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LUCAS FRANÇANI CORREIA

INTRODUÇÃO

Inicialmente, é importante destacar que o atleta profissional é aquele firmou contrato


especial de trabalho desportivo — a idade mínima para firmar o contrato é 16 anos.

Em 1976, tivemos a primeira lei que tratou da profissão de atleta de futebol, a qual
somente foi revogada em 2011 (Lei 6.354/1976).

Atualmente, aos atletas profissionais de futebol são aplicadas a Lei 9.615/1998 (“Lei
Pelé”), a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) e outras leis trabalhistas compatíveis com a
profissão de atleta, já que a própria Lei 9.615/1998 autoriza a aplicação subsidiária da
legislação laboral comum (art. 28).

A Lei 6.354/1976, previa em seu art. 6º, que a jornada seria de 8 horas com limitação
semanal de 44h. Porém, através da redação do art. 96, a Lei 9.615/1998, determinou a
revogação desse artigo.

Assim, considerando essa revogação dos artigos que tratavam sobre o tema, criou-se
uma grande controvérsia que fez parte da doutrina defender a inaplicabilidade da limitação da
jornada semanal, dadas as peculiaridades que envolvem o profissional do futebol.

Contudo, após anos, com a redação dada pela lei 12.395/11, a Lei 9.615/1998 (“Lei
Pelé”) passou a dispor, no inciso VI, do § 4º, do seu art. 28, sobre jornada de trabalho
desportiva, fixando ela em 44 horas semanais.

INTERVALO INTRAJORNADA

Considerando que não há disposição em sentido contrário na legislação específica, o


art. 71 da CLT tem aplicação subsidiária, logo, em qualquer trabalho contínuo, cuja duração
exceda de seis horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação.

Além disso, o § 2º do artigo supracitado, dispõe que os intervalos de descanso não


serão computados na duração do trabalho.

Contudo, tal regra não é aplicável aos intervalos durante as partidas, uma vez que se
trata de intervalo típico da prática desportiva, ou seja, para que o atleta reponha e se
reconstitua dentro do próprio jogo. Portanto, serão computados os intervalos na jornada e sua
duração semanal. A doutrina aponta que tal intervalo assemelha-se ao previsto no art. 72 da
CLT:

Art. 72. Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou


cálculos), a cada período de noventa minutos de trabalho consecutivo corresponderá
um repouso de dez minutos não deduzidos da duração normal do trabalho.

INTERVALO INTERJORNADA

Os intervalos entre as partidas não são mencionados na legislação pertinente, assim,


em tese um atleta pode disputar partidas após o simples espaço de 11 horas previsto na CLT
(art. 66).

Atualmente, com o vazio legal, a Confederação Brasileira de Futebol colocou em seu


Regulamento de Competições a seguinte previsão:

Art. 25 - Os clubes e atletas profissionais não poderão, como regra geral, disputar
partida em competições sem observar o intervalo mínimo de sessenta e seis (66)
horas.

Não obstante ser uma medida benéfica, o artigo supra fere a Constituição da
República, pois trata de norma de Direito do Trabalho, cuja competência para legislar é da
União e não de um órgão privado.

Contudo, na prática a norma administrativa da CBF é respeitada pelos clubes.

ADICIONAL NOTURNO

Existe uma minoritária corrente que entende ser devido o adicional noturno ao atleta
profissional de futebol, tendo em vista a redação do art. 7º, IX, da Constituição Federal e uma
suposta ausência de previsão específica sobre o tema na Lei Pelé.

Entretanto, a majoritária jurisprudência entende não ser devido o adicional, sob os


seguintes argumentos listados abaixo:

1. O empregador não escolhe unilateralmente as datas e horários das partidas. As datas


são geralmente ajustadas entre a federação e a emissora detentora dos direitos de
transmissão (por exemplo: Federação Paulista de Futebol e Rede Globo).
“(...) Nessa esteira, tampouco é devido o adicional noturno, já que a atuação do atleta
em partidas terminadas ou iniciadas em horário noturno, é parte integrante e inerente
à natureza do contrato do jogador de futebol e, nesse sentido, já se encontra
devidamente quitado. Ademais, talvez com raras exceções, a determinação do
horário de início (e, por conseguinte, do término) dos jogos não depende do arbítrio
do clube empregador, pois é determinado pelas entidades gestoras de cada uma das
competições.”
(TRT-4 - ROT: 00217690920165040021, Data de Julgamento: 24/08/2020, 9ª Turma)

2. As partidas disputadas à noite favorecem os atletas profissionais de futebol, pois os


expõe menos à incidência dos raios solares e favorece a qualidade do jogo,
considerando que o jogador cansa muito mais rápido em jogos realizados durante o
dia.

