforços incluem iniciativas de lobby junto a
partidos de oposição e ao Congresso, bem como campanhas contra a desinfor-
mação e pelo direito à vacinação.
A despeito das dimensões catastróficas assumidas pela crise político-sa-
nitária em que colocou o país, a sanha do Presidente não se restringiu ao ne-
gacionismo nem cessou seu anti-intelectualismo. Até outubro de 2020, houve
quase duas dezenas de intervenções em institutos e universidades federais, por
meio da nomeação de reitores não eleitos em primeiro lugar pelas suas respec-
tivas comunidades. E mais: utilizando a crise pandêmica como uma espécie
de exceção, Bolsonaro chegou a redigir uma medida provisória na qual dava
ao Ministro da Educação poderes para a indicação de reitores “temporários”.

43  Disponível em: <www.vacinaparatodas.redesolidaria.org.br/#block-34703>; <https://


www.todospelasvacinas.info/>.

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Apesar de ter sido eventualmente contestada pelo STF44, essa iniciativa se si-
tuava, na verdade, ao lado de empreitadas análogas no campo educacional, den-
tre as quais se destacam não só a chegada de um novo Ministro da Educação
cuja visão de mundo é quiçá ainda mais reacionária que a de Weintraub45,
mas, sobretudo, a indicação de representantes ideológicos do olavismo para o
Conselho Nacional de Educação46.
Mais que uma linha de continuidade em relação a ataques às denúncias
acadêmicas do golpe de 201647, parece que a artilharia anti-intelectualista bol-
sonarista significa uma inflexão, ampliando e aprofundando o ritmo e o tom
daqueles ataques, de maneira a encontrar na pandemia uma oportunidade ím-
par para disseminar sua aversão a faculdades e saberes reflexivos. Nesse com-
passo de aprofundamento, os efeitos regressivos da política instrumentalista
passaram, entre 2020 e 2021, de fora para dentro das universidades: além da
intervenção nas listas tríplices, as estratégias de intimidação se infiltraram em
algumas IFES, nas quais foram abertos processos, chamados de “administra-
tivos”, contra discentes e docentes publicamente posicionados em oposição e
crítica ao negacionismo do Presidente e às decisões do MEC.

Conclusão

Como se vê, as ciências, seus sentidos e alcances, seus protagonistas e


funções entraram no âmago da nossa agenda de debate sem data para sair. O
conjunto de cenas, ofensas e defesas aqui descritas nos permite chegar a uma
conclusão política e a suas implicações analíticas para uma agenda sobre anti-
-intelectualismo no Brasil. Nessa lógica, o anticomunismo, arma já conhecida
nos ataques à universidade, é complementado pelo aspecto moral, típico de
cruzadas como o Escola Sem Partido. No entanto, a postura moralista e a po-
lítica instrumentalista do bolsonarismo devem ser também entendidas como
um recurso político cujos efeitos – eleitorais e simbólicos – repercutem nas
bases às quais se dirigem; quer dizer, o anti-intelectualismo é uma arma muito

44  Disponível em: <g1.globo.com/politica/noticia/2020/10/09/fachin-vota-para-que-esco-


lha-de-reitores-de-universidades-federais-siga-criterios-previstos-em-lei.ghtml>.
45  Disponível em: <jovempan.com.br/noticias/brasil/ministro-da-educacao-diz-que-sem-
-deus-jovens-se-tornam-zumbis-existenciais.html>.
46  Disponível em: <www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/10/inter-
na_politica,8712 35/bolsonaro-nomeia-7-indicados-de-weintraub-ao-conselho-nacional-de-
-educ.shtml>.
47  Disponível em: <www.cartacapital.com.br/educacao/conselho-universitario-da-unb-con-
dena-perseguicao-curso-que-fala-em-golpe/>.

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pouco custosa e relativamente eficaz no arsenal disponível a Bolsonaro. Ao ata-
car a universidade e hiperpolitizar os avanços e achados de instituições científi-
cas ou negá-los, ele faz mais que acenar para suas bases: ele as atiça e mobiliza.
Nesses termos, seu negacionismo não tem nada de irracional. Ele parece
ser, antes de tudo, um conjunto de estratégias de autoapresentação do bolso-
narismo e de galvanização de uma base. Se no plano institucional o Presidente
tem acenado para o chamado “centrão”, já no plano da opinião pública é im-
prescindível a manutenção de sua fachada performática de conexão direta com
o “povo” – discursivamente mobilizado em oposição a uma imaginária e “eli-
tista” universidade que estaria “contra o Brasil”. De qualquer modo, os ataques
à universidade não se reduzem à função de recurso político-eleitoral perante
as bases bolsonaristas: tais ataques parecem igualmente reforçar e compor um
projeto maior de privatização do ensino superior. Há, portanto, uma dimensão
moralista implícita no instrumentalismo propalado pelo campo bolsonarista.
Para o anti-intelectualismo vigente, as universidades não serviriam à “educação
cívica” e aos bons costumes e, portanto, não poderiam ser instrumentalizadas
como espaços de inculcação moral. Daí então o caráter bifronte das ofensas an-
ti-intelectualistas que nos desqualificam duplamente como “balbúrdia”: não só
como “antro” alegadamente “imoral”, mas também como instituições que “gas-
tam demais” sem supostamente dar “retornos práticos” à sociedade brasileira.
Essa dimensão política do anti-intelectualismo carrega implicações ana-
líticas. A nosso ver, é fundamental hoje uma agenda centrada nas estratégias
pelas quais políticos e grupos na sociedade civil atacam as ciências, recrutando
toda sorte de mediadores intelectuais – jornalistas, influencers de toda espécie
e mesmo cientistas – contrários a instituições de pesquisa. Se não é qualquer
ciência que está atualmente sob ataque, interessa perguntar também pelas ra-
zões que fazem de alguns saberes e objetos mais (ou menos) vulneráveis que
outros. Contando com um quadro totalmente distinto de fontes empíricas dis-
poníveis, a pesquisa norte-americana up to date tem chegado a ricos resultados
quanto às relações entre partidarismo, intelectualismo e anti-intelectualismo
(Barker et al. 2021). Uma agenda brasileira do anti-intelectualismo precisaria,
dentre outras tarefas, dar conta do desafio de produzir e reunir dados sistemá-
ticos que, para além dos projetos contrários à universidade pública, retratassem
a adesão a valores e programas anti-intelectualistas na opinião pública, sem
perder de vista os eventuais perigos por eles trazidos para nossa já degradada
democracia. Nesse sentido, outro flanco de interesse na análise do anti-inte-
lectualismo seria na sua detecção ao longo de parcelas mais amplas da socie-
dade, de modo a investigar suas raízes históricas ali mesmo onde poderia soar

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contraintuitivo procurá-lo: nas críticas advindas de parcelas progressistas da
própria universidade dirigidas contra um certo “elitismo acadêmico” que, pela
via dos efeitos não antecipados de uma ação que inicialmente não se pretendia
oposta ao pensamento crítico nem à autonomia universitária, podem ter ins-
pirado projetos anti-intelectualistas48. Essas são algumas das pistas e ideias a
serem aprofundadas e delineadas por outras investigações.
No reverso da moeda, a aproximação junto aos estudos sociais da ciência
nos permitiu observar diferentes repertórios, aliados e alcances do ativismo
mobilizado ao redor dos conflitos pelos sentidos da ciência. Neste sentido,
nossa proposta foi inverter a pergunta sobre o papel dos movimentos sociais na
construção de conhecimento, para indagar como agentes e instituições de pro-
dução de conhecimento se mobilizam fazendo às vezes de movimento social.
E eles o fazem de várias formas: via sindicatos, protestos, livros, eventos, redes
e consórcios de pesquisa. Somada a essa questão, a chave do anti-intelectua-
lismo, à la Hofstadter, deu orientação criativa à observação da cronologia dos
ataques à universidade e às ciências, bem como das respostas acadêmicas a eles.
Menos que deixar respostas, sugerimos duas questões que podem inspirar uma
agenda de pesquisa sobre o ativismo científico no país: como e por meio de
quais repertórios as e os docentes têm se organizado, para além da crise pan-
dêmica, no sentido de atuar e intervir publicamente? E, ainda, como a trans-
formação no regime político mais amplamente afeta essa forma de ativismo?
As respostas a essas questões podem ser inúmeras, mas elas já encontram na
história intelectual das Ciências Sociais algumas pistas de como as e os intér-
pretes de movimentos sociais se organizaram na última transição democrática
no Brasil (cf. Szwako & Araujo, 2019).
Depois de descrever, mesmo se em grandes linhas, a capacidade e o al-
cance da produção tecnológico-científica de nossa comunidade, e de mostrar
seus efeitos públicos e publicamente orientados para a defesa e ampliação de
direitos, parece-nos quase desnecessário responder à acusação de “balbúrdia”.
Um caminho alternativo e igualmente válido pode estar na subversão des-
se termo, tal como um grupo de estudantes da USP fez, em resposta àquele
ataque, ao criar a Revista Balbúrdia. Dentre seus objetivos, é possível ver um
dos nossos maiores desafios contemporâneos: “a Balbúrdia é uma iniciativa
que visa aproximar as comunidades interna e externas à universidade, tendo
como meta a democratização e popularização do conhecimento científico”49.
Esse é, porém, apenas um dos vários caminhos pelos quais faremos frente ao

48  Agradecemos a Marcelo K. Silva e Ligia Lüchmann por esse adendo.


49  Disponível em: <https://sites.usp.br/revistabalburdia/>.

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anti-intelectualismo e ao negacionismo que, no ritmo da inflexão bolsonarista,
têm assumido cada vez mais e cada vez mais rápido a forma de uma “polícia
política”, no preciso termo de Weber (1973), contra aqueles que são, hoje50,
retratados, detratados e perseguidos como uma suposta fonte de “perigo para
o Estado”.

50  Disponível em: <https://apublica.org/2021/03/vou-continuar-emitindo-sempre-minha-


-opiniao-cientifica-diz-professor-processado-pela-cgu/>.

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8. Repertórios e estratégias do ativismo digital de direita
 

Viktor Chagas
Michele Goulart Massuchin
 

Introdução

A literatura sobre participação política incorpora o tema do ativismo


como uma de suas chaves (Abers & Von Bülow, 2011; Pereira, 2018). No
entanto, exceto quando se trata de proporcionar alguma reflexão ampliada so-
bre os efeitos políticos e culturais de regimes totalitários (Wirz et al., 2018)
ou o culto à imagem de lideranças autocráticas (Solano, 2018a), pouco tem
sido discutido a respeito de um suposto ativismo de direita que tem ganhado
destaque nos últimos anos, especialmente no ambiente digital.
Por definição, o ativismo é geralmente encarado como uma forma de
participação, na qual os sujeitos se organizam em protestos e manifestações in-
dividuais ou coletivas, em questionamento à autoridade política em seu aspec-
to representacional (Karatzogianni, 2015). Em função dessa conceituação, o
campo teórico tem legado mais atenção aos núcleos de esquerda, que incutem
algum tipo de questionamento ao poder, perfazendo ações subversivas de de-
sobediência civil (Chenoweth & Stephan, 2011; Santos, 2018) ou con-
tenciosamente reivindicando a ampliação de direitos civis, políticos ou sociais
(Tarrow, 2015). No entanto, o cenário de recrudescimento do conservadoris-
mo e a emergência de um certo backlash cultural (Inglehart & Norris, 2016)
têm evidenciado a importância de se analisar o ativismo de extrema-direita
em seus contextos sociais mais amplos, como sugerem Castelli e Pirro (2018).
Paralelamente, é importante observar que muitos grupos de interesse
frequentemente adotam definições borradas para referirem-se a si mesmos. É
comum, por exemplo, a adoção nativa da categoria “movimento”, como modo
de legitimar suas agendas, conquanto não sejam propriamente de movimentos
sociais. Além disso, ainda que, em sua grande maioria, esses grupos desempe-
nhem ações políticas, eles próprios nem sempre se reconhecem como ativistas,
já que essa designação estaria contaminada por uma interpretação específica
do ativismo como luta por direitos especialmente por parte de populações mi-
norizadas. Neste capítulo, optamos por concentrar nosso olhar sobre os ati-
vismos de direita, lançando mão de exemplos sobre coletivos e movimentos

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específicos, institucionalizados ou não, sempre que suas ações estiverem em
foco.
Do ponto de vista praxiológico, não é incomum se falar em um ativismo
de direita, muito embora autores como Blee e Cleasap (2010) recusem o rótulo
a grupos ativistas conservadores em geral, como o movimento anti-aborto ou
militantes patrióticos, justificando que o ativismo de direita contemporâneo é
marcado pelo emprego tático da violência e pela promoção da discriminação
a minorias. E, ainda que pareça que a pesquisa acadêmica a respeito de tais
ativismos constitui uma novidade, as investidas do campo das direitas estão em
pleno desenvolvimento. O que há de novo, de certo modo, falando-se do cená-
rio brasileiro, é a ação articulada de grupos com base em repertórios até então
pouco explorados, com especial investimento no ativismo digital (Santos &
Chagas, 2018; Penteado & Lemer, 2018).
Nesse contexto, o presente capítulo pretende discutir os principais re-
pertórios e estratégias performativas de ativismo digital empreendidos por gru-
pos de extrema-direita no Brasil e sua articulação com a igualmente crescente
onda transnacional de ativismos conservadores em várias regiões do mundo.
Amparado por uma extensa revisão da literatura nacional e estrangeira sobre
repertórios ativistas no ambiente digital, o capítulo se propõe a traçar parale-
los entre as experiências brasileira e internacional, destacando um esforço de
caracterização dessas práticas com base em alguns eixos fundamentais desses
ativismos, conforme destacados a seguir. O problema de pesquisa que busca-
mos responder, desse modo, é como os novos ativismos de direita incorporam
em suas ações o digital, e que estratégias comuns podemos notar tendo-se em
conta uma perspectiva transnacional sobre o fenômeno. 
Para tanto, o capítulo recupera recentes avanços teóricos e metodológi-
cos que permitem a avaliação das estratégias de ação desses grupos, se colo-
cando como um esforço de abordagem teórica. O texto tem, ainda, três obje-
tivos específicos: 1) mapear exemplos de grupos representantes da direita no
ambiente digital no cenário nacional e internacional; 2) discutir as principais
práticas e estratégias de comunicação digital apropriadas pelo ativismo de di-
reita em distintos cenários, dialogando com a atuação de grupos similares no
Brasil; e 3) refletir sobre questões de natureza ética e metodológica no desen-
volvimento das investigações sobre este objeto. A respeito deste último esforço,
é importante ressaltar que o mesmo enviesamento que acometeu, por muitos
anos, o campo teórico da participação, fazendo-o enfatizar em suas abordagens
uma reflexão sobre o ativismo como expressão típica dos segmentos liberais
e progressistas, é sentido também em sua dimensão metodológica. Assim, os

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ativismos de direita impõem refletir sobre desafios éticos e metodológicos que
normalmente não eram pautados nos estudos sobre ações coletivas em geral.
Com o recenseamento da literatura, busca-se mostrar que apesar de me-
nos presente, as pesquisas sobre os ativismos de direita no cenário digital já
indicam resultados contundentes para entender o atual cenário e traçar uma
trajetória capaz de recompor o surgimento desses grupos e os exemplos de suas
manifestações, nacional e internacionalmente. A partir da literatura, sugere-se
quatro eixos fundamentais que funcionam como repertório estratégico desses
grupos: 1) o caráter identitário, performado a partir de diretrizes estéticas e
valores compartilhados por atores individuais integrantes de tais grupos; 2) a
natureza satírica e o humor agressivo, direcionados a adversários políticos ou
minorias sociais; 3) a disseminação e estímulo à circulação de desinformação;
e 4) a dinâmica de ações coordenadas, com vistas a impactar diretamente a
opinião pública conectada. Num terceiro momento, propõe-se mostrar, a par-
tir de um conjunto de pesquisas, a exemplo de Barbosa e Milan (2019), como
questões de natureza ética e metodológica atravessam o desenvolvimento das
investigações, face aos desafios impostos pelo objeto, muitas vezes, inclusive,
apresentando-se avesso à pesquisa científica, o que exige repensar as formas
de fazer pesquisa. Por último, as considerações finais refletem sobre avanços e
contribuições dos estudos sobre a direita para o debate acerca das relações en-
tre ativismo e participação digital. Mais do que pura e simplesmente questio-
nar a existência unívoca e monolítica de um bolsonarismo, fazendo-se ignorar
a confluência de diferentes matizes conservadores que adotaram Bolsonaro
como candidato preferencial a partir de 2018, o presente capítulo pretende,
portanto, colocar lado a lado alguns dos repertórios usuais do ativismo perpe-
trado por apoiadores do Governo Bolsonaro e outros grupos de extrema-di-
reita, nacionais e estrangeiros. Este tipo de olhar em perspectiva, acreditamos,
traz ao leitor uma maior clareza sobre o lugar que ocupa o ativismo de direita
brasileiro face à onda conservadora que se espraiou pelo mundo nos últimos
anos, quais as suas peculiaridades e que elementos em comum guardam com
outros grupos. Trata-se de um exercício que permite enxergar conexões inau-
ditas ao mesmo tempo em que estabelece bases comuns para a compreensão
desses repertórios ativistas.

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Experiências e ações do ativismo de direita no ambiente online

As experiências da última década na América Latina mostram uma as-


censão da direita ao poder em diversos países (Weld, 2020; Girdano, 2017).
No entanto, partidos e movimentos institucionalizados e não institucionaliza-
dos, cada vez mais ao extremo do espectro ideológico, já têm sido recorrentes
pelo menos nos últimos 20 anos, especialmente na Europa, materializando-
-se não apenas no âmbito eleitoral, mas por meio de grupos independentes e
ativistas que atuam lateralmente às disputas políticas (Caini & Cisar, 2018;
Gattinara & Pirro, 2018). Sobre a novidade desses grupos, Solano (2018)
reconhece a dificuldade de nomeá-los, no entanto diz que há distinções que
permitem chamá-la de direita alternativa. Uma delas está nas bandeiras levan-
tadas que retomam elementos ignorados pela direita tradicional, como uma
retomada das ideias fascistas. Por outro lado, além das crises econômicas, a
onda progressista que ganhou força nas últimas décadas pode ter impulsiona-
do a tese do cultural backlash (Inglehart & Norris, 2016). A especificidade
também pode estar na multiplicação de uma direita radical capilarizada que
fortalece a extrema-direita partidária já existente (Castelli & Pirro, 2018). 
Vox na Espanha, Chega em Portugal, Jobbik na Hungria e UKIP na
Inglaterra são exemplos de partidos de extrema-direita. Make America Great
Again nos Estados Unidos, Britain First na Inglaterra, Reclaim Australia na
Austrália, PEGIDA na Alemanha, MBL no Brasil, CasaPound na Itália ocu-
pam um espectro intermediário entre partidos e grupos de interesse não ins-
titucionalizados, e costumam se autodesignar por movimentos, uma categoria
que os aproxima ao menos na nomenclatura dos movimentos sociais. Embora
a agenda dessas organizações apresente distinções importantes em relação às
suas múltiplas nuances, por exemplo, no que concerne à diferença entre ex-
trema-direita e direita radical (Castelli & Pirro, 2018), o que interessa na
presente discussão é a atuação organizada no ambiente digital.
Segundo Castelli e Pirro (2018, p. 3), as redes de extrema-direita “se
formam e operam online, o que oferece recursos cruciais para organizar, mo-
bilizar e conectar-se uns com os outros, facilitando a integração progressiva
de partidos radicais, movimentos extremistas e grupos subculturais”. Krämer
(2017) sugere que as mídias online auxiliam partidos populistas de direita na
elaboração da ideologia, na criação de identificação, na interação coletiva e
para a exposição seletiva dos conteúdos. O uso da internet tem sido associa-
do ao discurso populista de direita porque o próprio ambiente digital teria a

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característica de proximidade e de não interferência dos jornalistas (Ernst et
al., 2017). Assim, esse uso se espalha por grupos de todo o mundo.
A Itália tem experiência de grupos extremistas no ambiente online des-
de o princípio do século XXI, a partir de sites que exaltavam o antissemitis-
mo e a resistência a imigrantes (Caiani & Wagemann, 2009). Tateo (2005)
ressaltou a integração entre endereços de grupos negacionistas, revisionistas,
nostálgicos ao fascismo e nacionalistas. Mais recentemente, ganha destaque
o CasaPound Italia (CPI), partido da direita radical. Padovani (2016) mostra
que ele opera suas próprias mídias de forma profissional e utilizando-as para
espalhar a ideologia da ultradireita. Similarmente, Lobanov (2019) chama a
atenção para como o CasaPound e a Lega Nord mobilizam sentimentos como
o “asco” ao tratar de adversários em seus canais nas mídias sociais.
Em Portugal, o Chega atuou a partir da integração entre as platafor-
mas – Facebook, Twitter e YouTube –, demonstrando uma ação conectada
(Amaral, 2020). Da mesma forma, nota-se a construção da imagem da lide-
rança de André Ventura, a partir de manifestações polêmicas e dependência
das ações de comunicação, o que enquadra a atuação do partido como popu-
lista (Serrano, 2020). 
Na Espanha, se destacam o Hogar Social e o Vox (Álvarez-Benavides
& Aguilar, 2020). No início do século, no entanto, Plataforma per Catalunya
e España 2000 foram precursores, mas se distanciavam das ideias fascistas
(ibid.). Ben-David e Matamoros-Fernández (2016) indicam a proliferação
do discurso de ódio a partir de espaços online, tanto pelos partidos quanto
por seus seguidores, tendo estreita relação ao nativismo e à xenofobia, valores
centrais no discurso do Vox (Ferreira, 2019), com exemplo de aplicação no
Instagram (Aladro-Vico & Requeijo-Rey, 2020). 
Em alguns cenários, a literatura indica o uso não apenas das redes so-
ciais, mas também de aplicativos de mensagens, como Telegram e WhatsApp.
O Britain First, por exemplo, tem usado o primeiro como canal de distribuição
de conteúdo (Bovet & Grindrod, 2020). Além dele, na Inglaterra, desta-
cam-se os partidos British National Party (BNP) e o UK Independence Party
(UKIP), com o uso mais intenso do Facebook, mas com temáticas menos radi-
cais, não havendo destaque ao nativismo, por exemplo (Klein & Muis, 2018).
Vale ressaltar que essas diferenças quanto à radicalização discursiva ocorrem
também na Alemanha, tanto no que tange aos conteúdos quanto no compor-
tamento dos seguidores (ibid.). 
Ainda sobre o uso do Telegram, Urman e Katz (2020) mostram que
houve uma migração da extrema-direita para o aplicativo de mensagens,

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especialmente em 2019, possivelmente pela busca de um espaço menos regu-
lado, em comparação ao Facebook e Twitter. A pesquisa partiu de um canal es-
pecífico, de um ativista austríaco (Martin Seller) e mapeou aqueles envolvidos
na rede, o que demonstrou uma atuação acelerada, descentralizada e dividida
em diferentes comunidades interconectadas (Urman & Katz, 2020).
Na França, o exemplo mais conhecido é da Frente Nacional que, em
2017, se destacou nas eleições nacionais com sua representante Marine Le
Pen. O partido se alia a outros movimentos não institucionalizados na arena
eleitoral, também com atuação conservadora e antiesquerda (Frijoli & Ivaldi,
2019). Menciona-se que as redes sociais online, canais no YouTube, blogs e
web-revistas se coadunam com intelectuais e profissionais midiáticos que dis-
tribuem conteúdos de interesse da direita. No geral, trata-se de uma rede entre
blogueiros, grupos políticos e produtores de vídeos do YouTube que reúne des-
de conspiracionistas aos nostálgicos da monarquia (ibid.). 
Ainda sobre o cenário da direita francesa, Froio (2019) sugere que so-
mam mais de 70 sites, sendo apenas 3% relacionados exatamente a partidos
que disputam a arena eleitoral. Chama a atenção, em relação aos discursos, o
anti-islamismo e o nativismo, já antigos na política francesa, mas que ganham
força com novos movimentos não partidários que reverberam suas pautas por
meio de grupos e páginas das redes sociais (ibid.).
No caso da Grécia, exemplifica-se o avanço dos ativismos de direita
com o Independent Greeks (ANEL). O grupo nasce em 2012 no Twitter e
no Facebook e se expande com discussões em fóruns online, fato usado para
alegar sua natureza democrática, embora tenha caráter nacionalista e populista
(Fielitz, 2019). Ainda mais à extrema-direita, o Chrysi Avgi tem forte atua-
ção online, com cerca de 500 páginas no Facebook e auxílio do Twitter, tendo
inclusive perfis dos membros excluídos por conteúdo impróprio, com discurso
de ódio (Siapera & Veikou, 2016). O YouTube traz números impressionantes
se comparados a outros partidos de maior centralidade na política grega, o que
pode estar relacionado às políticas pouco enfáticas da plataforma e às estraté-
gias de microfascismo (ibid.). 
Também com suporte no YouTube, a Suécia assistiu à emergência do
vídeoativismo, a partir do material audiovisual distribuído por grupos de ex-
trema-direita para recrutar e engajar, com base em conteúdos humorísticos,
de confrontação, manifestação, entre outros formatos (EKMAN, 2014). Na
Suécia e na Finlândia destacam-se, ainda, os blogs usados para difundir o
discurso da direita radical, criando redes de afinidade (Sakki & Petterson,
2016). 

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Na Hungria, o Jobbik tem forte sustentação no ambiente online, sendo
que o próprio partido reitera sua relação intrínseca com as tecnologias digitais
(Karl, 2017; Pirro, 2019). Karl (2017) mostra como, entre 2013 e 2014, o
partido se destacou com publicações e engajamento ante os demais partidos
de direita europeus no Facebook. Na Estônia, o Conservative People’s Party of
Estonia (EKRE) é considerado populista radical de direita e também explorou
o ambiente online para reforçar seus principais discursos: contra refugiados,
anti-Russia, euroceticista e pelos valores da família (Kasecamp et al., 2018). 
No caso da Alemanha, além da atuação do Alternative für Deutschland
(AfD), há forte atuação do PEGIDA e do Identitarian Movement. O
PEGIDA, anti-imigração e anti-islamismo, tem capilaridade online trans-
nacional (Castelli & Pirro, 2018; Berntzen & Weisskircher, 2016). O
ambiente digital é um canal para expandir seus interesses para outros gru-
pos radicais, especialmente no Facebook, havendo forte relação entre mo-
bilização online e offline em países como Áustria, Noruega, Suécia e Suíça,
com criação de organizações locais, nacionais e internacionais (Berntzen
& Weisskircher, 2016). Os três, juntos, possuem ampla rede no YouTube
com conteúdos que alimentam o repertório dos grupos, inclusive com teorias
conspiratórias (Rauchfleisch & Kaiser, 2020). No Facebook, o AfD e o
PEGIDA têm afinidade temática (Stier et al., 2017).
Na Oceania, destaca-se o Reclaim Australia, que, comparado ao Britain
First, demonstra similaridades na atuação online, porém com um discurso mais
radical e permeado de agressões verbais e xenofobia (Nouri & Lorenzo-Dus,
2019). Nos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump em 2016, ganha
destaque o chamado movimento Make America Great Again, que une sim-
patizantes e eleitores em torno da hashtag #MAGA, criando conexões entre
extremistas e discursos de supremacia branca (Eddington, 2018). Freelon et
al. (2020), ao observarem o cenário dos EUA, argumentam por um ativis-
mo de direita que trabalha estrategicamente para espalhar suas mensagens
por meio de seu próprio ecossistema. No cenário estadunidense, o Tea Party
também se destaca nas plataformas digitais com a finalidade de reforçar sua
identidade e marcar posição (Morin & Flynn, 2014). Lewis (2018) chama a
atenção também para a constituição de uma rede composta por youtubers de
extrema-direita.
No Brasil, uma série de grupos atuou pelo Facebook, Twitter e YouTube
e ganhou as ruas com as Jornadas de Junho de 2013 e o impeachment de
Dilma Rousseff. É o caso do Revoltados Online, do Movimento contra a
Corrupção (MCC) e do Movimento Brasil Livre (MBL). No caso do ativismo

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anticorrupção, Montevechi (2021) reforça a relevância de ntende-lo como
movimento social porque articula pautas difusas e estabelece vínculos. Telles
(2016) ressalta que as pessoas que participaram de protestos em 2015 o fize-
ram porque acompanharam perfis nas redes sociais, sendo que Rocha (2019)
lembra que esses grupos começaram a se articular ainda no Orkut. Entre as
características de atuação estão as críticas à esquerda, o antipetismo, o an-
ticomunismo, o combate à corrupção e forte adesão aos regimes de exceção
(Penteado & Lerner, 2018; Dalmonte & Dibai, 2019), a partir de uma
rede de cerca de 500 canais no Facebook (Alves, 2016).
Em relação ao apoio ao presidente, alguns estudos monitoram grupos
pró-bolsonaro no WhatsApp (Chagas, 2021; Chagas et al., 2019a). Ainda
que não sejam movimentos ou partidos constituídos, é uma espécie de ativis-
mo digital que visa mobilizar apoiadores, a exemplo do ativismo de hashtag,
que forma redes políticas temporárias (Von Bülow & Dias, 2019). Os grupos
bolsonaristas usam o humor, o teor radical, valores antidemocráticos, cunho
ideológico e apoio ao presidente (Chagas, 2021). 
Essas experiências mostram uma expansão ampla da direita (Caini &
Cisar, 2019) com ações pontuais de ativismo e por meio da organização par-
tidária. Soma-se a isso a atuação no ambiente digital, que permite observar pa-
drões justamente pela transnacionalização (Froio & Ganesh, 2019; Caini &
Kroll, 2014). A digitalização do ativismo ultrapassa as especificidades, prin-
cipalmente dos movimentos não institucionalizados, que se relacionam justa-
mente a partir dos laços permitidos pela internet (Froio & Ganesh, 2019). 
 
Estratégias de ação do ativismo online da direita 

O recrudescimento desses grupos de interesse reportados anteriormen-


te encontra elementos comuns em diversos países além do Brasil (Castelli
& Pirro, 2018; Krämer, 2017; Bar-On, 2013). Embora haja peculiaridades
referentes ao contexto, estas somam-se a pelo menos quatro fatores que são
constantemente percebidos como sendo as principais estratégias de ação do
ativismo online da direita.

1) Identidade

Embora os grupos aglutinados em torno das chamadas novas direitas


reiteradamente incidam na crítica às identidades, sob o argumento que evo-
ca o universalismo moral, há, em contrapartida, um esforço subjacente, por

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parte desses mesmos movimentos, em constituir uma identidade própria e
exclusiva dos atores de direita. Assim, se a resposta reacionária a ações cole-
tivas como #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam) é #AllLivesMatter
(#TodasAsVidasImportam), não é menos comum presenciar lamúrias a uma
suposta heterofobia ou cristofobia. E embora seja possível detectar uma inten-
sa fragmentação de matizes e interesses – por exemplo, no caso brasileiro, po-
de-se identificar grupos conservadores, ultraliberais, militaristas, monarquistas
e outros mais –, é também clara a composição de forças no sentido de construir
valores comuns. Por isso, um dos investimentos centrais desses grupos passa
pela constituição de uma identidade comum.
Claro está que a construção de uma identidade comum é um componen-
te essencial não apenas do ativismo de direita, mas de toda e qualquer forma
de ativismo. Entretanto, há aqui alguns elementos distintivos importantes. Em
primeiro lugar, a identidade das chamadas novas direitas é constituída a partir
da negação de outras identidades, seja pela evocação de um imperativo cate-
górico (“todas as vidas importam, não apenas as negras”), seja pela leitura de
que são excluídos aqueles que não correspondem a uma identidade minorizada
(não mulheres, não negros, não homossexuais e, portanto, homens, brancos,
cis). Em segundo lugar, a identidade evocada por esses grupos é reacionária,
isto é, ela se posiciona em reação a conquistas sociais de outros grupos, negan-
do-lhes, em última instância, direitos fundamentais. Assim, essa construção
identitária opera como uma estratégia deliberada para os setores conservado-
res, para ampliação das bases, em termos populistas; isto é, a identidade desses
grupos é intencionalmente associada a uma condição antissistêmica, de uma
maioria de “excluídos” que reivindicam seu lugar.
Longe de se constituir como um processo típico de movimentos polí-
ticos, essa identidade é estratégica porque se coloca como fundamental para
cooptar, mobilizar e engajar setores da população que, a princípio, não se sen-
tem contemplados por identidades outras. Além disso, é notável a adoção, por
muitos desses grupos, de um misto de discurso conservador e “descolado”,
como é o caso da definição cunhada pelo MBL de uma “direita transante”
(Santos & Chagas, 2018).
Fielitz e Marcks (2019) denominam de fascismo digital essa “variante”
que se desenvolve na esteira de movimentos digitalmente conectados e que
não apresenta um centro organizacional claro, e evocam Eco (1995) para ex-
plicar que o fascismo pode se travestir de múltiplos disfarces. Rocha (2019,
p. 24) ressalta que os grupos que integram as chamadas novas direitas cons-
troem-se como contrapúblicos digitais, recuperando o debate travado por

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Michael Warner e por John Downey e Natalie Fenton a partir do conceito
originalmente cunhado por Nancy Fraser, em 1990, e destaca que na internet
“o conceito de contrapúblico pode ser utilizado para compreender a atuação de
grupos que não defendem, ou são contrários, à expansão de direitos de popula-
ções subalternas na esfera pública, incluindo grupos de direita”. 
O sentimento de equivalência em relação a grupos minorizados é esti-
mulado pelas lideranças reacionárias, tomando-se como ponto de partida uma
espécie de revanchismo em relação a outros movimentos identitários, o que
Inglehart e Norris (2016) caracterizam como um backlash cultural. Cultua-se,
assim, uma identidade da nova direita, a partir de um imaginário que subverte
o estatuto de elite dominante e prega, em lugar disso, uma “vitimização ideo-
lógica” (Gomes, 2020, p. 233). Moreno-Almeida e Gerbaudo (2021) destacam
que a atuação digital de grupos de extrema-direita costuma se ancorar em três
vetores: a construção da atmosfera de medo e ameaça inspirada por adversá-
rios políticos; conservadorismo social, aliado a um iliberalismo ou monocul-
turalismo reacionário; e um populismo anti-establishment. Trata-se, como bem
adverte Hofstadter (1963), de um discurso alimentado através de um processo
de longa duração. 
Rocha (2019), por exemplo, chama a atenção para como esses contra-
públicos digitais já se articulavam desde o princípio da década de 2000. Chaia
(2007) também já havia identificado, muitos anos antes das manifestações pelo
impeachment de Dilma Rousseff, uma articulação anti-PT em comunidades
do Orkut. Como Rocha (2019) conclui, o Orkut foi uma das redes mais im-
portantes para esse recrudescimento, ainda que Aldé, Chagas e Escobar (2008),
na mesma altura, já identificassem também uma profusão de blogs conserva-
dores e libertários. De modo geral, como apontam Shaw e Benkler (2012), a
blogosfera de direita costuma adotar ferramentas e plataformas que dão menos
ênfase à participação do público que os grupos de esquerda, o que se combina
à avaliação de Lobanov (2019, p. 133) quanto ao uso exacerbado do “celebrita-
lismo”, isto é, uma superexposição obsessiva e cotidiana de personalidades que
se tornam famosas a partir das redes digitais.
Destaca-se, ainda, o reconhecimento de que a abordagem focada na po-
lítica institucional ou nos atores formais da política acaba por negligenciar
a atividade de grupos radicais de direita (Moreno-Almeida & Gerbaudo,
2021; Alves, 2016), já que muitos deles operam a partir de ações apócrifas e
em modelos de campanha não oficial (Tsai, 2021; Joathan & Alves, 2020). 
Além disso, os grupos de extrema-direita se caracterizam por uma am-
bivalência discursiva (Phillips & Milner, 2017). Lobanov (2019) sustenta

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que os militantes das organizações italianas oscilam entre uma face guerrilhei-
ra, contra o globalismo, e outra, supostamente pacífica, pela criação de postos
de trabalho. Essa múltipla identidade aparece também na leitura de Bar-On
(2013, p. 63) a respeito da Nouvelle Droite francesa, que, segundo ele, “valoriza
aspectos técnicos da modernidade, mas rejeita seus efeitos políticos e culturais,
da equidade administrativa e multiculturalista ao excessivo egoísmo e à perda
da solidariedade social baseada na etnicidade”, o que abre margem ao nativis-
mo. O resultado é um paradoxo identitário enunciado pelos próprios sujeitos
com a frase “liberal na economia, mas conservadora nos costumes”.
Há, nesse sentido, um constante jogo entre tradição e modernidade,
posto em evidência pela exaltação da mídia digital pari passu à evocação de
símbolos nacionalistas. As chamadas novas direitas são ágeis em cooptar sím-
bolos nacionais, como a bandeira do Brasil e até mesmo a camisa da seleção
brasileira de futebol. Moreno-Almeida e Gerbaudo (2021) comentam sobre a
adoção do símbolo e da bandeira do império Merínida em memes da extre-
ma-direita marroquina, e Bogerts e Fielitz (2018) encontram, nos memes de
estética fashwave da extrema-direita alemã, variadas referências heroicas aos
soldados do Wehrmacht, o exército unificado nazista na Segunda Guerra. 
Esse passado mítico se coaduna, ainda, com a apresentação de símbo-
los de superioridade do presente. Por isso, Lamerichs et al. (2018) notam que
a masculinidade é reforçada em páginas satíricas de apoiadores de Donald
Trump, nos Estados Unidos, mas também de Putin, na Rússia. Algo parecido
ocorre com os memes bolsonaristas no WhatsApp em relação à imagem de Jair
Bolsonaro (Chagas, 2021), que, com efeito, materializam identidades coleti-
vas e constroem imaginários míticos (Nissenbaum & Shifman, 2017), muitas
vezes, associados à presença ostensiva de símbolos e elementos da cultura pop
global, que permitem revestir o nacionalismo de aspectos que dialoguem mais
diretamente com as subculturas juvenis. 
Para Moreno-Almeida e Gerbaudo (2021), duas chaves explicam esse
movimento: a cooptação de símbolos de superioridade e uma cultura de bodes
expiatórios (scapegoating culture); ou seja, o adversarismo político direciona-
do a grupos minorizados. É uma estratégia não muito distinta daquela que
Anderson (2008[1983]) prescrevia a respeito da constituição de comunidades
imaginadas, ou que Papacharissi (2015) comentava sobre a formação de pú-
blicos afetivos, de um movimento que simultaneamente aproxima os iguais e
distancia os diferentes. Com alguma frequência, isso é traçado em torno do
humor satírico e de uma retórica que, ao flertar com o lúdico e a brincadeira
política (Chagas, 2020), termina por reforçar estereótipos dominantes.

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Um ponto curioso de destaque com relação à constituição de uma iden-
tidade da extrema-direita brasileira é o fato de que o discurso anti-imigração,
que encontra forte eco em diferentes regiões do mundo, não é acionado senão
pontualmente, como em episódios envolvendo crises humanitárias em regiões
fronteiriças. Em lugar desse discurso, porém, há uma intensificação do discur-
so macarthista (Chagas & Carreiro, 2021) associado a uma recusa, no âm-
bito internacional, à integração e à negociação por meio de blocos econômicos,
que culmina em rupturas com parcerias históricas com a América Latina e
os BRICS, e tem como efeito precípuo uma consequente subserviência aos
Estados Unidos. Ao que parece, esse traço não encontra respaldo em outros
movimentos, que, na maioria das vezes, costumam adotar uma retórica anti-
-imperialista e, inclusive, anti-americanista.
 
2) Natureza satírica e o humor agressivo contra adversários e minorias sociais 

Não é novidade que o ambiente digital é propício para a circulação de


conteúdos de humor, particularmente aqueles gerados por usuários, e que, em
circulação nas mídias sociais, podem alcançar ampla disseminação. Tais práti-
cas de produção, compartilhamento e circulação de mensagens satíricas e pro-
vocativas configura-se como um repertório mobilizado por diferentes grupos
de ativistas e tornou-se uma marca das chamadas novas direitas.
Nagle (2017) sustenta que tanto grupos radicais de esquerda quanto
de extrema-direita, como a alt-right, se notabilizaram pelo uso de repertó-
rios transgressores; por outro lado, admite que os grupos que se propõem a
lutar por direitos se veem em um dilema por empregar ações transgressoras
e acabam sendo alvo de questionamentos do próprio campo no qual se in-
serem. Assim, esse tipo de efeito abre caminho para que grupos reacionários
acionem o mesmo repertório com menos constrangimentos (Chagas, 2020).
Resumidamente, no campo conservador, há menos limites e circunscrições e
mais propensão a um discurso cínico (Safatle, 2008) e antagonístico, que
resulta no uso do escárnio como estratégia de ação e em um humor que faz um
uso agressivo da falta de decoro e do “choque” para anular o outro (Rocha &
Medeiros, 2021; Tuters & Hagen, 2020). O papel da sátira na construção
de enquadramentos sobre o cenário político, ressaltando o papel do entreteni-
mento e programas de talk-show (Baym, 2008; Caufield, 2008), bem como
da crítica populista com reforço a estereótipos raciais, de gênero e orientação
sexual, amplamente utilizada por grupos reacionários (Billig, 2001; Weaver,
2011) tem sido discutido na literatura. É uma estratégia de apelo ao público

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conservador com conteúdos supostamente divertidos, mas que negam o direito
de outras identidades.
Lobanov (2019) chama a atenção para como Lega Nord, CasaPound e
Forza Nuova, na Itália, utilizam um humor que alterna ódio e carnavalização.
A ironia contida nos tweets de integrantes e militantes dessas organizações
evocam certo sentimento de asco (ou “desgosto”) em relação aos alvos a que
estão direcionados e objetiva desmerecer ou afastar os sujeitos a que se referem.
Na Suécia, como ressalta Ekman (2014), conteúdos de humor são encontrados
com frequência em materiais audiovisuais em canais de YouTube da extrema
direita, objetivando zombar e ridicularizar oponentes.
Uma leitura parecida tem Santos (2018) a respeito de como, no Brasil, o
MBL caracteriza a ex-presidente Dilma Rousseff a partir de imagens porno-
gráficas. Articuladores da hashtag #QueremosDilmaNaPlayboy se propunham
a causar uma impressão repugnante ou repulsiva que mobilizasse públicos mi-
sóginos em torno do (então ainda não instaurado) processo de impeachment. É
importante notar que a repulsa é também um modo de ação para grupos trolls
como os que analisa Phillips (2015; 2011a; 2011b). Alguns desses grupos se
dedicavam a xingar e reprimir usuários que comentavam em páginas memo-
riais no Facebook (isto é, perfis de pessoas falecidas), vítimas de massacres ou
casos de repercussão midiática, com provocações e piadas. 
Phillips e Milner (2017) definem o uso da sátira como ambivalente. Os
autores argumentam que o enquadramento lúdico (play frame) está associa-
do a uma certa perspectiva democrática agonística assumida por esses grupos.
Comportamentos como o flaming (interação hostil entre usuários da internet),
o trolling (provocação) ou o shitposting (interação agressiva camuflada de pia-
da) são, desse modo, práticas que incutem um certo dilema aos sujeitos a que se
destinam: deve-se antagonizar os antagonistas? Deve-se expor os linchadores a
um linchamento? Ou é preciso cuidar para não alimentar os trolls?
Sabe-se que, quando empregado de modo a borrar ou tensionar as
fronteiras entre o que é socialmente aceitável ou não, o humor reflete e si-
multaneamente subverte aspectos de tabus sociais, como reconheceu, em seus
estudos sobre a piada, o psicanalista Sigmund Freud (2017[1905]). Contudo,
usado para reforçar cinicamente estereótipos dominantes, o humor pode ser
uma forte arma nas mãos de grupos reacionários (Billig, 2001; Soihet, 2005;
Weaver, 2011; Matamoros-Fernández, 2020). Assim, o deboche e a zom-
baria são construídos como uma estratégia midiática da extrema-direita em
oposição ao “tédio contrarrevolucionário” (Bogerts & Fielitz, 2018). 

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No ambiente digital, esse repertório invariavelmente se materializa na
forma de memes. Se, no contexto chinês, autores como An Xiao Mina (2019)
e Ethan Zuckerman (2020[2013]) apostam nos memes como catalisadores
de mudanças sociais e agentes subversivos, é inegável que usos reacionários de
direita têm igualmente se multiplicado nos últimos anos (Phillips & Milner,
2020; Tuters & Sagen, 2020; Marwick & Lewis, 2019; Santos & Chagas,
2018). Em grande medida, essa linguagem sintética e de rápido consumo
(Denisova, 2019; Davison, 2020[2012]) tornou-se uma estratégia de ação
assumida por grupos de extrema-direita no sentido de testar os limites de suas
declarações.
O uso dos memes como forma de propaganda – e como forma de pro-
paganda de guerra – foi discutido por Rushkoff (1994), e chegou a ser trata-
do como estratégia militar em boletins de inteligência nos Estados Unidos
(Hancock, 2010). Shifman (2014) e Penney (2015) igualmente admitem o
potencial persuasivo desses conteúdos digitais. No contexto das manifestações
do movimento Occupy Wall Street, em 2011, Milner (2016) chega a saudá-los
com entusiasmo como uma expressão de polivocalidade e uma espécie de lín-
gua franca para grupos ativistas. Mas, uma vez incorporados como repertório
ativista de direita, acenam a discursos reacionários e contrarreformistas; além
disso, dado o caráter sintético e erístico de sua mensagem e a ampla circulação
que são capazes de alcançar em pouquíssimo tempo, esses conteúdos favore-
cem estratégias de atuação em ambientes sistêmicos de desinformação, como
discute-se a seguir.
Antes disso, porém, cabe notar que a extrema-direita brasileira, em rela-
ção a suas congêneres, tem incorporado de forma peculiar o humor, com reba-
timento importante na caracterização estética de todo o bolsonarismo, por as-
sim dizer. Isso porque, como sustenta Lunardi (2018), o humor digital tem um
papel importante na constituição de significados sociais e culturais comparti-
lhados, e, no caso brasileiro, aponta para uma ferramenta de protesto político
e de afirmação cultural, que toma como base certa manifestação inicialmente
autodepreciativa. A autodepreciação é uma estratégia discursiva comum para
garantir legitimidade e proporcionar alívio e identificação. Assim, o humor
bolsonarista frequentemente se apresenta visualmente como uma espécie de
paródia excêntrica, improvisada e não sofisticada, típica do discurso populista
e antissistêmico (Mendonça & Caetano, 2020). Embora seja possível en-
contrar elementos estéticos ressonantes em outros contextos, no Brasil, esse
tipo de estratégia se afina com a leitura de que Bolsonaro é um representante

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das camadas populares, absolutamente necessário para contrastar com outras
lideranças do campo progressista, como o próprio ex-presidente Lula.
 
3) Produção e estímulo ao compartilhamento de conteúdos desinformativos 

As plataformas digitais proporcionam transformações na produção, dis-


tribuição e consumo de informação sobre política (Casero-Ripollés, 2018),
especialmente pelos novos atores que compõem um sistema híbrido de comu-
nicação (Chadwick, 2020). Dentre os agentes que se inserem neste contexto,
cita-se grupos e movimentos que produzem e fazem circular seus próprios
conteúdos, inclusive com mais rapidez na distribuição (Alves, 2020). 
Essa profusão de informação circulando deliberadamente no ambiente
digital, embora pudesse ser profícua para a democracia, tem demonstrado o
contrário. Bennet e Livingston (2018) usam os casos do Brexit e das eleições
estadunidenses para ilustrar como campanhas de desinformação foram or-
questradas e prejudicaram a ordem democrática. Entende-se o conceito como
conteúdos “intencionalmente falsos que se espalham como notícias ou forma-
tos de documentários simulados para promover objetivos políticos” (Bennet
& Livingston, 2018), ainda que nem sempre possa seguir esse determinado
modelo atrelado ao jornalismo e ser totalmente falso, mas distorcido ou parcial.
No entanto, interessa para essa discussão a parte da formulação que remete à
intencionalidade dos atores.
Segundo Freelon et al. (2020, p.1), poucos trabalhos comparam direita
e esquerda, mas “as evidências sugerem que o primeiro grupo investe mais em
desinformação e teorias conspiratórias para compor seu repertório ativista”. E,
como os conteúdos condizem com as posições reverberadas pelos movimentos
e partidos, tais subsídios não são questionados; ou seja, grupos like-minded
facilitam que esses materiais sejam redistribuídos. 
Há, ainda, associação da direita com a desqualificação da imprensa tra-
dicional (Bennet & Livingston, 2018), usando contra ela o termo fake news
para depreciar outros subsídios informacionais que circulam no mesmo am-
biente, e gerando o que Chambers (2018) designa por “fake fake news”. Isso foi
visto nos Estados Unidos com os ataques de Donald Trump a diversos meios
de comunicação, e também no Brasil, nos discursos de Jair Bolsonaro. Por ou-
tro lado, viu-se a ampliação de uma rede própria de produção de conteúdos.
Bennet e Livingston (2018, p. 125) usam o termo alt-right media para designar
“sites e plataformas que produzem e distribuem desinformação para avançar
agendas partidárias e desestabilizar oponentes e instituições”. Nesse ponto, é

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importante perceber que no Brasil, embora o WhatsApp tenha sido destaque
no ativismo da direita, funciona correlacionado com essa rede do próprio ati-
vismo de direita brasileiro (Mont’alverne & Mitozo, 2019; Piaia & Alves,
2020). O Jornal da Cidade On-line, o Folha Política e o Terra Brasil são en-
dereços frequentemente compartilhados nos grupos (Massuchin et al., 2021;
Ruediger & Grassi, 2020), com forte apoio a Bolsonaro. O Jornal da Cidade,
investigado na chamada CPI das Fake News, passou por um processo de des-
monetização a partir das ações do Sleeping Giants. Essa mídia que referenda
posicionamentos do ativismo de direita também foi destacada por Padovani
(2016), já que na Itália links compartilhados incluem veículos de direita e ul-
tradireita e conteúdo de blogs ideologicamente posicionados
No espalhamento de conteúdos desinformativos destaca-se também
o YouTube, que hospeda os links compartilhados no WhatsApp. Bursztyn e
Birnbaum (2019) percebem que ativistas de direita estão mais conectados ao
aplicativo, têm maior distribuição geográfica e compartilham mais materiais
multimídias e links do YouTube. Rodrigués-Serrano et al. (2019, p. 1) refor-
çam que a ausência de políticas que regulamentam o conteúdo da plataforma
potencializa as suas funcionalidades porque, além de ser um modelo que faci-
lita o consumo por meio de links, acarreta “maior polarização e radicalização
ideológica”. A análise de canais de partidos europeus de direita indica que os
conteúdos difundem terror e insegurança, havendo poucos vídeos com dados e
evidências verificáveis (Rodrigués-Serrano et al., 2019). 
Considerando que teorias conspiratórias têm ampla circulação por meio
da plataforma de vídeos (Machado et al., 2020) e que discursos políticos da
extrema-direita são frequentemente caracterizados com este tipo de conteúdo
(Ekman, 2014), o YouTube é considerado um espaço importante pelo qual a
desinformação se espalha. Juhász e Szicherle (2017) mostram como o tema
da imigração apareceu em teorias conspiratórias que circularam na Europa,
fortalecendo a bandeira anti-imigração dos partidos de direita.
Essa associação entre desinformação e ativismo de direita se fez pre-
sente em distintos cenários nos últimos anos. Na Espanha, Alvarez-Benavides
e Jiménez-Aguilar (2020) reforçam que fake news e conteúdos exagerados se
tornaram mais significativos no país, tendo como exemplo a suspensão da con-
ta do Twitter do Vox. Na Alemanha, o assassinato de uma jovem alemã, em
2018, ganhou visibilidade com a hashtag #Keira, no Twitter, por ação de mi-
litantes da direita que “relacionavam equivocadamente o fato aos imigrantes,
ou seja, se fazia uma conexão não existente entre refugiados, Islã e violência”
(Darmstadt et al., 2019, p. 159). A desinformação também está relacionada

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com outros elementos, como o discurso de ódio, que ajudam a compor as es-
tratégias da extrema direita (ibid.).
No cenário brasileiro, a desinformação se destacou como elemen-
to central das disputas eleitorais de 2018, principalmente nos grupos de
WhatsApp, que se tornaram eixo do fluxo de informação ao longo da disputa
(Mont’alverne & Mitozo, 2019). Piaia e Alves (2020) mostram o uso de
conteúdo sem qualquer fundamento – como sobre fraude nas urnas – que cir-
cularam na rede bolsonarista do aplicativo de mensagem. E, não menos impor-
tante, Jair Bolsonaro foi o principal beneficiado pela propagação de fake news,
sendo a maioria considerada pró-Bolsonaro (Dourado, 2020). 
Igualmente importante ressaltar é o fato de que os circuitos de disse-
minação de desinformação da extrema-direita brasileira foram intensamente
beneficiados por aspectos da realidade social e econômica do país. A concen-
tração da propriedade dos meios de comunicação tradicionais em grandes oli-
gopólios, por exemplo, sempre representou um enorme desafio para o acesso à
informação no Brasil. Some-se a isso o fato de que, nos últimos anos, a expan-
são da rede de telefonia e políticas de acesso patrocinado a determinados sites
e serviços, como aplicativos de mensageria privada, expandiram grandemente
a rede de usuários dessas plataformas e constituíram uma espécie de ativo dis-
putado por grupos políticos os mais diversos.
Em 2018, o Brasil já contava com uma base de mais de 120 milhões
de contas ativas no WhatsApp, um ambiente munido de criptografia de pon-
ta-a-ponta, que, portanto, dificulta consideravelmente o monitoramento e a
contenção da difusão de conteúdos que desinformam. Desse modo, as carac-
terísticas das plataformas, associadas à dificuldade de acesso à informação no
país e à diminuição da confiança nos meios tradicionais tornam a estratégia da
desinformação ainda mais preocupante ao ser acionada. Destaca-se, por fim,
que essa disseminação de desinformação está ligada às práticas automatizadas
no ambiente digital (Bradshaw & Howard, 2017),
 
4) Ações coordenadas, prática de astroturfing e opinião pública conectada 

É comum que os grupos de direita atuem de modo coordenado, gerando


impressão de consenso a partir de uma combinação do uso de táticas de as-
troturfing (Howard, 2003; Silva, 2015) e de inspiração na leitura de Noelle-
Neumann (1974) sobre os efeitos da espiral do silêncio. Desse modo, a disputa
por arenas midiáticas, como os trending topics do Twitter ou a formação de

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espaços de ressonância no WhatsApp encaixam-se como uma luva no modus
operandi desses atores.
A atuação da alt-right levanta discussões sobre suas formas de orga-
nização com forte presença online atrelada às práticas computadorizadas de
comunicação política (Woolley & Howard, 2018). Ainda que tais ações não
devam ser associadas somente às organizações desse espectro ideológico, elas
se sobressaem em diversos países (ibid.). 
Para ganhar capilaridade, grupos ativistas podem agir de forma orgâni-
ca, inorgânica ou mista, sendo que as estratégias apontadas aqui dizem respeito
ao segundo grupo. Nesse sentido, a disputa pelos trending topics do Twitter, o
amplo fluxo de informações favoráveis a um candidato (ou decisão política)
no Facebook e o envio massificado de conteúdo por aplicativo de mensagens
podem não ser, necessariamente, ação dos próprios militantes. Práticas para
criar uma opinião pública conectada e consensual em torno de um determi-
nado tema, mas que não ocorrem com organicidade, são denominadas como
astroturfing; no ambiente online, denomina-se astroturfing digital (Woolley &
Howard, 2018) ou cyberturfing (Leiser, 2016). 
Para Woolley e Howard (2018, p. 10), trata-se de uma “campanha estra-
tégica que pode ser usada para criar uma imagem de consenso público (onde
não há) ou dar uma falsa impressão de popularidade”. É uma prática atrelada
às relações públicas, mas Silva (2015) reforça que no caso do astroturfing po-
lítico trata-se de um tipo de propaganda para interferir em decisões políticas.
Na internet, o anonimato cria um espaço propício (Silva, 2015) para as cyber
troops (Bradshaw & Howard, 2017).
Para Leiser (2016), a estratégia fomenta a percepção dos cidadãos de
que se trata de um ativismo com ampla participação da opinião pública, o que,
de fato, não ocorre porque há algum agente nos bastidores: partido, movimen-
to ou grupo organizado. Cria-se uma “falsa impressão de que a campanha é
desenvolvida de forma orgânica” (Leiser, 2016), sendo que o receptor não sabe
quem a orquestra e muito menos que é orquestrada. 
Sobre práticas computacionais nos Estados Unidos, Woolley e Guilbealt
(2018) reforçam que robôs são usados para criar a sensação de cidadãos conec-
tados em torno de determinado tema. Isso ocorre quando um perfil publica um
conteúdo que é altamente compartilhado por outros seguidores. No entanto,
pode haver diversos perfis falsos com um único post publicado e dissemina-
ção de mensagens em massa (Cordova et al., 2017). Freelon (2020) reforça
também que há manipulação dos algoritmos para aumentar a atenção para
determinadas mensagens. Ramos (2019), a partir do acompanhamento dos

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fluxos de hashtags políticas, destaca nuances da militância ideológica pró-bol-
sonaro no Brasil, com possível prática de ação coordenada previamente, porque
ganham proeminência de maneira acelerada. 
Nos Estados Unidos, embora o episódio popularmente conhecido como
Pizzagate, com acusações infundadas contra Hillary Clinton, englobe também
elementos de conspiração, conforme Woolley e Guilbealt (2018), a campanha
automatizada no ambiente digital foi capaz de colocar a então candidata de-
mocrata no centro de uma “controvérsia fabricada”, característica de ações de
propaganda computacional. Já na Alemanha, Neudert (2018) revela que o trá-
fego de informação, monitorado a partir de hashtags nas últimas eleições gerais
do país, teve conteúdo gerado por automatização com maior ênfase no caso
do AfD, em que 15% dos tweets foram enquadrados dessa forma. Woolley e
Howard (2018) reforçam que uma porção significativa de tweets são artificial-
mente impulsionados e publicados por contas associadas à direita, na Polônia.
Howard e Kollanyi (2016) ressaltam que crises políticas também são
momentos oportunos para a proliferação de bots políticos, como no caso do re-
ferendo da permanência da Inglaterra na União Europeia. A análise encontrou
que robôs tiveram um papel estratégico, com hashtags impulsionadas favoráveis
ao Brexit. Além disso, “1% das contas geraram quase um terço das mensagens”
(Howard & Kollanyi, 2016, p. 5).
Esses exemplos indicam que os bots tendem a ser mais encontrados no
Twitter (Howard & Kollanyi, 2016), mas ações não humanas podem se fazer
presentes em diferentes plataformas. Assim, a automatização da comunicação
política pode estar atrelada ao disparo de mensagens pelo WhatsApp no caso
do Brasil (Machado & Konopacki, 2018), sendo que os achados de Piaia e
Alves (2020) reiteram a concentração de mensagens em determinados agentes.
Destaca-se, no entanto, que em 2014 já houve uso de contas automatizadas,
com maior associação a Aécio Neves (Ruediger, 2017). 
A atuação computadorizada tem a mediação de organizações respon-
sáveis pelo serviço de espalhamento das mensagens. Keller et al. (2019) mos-
tram que, na Coreia do Sul, os perfis retuitados pelas contas de uma agência
que presta este tipo de serviço são majoritariamente de líderes de opinião da
direita. As contas mais populares são de um canal de notícias conservador, de
ativistas e blogueiros de direita. 
O processo de automatização, seja em prol de uma eleição, tema de polí-
tica pública ou crise política, pode se dar por distintos processos: robôs que pu-
blicam postagens indiscriminadamente, contas que misturam ações humanas
e não humanas ou disparos de mensagens articulados por agentes humanos.