“(...) De mais a mais, as partidas disputadas à noite expõem menos os atletas às


intempéries em comparação com os jogos realizados durante o dia, quando há
incidência dos raios solares.
Ainda há de se destacar que diante da maior exposição midiática, audiência e
visibilidade, os jogos realizados às 22 horas representam maiores ganhos
econômicos, não só para o clube, mas também para os atletas, de forma direta
(direito de arena) e indireta (possibilidade de o jogador realizar propagandas
comerciais)
(0000523-24.2018.5.12.0001 – 1ª Câmara TRT-12 – Data de Publicação: 17/12/2019).

3. Os horários dos jogos se estendem até às 22h00, pois visam coincidir com o horário de
lazer dos torcedores que, direta ou indiretamente, sustentam as atividades
econômicas esportivas e os próprios salários dos atletas. E o salário deles é atrelado à
quantidade de pessoas que está consumindo as partidas.

4. O artigo 28, parágrafo 4º, inciso III, da Lei Pelé traz a figura dos “acréscimos
remuneratórios”:

§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da


Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente
as seguintes:  
III - acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-
temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme
previsão contratual;
Assim, o artigo 28, parágrafo 4º, inciso III, da Lei Pelé traz a figura dos “acréscimos
remuneratórios”, devidos justamente pela participação em partidas, além de concentrações,
viagens e pré-temporada. Ou seja, todo e qualquer adicional ao salário do atleta por essa
participação em jogos deve ser considerado, exclusivamente, como “acréscimo
remuneratório”.

É como se a Lei Pelé, em relação ao trabalho do atleta em partidas de futebol, tivesse


substituído as figuras comuns da CLT, como hora extra e adicional noturno, por uma figura
especial e única, os acréscimos remuneratórios.

Diante do exposto, entende-se que a Lei Pelé não é omissa.

Dessa forma, uma simples cláusula do contrato especial de Trabalho Desportivo,


pactuando um adicional de 20 % (percentual mais utilizado nos clubes), resolverá a questão
das horas extras e adicionais noturnos.

Entretanto, essa conclusão nos leva ao seguinte questionamento:

Caso seja apresentada uma reclamação trabalhista, na qual se requer o pagamento de


adicional noturno, deve então este atleta receber o valor do “acréscimo remuneratório” ao
invés do referido adicional?

Inicialmente, é importante destacar que o final do inciso III, possui a seguinte


colocação: “(...) conforme previsão contratual;”

A discussão sobre o tema é vasta, mas a jurisprudência se posiciona claramente em


afirmar que, se não houver previsão contratual, não são devidos os acréscimos
remuneratórios.

Ademais, caso o contrato não conste, especificamente, cláusula sobre o recebimento


de acréscimos remuneratórios pela participação em partidas, entende-se que esta é uma
obrigação contratual já remunerada pelo salário ajustado.

ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO PELO PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO (ART. 28, § 4º, III, LEI
12.395/2011) - CONCENTRAÇÃO SUPERIOR A 3 DIAS - CONCENTRAÇÃO PARA OS JOGOS NA
MESMA BASE TERRITORIAL DO RECLAMADO. Os acréscimos remuneratórios previstos no art.
28, § 4º, III, da Lei 9.615/98, são verbas de origem contratual. Portanto, é necessária a previsão
no contrato especial de trabalho desportivo, firmado entre o atleta e a entidade empregadora,
estabelecendo a remuneração adicional correspondente aos períodos de concentração,
viagens, pré-temporada e participação em partida, prova ou equivalente. Dessa forma, não há
obrigação da entidade esportiva de pagar acréscimo remuneratório pelos períodos de
concentração, caso inexistente ajuste correlato no contrato de trabalho esportivo. Isto porque,
nessa situação, tem-se a presunção de que o salário contratado entre as partes também se
destina à remuneração desses períodos.
(TRT-3 - RO: 00116684320175030137 MG 0011668-43.2017.5.03.0137, Relator: Adriana
Campos de Souza Freire Pimenta, Data de Julgamento: 29/01/2020, Decima Turma, Data de
Publicação: 31/01/2020.)