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Há casos, ainda, de contas que são pseudônimos, com características de uma
pessoa real. É diferente, por exemplo, dos perfis sem identificação, sem enga-
jamento ou quaisquer seguidores. Um exemplo é da conta de Amy Mek, que
possuía identidade verificável e teve grande visibilidade nos EUA, com atuação
islamofóbica, xenofóbica e de discurso de ódio, além de fazer campanha pró-
-Trump (Freidenberg, 2019). 
Heiss e Matthes (2019) corroboram para entender o impacto dessas
ações, já que encontraram relação entre atitudes racistas e xenofóbicas em ci-
dadãos alemães e austríacos com mais exposição a conteúdos da direita radical
no Facebook. Ao enfatizar tais discursos e não outros, há chances desiguais de
angariar apoiadores em possíveis disputas eleitorais e na tomada de decisão
sobre temas de interesse público, o que reforça as desigualdades geradas pela
automatização. Leiser (2016) reitera a necessidade de regulamentação, uma
vez que campanhas de astroturfing levam os cidadãos a tomarem decisão com
base em informações incompletas, distorcidas e falsas. 
Embora seja comum, contudo, resumir a vitória eleitoral de Bolsonaro
em 2018 a um conjunto de fatores similares aos que levaram Trump à Casa
Branca em 2016 nos Estados Unidos, é importante destacarmos diferenças
entre esses casos. No contexto brasileiro, a publicidade microssegmentada e o
impulsionamento de conteúdos em mídias sociais como Twitter e Facebook
não foram o foco da campanha digital bolsonarista. Por sua vez, como men-
cionamos na seção anterior, o WhatsApp representou um dos principais terri-
tórios de conflagração. Como lembra Chadwick (2013), no entanto, um olhar
sobre a condição híbrida desses sistemas de comunicação permite enxergar
que os meios de comunicação tradicionais, notadamente por meio de progra-
mas populares de auditório, como Raul Gil, Ratinho, CQC, Pânico na TV, e
Superpop, também deram palco para Bolsonaro durante muitos anos e sem
dúvida permitiram não apenas constituir um imaginário folclórico em torno
do então candidato, mas também ajudaram a produzir insumo para grupos
ativistas de direita anos depois.
 
Problemas éticos e metodológicos das pesquisas 

As estratégias de ação assumidas por grupos ativistas de direita no


ambiente digital requerem novas habilidades dos pesquisadores. São ques-
tões éticas e metodológicas que se desdobram a partir dos eixos discutidos
acima. Durante muito tempo, a pesquisa acadêmica concentrou-se em in-
vestigar os comportamentos de movimentos sociais e grupos que lutam por

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reconhecimento. Estudos como os de Castells (2009) ajudaram a pavimentar
terreno para uma leitura em que as mídias sociais permitiriam aos grupos mar-
ginalizados visibilidade para suas pautas junto à esfera pública. Essa perspecti-
va, contudo, alienou os pesquisadores concernidos com a emergência de grupos
articulados de caráter reacionário (Alves, 2020).
A ascensão de governos de direita e de extrema-direita em diversos paí-
ses – a exemplo de Donald J. Trump nos Estados Unidos, Matteo Salvini na
Itália, Mateusz Morawiecki na Polônia, Viktor Órban na Hungria, Volodymyr
Zelenskyi na Ucrânia, Rodrigo Duterte nas Filipinas, e, claro, Jair Bolsonaro
no Brasil, entre muitos outros – chamou a atenção para o fenômeno. Em vá-
rios desses casos, essa onda conservadora foi antecedida por manifestações de
massa e pela institucionalização de movimentos que ajudaram a fomentar um
clima de oposição a governos progressistas (Montevechi, 2021; Davis &
Straubhaar, 2020; Evangelista & Bruno, 2019). 
As mídias sociais ocuparam papel privilegiado para organizar manifes-
tações e protestos online (Valenzuela, 2014), mas os usos dessas platafor-
mas por grupos reacionários apresentam significativas diferenças do modelo
observado anteriormente. Assim, o modo como esses ambientes vêm sendo
estudados deve ser repensado, e há um conjunto de desafios metodológicos
experimentados e discutidos em recentes investigações.
De início, destaca-se o fato de esses grupos frequentemente acionarem
uma crítica ao ambiente acadêmico e universitário (conforme também é ressal-
tado no capítulo escrito por José Szwako e Rafael Souza neste livro), caracte-
rizando-o como espaço contaminado por ideias “esquerdistas” (Hofstadter,
1963; 1996). Some-se a isso o negacionismo assumido por parte das novas
direitas (Massuchin et al., 2021) e tem-se aí os ingredientes para um campo
notoriamente hostil aos pesquisadores. 
Rocha (2019) chama atenção para a necessidade de desenvolver um pro-
cesso de escuta dos sujeitos pesquisados, e baseou-se em uma abordagem etno-
gráfica, com entrevistas com lideranças conservadoras e pesquisa documental
em arquivos de organizações que se apresentam como think tanks ultraliberais.
Solano (2018) também desenvolve etnografia junto a públicos de direita para
compreender as alianças entre os grupos que compõem esses contrapúblicos
digitais e compreender as racionalidades mobilizadas pelos apoiadores de
Bolsonaro. Rocha e Solano (2020) desenvolvem, ainda, pesquisa conjunta em
que entrevistam bolsonaristas.
Outra abordagem comum a alguns trabalhos é a observação não parti-
cipante (Cesarino, 2020). Nesse caso, ambientes de conversação online são

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monitorados por pesquisadores com o objetivo de compreender como se com-
põem suas identidades. Alguns utilizam-se do método de pesquisa encoberta
para acessar esses ambientes e mantê-los sob observação (Chagas et al., 2019a;
Piaia & Alves, 2020). A ausência de consentimento por parte dos sujeitos
pesquisados justifica-se, em grande medida, pela dificuldade em acessar esses
ambientes e mesmo em recolher termos de consentimento livre e esclarecido
de cada um dos usuários, uma vez que o fluxo de entrada e abandono nos espa-
ços de discussão é muito intenso. Este tipo de método está previsto e respalda-
do pela resolução nº 510 do Conselho Nacional de Saúde e tem garantido que
os pesquisadores observem tais ambientes com maior sistematicidade. Chagas
et al. (2019), por exemplo, identificaram múltiplas nuances da rede bolsonarista
no WhatsApp, um circuito em que confluem grupos ultraliberais, militaristas,
negacionistas, religiosos neopentecostais e outros. Há também pesquisas como
as de Santos (2019) e Pasquetto et al. (2020), focadas no aspecto da dissemi-
nação da desinformação em grupos de WhatsApp, canais do YouTube e outras
plataformas. 
Nas investigações cujo foco recai nas interações entre os sujeitos, é co-
mum que outro problema se imponha: o dilema concernente ao tratamento e
manipulação de dados de natureza privada. Pesquisadores têm sido extrema-
mente cautelosos na utilização desses tipos de dados, desde antes da promul-
gação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), no Brasil.
Na maior parte dos trabalhos, nota-se uma opção pelo uso de dados em escala
agregada (Santos et al., 2019), e os bancos são descritos como anonimizados
(Barbosa & Milan, 2019). Esse tipo de procedimento é não apenas uma res-
posta ética aos questionamentos à pesquisa de caráter científico por parte dos
grupos de direita, mas também um modelo que preserva o próprio pesquisador
de eventuais ataques a ele direcionados.
Questões metodológicas estão presentes também no que concerne ao
modo como são avaliadas as ações no ambiente digital. Há uma dificuldade
pungente em distinguir ações espontâneas de ações coordenadas. Um corpo
de trabalhos acerca dos usos e apropriações da propaganda computacional tem
ganhado evidência nos últimos anos (Woolley & Howard, 2018); entretanto,
são inúmeros os desafios para uma classificação adequada que permita dife-
renciar comportamentos humanos de maquínicos, inclusive porque várias das
ações performadas por grupos de direita estimulam os apoiadores a replicarem
mensagens ou ações específicas, o que borra as fronteiras entre usuários co-
muns e bots (Howard et al., 2018; q, 2016; Arnaudo, 2017).

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Mesmo com abordagens estatísticas, a ambivalência contida em muitas
das mensagens de teor satírico e provocativo, que despertam duplo sentido e
interpretações diversas (para não falar no uso de jargões e metáforas), comple-
xifica leituras planas e imediatistas. Nesse sentido, uma dose de etnometodo-
logia é bem-vinda para explorar o ativismo digital de direita (Rocha, 2019);
e, tanto quanto possível, uma abordagem multimétodos pode beneficiar a pes-
quisa a respeito desses grupos.
Por fim, é preciso atentar para o fato de que as diferentes arenas midiáti-
cas funcionam muitas vezes como um único ecossistema integrado. À moda do
que chama a atenção Chadwick (2013), as mídias sociais são utilizadas por gru-
pos ativistas de modo associado e complementar. Dessa forma, vídeos de you-
tubers de direita circulam em grupos bolsonaristas no WhatsApp. Mensagens
no Twitter são capturadas (“printadas”) e apresentadas no Instagram. Há mo-
delos de ação que se caracterizam pelo aspecto multiplataforma, sendo possível
identificar chamados à ação em grupos no WhatsApp (Chagas et al., 2019b),
para que usuários repliquem posts no Twitter com uma determinada hashtag
ou para que votem em enquetes ou dêem seu “like” ou “dislike” em vídeos do
YouTube. Esses exemplos enfatizam que as pesquisas devem ampliar o escopo
de sua lente analítica e considerar que se trata de uma rede articulada em tor-
no de múltiplas plataformas, não apenas concentrada em único ambiente ou
usuário (Benkler et al., 2018; q, 2016).
É fundamental considerar que a virada epistemológica recente, que tem
levado um conjunto de pesquisadores a investir nesse campo, tem produzido
avanços significativos. Uma série de limitações às investigações, porém, é alheia
aos esforços dos próprios investigadores. Algumas dizem respeito ao modo
como os dados digitais são fornecidos pelas próprias plataformas. O acesso a
esses dados geralmente é mediado por protocolos desenvolvidos pelas próprias
empresas de tecnologia da informação, chamados de interface de programação
de aplicativos (APIs). No entanto, escândalos recentes de vazamentos e de uso
político de dados privados levaram a revisões nesses procedimentos, levantan-
do o alerta para as restrições que as empresas impuseram à pesquisa acadêmica
(Bruns, 2019). Por último, é importante refletir sobre a qualidade dos dados
fornecidos por essas APIs, já que são, em geral, amostras geradas a partir de
parâmetros nem sempre claros ao pesquisador (Crawford et al., 2014).
 

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Considerações finais 

O ativismo digital de direita é uma tendência emergente em diferentes


regiões do mundo, e tem ocupado espaço particularmente relevante no cenário
nacional. Há, no entanto, um conjunto de questões que esse tipo de prática
suscita, e sobre as quais os pesquisadores do campo da participação devem
procurar refletir a respeito. Muitas delas demandam algumas desnaturalizações
epistemológicas historicamente constituídas.
Em primeiro lugar, a emergência de um ativismo digital de direita evi-
dencia que o campo foi, durante muito tempo, negligenciado pelos estudiosos
que procuravam compreender os fenômenos relacionados ao ambiente digital.
Deve-se, ainda, reconhecer que nem toda forma de participação luta por di-
reitos – e essa é uma das grandes lições amargamente experimentadas nos úl-
timos anos. A participação pode se incumbir de agendas reacionárias, iliberais
e conservadoras, a despeito da leitura otimista e das expectativas geradas em
torno dela. 
Em segundo lugar, sendo possível um ativismo digital de direita, é ur-
gente discutir a fundo questões concernentes aos controles democráticos, e,
em última instância, mecanismos regulatórios que responsabilizem não apenas
os grupos, mas também as plataformas que não os coíbem. Recentemente, um
conjunto de debates tem ganhado repercussão em torno da deplataformiza-
ção de autoridades políticas, como o ex-presidente norte-americano Donald
Trump (Rogers, 2020). As discussões sobre um arranjo legal a respeito do
abuso da liberdade de expressão associado a crimes de ódio e desinformação
seguem tímidas, e poucos são os avanços acrescidos por parte das plataformas.
Por último, essa recente virada nos estudos sobre ativismo digital coloca
em xeque boa parte das perspectivas do início do século XXI, segundo as quais
a internet se constituiria como uma espécie de tábua de salvação da democracia
participativa. Por outro lado, tem sido comum um certo retorno às aborda-
gens que parecem privilegiar os efeitos das mensagens circuladas no âmbito
das mídias sociais sobre a experiência de recepção das audiências, a exemplo
dos debates suscitados em torno de documentários como “O Dilema Social”
(Netflix, 2020), que cobrem questões como o escândalo da Cambridge
Analytica e estimulam certa demonização, tendo como alvo as chamadas Big
Techs. Trata-se de um retrocesso teórico que traz poucas contribuições ao deba-
te efetivo, favorecendo uma apreensão, já superada há muito tempo, de que não
há via de participação possível, pois todo o ambiente midiático é um instru-
mento de dominação que serve às elites capitalistas. Essa leitura dicotômica do

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fenômeno, comum aos estudos sobre o ativismo digital (como abordam Marisa
von Bülow, Danniel Gobbi e Tayrine Dias em capítulo neste mesmo volume),
marca profundamente o campo.
Como sugerem os colegas, em vez de nos posicionarmos de um ou de
outro lado da contenda, situamo-nos para além dos binarismos. Nesse sentido,
reconhecer a emergência desses novos ativismos a partir de um olhar transna-
cional, apoiado em uma caracterização a partir de alguns de seus pilares funda-
mentais, como fizemos ao longo deste capítulo, nos auxilia a perceber que, de
um lado, esse fenômeno não é uma dinâmica isolada do Brasil, mas, de outro,
que há distinções importantes entre os contextos. Isso se explica por conta
das conjunturas específicas ao mesmo tempo em que há eixos comuns, que se
apresentam de forma relativamente estável entre as mais distintas experiências
de grupos ativistas de direita em várias regiões do mundo. 
Essas características gerais podem sofrer variações a depender do cená-
rio em que se apresentam; entretanto, a construção estratégica de uma iden-
tidade a partir da rejeição de outras, o uso da sátira e do humor provocativo, a
circulação de desinformação e a disputa do espaço digital por meio de ações
coordenadas são pilares que nos ajudam a reconhecer o protagonismo que tem
assumido o ativismo digital de direita nos últimos anos e a adesão de determi-
nadas parcelas da população a essas ações. 
Superado, portanto, o debate sobre se o ambiente digital se constitui ou
não como um espaço democrático, que fomenta a participação, e, sem ocupar
lugar em nenhum dos dois extremos – nem enxergando na mídia digital como
uma saída definitiva para a luta por direitos, nem uma inimiga das classes po-
pulares –, espera-se que a pesquisa sobre os repertórios e estratégias de ação
dos ativistas digitais de direita permita compreender que letramento midiático
e letramento político precisam caminhar juntos, para que mensagens de cará-
ter antidemocrático sejam mais rapidamente contidas em sua disseminação.

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9. Despublicização nas políticas educacionais:
o projeto político do movimento Escola sem Partido em
Belo Horizonte

Cláudia Feres Faria


Marcos Paulo Dias Leite Resende1

Introdução

Diversos estudos têm apresentado os impactos da convergência entre as


racionalidades neoliberal e neoconservadora2 sobre as políticas públicas e sobre
as práticas políticas contemporâneas (Cooper, 2017; Brown, 2019; Biroli
et al., 2020; Chaloub, 2021). Dentre outros aspectos, seus achados revelam
como a esfera pública tem sido tensionada por atores coletivos com projetos
políticos que buscam garantir padrões tradicionais e autoritários de compor-
tamento, especialmente aqueles relacionados a uma noção específica de famí-
lia3.
A política de Educação encontra-se no centro desse debate, pois o pro-
cesso educacional é, fundamentalmente, direcionado para a formação cultural
e identitária dos indivíduos, com uma estreita relação entre a escola e a família,
tornando-se, por isso, locus propício para os embates entre as esferas privada
e pública. No Brasil, o movimento Escola sem Partido (ESP) tem se despon-
tado como um dos principais atores que atuam sobre a política educacional
em defesa dos princípios aludidos, cuja convergência está na base daquilo que
Resende (2021) denomina de “despublicização”.
Para entender o projeto defendido e as práticas para viabilizá-lo insti-
tucionalmente, este capítulo analisará 1) o debate em torno da aprovação, em

1  Este capítulo se beneficiou muito dos comentários feitos à sua primeira versão pelas orga-
nizadoras e organizadores deste livro. Agradecemos a todas e todos e assumimos a responsabi-
lidade pelo resultado.
2  Segundo Almeida (2018), o conceito de neoconservadorismo seria uma versão mais recente
do conservadorismo clássico, incorporando aos ideais de preservação da sociedade tradicional a
contrarreação ao Estado de Bem-Estar Social.
3  Estamos nos valendo da definição de projeto político oferecida por Dagnino, Olvera e
Panfichi (2006), a saber: conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo que orientam a
ação dos atores sociais e políticos em disputa.

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primeiro turno, do PL 274/2017 – que personifica as propostas do ESP – na
Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e 2) a rede de atores que deu
forma a esse debate, buscando, assim, identificar atores, interesses e ideias ali
manifestadas.
A apresentação deste estudo de caso sobre o debate em torno da propos-
ta do ESP na CMBH revela sua importância se levarmos em conta que 1) Belo
Horizonte foi a primeira capital a aprovar um Projeto de Lei cujo conteúdo
representa as ideias do ESP; 2) o nível municipal constitui o ente da federação
em que as políticas públicas de Educação Básica – centrais para as discussões
mobilizadas pelo ESP sobre a educação infanto-juvenil – são implementadas,
dada a divisão de responsabilidades típicas do modelo federalista brasileiro; e
3) revela a estratégia utilizada pelos apoiadores do ESP de nacionalizar sua
agenda por meio da descentralização institucional do debate para os demais
níveis subnacionais.
Para realizar os objetivos propostos – analisar o conteúdo normativo dos
documentos tramitados, as discussões realizadas ao longo do percurso do PL
274/2017 até sua aprovação em primeiro turno, bem como os atores que os de-
fenderam – utilizamos diferentes técnicas de pesquisa. A análise documental
envolveu 1) os documentos tramitados, avaliando quem são os parlamentares
que os defendem e as justificativas apresentadas, e 2) as notícias veiculadas no
portal da CMBH e em noticiários locais sobre o PL 274/2017, que aportam
informações ao processo e ajudam qualificar os debates realizados ao longo
de sua tramitação. Conduzimos e analisamos seis entrevistas, três delas com
lideranças parlamentares a favor da proposta do ESP na CMBH, uma com
liderança parlamentar contra e duas com os integrantes do movimento, inclu-
sive com seu fundador, Miguel Nagib4. Utilizamos, por fim, a análise de rede
social (ARS) para investigar, na arena virtual, a atuação dos atores a favor e
contra o ESP.
A primeira seção deste capítulo será dedicada a apresentar as reflexões
teóricas sobre a despublicização das políticas públicas decorrente da conver-
gência entre os ideais neoliberais e conservadores. Compreendendo o movi-
mento Escola sem Partido como um ator representativo desse projeto político,
apresentaremos na segunda seção o contexto no qual a sua agenda se dissemi-
nou pelo país, discutindo sua inserção nos debates em arenas institucionais e
extrainstitucionais. Na terceira seção, apresentaremos os aspectos relevantes do
trâmite do Projeto de Lei na CMBH a fim de compreender as justificativas
apresentadas pelos seus apoiadores institucionais. A quarta seção do capítulo

4  As entrevistas foram realizadas entre outubro e novembro de 2019.

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será dedicada à Análise de Redes Sociais (online). Por meio de uma rede extraí-
da do Twitter dois dias após a aprovação do PL no município (16/10/2019) e
de dados fornecidos pelo Twitonomy, analisamos a atuação dos apoiadores do
movimento nessa outra arena, a virtual5. Cientes do limite do uso dessas técni-
cas de pesquisa, procuramos extrair da observação de campo realizada durante
o I Seminário Mineiro do Escola sem Partido, ocorrido no dia 26 de outubro
de 2019 em Belo Horizonte, bem como das entrevistas mencionadas, os pon-
tos de vista que reforçam as posições dos atores envolvidos nessas arenas. Nas
considerações finais, relacionaremos o conceito de “despublicização” proposto
(Resende, 2021) à agenda dos apoiadores do ESP para explicar a motivação
maior de suas ações e daqueles que se identificam com as bandeiras neocon-
servadoras sobre a Educação.

O projeto político do movimento Escola sem Partido: despublicização das


políticas públicas

Melinda Cooper, em seu livro, Family Values: Between Neoliberalism and


the New Social Conservatism (2017) mostra como se configuram o discurso e
o projeto conformado por (neo)conservadores e (neo)liberais. De acordo com
sua discussão, os neoconservadores criticam as políticas de bem-estar social
por verem nelas uma ameaça à estrutura primária da vida social, a família tra-
dicional. Tais políticas devem ser condenadas, uma vez que desorganizam a
estrutura familiar ao transferirem para o setor público o dever do cuidado,
promovendo, assim, o declínio dos laços de reciprocidade mantidos pela or-
ganização familiar. Os neoliberais, defensores da sociedade de oportunidades,
subscrevem essa tese, já que a manutenção desse arranjo desonera o Estado da
sua função de proteção social.
As consequências dessa convergência programática são, segundo Brown
(2019), a desinstitucionalização de políticas públicas abrangentes e o rompi-
mento com a noção do “público” e do “político” em prol de uma reestruturação
social baseada na responsabilização privada contida na esfera familiar tradicio-
nal e em seus correspondentes valores antipolíticos.
Esse projeto requer, ainda, além da reconfiguração do Estado, limitar
o político via tentativas de restringir o debate sobre políticas de interesse pú-
blico, de desqualificar o discurso sobre justiça social e de expandir a esfera
pessoal (Brown, 2019). Para a autora, essa é a receita para a preservação de
uma estrutura social balizada por “normas e formas familiares tradicionais que

5  Para tal foram utilizados os softwares R e Gephi.

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reproduzem e legitimam poderes e ordenações históricos de classe, parentes-
co, raça e gênero”. Enquanto a privatização econômica neoliberal subverte a
democracia pela legitimação da desigualdade, a privatização familiar e a fé
subvertem a democracia por meio de valores antidemocráticos. Ao Estado
cabe, nessa nova ordenação, a proteção dos valores tradicionais, assim como
o sistema jurídico, que perde qualquer verniz de imparcialidade e passa a ser
mobilizado para defender essa moralidade por meio da qual se julgarão as
disputas públicas em torno da definição do que é justo, outrora disputado nas
esferas públicas. O projeto político em curso busca, assim, reduzir o espaço
público, homogeneizar a vida cultural e social, criminalizar as ações de parte da
sociedade civil e impor uma concepção particular da identidade nacional sobre
as instituições políticas e civis.
Habermas (2015 [1985]), ao analisar a crítica dos republicanos de di-
reita e neoconservadores sobre os modelos de Estado de Bem-Estar Social
desenvolvidos em países como Estados Unidos e Alemanha dos anos 70,
mostra-nos, como fazem igualmente Brown (2019) e Cooper (2017), a in-
versão, pelos críticos, entre causa e efeito. Em vez de responderem aos limites
do processo crescente de monetarização, desregulamentação e burocratização
da vida social decorrente da forma de condução das políticas econômicas e
sociais à época, o alvo da crítica passou a ser a emergência de uma cultura
supostamente subversiva, contrária às disposições produtivas e à obediência.
Ao “hedonismo sem limite” provocado pela disseminação de novos valores e
políticas, os republicanos de direita e neoconservadores defendiam o cultivo de
uma nova consciência, “obscura”, calcada em padrões tradicionais e autoritá-
rios de comportamento. Naquela época, a revalorização do discurso religioso
constituía, segundo o autor, estratégia previsível, uma vez que funcionava como
mecanismo de integração social que dispensava qualquer justificação pública.
Essa agenda, promovida por meio de campanhas e reformas políticas, atingiu
à época, mas também hoje, a política educacional.
Uma vez que essa política envolve ambos, família e escola, na formação
cultural e identitária de estudantes, incidindo diretamente sobre seus valores
pessoais, a política educacional se constitui como locus primordial das disputas
narradas.
Propomos identificar como “despublicização” as tentativas 1) de repro-
gramar o Estado, retirando-lhe os meios de promover e coordenar um conjun-
to de políticas de Bem-Estar Social, transferindo tais funções para o mercado
e/ou para a família; 2) de impor valores e visões de mundo que buscam assegu-
rar uma moralidade conservadora, posto que restringe o pluralismo de ideias,

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a definição de direitos e o escopo da cidadania; e, por fim, 3) de limitar os
espaços de expressão da diferença e do debate público sobre temas e problemas
acerca dos limites do público e do privado.
As propostas de políticas públicas que têm como característica a despu-
blicização geralmente se baseiam na percepção de que o Estado democrático
é muito permeável ao pluralismo de valores, muitos deles conflitantes com os
valores tradicionais promovidos no âmbito privado. Por isso, conforme salien-
tado, para neoconservadores e neoliberais é funcional que as políticas públicas
se subordinem às diretrizes emanadas desse espaço privado e familiar e/ou
sejam por ele implementadas. Para tal, demandam mudanças de duas ordens:
por um lado, fecham-se os espaços de manifestação da pluralidade de valores,
com repercussões também sobre o processo de debate e formulação das polí-
ticas públicas, colocando o sistema político e os movimentos progressistas em
crescente descrédito; por outro lado, instituem-se opções de políticas que ou
subordinam a política a uma visão específica do privado (aos interesses fami-
liares tradicionais), buscando restringir o debate em torno do seu significado,
ou transferem para a esfera privada funções importantes de proteção social,
anteriormente executadas pelo Estado.
A política educacional tem sido impactada por todos esses aspectos.
Conforme ressaltado por Lacerda (2019), esse avanço sobre as políticas edu-
cacionais ocorre por meio de diferentes propostas. Algumas são do tipo que
promove a transferência da política pública para a esfera privada. Estamos nos
referindo, especialmente, à defesa da educação domiciliar (PL 3179/2012)6; à
oposição a qualquer interferência do governo federal sobre as escolas priva-
das e religiosas, inclusive sobre a segregação racial; e ao incentivo fiscal para
matrícula de crianças em escolas privadas e confessionais (inclusive por meio
de vouchers). Outras propostas estão intimamente ligadas aos ideais de subor-
dinação do público ao privado, tais como: a restauração da “oração voluntá-
ria” nas escolas públicas; a obrigatoriedade do Ensino Religioso nas escolas
públicas (PL 309/2011); a obrigatoriedade de ensino do Criacionismo (PL

6  Lacerda (2019) identifica a tramitação do Requerimento 54/2015 do Deputado Sóstenes


Cavalcante (PSD/RJ), que “propõe debater ações e projetos nacionais para as famílias que
utilizam o sistema alternativo de alfabetização doméstica – homeschooling – em todo o país”.
Entretanto, o Deputado Lincoln Portela (PR/MG), no mesmo cenário de reação neoconserva-
dora contra as escolas, especialmente pós-2011, já havia proposto o PL 3179/2012, que “acres-
centa parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional,
para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica”. Hoje o PL 2401/19
que regulamenta a educação domiciliar no Brasil tramita na Câmara como prioridade do gover-
no federal (Valor Econômico, 2021).

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8099/2014); a oposição à sindicalização de professores da rede pública; e até
mesmo a demissão de professores homossexuais. O ESP, especificamente, traz
como fundamento central a ideia de que as prerrogativas parentais biológicas e
ideológicas devem prevalecer sobre as prerrogativas público-estatais. Com isso,
defende, entre outras coisas, a eliminação de programas, conteúdos e materiais
didáticos relacionados à educação sexual, ao combate à homofobia ou à crítica
aos papéis sexuais tradicionais e/ou que entram em choque com os valores
políticos ou religiosos da família.
As estratégias de ação do ESP são variadas, envolvendo as arenas insti-
tucionais e extrainstitucionais. Para aprofundar nossa compreensão sobre sua
atuação, faremos uma breve recapitulação sobre o seu surgimento e sobre a
disseminação de suas ideias.

Contexto de disseminação da agenda do ESP

Em 2004, o Governo Federal lançou o programa “Brasil sem Homofobia


– Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e
Promoção da Cidadania Homossexual”. Dentre um conjunto de iniciativas
com o objetivo de combater a homofobia e a prática do bullying relacionado
à orientação sexual, especialmente no ambiente escolar, o programa previa a
elaboração de uma cartilha denominada “Escola sem Homofobia”, que seria
distribuída em todo o sistema de ensino. Essa iniciativa tornar-se-ia o estopim
para a eclosão de contrarreações neoconservadoras em diferentes arenas, na so-
ciedade civil, mas também no Congresso Nacional, por meio da articulação de
políticos, religiosos e a opinião pública em torno de uma política de recrudes-
cimento dos ataques às conquistas dos direitos de grupos como LGBTQIA+
e feministas, além de outras bandeiras de perfil progressista, como as ações
de combate às desigualdades sociais e étnicas, por exemplo. No âmbito do
Congresso Nacional, o então deputado Jair Bolsonaro (PP) se referiu à cartilha
como “kit gay”, enquadrando negativamente a proposta e tencionando o deba-
te, que ganhou, assim, maior visibilidade na esfera pública.
A cartilha “Escola sem Homofobia” não chegou a ser impressa, sendo
vetada pela então Presidente Dilma Rousseff. Conforme salientam diferentes
autores (Pereira, 2018; Lacerda, 2019), Dilma, ao suspender a confecção da
cartilha em 2011, acabou por acatar e reproduzir os argumentos da bancada
neoconservadora contra a iniciativa, afirmando que o suposto kit estimularia

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a homossexualidade: “não aceito propaganda de opções sexuais. Não podemos
intervir na vida privada das pessoas” (Estadão, 2011)7.
Diversas reações a essa proposta podem ser catalogadas desde o ano de
2004, mas o debate tornou-se mais evidente a partir de 2011. Nesse período,
nota-se uma escalada da investida neoconservadora no Congresso contra a
Educação, pautando, principalmente, a questão de gênero. Segundo Lacerda
(2019), em 2011, 94 discursos no Plenário da Câmara vincularam a questão
da Educação a esses conteúdos; em 2012, 33; em 2013, 43; em 2014, 34; em
2015, 106 discursos (Lacerda, 2019, p. 72). Em 2013, a ofensiva concen-
trou-se especialmente nas questões relativas ao Plano Nacional de Educação.
Liderada por Jair Bolsonaro, a discussão sobre a “ideologia de gênero” nas es-
colas ganhou volume, levando à vitória dos conservadores numa batalha contra
a inclusão das propostas relativas ao gênero no documento.
Conforme ressaltado em Resende e Faria (2020), a reação foi estimula-
da nas Casas Parlamentares subnacionais8, impactando as discussões sobre os
Planos Estaduais e Municipais de Educação e gerando propostas que visam
proibir os conteúdos relativos à “ideologia de gênero”, “gênero” ou “orientação
sexual” no sistema educacional (PL 2731/2015; PL 3236/2015). Fomentam
também iniciativas que buscam criminalizar quaisquer ações governamentais
que promovam a questão de gênero, especialmente em materiais didáticos
(PL 3235/2015). A Resolução nº 12 do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação de LGBT, que promoveu ações para garantia de condições de
acesso e permanência de travestis e transexuais nos sistemas e instituições de
ensino, foi repudiada por 78 deputados de 18 diferentes partidos na tentativa
de suspendê-la por meio de Decreto Legislativo.
Após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, na presidência de
Michel Temer, esse movimento foi reforçado. Em dezembro de 2017, após
milhares de contribuições de especialistas, a versão final da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) foi alterada unilateralmente pelo novo governo,
sob liderança do Ministro da Educação Mendonça Filho, que retirou todas as
menções relativas à questão de gênero e à sexualidade presentes no documen-
to. Mendonça Filho foi também responsável pela nomeação de defensores do

7  Pereira (2018) e Silva e Pereira (2020) mostram como a correlação de forças em sua base de
apoio explica o posicionamento da Presidente Dilma em relação à política em discussão.
8  Resende e Faria (2020) chamaram atenção para o fato de que as audiências públicas reali-
zadas no Congresso Nacional para debater o PL 7180/2014 (BRASIL, 2014), conhecido como
o PL do Escola sem Partido, estimularam o mesmo debate nas Casas Legislativas estaduais e
municipais.

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Escola sem Partido (ESP) no Ministério; dentre eles, Adolfo Sachsida, ativista
do movimento, nomeado como Assessor Especial.
Essa sequência de fatos mostra que a disputa em torno de uma outra
orientação para a política nacional de Educação estava em curso muito antes
da espetacularização discursiva promovida pela campanha de Jair Bolsonaro
(PSL) à presidência da República. Questões como a “mamadeira de piroca”
e o “kit gay”, mobilizados em sua campanha eleitoral, deram maior evidên-
cia à nova forma de tratar a temática, sem, contudo, propor um novo modelo
educacional. No entanto, é fato que, uma vez empossado em 2018, o novo
governo incentivou ainda mais as pautas ideológicas, especialmente aquelas
contra a questão de gênero, que promovem o anticientificismo9 e o anticomu-
nismo, deslocando-as para o centro dos órgãos decisórios vinculados à política
educacional.
Ricardo Vélez Rodriguéz, antes de assumir como o primeiro Ministro
da Educação do atual governo, publicou a seguinte declaração:

Acontece que a proliferação de leis e regulamentos sufocou, nas últimas


décadas, a vida cidadã, tornando os brasileiros reféns de um sistema de
ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à socie-
dade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideolo-
gia marxista, travestida de “revolução cultural gramsciana”, com toda a
coorte de invenções deletérias em matéria pedagógica como a educação
de gênero, a dialética do “nós contra eles” e uma reescrita da história em
função dos interesses dos denominados “intelectuais orgânicos”, des-
tinada a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que
tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em
soma, do patriotismo (Rodriguéz, 2018).

Os demais Ministros seguiram suas sendas. Abraham Weintraub acu-


sou as Universidades, por diversas vezes, de serem “madraças de doutrinação”,
e chegou a ser condenado por acusá-las de cultivarem maconha e fabricarem
outras drogas. Se não bastasse, decretou medidas para coibir a doutrinação po-
lítica nas escolas e preencheu o Ministério com o que se convencionou chamar
de “ala ideológica do governo”, um grupo inspirado pelas ideias de Olavo de
Carvalho (G1, 2020; Fsp, 2020).
A indicação do atual Ministro, Milton Ribeiro, parece atender os objeti-
vos de uma classe política que tem conseguido cada vez mais impor sua agen-
da: os conservadores cristãos (Dip, 2019; Lacerda, 2019; Biroli; Machado;

9  Para uma análise sobre esse tema, ver nesta coletânea o capítulo de José Szwako e Rafael
Souza.

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Vaggione, 2020). Empossado, o novo ministro nomeou para o posto de coor-
denadora de materiais didáticos do MEC uma crítica contumaz da suposta
doutrinação política e ideológica nas escolas, notadamente dos conteúdos da
BNCC referentes à questão de gênero, às culturas africanas e indígenas e às
questões relacionadas à violação de direitos humanos durante a ditadura mi-
litar. Identificada com o ESP, a nova coordenadora tem apoiado uma série de
medidas advogadas por ele, como a inclusão de conteúdos que traçam compa-
rações entre a teoria de Charles Darwin e o criacionismo (Fsp, 2021).
É neste contexto que o ESP, criado em 2004 pelo Procurador do Estado
de São Paulo em Brasília, Miguel Francisco Urbano Nagib, vai se fazendo re-
presentar em múltiplas arenas. Autodeclarado conservador, o movimento é re-
gido por quatro objetivos centrais, de acordo com seu Estatuto: “I – combater
a instrumentalização do ensino para fins ideológicos, políticos, partidários ou
corporativos; II – defender e promover a liberdade de consciência e de crença
e a liberdade de aprender dos estudantes; III – defender e promover o pluralis-
mo de ideias e o princípio constitucional da neutralidade política, ideológica e
religiosa do Estado no ambiente acadêmico; IV – defender o direito dos pais
dos estudantes sobre a educação moral de seus filhos, nos termos do art. 12, IV,
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.
No caso das arenas parlamentares, os objetivos aludidos constam
nos PLs que são debatidos e votados no Congresso Nacional e nas Casas
Legislativas estaduais e municipais. Por meio de um portal na Internet (www.
escolasempartido.org) e de suas páginas nas redes sociais (Facebook e Twitter)10,
o movimento instrui seus adeptos sobre como combater aquilo que entendem
como prática da “doutrinação ideológica”, ou seja, como combater outras vi-
sões de mundo que educadores possuem e transmitem durante o exercício da
pedagogia.
O Projeto de Lei pioneiro foi o PL 2974/2014 (Rio De Janeiro, 2014)
proposto pelo Deputado Estadual do Rio de Janeiro Flávio Bolsonaro (PSC/
RJ). O debate no nível nacional foi alcançado quando o deputado Izalci Lucas
(PSDB/DF) propôs o Projeto de Lei n.º 867/2015 (Brasil, 2015), seguido
pelo senador Magno Malta (PR/ES), que propôs o PL 193/2016 (Brasil,
2016), buscando inserir o programa do ESP na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Em maio de 2016 entrou em vigor, pela primeira vez, uma
Lei que incorporava os princípios do ESP: a Lei n.o 7.800/2016 (Alagoas,
2016), denominada “Projeto Escola Livre”, de autoria do Deputado Estadual

10  O portal e as páginas nas redes servem como repositórios de documentos, instruções,
denúncias e informações sobre “doutrinação ideológica”.

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alagoano Ricardo Nezinho (PMDB). Em outubro de 2019, Belo Horizonte
tornou-se a primeira capital a aprovar uma Lei com os ideais do movimento:
o PL 274/2017 (CMBH, 2017a).
Apesar da sentença pela inconstitucionalidade da proposta proferida
pelo Supremo Tribunal Federal, em 2020, inúmeros outros projetos com obje-
tivos similares seguem em tramitação no Congresso Nacional, nas Assembleias
Legislativas e nas Câmaras Municipais11. Na próxima seção, discutiremos a
tramitação do PL 274/2017 na Câmara Municipal de Belo Horizonte, tendo
como propósito analisar a natureza do debate e o envolvimento dos atores
nessa arena.

Tramitação do PL 274/2017 na Câmara Municipal de Belo Horizonte

A CMBH tem discutido, desde junho de 2017, o PL 274/2017, que ob-


jetiva instituir o Programa Escola sem Partido no sistema municipal de ensino
da capital. Embora apresente múltipla autoria, a maioria de seus signatários
(Tabela 1) pertence à Frente Cristã, que hoje congrega 65% dos 41 vereado-
res(as) da Casa Legislativa de BH.

Tabela 1: Vereadores(as) autores(as) do PL 274/2017***


Vereador(a) Partido em Partido em Partido em Situação atual
2016* 2019* 2020
Autair Gomes PSC PSC PSD Não se reelegeu
Bim da PSDB PSDB PSD Reeleito
Ambulância
Fernando PSB PSB PSD Reeleito
Luiz
Carlos PMN PMN PTB Não se reelegeu
Henrique
Catatau do PSDC Podemos (PHS) PSD Não se reelegeu
Povo
Eduardo da Podemos Podemos PSC Não se reelegeu
Ambulância (PTN)
Elvis Côrtes PSD Podemos (PHS) PSD Não se reelegeu
Fernando Avante Avante Avante Dep. Federal**
Borja (PtdoB)

11  Graças ao esforço de compilação desses projetos pela professora Fernanda Moura e pelos
integrantes do coletivo Professores contra o Escola Sem Partido, é possível acompanhar essas
informações no seguinte endereço eletrônico: <https://pesquisandooesp.wordpress.com>.

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Flávio dos Podemos Podemos PSC Não se reelegeu
Santos (PTN)
Helinho da Podemos Podemos (PHS) PSD Reeleito
Farmácia (PHS)
Jair Bolsonaro Progressistas Porgressistas PSD Não se reelegeu
Di Gregório (PP) (PP)
Jorge Santos Republicanos Republicanos Republicanos Reeleito
(PRB)
Marilda Republicanos Republicanos Cidadania Reeleita
Portela (PRB)
Nely Aquino PMN PRTB Podemos Reeleita
Osvaldo Podemos Podemos (PHS) PSD Eleito Deputado
Lopes (PHS) Estadual
Pedrão do Cidadania Cidadania Cidadania Não se reelegeu
Depósito (PPS)
Professor PTC PTC PTC Reeleito
Juliano Lopes
Rafael PMDB PRTB PSD Eleito Deputado
Martins Estadual
Reinaldo G. MDB MDB MDB Reeleito
Preto Sacolão (PDMB)
Wellington Podemos DC Sem Partido Mandato cassado
Magalhães (PTN)
Wesley Podemos Patriota (PRP) PROS Reeleito
Autoescola (PHS)
Fonte: elaboração própria a partir do Portal do TSE (divulgacandcontas.tse.jus.br).

* Os partidos entre parênteses foram extintos, mudaram de nome ou se incorporaram a outros


partidos que estão indicados pela sigla que os acompanha.
** Assumiu o cargo de Deputado Federal como suplente em 2019 e concorreu à Prefeitura de
Belo Horizonte em 2020, não sendo eleito.
*** Todos os signatários fazem parte da Bancada Cristã formada na CMBH em 2017.

Seguindo o Regimento Interno da CMBH, o PL 274/2017 começou


seu trâmite pela Comissão de Legislação e Justiça, onde recebeu do relator, o
vereador Irlan Melo (PL/PR na época), parecer favorável quanto à sua consti-
tucionalidade, legalidade e regimentalidade. As justificativas apresentadas no
parecer são semelhantes, se não as mesmas, ao discurso usual dos apoiadores do
ESP em outras arenas, como o Congresso Nacional (Resende & Faria, 2020).
No que se refere à constitucionalidade, o relator defendeu a legitimi-
dade do PL, mesmo reconhecendo a liminar concedida pelo STF na ADI
5537/2017, que suspende a lei relativa ao tema com base na competência

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constitucional da União para legislar sobre as diretrizes e bases da Educação
nacional. Valendo-se do mesmo argumento, o parlamentar argumentou que
as Constituições Federal e Estadual outorgam ao município autonomia para
legislar sobre a matéria.
Em relação à legalidade, o relator, evocando a Lei Orgânica Municipal
de BH, argumentou que o PL “não padece de vício” administrativo dado que
não cria obrigações novas para os professores. No que concerne ao ponto mais
polêmico, a previsão da obrigação de afixar cartazes em salas de aula discri-
minando os deveres dos professores, o parecer afirma ainda que a inciativa
não fere nenhum preceito legal, objetivando, tão somente, dar publicidade aos
direitos dos pais e alunos assegurados na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. Nas palavras do próprio parecer,

busca-se com as normas do Programa Escola Sem Partido [...] informar


e conscientizar os estudantes, famílias, professores, órgãos e instituições
de ensino, assim também regular os seus direitos e deveres recíprocos, no
que concerne à relação catedrática, e permitir o exercício dos controles
estatal, familiar e social das ações ou omissões dos órgãos e instituições
de ensino e dos professores, relativamente ao cumprimento das normas
constitucionais e comunitárias, que vedam a partidarização política do
sistema de ensino (CMBH, 2017b, grifo dos autores).

Relativamente à liberdade de expressão e de cátedra, outro ponto crítico


debatido, o parecer é categórico:

é necessário distinguir entre liberdade de expressão e liberdade de cáte-


dra, [...] sobretudo diante do aparelhamento político-partidário de órgãos e
instituições de ensino”. [...] O Programa Escola Sem Partido visa proteger
a liberdade de cátedra, a fim de que aluno possa receber do professor o
conteúdo de informações, conhecimento, arte e saberes adequados ao
seu pleno desenvolvimento individual, social e cultural; e o professor
possa exercer o seu ofício sem pressões indevidas de grupos político-par-
tidários que, circunstancialmente, dominam o Poder Público (idem, grifo
dos autores).

Depois disso, o PL foi encaminhado para a Comissão de Educação,


Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo. Nesta Comissão,
o relator designado, vereador Gilson Reis (PCdoB), solicitou, antes de deci-
dir, diligência à Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte quanto
aos seguintes aspectos: as implicações do PL no que se refere 1) ao princípio
da autonomia pedagógica do professor dentro de sala de aula; 2) às relações

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professor-aluno no ambiente escolar, 3) à relação família-escola e, por fim, 4)
ao caráter laico do ensino na educação pública, dando oportunidade para que
os opositores da proposição pudessem se manifestar.
A diligência foi respondida pelo Fórum Permanente de Educação de
BH (FMPE-BH)12, entidade criada em 2017 e composta por representantes
da sociedade civil e do Poder Público para acompanhar a implementação do
Plano Municipal de Educação em BH. Os argumentos que embasaram o pa-
recer deste Fórum podem ser assim resumidos:

O PL 274/2017, que propõe instituir o Programa Escola sem Partido


nas instituições públicas municipais de Belo Horizonte: 1 – fere o prin-
cípio de autonomia pedagógica das escolas, bem como a liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber,
conforme previsto pelo art. 206 da Constituição Federal de 1988; 2 –
propõe a imposição de determinações que cerceiam a atuação docente,
contrariando o princípio da autonomia do professor e descaracterizando
as possibilidades de efetivação de práticas pedagógicas dialógicas, assim
como a própria relação professor-aluno nela implícita; 3 – fragiliza a
relação família-escola tão cara ao desenvolvimento escolar dos estudan-
tes, ao propor mecanismos que permitem aos pais e tutores censurar a
atuação pedagógica de docentes e escolas, impedindo qualquer diálogo
com as famílias na construção do bem público, que é a educação de um
povo; 4 – contraria o princípio de laicidade da educação pública, na
medida em que confere o “direito dos pais sobre a educação religiosa e
moral dos seus filhos”, desconsiderando os princípios que devem reger
a atividade que prima pelo respeito à diversidade religiosa, bem como
desconsidera outros princípios previstos na legislação educacional bra-
sileira (CMBH, 2017c).

Mediante tais argumentos, o presidente da Comissão, vereador Arnaldo


Godoy (PT), deferiu a decisão do relator, rejeitando o PL 274/2017. O Projeto
seguiu, então, para a terceira Comissão da Casa, a Comissão de Direitos
Humanos e Defesa do Consumidor, cujo relator, o vereador Mateus Simões
(NOVO), aprovou o PL com emendas, inclusive aquela que retirava a obriga-
toriedade da afixação do cartaz. Não obstante, o parecer do vereador foi rejei-
tado na Comissão e uma nova relatora, a vereadora Áurea Carolina (PSOL),

12  O FMPE-BH é composto por órgãos e entidades representativas da sociedade civil e do


Poder Público, como a Secretaria de Estado de Educação, a CMBH e sindicatos da catego-
ria. Dentre outros objetivos, o Fórum deve elaborar e divulgar avaliações periódicas relativas
ao alcance das metas e estratégias previstas no Plano Municipal de Educação e propor políticas
públicas para assegurar a implementação dessas estratégias e o cumprimento das metas (www.
pbh.gov.br). 

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foi designada. Valendo-se de argumentos semelhantes àqueles utilizados pelo
FMPE-BH, a vereadora rejeitou o PL 274/2017, denunciando “o uso incor-
reto do conceito de neutralidade que ele mobiliza, o ataque à docência que ele
faz e a exacerbação do uso unilateral do papel da família no processo educativo
que ele defende” (CMBH, 2017d).
Encaminhado, então, para a quinta Comissão – Comissão de
Administração Pública –, o PL teve como relator o vereador Pedro Bueno
(CIDADANIA). Por perda de prazo, essa comissão não votou o parecer.
Um ano e oito meses depois, no dia 14 de outubro de 2019, o PL chegou
ao Plenário da CMBH. Com as portas fechadas para a participação popular,
o PL 274/2014 foi aprovado por 25 votos a favor e 8 contrários13. A maioria
dos(as) parlamentares que votaram a favor pertence à Frente Cristã formada,
segundo a imprensa local, “para defender a tradicional família cristã, os interes-
ses das comunidades religiosas e para combater a ideologia de gênero” ( Jornal
Hoje Em Dia, 2017).
Essa visão endossa perfeitamente os argumentos sustentados pelos ve-
readores desta bancada em defesa do ESP que, como veremos na próxima
seção, atuam também nas arenas virtuais, disputando visões e mobilizando
adeptos necessários à votação do projeto, em segundo turno, na CMBH.

As bases sociais do PL 274/2017: redes sociais, movimentos e lideranças


políticas locais

Durante seu processo de votação, as inúmeras e tumultuadas manifesta-


ções públicas a favor e contra o PL 274/2017 deslocaram-se da arena institu-
cional, a Câmara e suas galerias, naquele momento bloqueadas, para o espaço

13  Votaram a favor: Álvaro Damião (DEM), Autair Gomes (PSD), Bim da Ambulância
(PSD), Bispo Fernando Luiz (PSD), Catatau do Povo (PSD), Coronel Piccinini (PSD), Eduar-
do da Ambulância (PSD), Elvis Côrtes (PSD), Fernando Borja (AVANTE), Flávio dos Santos
(PSC), Irlam Melo (PSD), Jair Bolsonaro Di Gregório (PSD), Jorge Santos (REPUBLICA-
NOS), Juninho Los Hermanos (AVANTE), Maninho Félix (PSD), Marilda Portela (CIDA-
DANIA), Mateus Simões (NOVO), Orlei (PSD), Pastor Henrique Braga (PSDB), Pedrão do
Depósito (CIDADANIA), Professor Juliano Lopes (PTC), Ramon Bibiano (PSD), Reinaldo
G. Preto Sacolão (MDB), Wellington Magalhães (DC), Wesley Autoescola (PROS). Alguns
vereadores proponentes não votaram a favor do PL 274/2017, como pode ser comparado com
a Tabela 1. Outros vereadores estiveram ausentes do Plenário no dia da votação, como Carlos
Henrique e Helinho da Farmácia. A vereadora Nely Aquino era a presidente da CMBH no
mandato 2019-2020 e, por isso, não votou a matéria. Por fim, os vereadores Osvaldo Lopes
e Rafael Martins foram eleitos Deputados Estaduais em 2018, dando lugar para os suplentes
César Gordin (ausente da votação) e Ramon Bibiano (votou a favor), respectivamente.

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virtual: as redes sociais. Uma intensa rede de atores passou a dar voz aos con-
traditórios posicionamentos a respeito da proposta e, rapidamente, o debate,
antes muito circunscrito à esfera local, tomou conta de todo o país.
Com o acirramento dos debates nas redes sociais, tornou-se possível
captar as principais características da rede que conformou o debate em torno
da proposição. Para tanto, utilizamos raspagens de dados do Twitter dois dias
depois de sua aprovação e rodamos algoritmos específicos para a Análise de
Redes Sociais (ARS) utilizando o software Gephi14.
A ARS é uma metodologia de pesquisa que tem sido utilizada para ana-
lisar a composição de relações entre indivíduos manifestada na esfera pública
em forma de discursos que refletem uma visão, proposta ou ação sobre alguma
política pública. Dessa forma, o que nos interessa nesse tipo de análise é a con-
formação de agentes discursivos em ação e suas possíveis repercussões sobre as
instituições e as políticas públicas. Segundo Caiani, della Porta e Wagemann
(2012), as redes têm sido estudadas como recursos de atores individuais que
buscam aumentar a probabilidade de sucesso de suas próprias ações, como
veículos de significado que ajudam no compartilhamento de seus valores e/
ou como uma configuração de contextos que servem como oportunidade para
suas ações coletivas.
Propomos, portanto, por meio da análise da rede social constituída no
Twitter, apreender as similaridades e as diferenças dos discursos proferidos
pelos grupos e indivíduos no debate sobre a política pública de Educação.
Com auxílio do programa “R”, conseguimos obter 869 nós que versa-
vam sobre o termo “escola sem partido”; por meio do Gephi, esses dados foram
transformados numa rede composta por perfis que postaram uma opinião so-
bre o tema e por perfis que replicaram essas opiniões. O software nos informou
a presença de 821 interações (arestas). A Figura 1 abaixo, gerada no software
Gephi, revela como se deram essas interações.

14  Optamos por coletar os dados dois dias depois da aprovação, pois a raspagem nos oferece
dados de até uma semana antes. Com disso, pudemos incluir na rede a maior parte dos tweets
relativos ao debate em torno do PL 274/2017. Se coletássemos no mesmo dia da aprovação da
proposta, perderíamos as réplicas do debate nos dias posteriores e, se coletássemos muito tempo
depois, incorreríamos no erro de coletar dados que não se refeririam a esse debate.

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Figura 1: Rede gerada a partir das buscas por “escola sem partido” no Twitter

Fonte: elaboração própria com uso dos softwares R e Gephi

Essa rede nos indica uma alta separação entre os grupos (clusters) e uma
baixa interação entre os nós de diferentes grupos. Analisando os dois prin-
cipais grupos formados, percebe-se a ausência de interação entre os nós dos
diferentes clusters, o que denota alta polarização do debate, representando flu-
xos comunicacionais muitos circunscritos a cada grupo, insulados em “bolhas
de interação”, sem conexões com as visões de mundo opostas, como apontam
diversos estudos sobre as redes sociais (Mutz, 2006; Himelboim, Smith &
Shneiderman, 2013; Vaidhyanathan, 2018).
O cluster principal, aquele identificado com a posição contrária ao PL
274/2017, dominou os debates e foi, conformado, principalmente, pelos perfis
“Opositor A”, “Daniel Cara”, “Opositor C”, “Opositora D” e “Opositor E”15.
Todos podem ser considerados perfis progressistas. “Opositora D” é filia-
da ao Partido dos Trabalhadores (PT) e se descreve como “lulista”; “Daniel

15  Os perfis de pessoas que não são consideradas figuras públicas foram anonimizados.

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Cara”, mantido sem anonimato, é cientista político, membro do Conselho
Universitário da Universidade de São Paulo, candidato a Senador de São Paulo
pelo PSOL e chegou a participar da Audiência Pública na Comissão Especial
do ESP na Câmara dos Deputados como coordenador da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, manifestando sua oposição ao projeto nacional e im-
pulsionando o debate contra o ESP em diferentes espaços sociais.
O outro cluster, de menor destaque na rede quando comparado ao de
oposição, caracteriza-se pela posição favorável ao PL 274/2014. Ele é formado,
principalmente, pelos perfis “direitaminas”, “DouglasGarcia”, “Apoiadora A” e
do próprio ESP (“escolasempartid”). O movimento Direita Minas, o nó mais
influente neste cluster, é um movimento mineiro defensor de ideias neocon-
servadoras e muito articulado com as propostas do ESP no estado – inclusive,
esteve presente no I Seminário Mineiro do Escola sem Partido. O segundo
perfil mais saliente é o do Douglas Garcia, Deputado Estadual pelo PSL de
São Paulo, eleito em 2018. O perfil “Apoiadora A” é de uma senhora autoin-
titulada “conservadora”, “tia do zap, gado, minion, robô, funcionária do GDO
(faço faxina por lá)”. Desses perfis, apenas “DouglasGarcia” não citou direta-
mente o caso da aprovação do PL 274/2017, ainda que tenha demonstrado
apoio à pauta.