CONCENTRAÇÃO

A concentração é o período em que os jogadores são convocados a se reunir e pousar


na estrutura do clube ou hotéis, visando receber um suporte técnico para descansar e se
alimentar corretamente antes e depois dos jogos.

Então, os jogadores se reúnem para ter um acompanhamento de perto de psicólogos,


nutricionistas, fisioterapeutas, analistas de estatística e etc.

Inicialmente, o tempo de concentração foi estabelecido para que os jogadores


fizessem um tipo de “terapia coletiva” antes de grandes jogos e partidas oficiais.

A concentração serve basicamente para preservar o jogador e auxiliar para que ele
tenha um melhor rendimento na competição. Nesse momento, o empregador pode até exigir
que o atleta se alimente adequadamente, observe as horas corretas de sono, abstenha-se de
ingerir bebidas alcoólicas e treine.

O inciso I do § 4º do art. 28 da Lei 9.6015/98 permite que o clube estabeleça a


concentração até 3 dias consecutivos por semana. Além disso, o inciso II amplia esse período
de 3 dias se o atleta estiver à disposição da federação (seleção brasileira por exemplo).

Assim, considerando as particularidades já expostas, a jurisprudência majoritária


entende que o período de concentração é uma obrigação inerente ao contrato de trabalho do
atleta profissional e, assim, não se equipara ao tempo em que o empregado permanece à
disposição do empregador, aguardando ou executando ordens.

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO POR PERÍODOS DE


CONCENTRAÇÃO. HORAS EXTRAS. HORAS À DISPOSIÇÃO. INDEVIDAS. O inciso I do § 4º do art.
28 da Lei 9.6015/98 permite que a entidade de prática esportiva estabeleça a concentração até
3 dias consecutivos por semana. Logo, o tempo que o atleta se dedicou à concentração não
pode ser tomado como à disposição do empregador, mas contingência da profissão, não
merecendo o pagamento deste tempo como horas extraordinárias ou horas à disposição. Por
outro lado, nos termos do inciso III do § 4º do art. 28 da Lei 9.6015/98, somente em caso de
previsão contratual é que o atleta terá direito ao pagamento de acréscimo remuneratório em
razão de períodos de concentração.
(TRT-3 - RO: 00110373320185030180 0011037-33.2018.5.03.0180, Relator: Rodrigo Ribeiro
Bueno, Nona Turma)
Portanto, o clube de futebol pode eliminar o risco de condenação em horas extras pelo
período de concentração, se houver cláusula que preveja o pagamento de acréscimo
remuneratório.

FÉRIAS E RSR

É imperioso destacar que a regra geral das férias, prevista na CLT, não se aplica aos
atletas profissionais, por força do artigo 28, §4º, V da Lei 9.615/98 (Lei Pelé):

V– férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de


férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas.

Ademais, a concessão das férias não fica a critério do empregador, dependendo então
do calendário anual desportivo, o qual será administrado pelas entidades de administração do
desporto (CBF e Federações Regionais, no caso do futebol). No mais, as férias devem ser
concedidas sempre junto ao recesso das atividades desportivas.

Da mesma forma, é garantido ao atleta profissional 30 (trinta) dias de férias


anuais, independente do período aquisitivo anterior ao recesso de férias. A título de exemplo,
um atleta que firma um contrato especial de trabalho desportivo em setembro, com previsão
do recesso das atividades desportivas entre dezembro e janeiro, terá direito ao gozo de 30
(dias), ainda que não tenha decorrido o período de 12 meses previsto no artigo 130 da
CLT. Neste caso, apenas a remuneração do terço adicional é que será proporcional ao período
de vigência contratual decorrido até o momento da concessão.

A doutrina e a jurisprudência reforçam tal entendimento.

Ademais, destaca-se a disposição prevista na Lei Pelé sobre o repouso semanal


remunerado, no inciso IV, § 4º do art. 28:

V - repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas,


preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou
equivalente, quando realizada no final de semana;

Por fim, é importante ressaltar que, conforme entendimento jurisprudencial, o


repouso semanal remunerado pode ser concedido dentro do próprio clube, com treino
regenerativo, sem que tal fato seja configurado como tempo à disposição do empregador.

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