Figura 2: Cluster a favor do ESP

O perfil do ESP na rede mobilizou ainda a ideia de liberdade para jus-


tificar suas propostas: “grande vitória da liberdade! Vencemos a batalha, mas
ainda temos um longo caminho pela frente. Parabéns à Câmara Municipal de
Belo Horizonte!”. Já o perfil do Movimento Direita Minas ressaltou a disputa

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em torno da proposta e o fato de Belo Horizonte ter sido a primeira capital
do Brasil a aprovar o tema: “Depois de 13 dias de obstrução pela bancada da
esquerda, o Projeto Escola Sem Partido foi aprovado pela Câmara Municipal
de BH em primeiro turno. Foram 25 votos favoráveis e 8 contrários. A cidade
é a primeira capital do Brasil a aprovar o tema”.
O perfil da rede, predominantemente contrário à pauta do ESP, destoa
do perfil político da CMBH, caracterizado pelo predomínio de apoiadores da
pauta do movimento. Essa diferença pode ser explicada tanto pelo fato de a
rede contrária ter conseguido mobilizar perfis com representação nacional crí-
ticos à votação do PL na capital mineira, mas também pela nova composição
da arena institucional em análise desde 2016.
Telles, Mundim e Baptista (2020) argumentam que, assim como no
nível nacional, os níveis subnacionais foram igualmente atingidos por um
crescente sentimento antipartidário e antissistêmico. Este cenário favoreceu
a ascensão de outsiders, candidaturas que se baseiam em capitais sociais não
políticos como, por exemplo, comunicadores, artistas e religiosos defensores
de pautas que buscam moralizar o sistema político, considerado imoral e po-
liticamente corrompido. Este sentimento guiou as escolhas eleitorais em Belo
Horizonte que, na eleição de 2016, apresentou, segundo os autores, o maior
número de “candidaturas da fé cristã”.
Para entender melhor a força institucional da agenda do ESP na
CMBH, buscamos explorar outras estratégias de interação dos seus apoiado-
res. Além da rede extraída do Twitter, foram obtidos dados do Twitonomy em
outro momento, março de 2021. Tais dados revelam que o perfil do ESP com-
partilha pouco o conteúdo produzido por outros atores. A figura 3 mostra que
o movimento costuma fazer mais referências aos seus próprios conteúdos16.
Tais dados podem ajudar a explicar a baixa capacidade de articular uma rede
de defesa na arena virtual.

16  Com exceção de Jair Bolsonaro, todos os demais perfis que não são de figuras públicas
foram anonimizados.

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Figura 3: Principais perfis aos quais o perfil @escolasempartid responde

Fonte: Twitonomy (www.twitonomy.com)

As menções em postagens na rede do movimento (Figura 4) estão mais


concentradas nas figuras públicas, apoiadoras do ESP, como o próprio Nagib,
o Presidente Jair Bolsonaro, o ex-Ministro Abraham Weintraub, o Secretário
de Educação de São Paulo e ex-Ministro da Educação Rossieli Soares e a
Deputada Bia Kicis (PSL-DF). A maioria delas objetivam evidenciar um de-
terminado assunto ou cobrar alguma atitude. Menções aos perfis do STF e da
UFSC, também presentes, assumem um tom de denúncia ou oposição.

Figura 4: Principais menções no perfil do @escolasempartid

Fonte: Twitonomy (www.twitonomy.com)

A Figura 5 revela que os conteúdos mais replicados pelos seguidores do


perfil do @escolasempartid são justamente os que buscam denunciar casos de
suposta doutrinação, revelando a principal estratégia de atuação do movimento
na rede social. Dessas postagens, a maioria se refere a casos em que os profes-
sores são apontados como agressivos e semeadores do ódio contra o presiden-
te Jair Bolsonaro ou que se referem a manifestações culturais e políticas que
parecem problematizar a questão de gênero, como um vídeo, denunciado pelo
perfil, em que profissionais da educação participam de um evento comemorati-
vo da “Semana da Diversidade”, realizado em uma escola de João Pessoa (PB).

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Figura 5: Postagens do ESP mais retuitadas pelos usuários

Fonte: Twitonomy (www.twitonomy.com)

No nível local, a observação de campo realizada no I Seminário Mineiro


do Escola sem Partido (26/10/2019) nos mostra que os movimentos Direita
Minas, Prolibertas, Direita BH e MBL, além de grupos identificados com o
conservadorismo religioso, como o Coral Emanuel (um coral espírita) e ou-
tras lideranças parlamentares evangélicas17, são as principais bases de apoio da
agenda do ESP. Junto aos representantes dessas bases, estiveram presentes no
evento deputados, vereadores e/ou seus representantes, além do idealizador do
ESP, Miguel Nagib18.

17  Vale lembrar que a Frente Cristã na CMBH congrega representantes de diversos segmen-
tos religiosos (evangélicos, católicos e espíritas).
18  Deputado Bruno Engler (PSL), representantes do Deputado Coronel Sandro (PSL), os
vereadores Wesley da Autoescola (PRP) e Fernando Borja (AVANTE) e Deputada Estadual de
Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL).

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De acordo com entrevista concedida pelo vereador Wesley Autoescola,
suas primeiras articulações em torno do projeto se deram com a Rede Estadual
de Ação pela Família, um movimento conservador de bases neopentecostais
(membros ligados à Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte) e de-
fensora, principalmente, das pautas contrárias à regulamentação do aborto e
às discussões de direitos da comunidade LGBTQIA+19. Wesley Autoescola
assumia naquele momento o posto de líder da Frente Cristã na Câmara e se
definiu como um defensor da família e, por conseguinte, contra a “ideologia
de gênero”.
Fernando Borja, liderança na Igreja Batista da Lagoinha (BH), é con-
siderado um dos principais articuladores do PL 274/2017 na Câmara, sendo
responsável, segundo o vereador Wesley Autoescola, pela redação do texto que
o originou. Em entrevista concedida durante o referido Seminário, o vereador
afirmou que mantém contato com diversas lideranças apoiadoras do ESP em
nível nacional, incluindo a Ministra Damares, Miguel Nagib e o procurador
regional da República Guilherme Schelb.
Destaca-se que, além da natureza neoconservadora do movimento, tem-
-se o alinhamento de outros grupos que, embora não diretamente vinculados
àqueles que atuam contra a suposta ideologia de gênero, assumem sua defesa.
A entrevista conduzida em novembro de 2019 com o então vereador
Mateus Simões (NOVO), apoiador do PL 274/2017 e hoje Secretário-Geral
do Estado de Minas Gerais, mostra as outras bases desse alinhamento:

O meu mandato é pautado essencialmente pelas discussões econômicas,


da ideia de reduzir o tamanho do Estado e de reduzir a intervenção.
Eu acho só que o ESP vem nessa mesma linha: eu não quero o Estado
interferindo na formação das crianças. Eu acho que isso não é papel
dele, isso compete ao indivíduo pela lógica do princípio da subsidiarie-
dade que rege tudo que eu defendo: a melhor decisão é a do indivíduo.
Quando ele não for capaz é da família. Quando ela não for capaz, do
pequeno núcleo social em que ele se insere, eventualmente a cidade, em
poucos casos o estado, quase nunca a União, numa lógica de descentra-
lização do poder a partir do indivíduo. O que a gente vive no Brasil hoje
é completamente o inverso. Todos os poderes ao Estado, concentrados
na União, o estado recebe lá tantos outros poderes, o município passa
por cima da gente o tempo todo e de alguma forma a gente negocia um

19  Uma das lideranças que esteve à frente da organização do I Seminário Mineiro do Escola
sem Partido também faz parte da Rede Estadual de Ação pela Família.

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espaço para exercer nossa liberdade. Não é assim que eu enxergo que o
Estado deveria funcionar20.

As motivações neoliberais aludidas pelo então vereador para compor


a coalizão neoconservadora é explicada neste capítulo pelo conceito de “des-
publicização” das políticas sociais em geral e da política da educação em caso
específico. O projeto que as congrega encontra-se na base das ações políticas
destes atores que, em Belo Horizonte, conformam, segundo a ex-vereadora
Cida Falabella (PSOL) “um campo orientado pela bancada do Partido Novo
em parceria com a Frente Cristã e o Bloco Somos BH21 que ora dialoga com
o bolsonarismo explícito, ora com o discurso liberal e ora com a direita tradi-
cional, misturando Estado mínimo, negacionismo e conservadorismo” (www.
outrapoliticabh).

Considerações finais

Apesar de assumir oficialmente o discurso de defesa do pluralismo ideo-


lógico nas escolas, a posição do ESP revela outras intenções. Para seus apoia-
dores, o “pluralismo de ideias” é apresentado como um conceito bastante dúbio,
com conotações diferenciadas a depender do contexto. O discurso oficial do
ESP prevê a garantia de ensino sobre as principais vertentes de pensamento
relativo a um determinado conteúdo quando houver debates, especialmente
quando o conteúdo tocar em questões sensíveis do ponto de vista religioso ou
moral. Esse é o caso da proposta de ensino do Criacionismo de forma para-
lela ao ensino sobre a Teoria da Evolução de Darwin. No entanto, quando o
assunto passa a ser a discussão sobre gênero, a defesa do pluralismo de ideias
é deixada de lado e passa a prevalecer a tese sobre a limitação da liberdade de
expressão do professor.
É particularmente nesse ponto que o PL 274/2017 inova para atender,
segundo vereador da CMBH ligado ao Partido dos Trabalhadores, a reivindi-
cação do grupo conservador religioso que lidera o projeto. O texto da lei, em
seu Artigo 2º, propõe claramente a censura aos conteúdos relativos à discussão

20  Essas normativas se coadunam com a defesa da prevalência do “princípio da subsidiarie-


dade”. Esse “princípio”, que tem origem em doutrinas da Igreja Católica e na teoria neoliberal,
concretiza a ideia de que o Estado foi instituído pelos indivíduos para que os auxiliasse na
organização da vida social. Por isso, o Estado seria uma instituição subsidiária dos interesses
individuais. Há a correlação com a ideia, inclusive, de que as instituições sociais prescindem do
Poder Público para atingir seus objetivos (Cunha, 2013).
21  Grupo vinculado ao Deputado Federal do Partido Progressista, Marcelo Aro.

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de gênero nas escolas. Assim, fica determinado que “[o] Poder Público não
se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática
capaz de comprometer o desenvolvimento de sua personalidade em harmonia
com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a
aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero”.
A vitória dos apoiadores do projeto no âmbito institucional consagra a
força dessa coalizão no debate sobre a Educação brasileira. Mostramos como
a bancada cristã foi a protagonista desse debate na CMBH, apesar de não ter
obtido o mesmo êxito nas arenas virtuais. A Análise de Redes Sociais em-
preendida mostrou que o ESP não foi bem-sucedido em pautar o debate online
no momento de aprovação do PL 274/2017. Não obstante, nas arenas insti-
tucionais, sua pauta se articula, por meio de suas representações políticas, nos
três níveis da federação.
Embora não haja ainda uma política pública a ser implementada, uma
vez que suas ideias se encontram em disputa, é importante ressaltar os resul-
tados da ação dessa coalizão na política educacional da capital mineira, desde
2015, quando se votou o PL sobre o Plano Municipal de Educação. Na oca-
sião, a Frente Cristã apresentou inúmeras emendas ao projeto que buscava ini-
bir a evasão escolar por discriminação à orientação sexual, assim como vetaram
medidas voltadas para os jovens em situação de discriminação, restringindo o
público atendido pela assistência social e de proteção à adolescência e juventu-
de no Plano (CMBH, 2015).
Dois anos depois, em 2017, essa mesma bancada aprovou medida de-
cretada pelo prefeito de BH, que retirou da Secretaria Municipal de Educação
a atribuição de promover discussões relacionadas à educação de gênero
nas escolas municipais. As principais  modificações foram a substituição da
Diretoria de Educação Inclusiva e Diversidade Étnico-Racial pela Diretoria
de Diversidade Étnico-Racial,  retirando qualquer menção à palavra gênero
( Jornal Ufmg, 2017).
Recentemente (09/02/2021), as vereadoras Marcela Trópia (NOVO) e
Flávia Borja (AVANTE) apresentaram um PL que defende o ensino domiciliar
(homeschooling) como modalidade de ensino na capital mineira. Enquadrado
como a garantia da liberdade de ensino dos filhos pelos próprios pais, o projeto
expõe interesses e valores similares àqueles defendidos pela coalizão políti-
ca que sustenta a pauta do ESP na capital mineira. Em seu perfil no site da
Câmara Municipal de Belo Horizonte, Flávia Borja se define como “liberal na
economia e conservadora nos costumes”, cristã, defensora de uma escola livre
de doutrinação, da implementação da disciplina “educação financeira” a partir

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do ensino fundamental, estimulando o empreendedorismo, e da “abertura de
novas vagas da educação infantil por meio de bolsas”.
Essa estreita conexão entre a proposta da educação domiciliar e do mo-
vimento Escola sem Partido foi notada também em uma das falas do Deputado
Federal mineiro Lincoln Portela (PR), casado com a vereadora Marilda Portela
(CIDADANIA - BH) – também apoiadora do ESP na CMBH –, durante sua
exposição na Audiência Pública, em 18 de abril de 2017, a respeito do PL
7180/2014 que prevê o programa do ESP em âmbito nacional. O Deputado
assim se referiu à proposta da educação familiar, da qual é autor na Câmara
dos Deputados:

[...] é dever do Estado e da família ensinar os filhos. É dever da família


sim. A educação domiciliar existe em 65 países do mundo. No Brasil,
6 mil famílias aplicam a educação domiciliar, e o STF suspendeu todos
os processos contra os pais por causa da ignorância de vários Conselhos
Tutelares, que processavam os pais por educarem os filhos em casa. Por
que eles estão tirando os filhos da escola? Para que os filhos não con-
tinuem sofrendo bullying e massacre sexual, ideológico, imoral e cheio
de drogas, como eles estão sofrendo. Pluralismo não é só marxismo,
ideologia de gênero e religiões de matrizes africanas. Por que o plura-
lismo não estuda a contribuição cristã no Brasil, sua cultura e suas coi-
sas? A formação transversal com a erotização precoce vai levar as nossas
crianças a serem desinibidas e vulneráveis a estupradores e a pedófilos,
porque aprendem isso na escola e se tornam vulneráveis. Totalitarismo é
entregar as nossas crianças ao Estado.

A “convergência” de ideias e atores neoliberais e neoconservadoras em


torno da proposta de educação domiciliar parece ser o novo front do esforço de
despublicização da Educação. Diante da derrota judicial dos Projetos de Lei
inspirados no ESP e da desmobilização do movimento pelo seu líder, Miguel
Nagib, a educação domiciliar emerge como uma nova bandeira a garantir a
representação política e social deste esforço que colide frontalmente com a
agenda de participação social desenvolvida até então no país e na capital mi-
neira – agenda assentada na ideia de que a presença de fóruns públicos de
debate constitui momento singular de aprendizado não só das diretrizes de
uma determinada política e das diversas interpretações sobre elas, mas, prin-
cipalmente, das múltiplas maneiras de se construir convergências em meio a
divergências materiais, morais e éticas.
A diferença desse projeto com o atual se evidencia, portanto, tanto na
arena extra institucional quanto na institucional: como aponta Tatagiba (2021),
na primeira, pela forma como estes grupos conduzem a luta política, negando

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a diferença e os conflitos dela decorrente; na segunda, pelos critérios utilizados
para definir não somente se deve, mas também quem deve receber atenção do
Estado, uma vez que os públicos e seus problemas são previamente definidos
por autoridades externas a eles.

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PARTE 3:
Participação e ativismos:
sentidos (novamente) em disputa

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10. O que quer dizer participação aqui e hoje?...
E outrora e alhures

Adrian Gurza Lavalle


Ernesto Isunza Vera

Introdução1

A ideia “participação”, no Brasil, registrou inflexões teóricas relevan-


tes nos últimos 30 anos, em boa medida como parte de um esforço coletivo
para compreender as mudanças que ao longo de um processo de progressiva
institucionalização lhe foram redefinindo o sentido na prática dos atores so-
ciais. Debruçado sobre essas mudanças, o campo de estudos da participação
tornou-se conceitualmente mais reflexivo e preciso, redefinindo, por vezes de
modo radical, as fronteiras analíticas da participação e sua relação com outros
conceitos e seus respectivos universos de problemas. Note-se, as inflexões não
foram o resultado de preciosismos analíticos ou agendas puramente teóricas,
aprendemos em um movimento de caráter duplo: de um lado, indutivo, seguin-
do fenômenos emergentes que precisavam de explicações e, de outro, crítico,
procurando desvendar como outras categorias teóricas operavam iluminando
aspectos pouco observados desses fenômenos que eram significados por atores
mediante a categoria prática “participação”. As inflexões trouxeram diversos
ganhos cognitivos e analíticos, especificando restritivamente a categoria teó-
rica; ganhos que fazem parte do legado do campo de pesquisa, à disposição
para ser utilizado e desenvolvido reflexivamente. As inflexões privilegiaram
questões e objetos atinentes ao processo de institucionalização e, como seria
de se esperar, não figuraram no elenco de prioridades pesquisadas as práticas e
usos nativos da “participação” e atores distantes desse processo.

1  Os autores agradecem os comentários e sugestões recebidas à primeira versão deste capítulo


no II Seminário da Área Temática de Participação Política (ABCP) “A conjuntura política e
seus desafios para a participação e a democracia”, realizado na Universidade Federal de Minas
Gerais, em 4 e 5 de março de 2020. Especialmente foram de muita utilidade as críticas das
colegas Luciana Tatagiba e Débora Almaida, no processo de avaliação do texto, para lograr
clareza nos argumentos expostos. Os autores agradecem o financiamento do CEM, processo
nº 2013/07616‑7, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As
opiniões, hipóteses, conclusões e recomendações aqui expressas, todavia, são de responsabilidade
dos autores e não refletem necessariamente a visão da Fapesp.

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As rápidas e profundas mudanças políticas mostram que os quadros
analíticos e focos empíricos do campo de estudos da participação requerem
revisão. Não se trata de abandonar os ganhos analíticos do campo, nem de uma
escolha dilemática – como se fosse produtivo arbitrar os usos teóricos mais
pertinentes da categoria, independentemente da questão pesquisada –, mas de
ampliar as agendas de pesquisa iluminando a importância de se pesquisar os
usos práticos da categoria “participação” e contando, para tanto, com uma com-
preensão acurada do que argumentamos ser sua estrutura básica e seus efeitos
de legitimação, de obnubilação do caráter indireto da política e de projeção de
horizontes morais.
Este capítulo se propõe a avançar nessa direção examinando a re-
lação entre a participação como categoria prática e como categoria teórica.
Categorias práticas são nativas e significam o mundo, o ordenam moralmente
mediante esquemas classificatórios conferindo sentido à ação dos atores que
as invocam. A “participação”, nesse registro, é uma categoria nativa, cuja in-
vocação produz efeitos significando a prática dos atores. Categorias teóricas
visam explicar ou elucidar o mundo como peças em sistemas coerentes de pro-
posições que reduzem a complexidade mediante a abstração. A “participação”,
nesse registro, é um construto conceitual com funções analíticas em relação a
problemas que orientam o trabalho de autores em um determinado campo.
Argumentamos que duas lógicas inversas caracterizam respectivamente a par-
ticipação como categoria prática e como categoria teórica: a primeira, voltada
para a abertura das possibilidades da ação; a segunda, para a delimitação e
fixação analítica. Enquanto a última lógica produz ganhos cognitivos introdu-
zindo ajustes restritivos e de suspensão nos sentidos nativos da participação, o
potencial para a ação política da primeira reside, precisamente, na sua índole
radicalmente aberta. Assim, o desafio é conectar reflexivamente os usos da
participação como categoria prática e como categoria teórica; quer dizer, pes-
quisar sistematicamente os sentidos nativos da participação – nas práticas dos
atores sociais que a invocam – sem positivar imediatamente tais sentidos em
conceitos, e, vice-versa, criticar reflexivamente os conceitos dos autores à luz
dos usos práticos da categoria.
Examinar reflexivamente a relação entre os usos teóricos e práticos da
participação é, hoje, especialmente oportuno. A ascensão da ultradireita na
vida pública do país interpela em mais de um sentido a trajetória do campo e
suas inflexões teóricas, e nos impõe o desafio de realizar balanços do conhe-
cimento acumulado, atentando para aquilo que foi aprendido – e não deveria
ser esquecido –, bem como para suas limitações, particularmente em face de

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fenômenos que, neste novo cenário, demandam nossa atenção. Outros atores
entraram em cena disputando a atenção pública, além dos sentidos das prá-
ticas que outrora foram domínio das esquerdas. Ao desenvolver o argumento
e examinar a estrutura básica da participação, trabalhamos em sintonia tanto
com a sensibilidade política e crítica autorreflexiva que animou as inflexões
teóricas na trajetória do campo, aqui examinadas, quanto em sintonia com a
ideia da auditoria do processo criativo do Ferran Adrià (2014), apostando que
o registro e revisão dos processos criativos permite sua potenciação e continui-
dade – por certo urgentes na presente conjuntura.
Por fim, uma observação relativa ao “método”. O capítulo está baseado
numa reflexão de segunda ordem, razão pela qual constitui uma meta-análise.
Na escala da realidade concreta dos atores e dos autores, seria preciso se de-
bruçar sobre as relações das suas respectivas produções, quer dizer, as práticas
sociopolíticas assim como as sistematizações feitas a respeito dessas práticas.
A relação entre ambas é aqui postulada pelo argumento, e resta pressuposta
nos dois movimentos analíticos que procuram “por entre parêntesis” (ao modo
de uma epoché fenomenológica) as produções e reflexividade dos autores e dos
atores: no movimento do balanço, que supõe a relação entre as mudanças polí-
ticas e inflexões analíticas experimentadas nos “campos” (os campos sociopolí-
ticos da prática social e, centralmente para os objetivos deste trabalho, o campo
de estudos da participação); e no movimento de conceituação da estrutura
básica da participação.
O capítulo está organizado em mais três seções. As duas primeiras es-
tão dedicadas, respectivamente, a argumentar as duas proposições enunciadas
acima. A última dedica-se a oferecer uma síntese e, sobretudo, a explicitar as
implicações cognitivas e normativas do argumento, antecipando respostas a
possíveis reparos, bem como a avançar, na medida do possível, no terreno das
orientações metodológicas.

As inflexões analíticas do campo e a institucionalização

Olhar retrospectivamente a constituição e mudanças do campo de es-


tudos da participação é um exercício de olhar as experiências históricas que
transformaram a prática da participação e as reivindicações encarnadas nessa
prática. O amadurecimento do campo – a acumulação de conhecimento e in-
terconexão de problemáticas – ocorreu, no país, em trajetória imbricada com
desenvolvimento e estabilização de inovações participativas, cuja marca distin-
tiva nos últimos 40 anos foi a institucionalização (Isunza & Gurza Lavalle,

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2010; Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor & Szwako, 2019). Assim, exami-
namos aqui os processos históricos que animaram as mudanças no papel da
participação como categoria teórica, bem como as inflexões que condensaram
ganhos analíticos notáveis. O duplo foco que articula atores (agentes) e autores
em uma trajetória pressupõe implicitamente ideia de “análise socio estatal re-
trospectiva”, que entendemos afim à ideia de Ferran Adrià (2014) de “auditar o
processo criativo” seguindo a lógica da engenharia reversa. Deveríamos desen-
volver uma reconstrução sistemática dos atores (sociais, estatais, “intelectuais
orgânicos”) e autores entendidos como nós em uma rede de noções, práticas,
narrativas e instituições, em mudança ao longo do tempo, talvez contemplando
as quatro décadas do período pós-transição. Isso permitiria uma revisão equili-
brada da profunda transformação que a participação sofreu e produziu no país.
Contudo, dados os propósitos do capítulo, é necessário um olhar metanarrativo
capaz de abstrair e de apreciar ou “colocar entre parênteses” (epoché) os modos
de compreensão da participação. Esse é o intuito ao reconstruir as inflexões
analíticas.
Definir o “campo de estudos da participação” não é operação simples; to-
davia, examinar as inflexões que nele ocorrem supõe alguma definição compar-
tilhada sobre sua constituição ou fronteiras. Como “campo”, trata-se de âmbito
de conhecimento e intervenção relacionalmente constituído pela interlocução
entre um conjunto de atores, autores, centros e redes de pesquisa; campo que,
cumpre esclarecer, não abriga o conjunto de pesquisadores que, no país, utili-
zam a palavra “participação” para identificar seu trabalho2. Notadamente, existe
pouca interlocução entre esse campo e a tradição de pesquisa da cultura cívica
ou cultura política. Nas redes do campo convergem diferentes tradições disci-
plinares: ciência política, sociologia, antropologia, serviço social, administração
e gestão públicas, e suas combinações em subcampos (por exemplo, sociologia
política e antropologia política). Igualmente, no campo se encontram distin-
tas áreas substantivas com tradição de pesquisa no país: movimentos sociais e
política contenciosa, associativismo, sociedade civil e estudos sobre construção
democrática, urbanismo e planejamento participativo, gestão pública, controle
social e gestão democrática do Estado. Na confluência dessas áreas substanti-
vas, a participação aparece ora de forma central, ora de forma subordinada a

2  O fato de se tratar de um campo e não apenas de um conjunto de pesquisadores com


afinidades temáticas pode ser constatado pela articulação em instâncias multi-institucionais,
bem como pela interlocução consubstanciada na evolução temática nela ocorrida: o GT da
ANPOCS, Controles Democráticos (Arantes & Reis, 2010), a AT da ABCP, Participação
Política e o Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas (Romão,
Martelli & Pires, 2014; Romão, Orsi & Terence, 2014).

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outras questões pesquisadas; por exemplo, as características e desempenho de
uma política pública em que a participação é um de seus traços institucionais,
ou as demandas de movimentos sociais que reivindicam participação como
um componente de suas pautas. Aqui, por motivos que serão esclarecidos logo
a seguir, presta-se atenção apenas à confluência de agendas que, nesse cam-
po, dedicaram-se centralmente ao estudo da participação e suas instituições –
agendas, ainda assim, consideravelmente diversas. A despeito dessa diversida-
de, compartilham premissas sobre a importância da participação para além das
eleições, sobre o valor da participação como inclusão daqueles potencialmente
afetados por decisões públicas, bem como sobre seus eventuais efeitos positi-
vos, não apenas para os afetados, mas para o aprimoramento de tais decisões
e para a própria democracia, entendida em registro amplo. Tais premissas se
desdobram em diversas perguntas em busca de qualificar a participação: par-
ticipação para quê, de quem e onde? Como ela é afetada por diversos fatores?
Quais seus resultados ou efeitos?
Esse campo e, nele, o papel da participação como categoria teórica ad-
quiriram densidade pari passu à transição e ao retorno do pluralismo parti-
dário, primeiro, e, depois, aos processos de regulamentação da Constituição
de 1988 e de institucionalização do pós-transição; entretanto, a participação
como categoria prática seguiu inicialmente trajetória própria na significação
da ação dos movimentos sociais, a qual nem sempre ganhou expressão teórica.
“Participação” foi uma categoria central da gramática política das lutas contra a
ditadura e pela democratização3, tematizadas na literatura no registro analítico
dos movimentos sociais – não da participação como categoria teórica. Nesse
contexto, “participação”, na prática dos atores sociais, fazia orbitar em torno de
si significados que conferiam sentido a sua ação, invocando simultaneamente a
crítica ao regime militar e à suspensão da democracia e do exercício pleno dos
direitos políticos, bem como a crítica à exclusão social e à ausência de serviços
públicos nas periferias em processo de expansão acelerada (Singer & Brant,
1980; Sader, 1988). Em registro positivo, a participação como categoria práti-
ca era uma reivindicação de protagonismo, de o povo se tornar ator de sua pró-
pria história – para dizê-lo nos termos coevos da Teologia da Libertação e das
vertentes marxistas da política de massas. Assim, nesse momento, “participa-
ção” é “popular” – ou de classe – e inscreve o sentido da ação dos atores sociais

3  Lutas pela democratização remetem às lutas pelo reconhecimento, mas não são sinônimos.
As lutas pelo reconhecimento incluem às pela democratização, mas consideram também outras
multíplices experiências de lutas sociais de ampliação de direitos, e, mais geralmente, de supera-
ção de situações de indignidade (Honneth, 1997).

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em um horizonte simultaneamente crítico e emancipatório (Doimo, 1995).
“Participação-popular” é uma ideia-força que permite a projeção moral de um
mundo desejado: justo, democrático e em que a voz de grupos sociais margi-
nalizados possa ser escutada e produzir efeitos de modo consequente. Porém,
a transição, a Constituinte, a trajetória de expansão municipal do Partido dos
Trabalhadores (PT) – até, sua ascensão à presidência da república –, a centra-
lidade no sistema político de partidos historicamente comprometidos com a
democratização, e a paulatina regulamentação dos preceitos constitucionais,
deslocaram progressivamente parte relevante das disputas sociais e suas di-
nâmicas para quadras institucionais em que a participação foi ressignificada,
adquirindo sentidos mais específicos.
Trata-se dos novos rumos da institucionalização que marcaram distin-
tivamente o período da pós-transição e levaram à constituição do campo de
estudos da participação, que passou a se debruçar sobre um conjunto de ins-
tâncias participativas, englobadas inicialmente sob o termo ainda inespecífico
de “espaços” (Cornwall & Coelho, 2007)4; estes, uma face especialmente
visível do processo mais amplo de institucionalização de demandas, valores,
categorias simbólicas e recursos de atuação de movimentos sociais e redes da
sociedade civil no Estado (Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor & Szwako,
2019). Os trabalhos da Assembleia Constituinte e a intensa mobilização so-
cial para a proposição de emendas populares, impulsionada por movimentos
sociais, produziram dupla ressignificação da participação: de ampliação sim-
bólica e de especificação de seu sentido. O registro de classe e emancipatório
de segmentos excluídos, condensado no adjetivo “popular”, cedeu a um registro
universalista próprio da gramática dos direitos, e a participação passou a ser
“social” ou “cidadã”. Por sua vez, o princípio constitucional da “participação-
-social” ganhou registro específico, a saber, a democratização do Estado e da
gestão da coisa pública, sentando as coordenadas básicas do que ao longo dos
anos viria a se tornar o modelo brasileiro de participação centrado em políti-
cas (Teixeira, 2013). Diversas inovações participativas ocorreram ao longo da
segunda metade dos anos 1980, com a multiplicação de governos de oposição
em cidades grandes e médias, e nos governos dos estados, e é precisamente no
final dos anos 1980, com a experiência do orçamento participativo em Porto
Alegre5, examinada por uma ampla produção de estudos que a colocaram entre
os casos de inovação participativa mais examinados no mundo (Abbers, 2000;

4  Para uma das formulações mais influentes da noção ao de espaços na literatura internacio-
nal, ver o trabalho de Cornwall e Coelho.
5  O caso mais visível dentre os casos pioneiros nos municípios do país.

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Avritzer, 2002; Baiocchi, 2005; Wampler, 2007), que surge um âmbito de
interlocução teórica que virá a se tornar o campo de estudos da participação.
Note-se, o campo é um produto indireto desses processos de institucionaliza-
ção característicos da pós-transição, e nele a participação como categoria teó-
rica se alimenta e se afasta dos sentidos da participação como categoria prática.
Essa relação de aproximação e distanciamento ganhou novo impulso
nos anos 2000 graças ao processo de regulamentação dos preceitos constitu-
cionais e à institucionalização de sistemas nacionais de políticas, de políticas
transversais e de uma miríade de colegiados e interfaces socioestatais, como os
conselhos gestores e as conferências nacionais de políticas – mas não só6 –, que
vieram se tornar objeto de estudo desse campo (Souza, 2012; Pires & Vaz,
2014; Almeida, Cayres & Tatagiba, 2015). Por certo, o processo dista de ser
linear ou mero desdobramento da Constituição; antes, é resultado vagaroso da
ação política de atores sociais, partidários e governamentais (Teixeira, 2013;
Bezerra, 2020). Acompanhando a trajetória dos atores sociais, a literatura
progressivamente incorporou um repertório de instâncias de inovação institu-
cionais ao elenco de seus objetos de estudo. As experiências factuais que a lite-
ratura tomou como referência acabaram ganhando o conceito emblemático de
“instituições participativas” (IPs) (Avritzer, 2008; Gurza Lavalle, 2011).
Evidenciou-se, assim, que a participação na prática dos atores tinha se tornado,
cada vez mais, “participação-em-instituições-participativas”, voltada a desem-
penhar funções de controle social e incidência sobre políticas. A participação
passou a ocorrer em grande escala em instâncias de articulação socio estatal,
operando como estruturas de intermediação em que ativistas, lideranças e or-
ganizações civis vocalizam, com reconhecimento institucional, os interesses,
demandas e necessidades de diversos grupos sociais normalmente pouco pre-
sentes nos circuitos tradicionais da representação política.
Em face dos processos de institucionalização da participação em curso,
a partir da segunda metade dos anos 2000 o campo registrou inflexões analí-
ticas, explicitamente orientadas de modo explícito a problematizar e expandir
teoricamente as possibilidades da participação, introduzindo ajustes na con-
ceituação e nos focos empíricos privilegiados pelas pesquisas. As inflexões são
deslocamentos analíticos de monta que, mediante redes de interlocução, ga-
nham centralidade e reorganizam coletivamente o trabalho de partes do cam-
po em torno de problemas substantivos, construídos com vocabulários teóricos

6  Seria possível incluir audiências, consultas, comitês de bacia, observatórios temáticos ou es-
pacialmente definidos, comissões e comitês participativos, planos diretores, dispositivos digitais,
órgãos instituídos sob as ideias de “governo aberto” e “transparência” etc.

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específicos. Elas são, a um só tempo, novos pontos de partida e conclusões
produzidas pelo acúmulo de conhecimento; acúmulo, por sinal, tributário de
movimentos de avanço, reflexão, registro sistemático de casos e desenvolvi-
mentos conceituais de múltiplas autorias que foram ganhando densidade nas
trajetórias das redes de pesquisa do campo. Utilizamos a noção de “inflexão
analítica” em vez de “momentos” ou “gerações” – e sua alusão a temporalidades
pretéritas superadas por desenvolvimentos ulteriores – com o intuito de ilumi-
nar deslocamentos conceituais cujos benefícios teóricos constituem um legado
estável do campo a ser teoricamente renovado e à disposição para produzir be-
nefícios cognitivos – no presente ou no futuro – se reflexivamente mobilizado
no trabalho de pesquisa.
Em favor da concisão, o desenvolvimento do argumento contemplará
quatro inflexões analíticas, as quais podem ser elencadas em formulação sinté-
tica e mais ou menos intuitiva: 1) participação como controle social ou demo-
crático; 2) participação como pluralização da representação; 3) participação e a
racionalidade propriamente política dos atores que promovem ou disputam; 4)
participação como componente das políticas e sua efetividade no desempenho
delas. Uma abordagem mais detalhada teria que contemplar mais inflexões;
certamente, mas não só, a participação como processo de deliberação, a qual
renovou o campo atentando para a qualidade dos processos participativos e
para a articulação das diferentes instâncias de participação como momento
de processos de formação de discursos (Avritzer, 2010; Cunha, Almeida,
Faria & Ribeiro, 2011; Almeida & Cunha, 2016; Faria, Silva Lins, 2012).
As inflexões não definem domínios exclusivos, e as questões de fundo que as
estruturam podem guardar superposições parciais, conexões transversais e hi-
bridações. Em todo caso, elas evidenciam, cada uma ao seu modo, e com maior
ou menor intensidade, tanto a importância dos processos de institucionaliza-
ção quanto seus efeitos sobre uma categoria (prática) que, como será visto na
seguinte seção, opera na linguagem política dos atores produzindo efeitos que
ampliam o espaço da ação política.
A primeira inflexão – participação como controle democrático ou social
– levantou a questão da função da participação nas inovações institucionais.
Essas inovações tinham certos propósitos que as formas usuais de conceber a
categoria teórica “participação” no campo não permitiam compreender, basi-
camente porque, operando com demasiada proximidade em relação aos ato-
res sociais, abraçavam demasiadas expectativas ou eram muito amplas em seu
alcance. Essa visão ambiciosa e abrangente não permite avaliar claramente o
objetivo da participação e, consequentemente, torna as análises pouco capazes

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de distinguir os mecanismos que explicam se aquilo que, presume-se, tal parti-
cipação é capaz de produzir na realidade tem condições de produzi-lo (Isunza,
2006; Gurza & Isunza, 2010). Mais: as inovações institucionais foram criadas
para desempenhar funções específicas, e, sob essas concepções ambiciosas e
abrangentes, sua avaliação parecia fadada a leituras desencantadas pelos des-
compassos entre propósitos e ideais participativos centrados na formação de
uma cultura democrática, na autodeterminação, na inclusão ampla, ou na de-
finição de decisões vinculantes (participação efetiva), obstando a compreensão
de uma nova camada de controles democráticos7. A primeira inflexão analítica,
que recorta a “participação como controle”, concentra-se em alguns sentidos
de participação. “Controle social” ou “controle democrático” aludia à relação
entre atores sociais e atores do poder público, em que os primeiros tomavam
em suas mãos a disputa pela capacidade de incidir no curso de ação dos se-
gundos; claramente, a participação como controle democrático justificava que
a responsabilização ou accountability tinha novas formas de ser exercida sem a
mediação do voto ou de representantes no poder legislativo8. Esta primeira in-
flexão implicou dois novos espaços de debate e de avanço conceitual (Almeida
& Lüchmann, 2008). Em primeiro lugar, repensar e avaliar uma coleção varia-
da de experiências no mundo – todas elas unificadas com aparente unidade de
sentido pela polissemia do termo “participação” – da perspectiva do controle
democrático exercido pelos agentes sociais e dos dispositivos institucionais que
tornam tal controle possível (Pires & Vaz, 2014; Lüchmann, 2020). Assim,
um desafio de monta herdado por essa inflexão é avançar na integração dessa
diversidade de dispositivos para pensar em “regimes de controle social” como
parte da caracterização das democracias (Isunza & Gurza Lavalle, 2012;
2018). Em segundo lugar, tornou-se evidente a questão da “dupla face da pres-
tação de contas (accountability) societal”, conhecida como “o dilema do con-
trole dos controladores”; nesse caso, os atores da participação, atuando como
“controladores democráticos” de governantes e funcionários públicos, agora
passam a ser indagados a respeito de o quanto estão submetidos ao controle da
sociedade ou a algum dispositivo de controle democrático (Gurza & Isunza,
2010)9.

7  Ver o balanço de Arantes e Reis (2010).


8  O argumento é paralelo à conhecida formulação de Peruzzotti e Smulovitz (2002) sobre
accountability societal.
9  A dupla face da accountability societal guarda superposição com a questão clássica da repre-
sentatividade e, nesse sentido, é transversal à segunda inflexão.

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A segunda inflexão – participação como pluralização da representação –
significou uma “nova trama da crítica democrática” (Gurza & Isunza, 2011),
na qual os conceitos “participação” e “representação”, dois termos centrais na
prática e na reflexão do campo, tornaram-se menos polares. A prática massiva
e institucionalizada da participação tornou possível a separação conceitual en-
tre representação política e governo representativo (Manin, 1997). A riqueza
do debate permitiu que a reflexão teórica realizada no país se tornasse uma
referência internacional nos debates sobre a pluralização da representação e
sua relação com a participação em seus diversos formatos (Almeida, 2015;
Avritzer, 2007; Gurza Lavalle, Houtzager & Castello, 2006A; 2006B;
Lüchmann, 2007, 2008; Miguel, 2005; Pinto, 2004; Riachelis, 2000). O
novo cenário apresentava, assim, uma diversidade de instituições em que ato-
res ocupavam posições com status público reconhecido, configurando formas
de representação política além da arena parlamentar (Almeida, 2010; 2012;
Lüchmann & Almeida, 2010; Pogrebinschi & Santos, 2010). Assim, a
participação e a representação passaram a fazer parte de múltiplas experiências
que, em articulações diversas dentro da mesma instituição, poderiam ser en-
tendidas menos como oposição incompatível e mais como continuum de mo-
dos de ação política com diversas possibilidades de combinação (Lüchmann,
2011). Novos problemas ganharam atenção. Por exemplo, a questão espinhosa
da representatividade ou legitimidade dos atores da “participação”, consideran-
do que eles exerciam, de fato e de jure, funções de representação reconhecidas
como tais (Almeida, 2018; Gurza Lavalle & Castello, 2008). Assim, tor-
nou-se incontornável a necessidade de refletir sobre a legitimidade de práticas
outrora pensadas como participação – e assim nomeadas e significadas pelos
atores sociais –, uma vez que os representantes da sociedade civil supunham
um questionamento aos circuitos e atores tradicionais da representação polí-
tica, mas, ao mesmo tempo, deviam ser chamados a prestar contas, por meca-
nismos distintos do eleitoral, àqueles em nome de quem falavam ou em cujo
melhor interesse agiam. Assim, nessa inflexão, a análise empírica de repertórios
e teorização de modelos de accountability não eleitoral ganhou centralidade.
Considerando que os reclamos participativos são amiúde animados por
críticas ao caráter hermético das instituições incumbidas de tomar decisões
vinculantes, pode parecer estranha uma inflexão (a terceira) orientada a ilumi-
nar a racionalidade propriamente política dos atores que disputam a partici-
pação. Não obstante, e por motivos associados às características do campo, o
foco das análises privilegiaram atores sociais e, não raro, atores politicamen-
te relevantes – aqueles de índole institucional – restaram fora das equações

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analíticas e dos diagnósticos, ou entraram de modo assaz estilizado. Parte dos
trabalhos discorreram sobre aquilo que a democracia deveria ser, pressupon-
do em registro normativo lógicas virtuosas associada aos atores engajados nas
disputas pela ampliação da participação, descuidando a lógica da política e
daquilo que seus atores fazem na disputa pelo poder – inclusive aqueles que
disputam a participação (Tatagiba & Blikstad, 2011). A inflexão avançou
mostrando que as instituições participativas operam também como canais
de recrutamento e reprodução política (Romão, 2011; Fedozzi & Martins,
2015), e que o tratamento dos atores políticos tradicionais de modo altamente
estilizado – portadores ou não de compromissos genuínos com a participação,
de “vontade política” – passava ao largo da lógica política da disputa partidária
(Romão, 2010). Tal avanço implica a divisão normativa, própria dos atores,
de duas formas de se fazer política, caracterizando reclamos participativos e
seus atores como expressão de uma forma genuína de política, oposta a formas
ilegítimas ou degradadas de política. O legado dessa inflexão ergueu questões
que ainda desafiam o campo: as instituições participativas são objeto de dis-
puta por atores políticos, cujas preferências variam, mesmo em se tratando dos
mesmos atores, nas arenas eleitoral, legislativa e do poder executivo (Souza,
2011; Souza, 2021); tais instituições devem ser caracterizadas como um fenô-
meno propriamente político, o que supõe levar em consideração não apenas
as demandas de inclusão dos atores sociais, mas as apostas e cálculos de todos
os atores políticos com posições de veto e interesses envolvidos (Souza, 2013;
Romão, 2015); por fim, os efeitos das instituições participativas não podem
ser derivados apenas das eventuais virtudes do desenho institucional e da de-
liberação que nelas ocorre: é preciso identificar os mecanismos especificamen-
te políticos que conectam as decisões às suas consequências (Vick & Gurza
Lavalle, 2021).
A quarta inflexão – participação como componente das políticas e sua
efetividade – aproximou definitivamente o campo de estudos da participação
daquele das políticas públicas. Os efeitos da institucionalização não se fize-
ram sentir apenas na mudança de registro da participação como reclamo de
inclusão para a participação como instituições participativas: também ocor-
reu um progressivo deslocamento da literatura para mundo da administração
pública (Almeida, Cayres & Tatagiba, 2015). A inflexão operou claro dis-
tanciamento das abordagens iniciais dos conselhos, formuladas como denún-
cia das ausências (Tatagiba, 2002). Afinal, se levados os atores a sério, sua
contínua presença nessas instâncias podia ser entendida como índice de um
déficit teórico ou cognitivo: por que continuariam ali os atores se – conforme

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reiterado pelos primeiros diagnósticos – nelas não haveria genuína participa-
ção? O registro mudou e essas instituições participativas apenas poderiam ser
cabalmente compreendidas se caracterizada sua inserção (“o lugar”) na política
setorial (Almeida & Tatagiba, 2012; Teixeira, Souza & Lima, 2012). O
setor de políticas não apenas definiria as principais atividades desempenhadas
pelos conselhos, mas explicaria as predisposições em relação à participação
dos próprios atores da respectiva comunidade de políticas e covariaria com o
perfil dos movimentos sociais voltados para a disputa das correspondentes po-
líticas na cidade e com as características da comunidade de políticas setoriais
(Côrtes, 2002a; 2002b). Progressivamente, evidenciou-se a relevância de se
avaliar – e, se possível, demonstrar – a efetividade das instituições participa-
tivas (Cunha, 2007, 2009, 2010; Menicucci, 2010) e o papel da deliberação
nessa efetividade (Avritzer et al., 2005; Faria, 2017). A base dessa inflexão é
o crescimento ostensivo das instituições participativas – principalmente con-
selhos e conferências, mas não só – e o questionamento, cada vez mais recor-
rente, do ponto de vista dos recursos públicos gastos ou investidos, acerca do
que tais inovações institucionais estariam produzindo (Fuks, Perissinotto
& Souza, 2004; Avritzer et al., 2005; Cunha, 2007; Pires & Tomás, 2007;
Brasil et al., 2013). Em conjunto, trata-se de uma nova camada institucional
de funcionamento do Estado e não mais apenas de experiências participativas
desconectadas. A inflexão avançou graças ao crescente diálogo com a literatura
de políticas e suas problemáticas, deslocando para um segundo plano os atores
e seus reclamos participativos. O legado por ela produzido exprime essa trans-
formação, indagando causalmente os efeitos no desempenho das políticas: a
escala teve que ser alterada, de modo que o campo começou a utilizar novas
ferramentas analíticas e metodológicas para pensar em termos agregados – e
não mais em casos – tais como áreas de políticas, escala nacional, totalidade
de instituições participativas em nível estadual ou municipal, para citar apenas
algumas escolhas comuns nesse percurso (Gurza, Voigt & Serafim, 2016).
Assim, os conselhos, outras IPs e diversas interfaces socio estatais (Pires &
Vaz, 2014) atingiram novo status, assumindo claramente a posição de variável
independente nas equações explicativas. A caracterização sistemática daquilo
que essas instâncias fazem, de modo a tornar possível a aferição de seus efeitos,
continua como um desafio no campo (Gurza Lavalle, Guicheney & Vello,
2021).
Note-se, essa quarta inflexão implica três fenômenos: primeiro, que o
foco da reflexão se deslocou para a administração pública em conexão com
o movimento dos próprios atores sociais, de modo que o desempenho das

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instituições e as diferentes condições para que elas incidam ou não nas polí-
ticas torna-se objeto de reflexão. Em segundo lugar, o foco sobre a adminis-
tração pública atualiza as formas de conceber o objeto, com problemas como
a cogestão, as capacidades estatais ou governança, onde a noção de partici-
pação alcança um novo status. Em terceiro lugar, é introduzida a questão da
“efetividade”, consoante com a participação como categoria prática, já que a
última também pressupõe a ideia de uma capacidade de alcançar efeitos dese-
jados, embora no caso da primeira o efeito dependa claramente da mediação
institucional, deslocando o olhar para as questões clássicas da implementação
das políticas, enquanto a segunda enfatiza o sentido da ação direta dos atos.
Novamente, a inflexão introduz distanciamento em relação à categoria prática,
pois a semântica de participação na prática dos atores remete à ação direta,
enquanto a categoria teórica coloca no centro a mediação institucional e as
condições que afetam a sua produção de efeitos.10
Cada inflexão introduziu restrições em relação ao caráter aberto da par-
ticipação como categoria prática – a ser abordado logo a seguir –, mas tais res-
trições e o distanciamento por elas produzido em relação aos sentidos invoca-
dos pelos atores não apenas trouxeram consigo ganhos analíticos que alargaram
nossa compreensão da participação e orientaram a produção de conhecimento
no campo, mas também ampliaram o horizonte do possível tal e como elabo-
rado de modo abstrato e geral no plano da teoria. Graças às inflexões, sofistica-
ram-se as formas de entender as possibilidades da participação como inovação
democrática orientada ao controle social daquilo que é público, bem como a
relação participação-representação, e abriram-se possibilidades para pensar os
controles democráticos e a representação para além das eleições. Também se
tornaram mais precisas as indagações sobre o papel das experiências de parti-
cipação quanto ao seu lugar na operação regular das políticas e às funções de
controle por elas exercidas. E ampliou-se extraordinariamente o escopo das
pesquisas interessadas em identificar e vincular causalmente melhoras no de-
sempenho efetivo das políticas ao papel das instituições participativas, abrindo
terreno para pensar nos ganhos da institucionalização da participação para as
capacidades estatais e a qualidade das políticas. Assim, o trabalho dos autores
rebate sobre a própria realidade pesquisada: eles não só descrevem o mundo ou
analisam a ação dos atores, mas tornam possíveis efeitos criativos de concepção
de novos horizontes da política. Isso é possível graças à reflexividade de ambos,

10  A relação conceitual entre efetividade e participação, do ponto de vista da estrutura básica
do conceito, será abordada na próxima seção.

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atores e autores (conforme mostrado claramente no capítulo de Albuquerque,
Rodrigues e Silveira, neste livro).

A estrutura básica da participação

Entender os sentidos da participação como categoria prática implica


assumir a perspectiva dos atores; mais especificamente, da forma como eles
produzem sentido e ampliam o campo do politicamente possível mediante
a invocação da participação na “descrição” de suas ações, assumindo que tal
invocação não é uma atividade “meramente” discursiva ou simbólica, mais um
ato no mundo. Nesta seção, argumentamos que o potencial político da parti-
cipação como categoria prática, sua capacidade de produzir efeitos, deriva do
que denominamos “estrutura básica” da participação.
Categorias nativas produzem efeitos distintos (ver a análise da auto-
denominação “coletivos” e das noções de “autonomia” e horizontalidade” no
capítulo de Pereira e Medeiros, neste livro). A estrutura básica da participação
é a gramática que possibilita aos atores produzir os efeitos políticos visados;
porém, como toda gramática, o fato de ela ser utilizada com maior ou menor
maestria pelos praticantes não indica que eles estejam cientes da estrutura que
subjaz aos efeitos produzidos por sua invocação. Igualmente, o fato de a es-
trutura básica ser a condição de possibilidade dos efeitos tampouco significa
que os sentidos da participação sejam iguais entre atores, lugares e tempos ou
que sejam passíveis de dedução teórica. A estrutura, veremos, remete ao plano
abstrato de uma meta-análise, mas os sentidos específicos e seu significado po-
lítico apenas podem ser flagrados nas invocações situadas e contextuais que os
atores fazem da participação; portanto, seu diagnóstico requer observação de
tipo etnográfico. A introdução da estrutura básica, procuramos mostrar, ajuda
a entender a lógica da participação na prática dos atores e a ordenação moral
do mundo por ela produzidos – os efeitos de legitimidade, autenticidade ou
ocultação do caráter indireto da política e projeção de horizontes morais –,
bem como a suspensão da estrutura básica operada pelo desenvolvimento de
teoria, isto é, pela reflexão especulativa própria da participação como categoria
teórica.
A estrutura básica da participação como categoria prática é formada por
três componentes em relação incindível: agente, agir e autoafirmação. O agente
é quem age por si, aquele que na teoria da representação política de Hobbes é
o dono dos atos e guarda, em relação a estes, um vínculo constitutivo de auto-
ridade; é, nesse registro, o autor, o único que pode autorizar a alguém agir em

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seu nome e, certamente, o único que pode agir por si (Pitkin, 1967; Brito
& Runciman, 2008)11. O agir é volição e juízo do agente, os atos mediante os
quais a vontade do último e seu julgamento sobre o mundo ganham expressão;
e isso significa que um ato não é participação devido a sua morfologia – per-
tencer à forma passeata, assembleia, doação, abaixo assinado, trabalho voluntá-
rio etc. –, mas à intenção de agir, de firmar a volição e o juízo expressando-os
em ato para fincar uma determinada posição em relação ao mundo. Assim, é
possível constituir participação, firmar essa posição, em formas as mais diver-
sas – calando ou falando, dançando ou permanecendo imóvel, ocupando ou
desocupando, votando ou se abstendo – desde que os atos e suas ações visem
exprimir essa posição. Na participação, agente e agir são incindíveis, aparecem
fundidos. Mais: é graças a essa fusão que, ao eliminar por definição qualquer
mediação, constituem participação: vocalização não mediada, decisão não me-
diada, ação não mediada. A intenção de agir de modo direto ou não mediado
sobre o mundo é autoafirmação e, assim, a estrutura básica da participação
como categoria prática enseja conexão com noções fortes de autonomia, au-
todeterminação e autogoverno (Barber, 1984; Hirst, 1994). Na participação
como categoria prática, o agir do agente é significado como autoafirmação.
O caráter radicalmente aberto da participação como categoria prática
deriva, precisamente, de a conexão incindível dos três elementos garantir a
autoafirmação, pois, pela lógica de sua estrutura básica – por definição –, ine-
xiste a cisão entre corpo e voz, entre o titular da ação e o ato, entre mandar e
obedecer12; enfim, entre volição/juízo e sua expressão.13 Isso tem implicações

11  Note-se, a participação como categoria prática é política. Há agir por si, mas não comporta
a diferenciação entre agir em si e para si, que supõem um terceiro observador e, nesse sentido,
remete ao plano das categorias teóricas. Tampouco comporta distinções oriundas das teorias da
agência (politológicas, sociológicas ou filosóficas) que explicam o que os agentes fazem e, por
definição, diluem a ilusão da agência própria do mundo dos atores (Pena, 2012). Sobre o papel
da ilusão necessária na participação, ver Szwako (2012).
12  Emblematicamente, as narrativas zapatista e autonomista, entre outras, reivindicam a pos-
sibilidade factual de anular tal cisão mediante a criação sugestiva de oximoros como “mandar
obedecendo”.
13  Cabe lembrar que tal conexão jaz na base da utopia política moderna do poder legítimo
como um poder consentido ou não cindido em relação à volição e o juízo da sociedade: o ideal
de que o homem obedeça à Lei por ele produzida como um ato de realização de sua liberdade;
ato de autodeterminação – na sua condição de cidadão – mediada pela Lei. No plano macro-his-
tórico, é a separação ou cisão entre o corpo político (Estado) e o corpo social (sociedade civil),
e a desnaturalização do poder (tipicamente o Monarca) como encarnação da unidade de ambos
que funda a problemática moderna da legitimidade, animando uma longa tradição de debates
na filosofia e teoria políticas acerca da reconexão entre política e sociedade em registros compa-
tíveis com a república, ou, na linguagem política do século XX, com a democracia (Luhmann,

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relevantes por vários motivos. Interessa aqui notar que a estrutura básica da
participação produz efeitos práticos de três ordens que ajudam a entender sua
força ideacional como categoria prática. Primeiro, produz efeitos de legitimi-
dade. É legítimo alguém expressar sua vontade e avaliação sobre algum assunto
de interesse em pauta simplesmente porque, ao fazê-lo em primeira pessoa do
singular (“eu prefiro”, “eu acho”), justificativas sobre a autenticidade da volição
ou juízo tornam-se desnecessárias – sujeito e expressão estão fundidos. Trata-
se de uma legitimidade tautológica, pois derivada da estrutura básica da par-
ticipação, a qual diz respeito ao ato de expressar em si e não ao seu conteúdo.
É possível discordar acerca do conteúdo – que precisa de justificação – sem,
no entanto, levantar qualquer reparo sobre a legitimidade do ato de exprimi-lo
(autoafirmação).
Em segundo lugar, a estrutura básica da participação como categoria
prática produz um efeito de ocultação do caráter indireto da política e desloca
esse atributo como característica da política dos outros, não raro daqueles que
atuam no mundo institucional ou nos circuitos tradicionais da representação
e da gestão pública. Graças a esse feito, a invocação da participação introduz
uma oposição entre formas de política direta e indireta, as primeiras signifi-
cadas como mais genuínas, autênticas e democráticas, enquanto as segundas
como distorcidas, falseadas e não democráticas – oposição que ganhou o mote
arguto de mito rousseauniano da participação (Zaremberg & Welp, 2020).
Porém, a política é, por definição, indireta: mediação na construção de gru-
pos, no labor coletivo de fazê-los falar, demandar e agir (Zaremberg, Gurza
Lavalle & Guarneros-Meza, 2017). Um grupo é falado por alguém, suas
demandas ganham densidade como construção discursiva, sua ação só pode
ocorrer mediante coordenação e o sentido de seu agir é enunciado por alguém.
Lideranças de movimentos sociais e associações, por exemplo, costumam invo-
car a participação para “descrever” seus atos, embora estejam a falar dos anseios
de outrem, em nome de um grupo ou de uma categoria social. Instituições
como conselhos gestores de políticas, por sua vez, são consideradas partici-
pativas, embora elas contemplem fundamentalmente a inclusão de represen-
tantes de atores coletivos (associações da sociedade civil) e, portanto, supo-
nham intermediação e, mais especificamente, representação (Almeida, 2015;
Lüchmann, 2011). Note-se que mesmo quando o caráter participativo dessas
instituições é descrito em termos coletivos, quer dizer, justificado pela “parti-
cipação de atores coletivos”, ocorre uma reificação do ator como agente direto

1993). Na participação como categoria prática, essa reconexão ou conciliação não é necessária,
pois inexiste a cisão.

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da ação, a qual obnubila a intermediação operada pelos representantes que, na
realidade, ocupam as cadeiras dessas instituições em seu nome. Certamente
o caráter indireto da política (indirectedness) comporta graus, distanciamento
e tensão variáveis entre corpo e voz, entre o intermediado e o intermediá-
rio, entre representante e representado, mas a força ideacional da participação
como categoria prática na projeção de horizontes morais reside em que pos-
tula a supressão dessa distância, a eliminação da mediação (Urbinati, 2006;
Zaremberg, Guarneros Meza & Gurza Lavalle, 2017).
Graças à estrutura básica e aos efeitos por ela produzidos, a participação
como categoria prática produz um terceiro efeito: a projeção de horizontes
morais para ação política. Nesse sentido, remete não apenas à materialização
institucional de projetos políticos de determinados atores, ou à mobilização
popular em defesa de determinada causa ou outros significados específicos re-
levantes para um dado momento e lugar, mas também, e fundamentalmente, ao
horizonte do possível, operando como base moral de lutas pelo reconhecimen-
to, à la Honneth (1997). Como significante moral, ela carrega o potencial que
os atores nela constroem na ampliação do politicamente possível para disputar
direitos, instituições, políticas e, em suma, possibilidades de futuro. O modelo
de Honneth, que desenvolve uma visão de gramática moral, define que as lutas
sociais podem ser compreendidas em registro moral, como estando motivadas
pelo impulso individual e coletivo do reconhecimento intersubjetivo da identi-
dade. As experiências individuais e coletivas de desprezo – de direitos, de reco-
nhecimento – operam como um incentivo moral potencial para as lutas sociais,
desde que articuladas com duas condições: primeiro, sua transformação em
motivação de um “outro generalizado” (para nós, pela projeção de horizontes
morais permitida pelo caráter aberto da participação como categoria prática)
e, segundo, a existência de uma semântica social que lhe permita ligar a expe-
riência do desprezo com sua interpretação como base das lutas pelo reconhe-
cimento (semântica que pode ser nutrida pelas possibilidades de vinculação da
categoria prática “participação”). Os agentes têm o potencial de transformar
sua situação de indignidade se afirmando ao agir e propiciando (mediante a
invocação da participação, ou seja, significando sua prática como participação)
que outros ajam projetando seus horizontes morais. Assim, a estrutura básica
da participação pode operar como uma base moral para mobilização à medida
que se mostra eficaz e eficiente nessa lógica da transformação política baseada
em uma convicção moral de reconhecimento. A participação como catego-
ria prática favorece a percepção de “efetividade” como capacidade de alcançar
um efeito desejado sem intermediação; ainda, sugere “eficiência” ou estimula

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a percepção da ampliação dessa capacidade, porque, pela semântica desenvol-
vida na prática político-cultural, permite ampliar o campo do politicamente
possível propiciando a ação de atores coletivos e indivíduos e a mobilização de
recursos a seu alcance como se fosse ação direta.
As inflexões expostas não apenas trouxeram ganhos analíticos, centran-
do o foco sobre questões cruciais, mas inescapavelmente introduzem delimi-
tações restritivas à categoria e à projeção indeterminada de horizontes morais
para a ação. Como categoria aberta à projeção de desideratos diversos, parecia
fadada a animar diagnósticos sob o signo da falta e da denúncia do falseamen-
to da participação, sobrecarregando de expectativas normativas os processos
de institucionalização ocorridos na pós-transição. As inflexões selecionaram
conjuntos delimitados de expectativas politicamente relevantes, suspenderam
outros múltiplos sentidos projetados sobre o processo de institucionalização e
permitiram proceder de modo mais parcimonioso: especificar o interesse em
efeitos de controle democrático ou accountability societal, por exemplo, não es-
gota as virtualidades positivas da participação, mas obriga a definir parâmetros
claros para estudar o controle e a especificar mecanismos mediante os quais se
espera que a participação seja capaz de produzir tal controle. Continuando o
exemplo, ao definir a participação em termos de controle, não apenas se sus-
pende a atenção sobre dimensões normativas diversas – como a formação de
cidadania, a definição vinculante de políticas ou outras –, mas os controladores
deixam de ser considerados expressão direta da sociedade, legítima a priori
(“quem controla os controladores”). Igualmente, ao se abordar as instituições
participativas em termos de sua efetividade sobre variáveis de desempenho de
políticas públicas, focaram-se os outcomes e suspendeu-se a atenção sobre os
atores, justamente em um campo que tinha chegado ao mundo das instituições
seguindo os atores sociais e suas apostas políticas.
Uma consequência das especificações conceituais próprias a cada infle-
xão, bem como das delimitações restritivas inerentes a tais especificações, foi
suspender a atenção sobre os sentidos mais amplos da participação, colocados
em jogo pela prática política dos atores. Mas, ao fazer isso, as inflexões introdu-
ziram preocupações teóricas que permitiram indagar caminhos para a amplia-
ção do possível em outro plano e para além do horizonte da atuação dos atores:
pluralizar a representação, pensar em regimes de controle democrático além
da accountability eleitoral ou iluminar a qualidade da participação que não se
esgota em mera presença, mas requer procedimentos para a deliberação. Como
parte significativa do campo movimentalista voltou-se para os processos de
institucionalização, sem dúvida aqueles politicamente mais relevantes na nova

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república, a suspensão sobre os sentidos amplos da participação como catego-
ria prática foi compensada pelos ganhos cognitivos sem, aparentemente, deixar
escapar por algum tempo deslocamentos de sentido nas práticas dos atores
– apenas aparentemente, pois ganhos analíticos e restrições são duas faces da
mesma moeda e, assim, restaram fora dos quadros analíticos e dos escopos
empíricos atores e sentidos que irromperam como se fossem novos em 2013.
As transformações políticas ocorridas desde então acentuaram a pertinência de
se pesquisar sistematicamente quais os sentidos da participação como catego-
ria prática quando invocada por esses atores que irromperam no cenário. Não
se trata de abolir as diferenças entre a participação como categoria prática e
como categoria teórica, assumindo como verdadeiro o discurso dos atores e as
novidades por eles reivindicadas. Antes, tenciona-se atentar para o caráter ra-
dicalmente aberto da participação como categoria prática, suscitando atenção
para a importância de se apreender seus sentidos emergentes nos usos nativos,
iluminado os horizontes morais de futuro inscritos em tais usos que, eventual-
mente, podem trazer consigo implicações teóricas relevantes e, se tal for o caso,
poderão ser exploradas teoricamente suspendendo a lógica da estrutura básica.
Dois casos de natureza muito distinta podem auxiliar na compreensão
das proposições avançadas nesta seção. Em contextos marcados por violência
extrema e violações sistemáticas de direitos humanos, como o caso do México e
os milhares de desaparecidos vítimas do crime organizado, por exemplo, a par-
ticipação como categoria prática alude a um engajamento como “tomar conta
de”, como uma ação de se afirmar encarnando uma resistência ao sem-sentido
perpetuado não apenas pelas organizações criminosas, mas pela ineficiência do
mundo das instituições do Estado. Trata-se do agir dos parentes dos desapa-
recidos, também vítimas de violência, que tomam conta por si e de si, trans-
formando em um problema público aquilo que era nomeado como algo priva-
do – amiúde deslegitimando instituições e atores estatais (Ansolabehere &
Valle De Bethencourt, 2017). De modo mais específico, perante o descaso,
incompetência, impotência e, por vezes, cumplicidade das autoridades como
os perpetradores de violência, a invocação da participação conduz à noção de
que só as famílias das vítimas podem cuidar de si e fazer com que suas deman-
das sejam atendidas, mediante ação política direta. A participação é legítima
porque os familiares, normalmente as mães, falam de si, de sua perda, de uma
experiência própria. A projeção de um horizonte moral comum não sempre
aspira encontrar com vida os familiares desaparecidos, e sequer à identificação
e punição dos culpados, mas a evitar o acúmulo de injustiças, reivindicando o
direito das famílias a saber, a receber um trato digno por parte das autoridades

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e a que seja outorgado status administrativo expedito aos desaparecidos, evi-
tando que tais famílias amarguem, além da dor da perda, inúmeros inconve-
nientes derivados do limbo institucional em que permanecem os desaparecidos
(Ansolabehere & Valle De Bethencourt, 2017). Embora as organizações
de mães tenham se tornado porta-vozes das famílias dos desaparecidos e, em
atuação conjunta com ONGs de defesa de direitos humanos, tenham enta-
buado interfaces de diálogo com as autoridades, “participação” como ação por
si para “tomar conta de si” – portanto, sem mediação – encerra um conjun-
to de promessas inscritas nesse horizonte moral e incita à ação coletiva pelo
reconhecimento.
O caso extremo citado acima contém um duplo aspecto que ilumina de
modo esclarecedor a relação entre o caráter indireto da política (intermedia-
ção/representação) e os efeitos de legitimidade e ocultação da intermediação
produzidos pela participação como categoria prática. De um lado, o “outro” só
ganha “materialidade” se alguém reivindicar sua existência: alguém (“repre-
sentante”) falando em nome da pessoa desaparecida é necessário para que ela
seja tornada presente como “vítima”, se materializada sob um status político
específico, de “pessoa desaparecida” (agora, finalmente “representada”). Assim,
os parentes podem reivindicar sua busca de modo legítimo perante as auto-
ridades. De outro, o movimento de busca de pessoas desaparecidas, em suas
múltiplas funções de mediação, exemplifica as lutas pelo reconhecimento que,
no caso, construíram um novo campo de política pública. Nele, atores sociais
avançaram suas demandas mediante a criação de representantes reconhecidos
como tais pelas autoridades, atores que se afirmam mediante uma narrativa
estruturada pela radicalidade da participação, não só porque buscam “eles mes-
mos” a seus entes queridos, mas, sobretudo, porque fazem “por si mesmos” o
que o Estado, “os representantes”, são incapazes de fazer.
O segundo exemplo é emblemático quanto à obnubilação da mediação
e diz respeito ao uso de plataformas digitais de tipo, estrutura e escopo muito
diversos. Nelas, usuários parecem agir por si, de modo direto, e fazem-no, en-
tre outras coisas, estimulados por uma percepção de eficiência ampliada para
a consecução dos efeitos desejados graças a uma mediação (algo e alguém):
as plataformas digitais e as pessoas que as fazem, implementam, gerenciam
etc. Ao mesmo tempo, os usuários se compreendem como “participantes” que
agem sem mediadores. A prática político-cultural dos agentes é animada por
uma semântica em que se inibe pensar em plataformas e dispositivos digitais
– e nos agentes que as projetam, implementam, moderam etc. – como modos
de mediação e, amiúde, de representação, interpretando-as como formas de

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ação política direta. Embora o oposto lógico da participação seja a abstenção
– como não participação (Plotke, 1997) –, a semântica sociocultural predo-
minante permitiu a generalização de duas ideias persistentes e poderosas: que a
representação como mediação é oposta à participação e que, consequentemen-
te, as plataformas digitais podem desempenhar um papel corretivo nessa (falsa)
oposição. Entretanto, algoritmos e suas funções nos mecanismos de busca, de
agregação e difusão são produto de escolhas que dificilmente poderiam ser
qualificadas como neutras.

Levar os atores a sério...

Levar os atores a sério é uma implicação incontornável das proposições


avançadas neste capítulo, mas suas implicações podem não ser óbvias e me-
recem explicitação e reiteração. Primeiro, em virtude de sua estrutura básica,
a participação como categoria prática enseja a projeção de horizontes morais
compartilhados, propiciando a ação coletiva, e, assim, os atores produzem efei-
tos ao invocá-la. Compreender esses efeitos e a produção coletiva de sentido
visada mediante sua invocação é um problema de pesquisa ao qual o campo
de estudos da participação dedicou – comparativamente e por motivos exa-
minados na segunda seção – pouca atenção. Nesse sentido, participação não
é um dado, nem seus sentidos se encontram cifrados nas teorias, e sequer é
possível derivá-los a partir delas. Segundo, afirmar que os sentidos da par-
ticipação precisam ser indagados implica, por um lado, tal e como realizado
pelas diferentes inflexões analíticas, explorar os potenciais teóricos das práticas
dos atores mediante dinâmica de aproximação e distanciamento que evitem
a positivação acrítica de discursos e atos pelo valor de sua autoapresentação,
transportando esse registro nativo diretamente à teoria. Quando os atores in-
vocam a participação como expressão enfática de autonomia, por exemplo, é
procedente indagar a produção de sentidos visada mediante essa invocação
na ação situada de tais atores (Szwako & Gurza Lavalle, 2019). Em nada
contribuiria à produção de conhecimento e à compreensão desses atores se os
autores afirmassem ingenuamente, positivando o discurso nativo, que os atores
são autônomos ou que participam para realizar sua autonomia; isto é, em nada
contribuiria se os autores concluíssem o trabalho de indagação precisamente
no ponto onde deveria iniciar. Por fim, levar os atores a sério no exame da
participação implica entabular um diálogo crítico explícito entre os pressu-
postos teóricos dos autores e as práticas dos atores, extraindo as consequências
críticas dessas práticas para as perspectivas teóricas que informam a pesquisa

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– afinal, atores possuem suas próprias teorias nativas ou leigas (Perissinotto
& Szwako, 2017; Maio, 2019) – e, vice-versa, avaliando essas práticas à luz das
teorias e seus pressupostos normativos.
Dois possíveis reparos poderiam ser formulados quanto às consequên-
cias analíticas e metodológicas de se aceitar a estrutura básica da participação
e de se deslocar a compreensão de seus sentidos para o plano da invocação da
participação na prática dos atores. O primeiro reparo diz respeito à perda de
“gume crítico” da participação no plano da teoria pelos efeitos de igualação ou
equivalência analítica entre experiências substantivamente muito diversas de
participação. Se toda participação é, pela sua estrutura básica, legítima, não
se estariam igualando experiências de participação politicamente muito dis-
similares – de esquerda, de direita, conservadoras ou fascistas, até? Restringir
o uso teórico da categoria de modo a compreender apenas experiências ou
práticas associadas à defesa de valores ou pautas progressistas impõe custos
cognitivos elevados, já apontados e devidamente criticados em lógica análoga
no campo de estudos dos movimentos sociais e da desinstitucionalização. Há
participação no Ku Klux Klan ou nos movimentos pró-vida, que, em princípio,
é tão participação quanto aquela que ocorre em movimentos no espectro das
esquerdas ou que abandeiram causas comprometidas com a defesa dos direitos
humanos.
Os sentidos da participação não são transparentes ou dados imediata-
mente pelo simples fato de ela ocorrer nos extremos do espectro político: sua
compreensão demanda pesquisa. O conteúdo moral das demandas dos ato-
res da participação deve ser objeto de indagação e crítica político-cultural, e
não atributo virtuoso derivado do status de participante (ou não) dos diversos
atores. Por isso, indagar não é concordar: cabe ao pesquisador ser explícito
quanto aos seus pressupostos normativos e escolhas teóricas, suspender pro-
visoriamente o juízo para tornar possível a compreensão e produção de co-
nhecimento e, só depois, exercer a crítica informada por esses pressupostos.
Embora as implicações dessa simetrização da participação produzam maior
desconforto em casos do espectro político da extrema direita, semelhantes aos
dos três exemplos acima, as inflexões aqui examinadas realizaram esse trabalho
se debruçando sobre as práticas de atores do espectro das esquerdas. Nem todo
exercício da participação é democrática, deliberativa ou emancipatória (nem
precisa ser), para mencionar três enquadramentos teóricos com pressupostos
normativos próprios; mas, se levados os atores a sério, sua participação não
pode ser caracterizada teoricamente pela negatividade, pela ausência ou por
aquilo que não é, e sim, se quisermos entendê-la, por aquilo que os atores visam

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ao invocá-la na sua prática. E os sentidos dos atores amiúde escapam das teo-
rias, como evidenciado logo no primeiro parágrafo deste capítulo.
O segundo reparo diz respeito aos riscos de se reduzir a prática da par-
ticipação à “participação como categoria prática”; quer dizer, remete ao possí-
vel esvaziamento da primeira por expressões de caráter discursivo. De modo
a evitar mal-entendidos, a questão precisa ser abordada a partir de mais de
um flanco: o significado ou definição de categoria prática, sua relação com a
ação e sua compreensão ou a produção de conhecimento mediante sua análise.
“Categorias” não são meras palavras na linguagem dos atores: elas estruturam
semanticamente o vocabulário político mediante o qual eles concebem, descre-
vem e atuam no mundo; elas são sistemas de classificação que a um só tempo
ordenam moralmente a relação dos atores com o mundo (Szwako & Gurza
Lavalle, 2019) e produzem-no como construção social graças à mediação do
sentido (Berger & Luckmann, 2004). Assim, a ação é inseparável das cate-
gorias que lhe definem o sentido. Como tratado alhures, “a forma pela qual
os movimentos sociais articulam suas demandas e tornam públicas denúncias
daquilo que seus participantes consideram injusto envolve centralmente a pro-
dução de categorias” (Szwako & Gurza Lavalle, 2019). Seu papel mal pode
ser iluminado mediante a distinção entre “discurso” e “ação”, especialmente
quando ela confere à segunda o status de índice das verdadeiras intenções do
ator, enquanto reduz o primeiro à verbalização inconsequente. “Discursos” não
apenas são uma forma de ação sobre o mundo, como eles se encontram ine-
rentemente imbricados a outras formas de ação que integram, em conjunto, a
prática dos atores. A compreensão da partição da participação como categoria
prática requer, assim, atenção aos sentidos visados pelos atores mediante sua
invocação situada no tempo e no espaço, e no bojo das ações que, nesse con-
texto, constituem a prática dos atores. Esse último flanco remete a implicações
metodológicas.
No plano metodológico, se debruçar sobre a participação como catego-
ria prática, levando a sério os atores, tem três implicações que, de certo modo,
podem operar também como cânones ou orientações para o trabalho de pes-
quisa. Primeiro, na perspectiva situada no ator, e como mostrado pela inflexão
que atentou para a racionalidade política, o foco não privilegia apenas o agen-
te que invoca a participação na sua prática, mas também seus interlocutores.
Quando analisado um fenômeno participativo, reconstroem-se os motivos dos
atores que participam, mas também dos que não participam e dos que são seus
interlocutores (governamentais, político partidários, societais). Dessa forma, a
perspectiva centrada no ator é uma visão socioantropológica, uma forma de se

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situar diante de uma realidade em exame. Em segundo lugar, assume-se que a
participação como categoria prática é relacional e múltipla: relacional porque
a característica da relação, aquilo que nela ocorre, não é passível de dedução a
partir dos atributos dos atores; quer dizer, os atributos não são suficientes para
compreender o vínculo entre eles. A descrição da ação dos atores significada
como participação não possui vantagens cognitivas em si para produzir com-
preensão, pois o tratamento da participação precisa ser relacional – relações
com outros atores, inclusive com suas próprias “bases”. Os modos de relação
devem ser objeto de reflexão e análise e não definidos ou deduzidos a priori.
Ademais, a participação como categoria prática é múltipla porque os modos
de relação comportam variadas relações com lógicas diversas (por exemplo,
representação, cogestão, controle ou autogestão) – lógicas articuladas à mesma
prática, cuja apreensão requer focar na mediação e suas múltiplas funções. Por
fim, a terceira implicação ou orientação reside na centralidade concedida à
historicidade da participação, mesmo que expressão de uma estrutura bási-
ca idêntica. A historicidade implica atentar para as camadas sobrepostas de
sentidos no tempo, mas também para as trajetórias, raras vezes lineares, das
experiências, do agir, das instituições, que explicam o presente.
Por fim, a relação de aproximação e distanciamento entre a participação
como categoria prática e como categoria teórica supõe uma dupla reflexividade
com consequências produtivas. Conforme elucidado, a categoria teórica exerce
uma simplificação, mediante abstração, da complexidade contida na realidade
concreta das práticas, desenvolvendo uma suspensão dos sentidos produzidos
pelas invocações realizadas cotidianamente pelos atores. Contudo, a relação
não é unilateral, ocorrendo no sentido de um desdobramento das mudanças
nas práticas dos atores sobre a reflexão teórica dos autores; antes, a recepção
direta ou indireta das elaborações teóricas – e a cercania e, por vezes, coin-
cidência entre ambos (autores e atores) – não deixa intactos os atores que,
respectivamente, mantêm uma relação reflexiva com suas práticas e, eventual-
mente, as modificam.

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11. Os coletivos sob um olhar culturalista:
deslocamentos analíticos

Matheus Mazzilli Pereira


Jonas Medeiros

A igualdade promovida dentro do grupo era erigida como valor fun-


damental para todos os aspectos da vida de seus integrantes. Sempre
se buscou apagar ou neutralizar qualquer diferença maior que surgisse
entre eles. Embora seu sucesso nisso tenha sido somente parcial, não se
pode negar que uma das preocupações centrais do grupo era o combate
à consolidação de qualquer tipo de hierarquia em seu seio. Em várias
ocasiões, por exemplo, [...] os integrantes [...] reafirmaram o princípio
de rotatividade absoluta dos coordenadores dos subgrupos, objetivando
uma chance a todos, mesmo aos seus integrantes menos experientes,
de assumir posições de comando [...]. Um dos métodos usados para
promover esse sentimento, de comunidade e igualdade na carência, era a
criação de subgrupos de identificação/reconhecimento, nos quais se dis-
cutiam publicamente as vivências de cada participante [...] muitas vezes
em grande detalhe. Dizia-se que isso levaria a uma melhor compreen-
são de seus significados políticos [...]. Como resultado, estabeleciam-se
relações muito intensas e emotivas entre os participantes, criando-se
uma forte identificação entre eles, comumente acompanhadas de senti-
mentos de euforia e até da fraternidade universal do comunitas (Mcrae,
2018, p. 344).

Introdução

Ao longo dos últimos anos, em especial após o ciclo de protestos de


junho de 2013, pesquisadoras de movimentos sociais no Brasil tem acompa-
nhado com atenção o surgimento de novas formas de organização coletiva
que têm se consolidado no contexto nacional: os chamados “coletivos” (Gohn,
2014, 2017; Gohn, Penteado & Marques, 2020; Perez & Silva Filho,
2017). Esses novos formatos organizativos apresentariam, de acordo com a
literatura e com seus próprios integrantes, diversas inovações, tais como a bus-
ca pela horizontalidade em suas formas de organização, pela autonomia em
relação à política institucional e pela ressignificação das identidades de grupos
marginalizados na sociedade contemporânea, opondo-se a outras formas de

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ação coletiva vistas como “tradicionais”, tais como partidos, sindicatos e orga-
nizações de movimentos sociais.
O texto do antropólogo Edward McRae publicado em 2018 e inserido
na epígrafe deste capítulo descreve um grupo semelhante, no qual a busca de
horizontalidade, a rejeição das hierarquias e a construção de relações de con-
fiança e afetividade entre atores que compartilham identidades marginalizadas
e experiências de exclusão são valores centrais para seus integrantes. O texto,
porém, não é uma análise dos novos coletivos, mas sim do grupo “Somos”, fun-
dado em São Paulo em 1978, e considerado por diversas especialistas no tema
uma das organizações precursoras do movimento de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais (LGBT+) brasileiro.
Esse exemplo mostra que, embora os coletivos tenham sido descritos por
diversos autores a partir de seu caráter de “novidade”, formatos organizativos
semelhantes podem ser observados na história da ação coletiva contestatória
brasileira. Conforme destaca parte da literatura, experiências de organização
da ação coletiva semelhantes aos coletivos contemporâneos – e até mesmo essa
nomenclatura – podem ser observadas em momentos históricos que abrangem
desde o modernismo no início do século XX até experiências contemporâneas
como o altermundialismo na virada da década de 1990 para 2000, passando
por experiências de mobilização coletiva em torno de temas como as desi-
gualdades raciais e de gênero e sexualidade nas décadas de 1970 e 1980, como
aquela descrita por McRae (Marques & Marx, 2020; Perez, 2019; Sposito,
Almeida & Corrochano, 2020). Diante desse cenário, cabe questionar: por
que a categoria “coletivos” se fortalece na gramática ativista como uma alterna-
tiva a outras que nomeiam formas de organização política tidas como diversas
(tais como “movimentos sociais”) mesmo diante de eventuais semelhanças em
suas práticas?
Para refletir sobre essa questão, neste capítulo, partimos das contribui-
ções de abordagens culturalistas no estudo de movimentos sociais, postas em
diálogo com a literatura sobre coletivos no Brasil contemporâneo. A partir
desse diálogo, propomos cinco deslocamentos analíticos para a análise dos co-
letivos, que consistem em: 1) rejeitar explicações tecno-deterministas para seu
surgimento; 2) tomar a noção de “coletivos” como uma categoria nativa que
reúne em si modelos organizativos diversos que compõem um repertório or-
ganizativo mais amplo e, da mesma forma, examinar as noções de “autonomia”
e “horizontalidade” como categorias nativas; 3) compreender as afirmações
dos sujeitos acerca da horizontalidade e da autonomia dos chamados coletivos
como reivindicações nativas construídas a partir de associações metonímicas

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que conectam esses valores à noção ampla de “coletivos”; 4) identificar os sen-
tidos de diferenciação dessa reivindicação, situando-a em um campo relacional
marcado pela disputa acerca da legitimidade da ação política dos atores; e,
finalmente, 5) relacionar as disputas em torno da definição das próprias ca-
tegorias metonimicamente associadas umas às outras a um conflito em torno
da “real representação” de tais categorias. Assim, nos interessa menos aqui a
interrogação sobre a “realidade” dos aspectos de “novidade”, “horizontalidade”
e “autonomia” dos coletivos e mais as interrogações sobre as motivações e os
efeitos da construção das associações realizadas pelos próprios atores entre os
chamados coletivos e essas características. A partir desses deslocamentos ana-
líticos, ao final do capítulo, propomos uma definição de coletivos que enfatiza
os processos de diferenciação e disputa simbólicas entre atores coletivos.
Para isso, em um primeiro momento, realizaremos uma breve explo-
ração da contribuição de perspectivas culturalistas no estudo de movimentos
sociais e, em especial, no estudo dos modelos de organização dos movimentos.
A seguir, buscamos conectar esse debate à literatura recente sobre os chama-
dos coletivos, desenvolvendo os cinco deslocamentos analíticos que propomos
neste capítulo. Cabe destacar que este texto está baseado, em grande medida,
na articulação entre abordagens culturalistas no estudo de movimentos sociais
e em evidências empíricas secundárias advindas da revisão da literatura sobre
os coletivos contemporâneos no Brasil; portanto, seus argumentos têm caráter
de hipóteses a serem desenvolvidas em estudos posteriores.

Organização e cultura

A influência da cultura sobre os processos de ação e organização coletiva


tem sido um tema recorrente das teorias dos movimentos sociais. O conceito
de “repertórios” de Charles Tilly enfatiza, desde sua origem, que as formas de
ação disponíveis para ativistas de movimentos sociais são conformadas histo-
ricamente a partir de dinâmicas políticas e culturais, dispondo os ativistas de
um número limitado de táticas de promoção da ação coletiva (Alonso, 2012;
Tilly, 1978).
Elizabeth Clemens amplia o escopo da metáfora tillyiana para o estudo
das formas de organização dos movimentos sociais. A pesquisadora se contra-
põe à tese de inspiração weberiana da “lei de ferro da oligarquia” formulada por
Robert Michels, que sugere que as organizações tenderiam a adotar modelos
burocráticos devido a sua eficácia e a sua legitimidade, o que, em última ins-
tância, favoreceria a cooptação (Clemens, 1993, 2010; Clemens & Minkoff,

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2004). Analisando a mobilização de grupos de mulheres estadunidenses entre
o final do século XIX e o início do século XX, a pesquisadora chega a duas
conclusões que tensionam essa tese1:

O primeiro ponto é que a escolha de modelos organizacionais não é


governada apenas por considerações instrumentais [...]. O segundo é
que as sociedades complexas apresentam muitos modelos possíveis de
organização – múltiplas combinações entre hierarquia, centralização,
autoridade e intercâmbio – que podem ser simultaneamente “legítimos”
e incompatíveis (Clemens, 2010, p. 179).

Baseando-se nessas conclusões, a autora desenvolve o conceito de “re-


pertórios organizacionais”, definindo-os como o “conjunto de modelos orga-
nizacionais2 cultural e empiricamente disponíveis” (Clemens, 2010, p. 165).
A partir desse conceito, a autora indica que, além das formas de ação, também
os modelos organizacionais adotados por movimentos sociais e outros atores
coletivos se transformam ao longo da história e se diferenciam entre movi-
mentos contemporâneos, e que os critérios que regem o processo de escolha de
modelos dentro desse repertório mais amplo não obedecem apenas a lógicas
puramente instrumentais, mas também simbólicas e expressivas (Clemens,
1993, 1996, 2010; Clemens & Minkoff, 2004).
Esse último argumento tem sido aprofundado nos últimos anos por
abordagens culturalistas sobre os movimentos sociais. De forma geral, tais
perspectivas culturalistas – desenvolvidas por autoras como Francesca Polletta
e James Jasper – foram construídas em diálogo crítico em relação aos pressu-
postos racionalistas e cognitivistas da chamada Teoria do Processo Político
(TPP) e suas derivações – como a contentious politics. Tais abordagens têm en-
fatizado a importância da cultura, da moralidade e das emoções nos processos
de mobilização coletiva, indicando que o surgimento, o desenvolvimento e os
desfechos de processos de contestação e conflito não são regidos apenas pela
avaliação racional dos atores diante de determinado contexto político (como
sugere o modelo do processo político em suas formulações mais básicas)3 nem

1  Clemens (1993, 1996, 2010) também se contrapõe à “lei de ferro da oligarquia” ao indicar
que inovações nos repertórios organizacionais produzidas por meio de processos de bricolagem
são capazes de produzir mudanças institucionais no campo no qual essas organizações estão
situadas, rompendo com a tendência de cooptação indicada por Michels.
2  Por sua vez, de acordo com a autora, os modelos organizacionais “compreendem tanto
padrões para os arranjos de relações no interior de uma organização como conjuntos de roteiros
para a ação culturalmente associados com esse tipo de organização” (Clemens, 2010, p. 164).
3  Ver, por exemplo, McAdam (1982).

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apenas pela construção estratégica de mensagens de mobilização em busca de
um alinhamento cognitivo entre ativistas e seus interlocutores (como enfatiza
o conceito de enquadramento)4 ( Jasper, 1997; Polletta, 1997).
No que se refere especificamente às formas de ação e organização dos
movimentos sociais5, um importante conceito proposto no âmbito dessas
abordagens é o de “gostos por táticas”. Esse conceito sugere que as formas de
ação e os modelos organizativos dos movimentos sociais não são por eles ado-
tados apenas a partir de critérios que buscam maximizar sua efetividade diante
de determinada configuração do confronto político. Táticas não seriam meros
meios neutros utilizados para a obtenção dos fins almejados pelos ativistas, já
que também “representam importantes rotinas emocional e moralmente rele-
vantes para a vida das pessoas” ( Jasper, 1997, p. 237). Dessa forma, ativistas de
movimentos sociais criariam uma densa rede que conecta diversos significados
e emoções às suas formas de ação e organização.
Polletta (2006, 2012) denomina essas relações simbólica e discursiva-
mente construídas entre táticas e significados de “associações metonímicas”.
De acordo com a autora, uma metonímia é uma “figura de linguagem na qual
uma palavra ou imagem invoca outra” (Polletta, 2012, p. 51, tradução livre).
Associações metonímicas são construídas, em boa parte dos casos, de forma
implícita pelos atores, influenciando suas escolhas táticas de forma pouco per-
ceptível. Em outros casos, porém, essas relações são explicitamente construídas
e defendidas pelos ativistas (Polletta, 2006; 2012).
A construção de uma rede de associações metonímicas influencia o pro-
cesso de escolha tática na medida em que a adoção de um modelo organizativo
ou de uma forma de ação é em parte motivada pela adesão ou pela rejeição
de significados que foram conectados de forma explícita ou implícita a essas
táticas. Nas palavras da autora:

Nós sabemos que grupos de movimentos adotam alvos, táticas e estraté-


gias não apenas porque elas têm grande probabilidade de serem efetivas,
nem apenas porque elas são consistentes com os compromissos ideoló-
gicos expressos do grupo, mas também, em muitos casos, porque elas
estão simbolicamente associadas a pessoas ou coisas que são atrativas
por outros motivos ou porque elas se opõem simbolicamente a pessoas
ou coisas que são pouco atrativas por outros motivos (Polletta, 2012,
p. 52, tradução livre).

4  Ver, por exemplo, Snow e seus colaboradores (1986).


5  Para uma revisão das contribuições dessas perspectivas em relação a esse tema em diálogo
com os conceitos de “repertórios” e “performances”, ver Pereira e Silva (2020).

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Diversos significados são associados metonimicamente às formas de
ação e aos modelos de organização dos movimentos sociais. Destacaremos
neste capítulo: 1) os valores, 2) as identidades coletivas e 3) as prefigurações.
Primeiramente, valores como “liberdade” e “autonomia”, dentre outros,
podem ser associados metonimicamente a determinados modelos de orga-
nização. Um exemplo dessas associações pode ser encontrado no estudo de
Polletta (2005; 2006) sobre a crescente rejeição a modelos não hierárquicos
em uma organização do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. A
pesquisadora argumenta que, nas origens desse grupo, o uso de procedimentos
participativos em seus processos de organização foi colocado em equivalência
à afirmação da liberdade dos ativistas negros diante de seus antagonistas bran-
cos, valorizando-se, por exemplo, a influência das bases do movimento sobre o
grupo que esse modelo permitia. Porém, a partir de mudanças programáticas
e de escala na organização, bem como da incorporação de ativistas brancos em
seus quadros, os sentidos associados a esse modelo de organização de trans-
formaram. A busca por formas não hierárquicas de organização passou a ser
associada, pelo contrário, à afirmação de valores de classe média e academicis-
tas dos seus colegas brancos de ativismo, que criariam obstáculos para o forta-
lecimento das lideranças negras no interior do movimento e para a definição
programática do grupo. Assim, formas de organização baseadas na democracia
participativa deixaram de ser vistas como sinônimos de liberdade, passando a
ser vistas como símbolos da opressão, demonstrando o caráter contingente e
construído de seus significados.
Esse exemplo também indica que formas de organização são meto-
nimicamente associadas a grupos e identidades (Clemens, 1996; Clemens
& Minkoff, 2004; Polletta, 2005, 2006). No caso analisado por Polletta
(2005; 2006), a afirmação da identidade dos ativistas negros do movimento
dos direitos civis em contraste aos seus antagonistas e colegas brancos foi ora
colocada em equivalência à construção de modelos organizativos horizontais
que valorizassem a participação das bases do movimento e ora à afirmação de
modelos verticais que destacassem lideranças negras. Nessa perspectiva, “or-
ganizações são reconhecidas como arenas para o desenvolvimento de práticas
e identidades ativistas” (Clemens & Minkoff, 2004, p. 158, tradução livre).
Organização e identidade se entrelaçam de maneiras diversas. Em um
primeiro sentido, a organização coletiva contribui para o processo mais am-
plo de construção identitária, já que “formas organizacionais definem grupos
como ‘pessoas que agem de determinada maneira’” e que, portanto, “a respos-
ta para a pergunta ‘Como nos organizamos?’ tem reverberações internas no

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desenvolvimento de identidades coletivas” (Clemens, 1996, p. 206-209, tra-
dução livre). Da mesma forma, em um segundo sentido, a construção das iden-
tidades coletivas pode ter impactos sobre a adesão a determinado modelo de
organização, já que as identidades podem estar fortemente associadas a dadas
formas de ação ou organização e, assim, ser ativista de determinado movimen-
to pode significar necessariamente agir ou se organizar de determinada forma
(Polletta & Jasper, 2001).
Por fim, modelos organizativos também podem ser associados metoni-
micamente a dados horizontes normativos de transformação social, na medi-
da em que as formas de organização dos movimentos sociais podem integrar
esforços de “política prefigurativa”. Em suas práticas de política prefigurativa,
ativistas buscam através de suas rotinas de ação e organização não apenas a
produção e a circulação abstratas de significados políticos que projetem rela-
ções sociais e futuros alternativos, mas também a experimentação cotidiana,
aliada à discussão coletiva de normas de conduta que possam efetivá-las na
prática a partir de intervenções realizadas nos espaços de convivência entre os
atores, bem como do esforço de difusão dessas práticas para outros grupos; ou
seja, em ações prefigurativas, alguns dos elementos dos horizontes normativos
defendidos e projetados pelos movimentos sociais são idealizados, experimen-
tados, operacionalizados, praticados e difundidos em algumas de suas rotinas
organizativas (Yates, 2015). Assim,

as formas através das quais a ação política é performatizada e o cotidia-


no nos movimentos sociais é vivenciado são altamente significativas não
apenas porque elas determinam o quão eficazes as lutas pela mudança
social podem ser, mas também porque elas ajudam a explicar a própria
formação e a composição dos movimentos, coletivos e estruturas de so-
lidariedade (Yates, 2015, p. 19, tradução livre).

Portanto, a afirmação de determinado formato organizativo e sua expe-


rimentação pode estar associada à defesa de ideais profundos de transformação
social defendidos por determinado movimento, associados metonimicamente
a esse modelo organizativo. Pelo contrário, a rejeição a determinado modelo
pode ser associada à reprodução das estruturas sociais que mantém relações de
poder e desigualdade combatidas pelos ativistas.
Dessa forma, em resumo, perspectivas culturalistas sugerem que são
construídas associações simbólicas metonímicas entre modelos organizativos,
identidades, valores e prefigurações. Portanto, a adesão a determinada forma de
organização pode significar para os ativistas (de forma mais ou menos explíci-
ta) não apenas um meio eficaz para o alcance dos objetos por eles almejados,

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mas também a afirmação dos significados a ele associados, se tornando moral
e emocionalmente central para suas experiências. A defesa de determinado
modelo organizacional pode ser vista pelos ativistas também como a defesa
desses significados.
Nessa perspectiva, portanto, para que se torne possível a compreensão
da adesão de ativistas a determinado modelo organizacional, é necessária

atenção sistemática às associações simbólicas e as oposições que estru-


turam as escolhas dos ativistas por formas organizacionais, às origens
sociais dessas associações e oposições e às suas consequências para as
trajetórias e os impactos dos grupos de movimentos (Polletta, 2005,
p. 175, tradução livre).

Em outras palavras, para compreender a adesão de um grupo de ativis-


tas a um modelo organizacional é necessário reconstruir a rede de associações
metonímicas na qual ele está inserido.
É importante ressaltar que associações metonímicas que constroem as
redes de significados conectados e expressos por modelos organizacionais não
formam estruturas de significado fixas e rígidas, mas, pelo contrário, estão em
constante transformação e disputa. Modelos organizacionais que, para alguns,
significam liberdade e autonomia, para outros podem significar despolitização
e ineficácia. Formas de organização uma vez celebradas como o caminho para
a mudança social podem ser vistas pelos mesmos atores que as defenderam, em
outro momento histórico, como as responsáveis pela manutenção das relações
de poder e desigualdade existentes em uma sociedade.
Ademais, ressaltamos que a contestação em relação a um “nó” dessa rede
de significados, implica, em muitos casos, na contestação implícita aos demais
“nós” a ele conectados. No âmbito desse processo, a própria definição nativa
das formas de ação e organização também pode, eventualmente, entrar em
disputa. Por exemplo, se a partir de determinado conjunto de associações um
“verdadeiro movimento social” é visto como aquele que se organiza de deter-
minada maneira, tida como aquela capaz de promover dado ideal normativo,
outros formatos organizativos podem ter sua correspondência com a ideia de
“movimentos sociais” contestada por supostamente não promover esse mes-
mo ideal normativo. Dito de outra forma, as próprias categorias que definem
determinado formato organizativo são plurais e estão em disputa a partir das
associações metonímicas que são criadas ao seu redor. Da mesma forma, os
próprios valores associados a esses formatos organizativos são também plurais
e são disputados a partir das associações metonímicas construídas ao seu redor.

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Deslocamentos analíticos para a análise dos coletivos

Como essas reflexões teóricas sobre associações metonímicas e disputas


nativas em torno de escolhas táticas se relacionam ao debate sobre os coleti-
vos? Para responder a essa questão, vamos primeiro analisar a literatura recente
sobre esse tema, para então sugerir deslocamentos analíticos a partir da pers-
pectiva delineada anteriormente.
De acordo com a literatura, os coletivos podem ser considerados novos
atores políticos que se apresentam nos últimos anos no Brasil, em especial a
partir da eclosão do ciclo de protestos em torno de 2013 e de um sentimento
amplo e difuso de rejeição à política institucional e a outras formas “tradicio-
nais” de ação política, tais como as de organizações de movimentos sociais
(Gohn, Penteado & Marques, 2020; Perez, 2019). Os coletivos estariam
vinculados, em especial (mas não exclusivamente), a iniciativas de jovens que
compõem uma nova geração de ativistas, que atuam em espaços e campos di-
versos (Sposito, Almeida & Corrochano, 2020) buscando se distanciar das
práticas de gerações anteriores, associadas a tais formas “tradicionais” de ação.
Ao analisar e descrever a emergência dos coletivos contemporâneos no
Brasil, a literatura especializada tem, ela mesma, associado esse modelo orga-
nizativo a valores – como horizontalidade e autonomia – e identidades. No
que se refere à “horizontalidade”, indica-se que um ponto em comum entre os
coletivos seria o uso de formas de organização percebidas como horizontais,
pautadas pela participação e, assim, livres de hierarquias claras e rígidas (Faria,
2020a, 2020b; Perez & Silva Filho, 2020; Marques & Marx, 2020). Essa
forma de organização seria um fator central na própria definição dos coletivos
em contraste a outras formas de ação coletiva. A partir de sua revisão da lite-
ratura, por exemplo, Perez e Silva Filho (2017, p. 270, grifos nossos) afirmam
que “é possível definir os coletivos enquanto formas de mobilização da sociedade
civil regidas pelos princípios da horizontalidade, não institucionalidade, tempora-
lidade [fluida] e auto-organização”.
Para explicar o surgimento de tais formas horizontais de organização,
diversas vezes a literatura sobre coletivos parte de premissas tecno-determi-
nistas; ou seja, atribui às redes sociais digitais um papel de causalidade deter-
minante em relação ao surgimento de novos modelos organizativos. A emer-
gência de formas de organização horizontais estaria fortemente associada ao
uso de novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC’s), tais como
as redes sociais digitais, que estariam marcadas por uma “lógica colaborativa”

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que fomentaria fluxos de comunicação menos verticais (Thiebes et al., 2020;
Valiengo & Oliveira, 2020). Conforme Valiengo e Oliveira (2020):

A lógica colaborativa das redes ressoa com uma visão compartilhada dos
fazeres dos grupos que está diretamente relacionada à autodenominação
“coletivo”. Para os grupos que se entendem no campo político anticapi-
talista, soma-se uma camada conceitual dessa prática, pois a organização
colaborativa permite exercitar formas que sejam opostas à lógica indi-
vidualista e competitiva do capitalismo (Valiengo & Oliveira, 2020,
p. 86).

Nessa mesma linha, a utilização das redes sociais Facebook e Instagram


por parte de coletivos juvenis de Teresina, por exemplo, é interpretada por
Coimbra e Morais (2020, p. 169) como uma “presença no ciberespaço” que
seria expressão “da cultura digital [...] desse coletivismo”, tomando a cultura
como um efeito da tecnologia.
A literatura atribui como consequência da organização horizontal a
possibilidade de afirmação da “autonomia” dos coletivos em relação ao sistema
capitalista de forma ampla, à política institucional e a atores políticos tidos
como “tradicionais”, tais como partidos e sindicatos, fortemente criticados pe-
los coletivos (Faria, 2020a, 2020b; Marques & Marx, 2020). Assim, é rea-
lizada uma segunda associação entre coletivos e valores pela literatura, nesse
caso, entre coletivos e a noção de “autonomia”.
Em sua análise de coletivos na Grande Vitória que atuaram durante
o ciclo de protestos de junho de 2013, Resende, Pacheco e Marchesi (2020),
por exemplo, buscaram cartografar as continuidades e rupturas desses atores
coletivos com relação a padrões organizativos e repertórios de ação coletiva
anteriores. Seu artigo organiza as diferenças, contrastes, singularidades e ino-
vações dos coletivos segundo quatro noções típico-ideais: captura, incidência,
dissidência e ruptura. Os dois polos que organizam a análise se referem à maior
proximidade ou maior distanciamento com relação ao Estado. O polo da cap-
tura se orientaria para os assujeitamentos, assimilações e repetições e seria
constituído por grupos que dialogam mais intensamente com partidos e go-
vernos e agem mais de acordo com aquela que seria a lógica própria ao Estado,
a racionalidade burocrática. Já o polo da resistência, atribuído aos coletivos,
se orientaria mais para as rupturas e subversões, assim como para a combati-
vidade. Dessa forma, a adoção desses modelos horizontais de organização, ao
mesmo tempo em que demarcaria uma diferença entre os coletivos e os atores
políticos vistos como “tradicionais”, possibilitaria que os coletivos resistissem

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às tentativas de “captura” e “cooptação” advindas do sistema capitalista e das
instituições políticas (Resende, Pacheco & Marchesi, 2020). Em resumo,

organizações horizontais com relações de poder fluidas, com tarefas e


capacidades decisórias bem distribuídas, também se aproximam da no-
ção de resistência, pois revelam rejeição à forma hierárquica e burocrá-
tica moderna que tão bem tem servido às instituições que reproduzem
relações de dominação, como a igreja, o Estado ou as corporações com
fins lucrativos [...]. Grupos muito estáveis e organizados da sociedade
civil tendem a ser esvaziados do caráter conflitivo e assumem para si a
governamentalidade do Estado, atendendo em alguma medida aos in-
teresses deste. [...] A estabilidade que demonstram e o pragmatismo de
suas decisões, pelo contrário, configuram tais grupos como órgãos adja-
centes ao Estado. Trata-se de um exemplo de sociedade organizada sem
fins econômicos, porém capturada pela política convencional das insti-
tuições estatais (Resende, Pacheco & Marchesi, 2020, p. 147-148).

Uma segunda consequência da adoção de um modelo organizativo hori-


zontal seria a ressignificação de identidades coletivas estigmatizadas. Assim, a
literatura realiza outra associação, essa entre os coletivos e determinadas iden-
tidades. Destaca-se, por exemplo, a recorrência de questões relativas a gênero
e sexualidade no campo de interesse e atuação dos coletivos em uma ótica de
luta por reconhecimento (Martins, 2020; Monaco, 2020; Perez & Silva
Filho, 2017; Perez & Souza, 2020; Sposito, Almeida & Corrochano,
2020). Nesse sentido, Faria (2020a) afirma que os coletivos contemporâneos
buscam produzir um “espaço de aparecimento” nos quais o reconhecimento e a
legitimação de identidades e corpos marginalizados é vivido no cotidiano dos
grupos.
Nessa linha, Martins (2020) analisa coletivos religiosos evangélicos e
feministas que lutam contra violência de gênero (tanto no espaço doméstico
quanto no espaço religioso) e a favor da legalização do aborto. De acordo com
a autora, tais coletivos utilizam a internet (como páginas e comunidades na
rede social Facebook) para veicular vozes dissonantes que são emudecidas e
censuradas de modo arbitrário no espaço eclesial. Sua entrada no ensino supe-
rior teria incentivado uma desconstrução dos papéis tradicionais de gênero, o
que as teria levado a novas visões e interpretações, entrando em conflito com o
“ethos familista que os evangélicos conservadores/tradicionais possuem” e pro-
movendo uma disputa em torno de valores no campo evangélico (Martins,
2020, p. 274).
Já no caso do coletivo bissexual analisado por Monaco (2020), destaca-se
o processo de ressignificação de identidades realizado nas atividades cotidianas

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do coletivo. A principal forma de ação do repertório do Coletivo B (nome
inventado pela autora para preservar o anonimato dos sujeitos) são as chama-
das Rodas de Validação de Experiências Bissexuais, cujo objetivo principal é a
criação de espaços seguros de acolhimento. Quando as pessoas se descobrem
bissexuais, a autora argumenta, vivem experiências de invalidação, rejeição e
violência, além de sentimentos de solidão, dúvida e confusão, que produzem
sofrimentos e adoecimentos psíquicos. Os espaços de troca e de convivência
entre pessoas bissexuais construído pelo coletivo proporcionaria a autocriação
de uma comunidade, o que permitiria o combate àquelas experiências de dis-
criminação por meio da construção de vínculos de sociabilidade, solidariedade
e apoio mútuo. Estas práticas seriam fundamentais não apenas para a constru-
ção de uma identidade coletiva bissexual (uma narrativa que nomeia, visibiliza,
ressignifica e legitima experiências vividas), mas também para preservação da
saúde mental de seus integrantes.
Ainda no que se refere às identidades, é destacado o caráter interseccio-
nal dos processos de identificação ocorridos nos coletivos. A noção de “inter-
seccionalidade” teria se constituído nos últimos anos como uma “nova lingua-
gem contenciosa, que passa a expressar de forma mais evidente as articulações
entre o feminismo e o antirracismo na esfera pública com vistas a problema-
tizar as múltiplas formas de opressão social” (Rios, Perez & Ricoldi, 2018,
p. 49). Analisando transformações recentes nos ativismos feminista, negro e
LGBTI, Facchini, Carmo e Lima (2020) argumentam que o significado dessa
noção para os coletivos não se limita ao entrecruzamento de identidades e
relações de poder, mas também expressa uma ênfase dos membros dos coleti-
vos nas suas experiências diferenciais que formariam subjetividades múltiplas,
afastando-os assim do “essencialismo estratégico” observado em organizações
de movimentos sociais.
Assim, em resumo, a literatura indica que os coletivos podem ser carac-
terizados pela horizontalidade, pela autonomia e pelo potencial de afirmação
e, especialmente, de ressignificação de identidades e corpos estigmatizados
em uma lógica interseccional. Contudo, essa mesma literatura também for-
nece evidências empíricas e, por vezes, reflexões analíticas, que apontam para
a polissemia dos significados dessas afirmações. Neste trabalho, nos detere-
mos na polissemia dos significados associados às noções de “horizontalidade”
e “autonomia”.
No que se refere ao primeiro desses significados, estudos descrevem for-
mas de organização existentes nos coletivos que são de natureza diversa, tais
como a existência de um “núcleo duro” de ativistas que organizam as atividades

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do grupo, o estabelecimento de lideranças rotativas, a realização de assembleias
coletivas, o uso de votações simples para expressão da vontade de maioria dos
membros, a descentralização das decisões em grupos de trabalho específicos,
e arranjos mais informais baseados em indivíduos que se tornam “referências
circunstanciais” pela demonstração de capacidade de liderança em momen-
tos específicos (Faria, 2020a; Thiebes et al., 2020; Marques & Marx, 2020;
Valiengo & Oliveira, 2020). Em outros casos, coletivos podem até mesmo
conciliar uma estrutura hierárquica central de um partido a uma dinâmica
participativa para a tomada de decisões pontuais (Perez, 2019). Assim, cabe
indagar se as formas de organização vistas como sinônimo de “horizontali-
dade” para uns não poderiam ser consideradas por outros, antes, formas de
instituição de novas hierarquias.
Já no que se refere à “autonomia”, é possível observar essa mesma polis-
semia. Estudos têm indicado, por exemplo, que os diferentes coletivos adotam
formas distintas de financiamento, tais como o uso exclusivo de recursos inter-
nos, o oferecimento de serviços a terceiros, o financiamento de organizações do
terceiro setor nacionais e internacionais e a utilização de recursos estatais para
implementação de políticas públicas, estabelecendo relações diversas entre co-
letivo, Estado e mercado (Thiebes et al. 2020; Valiengo & Oliveira; 2020).
Aqui cabe destacar que formas de financiamento como o acesso a recursos para
implementação de políticas públicas podem ser motivo de ampla controvérsia
entre os atores, podendo ser vistos ora como garantia de sobrevivência e auto-
nomia, ora como sinal de cooptação e captura.
Ainda no que se refere à diversidade dos significados de “autonomia”, a
literatura apresenta exemplos que apontam para uma diversidade de relações
possíveis entre os “coletivos”, a política institucional e atores coletivos como
partidos e organizações de movimentos sociais (Marques & Marx, 2020).
Apesar de indicar-se, em geral, a rejeição dos coletivos em relação a esses es-
paços e atores, estudos empíricos descrevem a existência de coletivos que es-
tabelecem fortes relações com secretarias de Estado, com organizações vistas
como “tradicionais”, tais como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e até
mesmo coletivos que surgem no interior dos partidos políticos e disputam car-
gos através de candidaturas coletivas (Faria, 2020a; q, 2019; Perez & Silva
Filho, 2018; Perez & Souza, 2020).
Assim, em relação aos partidos, por exemplo, a “autonomia” pode ser
vista como a completa rejeição à filiação partidária, como a possibilidade de
filiação, mas com ênfase nas decisões do coletivo em detrimento das orienta-
ções dos partidos ou, ainda, apenas como uma distinção em relação às formas

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de organização e ação adotadas pelas cúpulas partidárias, em especial nos casos
dos coletivos vinculados a partidos (Perez, 2019; Perez & Souza, 2020). Já
no que se refere às relações com o Estado, Oliveira e Dowbor (2020a; 2020b)
identificam três sentidos que a “autonomia” adquire para os movimentos so-
ciais: 1) a autonomia das práticas cotidianas dos grupos, vinculada à negação
do Estado em sua totalidade e à construção de modos de vida à sua margem;
2) a autonomia das táticas de ação e organização utilizadas em confronto com
o Estado, vinculada à negação de canais institucionais e de decisões específicas
do Estado e à construção do conflito extrainstitucional; e 3) a autonomia de
decisão sobre as formas de ação e organização em interações socioestatais por
vias institucionais, vinculada à negação das desigualdades produzidas pela ação
estatal e à construção de alternativas para políticas públicas. Assim, práticas
que podem ser vistas como “autônomas” no último desses sentidos nativos (tal
como a inserção em redes de políticas públicas) podem ser tidas como evidên-
cias de cooptação no primeiro deles.
Em parte, essa diversidade de concepções sobre os termos “horizontali-
dade” e “autonomia” se relaciona à própria amplitude das formas de organização
reunidas pela literatura em análises sobre coletivos. São reunidos nessa mesma
categoria grupos que atuam com atividades como apresentações musicais e
gastronomia, grupos que atuam na área da comunicação política, grupos cuja
atuação está mais fortemente marcada pela busca de influência sobre políticas
públicas (como de gênero, de educação ou de drogas) tanto à esquerda quanto
à direita do espectro político e até mesmo grupos que compõem “bancadas
coletivas” em mandatos parlamentares, para citar apenas alguns exemplos.
Em suma, embora em grande parte da literatura sobre o tema a existên-
cia de horizontalidade e autonomia nos coletivos sejam postas como consta-
tações empíricas acerca dos coletivos, esses mesmos estudos indicam que “ho-
rizontalidade” e “autonomia” podem ter significados distintos para diferentes
coletivos e que estes reúnem formas de organização e ação fortemente distintas
entre si. Diante dessa constatação e a partir da perspectiva teórica delineada
anteriormente, propomos cinco deslocamentos analíticos.
Nosso primeiro deslocamento analítico sugere um afastamento em rela-
ção a explicações tecno-deterministas presentes em parte da literatura revisada
em favor de um olhar que enfatize a importância dos valores para a construção
dos coletivos, já adotado por algumas pesquisadoras brasileiras. A reflexão de
Michael Warner (1990) no campo da teoria da esfera pública alerta para a
necessidade de evitar premissas teóricas que apontem o desenvolvimento de

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novas TICs como suas causas absolutas6. Warner argumenta que é preciso re-
cusar a premissa de que a tecnologia (seja a mídia impressa – como em seu es-
tudo histórico sobre os EUA colonial –, seja a mídia digital – como nos estudos
que estamos aqui tematizando) teria um status ontológico anterior à cultura
(Warner, 1990, p. 7-10). Em muitos casos, o tecno-determinismo decorre de
escolhas metodológicas que privilegiam o online, abstraindo o offline. Logo,
trata-se de um recorte metodológico que confirma, a priori, a sua hipótese teó-
rico-conceitual, pois não investiga uma parte relevante da realidade empírica
que se desdobra de modo invisível para quem decide focar-se apenas nas redes
sociais digitais.
Conforme visto anteriormente, em parte da literatura revisada, as no-
ções e conceitos de “novíssimos movimentos sociais” e de “ação conectiva” as-
sumem viés tecno-determinista na medida em que se argumenta que as redes
sociais digitais que produziriam modelos de organização mais autônomos e
horizontais. Em outros casos, contudo, afastando-se dessa perspectiva, o surgi-
mento dos coletivos é explicado por fatores simbólicos. Nos estudos pioneiros
de Gohn (2014; 2017) sobre os coletivos, por exemplo, frisa-se a centralidade
dos princípios libertários e anarquistas na construção dessas novas formas de
ativismo. O deslocamento central para evitar e superar a hipótese tecno-deter-
minista, nesse caso, é a proposição de uma hipótese que indica que princípios
anarquistas inspirados em uma cultura libertária teriam alimentado os novos
coletivos7. Nessa perspectiva, contudo, a generalidade do caráter “autônomo” e
“horizontal” dos coletivos (que seria explicada pela cultura libertária) é tomada
como um dado e permanece pouco questionada do ponto de vista analítico. É
nesse sentido que nossos próximos deslocamentos nos afastam dessa literatura.
Nosso segundo deslocamento analítico sugere que, antes de considerar-
mos os “coletivos” uma categoria analítica que descreve um modelo organizati-
vo empiricamente delimitado, devemos considerar os “coletivos” uma categoria
nativa que reúne em si modelos organizativos diversos e que compõem um re-
pertório organizativo mais amplo. Nesse sentido, devemos esperar que, quando
atores distintos afirmam se organizar na forma de “coletivos”, é provável que
estejam se referindo com um mesmo termo a formas de organização que, na

6  A perspectiva de Warner pode ser vista uma crítica a autores como Marshall McLuhan e à
Escola de Toronto de teoria da comunicação.
7  Mesmo assim, uma agenda de pesquisa de maior fôlego do que este capítulo precisaria dar
conta dos grupos ativistas que se reivindicam como coletivos, autônomos e horizontais, mas
que não são explicitamente anarquistas ou autonomistas; uma hipótese alternativa seria buscar
explicações mais profundas do que a adesão explícita a valores libertários, tais como os processos
contemporâneos de socialização e de individuação (Castells, 2013; Dubet, 1996).

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prática, são consideravelmente diferentes entre si. Diante de tal diversidade
interna, não caberia buscar a formulação de uma “definição conceitual ampla”
que possa capturá-la, mas sim reconhecer a amplitude da categoria enquanto
definição nativa.
Da mesma forma, é necessário também conceber as noções de “auto-
nomia” e “horizontalidade” como categorias nativas. Nesse ponto, nos apro-
ximamos de autores que, embora não tenham analisado os coletivos de forma
específica, alertam para os riscos da transposição da noção de “autonomia” do
vocabulário nativo para a gramática analítico-conceitual de maneira acrítica e
para a importância da compreensão dos sentidos nativos e dos efeitos que a
evocação de categorias como “participação”, “autonomia” e “cooptação” adqui-
rem em diferentes contextos práticos (Gurza Lavalle & Isunza Vera, nes-
te volume; Gurza Lavalle & Szwako, 2015; Oliveira & Dowbor, 2020a,
2020b).
Nosso terceiro deslocamento pretende tomar as afirmações dos sujeitos
acerca da horizontalidade e da autonomia de todos os modelos de organização
descritos por eles como “coletivos” não como evidências empíricas de caracte-
rísticas intrínsecas a esses modelos de organização, mas antes como reivindi-
cações dos próprios sujeitos; ou seja, é necessário compreendê-las como equi-
valências construídas pelos próprios atores através de associações metonímicas
que conectam à noção ampla de “coletivos” os valores de “horizontalidade” e
“autonomia”. Assim, compreende-se que quando um grupo se autodenomi-
na como um “coletivo” ele está, ao mesmo tempo, de forma metonímica, se
afirmando como defensor de determinados valores, identidades e projetos de
mudança social a ele associados.
Um quarto deslocamento consiste em identificar os sentidos de diferen-
ciação externa dessa reivindicação, situando-a em um campo relacional mais
amplo marcado pela disputa acerca de legitimidade da ação política dos atores.
Nesse ponto, nos aproximamos de Marques e Marx (2020), que argumentam
que a adesão aos coletivos pode ser vista como a afirmação de uma “posição
diferencial” em relação a outros atores, tais como partidos, sindicatos e organi-
zações de movimentos sociais. Em suas palavras:

ao se identificarem como coletivos e como ativistas de coletivos, os sujei-


tos mobilizam diferentes significados na demarcação de fronteiras con-
ceituais em relação a outras formas de mobilização, organização e ação
da sociedade civil contemporânea (Marques & Marx, 2020, p. 11).

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Esse argumento também se assemelha ao de Perez e Souza (2020), que
tomam a ênfase na “novidade” e na “autonomia” dos coletivos como discursos
dos sujeitos que os integram para demarcar uma diferença em relação a atores
como os partidos políticos8. De forma semelhante, Monaco (2020) argumen-
ta que a forma “coletivo” que foi assumida pelos ativistas bissexuais por ela
analisados é, implicitamente, uma crítica a modalidades mais tradicionais de
organização de movimentos sociais, uma vez que o movimento LGBT+ ins-
titucionalizado é visto como um espaço que reproduz bifobia e invisibilização
da bissexualidade por esses coletivos.
Essa diferenciação é essencial, uma vez que esses atores em relação aos
quais os coletivos buscam afirmar sua diferença são associados também de for-
ma metonímica a significados vistos como negativos e opostos àqueles conec-
tados aos coletivos, tais como “alienação”, “verticalização” e “cooptação” em um
contexto de desconfiança em relação às instituições. Nesse sentido, afirmar-se
como um coletivo significa metonimicamente afastar-se de identidades, valo-
res e projetos normativos negativamente associados a esses grupos. Portanto,
“ser um coletivo” não significa para os sujeitos apenas organizar-se de determi-
nada maneira, mas também – e mais importante – rejeitar uma série de valores

8  Nesse sentido, Tori, Homma e Fiacadori (2020) perdem uma oportunidade preciosa de
explorar como atores políticos com valores diversos mobilizam diferencialmente as noções de
“coletivo”, “horizontalidade” e “autonomia”. Seu artigo analisa as ocupações secundaristas em
2015 em São Paulo e como dois atores formados por apoiadores da mobilização estudantil (O
Mal Educado e Não Fechem Minha Escola) utilizaram a rede social Facebook por meio de
suas respectivas páginas. Os autores caracterizam O Mal Educado como um coletivo e, a seguir,
descrevem a página Não Fechem Minha Escola como formada por “ativistas autônomos” ou
“independentes” (Tori, Homma & Fiacadori, 2020, p. 100, 108), não deixando claro se essa
classificação está baseada em categorias nativas ou se são imputações analíticas realizadas pelos
pesquisadores. Por conta de outra pesquisa realizada por um dos autores (Campos, Medeiros
& Ribeiro, 2016), foi possível mapear como O Mal Educado era um coletivo que reivindicava
abertamente uma identidade coletiva e uma cultura política autonomistas, com estreitas ligações
com o também autonomista Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP), e como a página
Não Fechem Minha Escola possuía ligações estreitas com o coletivo Juntos, a juventude parti-
dária da tendência MES (Movimento Esquerda Socialista) do PSOL. O problema de pesquisa
poderia ter buscado a articulação entre categorias nativas e categorias analíticas (ou seja, proble-
matizações sociológicas) para dar conta de como e porque um coletivo partidário de inspiração
neotrotskista (vanguardista, portanto) poderia ser compreendido ou não como participando de
um grupo de ativistas “autônomos” ou “independentes” (noções centrais para a identidade co-
letiva de outro ator político, concorrendo por apoio entre a base de estudantes secundaristas
mobilizados e na própria esfera pública mais ampla). A hipótese expressa em Campos, Medeiros
e Ribeiro (2016, p. 159) se liga a um diagnóstico de que uma cultura política de desconfiança
enraizada na sociedade com relação ao sistema político leva atores político-partidários a se apre-
sentarem como autônomos e horizontais a fim de buscar maior eficácia em seu papel de apoio
no seio da sociedade civil e de disseminação de informações nas redes sociais.

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e significados implicitamente conectados a formas de organização vistas como
distintas, comumente associadas a outras gerações de ativistas.
Antes de ser tomada como um dado, a afirmação dessa diferença deve
ser considerada também uma reivindicação nativa, sendo problematizada do
ponto de vista sociológico. Primeiro, porque pressupõe rompimento completo
com modelos organizativos vistos como distintos que, para isso, devem ser
caraterizados de forma uniforme; isto é, pressupõe que partidos e organizações
de movimentos sociais – os atores políticos “tradicionais” – se organizam todos
de maneira hierárquica e não autônoma e, portanto, se diferenciam fortemente
dos coletivos contemporâneos. No entanto, conforme vimos anteriormente,
é possível observar formas organizativas diversas nas experiências dos movi-
mentos sociais “tradicionais”, tal como o exemplo apresentado na introdução
desse capítulo. Em segundo lugar, pressupõe relativa homogeneidade entre os
chamados coletivos em suas formas de organização e ação, bem como relativo
consenso entre os sujeitos sobre os significados de termos como “horizontali-
dade” e “hierarquia” no interior dos próprios coletivos (Perez & Souza, 2020).
É nesse ponto que propomos nosso quinto e último deslocamento, que
consiste em analisar as disputas em torno da definição das próprias categorias
metonimicamente associadas umas às outras e como elas se relacionam a um
conflito em torno da “real representação” de significados positivados. Quando
os membros de um coletivo afirmam expressar a partir de suas próprias formas
de organização valores como “autonomia” e “horizontalidade” e associam a elas
um referente empírico particular, estão se engajando de forma mais ou me-
nos implícita em disputas em torno da definição dessas categorias (“coletivos”,
“horizontalidade” e “autonomia”) e, portanto, em torno de quais grupos, de
fato, as representam; ou seja, se engajam em disputas sobre quem “realmente”
é um coletivo autônomo e horizontal. Assim, afirmar-se como um coletivo
não significa apenas diferenciar-se de um “outro” (como os partidos e os sin-
dicatos), mas também disputar onde as fronteiras entre o “eu” e o “outro” estão
situadas. Afirmar-se como um coletivo significa, em última instância, portanto,
defender ser um representante autêntico e legítimo de valores, identidades e
projetos políticos em um campo mais amplo de relações contenciosas.
É claro que coletivos podem, de fato, estar marcados por práticas ho-
rizontais e autônomas e pela ressignificação de identidades estigmatizadas;
porém, em nossa perspectiva, importa menos a “realidade” de tais práticas e
mais os significados dessas reivindicações nativas e as disputas em torno delas.
Nessa perspectiva, portanto, importa menos a indagação sobre a “real autono-
mia” ou a “real horizontalidade” dos coletivos e mais a busca pela reconstrução

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das redes de associação metonímica entre formas de organização, valores, iden-
tidades e prefigurações, que permite compreender que a afirmação e a defesa
de determinado formato organizativo se situam em um contexto de disputa
simbólica e política sobre a legitimidade da ação política na qual os ativistas de
diferentes gerações estão envolvidos.
Em suma, a partir dessas reflexões, propomos que os “coletivos” são uma
pluralidade de modelos organizativos – que compõem um repertório organiza-
tivo mais amplo – reunidas sob uma mesma categoria nativa associada meto-
nimicamente a valores, identidades e prefigurações vistas como positivas pelos
atores. Essas associações, ao mesmo tempo em que constroem uma diferença
simbólica em relação aos “outros” atores políticos (os “tradicionais” militantes
de outras gerações), também estão em disputa entre os diversos atores que
reivindicam a identidade de “coletivos”, que assim negociam a definição desse
“nós”. Essa disputa em torno das fronteiras entre o “nós” (coletivos) e o “eles”
(atores políticos “tradicionais”) importa na medida em que está metonimica-
mente associada à disputa pela “real” representação de valores positivados em
um campo relacional e contencioso composto por gerações e perfis distintos
de ativismo no qual está em jogo a própria legitimidade da ação política desses
atores.

Considerações finais

Iniciamos este capítulo com uma pergunta: por que a categoria “co-
letivos” se fortalece na gramática ativista como uma alternativa a outras que
nomeiam formas de organização política tidas como diversas (tais como “mo-
vimentos sociais”) mesmo diante de eventuais semelhanças em suas práticas?
Para respondê-la, realizamos aqui cinco deslocamentos analíticos.
Primeiro nos afastamos de explicações técnico-deterministas que bus-
cam explicar o surgimento dos coletivos por mudanças tecnológicas. Segundo,
colocamos em suspenso desde a formulação dessa problemática a noção de
“coletivos” e a concebemos como uma categoria nativa que reúne formatos
organizativos diversos. Terceiro, suspendemos também o caráter analítico da
associação entre coletivos e valores como horizontalidade e autonomia, pas-
sando a tomá-las como associações metonímicas. Dessa forma, não tomamos
a “autonomia” e “horizontalidade” como valores inerentes aos coletivos, mas
como características que são associadas pelos sujeitos aos seus próprios mode-
los organizativos.

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A seguir, em quarto lugar, argumentamos que o uso dessa categoria na-
tiva e sua associação metonímica à “horizontalidade” e à “autonomia” se dá em
uma tentativa de diferenciação simbólica dos coletivos em relação a outros ato-
res coletivos. A construção de associações metonímicas que conectam os cole-
tivos ao par horizontalidade-autonomia e opõem essa tríade a formas de ação
política vistas como “tradicionais” associadas ao par autoritarismo-cooptação
opera como uma reivindicação de legitimidade da ação política dos coletivos
em oposição a outros atores políticos, vinculados em muitos casos a outras
gerações de ativismo. Nesse ponto está nosso argumento central em relação à
questão proposta.
Nosso quinto deslocamento, porém, estabelece um adendo em relação a
esse argumento. É preciso analisar que, mesmo entre coletivos, os sentidos de
“autonomia” e “horizontalidade” não são únicos, mas estão também em disputa.
Dessa forma, o campo de disputa mencionado anteriormente não está marcado
apenas por conflitos simbólicos entre os “coletivos” e os “atores tradicionais”,
mas também entre os diversos atores que reivindicam o rótulo de “coletivos”.
A partir desses deslocamentos, nos afastamos da literatura que tem
compreendido os coletivos como expressões de uma reorientação inédita dos
formatos associativos contemporâneos em direção a uma maior autonomia em
relação às instituições e a uma maior horizontalidade em suas relações internas.
Nossa contribuição busca enfatizar a importância de investigar a diversidade
dos diversos sentidos atribuídos pelos atores sociais a esses valores, questionar
sociologicamente as associações por eles realizadas entre esses valores e suas
práticas e observar os sentidos implícitos que tais associações adquirem em um
contexto prático de interação contenciosa.
Embora essas contribuições estejam mais diretamente relacionadas ao
debate em torno dos novos coletivos, acreditamos que os deslocamentos ana-
líticos aqui propostos também são pertinentes para o exame mais geral do
processo de revalorização dos ideais de “autonomia” e “horizontalidade” entre
ativistas e organizações de movimentos sociais. Também nesses casos nos pa-
rece produtivo compreender a reivindicação de tais valores como processos
de associação metonímica permeados por sentidos de diferenciação e disputa
simbólica entre atores coletivos em um campo de mobilização e conflito.
Isso significa que os coletivos (e outros atores coletivos contemporâ-
neos) não são novos, horizontais e autônomos? Mesmo que tenhamos, ao lon-
go do capítulo, suspendido essas questões para compreender as motivações e os
efeitos da resposta positiva dada pelos sujeitos a ela, tomando assim a resposta
a essa questão mais como uma disputa nativa e menos como uma controvérsia

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sociológica, podemos voltar a refletir sociologicamente sobre elas após esses
deslocamentos.
No que se refere ao seu caráter de novidade, a resposta é, em certo sen-
tido, negativa e, em outro, positiva. Como a própria literatura sobre o tema
demonstra, experiências coletivas que tinham em seus horizontes normativos
a busca por horizontalidade e autonomia são recorrentes na história dos mo-
vimentos sociais e, em alguns casos, essas experiências históricas até mesmo
utilizaram a noção de “coletivos” para sua autoidentificação. Nesse sentido, os
coletivos não são completamente novos e, portanto, não acreditamos que o
rompimento completo com a literatura dedicada à análise dos movimentos
sociais seja profícuo para o estudo dos coletivos.
Porém, em outro sentido, há um caráter de novidade nos coletivos, na
medida em que embora esses valores estejam presentes na história dos movi-
mentos sociais, seus sentidos se atualizam relacional e contextualmente. Se,
conforme argumentamos, “ser um coletivo” hoje significa mais do que um
modo de organização, mas também uma operação de diferenciação e disputa
em relação a outros atores políticos, esses sentidos não necessariamente esta-
vam presentes em momentos posteriores. Assim, seu caráter de novidade está
na “ressignificação estruturalmente inscrita de repertórios” por eles efetuada
(Marques & Marx, 2020, p. 17). Dessa forma, os coletivos se colocam como
objetos de investigação relevantes no campo de estudo de movimentos sociais,
não consistindo em mera repetição.
Nossa resposta para a segunda parte da questão – se os coletivos são
“realmente” horizontais e autônomos – é certamente mais ambígua: depende.
Essa resposta irá variar em razão da opção da pesquisadora por definir esses
termos como categorias analíticas ou como categorias nativas. Na primeira
dessas opções, urge situá-los em uma abordagem teórica robusta sobre formas
de ação e organização coletiva, estabelecendo definições precisas e comparan-
do-as sistematicamente aos referentes empíricos. Na segunda delas, adotada
neste trabalho, é necessário reconhecer os sentidos diversos que esses termos
adquirem em contextos práticos para os sujeitos, bem como as disputas exis-
tentes em torno dessas definições.

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12. O Conceito de Ativismo Digital:
uma agenda para além das fronteiras entre sistema político e
sociedade civil1 

Marisa von Bülow


Danniel Gobbi
Tayrine Dias

Introdução

Os impactos das novas tecnologias digitais na participação política tor-


naram-se, nas últimas décadas, foco das preocupações teóricas de um campo
crescente e multidisciplinar de estudos. Neste capítulo, contribuímos para esse
debate ao propor uma definição de ativismo digital, delimitando suas fron-
teiras conceituais em diálogo com a literatura sobre teorias de movimentos
sociais e de participação política.
Foi apenas com a disseminação das mídias sociais, na segunda década
dos anos 2000, que o tema do ativismo digital entrou com força na agenda
dos estudos de participação e de movimentos sociais. Os usos das tecnologias
digitais para o ativismo datam, no entanto, de muito antes do surgimento de
plataformas como Facebook ou Twitter. Em meados da década de 1980, ainda
na era pré-web, organizações não governamentais nos Estados Unidos criaram
as primeiras redes de comunicação vinculadas por computadores, unindo co-
munidades mobilizadas em torno aos temas da paz, direitos humanos e meio
ambiente (Frederick, 1993, p. 288-289).
Pese às diferenças abismais que, na década de 1980, separavam o Norte
e o Sul global em termos de acesso a computadores e à nascente internet, a
América Latina é parte importante dessa história de pioneirismo. O primei-
ro provedor não acadêmico e não governamental, a rede AlterNex, foi cria-
do no final da década de 1980 pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e

1  Agradecemos os comentários de Rebecca Abers, Debora Rezende, Marcelo Kunrath Silva,


Adrián Gurza Lavalle, Velia Cecilia Bobes, Alexandre Arns e integrantes do grupo de pesquisa
Resocie (IPOL/UnB) a uma versão anterior deste capítulo. Versões preliminares foram apre-
sentadas no Congresso da International Political Science Association (IPSA) de 2021 e no 3º
Simpósio Internacional em Inovação e Governança Digital (Universidade de Brasília, julho de
2021).

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Econômicas (Ibase). Alguns anos depois, entra para a história do ativismo di-
gital a criação de uma rede global de apoio ao Exército Zapatista de Libertação
Nacional (EZLN), no México, formada por páginas web interconectadas e
listas de e-mails (Cleaver, 1998, p. 627-628). Essa rede ajudou a difundir
os “Comunicados da Selva Lacandona” e a organizar ações de solidarieda-
de, entre elas o Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e con-
tra o Neoliberalismo, que reuniu aproximadamente três mil participantes em
Chiapas em 1996 (Ronfeldt et al., 1999, p. 67). O potencial da internet para
o ativismo começava a ser explorado e a alimentar análises otimistas sobre seus
impactos para a democracia.
Campanhas subsequentes levaram tanto ativistas como estudiosos dos
movimentos sociais a atribuírem às novas tecnologias digitais um potencial
até então impensável de democratização e mobilização, a partir das ações da
sociedade civil (Becker et al., 2000; Yitterstad et al., 1996). A ideia de que
a internet representava o início de uma terceira grande época da democra-
cia (Grossman, 1995), a teledemocracia, teve entre os seus adeptos teóricos
sociais como Emitai Etzioni (1993; 1999), que acreditava que muitos dos
problemas práticos da democracia seriam resolvidos pela tecnologia. O surgi-
mento das plataformas de mídias sociais nos anos 2000 amplificou essa visão
otimista. Seu uso intensivo durante a chamada Primavera Árabe (Alrasheed,
2017), os protestos Occupy e Indignados, o movimento estudantil chileno (Von
Bülow, 2018) e as Jornadas de Junho no Brasil, no início da década de 2010,
parecia oferecer evidências claras desse potencial, tanto em contextos autori-
tários como em países democráticos. Uma década depois, no entanto, o fra-
casso das revoltas democratizadoras na maior parte do Oriente Médio e os
escândalos relacionados a coletas massivas de dados, invasão de privacidade
e micro-targeting repercutiram nas visões idealizadas dos impactos políticos
dos usos das novas tecnologias. Contribuíram também para uma perspectiva
menos otimista as análises sobre a atuação das próprias empresas de tecnolo-
gia. Na década de 2010, foram muitos os pesquisadores que denunciaram a
excessiva concentração de poder nas mãos de poucas empresas e criticaram o
modelo de negócio e a falta de transparência com que estas organizam e dis-
tribuem informação e lidam com os dados dos seus usuários (Morozov, 2016;
Zuboff, 2015).
Tanto as projeções pessimistas como as otimistas mostraram-se parcial-
mente congruentes com a realidade de cinco décadas de história do ativismo
digital. De um lado, organizações da sociedade civil e indivíduos utilizaram-se
das novas tecnologias para denunciar opressões sistêmicas, pressionar governos

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por leis e políticas públicas inclusivas e para organizar ações diretas nas esfe-
ras local, nacional e transnacional, como foi o caso das greves feministas e de
mulheres na América Latina, Polônia e Espanha (Dias, 2021) e do movimen-
to Black Lives Matter (Lebron, 2017). Esses atores também desenvolveram
novas “tecnologias cívicas” para aumentar a transparência governamental e
construir fóruns deliberativos democráticos (Aragón, 2019). Por outro lado, a
tecnologia foi usada para ampliar a vigilância e a repressão do Estado sobre a
sociedade civil. A denúncia do ex-agente secreto Edward Snowden, que trouxe
à luz uma ampla rede de vigilância comandada pelas agências de segurança
dos Estados Unidos (Bauman et. al, 2014), bem como o sofisticado sistema de
vigilância social da China (Roberts, 2018), ou o recente escândalo de vigilân-
cia política por spyware perpetrado pela empresa israelense NSO, demonstram
que a apropriação da tecnologia para a vigilância não é mero risco, mas um
processo em curso.
As evidências empíricas mostraram, assim, o duplo caráter do potencial
das novas tecnologias digitais, simultaneamente utópico e distópico, mas não
levaram à superação do binarismo entre otimistas e pessimistas. As expec-
tativas democratizantes e vigilantistas se apoiam, em parte, em um segundo
binarismo: a sociedade civil enquanto terreno libertador, por um lado, e ato-
res do sistema político como agentes da repressão e da vigilância, pelo outro
(Kelly & Cook, 2011; Morozov, 2011; Rød & Weidmann, 2015). Ambos
os binarismos se retroalimentam, porquanto a dicotomia entre sociedade civil
e sistema político serve de base para informar tanto as análises que enxergam
a internet como promotora da utopia da teledemocracia como aquelas que
focam na distopia do vigilantismo cibernético.
Nesses debates, o ativismo digital é muitas vezes estudado exclusiva-
mente a partir da perspectiva da sociedade civil, ignorando as interconexões
com o sistema político (Lim, 2012). Essas análises correm o risco de cair em
uma dupla falácia: a falácia da superestimação do ativismo digital, que exage-
ra seus potenciais impactos (positivos ou negativos), ou, na direção contrária,
a falácia da subestimação, que minimiza os significados do ativismo digital,
entendendo-os a partir da manipulação e cooptação de atores externos à so-
ciedade civil.
Argumentamos neste capítulo que a superação dessas falácias exige um
olhar teórico focado nas práticas dos atores e suas redes, que permita ao mes-
mo tempo desvincular essas práticas de expectativas normativas sobre os seus
impactos e analisar os vínculos entre atores localizados na sociedade civil e nas
instituições políticas. Essa compreensão requer, por sua vez, uma discussão

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aprofundada sobre o significado do conceito de ativismo digital. Para entender
melhor os impactos dos usos das tecnologias digitais na política em geral e
no ativismo em particular, precisamos definir com precisão os conceitos que
orientam os nossos debates e suas fronteiras com relação a outros conceitos
similares. Com base nos exemplos das campanhas contra e a favor do impeach-
ment de Dilma Rousseff, mostramos como as práticas de ativismo digital nos
convocam a questionar nossas interpretações sobre o papel tanto da sociedade
civil como de partidos políticos e do Estado.
Este capítulo está organizado em três partes. Na primeira, nos baseamos
na literatura sobre movimentos sociais e participação para questionar a tendên-
cia das análises de reificar a distinção entre sistema político e sociedade civil.
Mostramos como é importante resgatar os debates acumulados na literatura
latino-americana para avançar na análise das interrelações dessas arenas. Em
seguida, apresentamos a definição de ativismo digital. Finalmente, utilizamos
os casos das campanhas contra e a favor do impeachment da Presidenta Dilma
Rousseff como exemplos que ilustram a variedade de práticas e impactos do
ativismo digital e a criação de vínculos de colaboração através das fronteiras
entre sistema político e sociedade civil.

Ativismo para além das fronteiras entre sistema político e sociedade civil

As relações entre “política institucionalizada” e “política não institucio-


nalizada”, para usar a terminologia de Goldstone (2003), têm sido objeto im-
portante de debate de teorias de movimentos sociais e participação política. Na
América Latina, em particular, o foco privilegiado de boa parte da literatura
no conflito entre sociedade civil e Estado vem sendo criticado já há bastante
tempo (Gurza Lavalle & Szwako, 2015; Abers & Von Bülow, 2011).
Como argumentam von Bülow e Donoso (2017, p. 5), a história dos
movimentos sociais latino-americanos ao longo do século XX foi de relações
simultaneamente colaborativas e confrontacionistas com o Estado e com
partidos políticos. A experiência de corporativismo estatal em países como
México, Venezuela, Argentina e Brasil durante as décadas de 1920 a 1960 le-
vou para dentro do Estado o sindicalismo urbano e, em alguns casos, também
o rural. A estrutura de intermediação institucionalizada criada nesses países
borrou as fronteiras entre esses setores da sociedade civil, os partidos políticos
no governo e o Estado (idem, p. 6). A onda de golpes militares que varreu parte
da região a partir da década de 1960 rompeu com essa estrutura de interme-
diação de interesses e, de forma geral, fechou as portas para a participação

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política institucional de movimentos sociais. Os processos de transição para a
democracia na América do Sul nos anos 1980 e 1990 reabriram, ainda que de
maneira assimétrica na região, as portas para a participação política da socie-
dade civil. Esses processos foram impulsionados pela sociedade civil simulta-
neamente nas ruas – bom exemplo é o movimento Diretas Já no Brasil – e nos
corredores do poder – por meio do lobby para influenciar a redação da nova
Constituição do país.
No Brasil, o debate sobre as interações entre atores da sociedade civil
e do sistema político ganhou força à medida que movimentos sociais e or-
ganizações não governamentais se organizaram para participar de processos
decisórios, a partir de uma ampla variedade de repertórios de interação com o
Estado2. A chegada à Presidência da República da coalizão de centro-esquerda
liderada pelo Partido dos Trabalhadores, em 2003, deu ainda mais visibilida-
de ao papel de atores cujo ativismo perpassava as arenas da sociedade civil e
do sistema político, porque eram simultaneamente militantes de movimen-
tos sociais, estavam engajados na vida partidária e também exerciam funções
públicas. A literatura sobre “trânsito institucional” (Silva & Oliveira, 2011)
e sobre “ativismo institucional” (Abers & Tatagiba, 2015) contribuiu para
entender melhor o papel desses ativistas posicionados nas intersecções entre
movimentos sociais, partidos políticos e burocracias estatais. De maneira mais
geral, contribuiu para corrigir a ênfase excessiva da abordagem do processo
político dos movimentos sociais nas estratégias de confronto com o Estado
(Rossi & Von Bülow, 2015) e para ir além de visões simplistas sobre a coopta-
ção ou instrumentalização de movimentos sociais pelo Estado ou por partidos
políticos (Silva & Oliveira, 2011).
O breve resumo da literatura apresentado acima exemplifica uma crítica
à lógica binária que sustenta parte das análises sobre os usos das novas tecnolo-
gias digitais. Esse binarismo parte do pressuposto, nem sempre explicitamente
reconhecido, de que a sociedade se apropria dessas tecnologias para ampliar a
participação e os mecanismos democráticos, enquanto o Estado as utiliza para
maior controle e vigilância. Isso acontece tanto com estudos que proclamam o
aprofundamento da democracia como consequência imediata da digitalização
como aqueles que apostam em um refluxo autoritário. Ambos enxergam que as
transformações advindas dos usos das tecnologias digitais se dão com Estado
e sociedade civil em campos opostos. Em sua análise sobre as mobilizações no
Egito em 2011, Lim resumiu essas lógicas binárias nos seguintes termos:

2  É extensa a literatura sobre esse tema. Ver, por exemplo, Almeida (2017), Avritzer (2008) e
Montambeault (2018).

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Techno-utopian scholars view the Internet’s expansion in access to in-
formation and exchanges of ideas as enhancing political participation,
civil society, and democracy [...]. In contrast, techno-dystopians see the
Internet as posing a threat to democracy through the ways in which
governments and corporations use it to manipulate users and legitimize
their identities [...] and by demeaning political discourse [...] (Lim,
2012, p. 232).

Na contramão dessas visões, o que as análises empíricas sobre ativismo


digital têm demonstrado de maneira cada vez mais contundente é que, tanto
em países democráticos como autoritários, redes de ativistas digitais cruzam
as fronteiras entre Estado, partidos políticos e movimentos sociais a partir de
causas comuns. Essas redes não se diferenciam claramente pela sua posição
frente à democracia: atores da sociedade civil promovem práticas e ideias au-
toritárias, da mesma maneira como agentes do Estado promovem uma agenda
de aprofundamento da democracia.
É preciso, portanto, trazer para o centro da agenda teórica de debates
sobre usos de novas tecnologias digitais uma compreensão mais complexa dos
seus impactos e das práticas dos atores, a partir de um diálogo com a litera-
tura sobre movimentos sociais e participação política. Ao mesmo tempo, a
literatura latino-americana brevemente resenhada acima também ganharia ao
dialogar de maneira mais próxima com a literatura sobre ativismo digital, por-
que os processos de apropriação de novas tecnologias digitais para o ativismo
facilitam e dão maior visibilidade às teias de conexão e interpenetração en-
tre atores da sociedade civil, atores partidários e burocratas estatais, tornando
ainda mais problemáticas análises baseadas na separação rígida entre “política
institucional” e “política não institucional”. Como veremos no exemplo das
redes políticas de hashtags criadas em torno das campanhas contra e a favor
do impeachment de Dilma Rousseff, as affordances das plataformas facilitam a
criação de vínculos em torno de causas contenciosas comuns através da fron-
teira entre sistema político e sociedade civil. Antes de apresentar o exemplo, no
entanto, precisamos definir o conceito de ativismo digital e como essa defini-
ção permite superar os binarismos analíticos criticados acima.

Ativismo digital: um conceito em construção

A literatura propõe uma grande variedade de termos que qualificam


o ativismo na Internet: ativismo online (Vegh, 2003, p. 71), ciberativismo
(Mccaughey & Ayers, 2003), micro ativismo (Marichal, 2013), ativismo

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de sofá ou slacktivism (Christensen, 2011), hacktivismo (Wray, 1999) e ne-
t-ativismo (Schwartz, 1996; Di Felice, 2013), entre outros. As definições
propostas tipicamente enfatizam o caráter inovador dessas formas específicas
de ativismo digital, mas não dedicam suficiente atenção à necessária caracte-
rização das diferenças entre essas e outras formas de ativismo pré-internet, e
divergem quanto à análise dos seus impactos. Como argumenta Özkula (2021,
p. 63), pese ao seu uso disseminado, o conceito de ativismo digital continua
sendo de difícil definição, em parte porque combina dois outros conceitos que
são complexos por si mesmos: ativismo e tecnologias digitais. A definição de
ativismo digital apresentada neste capítulo busca aprofundar a discussão con-
ceitual, explicitando as bases teóricas da definição e esclarecendo as diferenças
com relação a outros conceitos similares.
Propomos a seguinte definição: Ativismo digital é o conjunto de práticas
de indivíduos e/ou coletivos que têm como objetivo promover publicamente causas
contenciosas por meio de processos de apropriação e/ou transformação de tecnologias
digitais. São, portanto, duas as condições necessárias para que possamos ca-
racterizar uma prática como sendo ativismo digital: a primeira refere-se ao
objetivo – promover publicamente causas contenciosas – e a segunda ao meio –
processos de apropriação e/ou transformação de tecnologias digitais. Seguindo
Goertz (2012), em suas reflexões sobre a construção de um bom conceito, op-
tamos por uma definição parcimoniosa baseada em dois polos de significados
que abrem espaço para um contínuo de formas intermediárias (híbridas) e que
se constrói a partir das duas condições necessárias mencionadas. Tomadas de
forma isolada, nenhuma é suficiente. Desse modo, se e somente se tecnologias
digitais forem utilizadas como arena para a promoção de causas contenciosas,
estará caracterizado um caso de ativismo digital.
O foco dessa definição nos usos que os atores fazem das tecnologias
digitais – as práticas – se inspira na longa tradição teórica da literatura de
movimentos sociais que entende ativistas como atores reflexivos e estratégicos,
que estão constantemente procurando criar novas oportunidades para a ação
( Jasper, 2015). Com relação às práticas de ativistas digitais, parte importante
dos debates da literatura tem destacado o empoderamento de indivíduos que
agem politicamente sem vínculos organizativos3. Sem negar a relevância da
ação individual, preferimos falar em práticas que são ontologicamente relacio-
nais, porque mesmo iniciativas que não são fruto de um processo coletivo de
deliberação ou de mobilização estão inseridas em redes digitais e ao mesmo

3  Esse argumento aparece, por exemplo, em Benett e Segerberg (2013); Earl e Kimport
(2011). Para uma revisão crítica desse debate, ver von Bülow (2018).

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tempo constroem redes digitais. Isso é verdade tanto para práticas como cur-
tidas, menções, uso de hashtags ou reencaminhamentos, e até o lançamento
de campanhas online. Como argumentou Marichal, as performances de mi-
croativismo (como curtidas) dos indivíduos não são voltadas necessariamente
para a mobilização, mas isso não lhes subtrai o seu caráter político (2013, p.
2) ou contencioso. Argumentamos que tampouco lhes subtrai o seu caráter
relacional, já que só podem ser compreendidas a partir da inserção dos atores
em determinadas redes e do caráter intersubjetivo dessas práticas, que se dão
com, contra ou em interação com outros indivíduos ou coletivos. As práticas de
ativismo digital podem ser compostas por ações individuais, mas a produção de
significado e a força política que dela deriva são um processo relacional que só
pode ser compreendido em termos da dinâmica e estrutura de redes. Limitar
as práticas de ativismo digital ao seu componente individual implica, por isso,
a perda de sentido, cujo locus se encontra nas relações.
Por exemplo, o uso por um indivíduo da figura do “vômito” como parte
do “vomitaço” em uma página ou publicação de mídia social é uma prática
de ativismo digital que pode ter implicações muito diferentes em termos dos
vínculos prévios e dos vínculos que se criam a partir dessas interações. Como
argumentam Bennett e Segerberg (2013), esse ativismo não pressupõe neces-
sariamente a filiação prévia a organizações de movimentos sociais; no entanto,
seu significado ativista só pode ser compreendido a partir da participação desse
indivíduo em uma teia de relações preexistentes que o vinculam a determinada
causa ou a determinados atores. Se esses vínculos configuram relações fortes
ou fracas, se eles perduram após essas interações e quais impactos podem gerar
em termos de formação de identidade coletiva e de mobilização, devem ser
perguntas de pesquisa importantes, e não características definidas a priori pelos
pesquisadores.
Ao incluir uma grande variedade de tipos de ações, portanto, a defini-
ção também abarca uma diversidade de tipos de atores: desde indivíduos que
podem ou não estar envolvidos em grupos ou campanhas até coletivos e orga-
nizações de movimentos sociais. Nesse sentido, a definição de ativismo digital
proposta se diferencia da definição de movimentos sociais e sua ênfase na ação
coletiva baseada em objetivos consensuados, na sustentabilidade das ações e na
construção de identidade coletiva4. O ativismo digital pode ou não ter como
consequência a criação de um movimento social, e pode ou não ser parte de
um movimento social. Além disso, a definição é ambivalente do ponto de vista

4  Ver, por exemplo, as definições de movimentos sociais propostas por Diani (1992) e Tilly
(2004).

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da ideologia dos atores – incluindo tanto atores conservadores como progres-
sistas – e também dos seus objetivos, incluindo tanto práticas digitais que têm
propósitos e conteúdo democráticos como aquelas que fazem a apologia do
autoritarismo e promovem o discurso do ódio.
Não é, no entanto, qualquer tipo de ação política digital que está incluí-
da na definição. O objetivo do ativismo digital é promover publicamente causas
contenciosas. Mais uma vez, nossa definição se baseia na literatura de movi-
mentos sociais, que enfatiza a relevância da natureza conflituosa do seu objeto
(Mcadam, Tarrow & Tilly, 2001) e se aproxima da definição proposta por
Rebecca Abers para o ativismo de forma geral, que é orientado por causas con-
tenciosas, entendidas como “ideias que contestam ou defendem instituições
que organizam relações de poder” (Abers, no prelo; Abers, 2020).
Ficam excluídas, portanto, ações políticas que não estejam situadas pelos
atores no marco de uma disputa de significados. A questão crucial, aqui, é o
significado dado pelos atores à sua própria ação, ou o significado intersubjetivo
dessas ações no nível coletivo. Em última instância, se uma prática digital é
ou não caracterizada como ativismo depende desse significado, que só pode
ser interpretado em contextos específicos. Por exemplo, práticas que buscam
promover determinadas causas em contextos democráticos podem ter signifi-
cado político muito distinto em contextos autoritários, nos quais as margens
da participação política são mais estreitas.
A definição de ativismo digital proposta permite diferenciá-lo de outras
formas de ativismo, ao postular como segunda condição conceitual necessária
que este se dá por meio de processos de apropriação e transformação de tecnologias
digitais. Ao colocar no centro da análise a agência dos atores em processos de
apropriação e transformação de tecnologias, a definição que construímos se
afasta de leituras deterministas e funcionalistas que informam uma parte da
literatura sobre os usos de tecnologias digitais (Treré, 2019). Ao conferirmos
agência aos atores e não à tecnologia, não o fazemos em prejuízo de reco-
nhecer que a arquitetura da web, de plataformas digitais e os algoritmos que
estruturam essas tecnologias interagem com e influenciam a atividade de seus
usuários; pelo contrário, entendemos que a agência existe e também deve ser
localizada nos sujeitos que são responsáveis pelo desenho dessas tecnologias,
identificando-os como atores políticos cujas ações têm impactos importantes
para o ativismo.
Nesse sentido, um debate fundamental, mas ainda incipiente na litera-
tura, diz respeito aos impactos do modelo de negócios de plataformas como
Facebook, YouTube, Instagram e Google no ativismo. Para a grande maioria

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dos(as) ativistas, suas práticas digitais nessas plataformas constituem, uma vez
medidas e processadas como informação agregada, trabalho não remunerado:
cliques e conteúdos transformam-se em valor para administradores de páginas,
contas e canais e para as empresas que os abrigam (Dantas, Canavarro &
Barros, 2014). Para uma minoria, esse ativismo também pode ser trabalho re-
munerado (por exemplo, para os chamados “influenciadores digitais”, que são
remunerados de acordo com a quantidade de seguidores, pela inserção de pro-
paganda e/ou criação de conteúdo associado a marcas, temas ou campanhas)5.
Em outra direção, surgem debates sobre as intersecções entre o ativismo
digital, a crescente precarização do trabalho e a ressignificação do trabalho e
cuidado em plataformas digitais. No campo da chamada gig economy (como é o
caso dos entregadores da Ubereats, Glovo e Deliveroo) ou das cooperativas de
plataforma, como as cuidadoras da Equal Care Coop, há grupos se engajando
em ativismo para transformar tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, demo-
cratizar e dignificar suas relações laborais mediadas pela tecnologia (Scholz,
2016). A plataformização dessas relações impacta nas práticas de ativismo des-
ses trabalhadores, alguns dos quais estão se organizando, por exemplo, em sin-
dicatos de plataforma (Marrone & Finotto, 2019).
Ao mesmo tempo que reconhecemos, portanto, que recursos e regras
condicionam e configuram as práticas, e que os atores que os gerenciam têm
poder desproporcional para defini-los, nos afastamos de qualquer determinis-
mo tecnológico. Ativistas se apropriam da infraestrutura da Internet de di-
ferentes maneiras e, ao fazê-lo, podem transformar os seus usos, a partir de
percepções que ressignificam o horizonte do que é possível e que não são dadas
automaticamente pelas affordances da tecnologia, ou seja, pelos tipos de ações
que uma tecnologia viabiliza a partir do seu design (Earl & Kimport, 2011,
p. 10)6. É fundamental, portanto, não restringir o ativismo digital ao ativismo
em mídias sociais, ou mesmo a práticas realizadas no marco dos serviços ofe-
recidos por empresas de Internet e das suas regras de uso. Bom exemplo de um
tipo diferente de apropriação das tecnologias digitais é a ação de grupos de ati-
vistas hackers, que vêm promovendo formas de “desobediência civil eletrônica”
desde a década de 1990 (Wray, 1999). Simultaneamente, ciberfeministas, tec-
nofeministas e feministas de dados vêm se engajando em ações contenciosas
em desafio a essas plataformas, experimentando com tecnologias para desafiar
matrizes de opressão (Daniels, 2009; D’ignazio & Klein, 2020). Parte desse

5  Há uma discussão recente, no Brasil, sobre a relação entre marcas, consumo e ativismo
digital, por exemplo no caso dos debates sobre transição capilar e racismo. Ver Camargo (2021).
6  Para uma revisão da história do conceito de “affordances”, ver, por exemplo, Hopkins (2016).

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esforço passa por definir o que seriam uma internet e uma inteligência artifi-
cial feministas (Kraft-Buchman & Arian, 2021). De maneira mais ampla, a
literatura sobre resistência e justiça algorítmica tem demonstrado como algo-
ritmos podem ser apropriados e transformados por ativistas para seus próprios
fins (Treré, 2019, esp. cap. 9; Raji et al., 2020).
As posições dos atores nos processos de apropriação e transformação
de tecnologias digitais no marco da promoção de causas contenciosas são,
portanto, heterogêneas e assimétricas. Dependem, em parte, das habilidades
tecnológicas dos atores; dependem, ainda, das percepções ideológicas sobre os
possíveis impactos do ativismo digital em determinados contextos. Assim, em
vez de um processo linear de apropriação cada vez maior e mais eficiente das
tecnologias digitais para o ativismo, vemos processos complexos e variados,
mesmo entre atores que têm amplo acesso à Internet (Von Bülow, 2018; Von
Bülow, Vilaça & Abelin, 2019).
Finalmente, é importante esclarecer que a definição de ativismo digital
proposta não implica a existência de uma separação rígida entre o virtual e o
presencial, mas sim a multiplicidade de práticas híbridas. Tampouco pressupõe
que o ativismo digital seja mero complemento do ativismo presencial, ou que
o ativismo presencial esteja sendo progressivamente substituído pelo ativismo
digital. A definição que oferecemos deve ser entendida a partir de um conti-
nuum: em um polo, há o ativismo baseado em atividades presenciais, como
assembleias, reuniões e repertórios contenciosos em que a presença e apre-
sentação dos corpos é elemento central; no outro, temos o ativismo em que as
identidades, ações e formas de organização são puramente virtuais e possivel-
mente anônimas. Entre esses dois extremos, há uma série de práticas híbridas,
que melhor representam a realidade do ativismo.
A hibridização do ativismo, parafraseando Chadwick em sua definição
sobre sistema híbrido de mídias (2013, p. 4), significa que as antigas e novas
modalidades de ativismo se fundem ao interagir, gerando uma nova constela-
ção de práticas, normas, comportamentos, lógica de funcionamento e formas
organizacionais, que transcendem a ideia de uma separação entre o virtual e o
presencial. Há ainda práticas que transitam entre os dois espaços, indo tanto
do online para o offline (como é o caso dos flash mobs, concebidos, organizados
e mobilizados no mundo digital e sendo apenas por um breve instante uma
atividade presencial) como do offline para o online (a exemplo do uso de lives
em protestos). Se os flash mobs implicam levar o universo digital, seus símbolos
e práticas para as ruas, as lives em protestos implicam o contrário: estender
as ruas ao universo digital. Assim como na fábula da montanha que vai até

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Maomé, a praça Tahrir, o Parque Zuccotti e a Avenida Paulista ganharam
outra dimensão com o uso das tecnologias digitais, e cada vez mais os protes-
tos são não apenas organizados online, mas também pensados em termos dos
impactos que vão gerar nas plataformas digitais. Esse trânsito e até mesmo
sobreposição entre arenas digitais e presenciais tem tornado cada vez mais
desafiador realizar uma diferenciação clara entre etapas presenciais e digitais
dos protestos (Toret et al., 2013).
Ao tratar do ativismo digital, a maior parte da literatura concentra-se na
análise de plataformas de mídias sociais, como Facebook, Twitter, YouTube ou
Instagram, e em aplicativos de mensagens como WhatsApp. Isso implica um
reducionismo na compreensão desse tipo de ação. A definição aqui proposta
não nega a relevância do uso ativista de mídias sociais, mas vai muito além
delas, abrangendo outros usos e práticas de ativismo digital, como a criação de
novas plataformas digitais não comerciais, as iniciativas de cooperativismo e
sindicalismo de plataforma, as ações de hackers (por exemplo para interromper
determinados serviços digitais) e o desenvolvimento de software livre voltado
para o ativismo político. A causa contenciosa que dá a razão de ser para o ati-
vismo digital é fruto de reflexões críticas sobre a economia política da Internet
e sua governança. Nesses casos, a Internet constitui, ao mesmo tempo, uma
arena na qual as práticas são desenvolvidas e o alvo do ativismo7.
O caso do ativismo digital nas campanhas contra e a favor do impeach-
ment da Presidenta Dilma Rousseff, apresentado abaixo, ilustra os principais
argumentos apresentados neste capítulo. Sem a pretensão de fazer uma aná-
lise aprofundada sobre as mobilizações e seus impactos,8 utilizamos esse caso
para mostrar, a partir de um caso empírico recente, a utilidade da definição de
ativismo digital proposta. Também é exemplo da necessidade de adotarmos
estratégias de pesquisa que possibilitem compreender a criação de redes de
ativistas digitais de diferentes posições ideológicas para além das fronteiras
entre sistema político e sociedade civil.

7  Parte da literatura denomina esse processo de desenvolvimento de “tecnologias cívicas”. Ver,


por exemplo, Aragón (2019).
8  Vai além dos objetivos deste capítulo explicar o processo que levou à retirada de Dilma
Rousseff da Presidência da República. Ver Tatagiba e Galvão (2019); Dias, von Bülow e Gobbi
(2021); Rocha, Solano e Medeiros (2021, esp. p. 97-116).

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O caso do ativismo digital a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff

O processo que culminou na retirada de Dilma Rousseff da Presidência


da República, da sua reeleição em outubro de 2014 ao voto no Senado em
agosto de 2016, é um dos episódios mais traumáticos da vida política brasilei-
ra recente. As campanhas a favor e contra o impeachment se alimentaram do
crescente processo de polarização política que o país vivia e ao mesmo tempo
o exacerbaram. Em ambos polos, organizações da sociedade civil, indivíduos e
instituições estatais disputaram o futuro político do país, nas ruas, nos espaços
formais de deliberação política e nas plataformas digitais.
Em outro trabalho (Von Bülow & Dias, 2019), mapeamos e compara-
mos as redes de hashtags pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff, criadas
a partir do reencaminhamento de mensagens publicadas no Twitter (retuítes)
em dois dias de intensa mobilização: 13 e 18 de março de 2016. Neste capítulo,
apresentamos um resumo dessa análise, apenas para efeito de ilustração das
implicações teóricas e metodológicas da definição de ativismo digital proposta.
Nesta análise, desdobramos empiricamente as duas condições necessá-
rias do conceito de ativismo digital proposto. No que diz respeito às formas de
apropriação e/ou transformação das tecnologias digitais, a comparação entre
as redes das duas campanhas no Twitter mostra como, frente a possibilidades e
limites tecnológicos similares dados por essa plataforma, os atores geraram re-
des políticas de hashtags bastante diferenciadas. Redes políticas de hashtags são
“conjuntos delimitados de conexões em plataformas digitais, criados por inter-
nautas e/ou mecanismos de automatização a partir da indexação de um tema,
posição ou objetivo político em um contexto específico” (idem, p. 6). Por meio
da inclusão de hashtags em mensagens no Twitter, “os atores buscam superar os
limites das redes virtuais pessoais, assim como o viés imposto pelos algoritmos
das plataformas, que condicionam o que vemos nos feeds de notícias” (ibid.).
O Twitter se diferencia de outras mídias sociais porque permite um engaja-
mento em tempo real com temas políticos, e as hashtags facilitam a conexão
com aqueles que visam debater as mesmas ideias – ou fazer parte da mesma
campanha, mesmo sem que os atores tenham vínculos prévios. No Facebook,
a título de comparação, vemos as mensagens com hashtags das redes de amigos
ou seguidores e as menções em postagens públicas, a depender das configura-
ções de privacidade das postagens. No Twitter, caso a conta que usa a hashtag
não seja privada, qualquer usuário pode visualizar sua mensagem ao buscar
pela hashtag. Assim, menções a hashtags nessa plataforma têm o potencial de

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superar rapidamente a distância entre o ativismo individual e a formação de
redes digitais de ação coletiva.
A comparação entre as redes mostra que, efetivamente, as possibilidades
tecnológicas – as affordances – da plataforma condicionaram e limitaram as
práticas desses ativistas. Ao mesmo tempo, no entanto, elas foram apropriadas
de maneira criativa e variada entre os grupos a favor e contra o impeachment.
Há diferenças relevantes em termos das estratégias utilizadas e seus impactos.
Os gráficos 1 e 2 permitem visualizar as diferentes estruturas das redes criadas,
a partir das conexões entre os nós mais centrais de cada uma. O tamanho dos
nós corresponde à quantidade de vezes que suas mensagens foram retuitadas,
em uma escala de 0,5 a 350.
É importante frisar que a comparação entre dados de centralidade de
redes, baseados na capacidade das contas de reencaminhar mensagens, deve
ser feita com muito cuidado, devido à crescente relevância das ferramentas
de automatização e das redes de bots9. No contexto de campanhas políticas,
essas ferramentas podem distorcer a visibilidade de agendas, posicionamentos
e atores. Os dados dos gráficos 1 e 2 indicam que a rede pró-impeachment se
mostrou capaz de chegar a um número maior de usuários (seja por compor-
tamento orgânico ou automatizado), enquanto a rede anti-impeachment teve
mais dificuldades de incluir atores para além de sua zona de influência. Outras
pesquisas confirmam que, de forma geral, a campanha pró-impeachment teve
maior alcance e visibilidade nas mídias sociais do que a campanha contrária
(Matos et al., 2017; Carvalho et al., 2016).
Um ano antes do impeachment, a própria Secretaria da Comunicação da
Presidência da República já avaliava que o campo político próximo ao governo
tinha maiores dificuldades do que a oposição de ocupar espaços nas mídias
sociais e, mais especificamente, de ir além de “pregar para os convertidos”:

As forças políticas que elegeram (os presidentes) Lula e Dilma são mi-
noritárias nas redes sociais desde os movimentos de 2013. [...]. Apenas
as páginas oficiais Portal Brasil/Blog do Planalto/ Facebook da Dilma
e o site do PT seguem defendendo o governo, mas suas mensagens não
conseguem ser reverberadas fora da sua corrente de seguidores. Ou seja,
o governo e o PT passaram a só falar para si mesmos (SECOM, 2015).

9  Como afirmam von Bülow e Dias (2019), há evidência de uso de ferramentas automatiza-
das por parte de várias contas nas redes mapeadas.

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Gráfico 1: Rede de Retuítes Pró-Impeachment
(nós mais centrais por grau de entrada, 16 de março de 2016)

Fonte: von Bülow e Dias (2019, p. 14).

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Gráfico 2: Rede de Retuítes Anti-Impeachment
(nós mais centrais por grau de entrada, 13 de março de 2016)

Fonte: von Bülow e Dias (2019, p. 15).

A batalha das redes políticas de hashtags a favor e contra o impeachment


de Rousseff também ilustra a segunda condição necessária da definição de ati-
vismo digital: ter como objetivo promover publicamente causas contenciosas.
Como argumentamos acima, as menções a hashtags permitiam aos usuários do
Twitter formar parte de uma rede de ativistas, mesmo sem necessariamente
participar de alguma organização ou ter motivação para engajar-se de outras
maneiras. Esses vínculos têm, portanto, significados variados para os atores en-
volvidos, mesmo estando articulados em torno de uma causa comum. A análise
de conteúdo das principais mensagens enviadas evidencia que os atores da rede
anti-impeachment vincularam o processo a um debate mais amplo sobre a qua-
lidade da democracia brasileira, enquanto que a rede a favor do impeachment
utilizou as redes políticas de hashtags principalmente para divulgar a adesão
popular por meio de imagens das manifestações (Santiago et al., 2018; Von
Bülow & Dias, 2019). Pese às diferenças, o ativismo de ambas redes se posi-
ciona publicamente em torno de uma causa contenciosa, seja a favor ou contra
o impeachment da Presidenta.

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As campanhas a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff tam-
bém ilustram outro argumento apresentado neste capítulo: o da necessidade
de analisarmos o ativismo digital para além de divisões rígidas entre atores
situados no sistema político e na sociedade civil. As ações coletivas de am-
bas campanhas foram organizadas por coletivos e indivíduos que ocupavam
diversas posições do espectro político: no Estado, em partidos políticos, em
movimentos sociais, ou em mais de uma destas ao mesmo tempo. Os dados de
retuítes de atores, apresentados nos Gráficos 1 e 2, mostram esse cruzamento
de fronteiras a partir da construção de redes políticas de hashtags no Twitter.
No caso da rede anti-impeachment, das cinco contas mais centrais – aquelas
que aparecem como os maiores nós no Gráfico 2, porque foram as que tive-
ram maior número de mensagens reencaminhadas –, duas eram de políticos e
uma de partido político: @Dilmabr, @jeanwyllys_real e @Ptbrasil (idem, p. 19).
No caso da rede pró-impeachment, apresentada no Gráfico 1, as contas mais
centrais são de indivíduos e de organizações da sociedade civil. No entanto,
a análise desses perfis e do conteúdo das mensagens mostra que são atores
engajados na política partidária e eleitoral. São contas que, dois anos antes das
eleições de 2018, já participavam ativamente da campanha a favor da candi-
datura presidencial do então deputado Jair Bolsonaro. A conta @br45ilnocor-
rupt, que aparece como o maior nó do Gráfico 1, por exemplo, incluía foto do
deputado no seu perfil e a hashtag #bolsonaro2018 na sua descrição10. Outros
nós centrais da rede, como @ro_moller e @panichirafael, também publicavam
regularmente mensagens favoráveis a Jair Bolsonaro (idem, p. 16).
Análises realizadas a partir de documentos e de publicações em outra
plataforma de mídia social, o Facebook, permitem complementar a análise das
conexões entre atores estatais e sociais da campanha a favor do impeachment.
De fato, um dos elementos chave da construção discursiva do ativismo digital
desses grupos era o apoio e a defesa de atores estatais vinculados à Operação
Lava Jato. O ex-juiz Sérgio Moro, procuradores e investigadores eram cele-
brados como heróis da batalha pela destituição de Rousseff, tanto em publica-
ções no Facebook das organizações que convocaram os protestos (Dias, Von
Bülow & Gobbi, 2021) como nas ruas, onde apareciam os bonecos infláveis do
ex-juiz Sérgio Moro vestido de super-herói e cartazes de exaltação aos mem-
bros da força-tarefa da Operação Lava Jato. Os vínculos de colaboração com

10  A conta @br45nocorrupt, vinculada a uma ONG de combate à corrupção, é citada em


reportagem da Agência Pública como tendo “uma óbvia automatização das postagens, que se
repetem e reproduzem tuítes de um determinado número de perfis de direita” (VIANA, 2015).
A conta foi banida do Twitter em setembro de 2018, por violar os termos de uso da plataforma.

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integrantes da Operação Lava Jato são evidenciados também em documentos
produzidos pelas organizações da sociedade civil11. Como argumenta Tatagiba,
“contar com aliados na esfera do judiciário foi um recurso decisivo” (2018, p.
125) dos organizadores da campanha a favor do impeachment. Ao mesmo tem-
po, membros do Judiciário e do Ministério Público fizeram intenso uso das
mídias sociais (Sá & Silva, 2020) para elogiar e incentivar as manifestações
de rua.
Tanto a campanha contra o impeachment como a campanha favorável
à destituição da Presidenta mostram, portanto, a relevância da interrelação de
“política institucionalizada” e “política não institucionalizada”. Outros casos de
ativismo mostram que essas campanhas não são uma exceção. Estudos sobre a
pandemia da COVID-19, por exemplo, têm analisado a criação de redes onli-
ne entre autoridades públicas e atores da sociedade civil voltadas a causas como
a vacinação, políticas de apoio emergencial, e a defesa ou a crítica de supostas
curas e de medidas restritivas de mobilidade (Von Bülow & Abers, no prelo;
Recuero & Soares, 2021). De maneira similar às articulações que surgiram
contra e a favor do impeachment, essas conexões se apoiam tanto no ativismo
digital como no presencial, e transcendem as fronteiras entre sistema político
e sociedade civil.

Comentários finais: desafios da agenda futura de pesquisa

Três décadas de experiências e análises de ativismo digital ensinaram


que há uma profunda transformação nas formas de ação política, a partir dos
usos de novas tecnologias digitais. Não é verdade que essas novas tecnologias
simplesmente permitiram que ativistas fizessem o mesmo que antes, só que
mais rápido e mais massivamente. Essa visão instrumentalista é, no mínimo,
incompleta. Tampouco é verdade, no entanto, que as promessas de revolução
democrática do utopismo tecnológico tenham sido cumpridas.
Pese à crescente importância do conceito de “ativismo digital”, sua de-
finição é ainda subteorizada na literatura. Entender melhor como o ativismo
político vem se modificando a partir das práticas de ativismo digital é um de-
safio ainda em aberto. As possibilidades de participação política e de mobiliza-
ção têm mudado com enorme rapidez, em paralelo às inovações tecnológicas.
Assim, pensar o futuro da agenda de pesquisa na área requer uma perspectiva
que dê sentido a fenômenos essencialmente dinâmicos e complexos. Neste

11  Ver, por exemplo, o livro escrito pelos fundadores do Vem Pra Rua, Chequer e Butterfield
(2016, esp. cap. 9).

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capítulo, enfatizamos a necessidade de compreender o ativismo digital a partir
de duas condições, ambas necessárias, mas insuficientes se tomadas de ma-
neira isolada: a defesa de causas contenciosas e a interface com as tecnologias
digitais.
Também argumentamos a favor de estudar essas práticas através das
fronteiras entre Estado, partidos políticos e sociedade civil, a partir de uma
visão ampliada e integrada dos repertórios presenciais e virtuais. Esquemas
analíticos binários – Estado e sociedade, utopia e distopia – são de imensa
utilidade para entendermos a variedade de atores, arenas e impactos possí-
veis, mas, quando utilizados como premissas, atuam como expectativas que,
ao contrário, engessam nossa compreensão sobre a realidade. A isso se soma
o problema ontológico do essencialismo, de conceber que todas as virtudes
democráticas estejam concentradas na sociedade e toda tendência autoritária
no Estado, ou que o ativismo digital seja inefetivo vis-à-vis o ativismo de rua.
Esse tipo de análise reducionista só é possível se for ignorado todo o acúmulo
que os campos de estudos sobre democracia participativa e movimentos sociais
produziram ao longo de décadas. Por isso, a necessidade de diálogo entres di-
ferentes campos do conhecimento se faz tão relevante.
Esse desafio requer um esforço transdisciplinar, para o qual este livro
contribui de maneira importante. Parte das pesquisas sobre os impactos das
tecnologias digitais tem mobilizado pesquisadores de diversas áreas a bus-
carem espaços comuns de troca (como a Association of Internet Researchers).
Apesar dessa especialização ter possibilitado a abertura de espaços importan-
tes de diálogo entre os pesquisadores e ter ajudado a construir conhecimento
sobre as práticas digitais para o ativismo, não possibilita a troca de ideias entre
pesquisadores que estudam participação e ativismo com e sem o uso de tec-
nologias digitais. Nesse sentido, continuamos a sofrer com uma tendência de
parte da literatura em superestimar a novidade dos usos de tecnologias e seus
impactos, enquanto outra parte tende, pelo contrário, a minimizar o impacto
do ativismo digital (especialmente das versões de “ativismo de sofá”). O desa-
fio teórico de pensar de maneira mais aprofundada as fronteiras do conceito
de ativismo digital e suas intersecções com o ativismo presencial é, também,
um desafio metodológico: precisamos desenvolver desenhos de pesquisa que
considerem a ação simultânea em distintas arenas e suas sobreposições, reco-
nhecendo as fronteiras fluidas entre diferentes modos e arenas de ação.

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13. Crise epistêmica e democracia: 
amadores e especialistas1
Ricardo Fabrino Mendonça2
Cristiane Brum Bernardes3

Introdução

A democracia atravessa uma profunda crise epistêmica. Tal constatação


não requer a crença em um passado idílico, no qual as decisões coletivas teriam
sido fortemente ancoradas em bases sólidas e verificáveis de conhecimento. A
debilidade histórica do conhecimento dos cidadãos sobre questões políticas é
amplamente documentada e fartamente discutida (Achen & Bartels, 2016;
Brennan, 2016). Isso não implica, contudo, que tudo continue como antes. A
desinformação adquire novos patamares na atualidade (Benkler et al., 2018;
Bennett & Livingston, 2018; Keyes, 2018), sendo impossível discutir o
quadro hodierno da democracia sem considerar a presença e o alcance das fake
news (Tandoc Jr. et al., 2018; Bakir & Mcstay, 2017; Brummette et al.,
2018; Gorbach, 2018; Humprecht, 2018; Mendonça & Freitas, 2019).
Tal cenário é marcado por um reposicionamento do lugar do saber na
sociedade, o qual se vê, simultaneamente, democratizado e desafiado. A ques-
tão não é apenas que decisões e comportamentos são estruturados a despeito
do conhecimento existente sobre algo, mas que a própria ideia de que existe
“conhecimento sobre algo” se vê profundamente questionada por cidadãos de
diferentes nações.
Esse contexto está fundamentalmente vinculado ao panorama comu-
nicacional contemporâneo, muito embora não derive exclusivamente dele. É
inegável que as affordances dos dispositivos digitais facilitam enormemente a

1  Este texto integra as ações do projeto “A democracia deliberativa em face da crise da demo-
cracia: contribuições, dilemas e trilhas” e conta com financiamento do CNPq (423218/2018-2).
Somos gratos aos integrantes do Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça e aos parti-
cipantes de evento intermediário do GT de Participação Política da ABCP, em Belo Horizonte
(2019), quando versão preliminar do texto foi discutida.
2  Professor do Departamento de Ciência Política da UFMG. Bolsista do CNPq, pesqui-
sador do INCT em Democracia Digital e coordenador do Margem – Grupo de Pesquisa em
Democracia e Justiça.
3  Professora do Mestrado Profissional em Poder Legislativo do CEFOR/Câmara dos
Deputados, pesquisadora do INCT em Democracia Digital e do Centro para Engajamento
Democrático da Universidade de Leeds.

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rápida (e quase incontrolável) circulação de boatos, embustes, mentiras e paró-
dias que podem compor campanhas de desinformação descomunais (Tandoc
Jr. et al., 2018; Benkler et al., 2018; Chadwick et al., 2018; Waisbord, 2018;
Brummette et al., 2018). Há, todavia, outras mudanças sociais em curso, que
atravessam a reconfiguração dos mecanismos de validação do saber e que con-
tribuíram para o contexto que chamamos aqui de crise epistêmica. Tais altera-
ções viabilizam a projeção de personalidades na cena pública, em um processo
no qual “amadores” são tomados como “especialistas” em todo e qualquer tópi-
co, e todo tipo de “informação” é tratado como “opinião” (Keen, 2007).
O objetivo do presente capítulo é reconstruir alguns dos fatores que
levam a esse contexto, explorando os contornos e as implicações da crise epis-
têmica para a reestruturação dos campos sociais sob a ótica bourdiesiana e, pa-
ralelamente, para o lugar da “especialização” na teoria democrática. Para tanto,
iniciaremos com uma seção sobre a relação entre saber e democracia, na qual
exploramos a dimensão epistêmica da democracia, o debate sobre expertise na
política e quatro transformações sociais que deslocaram profundamente as re-
lações entre saber e poder, seja no campo das ideias, seja no das práticas sociais.
Na sequência, propomos uma leitura dessas transformações pelas lentes da dis-
cussão de Bourdieu. Abordamos a transformação dos critérios de validação do
conhecimento diante de mudanças na própria forma como se dá a competição
por capital simbólico. Tais mudanças não apenas alteraram o eixo daqueles que
são publicamente reconhecidos como especialistas, mas também contribuíram
para a erosão da própria legitimidade de alguns campos, o que tem implicações
políticas profundas na organização das sociedades e na distribuição do poder
dentro delas.

A dimensão epistêmica da democracia

O debate sobre a dimensão epistêmica da democracia é longo e diver-


sificado (Landemore, 2012; Estlund, 2008), uma vez que a relação entre
a democracia e o conhecimento nunca foi pacificada. Como Jason Brennan
(2016) tem argumentado, ainda que de modo problemático, refletir sobre for-
mas de governo demanda pensar o impacto epistêmico delas, já que não seria
recomendável a uma comunidade política deixar-se governar pela ignorância.
Na contracorrente de Brennan (alinhado à velha crítica platônica), o que mui-
tas autoras e autores buscam mostrar é que coletividades democráticas podem
se mostrar fontes confiáveis de julgamento e inteligência coletiva.

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Hélène Landemore (2012) dedicou-se especificamente a esse debate,
tendo argumentado como autores muito distintos percebem (e recomendam)
os benefícios da inteligência coletiva. A ideia de que coletividades podem pro-
duzir conhecimentos mais complexos e relevantes para a política atravessaria
obras tão díspares e temporalmente distantes como as de Aristóteles e Hayek.
Landemore lembra que Aristóteles defende uma espécie de sabedoria da mul-
tidão, ao reconhecer que o encontro de talentos pode levar a um “banquete
para o qual muitos contribuem” (2012, p. 63); em Maquiavel e Spinoza, ela
também encontra passagens para justificar a superioridade da decisão coletiva,
porque a racionalidade de muitos compensaria a paixão de alguns (ibid., p. 68).
Por diferentes caminhos, Rousseau, Condorcet e Stuart Mill apontam leituras
em que cabe às coletividades a tarefa de construção de soluções mais legítimas
e capazes de evitar erros.
John Dewey (1954) parece catalisar muitas dessas visões ao reconhecer,
no encontro de vozes plurais, as bases da configuração comunicacional de um
saber essencial à construção política da comunidade. A democracia depende
do debate entre posições para produzir soluções mais adequadas para os pro-
blemas coletivos. E, numa visada absolutamente distinta, Hayek vê inteligência
coletiva na integração não planejada das ações de indivíduos que buscam seus
interesses privados. Ainda que não em nome da democracia, Hayek permite
vislumbrar um tipo de inteligência derivada (como espécie de subproduto) do
encontro de muitos (Landemore, 2012).
No plano mais contemporâneo, a dimensão epistêmica da democracia
é uma das agendas de grande parte dos deliberacionistas, que atribuem ao
diálogo não apenas o refinamento de posições, mas a construção de soluções
mais complexas para problemas coletivos (Bohman, 1996; Dryzek, 2000;
Steiner, 2012; Bächtiger & Parkinson, 2018)4. O discurso de especialistas
não é negligenciado, mas se configura como uma das contribuições de que
depende o choque de discursos necessário à construção de soluções melhores
(Bohman, 2007; Fischer, 2009).
Esse debate está profundamente ligado à discussão sobre o lugar dos es-
pecialistas na teoria democrática e as relações entre ciência e política (Brown,
2009). Por um lado, não há quem conteste, de forma academicamente embasa-
da, que os especialistas e o conhecimento técnico que produzem têm um papel
importante para as democracias. Por outro, o desenvolvimento tecnocrático

4  Embora visto como um procedimentalista, o próprio Habermas dedicou-se amplamente


à dimensão epistêmica da democracia (Habermas, 2006), mesmo porque a ação comunicativa
sempre foi pensada pelo filósofo alemão como condição da reflexividade pública.

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da especialização e a forma como este vertebra modalidades opacas de exer-
cício do poder levanta questões importantes para a democracia. De Weber a
Giddens, passando por Bourdieu, a sociologia abordou as ambivalências da
especialização promovida (e requerida) pela modernidade, por meio da divisão
do trabalho nas sociedades contemporâneas.
A discussão sobre tais ambivalências é explorada mais contemporanea-
mente por Frank Fischer (2009), que propôs uma guinada nos estudos de polí-
ticas públicas. Fischer (2015) explora o modo como o debate sobre a avaliação
de políticas públicas cresceu de forma mais técnica e quantitativa desde os
anos 1920 e, sobretudo, no pós-guerra. O foco em uma investigação isenta, na
busca por explicações causais e na realização de análises de custo e benefício
apresentava-se como um caminho técnico e “não político”. Contudo, o “mundo
real das políticas públicas” acabou por evidenciar os limites dessa visão positi-
vista, que permaneceu aquém de suas aspirações de influenciar a política. Os
cidadãos também se tornaram mais desconfiados em relação a especialistas
(Fischer, 2009, p. 4). Assim, pouco a pouco, ter-se-ia desenvolvido uma abor-
dagem mais centrada na linguagem, na retórica e nos enquadramentos que
permitem compreender o campo discursivo no interior do qual uma política é
delineada, implementada e avaliada. Nessa abordagem, os especialistas perma-
neceriam atores relevantes do processo, mas seu conhecimento seria um entre
tantos outros necessários para a compreensão do ciclo de políticas públicas.
O cenário delineado por Fischer introduz um conjunto de transfor-
mações sociais que compreendemos centrais para entender a crise epistêmica
das democracias contemporâneas. Deixamos claro, de saída, que não é nosso
intuito argumentar que a democratização do saber conduziu ao cenário de
“pós-verdades” da atualidade. Como defendido em outros contextos, é preciso
pensar a história como uma espécie de novelo embaraçado, em que não há
um fio único com uma evolução contínua: avanços e conquistas são também
atravessados por riscos e ambivalências (Sarmento et al., 2018). Buscamos,
portanto, entender alguns processos ambivalentes, que atravessam a reconfi-
guração das próprias fontes de legitimação do saber, o que tem implicações
para a distribuição do capital político e da legitimidade para decisões coletivas
entre os atores sociais. Nesse sentido, mesmo quando falamos de mudanças
teóricas e conceituais, interessa-nos pensar como elas afetam processos sociais
concretos.
Há quatro dessas transformações sociais que nos parecem particular-
mente relevantes. A seguir, abordamos cada uma delas, sendo que a ordem de
encadeamento aqui proposta não revela grau de importância nem precedência

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histórica. Trata-se de quatro desenvolvimentos relativamente sobrepostos e
que compreendemos como relevantes para pensar o contemporâneo. Como já
mencionado, são transformações de ordens distintas, mas todas elas têm con-
sequências sociais e informam conjuntos de práticas.

1) O avanço das visões participativas de democracia

A primeira transformação que gostaríamos de mencionar está ligada


ao avanço das visões participativas de democracia. Esboçada ainda nos anos
1920, com o trabalho de Dewey (1954) e amplamente explorada a partir dos
anos 1960 (Pateman, 1992; Macpherson, 1977; Barber, 1984; Avritzer &
Santos, 2002), a perspectiva participacionista faz uma crítica contundente a
teorias que restringem a democracia a uma forma de governo para viabilizar a
competição entre elites políticas. Na contramão de elitistas (como Lippmann e
Schumpeter) e de pluralistas (como Dahl), os participacionistas procuram en-
fatizar que a necessidade de expandir os espaços de participação (que incluem
esferas sociais para além do Estado) e ampliar a porosidade do Estado.
As instituições políticas deveriam, assim, construir formas institucio-
nalizadas e efetivas de escuta dos cidadãos (Dobson, 2014). Diferentemente
de elitistas ou de epistocratas, participacionistas não veem os cidadãos como
irracionais, impulsivos, desinformados e irresponsáveis. Cidadãos comuns, com
suas fontes de experiência e saberes tradicionais, têm algo a dizer sobre as
decisões que afetam suas vidas, fazendo-se necessário ouvi-los para fortalecer
a democracia diante das incertezas do mundo (Brown, 2009; Callon et al.,
2011).
É com base nessa aposta que se desenvolvem muitas inovações demo-
cráticas destinadas a escutar os cidadãos (Smith, 2009). Nos EUA dos anos
1970, surgem os Citizens Juries (Crosby & Nethercut, 2005), enquanto a
Alemanha vê nascerem as planning cells de Peter Dienel, destinadas a plane-
jamento urbano (Slocum, 2003; Smith, 2005). Pouco depois, nos anos 1980,
a Dinamarca instaura as consensus conferences do Danish Board of Technology,
voltadas a promover discussões sobre questões técnicas com profundas im-
plicações morais (Hendriks, 2005). No Brasil, ainda nos anos 1980, surgem
os orçamentos participativos, e a Constituição de 1988 demanda inovações
participativas que alimentam o subsequente boom de conselhos e conferências
(Avritzer, 2009; Faria & Tatagiba, 2018). Entre os anos 1990 e o início
dos 2000, o mundo assiste a uma profusão de experiências, cabendo citar os

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deliberative polls, a assembleia dos cidadãos canadenses, o parlamento dos cida-
dãos australianos e os 21st century town meetings (Mendonça, 2013).
Todo esse esforço de radicalização institucionalizada da democracia de-
pende da premissa de que o aumento da participação dos cidadãos é benéfico.
Para tanto, como coloca Boaventura Santos (2003), fazia-se necessário romper
com a monocultura do saber científico, valorizar uma ecologia de saberes e, assim,
viabilizar que a efetiva pluralidade política se manifestasse. Dado que a expres-
são do saber técnico é uma forma de manifestação do poder, participacionistas
advogam que o necessário questionamento das assimetrias políticas passa pela
tematização do poder inscrito na técnica e pela valorização de formas alterna-
tivas de saber (Mendonça, 2009).
É importante salientar que esse movimento argumentativo não é tan-
gencial ao participacionismo, mas está no seu coração. Participacionistas acre-
ditam no valor de múltiplas formas de conhecimento. Isso não significa que
neguem a relevância da ciência ou da especialização técnica, mas, para avançar
a democratização do saber, precisaram relativizar a onipotência e a neutralida-
de técnica do saber científico.
Também é fundamental ressaltar que o participacionismo não é apenas
uma perspectiva teórica, mas uma visão profundamente enraizada em trans-
formações sociais práticas, que se evidenciam no fortalecimento de movimen-
tos sociais, na transformação de estruturas de governança e em mudanças na
própria estrutura de formas diversas de ação coletiva. Visões participativas se
fortaleceram em várias práticas sociais diante do enfraquecimento da própria
crença na centralidade do Estado, do fortalecimento de tendências calcadas na
lógica do DIY (Do it Yourself) e da aposta na organização da própria sociedade
(Dagnino, 2002; Mendonça & Bustamante, 2020).
Ao valorizar a importância de outras formas de saber, visões e práti-
cas participacionistas contribuíram para a redução do valor relativo da ciência,
colocando-a em perspectiva. Mais do que simplesmente reconhecer o valor
de múltiplas formas de saber, houve, social e politicamente, um discurso de
equiparação entre essas formas de saber como se elas cumprissem as mesmas
funções sociais e pudessem dar o mesmo tipo de contribuição a processos de
construção de decisões políticas. Nesse sentido, a legitimidade dos cientistas
para opinar sobre questões políticas foi relativizada. Tal dinâmica se liga ao
próximo item a ser tratado, qual seja, a crescente centralidade de narrativas
identitárias na política contemporânea.

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2) O fortalecimento do identitarismo

A segunda transformação a ser discutida diz respeito ao lugar da no-


ção de identidade nas lutas sociais contemporâneas e no debate sobre justiça.
Novamente, trata-se de discussão que tem dimensão teórica e implicações so-
ciais práticas bastante concretas. Desde os anos 1960, houve, inegavelmente,
um reconhecimento da centralidade da ideia de identidade para se pensar a
política e para se agir politicamente. De forma bastante genérica, a noção é
recuperada por diferentes tradições teóricas para: 1) destacar que a política
não se resume a interesses econômicos; 2) questionar concepções políticas que
adotam um universalismo cego às diferenças e singularidades socioculturais; 3)
rearticular definições básicas da teoria da justiça.
Esses objetivos estão presentes na leitura original do conceito feita a
partir dos anos 1960 pelos Estudos Culturais Ingleses e pelas tradições dela
desdobradas. O tema já atravessa um dos estudos precursores da corrente, com
a leitura de E. P. Thompson (1996) sobre a experiência da classe trabalhadora
inglesa, mas ganha centralidade em autores como Hall (2005), Gilroy (1993)
e Woodward (2002).
Em releituras que aproximam psicanálise, pós-estruturalismo e a críti-
ca pós-colonial, fortalece-se a ideia de uma Política da Diferença, a partir da
década de 1970. O pressuposto básico é o de que os sujeitos que experienciam
condições opressivas não devem lutar pela simples igualdade, mas por uma
marcação da diferença, ressignificada. Diversos autores criticam políticas uni-
versalizantes, taxando-as como assimilacionistas e homogeneizantes (Young,
1990; Bhabha, 1990; West, 1999). As discussões sobre gênero e raça trazem
contribuições particulares a esse debate, cabendo mencionar a saliência co-
locada na ideia de experiência (Scott, 1999), na noção de interseccionalidade
(Crenshaw, 1989) e na discursividade do corpo que se vê relido para além da
aparente fixidez biológica (Butler, 1999; Mbembe, 2014). Os feminismos
negros são particularmente potentes na tematização das diferenças internas a
atravessar movimentos e identidades subalternizadas (Collins, 1998; Hooks,
1981).
Por trilhas distintas, a tradição de estudos sobre movimentos sociais
também dedicou crescente atenção à noção de identidade. O esforço aqui era,
sobretudo, o de destacar que atores coletivos não são apenas agregados de in-
teresses a serem analisados a partir de cálculos individualizados de utilidade.
Movimentos sociais tecem identidades coletivas, sendo necessário compreen-
der esse processo para dotar de sentido os investimentos afetivos daqueles

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engajados em causas coletivas (Cohen, 1985; Melucci, 1996; Touraine,
1994; Alexander, 1998; Snow, 2013).
Há, ainda, nessa literatura, uma preocupação em entender um aumento
de lutas sociais em torno de pautas supostamente não materiais (Inglehart,
1990). A ideia é compreender como a vida dos sujeitos e suas escolhas são or-
ganizadoras dos conflitos em que estes se engajam. Esse ponto é abordado, por
exemplo, por Giddens (2002), cuja ideia de política-vida joga luz sobre mudan-
ças sócio-históricas em curso. Na visão do sociólogo, a reestruturação moderna
de tempo e espaço, o surgimento de muitos mecanismos de desencaixe e a
profundidade com que a reflexividade se estruturou em várias práticas sociais
concretas levariam a um cenário não só de dúvidas existenciais, mas de neces-
sidade de muitas escolhas, com a consequente pluralização da vida cotidiana.
A política-vida coloca saliência na autorrealização dos indivíduos e investiga
como processos de subjetivação são inerentemente políticos.
O foco na autorrealização é compartilhado por uma tradição de pensa-
mento que busca redefinir a teoria da justiça a partir do conceito de reconheci-
mento. Autores como Taylor (1997; 1994) e Honneth (2003a; 2003b) repensa-
ram a definição de justiça, colocando os processos de formação identitária em
seu cerne. Ambos discutem como o desrespeito a identidades representa um
desafio concreto à justiça e como lutas impulsionadas pela indignação moral
daí derivada são transformadoras de gramáticas morais. Nessa visão, as identi-
dades são simultaneamente arena e motor da própria política. No próprio seio
do debate sobre reconhecimento surgem, contudo, várias críticas ao chamado
identitarismo (Bosco, 2017). Fraser (2003; 2008) e Markell (2003) pontuaram
os riscos de uma sociedade estruturada como competição entre identidades
e questionaram os efeitos colaterais de um possível comunitarismo sectário,
em que a busca por soberania identitária levaria a mais dominação (em vez
de emancipação). Se identidades podem alimentar lutas justas, elas também
alimentam ações públicas de ódio, nacionalismos xenófobos e vários tipos de
violência, como mostram em profusão grupos e coletivos nas mídias sociais.
Embora vital para o questionamento de injustiças, o debate teórico so-
bre identidade e as práticas a ele relacionadas são eivados de ambivalências. Se
foi importante evidenciar que o universalismo não era tão universal e se foi
importante investigar as dimensões vitais que ultrapassam os interesses econô-
micos, viu-se o nascimento de práticas identitaristas que apresentam desafios
à democracia.
Um desses desafios gira em torno do debate acerca da noção de lugar de
fala. Com origem nas discussões da análise de discurso e apropriado em lutas

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de grupos subalternizados, o conceito ressalta a importância de pensar os dis-
cursos (e a legitimidade destes) a partir da enunciação (e não apenas do enun-
ciado). Entende-se que enunciadores diferentes se colocam desde perspectivas
distintas, porque diferentemente situados na sociedade. Assim, o conceito va-
loriza em grande medida o papel das experiências dos sujeitos e sua inserção
sócio-histórica, reconhecendo que alguns sujeitos têm um lugar de fala que
lhes permite ver (e viver) certos problemas invisíveis a outros sujeitos. A ideia
adquiriu dimensões práticas muito concretas, influenciando diversos coletivos
e movimentos em suas lutas, sendo as organizações feministas negras no Brasil
um exemplo relevante.
O conceito foi muito importante para evidenciar a relevância de pensar
a enunciação de uma perspectiva mais ampla e como a experiência dos sujeitos
delineia lugares de fala específicos. Por outro lado, pode alimentar um tipo de
sectarismo que coloca certas experiências acima de críticas e contra-argumen-
tos (Bosco, 2017). Central para o presente texto é perceber que a exaltação
da experiência acabou por questionar a legitimidade de outras formas de co-
nhecimento válidas (ciência e técnica, por exemplo), convertendo-se em uma
estratégia socialmente utilizada para atribuição de legitimidade e capital social
aos agentes, como explicaremos adiante.

3) A explicitação da relação entre saber e poder

Paralelamente aos dois desenvolvimentos anteriormente citados, nota-se


o fortalecimento da discussão que evidencia a articulação entre saber e poder,
ou das distintas relações entre Ciência e Política (Brown, 2009). Por linhas
distintas, teorias e práticas sociais tematizam a forma como o exercício do po-
der envolve a construção de conhecimento e como o conhecimento não é uma
massa informacional isolada do tecido sociopolítico no qual foi gestado. Uma
das principais raízes dessa discussão é, indubitavelmente, o trabalho de Michel
Foucault, cuja fase genealógica discute, essencialmente, a natureza discursiva
do poder e a natureza política do discurso (Fairclough, 2001, p. 82). Foucault
dedica-se à compreensão da forma como saberes (sobre a loucura, sobre a se-
xualidade, sobre os corpos, sobre as populações) se desenvolvem e atravessam
politicamente a sociedade em que se inserem, conformando ordens do discurso
que balizam aquilo que é passível de ser dito e percebido (Foucault, 2001).
Nesse sentido, Foucault não está apenas analisando conceitos, mas falando de
práticas sociais bastante concretas e com implicações sobre a vida das pessoas
e suas ações no mundo. Foucault se dedica, por exemplo, à discussão sobre a

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forma como discursos se legitimam em diferentes contextos históricos, expli-
citando a forma como verdades são sempre permeadas por relações de poder.
A discussão foucaultiana vertebra muito do pós-estruturalismo em seus
diferentes veios. Não nos cabe aqui esboçar uma organização ou síntese do
pós-estruturalismo. Interessa-nos salientar, contudo, como essa articulação en-
tre saber e poder é uma constante no debate de autores tão distintos como
Derrida, Deleuze, Spivak e Rancière. Em diferentes momentos e de formas
distintas, todos evidenciaram a contingência dos significados e sua inscrição
nas práticas sociais de que fazem parte. A postura antifundacionalista e antipo-
sitivista dessa tradição evidencia a dimensão contextual da construção daquilo
que aprendemos a chamar de verdade.
Tais ideias reverberam fortemente em trabalhos como o da primeira
Butler (1999), que avança os estudos sobre gênero e evidencia a contingência
do próprio corpo. Elas também emergem nos debates sobre a ideia de pós-
-modernidade, que ficaram célebres nos anos 1980 e 1990 e que tematizavam
a fragmentação, a contingência e a historicidade da própria ideia de verda-
de (Vattimo, 1988; Flax, 1992; Jameson, 1998; Lyotard, 2002). Autoras e
autores da chamada tradição pós-colonial também salientaram, de modo en-
fático, a dimensão epistêmica da reprodução do poder (Ballestrin, 2013).
Como apontam Mignolo (1998) e Bhambra (2010), a ciência é atravessada por
violências epistêmicas que reduzem lugares e pessoas a objetos, destituindo-os
de agência e capacidade crítica. Pensadores e pensadoras dessa perspectiva sa-
lientam, de forma específica, como os ideais supostamente racionais e univer-
salizantes da modernidade seriam profundamente marcados por premissas e
consequências que permitem a reprodução de violências em diversos contextos.
Ainda no tocante à relação entre saber e poder, mas afastando-nos das
tradições pós-estruturalistas e pós-coloniais, é fundamental resgatar o trabalho
de Bourdieu. Ao discutir a ideia de campo científico (à qual voltaremos na
segunda parte do texto), o sociólogo francês explicita os conflitos e disputas a
atravessar a dinâmica por meio da qual a legitimidade científica se estabelece.
Ao fazê-lo, ele demonstra que a ciência funciona como outros campos de ati-
vidade humana, em uma competição por recursos escassos e com uma cons-
trução de gramáticas singulares para mediar as relações entre os agentes do
campo. Não há, portanto, uma ciência puramente técnica, mas uma produção
marcada por disputas e pelo contexto político de que faz parte.
O que se nota, em síntese, é que pouco a pouco, e por diversas veredas,
argumentou-se que o conhecimento científico não pode ser pensado de for-
ma isolada do mundo social ou político. Foi necessário fortalecer a ideia do

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conhecimento científico como um discurso entre tantos outros. Em se tratan-
do de uma forma discursiva entre outras, ele se tornou mais questionável, e as
relações de poder a marcá-lo fizeram-se mais evidentes. Isso foi fundamental
para a democratização do saber, mas também contribuiu para a progressiva
deslegitimação da ciência enquanto detentora da verdade, capaz de guiar de-
cisões políticas.
É preciso deixar claro que esses questionamentos não se fizeram ape-
nas entre acadêmicos e teóricos, mas fundamentalmente, como detalharemos
na segunda parte do texto, em práticas sociais diversas. A ciência perdeu sua
aura e sua capacidade de impor-se como saber neutro. O exemplo recente da
pandemia de Covid-19 deixa essa questão muito clara, já que as falas de es-
pecialistas são frequentemente reduzidas a apenas mais uma “narrativa” entre
outras. Cientistas e especialistas são enquadrados, amiúde, como atores polí-
ticos e econômicos, em busca da defesa de posições partidárias ou interesses
financeiros. A tematização pública da relação entre saber e poder não se res-
tringe à abstração dos pós-estruturalismos e leituras decoloniais, mas se mani-
festa corriqueira e praticamente em relações ordinárias no cerne da vida social
contemporânea.

4) A transformação estrutural do contexto comunicativo

A quarta transformação para a qual precisamos chamar a atenção aqui


é a mudança estrutural do cenário comunicacional a partir do último quartil
do século XX. Trata-se de uma mudança de ordem distinta das anteriormente
exploradas, porque não assentada em profundas revisões teóricas e conceituais,
ainda que por elas acompanhada. Tal como as três transformações previamen-
te discutidas, contudo, a quarta mudança aqui explorada deixa consequências
profundas no plano das relações e práticas sociais. Se é razoavelmente correto
dizer que essa mudança se estabelece e se intensifica a partir da difusão da
comunicação digital, gostaríamos de inseri-la em um contexto ainda mais am-
plo, chamando a atenção para sinais que a precedem e a acompanham. Para
os propósitos deste texto, faz sentido apontar a força da ideia de comunicação
colaborativa que antecede e atravessa o processo de digitalização dos processos
comunicacionais.
Convém salientar, nesse sentido, as transformações pelas quais passou o
jornalismo no final do século XX, no sentido da construção de práticas, em tese,
mais colaborativas. A crescente redução na tiragem dos periódicos levou mui-
tas empresas a buscar alternativas para a forma como a cobertura é produzida.

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Paralelamente, nota-se o fortalecimento dos discursos sobre a importância da
sociedade civil e da participação local na construção de comunidades fortes.
Do encontro desses dois processos, nasce o chamado jornalismo cívico ou ci-
dadão, que aposta na interação entre jornalistas e cidadãos para a produção de
conteúdo noticioso5. A hipótese era a de que notícias sobre “a minha rua” e “a
nossa escola”, por exemplo, gerariam mais atenção e seriam mais relevantes
para cidadãos daquela comunidade do que notícias sobre geopolítica. Ademais,
havia a expectativa de uma dinâmica colaborativa, em que os textos não seriam
produzidos por um especialista (um jornalista), mas por uma rede de pessoas.
Na base de tudo, estava a tentativa de romper com o isolamento dos jornalistas
nas próprias práticas profissionais e democratizar a profissão (Rosen, 1999;
Fischer, 2009).
Esse fenômeno também é retratado por Cardon (2012) em sua teo-
rização sobre as transformações do espaço público. O sociólogo francês faz
uma espécie de reconstrução das mudanças do espaço público, identificando
a progressiva presença de amadores entre os produtores de informação e a
expansão dos tópicos entendidos como merecedores de visibilidade pública.
Para Cardon (2012), tal dinâmica estabeleceu um jogo de luz e sombra entre
público e privado, colocando os amadores no coração do espaço público (seja
como atores, seja como objetos da fala pública). Cardon avalia o lugar central
que a internet teve nesse processo. A facilidade de produção, armazenamento e
circulação de dados alimentou processos fundamentais na compreensão dessa
mudança no panorama do espaço público.
Diversos autores e autoras pontuam essa mesma questão. Keane (2013),
por exemplo, indica como a dinâmica colaborativa entre leigos viabilizada pela
digitalização da comunicação afetou a política ao impactar a estruturação de
redes de vigilância e monitoramento. Uma das consequências desse cenário já
era delineada por Castells ainda nos anos 1990, com a ideia da autocomunica-
ção de massa, que acabou materializada, de alguma forma, nas mídias sociais.
A visão (bastante real) de que cada um pode produzir conteúdos e se expres-
sar para grandes audiências tem implicações amplas sobre a política, marcan-
do compreensões sobre representação, mediação e ação coletiva (Bennett
& Segerberg, 2013; Bimber et al., 2012; Mendonça, 2017). A ideia de
uma organização jornalística hierárquica que estabelece diretrizes claras de

5  No Brasil, os jornais populares massivos, apesar de não se organizarem em termos co-


laborativos, incorporaram muitas das estratégias do jornalismo cidadão, como a sugestão de
pautas pelos leitores e espaços para disseminação de imagens e informações produzidas pelas
comunidades.

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noticiabilidade vê-se deslocada pela sobreposição de ações e reivindicações de
sujeitos entendidos como autônomos e capazes de falar por si.
Como veremos na segunda parte do texto, a lógica de cliques e likes
do cenário de abundância comunicativa está no cerne de deslocamentos pro-
fundos na forma como operam campos consagrados como os da ciência e do
jornalismo. Se as mídias digitais abrem veios de expressão e acenam para a
possibilidade de debates e organizações mais plurais, elas também descortinam
os riscos de uma esfera pública tomada pela autorreferência e pela autolegiti-
mação. É sempre possível encontrar o conforto do endosso à narrativa de si, e
isso tem impacto significativo na crise epistêmica que enfrentamos.
Esse aspecto foi explorado por Andrew Keen (2007), que relata que a
aposta democratizante na inteligência coletiva via internet estaria nos levando
a uma espécie de “culto dos amadores”, que negligencia não apenas a impor-
tância do saber especializado, mas também a existência de relações de poder
e interesses na expressão dos amadores. Keen aponta o crescimento de uma
“floresta digital da mediocridade” (2007, p. 3), comprometendo as bases de
possibilidade da própria produção do saber. A ambivalente democratização do
saber gerada pela expansão dos fluxos comunicacionais pavimenta os caminhos
para um mundo autorreferente, em que o escrutínio de perspectivas e discursos
divergentes se torna tarefa quase impossível.

Campos em deslegitimação: política, ciência e jornalismo em xeque

As quatro mudanças sociopolíticas abordadas até aqui – avanço da par-


ticipação política, fortalecimento do identitarismo, explicitação da relação en-
tre saber e poder, transformação estrutural do contexto comunicativo – ajudam
a perceber a complexidade do quadro epistêmico das sociedades contempo-
râneas. Se há, por um lado, um esforço teórico e prático de democratização
do debate público, há, paradoxalmente, um ambiente de crescente questio-
namento da legitimidade de fontes de conhecimento que estão na base da
própria criação da esfera pública. Ao mesmo tempo em que se expandem as
possibilidades de produção de conhecimento, aumenta a desconfiança sobre
a validade e a qualidade do conhecimento especializado. Tem-se, assim, um
mundo crescentemente autorreferente, em que o critério de verdade está ligado
à “minha” percepção, à “minha” experiência do mundo e à “minha” capacidade
de obtenção de apoios.
Para retomar essas questões e explicitar as dinâmicas políticas em atua-
ção nesse processo ambíguo e desafiador, mobilizamos, no restante do texto,

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algumas das ideias de Bourdieu. A intenção é explorar algumas das conse-
quências dos processos apresentados, lendo-os por uma chave inspirada em
conceitos bourdiesianos. Enquanto a primeira parte do texto apresentou um
conjunto de fatores empíricos, aqui buscamos explicar sociologicamente a for-
ma como eles contribuem articuladamente para a produção de um fenômeno
social mais amplo, que é a alteração profunda nas formas pelas quais os atores
sociais atribuem legitimidade e reconhecimento a formas de saber.
Ainda que muitos aspectos da obra de Bourdieu sejam passíveis de crí-
tica e que sua abordagem tenha sido criada em meio a outro contexto socio-
-histórico e cultural, entendemos que seus conceitos podem ser mobilizados
para jogar alguma luz sobre o fenômeno que nos interessa. De forma sintética,
argumentamos que os fatores supra-abordados contribuíram para colocar em
xeque critérios internos de diferentes campos sociais, o que colaborou para
a deslegitimação desses mesmos campos e para um deslocamento na forma
como os próprios atores desses campos competem por capital simbólico.
Bourdieu entende campos como estruturas relacionais, marcadas por
gramáticas e lógicas que balizam competições entre atores por capital simbóli-
co. A “estrutura de relações de força simbólica” é expressa, em dado momento,
por meio de “uma determinada hierarquia das áreas, das obras e das competên-
cias legítimas” (Bourdieu, 1987, p. 118). Diferentes sistemas simbólicos – ou
campos – disputam o poder de impor sua visão legítima do mundo e delimitar
a estruturação da totalidade social, que consiste em definir os princípios domi-
nantes de visão e divisão da realidade social (Bourdieu, 2005, p. 36). O mundo
social é visto, nesse sentido, como um espaço de relações entre agentes que
disputam poder com outros, agentes que são definidos por sua posição nesse
espaço complexo de relações formado por diferentes campos, cada qual com
sua lógica própria e suas relações específicas.
Há, assim, uma batalha simbólica constante em que concorrem os cri-
térios de cada um dos campos sociais com os quais nos organizamos coletiva-
mente. Essa batalha é uma luta pelo “poder quase mágico de nomear e fazer
existir pela virtude da nomeação” (Bourdieu, 2006, p. 142). Os campos sociais
disputam o direito de determinar seus próprios critérios internos de distribui-
ção de capital e a validação desses critérios como forma de atribuição de capital
simbólico e político para seus integrantes na vida social. Isso significa que cada
agente traça estratégias para ampliar seu capital simbólico de acordo com a
posição em que percebe os demais agentes e a si mesmo; da mesma forma, cada
campo organiza critérios para que a atribuição de capital escolhida por seus
integrantes seja relevante socialmente.

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Bourdieu destaca, ainda, que a concentração de poder discursivo nos
líderes de cada campo leva ao sentimento de desconfiança por parte da po-
pulação sobre os critérios de legitimidade estabelecidos pelo campo. Em ou-
tros termos, quanto maior a autonomia de um campo, maior a sensação de
separação entre seus integrantes e os atores externos. Como também pontua
Fischer (2009), de certa forma, os especialistas facilitariam a manutenção do
status quo para manterem a legitimidade social do capital alcançado em seus
determinados campos.
A problematização desse processo de insulamento dos campos por
Bourdieu colabora diretamente para as mudanças discutidas na primeira parte
deste texto. Os debates sobre participação, identidades e saber e poder, bem
como as transformações na forma como nos comunicamos, alimentaram um
crescente ceticismo em relação às lógicas internas de legitimação das esferas
sociais, tais como a política, a ciência e o jornalismo. Entendidos como insula-
dos e autointeressados, os atores desses campos viram o progressivo enfraque-
cimento dos critérios de validação internos, com a consequente fragilização
dos mesmos. Na disputa em torno da nomeação do mundo, e nas competições
internas por capital simbólico, muitos atores perceberam a crescente necessi-
dade de buscar legitimidade a partir de critérios externos aos dos seus campos
de origem, destacando-se, aqui, a capacidade de aceitação e ressonância junto
a audiências mais amplas.
Se sempre foi importante endereçar audiências internas e externas aos
campos, e ainda que isso seja constitutivo do jornalismo, da política e, em certa
medida, da ciência, o que se nota é um progressivo esvaziamento da capacidade
de os filtros e validações próprios aos campos serem reconhecidos publica-
mente em um cenário de hipertrofia de critérios exógenos, dentre os quais se
destaca a visibilidade. Se, para Bourdieu (2007, p. 382-383), é fundamental que
os atores tenham o sentimento de competência socialmente legitimada para se
verem aptos a participar do debate político: o julgamento dos pares é progres-
sivamente substituído pela intensidade dos endossos daqueles que concordam
com quem se manifesta, sendo que as quatro transformações exploradas na
primeira parte do texto contribuem para esse cenário.
Nesse contexto, celebridades se tornam políticos, e políticos buscam
se celebrizar em atos capazes de gerar likes, compartilhamentos e circulação.
Cientistas precisam comentar rapidamente os assuntos mais diversos, de forma
impactante e acessível, adaptando-se à aceleração da busca por informações,
que frequentemente é incompatível com o tempo da análise detida e refletida.
O próprio Bourdieu (1997) antecipara essa tendência, ao notar a profusão dos

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fast thinkers a ocupar o jornalismo, diante da necessidade midiática de recorrer
a fontes. Os jornalistas, por sua vez, veem-se premidos pela necessidade de
postar rapidamente em redes sociais notícias nem sempre apuradas, tratadas
ou devidamente contextualizadas. Na ânsia por relevância, jornais trocam as
reportagens investigativas e a crítica aprofundada pelos títulos bombásticos
(e frequentemente interrompidos), que geram cliques e compartilhamentos,
assegurando a validação dos números.
Curiosamente, contudo, essa necessidade de buscar legitimidade no cri-
tério exógeno da visibilidade endossante acaba por reduzir a própria capaci-
dade desses atores de se legitimarem. Há sempre outsiders, leigos e amadores,
capazes de produzir mais likes e compartilhamentos em sociedades que sobre-
põem a experiência à expertise, por questionar de saída a idoneidade da ciência
e de especialistas. Se todas as formas de saber se equivalem e se todo discurso
é reduzido a uma opinião na busca por dominação, é sempre possível encon-
trar discursos mais atraentes, mais vinculados à experiência, mais eloquentes
no questionamento da opacidade dos campos. Outsiders chacoalham a política
com suas hordas de apoiadores. Leigos se apresentam como especialistas em
saúde, astronomia, segurança pública e mudança climática, e amadores comen-
tam os últimos eventos internacionais com desenvoltura e sarcasmo em canais
que pululam por redes sociais. Aqueles e aquelas que outrora poderiam ser
eventualmente taxados como charlatões passam a dominar os fatores centrais
de validação do saber: a visibilidade e a capacidade de gerar adesões.
É assim que a democratização dos campos sociais – que acompanhou a
pluralização das possibilidades de expressão, a valorização das experiências e
relatos individuais e a explicitação das relações de poder a atravessar discursos
– contribuiu para que esses mesmos campos se transformassem radicalmente, a
ponto de dependerem, fundamentalmente, daquilo que Bourdieu chamava de
capital transferido. Sendo o capital e as fontes de legitimação transferidos de
fontes externas ao campo, o próprio campo deixa de fazer sentido na disputa
simbólica em que os seres humanos se inserem. A política e seus atores tor-
nam-se um fardo. A ciência e as instituições nas quais ela foi tradicionalmente
desenvolvida são vistas como desperdício. O jornalismo e seus procedimentos
são percebidos como um desserviço.
Reiteramos que não é nosso intuito culpabilizar as transformações a que
nos referimos na primeira parte deste capítulo pelos desafios enfrentados pela
política, pela ciência e pelo jornalismo na atualidade. Isso seria injusto e sim-
plista. Tampouco argumentamos que aquelas e aqueles responsáveis por pro-
duzir tais transformações tenham o objetivo de enfraquecer tais campos. Isso

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seria não apenas equivocado, mas leviano. Ressaltamos, novamente, a impor-
tância de tais processos no avanço de lutas emancipatórias e da própria demo-
cracia. Observamos, todavia, a necessidade crítica de perceber as ambivalências
a atravessar processos sociais. Omitir os retrocessos que acompanham os avan-
ços sociais e democráticos implicaria abrir mão da possibilidade de entender
a natureza complexa e dinâmica dos desafios que se colocam à humanidade.
Salientamos, ainda, que não aspiramos a advogar uma espécie remistificação da
política, da ciência e do jornalismo. Isso seria indesejável, além de impossível.
Não defendemos o isolamento autopoiético desses campos ou a sustentação
acrítica dos procedimentos que marcaram suas respectivas histórias.
Mais modesto, nosso interesse é o de apontar esse cenário ambíguo,
em que possibilidades emancipatórias se veem interrompidas e limitadas pela
própria natureza paradoxal de seus efeitos. Entendemos que os campos da
política, da ciência e do jornalismo são centrais para a democracia, porque
vitais para o debate público. Ademais, entendemos que procedimentos que
envolvam o controle por pares são importantes para que haja parâmetros de
validação do conhecimento. Admitir a luta simbólica dentro dos campos so-
ciais não deslegitima as suas práticas, ainda que o constante aperfeiçoamento
dos critérios internos a partir do questionamento social seja algo desejável, do
ponto de vista social.
Compreendemos, ainda, que os saberes e discursos derivados desses
campos são apenas uma fração do que importa para a esfera pública e que ou-
tras fontes de saber são relevantes para a democracia. A questão, contudo, é não
transformar a equivalência da relevância na equivalência de funções. Discursos
diferentes são relevantes não porque podem se substituir, mas justamente por-
que cumprem funções diferentes na esfera pública. O paradoxo emerge não do
reconhecimento da pluralidade, mas da transformação desse reconhecimento
em uma equivalência funcional. Com outsiders, leigos e amadores tomando a
esfera pública, abrimos mão de discursos e saberes fundamentais à sobrevivên-
cia da democracia, discursos e saberes que têm papéis distintos daqueles que
podem derivar, por exemplo, das narrativas em torno das experiências corpori-
ficadas no cotidiano da vida social.
Além disso, consideramos fundamental ter em vista que a democra-
tização do saber está ligada à crítica. Da mesma forma que o conhecimento
técnico e especializado foi submetido a críticas e ao escrutínio, faz-se essencial
compreender que o saber derivado da experiência precisa manter-se aberto à
crítica. A democracia depende disso. Não há um discurso que se imponha a to-
dos os demais, capaz de silenciar aprioristicamente todos os questionamentos.

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Identidades, experiências e vivências não asseguram aos falantes a possibilida-
de de proferirem discursos impermeáveis à crítica democrática. Não teremos
mais democracia com a simples substituição do insulamento de campos pelo
insulamento de narrativas experienciais inquestionáveis. Em ambos os casos,
ceifa-se a possibilidade do debate público, que é o próprio coração da vida
democrática.

Considerações finais

Reconhecer que os critérios dos campos não são politicamente neutros


não significa reduzir a complexidade social a apenas uma forma de produção
de conhecimento válida. Admitir que a luta política permeia internamente
todos os campos sociais não pode implicar o abandono integral de critérios
e procedimentos de validação de saber, nem a sustentação acrítica de outros
discursos. Não é promissor invalidar as explicações sobre o mundo produzidas
pelos diferentes campos de expertise para que apenas a explicação endossada,
seja por uma minoria intensa, seja por um grupo majoritário, venha a ser con-
siderada legítima. Isso não promove a democracia.
Ainda que a lógica do campo informativo tenha se alterado profun-
damente no atual cenário contemporâneo de fluidez dos papéis de produto-
res-consumidores de conteúdo representados pela internet, acreditamos que
admitir a existência desses papéis em um regime colaborativo de produção das
decisões públicas possa ser uma alternativa mais adequada do que simples-
mente substituir o conhecimento dos especialistas por opiniões ou crenças dos
amadores. Esse regime colaborativo não significa uma concordância apriorísti-
ca, mas a possibilidade sempre presente de construção de critérios sólidos para
a crítica e o escrutínio dos discursos.
Bourdieu fala de uma “mistificação democrática” ao tematizar a tendên-
cia a requerer que algumas pessoas “respondam a problemas que não seriam
capazes de produzir” (2004, p. 83). Em que pese o aparente elitismo da afir-
mação e a possibilidade de ela ser apropriada de forma antidemocrática, o que
Bourdieu indica é que toda a crítica que ele faz aos especialistas não os torna
irrelevantes. O autor afirma a responsabilidade social dos especialistas de res-
ponder a questões relevantes, até mesmo para poder reformular essas questões
com base em seu conhecimento específico.
É provável que os processos aqui abordados tenham tornado mais óbvia
a relação estreita entre os diferentes campos sociais, contribuindo para esmae-
cer as fronteiras entre eles e para que possamos ver com mais clareza os jogos

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de poder que são travados dentro deles e entre eles. É fundamental perceber,
contudo, que os jogos de poder não se restringem ao fazer dos especialistas.
Anônimos, leigos e cidadãos ordinários também se inscrevem nos jogos de
poder: eles também partem de perspectivas, posições no mundo e processos
de socialização que são específicos; eles também têm interesses, demandas e
objetivos particulares. A expressão deles é vital para a democracia, mas isso não
significa que decisões democráticas sejam aquelas que simplesmente reprodu-
zam as visões de algumas dessas vozes sem submetê-las à crítica.
O ponto, portanto, é pensar formas de garantir o que a democracia sem-
pre requereu: o encontro crítico, tenso e embasado de uma pluralidade de pers-
pectivas. Se o saber de especialistas precisa ser filtrado por critérios não apenas
técnicos, mas também democráticos, é preciso entender que o saber derivado
das experiências ordinárias também precisa de filtros democráticos e técnicos.
Se a democracia não pode ser uma ditadura dos especialistas, ela tampouco se
conforma como o governo calcado na intensidade dos endossos visíveis ou na
autenticidade de experiências particulares. Decisões políticas são mais comple-
xas do que isso, e reconhecê-lo não implica elitismo, mas, ao contrário, levar a
democracia a sério.

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14. Ciência e sociedade:
as potencialidades da pesquisa participativa

Maria do Carmo Albuquerque


Fernando Peres Rodrigues
Tânia Maria Silveira

Dedicado a Lúcio Kowarick (1938-2020),


intelectual que nos deixou o legado de um
pensamento comprometido com a ação.

Introdução

No Brasil e no mundo, a relação entre ciência e sociedade tem cada vez


mais revelado descompassos entre o conhecimento científico e a forma como
as sociedades lidam com seus problemas. Não raramente se observa que parte
da sociedade coloca em questão a relevância das ciências e da produção acadê-
mica em geral. Como efeito de um debate maior, órgãos de apoio à pesquisa e
ensino universitário apontam preocupação crescente com a relevância social da
pesquisa acadêmica e sua inserção na região por ela abrangida1.
Nesse contexto, buscamos recuperar para o debate sobre as relações
entre ciência e sociedade algumas abordagens que salientam a participação
dos atores sociais na construção do conhecimento, dentre as quais a “Pesquisa
Participativa” e a “Ciência Pós-normal”. Elas apontam para a necessidade de
integrar a sociedade no processo de produção científica do conhecimento.
Discutimos aqui como o desenvolvimento de projetos científicos que se arti-
culam com a intervenção social podem possibilitar ganhos analíticos e sociais.
O debate é realizado a partir de uma intervenção social desenvolvida no
interior de um projeto de pesquisa acadêmica2, onde, ao lado das linhas aca-

1  Ver: <https://uab.capes.gov.br/36-noticias/9979-avaliacao-medira-impacto-social-
-e-insercao-regional-das-pesquisas#:~:text=Avalia%C3%A7%C3%A3o%20medir%-
C3%A1%20impacto%20social%20e%20inser%C3%A7%C3%A3o%20regional%20
das%20pesquisas,-Publicado%3A%20Quarta%2C%2023&text=Atuando%20na%20mo-
derniza%C3%A7%C3%A3o%20do%20Sistema,um%20mais%20amplo%2C%20o%20
multidimensional>.
2  Projeto nº 88881.118026/2016-01 da Chamada n.° 6/2016, CAPES-FAPEMIG-FAPES-
CNPq-ANA. Essa chamada buscava projetos de “Apoio a Redes de Pesquisa para Recuperação

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dêmicas de pesquisa, desenvolveu-se uma intervenção participativa em vista
da melhoria no sistema de governança da reparação da Bacia do Rio Doce, no
Espírito Santo, atingida pelo desastre3 provocado pelas mineradoras Samarco,
Vale e BHP-Billiton.
O desastre da Samarco espalhou rejeitos de minério pela calha do rio
Doce e pelo mar, afetando milhares de pessoas e gerando demandas por po-
líticas de reparação em diversos setores, como meio ambiente, saúde e traba-
lho. Desde novembro de 2015, quando houve o rompimento da barragem de
Fundão, em Mariana/MG, a sociedade civil, o Estado e as empresas minera-
doras mobilizaram-se em torno dessas demandas, com grandes dificuldades e
tensões para encontrar soluções. Face à magnitude e ao ineditismo dos desa-
fios, às diferenças de interesses, à dificuldade de desenvolver relações entre os
atores capazes de propiciar uma participação adequada à busca de soluções,
explicitadas por Gurza Lavalle et al. (2019), o Projeto dedicou-se a estudar e
fomentar as relações entre os atores envolvidos.
Identificando desde o princípio uma grande fragilidade no sistema de
governança4 do desastre, dada pelas dificuldades da participação social, o pro-
jeto se constituiu em 5 linhas de pesquisa, voltadas a analisar e promover uma
governança participativa da recuperação da bacia do rio Doce e dos direitos da
população atingida. Uma delas consistiu em uma intervenção social voltada à
construção de propostas, soluções e canais de diálogo entre a população atin-
gida e as autoridades. Essa metodologia ligava as análises dos pesquisadores
acadêmicos com as análises feitas pelas populações atingidas, e foi denominada
ComRioComMar Opinião Popular (CRCMOP).
Essa intervenção participativa, como veremos neste capítulo, propiciou
aos pesquisadores a revisão de pressupostos analíticos, redefinição de casos de
estudo e reconsideração de variáveis. Para os atingidos, trouxe a ampliação
de informação sobre a governança do desastre, a requalificação de seus pro-
blemas e demandas, a ampliação de sua rede de contatos e a obtenção de no-
vas ferramentas de pressão. A pesquisa com participação, portanto, gerou um

da Bacia do Rio Doce”. Ver: <https://www.comriocommar.com.br/projeto>.


3  A Codificação Brasileira de Desastres (COBRADE) classifica esse fenômeno em duas
categorias: desastres naturais e desastres tecnológicos. Enquanto fenômeno social, os desas-
tres tecnológicos procedem da intervenção humana sobre o meio ambiente. O rompimento da
barragem de Fundão é denominado pelos atores sociais representantes dos atingidos como o
desastre-crime da Samarco, forma de nomeação que será aqui adotada.
4  Os acordos definidos pelos Termos de Ajustamento de Conduta - TTAC (2016) e TAC-
Gov (2018) definiram um sistema de governança do desastre e da reparação coordenado por um
Comitê Interfederativo (CIF), com suas câmaras Técnicas, e pela Fundação Renova.

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valor duplo – no horizonte da análise científica e no horizonte social. À luz
do contexto atual da relação entre ciências humanas e sociedade, destacamos
que o campo da participação pode se beneficiar analiticamente e contribuir
socialmente ao integrar metodologias de pesquisa acadêmica e de participação
social.
O capítulo se organiza em três partes, que seguem esta introdução. Na
primeira, exploramos as perspectivas teórico-epistêmicas que permitem avaliar
os ganhos em se desenvolver uma pesquisa com participação. Na segunda parte,
examinamos a intervenção social participativa denominada “ComRioComMar
Opinião Popular” e os ganhos sociais e analíticos que decorrem da integração
de metodologias acadêmicas e participativas, destacando os ganhos para o
campo da participação. Por fim, buscamos extrair deste estudo os aprendizados
e desafios que hoje se colocam para a relação entre ciência e sociedade no plano
das metodologias de pesquisa.

Relações entre pesquisa científica, sociedade e Estado

Analisamos aqui uma experiência de articulação entre pesquisa acadê-


mica e participação social, argumentando que essa relação produziu um ganho
duplo: ganhou a investigação científica e ganhou a sociedade, na sua capacida-
de de construção democrática.
Destacamos inicialmente que uma relação mais próxima entre pesquisa
e sociedade ocorreu de forma intensa no Brasil, impulsionada pelas ideias de
Paulo Freire sobre a construção do conhecimento como processo de mútua
relação entre teoria e prática5. Essa relação entre investigação e ação foi es-
pecialmente intensa no período de redemocratização, nas décadas de 1970 a
1990. Inúmeros intelectuais e ativistas que se dedicaram à pesquisa acadêmica
nesse período deixaram o legado “de um pensamento comprometido com a
ação” e “politicamente engajado” (Telles & Rolnik, 2020), explicitando os
nexos entre pobreza e desigualdades, e o modelo brasileiro de “modernização”
econômica e social6.

5  “Investigar [...] o pensar dos homens referido à realidade é investigar seu atuar sobre a rea-
lidade, que é sua práxis” (Freire, 2017, p. 136).
6  Entre esses inúmeros intelectuais destacamos, e a ele dedicamos este capítulo, o Prof. Lúcio
Kowarick, intelectual que nos deixou “o legado de um pensamento comprometido com a ação”
(Telles & Rolnik, 2020), falecido em agosto de 2020, cuja abordagem sobre a “espoliação
urbana” ancorou um vigoroso movimento pela Reforma Urbana.

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A experiência aqui analisada segue esse legado de uma ciência com-
prometida com a ação. Ela favoreceu as relações entre três grupos de atores:
pesquisadores, atores sociais e autoridades responsáveis pelas políticas de repa-
ração. Enquadramos esse caso em três matrizes teórico-epistêmicas que ana-
lisam as relações entre pesquisa e sociedade e entre sociedade e Estado. Essas
matrizes evidenciam a relevância dos atores, especialmente os atores sociais,
envolvidos nessas relações. Duas delas, a Pesquisa Participativa e a Ciência Pós-
normal, apresentam uma reflexão crítica sobre o fazer pesquisa, enfatizando a
inclusão da voz dos atores sociais na pesquisa. A abordagem da Ciência Pós-
normal enfatiza também que uma “ampliação da comunidade de pares” – das
vozes incluídas na pesquisa – se torna essencial quando os problemas são am-
plos, complexos, multiescalares e conflituosos. Partimos ainda de uma abor-
dagem que explicita a relação e as conexões entre atores sociais e autoridades
públicas na produção de soluções para problemas, isto é, na produção de polí-
ticas públicas7. Essas abordagens sustentam nosso argumento sobre os ganhos
sociais e acadêmicos de aliar a pesquisa a um processo participativo. Ainda que
cada uma delas tenha distintas origens e objetivos teóricos, as três iluminam
a interação entre atores, mostrando que ela pode oferecer ganhos mútuos e
substantivos, especialmente caros ao campo da participação.

1) A Pesquisa Participativa

A relação entre ciência, conhecimento e sociedade, na perspectiva da


participação social, tem sido tematizada por diferentes tradições teóricas em
vários momentos históricos (Thiollent, 2007). Na América Latina esse de-
bate ganhou corpo entre os anos 1970 e 1990, com o surgimento de métodos
de envolvimento do pesquisador e pesquisado na produção científica (Fals
Borda, 1978; Brandão, 1999; Bringel & Maldonado, 2016). Alguns mo-
delos e experiências foram desenvolvidos com as denominações de pesquisa-a-
ção (Thiollent, 1985), pesquisa participante (Brandão, 1981), pesquisa-ação
participante (Fals Borda, 1973), fundamentados em vertentes teóricas do
pensamento crítico e da pesquisa comprometida com a transformação social,
sendo, ao mesmo tempo, como afirma Fals Borda (1987), educação de adultos,
pesquisa científica e ação política. A variedade conceitual destas vertentes, que

7  Essa abordagem entende a política pública como produto da relação entre atores sociais e
estatais e destaca a relevância das conexões entre eles. Em nosso caso, se trata também de atores
não estatais, com responsabilidades públicas, como a Fundação Renova, também responsável
pelas políticas de reparação do desastre-crime.

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aqui denominamos de Pesquisa Participativa, jamais ofuscou a convergência
na crítica ao modelo positivista de construção do conhecimento e à pretensa
neutralidade científica que implica a separação formal entre sujeitos pesqui-
sadores e objetos de análise. A essência de sua concepção conceitual reside na
compreensão de que o real deve ser apreendido não apenas através de dados
“objetivos”, mas incluir as percepções dos sujeitos que nele estão envolvidos.
Paulo Freire (1981) assim expressa essa maneira de pensar:

Para mim a realidade concreta é algo mais do que fatos ou dados to-
mados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos estes fatos e todos
estes dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles
envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação entre ob-
jetividade e subjetividade. [...] Se a realidade se dá a mim não como algo
parado, imobilizado, mas na relação dinâmica entre objetividade e sub-
jetividade, não posso reduzir os grupos populares a meros objetos de mi-
nha pesquisa [...] me interessa conhecer os modos de pensar e os níveis
de percepção do real dos grupos populares [...]” (Freire, 1981, p. 34).

A pesquisa participativa tem sido retomada como modelo de referência


para desbravar caminhos que aproximam ciência e sociedade, em vários cam-
pos do conhecimento: problemas ambientais (Thiollent & Silva, 2007), ad-
ministração (Novaes & Gil, 2009), comunicação (Peruzzo, 2016), sociologia
(Bringel & Maldonado, 2016); desenvolvimento rural (Alves & Cichoski,
2019), dentre outros. Nos campos da saúde pública, educação e psicologia,
destacam-se também as formulações sobre a chamada “pesquisa-intervenção”,
relevantes para o debate sobre a produção do conhecimento científico com
integração de atores sociais, e sobre métodos de pesquisa aliados a interven-
ções sociais (Minayo, 2006; Szymanski & Cury, 2004; Macerata, Soares
& Oliveira, 2019).

2) A Ciência Pós-normal

Entre as abordagens que aproximam ciência e sociedade, encontra-se


ainda a Ciência Pós-normal. Essa perspectiva epistêmica, tratada como um
“insight” por Silvio Funtowicz e Jerry Ravetz (1997), tem se tornado mais co-
nhecida a partir da década de 2010 (Giatti, 2019), principalmente nas áreas
de saúde pública e meio ambiente.
A Ciência Pós-normal é uma abordagem reflexiva e crítica sobre a ciên-
cia. Segundo os seus formuladores, ela possibilitaria desenvolver melhores res-
postas teóricas quando as características do fenômeno são incertas, envolvem

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riscos e disputas, os valores são controvertidos, as apostas são elevadas e as
decisões, urgentes (Funtowicz & Ravetz, 1997). Em contextos complexos,
como desastres, dilemas socioambientais, epidemias e crises globais, a ciência
tradicional estaria se mostrando insuficiente para dar respostas e soluções sa-
tisfatórias ( Jacobi, Silva-Sanchez & Toledo, 2019). Para esses casos, a refle-
xão da Ciência Pós-normal sugere ampliar um mecanismo de validação e qua-
lificação da ciência, que é a comunidade de pares – tradicionalmente composta
exclusivamente pela comunidade acadêmica que julga e avalia a produção do
saber científico. Entretanto, não se trata de uma ampliação entre acadêmicos,
mas sim da inserção da sociedade nessa comunidade de pares, estabelecendo
algo como um controle social da ciência. Segundo Giatti (2019, p. 43), “ao
considerar os contemporâneos dilemas dentre as relações entre ciência, socie-
dade e tomada de decisão, a crítica estabelecida pela Ciência Pós-normal traz
importante destaque às incertezas e à necessidade de se ampliar e democratizar
a ciência”.
Essa abordagem tem sido concebida como uma reflexão que possibilita
associar metodologias participativas na governança de situações complexas em
que ciência e sociedade devem ser aproximadas para se encontrar diagnósticos
e soluções (Giatti, 2019); ou seja, articulam-se os saberes da ciência e da
sociedade em metodologias para a tomada de decisões. Analisando especifi-
camente a aplicação da Ciência Pós-normal em desastres naturais, Sulaiman,
Jacobi e Tur (2019, p. 79) resumem:

A relação entre ciência, política, sociedade e risco faz parte da Ciência


Pós-normal enquanto teoria, e da governança enquanto gestão, as quais
estão baseadas na coexistência em interação de diversos saberes e atores
sociais para a viabilização da mudança social e a reorientação da socie-
dade em direção à sustentabilidade e precaução.

Problemas socioambientais como o desastre-crime que atingiu a bacia


do rio Doce são situações em que imperam incertezas e em que valores es-
tão em disputa; por isso essa perspectiva parece tão adequada a esse campo
( Jacobi, Toledo & Giatti, 2019; Wallerstein et al., 2017). A magnitude
e complexidade da situação na região do rio Doce torna-a um caso exemplar
(Gurza Lavalle et al., 2019; Gurza Lavalle, Szwako & Dowbor, 2019),
pois a avaliação dos problemas “não pode mais ser desempenhada por um cor-
po restrito de especialistas”, e o diálogo sobre a formulação de soluções deve ser
estendido a todos os atingidos, que vêm a formar uma “comunidade ampliada
dos pares” (Funtowicz & Ravetz, 1997, p. 219).

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Desse modo, a Ciência Pós-normal se apresenta como um enquadra-
mento metodológico-epistêmico da pesquisa científica que busca ao mesmo
tempo produzir conhecimento e intervir no mundo a partir do que se aprende
com ele. Trata-se de intervir democraticamente por meio da ciência, pressu-
pondo-se que esta pode oferecer soluções técnicas aos problemas e envolver os
conhecimentos dos indivíduos que operam nessa realidade.

3) O pressuposto da mútua constituição

As duas abordagens acima aproximam ciência e sociedade, sendo que a


Ciência Pós-normal aproxima também a ciência de suas consequências políti-
cas – diagnósticos e soluções para problemas.
A busca dessas abordagens para enquadrar o caso aqui analisado está
diretamente relacionada a uma perspectiva relacional fundante nas ciências
sociais, qual seja, a da mútua constituição entre sociedade e Estado ou, de forma
mais ampla, entre a sociedade e as instituições políticas. Essa perspectiva nos
levou a olhar o processo de governança do desastre e identificar profundas
dificuldades de participação das populações atingidas ligadas a um marcante
“desencontro de interesses” na recuperação do rio Doce (Gurza Lavalle et
al., 2019). Assim, a pesquisa teve seu foco nos desencontros e nos encontros
que seriam essenciais para uma melhor governança da recuperação da bacia,
em suas dimensões ambientais e de cidadania da população atingida.
A perspectiva neoinstitucionalista8 da mútua constituição entre socie-
dade e instituições políticas guiou nosso olhar para encontros e desencon-
tros entre atores, seus interesses e suas capacidades. Ela destaca a importância
dos atores sociais na formulação de políticas públicas quando enfatiza a mú-
tua constituição entre Estado e sociedade e a influência combinada de am-
bos na gênese das políticas públicas (Kingdon, 1995; Dowbor, Carlos &
Albuquerque, 2018); explicita que a relação entre sociedade e Estado modi-
fica a ambos (Mann, 2008; Evans, 1995; Skocpol, 1992), e que vem sendo
utilizada na análise de dinâmicas socioestatais (Dagnino, 2011; Szwako &
Gurza Lavalle, 2019; Abers, Silva & Tatagiba, 2018; Dowbor, Carlos &
Albuquerque, 2018). Aqui, o pressuposto da mútua constituição é ampliado
para analisar não apenas instituições estatais, mas também outras instituições

8  O neo-institucionalismo histórico é uma corrente na ciência política que resgata o papel das
instituições não apenas como cenário na política, mas como atores cuja agência é relevante na
interação com outros atores, do mercado e da sociedade por exemplo.

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com funções públicas, como a Fundação Renova9; assim, permite perscrutar
a sociogênese de suas capacidades e sua influência na gênese das capacidades
de atuação dos atores sociais (Gurza Lavalle et al., 2019; Gurza Lavalle
& Szwako, 2015).
A abordagem da mútua constituição enfoca os momentos e processos em
que a interação socioestatal tem um ajuste fino, isto é, quando se constituem
encaixes entre atores sociais e estatais. Skocpol apresenta a ideia de encaixe ana-
lisando os momentos ou processos em que ocorre (ou não) um encaixe ou ajuste
(fit) “entre os objetivos e capacidades de vários grupos politicamente ativos e
os pontos de acesso e influência historicamente admitidos pelas instituições
políticas” (1992, p. 41, tradução livre). Ela se refere a processos10 e momentos
em que ocorre um ajuste entre os objetivos de atores sociais e autoridades pú-
blicas, mediante suas capacidades de construírem pontes ou pontos de acesso
entre eles.
Avançando na construção do conceito, Gurza Lavalle, Carlos, Dowbor
e Szwako (2019) apontam que os encaixes conferem maior capacidade de ação,
“conferem alguma agência com certa duração a determinados tipos de atores”
(2019, p. 49-50). Os autores citam, entre os exemplos, algumas regulações,
órgãos, técnicas e instrumentos de políticas que podem ser encaixes quando
“fazem” os atores agir (ibid., p. 50), possibilitando a alguns grupos maior suces-
so em atingir seus objetivos. Ancorado no pressuposto da mútua constituição
entre movimento social e Estado, o conceito de encaixe ressalta a agência de
ambos – atores sociais e estatais – na produção de resultados nas políticas pú-
blicas e na institucionalização de direitos.
Em nosso estudo, esse conceito foi essencial para identificar o problema
de pesquisa a ser abordado – o “desencontro de interesses” – e para definir o
objetivo central da pesquisa e do processo participativo. Perscrutar a existência
de encaixes, ou a sua falta, entre os atores representantes da população atin-
gida e o sistema de governança do desastre levou-nos ao que foi a principal
intencionalidade do CRCMOP: aproximar os atores sociais dos integrantes

9  Conforme seus estatutos, a Fundação Renova é uma pessoa jurídica de direito privado, sem
fins lucrativos, criada para ser o braço executivo da recuperação dos impactos causados pelo
rompimento da barragem de Fundão. Foi criada pelo TTAC em 2016 para integrar o sistema
de governança do desastre; exerce funções públicas e é aqui considerada uma instituição pública.
10  Skocpol apresenta esse conceito a partir de sua obra Mothers and Soldiers quando narra os
processos de conquistas institucionais (especialmente previdenciárias) obtidas pelas organiza-
ções de mães dos soldados da guerra da secessão norte americana. A ideia serve para mostrar
por que as organizações das mães conseguem maior sucesso em conseguir “encaixes” do que
outros grupos.

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do sistema de governança, capacitando-os e incentivando-os a construir encai-
xes institucionais. Essa aproximação, como apontam as perspectivas analíticas
acima, são essenciais para a compreensão de problemas complexos como o
desastre da Samarco e a busca de soluções reparadoras de seus danos.

ComRioComMar Opinião Popular: ganhos analíticos e sociais

Descrevemos nesta seção a construção e o desenvolvimento do


CRCMOP em sua relação com as três abordagens acima, isto é, analisando
a relação entre pesquisadores acadêmicos, atores sociais e atores com funções
públicas. As três abordagens iluminam os itens seguintes, permitindo a identi-
ficação dos ganhos analíticos e sociais.

1) Descrição da intervenção participativa

A intervenção participativa denominada ComRioComMar Opinião


Popular (CRCMOP) é uma tecnologia social ampliada, que se compõe de
métodos participativos de capacitação e de mobilização. Ela pode ser entendi-
da de forma cíclica, como mostra a Figura 1, com quatro etapas: (1) a elabora-
ção do projeto de pesquisa acadêmica, contendo uma proposta de intervenção
social; (2) a “aterrisagem” dessa proposta no contexto sociopolítico-ambiental;
(3) a implementação da intervenção participativa, promovendo a aproximação
entre os diferentes atores durante a coleta e análise dos dados; (4) a análise das
propostas, com participação de todos, apresentação e debate do documento
final com representantes dos órgãos competentes e divulgação dos resultados
do trabalho, os quais, por sua vez, retroalimentaram a pesquisa acadêmica com
dados e conhecimento do campo.

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Figura 1: Articulação da pesquisa acadêmica com a intervenção social

Fonte: Elaboração dos autores.

(1) O projeto de pesquisa acadêmica teve como propósito a produção


científica aliada a uma intervenção participativa para a reparação do desastre.
Essa intervenção buscava fortalecer as comunidades através da identificação
de atores sociais presentes nos territórios, do levantamento das percepções so-
bre os impactos do desastre, da reflexão compartilhada sobre os problemas, da
construção de propostas para a recuperação das áreas afetadas, da definição de
prioridades coletivas e da produção de informação de qualidade para o empo-
deramento dos atores sociais diante da tomada de decisões das autoridades.
Seu objetivo foi assegurar a inclusão da população atingida na elaboração con-
junta de soluções para os problemas decorrentes do desastre-crime.
O projeto previu a construção de um banco de dados para dar suporte à
intervenção. Com esse recurso, foi possível recolher e analisar um grande vo-
lume de informações, propiciando cruzamentos a partir de múltiplas variáveis.
Esse foi um diferencial importante em relação às metodologias normalmente
utilizadas nas ciências sociais, pois se utilizaram multimétodos para registrar e
quantificar os dados, se beneficiando e ao mesmo tempo promovendo pesquisa
documental, entrevistas, observação direta, aplicação de questionários, dentre
outras formas de coleta de dados úteis à pesquisa acadêmica e à intervenção
social.
(2) O desenvolvimento do processo foi incremental. Nos primeiros me-
ses, foi necessário refazer o desenho metodológico da intervenção, adequando-o

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ao contexto geográfico, social e político local, envolvendo comunidades com
diferentes características socioeconômicas e infraestruturais e atores com dis-
tintas características sociais e político-organizativas. Foi necessário conhecer e
trabalhar com conflitos, resistências ou desconfianças entre lideranças e atores
locais. Essa revisão do projeto de intervenção se deu a partir de trabalho de
campo continuado e em conjunto com lideranças da sociedade civil, já envolvi-
das nas lutas pela reparação dos danos. O apoio de movimentos como o Fórum
Capixaba em Defesa do Rio Doce (FCRD) e o Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB) foi decisivo na recriação da metodologia, bem como em sua
implementação. O desenho metodológico do CRCMOP articulou métodos
participativos de capacitação, através de oficinas e cartilhas, e de mobilização,
através das votações e jornais.
(3) Após meses de diálogo e redesenho metodológico, a implementa-
ção do CRCMOP começou em meados de 2018. Houve um primeiro evento,
envolvendo o MAB e o FCRD, gerando as propostas divulgadas no primeiro
Jornal CRCMOP. Após a primeira Oficina, iniciamos o processo com duas
comunidades. Em cada comunidade foram colocadas urnas, e as lideranças
promoveram os debates e a votação. Em cada cédula o participante poderia
livremente formular uma proposta e apoiar 3 das propostas já existentes. Os
debates foram alimentados com os jornais e listas, apresentando as totalizações
das votações anteriores e notícias das demais comunidades participantes. A
mobilização de lideranças locais foi realizada através de lideranças regionais,
pesquisadores e extensionistas que atuaram em campo, por mais de dois anos,
incorporando paulatinamente outras comunidades11.
Trimestralmente, realizaram-se oficinas de capacitação com a presen-
ça de lideranças regionais e locais e pesquisadores, com o apoio de cartilhas
sobre temas como saúde, meio ambiente, trabalho e geração de renda, con-
forme foram emergindo das votações. Após a primeira oficina, também par-
ticiparam integrantes das Câmaras Técnicas (CTs), dos municípios e outras
instituições, como a Defensoria Pública. As oficinas tiveram como objetivo
reunir integrantes das diferentes comunidades para comparar e analisar suas
votações, bem como dialogar, discutir e informar sobre temas que apareciam

11  Houve aproximadamente 3500 participantes em 21 comunidades, situadas em 5 muni-


cípios: 1) São Mateus - comunidades de Barra Nova Sul, Barra Nova Norte, São Miguel/Ilha
Preta, Nativo, Guriri, Gameleira e Campo Grande; 2) Linhares - comunidades de Degredo,
Pontal do Ipiranga, Regência e Areal; 3) Colatina - bairros urbanos do IBC e Carlos Germano,
comunidade acadêmica do IFES Itapina e bairro rural de Itapina; 4) Serra - Associações
de Pescadores de Jacaraípe (ASPEJ) e Lagoa da Juara; 5) Vitória - sindicato de pescadores
(Sindipesmes) e duas organizações civis (MAB e FCRD).

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nas votações. Técnicos e autoridades públicas contribuíram para o aporte de
informações, ao mesmo tempo em que se construíam pontes entre a população
e as autoridades.
(4) O CRCMOP foi produzindo então análises e propostas para a re-
paração dos danos. Com as novas propostas e os votos nas existentes, houve,
paulatinamente, uma consolidação das preferências. O registro das votações
produziu uma base de dados que permitiu a sistematização e disponibiliza-
ção de diagnósticos construídos conjuntamente, onde foram se revelando os
temas que eram objeto das principais preocupações. Foram obtidos cerca de
24 mil votos, em torno de 4 temas principais: trabalho, renda e infraestrutura;
água e meio ambiente; saúde; e reconhecimento e indenizações. Os temas e as
questões mais votados foram analisados por grupos de trabalho (GTs) inte-
grados por pesquisadores, técnicos e lideranças atingidas, originando Boletins
Técnicos Temáticos (BTTs). Uma versão dos BTTs voltou-se às comunidades
atingidas, buscando ser mais pedagógica e leve, sendo divulgada por mídia
social12. Seu objetivo era subsidiar as ações de reivindicação às autoridades
responsáveis pela reparação dos danos. Outra versão, completa e compilada,
teve formato digital e impresso e foi entregue e discutida em eventos com as
autoridades e as comunidades13.
Desse modo, a intervenção participativa envolveu as comunidades na
coleta e análise dos dados. O compartilhamento das percepções dos diferen-
tes atores durante as oficinas trimestrais favorecia o confronto das dimensões
objetivas e subjetivas do real. A inclusão da voz de todos os atores envolvidos
permitiu que durante o processo fosse acontecendo a reflexão crítica sobre a
pesquisa e seus resultados parciais. Assim, a ampliação da comunidade de pares
contribuiu para desconstruir e reconstruir a percepção dos problemas locais,
evoluindo na compreensão da amplitude e complexidade dos impactos do de-
sastre-crime da Samarco.
Analisando essa articulação da pesquisa acadêmica com a intervenção
social, é importante destacar alguns aspectos relativos à relação entre ciência,
sociedade e Estado.
Destaca-se a função dos extensionistas, que atuaram como media-
dores entre pesquisadores e comunidades. Eles desempenharam uma dupla
função: técnica, por um lado, na coleta e compilação de dados provenientes

12  Devido à pandemia da Covid 19, foi necessário criar formas de comunicação virtual capa-
zes de alcançar as comunidades atingidas.
13  O Boletim Técnico pode ser acessado no site do projeto ou em: <https://app.box.com/s/
wbpg8wkm6qr ka1ecpyw37b2d28j5em93>.

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das votações; por outro lado, pedagógica, que cresceu durante o processo de
intervenção na tradução entre as culturas e linguagens distintas dos pesqui-
sadores e lideranças comunitárias. Essa mediação, realizada pela coordenação
do CRCMOP, dos extensionistas e de algumas lideranças do FCRD e MAB,
mostrou-se um aspecto essencial na metodologia desenvolvida para as leituras
da realidade concreta, a compreensão das dinâmicas cotidianas e as relações
pessoais, comunitárias e organizacionais.
É importante destacar ainda a aproximação entre os acadêmicos, técni-
cos e atingidos, articulando-se na análise das propostas. Pesquisadores acadê-
micos coordenaram os GTs que produziram os BTTs e, ainda, coordenaram
debates em Encontros Temáticos, envolvendo atingidos, pesquisadores e téc-
nicos do Sistema CIF, incluindo a Fundação Renova. Esses eventos estimula-
vam a criação de pontos de acesso e encaixes institucionais entre a sociedade
civil e o sistema de governança do desastre. Assim, a dinâmica do CRCMOP,
com suas votações nas comunidades, oficinas, encontros e trocas de informa-
ções entre as lideranças e os técnicos produziram resultados simultaneamente
para a sociedade, para as instituições públicas e para os pesquisadores. Com
base em nossos pressupostos, examinamos a seguir esses ganhos, tanto sociais
como acadêmicos.

2) Ganhos Sociais

A intervenção social acima descrita articulou ações locais e momentos


amplos de reflexão nas Oficinas e Encontros Temáticos. Ela buscou, em pri-
meiro lugar, conquistar resultados sociais, conforme expresso no objetivo 7 do
Projeto: a “criação de soluções compartilhadas para os problemas específicos
decorrentes do desastre no rio Doce”. As soluções propostas através das vota-
ções nas comunidades e expressas nos jornais CRCMOP e nos BTTs cons-
tituem o primeiro ganho social, uma vez que expressam concretamente uma
reflexão informada sobre os problemas e possíveis soluções, compartilhadas
com atingidos e autoridades. As soluções criadas coletivamente foram apre-
sentadas às autoridades em diversos momentos, incluindo uma entrega formal
às autoridades nacionais, estaduais e locais, uma reunião ampla do Comitê
Interfederativo (CIF) e Encontros Temáticos com autoridades estaduais e
locais.
Outros ganhos sociais podem, porém, ser identificados. O trabalho
de mobilizar, informar e estimular a reflexão da população fomentou o sur-
gimento e o fortalecimento de novas lideranças e as empoderou com maior

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compreensão dos problemas e dos meios para enfrentá-los. Coletivamente, o
desenvolvimento do CRCMOP contribuiu para mudar comportamentos na
sociedade, seja de parte da população, seja de alguns técnicos e autoridades.
Nas comunidades atingidas, especialmente nos municípios que não são
cortados pelo rio Doce, como São Mateus e Serra, a compreensão dos da-
nos não foi imediata, nem para a população, nem para as autoridades. Com o
CRCMOP, algumas pessoas perceberam que sintomas patológicos ou a baixa
produtividade de suas atividades estavam associados ao meio ambiente con-
taminado, iniciando assim mobilizações para reivindicar a atenção e o reco-
nhecimento da sua comunidade. Pequenas associações comunitárias se torna-
ram o local de discussão dos temas do desastre. Dirigentes dessas associações
e moradores mais proativos se tornaram lideranças e estabeleceram relações
com outros atores sociais e instituições públicas. A presença do CRCMOP
no território, com as cartilhas, oficinas e a chancela de um projeto vinculado
a Universidades, certamente ampliou o capital social dessas lideranças, con-
tribuindo para consolidar uma rede em torno da mobilização para as vota-
ções. Ao longo do processo, as lideranças aperfeiçoaram sua compreensão dos
problemas, relacionando-se com a linguagem técnica, com instrumentos que
legitimaram a sua causa (e sua liderança), além de ganharem acesso a espaços
de interlocução com outras instituições.
No território, essas lideranças já mantinham algum contato com mo-
vimentos sociais, como o FCRD e o MAB. Havia um conjunto de atores
com perspectivas locais, estaduais e nacionais. Enquanto o MAB articulava
uma pauta nacional e internacional crítica à mineração, as comunidades locais
buscavam articular soluções para problemas específicos. O processo de mo-
bilização, articulação e capacitação desenvolvido pelo CRCMOP conseguiu
articular demandas gerais com locais, dando voz às lideranças comunitárias
ao mesmo tempo em que as conectavam entre si e com os movimentos mais
gerais.
A mobilização permitiu a comparação de demandas entre diferentes
tipos de comunidades (urbanas, rurais, atingidas no mar ou no rio). Essa com-
paração permitiu a construção de uma noção mais ampla da dimensão e da
complexidade dos impactos causados pelo desastre para os próprios habitantes
da região. O acesso à água potável, à saúde, ou a promoção de novas formas de
trabalho se destacaram em comunidades distintas. A substituição do trabalho
tradicional por novas profissões não é algo viável para quem o trabalho não é
profissão, mas modo de vida. Essas compreensões, por exemplo, não poderiam

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ser construídas sem uma pesquisa com a ampliação da comunidade de pares,
como veremos na seção seguinte.
Desse modo, o CRMOP se configurou como um legitimador de in-
teresses e lideranças locais. O efeito disso foi um aumento do interesse das
comunidades que ainda não eram reconhecidas em fazer parte do processo.
Houve maior expansão de urnas onde lideranças queriam garantir que suas
comunidades estivessem representadas em suas particularidades, uma vez que
ainda não haviam sido reconhecidas, como em São Mateus e Serra. A pos-
sibilidade de ter uma urna do CRCMOP no território permitiu à liderança
local quantificar e legitimar suas reivindicações. Em alguns casos, os Boletins e
totais de votação foram apresentados ao Ministério Público e à Prefeitura local
como evidências de que aquela reivindicação era, de fato, compartilhada entre
a população local.
Uma compreensão mais ampla do problema e das soluções decorre da
articulação dessas análises sobre os diferentes interesses, problemas e propos-
tas. Ela também decorre da composição entre os papéis dos diferentes atores.
A dinâmica do CRCMOP permitiu que os atores sociais construíssem uma
reflexão sobre seu papel diante do desastre. Por um lado, movimentos e sindi-
catos maiores se viram diante da necessidade de dividir holofotes com grupos
pequenos e pautas particulares. Da mesma forma, atingidos nas margens do
rio Doce, como em Colatina ou Linhares, reconhecidos no início do processo
de reparação, puderam ver que muitas de suas reivindicações transbordavam o
próprio traçado do rio, e que grupos em Vitória, Serra ou São Mateus foram
também substancialmente atingidos. Disputas entre diferentes compreensões
e discursos permitiram ver como cada comunidade encarava problemas: se
para um grupo interessava diminuir a limitação da área de pesca para aumen-
tar seus rendimentos, para outros preocupava o consumo de alimentos conta-
minados. Por outro lado, houve também reconhecimento mútuo dos discursos
em comunidades distantes, como o caso da reivindicação em ser considerado
atingido, existente tanto em São Mateus, ao norte do rio Doce, como em Serra,
mais ao sul. Dessa forma, podemos destacar um ganho significativo nas di-
nâmicas socioterritoriais, na consolidação política e organizativa dos diversos
atores presentes no território, consolidando-se e ampliando-se sua atuação em
rede nas lutas pela recuperação dos direitos danificados pelo desastre-crime.
A compreensão do problema e das soluções se amplia também quando
as lideranças passam, a partir das oficinas e cartilhas, a discutir e compreender a
linguagem técnica (legislações, normas e termos de acordo) e os canais institu-
cionais onde buscar soluções. O sistema de gestão do desastre envolve diversos

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órgãos, como o CIF, as CTs e a Renova. Além deles, era preciso compreender
que muitas demandas já estavam contempladas no arcabouço de direitos ga-
rantidos pelo Estado brasileiro e que suas instituições são responsáveis em coa-
tender as comunidades, buscando uma suplementação de recursos financeiros
com a Fundação Renova. As oficinas e cartilhas subsidiaram essa compreensão
e promoveram o acesso a integrantes das CTs, permitindo que lideranças au-
mentassem sua rede de contato e acesso, que desenvolvessem a capacidade de
expressar suas reivindicações em linguagem compreensível às autoridades e de
compreender o que se deveria reivindicar e para quem. Capacitaram-se técnica
e politicamente, passando a participar mais frequentemente de espaços abertos
pelo TAC Gov como as CTs e o CIF.
Houve também um ganho para a burocracia técnica. Uma vez que a
vigência do TAC Gov estimulou a relação entre a população atingida e os
técnicos do sistema CIF, estes buscaram maior conhecimento e relações com
a população. Assim, houve mudança no comportamento de algumas autori-
dades, buscando estabelecer uma relação mais próxima através do CRCMOP,
um mecanismo de conexão.
Esses ganhos, em parte, decorrem do fato do CRMCOP integrar um
projeto científico na área das ciências sociais. A orientação para analisar dife-
rentes problemas, estimular debates, promover reflexão, instruir pessoas e com-
partilhar conhecimentos é inerente ao ambiente acadêmico. No projeto, ela foi
marcada por concepções como a mútua constituição entre Estado e sociedade
e pela necessidade de uma comunidade ampliada de pares na busca de soluções
complexas e compartilhadas.
Os ganhos sociais produzidos pelo CRCMOP se articulam e se consti-
tuem num ganho analítico para a sociedade: um repertório discursivo coerente
e qualificado. A qualificação desse repertório discursivo remete às dimensões
cognitivo-simbólica e sócio-institucional (Gurza Lavalle et al., 2019) nas quais
a sociedade se conhece e se reconhece, bem como servem de orientação para
o Estado.
Na dimensão cognitivo-simbólica, se situa a construção das compreen-
sões e discursos comuns sobre o problema, as demandas e propostas coletivas.
Pode-se dizer que, com o CRCMOP na dinâmica de votações e encontros,
definir-se como atingido envolveu essa dimensão analítica não apenas quando
um grupo se apropria de uma categoria de forma instrumental para obter um
benefício, mas como a construção de um aprendizado. Em meio às disputas de
preferências, buscou-se formar, apesar das facetas e contradições internas, con-
tiguidades e diferenças que fizessem frente a causas maiores do que supunham

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anteriormente – e isso não apenas como compreensão argumentativa, mas
também como compreensão prática. Nesse sentido, as diferentes comunidades
puderam ter maior clareza de que a denominação de atingidos implica consi-
derar os que lutam por distintas causas, mesmo que algumas dessas questões
não sejam tão relevantes naquela comunidade. Ao mesmo tempo, a construção
dessa compreensão os fez refletir se não teriam mesmo sido atingidos naquele
aspecto. Mais de uma vez pudemos observar atingidos, que a princípio se iden-
tificavam na luta por condições de trabalho, por exemplo, refletirem sobre os
casos de doenças de pele em sua comunidade e como isso estava associado ao
uso da água ou consumo de pescados.
Tais compreensões não são triviais. Ao se estar imerso num grupo ho-
mogêneo, esse tipo de reflexão é raro: novas informações podem ser facilmente
rejeitadas ou ridicularizadas, mas quando essa informação é sustentada e rea-
presentada ao longo do tempo, ela pode produzir essa reflexão. A experiência
do CRCMOP permitiu que a interlocução e as disputas aparecessem e forma-
tassem esse ambiente da dinâmica social.
Na dimensão socioinstitucional, tivemos a construção de canais institu-
cionais para encaminhamentos e negociação de demandas. Isso implicou a
criação de linguagens e de propostas acessíveis e negociáveis com as autori-
dades, bem como a compreensão dos pontos de acesso e recursos disponíveis
para a participação em espaços institucionais, consolidando-se, assim, objetivos
e capacidades necessárias para a construção de encaixes. Ambas as dimensões
implicam mudança na compreensão analítica do problema.
Cabe destacar, porém, que essa construção e seus ganhos foram permea-
dos de conflitos e contradições, momentos de afastamentos e aproximações.
Lideranças de alguns grupos e movimentos optaram por não se integrar ao
CRCMOP, seja por desconfianças com o mundo acadêmico, conflitos locais,
ou pela escolha de outras estratégias para reafirmar suas reivindicações. Um
exemplo foram as comunidades indígenas do município de Aracruz, que, ao
serem procuradas, acolheram inicialmente a proposta, mas depois decidiram
não participar. Argumentaram que não foi esse desastre o causador de suas
mazelas, mas o desastre que a civilização branca trouxe às terras tupiniquins e
guaranis desde a colonização, e que não faria sentido enveredar na proposta,
visto que já implementavam outras.
A experiência do CRCMOP na articulação entre pesquisa e interven-
ção resultou em diversos ganhos sociais, coletivos e individuais, na formação
de vínculos, no ativismo social, na formação de capacidades e de lideranças,

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bem como ganhos na dimensão discursiva, reflexiva e relacional, na formação
de redes e na conexão dessas redes com instituições.

3) Ganhos analítico-acadêmicos

O processo do CRCMOP envolveu diretamente apenas uma parte dos


pesquisadores da Rede ComRioComMar, mas ofereceu a todos uma reflexão
sobre suas premissas e seus achados. Em Seminário da Rede de Pesquisa, houve
uma reflexão significativa a partir do que as experiências do CRMOP trouxe-
ram à luz em termos de hipóteses, técnicas e frameworks para os pesquisadores.
Podemos elencar como um primeiro ganho analítico a readequação de
teorias e conceitos ao caso. Um exemplo está na reflexão sobre os desencontros
de interesses (Gurza Lavalle et al., 2019). Foi surpreendente encontrar um
ambiente de tão pronunciado não encaixe entre atores sociais e tomadores de
decisões. É certo que as gigantescas dimensões do desastre exigiam novas e
maiores interações socioestatais, mas esperava-se que os pontos de acesso pré-
vios ao desastre pudessem ter construído pontes que facilitassem a arquitetura
desse novo momento. Não foi o que encontramos. A estrutura de governança
do desastre, criada pelo TTAC e complementada pelo TAC Gov, envolveu
um inusitado arranjo entre setor privado, Estado e sociedade civil, resultando
em importantes constrangimentos a articulações ou encaixes e a um marca-
do “desencontro de interesses” entre as partes que deveriam se envolver na
governança.
A dinâmica de reparação envolveu muitos outros atores que não são
tradicionalmente objetos da teoria. O Estado estava ali, mas não era o princi-
pal sujeito da história, nem mesmo as empresas causadoras do desastre eram
as antagonistas primeiras. Aliás, como vimos, a própria categoria de atingi-
dos ainda estava em formação. Muito mais fácil teria sido enquadrar de um
lado as empresas e de outro os movimentos sociais, em articulação na arena
de políticas públicas. Mas havia as empresas, a Fundação Renova, o Comitê
Interfederativo (CIF), o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Governo
estadual, os governos municipais, os movimentos sociais, os sindicatos, as asso-
ciações locais, os indígenas etc., cada ator com seus interesses, suas estratégias
(alguns sem interesse em buscar encaixes). Não à toa, de 2016, com o TTAC,
a 2018, com o TAC Gov, parece haver um vácuo nas ações de muitos desses
atores: eles agiam, mas em recíproco distanciamento.
A prática do CRCMOP, cotidiana e próxima dos atingidos, e o desafio
de encaminhar demandas às autoridades fizeram os pesquisadores terem de

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pensar fora da caixa. Foi preciso entender as minúcias de cada esfera envolvida,
seus interesses e conflitos. Colocaram-se mais explicitamente para os pesqui-
sadores os desafios de conhecer quem eram os atingidos e quem eram as auto-
ridades. Foi preciso compreender a Fundação Renova, as relações entre as or-
ganizações sociais (o MAB, os Fóruns, associações locais, regionais e estaduais,
os sindicatos de pescadores), os conselhos de políticas púbicas, o Ministério
Público, a Defensoria Pública e os indivíduos outsiders. Compreensões analí-
ticas sobre os lugares, papéis, presenças, ausências e significância desses atores
em suas relações e em sua mútua constituição também foram revistos.
Hoje, com alguma distância do processo, pode-se perceber que todos
esses pequenos desafios, voltados a produzir algo em conjunto com os ato-
res locais, propiciaram reflexões sobre quais dinâmicas e processos envolve-
ram atores estatais e não estatais. Ao encarar dilemas práticos, se percebeu
mais globalmente a esfera e dimensão do problema e se notou que o ambiente
é muito mais dinâmico do que as teorias em voga são capazes de explicar.
Isso facilitou a construção de frameworks analíticos em várias pesquisas, como
na investigação sobre a sociedade civil local, sobre as dinâmicas legislativas
e outros atores determinantes para a restauração de políticas públicas, bem
como sobre o arranjo de governança constituído pelo sistema CIF e Fundação
Renova14.
Além dos enquadramentos analíticos, houve ganhos metodológicos.
As metodologias tradicionais de pesquisa nas ciências sociais geralmente não
permitem enxergar a complexidade, as discrepâncias de valores e as desigual-
dades de interesses entre distintos atores e mesmo internamente a eles, bem
como seu impacto na política. Uma entrevista cujo enfoque é a recuperação do
desastre, por exemplo, raramente permitiria ao pesquisador compreender dis-
putas intrainstitucionais, disputas entre associações ou entre lideranças. Uma
observação participante também poderia não revelar como os arranjos híbridos
entre os atores vão se modificando ao longo do tempo. Mais do que isso, ir a
campo sem pranchetas, mas com um propósito de construir algo comum, per-
mitiu construir laços relacionais e evidenciar as diferentes dimensões em que
os atores estão imersos nesse ambiente complexo e conflituoso da recuperação
do desastre. A interação participativa permitiu vê-los atuar em seu cotidia-
no, percebendo inclusive conflitos pessoais, comunitários e políticos existen-
tes entre eles. A articulação entre metodologias participativas e metodologias
tradicionais da pesquisa acadêmica se mostra, assim, um ganho metodológico

14  A apresentação dessas reflexões poderá ser encontrada na obra organizada por Gurza
Lavalle e Carlos, no prelo.

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promissor para a investigação sobre atores sociais integrantes da sociedade ci-
vil, seus repertórios de interação, seus quadros interpretativos dos problemas e
suas coalizões com distintos aliados.
Além disso, implementar o CRCMOP revelou complexidades relativas
ao papel do acadêmico na sociedade. Foi preciso compreender e driblar des-
confianças. A entrada do pesquisador em uma comunidade, ou em processos
mais amplos como a reparação da Bacia do Rio Doce, é encarada com des-
confiança porque em geral traz resultados que não são compartilhados com as
comunidades. Não foram raras as vezes em que se repensou qual a contribuição
social das pesquisas e dos conceitos formulados nas ciências sociais. Decerto o
objetivo primeiro da ciência é explicar ou testar teorias que expliquem o mun-
do, mas cabe perguntar: explicar a quem, por que e para quê? O CRCMOP
expõe que é necessário produzir conhecimento científico e explicações sobre
a realidade social e retornar esse conhecimento à sociedade de forma simples,
integrando-a e contribuindo para resolver problemas no longo prazo.
O CRCMOP propiciou que acadêmicos, lideranças e técnicos se unis-
sem em torno de objetivos e tarefas comuns, especialmente na constituição dos
GTs que sistematizaram e analisaram os resultados das votações e propostas
prioritárias, elaborando em conjunto Boletins Técnicos e realizando Encontros
para discuti-los. Esse trabalho envolveu pesquisadores, colocando-os direta-
mente em contato com lideranças atingidas, técnicos do Sistema CIF, e com
os resultados concretos do CRCMOP.
O CRCMOP, ao propor que acadêmicos, técnicos, lideranças e habi-
tantes locais se unissem em torno de um mesmo objetivo, permitiu que esses
acadêmicos, ao retornar para suas pesquisas, reenquadrassem seus pressupostos
analíticos e questionassem seus paradigmas. Destaca-se aqui o valor das me-
todologias participativas de pesquisa, da ampliação da “comunidade de pares”
na produção cientifica do conhecimento. A experiência do CRCMOP aportou
muito para a reflexão sobre a validade desses paradigmas, assim como para o
complexo aprendizado de como fazer pesquisa com participação; além disso,
fez com que parte dessa reflexão imediatamente retornasse, de forma útil, à
sociedade da qual faz parte.
Essas reflexões são especialmente oportunas para as pesquisas sobre
participação, porque são politicamente posicionadas no campo da garantia
de direitos: elas envolvem riscos e disputas, valores controvertidos, apostas e
decisões. Daí decorrem, para os pesquisadores, os dilemas éticos de estarem
envolvidos num contexto de conflito. Entre esses dilemas, estão a relação com
pesquisas e pesquisadores financiados pela Fundação Renova e mineradoras, a

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proteção das identidades dos participantes e a necessidade de evitar represálias
aos envolvidos. Esses dilemas afetam o pesquisador e sua capacidade de leitura
do contexto.
Em suma, a pesquisa com intervenção instiga e desafia o pesquisador,
coloca dilemas complexos, mas pode levar a ganhos analíticos de escopo pon-
tual (na melhor conceituação ou validação de teorias, metodologias e métodos)
ou abrangente (refletindo sobre abordagens epistêmicas e metodológicas).
Por fim, na interface entre os ganhos sociais e analíticos, essa inter-
venção participativa traz ganhos especialmente significativos para o campo
da participação – um campo de pesquisa acadêmica e ao mesmo tempo da
experimentação política. Esse ganho está na construção de uma tecnologia so-
cial participativa, uma metodologia de participação, voltada à deliberação e
inserção da população na política pública. Essas metodologias participativas,
por vezes, podem ser chamadas de inovações democráticas, como os minipú-
blicos (Fung & Wright, 2003; Netto & Cervellini, 2021; Smith, 2009),
os Conselhos, orçamentos participativos (OPs) e outros (Almeida et al., 2021;
Vera, 2013).
Como metodologia de intervenção social, o CRCMOP consegue am-
parar perspectivas deliberacionistas com amostras pequenas, como os minipú-
blicos, e ao mesmo tempo permite agregar preferências de amostras grandes,
tal como surveys. Para os analistas dessas instituições, o CRCMOP se apre-
senta como um método de participação híbrido, um modelo de instituição
participativa (IP) a ser analisado. Suas características incorporam preceitos
da democracia deliberativa, com técnicas que estimulam a argumentação e o
convencimento de participantes, bem como a ampliação quantitativa, que per-
mite as consultas de opinião, como os OPs virtuais, as votações em totens, as
consultas públicas virtuais, o governo eletrônico etc. Além disso, é aberto a
lideranças não especializadas, como os OPs, mas agrega também a participação
informada – através da reiteração do acesso às preferências de outras comu-
nidades e às informações técnicas nas Oficinas e Cartilhas –, aproximando-se
dos Conselhos de políticas públicas.
Desse modo, intervenções participativas estimulam a reflexão no cam-
po da participação, podendo ser a própria metodologia de pesquisa com in-
tervenção um objeto a ser analisado. No caso, lançamos a hipótese de que o
CRCMOP pode ser pensado como um modelo híbrido de IP, capaz de incor-
porar o presencial com as tecnologias virtuais e de integrar deliberação com
agregação de preferências. Seja como processo de produção de conhecimento,
de inserção do pesquisador no território, seja como objeto de análise, o campo

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da participação tende a obter ganhos analíticos ao empreender pesquisa com
intervenção.

Valores e desafios da pesquisa com intervenção

A busca por um fazer científico mais responsivo, engajado, próximo e


coerente com os problemas enfrentados pela população não é nova. A prin-
cipal reflexão que sintetiza este capítulo é a percepção de que a pesquisa com
participação traz tanto ganhos sociais como analíticos. Em um livro que coloca
em questão a dimensão reflexiva da pesquisa e as relações entre participação e
democracia, analisamos aqui algumas pontes entre a comunidade acadêmica e
o ativismo político, o significado dos compromissos políticos de pessoas e de
ações acadêmicas.
A comunidade científica é muitas vezes criticada por fechar-se em seus
debates e se descolar da sua responsabilidade em oferecer contribuições mais
sensíveis à sociedade. Decerto a pesquisa teórica é deveras necessária e permite
saltos epistêmicos e quebras de paradigmas; ainda assim, o pesquisador que a
faz não precisa estar distante de uma intervenção social mais sensível à popu-
lação. Neste capítulo, buscamos demonstrar como uma abordagem de pesquisa
com intervenção, utilizando metodologias participativas, permite alcançar um
ganho duplo: para a análise científica e para a sociedade.
Esses ganhos foram enfatizados pelas abordagens da Pesquisa
Participativa e, mais recentemente, incorporam novos desenvolvimentos atra-
vés da perspectiva da Ciência Pós-normal, as quais apresentam reflexões que
sugerem à ciência estar mais próxima e em diálogo com a sociedade. Elas
apontam que, diante de problemas complexos, disputas e incertezas, o saber
científico, se alheio aos objetivos comuns à sociedade, pouco consegue traçar
bons diagnósticos e soluções para os problemas. Esse é o caso dos problemas
de cunho social, ambiental e político que, em si mesmos, são marcados pela
complexidade. Para a sua solução, é preciso conectar diferentes atores: popu-
lares, técnicos, cientistas e autoridades públicas. A essas abordagens se soma a
perspectiva que pensa a mútua constituição entre a sociedade e as instituições
públicas, quando aponta que as políticas públicas são obtidas a partir de encai-
xes entre atores sociais e estatais.
O caso do ComRioComMar Opinião Popular demonstra essas possi-
bilidades de conexão. Sob um contexto de desastre socioambiental, disputas,
falta de informação, morosidade e insuficiência nas ações de reparação dos da-
nos, elaborou-se uma tecnologia social participativa que promoveu um debate

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qualificado e objetivo, fortalecendo atores sociais e autoridades para a busca
coletiva de soluções. Essa intervenção revelou diversos ganhos sociais, como
promover a formação de lideranças, a integração de discursos que dessem con-
ta de características comuns e particulares de cada localidade, bem como a
ampliação das redes socioinstitucionais. Para os acadêmicos, a dedicação em
produzir algo em comum com os atores sociais permitiu, ao voltar para seu
gabinete, reenquadrar teorias, pressupostos analíticos, ampliar o horizonte de
análise e questionar paradigmas. Para além das informações distantes e pon-
tuais oferecidas por surveys e entrevistas, a relação continuada com a comu-
nidade trouxe um olhar sobre processos, abordagens e visões que só se dão a
conhecer na proximidade e no decorrer do tempo. Além disso, o modelo de
metodologia empreendida se coloca como um objeto de estudo para o próprio
campo.
Entretanto, ao falar da relação entre ciência e compromissos sociais,
não podemos nos furtar de apresentar questões e dilemas éticos que podem
permear essa relação. Sempre há riscos, e para ambos os lados. Pesquisadores
podem ser desqualificados como não imparciais, a sociedade pode depositar
muitas expectativas e se frustrar, ou mesmo ver seus esforços minados por uma
abordagem científica que venha a ser questionada a posteriori. Porém, abor-
dagens participativas que fomentem a constituição de redes estão imersas na
busca pela democratização da sociedade, da ciência e do Estado. Avaliando
que a democracia é um objeto sempre inacabado, democratização é uma busca
constante para manter e aprofundar a democracia. Sabe-se que nela sempre
haverá disputas; portanto, não nos devemos surpreender se os alcances dessas
pesquisas forem parciais, pois seus maiores ganhos estão em efeitos secundá-
rios dados pela relação entre os envolvidos. Ressalta-se, então, uma postura de
compromisso com a honestidade intelectual e social: a importância dos pesqui-
sadores acadêmicos que colocam seu acúmulo e seu respaldo, sua capacidade
de produzir dados bem fundamentados, a serviço da ampliação da democracia.
É necessário, ainda, explicitar as dificuldades na formulação de um pro-
jeto de pesquisa que inclua uma dimensão participativa. É especialmente difícil
o seu desenho, com a definição de recursos humanos e orçamento adequados
à participação de atores sociais ainda pouco conhecidos. Para tal, é importante
ter clareza sobre a importância da escuta e da participação de uma ampla co-
munidade de pares, e nesse sentido buscar conhecê-los, desenhar metodologias
para compreendê-los em detalhe e incorporá-los ao projeto.
A experiência aqui relatada, embora ainda artesanal em relação ao
potencial que pode ter, indica várias contribuições a quem puder assumir e

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aperfeiçoar essa forma de atuação: vale a pena fazer pesquisa com participação.
Os ganhos vão além das conquistas imediatas, pois mesmo que haja frustração
com os resultados, os atores sociais se fortalecem e os cientistas robustecem
suas análises.
Articulando as perspectivas da Pesquisa Ação, da Ciência Pós-normal
e da mútua constituição, vemos que não se trata aqui apenas de uma volta aos
anos 80. Estamos vivendo um momento de obscurantismo, cheio de dúvidas,
com questionamentos diversos à autoridade da ciência. Isso ressalta a neces-
sidade de parar para ouvir. Enfrentamos trilhas novas e desconhecidas para
ambos os lados – pesquisadores e comunidades. A ciência social, em especial
o pesquisador do campo da participação, pode contribuir no fortalecimento
desse caminho.

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15. Políticas públicas e movimentos sociais:
institucionalização de demandas e consequências nas
capacidades estatais

Monika Dowbor
Euzeneia Carlos
Kellen Gutierres
Luciana Andressa M. de Souza

Introdução

As interações entre movimentos sociais e políticas públicas no Brasil


têm história profícua, notadamente no contexto da redemocratização, e vêm
sendo reconhecidas pela literatura que analisa a construção de um aparato de
Estado para prover políticas inclusivas, que garantam direitos sociais inscritos
na Constituição de 1988 (Arretche, Marques & Faria, 2019; Marques,
2021). Assim, vários movimentos sociais no Brasil têm atuado em torno da
defesa de direitos sociais – o que revela sua ligação com o projeto político
inclusivo expresso na Constituição de 1988 (CF/1988), para a qual muitos
movimentos contribuíram diretamente. Os dias de hoje são exemplares desse
fato: desde a deposição da presidenta Dilma Rousseff, com o Impeachment de
2016, um dos debates prementes na sociedade é o desmonte provocado pela
agenda conservadora no Governo Federal de ataque aos direitos sociais, por
meio do desmonte de políticas públicas construídas no âmbito do Sistema
Nacional de Seguridade Social. Nesse contexto, analisar as formas pelas quais
movimentos sociais atuaram em políticas públicas é fundamental para com-
preender como se constroem direitos sociais no Brasil, bem como para defen-
dê-los. No processo de construção de políticas sociais, a construção de capa-
cidades estatais tem sido de suma importância para tornar as políticas mais
estáveis e institucionalizadas.
Com o objetivo de contribuir com essa agenda, nossa análise examina-
rá a construção de capacidades estatais em três áreas de políticas públicas, a
partir dos processos de institucionalização de reivindicações de movimentos
sociais. Quando analisados em termos comparativos, os casos nos auxiliam a
conhecer as condições recorrentes que possibilitaram a aprovação das políticas
inclusivas, bem como quais foram as capacidades estatais que garantiram sua

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implementação. O estudo também mostra que as políticas públicas não seriam
as mesmas – ou sequer existiriam – se não fosse a atuação sistemática de mo-
vimentos sociais que não apenas as reivindicaram, mas as construíram técnica,
relacional e administrativamente, atuando ou colaborando diretamente na bu-
rocracia de Estado.
Os três casos – a saber: a implementação do SUAS; a formação de re-
cursos humanos para o SUS (Programa Mais Médicos); e os Programas de
Proteção e Promoção dos Direitos Humanos do estado do Espírito Santo
(Dowbor, 2012; Gutierres, 2019; Carlos, 2015, 2021) – se assemelham
por se tratar de reivindicações e projetos políticos protagonizados por movi-
mentos sociais compostos principalmente, mas não apenas, por profissionais
reformistas ou ativistas históricos que contam com experiência e recursos or-
ganizacionais, que atuam em setores de políticas públicas inclusivas e se dife-
renciam quanto ao nível de governo – federal no caso da saúde e assistência
social, estadual no caso dos direitos humanos – e em termos do alcance da
institucionalização e construção de capacidades estatais – sistema no caso do
SUAS e programas no caso do SUS e dos Direitos Humanos. A análise da
institucionalização de projetos de movimentos como políticas públicas, nesses
três casos, mostrou a importância da ocupação de cargos de poder decisório em
governos aliados pelos ativistas, bem como do legado de experiências prévias
que alimentaram as novas políticas públicas. Outro achado de relevância é que
as novas políticas foram munidas de capacidades estatais tanto técnico-admi-
nistrativa quanto político-relacional, dentre as quais se destaca a criação de no-
vos órgãos e as novas articulações entre os já existentes, assim como a inclusão
regulamentada de atores da sociedade civil e do mercado como executores da
implementação.
O capítulo está organizado em três partes, além desta introdução e da
conclusão. A primeira parte apresenta a interlocução entre o debate sobre a
institucionalização de demandas dos movimentos sociais e seus impactos na
construção de capacidades estatais. Em seguida, apresentamos os três casos de
demandas dos movimentos sociais que foram institucionalizadas em diferentes
níveis nas políticas de assistência social, saúde e direitos humanos. Por fim,
discutimos semelhanças e diferenças entre os casos.

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Institucionalização das demandas dos movimentos sociais e suas
consequências nas políticas públicas e nas capacidades estatais

Nas últimas duas décadas, a agenda de pesquisa sobre interações so-


cioestatais avançou em criar instrumentos de análise para compreendê-las,
demonstrando como os atores sociais arquitetam formas de acesso ao Estado
com vistas a influenciar decisões governamentais e o resultado das políticas;
com isso, aproximou-se progressivamente do campo de políticas públicas
(Gurza Lavalle et al., 2019; Tatagiba & Teixeira, 2020). Esses processos
de institucionalização de práticas e de direitos, que envolvem demandas sociais
e seus propositores, na medida em que reduzem a contingência do processo
político, garantiriam sua continuidade ao longo do tempo. Com esse foco entre
demandas vocalizadas por movimentos, por um lado, e as políticas, por outro,
a agenda de pesquisas se direcionou para as consequências ou resultados de
movimentos sociais nas políticas públicas. Se a reflexão avançou em termos de
modelos de análise (Carlos, Dowbor & Albuquerque, 2017), especialmente
fora do Brasil, a intensidade de interações e políticas elaboradas ao longo dos
governos do PT ainda colocam desafios analítico-teóricos. Um deles consiste
em pensar a tipologia de efeitos de interações via instituições nos movimentos
sociais e nas políticas públicas.
Nesta seção, faremos uma sistematização a partir da literatura sobre o
que vem a ser a institucionalização das demandas e projetos1 dos movimentos
sociais, relacionando ao debate sobre as consequências ou resultados (outco-
mes) dos mesmos nas políticas públicas, em termos de institucionalização de
direitos e de capacidades estatais no contexto de redemocratização posterior
a CF/1988. A proposta de relacionar demandas à construção de capacidades
estatais visa a ampliar a perspectiva de análise, ao interrogar sobre as efetivas
condições de implementação das políticas.
De modo geral, a literatura trabalha as consequências de movimentos
sociais nas políticas públicas em termos de processos de institucionalização de
e nos movimentos sociais, distinguindo: 1) quando os movimentos se tornam
grupos de interesse estabelecidos, formalizados em sua estrutura organizacio-
nal e dirigidos por profissionais; 2) quando os movimentos operam dentro de

1  Reconhecendo a importância do conceito de projeto político de Evelina Dagnino (2004),


usamos neste texto os termos “reivindicação”, “demanda” e “projeto” de maneira intercambiável,
ressaltando com isso que os movimentos estudados buscam mudar o status quo das políticas de
modo a torná-las mais inclusivas e não apenas inserir uma demanda no sentido de um interesse
particular.

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instituições, por exemplo, por meio da ocupação de cargos na burocracia; e 3)
quando seus objetivos, ideias ou projetos se tornam presentes, seja no Estado,
nas organizações ou nas práticas sociais. Assim, institucionalização implica
falar sobre os resultados nos e dos movimentos sociais. O primeiro tipo consiste
em consequências da institucionalização no movimento social, ao passo que
o segundo e o terceiro são relativos às consequências políticas dos movimen-
tos sociais nas políticas públicas e nas instituições do Estado (Staggenborg,
2013; Amenta et al., 2010; Bosi, Giugni & Uba, 2016; Gurza Lavalle et al.,
2019; Carlos, Dowbor & Albuquerque, 2021).
Aqui, nos interessam as consequências dos movimentos sociais nas po-
líticas públicas e nas instituições em termos de mudanças institucionais, con-
forme a proposta da divisão analítica elaborada por Bosi, Giugni e Uba (2016),
a qual faz parte da indagação mais geral dos estudiosos de movimentos sociais
sobre a importância desses para as mudanças sociais e políticas em termos
de justiça distributiva. Dentre as consequências nas instituições, os estudos
enfatizam os resultados em termos de mudança institucional; isto é, quando
movimentos incidem sobre a estrutura do Estado (governo, parlamento e bu-
rocracia), sobre a legislação, ou sobre o regime político, além de mudanças nas
normas e práticas informais (instituições informais), excluindo dessa categori-
zação a discussão sobre instituições como normas e práticas sociais.
Essa divisão analítica entre consequências de movimentos sociais nas
políticas públicas e nas instituições, quando analisada pelo prisma de nossos
casos, se interconecta na medida em que os movimentos sociais buscam a mu-
dança por meio de políticas públicas e, com isso, geram mudanças na burocra-
cia e na legislação. Aqui as tratamos de forma conjunta, interessadas não só
nas mudanças (nas políticas e nas instituições), mas também na possibilidade
da sua implementação. Isso implica inserir no modelo de análise não apenas o
que é alterado, mas também quais recursos serão envolvidos na execução dessas
mudanças; ou seja, tratamos de capacidades estatais que são criadas ao longo
do processo de produção da política setorial.
As capacidades estatais abarcam tanto dimensões técnicas quanto ad-
ministrativas, concernentes à composição da burocracia pública, à produção
das políticas, ao financiamento e à regulação, bem como dimensões políticas e
relacionais, que incluem diferentes espaços de interação entre atores estatais e
sociais e conferem legitimidade às agendas dos governos (Bichir, 2016).2 Ao

2  Pires e Gomide (2016) argumentam que o conceito de capacidades estatais se preocupou,


nos estudos de primeira geração, em analisar a formação e a construção de aparatos governa-
mentais, com foco para processos históricos de construção do Estado. Já a segunda geração

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combinar dimensões técnicas e administrativas e dimensões políticas e relacio-
nais, o conceito de capacidades estatais engloba um amplo espectro de habili-
dades necessárias à formulação e implementação de políticas públicas (Pires &
Gomide, 2016); considera, também – e este aspecto é fundamental para nosso
objetivo –, que a construção de capacidades estatais está relacionada a escolhas
políticas assentadas em concepções específicas daqueles que buscam perseguir
determinadas agendas (Bichir & Gutierres, 2019).
Para esta análise, aplicamos uma abordagem comparativa entre os casos,
distinguindo suas similaridades e diferenças para iluminarmos hipóteses que
proporcionem um maior diálogo entre a literatura correlata e os dados empí-
ricos apresentados3. Dessa forma, partindo das demandas dos movimentos,
focamos nas consequências da atuação dos movimentos sociais na produção de
políticas públicas de assistência social, saúde e direitos humanos, com vistas à
institucionalização de direitos de cidadania. Buscamos examinar quais deman-
das dos atores sociais se institucionalizaram no Estado brasileiro, a partir de
estudo de casos que demonstram a implementação de políticas inclusivas e re-
distributivas que incidiram no acesso a serviços sociais. O trabalho de pesquisa
abarca um contexto mais amplo, circunscrito e possibilitado pela CF/1988, que
expressou claras ambições de garantir patamares básicos de bem-estar, embora
não tenha sido condição suficiente para a construção do aparato de políticas de
inclusão social desenvolvidas nas décadas seguintes, nos governos do PSDB e
do PT (Arretche, Marques & Faria, 2019).

desses estudos passou a focar na capacidade que os Estados – já constituídos – teriam ou não
para atingir objetivos a partir de políticas públicas que concretizassem a provisão de bens e servi-
ços. Ainda de acordo com os autores, apesar das diferenças de escopo e nível de análise, ambas as
gerações de estudos se caracterizam por “uma preocupação com as habilidades e competências
do Estado de estabelecer seus objetivos e realizá-los” (Pires & Gomide, 2016, p. 124).
3  Não se trata de estabelecer uma relação causal entre as demandas e os projetos dos movi-
mentos sociais e a sua incorporação no Estado por meio da construção de políticas públicas e
de um aparato legal burocrático necessário, direcionando o foco para o emprego de capacidades
estatais para viabilizar a execução de políticas públicas. Nessa correlação, há adicionalmente
uma desvantagem, já apontada nos estudos sobre Instituições Participativas (IPs), denominada
causalidade remota. “Uma causalidade remota é aquela em que a relação entre causa e efeito
é atravessada por espaços longos de tempo e/ou mediada por uma sucessão ou encadeamento
extenso de efeitos intermediários” (Gurza Lavalle, 2011, p. 41).

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Institucionalização de demandas e projetos dos movimentos sociais: assis-
tência social, saúde e direitos humanos

A seguir, apresentamos os casos selecionados, que se assemelham por


representar movimentos sociais consolidados compostos principalmente por
profissionais reformistas, processos de institucionalização de reivindicações
de atores coletivos que atuaram na construção e implementação de políticas
públicas, levando seus projetos para o Estado, disputando concepções e, con-
sequentemente, modificando a forma de fazer política pública. No entanto,
se distinguem no que se refere ao nível de governo, federal no caso da saú-
de e assistência social e estadual no caso dos direitos humanos, e ao grau de
institucionalização e construção de capacidades estatais, quais sejam: sistema
no caso do SUAS e programas nos casos do SUS e dos Direitos Humanos4.
Procuramos destacar, em cada caso, os variados processos de interação entre
os seus respectivos atores coletivos e as instituições e atores estatais e não es-
tatais, tais como: partidos, diferentes níveis de governo e arenas (Executivo e
Legislativo), e instituições privadas, filantrópicas e organizações da sociedade
civil.
Após a apresentação individual de cada caso, distinguimos suas similari-
dades e diferenças, e relacionamos os processos de mobilização de movimentos
sociais e suas consequências nas políticas setoriais à construção de capacidades
estatais5. É importante ressaltar que, embora a comparação entre os casos possa
produzir informações causais, elas se restringem aos casos estudados, ou seja,
permanecem usualmente descritivas (King, Keohane & Verba, 1994).

4  Neste estudo, aplicamos o método da semelhança (Mills, 1967 [1843]; Przeworski &
Teune, 1970), que possibilita destacar uma de muitas possíveis circunstâncias causais em co-
mum entre os casos; ou seja, a circunstância na qual todos os casos concordam é a causa (ou efei-
to) do fenômeno dado. Esse método é limitado pela pluralidade de causas (causalidade remota),
mas é útil para identificar as condições de ocorrência de um fenômeno (Cohen & Nagel, 1934).
Este último foi combinado com variações nos níveis federativos, nos processos de interações
entre atores estatais e sociais no interior de cada caso e nos resultados alcançados em termos de
institucionalização de demandas e construção de capacidades estatais (sistemas diferentes), os
quais não podem controlados, sendo considerados potenciais variáveis explicativas (restritas aos
casos estudados).
5  Apesar do número pequeno de casos, a lógica de relacionar antecedentes com resultados é
a mesma da correlação. No entanto, análises desse tipo são chamadas de rastreamento de pro-
cessos (Gerring, 2010).

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1) A implementação do SUAS

O processo de construção do Sistema Único de Assistência Social


(SUAS) é um caso interessante para abordar processos de institucionalização
de demandas de movimentos sociais e construção de capacidades estatais, a
partir da atuação técnica e política de um grupo de ativistas que defendeu em
diversas frentes – Estado, partido, academia, conselhos, fóruns – um projeto de
assistência social como política pública (Gutierres, 2019) que está na base
das diretrizes desse sistema e se transforma em lei em 2011, a partir da incor-
poração do SUAS à LOAS, por meio da Lei n.° 12.435/2011, conhecida como
“Lei do SUAS”.
A defesa desse projeto se deu por meio de um longo processo empreen-
dido por ativistas – acadêmicas, funcionárias de carreira, gestoras municipais
– que, desde as movimentações em torno da aprovação da LOAS, no início dos
anos 1990, se mobilizam em defesa da assistência social enquanto política pú-
blica, como forma de superação do assistencialismo que marca historicamente
sua atuação no Brasil. Esse projeto só se efetiva a partir dos anos 2000, com a
implementação do SUAS (Bichir & Gutierres, 2019; Jaccoud, Bichir &
Mesquita, 2017; Cortez, 2015; Mendonsa, 2012).
Ao reconstruir as trajetórias das ativistas envolvidas no processo de
construção do SUAS, Gutierres (2018) mostra que a especificidade do movi-
mento em defesa da assistência social está no fato de se formar e se fortalecer
imbricado, desde sua origem, ao Partido dos Trabalhadores (PT). A relação
com o PT se deu tanto a partir da atuação das ativistas na gestão local da po-
lítica de assistência social durante os anos 1990, implementando a LOAS nos
municípios onde foram gestoras em administrações petistas, quanto a partir
da participação em discussões acerca dos rumos das políticas sociais na rede-
mocratização, fazendo a defesa do engajamento do partido na defesa da assis-
tência social por meio da constituição de um Setorial no partido – o Setorial
Nacional da Assistência Social –, espaço reservado ao encaminhamento de
demandas de movimentos sociais no PT. A formação do Setorial mobilizou
no partido a inclusão dessa temática nos planos de governo, em campanhas
desde os anos 1990, com a patente inclusão da temática de constituição de um
sistema único em 2002, quando o partido vence a eleição ao executivo federal.
No que diz respeito às experiências de gestão local, destacam-se três
experiências municipais de gestão que influenciaram posteriormente os rumos
do SUAS (Gutierres, 2019): Porto Alegre e Belo Horizonte, na década de
1990, e a experiência de São Paulo a partir de 2002, no contexto da formulação

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de diretrizes para a implantação do SUAS. As experiências de Belo Horizonte
e Porto Alegre são referência na medida em que criam mecanismos partici-
pativos previstos na LOAS e são pioneiras na experiência de trabalho com
núcleos de atendimento de forma territorialmente descentralizada, funcionan-
do como “laboratórios” dos equipamentos que posteriormente se tornariam os
CRAS, as “portas de entrada” do sistema.
Já a experiência de São Paulo é referência na reestruturação da secretaria
e dos serviços por “seguranças de atendimento”, que passa a compor o texto
da PNAS como um dos principais eixos estruturadores da política, a propos-
ta de gestão territorializada da assistência social, que também influenciou as
diretrizes da PNAS, e o programa municipal “Fortalecendo a Família”, que
inspirou diretamente, no plano nacional, o Programa de Atendimento Integral
à Família (PAIF) (Bichir & Gutierres, 2019).
Os primeiros anos do governo Lula foram um momento importante
para a institucionalização de demandas do movimento, considerado por dife-
rentes analistas uma janela de oportunidade (Mendosa, 2012; Cortes, 2015).
As ativistas mobilizaram repertórios diversos para encampar seu projeto no go-
verno, tendo na ocupação de cargos estratégicos no MDS sua principal estra-
tégia, ao lado da mobilização “externa” ao governo em momentos-chave como,
por exemplo, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, momento em
que a sociedade civil reivindicou a aprovação da implementação imediata do
SUAS, e depois no CNAS, mobilizando estratégias para construir de forma
participativa as normativas do SUAS: a PNAS/2004 e a NOB-SUAS/2005,
que normatizam e detalham suas diretrizes em território nacional.
A ocupação de cargos no governo federal foi fundamental para a imple-
mentação do SUAS nos anos seguintes à IV Conferência de Assistência Social
(Gutierres, 2019). A legitimidade das ativistas, a partir do acúmulo de suas
experiências na gestão local e da produção de conhecimento a partir de suas
trajetórias acadêmicas – reconhecidas na literatura especializada como forma-
doras de uma comunidade de especialistas no campo da política de assistência
social ( Jaccoud, Bichir & Mesquita, 2017; Cortes, 2015; Mendosa, 2012)
–, combinada a uma consistente capacidade política de construir estratégias de
pressão junto ao partido e, depois, ao governo, possibilitou que a instituciona-
lização de demandas desse movimento se concretizasse na criação da institu-
cionalidade do SUAS.
Afirmar que a institucionalização das reivindicações do movimento em
defesa da assistência social tem como resultado a criação da institucionalidade
do SUAS nos remete à análise da construção de capacidades estatais forjadas

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nesse processo. Nesse sentido, é patente o estudo empreendido por Jaccoud,
Bichir e Mesquita (2017). Ao analisar as mudanças institucionais no campo
da assistência social após a criação do MDS, afirmam que a ascensão dessa
coalizão política ao governo federal concretizou projetos políticos historica-
mente defendidos ao privilegiar a construção de capacidades estatais na área
da assistência social. A construção de capacidades estatais seria, dessa forma,
expressão da concretização desse projeto.
Nesse sentido, argumentamos que a institucionalização das demandas
do movimento em defesa da assistência social implica compreender que a or-
ganização da política como sistema único, bem como a tipificação dos serviços
socioassistenciais e a construção de equipamentos públicos de referência para
a população, divididos por nível de complexidade, constituíam linhas mestras
do projeto defendido. O SUAS aprofunda, detalha e avança as diretrizes gerais
propostas na LOAS, concretizando, pouco mais de 10 anos após a promulga-
ção da lei orgânica, a institucionalização da assistência social como responsa-
bilidade pública.
Os modos de institucionalização do SUAS se deram por meio da cons-
trução de capacidades estatais e processos de governança das relações entre
atores públicos e privados, atuando tanto na provisão estatal direta de serviços,
com a expressiva expansão da rede de equipamentos públicos voltados para
proteção básica e especial – na proteção social básica, os CRAS (Centro de
Referência da Assistência Social), e na proteção social especial, os CREAS
(Centro de Referência Especial da Assistência Social). É importante ressaltar
o papel do CRAS, equipamento da proteção social básica instalado em terri-
tórios de vulnerabilidade social, que passa a operar como porta de entrada e
referência concreta da assistência social nos territórios, dando acesso a um con-
junto de serviços continuados voltados à população em situação de vulnerabi-
lidade, além de operacionalizar o Cadastro Único para o acesso aos benefícios
monetários, incluindo o Programa Bolsa Família.
Ainda no âmbito das capacidades estatais construídas, destaca-se a or-
ganização das responsabilidades públicas na oferta de benefícios e serviços e no
avanço para identificar finalidades, princípios, públicos e institucionalidades na
compreensão da oferta de assistência social, a partir das normativas construí-
das no âmbito do SUAS. Nesse sentido, Bichir e Gutierres (2019) chamam
atenção ao caráter pouco enfatizado do avanço na construção de capacidades
estatais de regulação pública da atuação privada, com definição de novas regras
para certificação de OSC e parâmetros nacionais para a provisão dos serviços.

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Desse modo, o projeto construído pelo movimento em defesa da assis-
tência social foi institucionalizado a partir da aprovação da Lei n.° 12.435/2011,
que incorporou o SUAS à LOAS, garantindo em Lei os avanços conquistados
na IV Conferência Nacional e as capacidades estatais construídas nesse pro-
cesso. As principais alterações trazidas pela “Lei do SUAS” são exemplares do
processo de construção de capacidades estatais a partir da institucionalização
de demandas do movimento em defesa da assistência social, que implicou: for-
talecer a gestão, o controle social, o monitoramento e a avaliação da Política de
Assistência Social; aperfeiçoar o critério de acesso ao BPC; definir entidades e
organizações de assistência social; organizar a gestão da Política de Assistência
Social e vínculo com o SUAS; incluir o conceito matricialidade sociofamiliar
como estratégia para a Política de Assistência Social; definir as formas de fi-
nanciamento e competência de cada esfera de governo; vincular o pagamento
de recursos humanos pessoal com recursos dos Fundos de Assistência Social.

2) Formando recursos humanos para o Sistema Único de Saúde

A lei 12.871 de 2013, denominada de Lei Mais Médicos, aprovada


pelo Congresso, buscava interferir na demanda da insuficiência de médicos no
Sistema Único de Saúde, assim como na sua distribuição desigual no territó-
rio brasileiro. Conhecida pelo público amplo como aquela que trouxe ao país
médicos cubanos, a referida lei se assentava em mais um eixo: o de formação
médica voltada para as necessidades do sistema público de saúde. Esse eixo
implicava mudanças na oferta de cursos de medicina, priorizando regiões com
menor relação de vagas e médicos por habitante e buscando a articulação de
cursos com serviços públicos de saúde locais, em especial com a atenção básica.
A lei determinava também a obrigatoriedade da implementação dos parâme-
tros da formação médica alinhados com o sistema público de saúde, conforme
as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2001. Nascia, assim, em outubro de
2013, uma política pública denominada “Programa Mais Médicos”, pelas mãos
do Poder Legislativo e sancionada pela Presidente do país. Se a sua aprovação
foi acelerada pelo contexto de protestos de junho de 2013, o processo foi bem
mais longo e marcado por diversas tentativas de mudar a formação médica no
país pelo Movimento Sanitarista6.

6  O Movimento Sanitarista, gestado no final dos anos 1970 (Escorel, 1998), é compos-
to por profissionais de saúde, professores, estudantes, organizações diversas, entre as quais as
mais longevas são o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Em suas diferentes vertentes e formatos

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Desde os primeiros marcos legais que constituíram o SUS – a
Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Saúde –, os ativistas do Movimento
Sanitarista empreenderam as tentativas de institucionalizar o poder decisório
sobre a formação de recursos humanos em saúde, buscando tirá-lo da compe-
tência do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e movendo-o para a área
de saúde. O objetivo foi celebrado na 1a Conferência Nacional de Recursos
Humanos, realizada em 1986, e a proposta levada à Constituinte continha a
subordinação do ensino e da pesquisa essenciais para a saúde à política nacio-
nal de saúde. Esse objetivo arrojado do Movimento foi malsucedido, e entre as
competências do Sistema Único de Saúde na Constituição constou apenas um
pálido inciso de “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”,
sendo que o verbo “ordenar” era pouco utilizado na linguagem jurídica e dava
margem a várias interpretações e possibilidades (Romero, 2008). A inicia-
tiva seguinte, de passar a formação dos recursos humanos em saúde ao co-
mando do setor de saúde, excluindo dessa vez da demanda o ensino superior7,
foi empreendida no processo de votação da Lei Orgânica de Saúde (LOS)
pelo Poder Legislativo, mas também fracassou, com o veto do Presidente da
República. A formação de recursos humanos na área de saúde continuou sendo
prerrogativa do MEC.
Em 1997, abriu-se uma nova oportunidade para o movimento sanita-
rista e seu projeto de formação com o edital de consulta pública, emitido pelo
MEC, com o objetivo de recolher propostas para redefinir as novas diretrizes
curriculares dos cursos superiores, que deveriam mudar de acordo com a nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Tratava-se de mais
uma oportunidade de influenciar e, ao mesmo tempo, de garantir que os cursos
de saúde formassem os profissionais para o sistema público de saúde. A orga-
nização do Movimento, a Rede Unida, já estava desenvolvendo esse alinha-
mento da formação em algumas faculdades de medicina desde os anos 1980.
A Rede Unida entregou a proposta curricular em nome do seu coletivo
para seis cursos superiores em saúde, em 1998. Para além da entrega, mediante
os resultados parciais que não condiziam com sua proposta, a Rede Unida, jun-
to com a Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) e a Associação

organizacionais, o movimento esteve engajado em diversas companhas entre 1979 e 2012, den-
tre as quais a mobilização na Constituinte (1986-1988), com a aprovação do Sistema Único de
Saúde na Carta Magna, na defesa da Lei Orgânica de Saúde (1991-1992), e a campanha pelo
financiamento (2004-2012) (Dowbor, 2012).
7  O texto original do projeto de lei aprovado no Congresso dizia: “as escolas públicas que
formam recursos humanos para a saúde serão subordinadas ao Sistema Único de Saúde – SUS,
salvo as de ensino universitário” (Brasil. Lei No 8.080 de 19 de setembro 1990).

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Brasileira de Enfermagem (ABEn), pressionou insistentemente o Conselho
Nacional de Saúde e a Coordenação de Recursos Humanos do Ministério da
Saúde, dentre outros atores importantes da saúde, para que se posicionassem
no debate, apresentando suas sugestões a respeito do perfil do profissional de
saúde. Em 2001, o “Parecer CNE/CES n.° 1133”, que definia as diretrizes
curriculares para o ensino em Medicina, Enfermagem e Nutrição, foi homolo-
gado; segundo o coordenador da Rede Unida na época, havia “enormes coin-
cidências” entre o aprovado e a proposta da Rede Unida (Almeida, entrevista
apud Olho Mágico, 2001).
Com base nessa institucionalização das diretrizes, os sanitaristas ela-
boraram a seguir uma série de políticas públicas voltadas para a implemen-
tação delas nos cursos de saúde. Numa articulação entre a ABEM, a Rede
Unida e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), com a contri-
buição da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas
Médicas (Cinaem), foi criado em 2002 o Programa de Incentivo a Mudanças
Curriculares em Cursos de Medicina pelo Ministério da Saúde (MS), que
consistia em um sistema de incentivos financeiros às instituições acadêmi-
cas que se dispusessem a adequar a formação profissional às necessidades
do SUS (Noronha, 2002, p. 12). Vinte escolas foram selecionadas das 55
que apresentaram propostas, de um total de 95 faculdades de medicina no
país em funcionamento naquele ano (Oliveira et al., 2008, p. 337). Com
base no PROMED, em seguida foi implementado o Programa Nacional de
Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-SAÚDE) 1 e 2, que
além do incentivo financeiro às Escolas de Medicina incorporou o incentivo
financeiro para os municípios que abrigassem as Escolas de Medicina partici-
pantes do programa e os que mantivessem programas de Residência Médica
em Medicina de Família e Comunidade, o que garantia o treinamento de jo-
vens nos equipamentos públicos.
A implementação do PROMED se deu no governo Lula, quando a
Rede Unida assumiu os principais cargos e instâncias responsáveis pela for-
mação no Ministério da Saúde, que foram redesenhados para atender o foco
do Movimento na formação de recursos humanos. “Tinha um repertório [de
ações e projetos de formação] a ser posto em prática. No Ministério é as-
sim, vocês nunca sabem quanto vai durar. Então a gente disparou muita coi-
sa” (Feuerwerker, entrevista, 2012). O principal ponto desses programas
foi criar incentivos para que os cursos de medicina adotassem as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN), as quais estavam previstas em portarias do
MEC, mas não possuíam a força da lei para promover sua integração com os

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equipamentos de saúde pública. É justamente isso que muda com a Lei Mais
Médicos, que tornou obrigatório o cumprimento das DCN (Oliveira et al.,
2017, p. 66).
O Programa Mais Médicos (PMM) foi lançado em 08 de julho de 2013
pela presidente Dilma Rousseff, por meio da Medida Provisória nº 621. Nele,
se observam os eixos que guiavam as tentativas de mudanças na formação
de recursos humanos de saúde promovidos pelos atores do Movimento. A lei
aprovada pelo Congresso em 22 de outubro de 2013 recebeu 576 emendas que
alteraram diversos artigos (Oliveira et al., 2017), mas nas diretrizes leem-se
com clareza as digitais do Movimento: a obrigatoriedade de implementação
das DCN (como vimos nos programas implementados), a obrigatoriedade de
pelo menos 30% das atividades do internato ocorrerem em serviços de atenção
básica e urgência e emergência no SUS (como previa o desenvolvimento de
todo o novo ciclo de formação), e a instituição da obrigatoriedade de cursar o
primeiro ano da residência em Medicina da Família e Comunidade para ter
acesso a residência em outras especialidades (Franco & Paiva, 2016, s/p).
Em termos das capacidades técnico-administrativas do Estado para a
implementação da nova Lei, no PMM foram articuladas as capacidades já
existentes com base na legislação vinculante e nos incentivos financeiros. Por
um lado, redirecionou-se a ação formadora de universidades públicas para a
implementação de currículos voltados para a saúde pública. Incentivou-se
que os municípios abrissem seus equipamentos em saúde para programas de
Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade. Visando o au-
mento de médicos por 10 mil habitantes de 1,8 para 2,7 e a atenuação de de-
sigualdades regionais, o PMM redirecionou a atuação das IES privadas para as
necessidades públicas na medida em que o Estado passou a definir, conforme
necessidades definidas a partir do interesse público, os locais que deverão ser
beneficiados com os cursos (Pinto et al., 2019).
Em termos de capacidades relacionais e políticas, a nova Lei ampliou a
rede de atores envolvidos na sua implementação para além do MEC, trazendo
para os processos decisórios o MS, bem como articulando as instâncias do
SUS no nível municipal (Pinto et al., 2019). Um exemplo disso foi a inserção
na Lei do Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde (Coapes),
com o objetivo de elencar diretrizes de pactuação entre as instâncias do SUS
e as instituições de ensino, sob a coordenação conjunta dos Ministérios da
Educação e da Saúde. A aprovação da necessidade social para a abertura de
novos cursos e condicionamento da autorização do curso de graduação à sua

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vinculação com a estrutura da rede de serviços de saúde passou a depender do
MS e saiu da competência exclusiva do MEC.
O objetivo do Movimento, de mudar a formação médica no Brasil, se
concretizou por meio de redirecionamento das capacidades estatais já exis-
tentes na medida em que os cursos públicos de medicina deveriam agora se
nortear pela formação voltada ao SUS e pela regulação do sistema privado de
ensino superior, que pode ser lida como capacidade relacional do Estado e em-
prego das capacidades sociais. Houve avanços: “[s]egundo os dados e relatórios
do MEC, até 2016, foram criadas aproximadamente 6.600 vagas (quase 60%
do previsto) em instituições públicas e privadas. A maior equidade na distri-
buição das vagas, além de ter promovido a interiorização dos cursos, permitiu
que a oferta de vagas nas regiões Norte e Nordeste ultrapassasse uma vaga
por dez mil habitantes e se aproximasse daquela observada nas regiões Sul e
Sudeste, enfrentando uma desigualdade histórica” (Pinto et al., 2019, p. 8).

3) Os programas de proteção da Política Nacional de Direitos Humanos

Postulando a irrenunciabilidade da dignidade da pessoa humana no agir


de governos, o Movimento de Direitos Humanos (MDH) tem como propó-
sito o cumprimento de políticas públicas de proteção e promoção dos direitos
humanos para segmentos vulnerabilizados. Em estudo anterior, foi demons-
trado que as campanhas do MDH no Espírito Santo, desencadeadas ao lon-
go das décadas de 1990 e 2000 em articulação com o Movimento Nacional
de Direitos Humanos (MNDH), influenciaram a origem, formulação e im-
plementação dos programas de proteção da Política Nacional de Direitos
Humanos (PNDH) (Carlos, 2021). Assim sendo, os programas de proteção
que integram a PNDH – Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas
Ameaçadas (Provita), Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAAM) e Programa de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos (PPDDH) – foram considerados consequências do mo-
vimento na política setorial. O movimento de direitos humanos, ao produzir
resultados sobre as etapas de formulação e implementação dos programas de
proteção, contribuiu para o processo de institucionalização do direito à pro-
teção pelo Estado, engendrando capacidades estatais na burocracia pública
(Carlos, 2021).
A conquista do direito à proteção por parte de vítimas, testemunhas
e ativistas ameaçados foi decorrente das ações do MDH-ES ao longo da
Campanha Contra a Impunidade. Trata-se de uma campanha de abrangência

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nacional, lançada em Vitória, em 1992, pelo MNDH em articulação com o
movimento estadual. As principais motivações dessa campanha foram o com-
bate do crime organizado e grupos de extermínio, aos quais eram associados os
homicídios, crimes insolúveis ou sem investigação, testemunhas ameaçadas e
os extermínios de crianças e adolescentes, lideranças políticas e ativistas.
O MDH-ES é histórico, com legado de experiências, vivências e apren-
dizados ao longo de sua trajetória, com destacada expertise neste setor de polí-
tica. Na luta contra os assassinatos impunes, os extermínios e a violência ilegal
do Estado, o movimento utilizou múltiplos repertórios de ação. As estratégias e
táticas foram utilizadas para dar visibilidade ao problema e cobrar providências
das autoridades. Fatos exemplares foram a realização do Seminário “Violência
e Extermínio de Crianças e Adolescentes”, na Assembleia Legislativa do
Espírito Santo (ALES), em 10 de abril de 1991, a Carta-denúncia entregue
ao Papa João Paulo II, em sua visita à Vitória, em 19 de outubro de 1991, e
as denúncias nos jornais da mídia em 1990. Ao mesmo tempo, as passeatas,
caminhadas e atos públicos foram performatizadas ao longo da campanha, a
exemplo da passeata em protesto pelo assassinato de ativista do Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua de Vitória (MNMMR), em 1992,
a Caminhada pela Paz, a Caminhada contra a Corrupção e Crime, e os atos
públicos contra a corrupção e impunidade, entre 1999 e 2000. Nesse momento,
o movimento havia criado o Fórum Reage Espírito Santo, amplificando sua
coalizão de apoio à causa. O movimento também reuniu evidências documen-
tais a fim de comprovar as violações diante das autoridades, através de relató-
rios, dossiês e banco de dados. Grande marco foi a elaboração pelo MDH do
“Banco de Dados Sobre Violência: Perfil dos homicídios no ES”, que cata-
logou os homicídios e a violência local por quase uma década (1994 a 2001).
Repertório utilizado com recorrência foi a ocupação de cargos na burocracia
pública por ativistas do movimento.
O processo de institucionalização dos programas de proteção da PNDH
é exemplar da influência do movimento social na política pública. Trata-se
de um processo iniciado no ano 2000 pela Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República (SDH/PR), no governo Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), e aprofundado pela SEDH/PR nos governos de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) e de Dilma Rousseff (PT), entre 2003 e 2014.
O primeiro programa criado – Provita – teve sua gênese no Espírito
Santo, onde foi pioneiramente implantado, em 1998, no governo estadual de
Vitor Buaiz (PT), quando um ativista foi Secretário de Justiça e Cidadania
(SEJUC) e uma ativista foi coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos

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(NDH), tendo sido institucionalizado no ano seguinte através da Lei n.°
9.807 de 13 de junho de 1999. O Provita foi criado como instrumento de
enfrentamento à criminalidade e à impunidade, em face da ação de grupos de
extermínio e do crime organizado no estado do Espírito Santo, oferecendo
proteção às testemunhas, vítimas ou réus-colaboradores de processos jurídicos
(BEZERRA, 2009). A origem do Provita, assim, se correlaciona aos objetivos
da Campanha Contra a Impunidade da década de 1990. O projeto piloto do
“Programa de Orientação a Vítimas de Violência” do MDH-ES é indicativo
da gênese do Provita, baseado em experiências locais de proteção às vítimas e
ativistas ameaçados em situações em que o próprio Estado é o violador.
Após institucionalizado no Executivo estadual por legislação pertinen-
te, o Provita amplificou seu grau de institucionalização ao se tornar parte da
PNDH, através do Decreto Federal n.° 3.528/2000 da SDH/PR, no governo
Fernando Henrique Cardoso. Significativo do processo de consolidação do
Provita na Política Nacional de Direitos Humanos é a sua não descontinui-
dade e permanência ao longo de 22 anos ininterruptos (1998 a 2020).8 A ins-
titucionalização da demanda do movimento de proteção pelo Estado, assim,
conduziu à institucionalização da política nos níveis estadual e federal.
O segundo programa de proteção da PNDH instituído foi o PPCAAM,
também de iniciativa pioneira no ES, criado no ano de 2003 pelo governo
Lula. Foi oficialmente instituído em 2007, pelo Decreto 6.231/07 da SEDH/
PR. Nesse período, ativistas do movimento ocupavam cargos de alto esca-
lão no governo federal, sendo dois deles no Ministério de Direitos Humanos.
Antes da sua criação, os casos de violação que envolviam crianças e adolescen-
tes vítimas ou testemunhas eram encaminhados ao Provita (Brasil, 2010).
O PPCAAM é um desdobramento do Provita, especializado na proteção de
crianças e adolescentes em face dos processos de vitimização e vulnerabilidade à
violência letal desse segmento.9 No estado do ES, o PPCAAM foi inicialmen-
te vinculado à Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social
(Setades), e atualmente integra o Sistema Estadual a Vítimas e Testemunhas
da Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH-ES), órgão criado pela

8  Além do Espírito Santo, o Provita foi implementado nos seguintes estados: Minas Gerais,
Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Distrito
Federal, Acre, Amazonas e Pará.
9  Além do estado do Espírito Santo, o PPCAAM foi instituído em Minas Gerais, Rio de
Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Bahia, Distrito Federal, Acre e Pará.

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Lei n.º 830/2016. A criação desse novo organismo amplificou o grau de insti-
tucionalização da política estadual de direitos humanos.
Por fim, o terceiro programa de proteção associado aos objetivos
das campanhas é o PPDDH. No âmbito federal, o Programa Nacional de
Defensores dos Direitos Humanos foi criado em 2004, na SEDH/PR, com
o intuito de proteger pessoas ameaçadas por sua atuação na defesa de direitos
(Natalino et al., 2009). Foi regulamentado pelo Decreto Federal N. 6.044
de 12 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos. Alguns estudos apontam que o programa
nacional é fruto de intensa mobilização da sociedade civil e da incorporação
pelo Estado das normas internacionais para proteção dos direitos humanos e
das recomendações da ONU e OEA (BRASIL, 2014). No Espírito Santo, o
contexto de repressão e ameaças ao exercício do ativismo influenciou a criação
do PPDDH, formalizado através da Lei Estadual n.º 8.233/2005 da ALES,
que instituiu o PEPDDH (Programa Estadual de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos). No âmbito estadual, o PPDDH foi descontinuado pelo
governo Paulo Hartung (PMDB), desde 2016.10
Constatou-se que além de influenciar sua emergência e formulação, o
movimento de direitos humanos produziu resultados sobre a implementação
dos programas de proteção da PNDH através da sua execução por organi-
zações do movimento (CARLOS, 2021). Desde 1998, o Provita é executado
pelo Centro de Apoio aos Direitos Humanos (CADH), com sede em Vitória/
ES, se prolongando até os dias atuais, no âmbito da SEDH-ES em colabora-
ção com a SDH/PR (depois SEDH/PR). Por sua vez, o PPCAAM foi im-
plementado desde 2003, também com a execução pelo CADH, vinculado à
Setades (depois SEDH-ES) em parceria com a SEDH/PR, ao passo que o
PPDDH instalou sua coordenação executora no Centro de Defesa de Direitos
Humanos da Serra (CDDH), desde 2005 até sua descontinuidade em 2016.
A criação dos programas de proteção através de legislação pertinente,
além de contribuir para a institucionalização da política de Direitos Humanos,
ao mesmo tempo construiu capacidades estatais nos níveis estadual e federal,
fato notável por se tratar de um setor de política antes fracamente institucio-
nalizado. No que concerne às capacidades técnico-administrativas, nota-se o
provimento de serviços outrora inexistentes, como os programas de proteção
direcionados aos grupos vulnerabilizados pelas violações, ampliando o acesso

10  Atualmente, o PPDDH existe nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Maranhão,
Ceará, Pernambuco, Bahia e Pará. Os casos de ativistas ameaçados no ES estão sendo assistidos
pelo Provita Estadual ou PPDDH Federal.

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destes ao direito à proteção pelo Estado. As capacidades administrativas foram
a criação de órgãos e cargos na burocracia pública, de normativas e legislações,
e do aporte de recursos financeiros para o setor. Por seu turno, as capacidades
relacionais consistem na criação do Conselho Estadual de Direitos Humanos
(CEDH-ES), em 1997, e na criação de Fórum Nacional de Coordenadores
dos Programas de Proteção, a partir de 2003. Um fato exemplar na construção
de capacidades relacionais é a execução dos programas por organizações da
sociedade civil, num setor onde o movimento concentra expertise, habilidade e
capacidade social para operar a política.

Comparação entre os casos estudados

Os três casos apresentados retratam políticas inclusivas e de defesa de


direitos. Ao relacionarmos a institucionalização de demandas à construção de
capacidades estatais de distintos projetos de políticas públicas defendidos por
esses atores coletivos, ainda que com alcances e níveis de institucionalização
distintos, identificamos nos seus respectivos processos de interação algumas
similaridades ou condições de ocorrência, assim como diferenças, destacadas
a seguir.
É importante destacar o ponto de partida de todos os casos, sejam os
atores coletivos do Movimento de Defesa da Assistência Social, do Movimento
Sanitarista e do Movimento de Direitos Humanos - ES, que se caracterizam
por vocalizar demandas populares, mas são movimentos com organizações for-
malizadas, acúmulo de experiências de interação com o Estado e compostos
por profissionais reformistas e/ou ativistas especialistas nas respectivas áreas.
Em todos os casos, observamos duas condições importantes para a ins-
titucionalização dos projetos políticos dos movimentos sociais. Primeiro, havia,
nos três casos, acúmulo prévio de experiências em que se colocavam em prática
suas demandas em escala menor ou local, e que lhes permitiram propor os
desenhos de políticas a serem implementadas nos níveis estadual e federal. No
caso do SUAS, a atuação de ativistas em gestões petistas dos municípios de
Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo, nos anos 1990 e início dos 2000,
foram laboratórios que inspiraram alguns aspectos importantes da política na-
cional. No caso da saúde, observamos a implementação de programas de in-
centivos à formação para o SUS nas escolas de medicina e nos municípios que
as abrigassem (PROMED e PRÓ-SAÚDE) no governo Lula, ainda que sem
força de lei. Para os direitos humanos, os próprios ativistas começaram a reu-
nir evidências documentais, por meio de relatórios, dossiês e banco de dados,

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que influenciaram os programas posteriormente implementados de proteção
às vítimas e testemunhas.
Em segundo lugar, a ocupação de cargos, nos governos estadual e fede-
ral, foi uma estratégia do repertório fundamental mobilizado pelos ativistas
nos três casos, para levar ao Estado seus projetos de políticas públicas. Houve,
em todos os casos, uma clara abertura de janela de oportunidades políticas que
permitiu a ocupação de cargos pelos ativistas no Poder Executivo federal, no
contexto de governos de partidos progressistas, incluindo PT e PSDB. Essa
estratégia criou condições para introduzir novas políticas públicas em cada
área de política analisada, na medida em que esses atores coletivos influencia-
ram a construção e a implementação das políticas em questão, seja em termos
macro, como é o caso da assistência social, por meio de um Sistema Único, seja
em programas para a Saúde, como no caso da formação de recursos humanos,
e em programas de proteção e promoção de Direitos Humanos.
Na assistência social e saúde, os ativistas garantiram a implementação
das políticas junto com sua institucionalização no Poder Legislativo por meio
da lei, tornando sua desinstitucionalização a priori mais difícil, pois dependen-
te da votação no Congresso e não apenas da decisão do ocupante do cargo no
Poder Executivo, ainda que não imune às mudanças incrementais motivadas
por projetos governamentais ou da sociedade contrários àqueles percebidos na
sua motivação inicial. Essa institucionalização mais sedimentada é também
resultado de ação estratégica dos atores. No caso dos Direitos Humanos, o
respaldo internacional garantiu a estabilidade dos programas, mas também a
sua institucionalização no âmbito da PNDH engendrou sua continuidade no
tempo – nesse caso, abalizado pela articulação do movimento em redes de
atores e organizações através de campanhas históricas de abrangência nacional.
Os três casos analisados mostram que a institucionalização de demandas
resultou no desenvolvimento de capacidades estatais específicas em cada área
de política pública. Em termos político-relacionais, observamos a regulação de
atores do mercado e da sociedade civil nas políticas. Esse é o caso de institui-
ções privadas de ensino (Mais médicos), de filantrópicas (assistência social) e
organizações da sociedade civil (Direitos Humanos) em diferentes níveis de
governo e arenas (Executivo e Legislativo), que engendraram especialmente a
construção de capacidades relacionais. Nesse aspecto, observamos também que
as instituições participativas, como conselhos e conferências, foram utilizadas
pelos ativistas dos MDAS e MS para vocalização das suas demandas. No caso
do DH-ES, a inexistência ou não funcionamento do conselho no nível esta-
dual levou os ativistas a ativarem os conselhos e comissões de órgãos federais

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para vocalizarem suas reinvindicações; por exemplo, o CDDPH. Ainda assim,
verificamos como resultado desses processos de interação a criação do CEDH.
No que concerne às capacidades técnico-administrativas, em primei-
ro lugar vale destacar que nos três casos houve tanto a criação de órgãos da
administração pública no nível federal quanto de novas articulações entre os
órgãos já existentes. Em segundo lugar, garantiu-se a implementação ao criar
as estruturas capilarizadas ou descentralizadas. No caso da assistência social,
a institucionalização de demandas de atores coletivos logrou a construção de
equipamentos públicos com capilaridade em todo o território nacional, que
passaram a oferecer um conjunto de serviços, além de servir como porta de
entrada ao Programa Bolsa Família, ao operacionalizar o CadÚnico. No que
se refere ao Programa Mais Médicos, a construção de capacidades estatais
consistiu no redirecionamento dos recursos já existentes: foi inflexionada a
ação formadora de universidades públicas para a implementação de currículos
voltados para a saúde pública, incentivou-se que os municípios abrissem seus
equipamentos em saúde para programas de Residência Médica em Medicina
de Família e Comunidade e regulamentou-se a atuação das IES privadas para
as necessidades públicas.
Já no caso dos Direitos Humanos, os programas implementados a partir
da execução pelas organizações do movimento impactaram na expansão de
serviços para públicos específicos em situação de vulnerabilidade, risco e viola-
ção de direitos. Para implementar esses programas, foram criadas capacidades
estatais como as normativas regulatórias, a contratação de profissionais espe-
cializados, a descentralização de órgãos e seu financiamento com recursos es-
taduais e da União. Os programas foram implementados tendo como executo-
res as organizações do movimento e, portanto, aproveitando suas capacidades
sociais e expertises acumuladas ao longo de experiências pregressas, a exemplo
da iniciativa piloto de proteção às vítimas e testemunhas, que influenciou na
gênese do Provita.
A análise empreendida neste capítulo nos permitiu evidenciar duas
condições importantes para que esses atores coletivos tenham transformado
suas demandas em políticas públicas: o aprendizado ou legado de experiências
prévias desenvolvidas em outros níveis de governo ou com outras instituições
e atores não estatais, assim como a ocupação de cargos por ativistas na bu-
rocracia pública, especialmente com a ascensão do PT ao Executivo federal
(2003-2014)11. Nos três casos, foi também possível averiguar que os movimen-

11  Neste capítulo, iluminamos a atuação dos movimentos sociais no processo de institucio-
nalização das suas reinvindicações e construção de capacidades estatais, mas isso não significa

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tos investiram na articulação e na construção de capacidades estatais de modo
a garantir a implementação das políticas públicas, nas quais estão contidas suas
demandas e seus projetos políticos.

Considerações finais

Para entender a trajetória das políticas sociais que ao longo do pro-


cesso de redemocratização ampliaram o acesso a um conjunto de serviços e
benefícios que visam a garantia de direitos, é fundamental reconhecer a atua-
ção dos atores coletivos, sem os quais essas políticas não seriam as mesmas.
Afirmamos aqui que os movimentos sociais retratados buscavam instituciona-
lizar políticas que expressavam seus projetos inclusivos e redistributivos e que
contribuíram para o desenvolvimento de capacidades estatais necessárias para
a implementação efetiva dessas políticas. A institucionalização dos projetos se
tornou possível com a ocupação de cargos nos governos aliados pelos ativistas
de movimentos, os quais trouxeram para dentro do Estado as experiências
implementadas alhures. Essa transferência implica a existência prévia de mo-
delos e clareza das capacidades necessárias para a implementação de políticas
públicas. Evidenciamos que os movimentos foram além da aprovação sobre as
políticas de seu interesse e desenharam um conjunto de capacidades estatais.
O primeiro destaque fica para a recorrente capacidade relacional, que abarcou
a inclusão e regulação das organizações da sociedade civil e do mercado como
executores da implementação das políticas defendidas pelos movimentos. O
segundo refere-se à criação de órgãos novos da administração pública, bem
como às novas articulações entre órgãos já existentes. Em dois dos três ca-
sos, a trajetória retratada mostra a busca da institucionalização de demandas
por meio da aprovação de projetos do Poder Legislativo, o que dificulta a sua
desinstitucionalização.
Esses atores lutam pela manutenção de suas conquistas no cenário atual,
caracterizado pelas restrições institucionais, repressão do Estado e cortes de
verba pela Emenda Constitucional n. 95/2016, que limitou o teto de gastos
públicos e reduziu significativamente a responsabilidade estatal no financia-
mento das políticas sociais. Os retrocessos no cenário brasileiro incluem, além
da limitação do gasto público em políticas sociais, a extinção de conselhos, a
retirada de apoio estatal às conferências, o enfraquecimento de orçamentos

que outros atores, tais como institucionais e burocratas, e fatores, entre eles os culturais e cog-
nitivos, por exemplo, não teriam influenciado os resultados nas políticas públicas (a construção
do SUAS, Mais Médicos e programas estaduais de proteção e promoção de direitos humanos).

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participativos e a redução incremental de diversos programas sociais, dentre
outros, vinculados às políticas implicadas. A institucionalização via Poder
Legislativo, no contexto de governos conservadores e avessos à forma de im-
plementação dessas políticas sociais, até o momento permitiu a sua continuida-
de, mas não as protege das mudanças: o processo de desfinanciamento que vem
sendo denunciado no caso da assistência social ( Jaccoud, 2020) é evidência
disso. Entender esses recentes processos de desinstitucionalização (Rezende
& Dowbor, 2021) inclui a análise das trajetórias da institucionalização, como
fizemos aqui, de modo a averiguar quais são as formas efetivas para garantir a
ampliação progressiva de direitos sociais.
As questões aqui tratadas permitem indagar se a continuidade não de-
veria também ser uma pauta da sociedade por meio de mecanismos de de-
mocracia direta, como referendum, no sentido de institucionalizar algumas
políticas como essenciais, legítimas e, por isso, independentes dos ocupantes
de governo e do ciclo eleitoral. As políticas que aqui descrevemos ampliaram
acesso a serviços públicos, sejam eles prestados pelo próprio Estado, sejam eles
executados pelas organizações da sociedade civil ou ainda pelo mercado, am-
bos regulamentados pela lei, essenciais para uma boa vida de todas e todos – e
especialmente daqueles vulnerabilizados pela trajetória histórica do país. Por
isso, demonstrar que os movimentos sociais, por meio da institucionalização de
suas demandas, contribuíram para a construção dessas políticas públicas inclu-
sivas que incidem sobre as capacidades estatais e reforçam a responsabilidade
do Estado faz parte de um horizonte de debate mais amplo, que nos inspira na
produção do conhecimento.

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Sobre os colaboradores

Adrian Gurza Lavalle é professor livre docente do Departamento de Ciência


Política da USP, vice-diretor do Centro de Estudos da Metrópole, Editor-
-Chefe da Brazilian Political Science Review, Coordenador do Núcleo De-
mocracia e Ação Coletiva (NDAC) sediado no Centro Brasileiro de Análise e
bolsista de produtividade 1b do CNPq.

Camila Penna de Castro é professora do Departamento de Sociologia da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro integrante
do Grupo de Pesquisa Ativismo, Contestação e Engajamento (GPACE).

Carla Almeida é professora associada do Departamento de Ciências Sociais


da Universidade Estadual de Maringá e coordenadora do Núcleo de Pesquisas
em Participação Política (Nuppol/UEM).

Carla de Paiva Bezerra é doutora em Ciência Política pela USP e membro da


carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental, cedida
para a UFRJ. Também atua como pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação
Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDAC-Cebrap).

Cláudia Feres Faria é professora associada do Departamento de Ciência Po-


litica da UFMG. É bolsista de produtividade do CNPq e desenvolve pesquisas
sobre teoria democrática, espaço público, participação, deliberação e políticas
públicas.

Cristiane Brum Bernardes é doutora em Ciência Política (IESP-UERJ), pro-


fessora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação do CEFOR (Câmara
dos Deputados) e integrante do INCT em Democracia Digital, da Rede Glo-
bal de Pesquisa sobre Parlamentos e Cidadãos (GRNPP/SOAS) e da Rede
Internacional de Engajamento Parlamentar (IPEN).

Danniel Gobbi é doutorando em Ciência Política na Universidade Humboldt


de Berlin e especialista em políticas publicas e gestão governamental do Mi-
nistério da Economia.

Debora Rezende de Almeida é Professora Associada do Instituto de Ciência


Política da UnB. É bolsista de produtividade 2 do CNPQ, co-coordenadora do
Grupo de Pesquisa sobre as Relações entre Sociedade e Estado (RESOCIE) e
co-editora chefe da Revista Brasileira de Ciência Política.

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Eduardo Silva é professor adjunto do Departamento de Ciência Política da
UFMG e coordenador do Curso de Gestão Pública. Pesquisador do Instituto
da Democracia e da Democratização da Comunicação. Cientista Social pela
UFMG.

Ernesto Isunza-Vera é professor do Centro de Investigaciones y Estudios


Superiores en Antropología Social (CIESAS), no México, Responsável aca-
démico do CCiudadano. Construcción y Articulación de lo Público-CIESAS
e membro do Sistema Nacional de Investigadores (Nível III) do Consejo
Nacional de Ciencia y Tecnología (Conacyt).

Fernando Peres Rodrigues é doutorando e mestre em Ciência Política pela


FFLCH-USP, pesquisador Jr. no Centro de Estudos da Metrópole (CEM),
membro do Núcleo Democracia e Ação Coletiva (NDAC/Cebrap) e da Rede
ComRioComMar.

Jonas Medeiros é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen-


to (Cebrap) e integrante do Núcleo Direito e Democracia (NDD), onde rea-
lizou estágio pós-doutoral. Cientista social com doutorado em Educação pela
Unicamp.

José Szwako é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uni-


versidade do Estado do Rio de Janeiro. Organizador do “Dicionário dos ne-
gacionismos no Brasil”, investiga também os ativismos em defesa das ciências
e contrários a elas.

Kellen Alves Gutierres é doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP e


pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e
Ação Coletiva (NEPAC). Desenvolve pesquisas sobre movimentos sociais, po-
líticas públicas e crises da democracia.

Leonardo Avritzer é professor titular do departamento de ciência política da


UFMG e coordenador do INCT Instituto da Democracia e da Democratiza-
ção da Comunicação

Lígia Lüchmann é professora do Departamento de Sociologia e Ciência Po-


lítica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora do
Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS).

Lizandra Serafim é professora do Departamento de Gestão Pública da Uni-


versidade Federal da Paraíba e coordenadora do Núcleo de Estudos em Rela-
ções Estado-Sociedade e Políticas Públicas (NESPP).

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Luciana Andressa Martins de Souza é professora do Departamento de Ciên-
cias Sociais da UFES e pesquisadora do Núcleo Participação e Democracia -
NUPAD/UFES e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva NDAC/CEBRAP.

Luciana Tatagiba é professora livre-docente do Departamento de Ciência


Política da Unicamp. Bolsista de Produtividade do CNPQ e co-coordenadora
do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva
(NEPAC).

Maira Rodrigues é professora colaboradora da Pós Graduação de Políticas


Públicas da Universidade Federal do ABC - UFABC e pesquisadora do Nú-
cleo Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planeja-
mento – NDAC/CEBRAP. Doutora em Ciência Política pela USP.

Marcelo Kunrath Silva é professor titular do Departamento de Sociologia da


UFRGS. É bolsista de produtividade do CNPq e coordena o grupo de pesqui-
sa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE/UFRGS).

Marcos Paulo Dias Leite Resende é doutorando e mestre em Ciência Política


pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Fede-
ral de Minas Gerais e pesquisador do CEDE/UFMG.

Marisa von Bülow é professora do Instituto de Ciência Política da Universi-


dade de Brasília. É bolsista de produtividade do CNPq e co-coordenadora do
Grupo de Pesquisa sobre as Relações entre Sociedade e Estado (RESOCIE).

Matheus Mazzilli Pereira é professor do Departamento de Sociologia da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Grupo
de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE).

Michele Goulart Massuchin é professora dos Programas de Pós-Graduação


em Comunicação (PPGCOM) e Ciência Política (PPGCP) da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa em
Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP).

Monika Dowbor é doutora em Ciência Política pela USP, professora do Pro-


grama de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (Unisinos) e pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – NDAC/CEBRAP. É bol-
sista de produtividade do CNPQ.

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Priscila D. Carvalho é pesquisadora no Centro de Estudos Sociais da Univer-
sidade de Coimbra (pós-doutorado, 2022).Doutora em Ciência Política pela
UFMG.

Priscila Zanandrez é pesquisadora do Instituto da Democracia e da Demo-


cratização da Comunicação (INCT/IDDC) (pós-doutorado, 2022). Doutora
em Ciência Política pela UFMG.

Rafael de Souza é pós-doutorando pelo International Postdoctoral Pro-


gram (IPP-CEBRAP) e também pesquisador e membro do Núcleo de Ins-
tituições Políticas e Movimentos Sociais do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento(CEBRAP).

Rebecca Neaera Abers é professora do Instituto de Ciência Política da UnB.


É co-coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre as Relações entre Socieda-
de e Estado (RESOCIE) e co-editora chefe da Revista Brasileira de Ciência
Política.

Ricardo Fabrino Mendonça é professor associado do Departamento de Ciên-


cia Política da UFMG. É bolsista de produtividade do CNPq e da Fapemig.
Coordena o Margem e integra o INCT em Democracia Digital.

Rony Coelho é cientista político e pesquisador no Instituto de Estudos para


Política de Saúde (IEPS). Desenvolve pesquisas sobre desigualdades raciais
na saúde e é membro do grupo de pesquisa “Movimentos sociais, políticas
públicas e suas múltiplas interconexões: desigualdades, política racial, relações
raciais e processos de democratização”.

Thiago Aparecido Trindade é professor adjunto do Instituto de Ciência Polí-


tica da UnB e um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa sobre Democracia
e Desigualdades (Demodê). Desenvolve pesquisas sobre direito à cidade, se-
gregação urbana, democracia, participação e neoliberalismo.

Viktor Chagas é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia


da Universidade Federal Fluminense, bolsista de produtividade do CNPq e
bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado da Faperj. É membro do INCT em
Democracia Digital.

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esta obra foi composta
em Adobre Caslon Pro 11/14
pela Editora Zouk e impressa
em papel Pólen Natural 80g/m2
pela gráfica Odisséia
em outubro de 2022

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