Você está na página 1de 11

Balduíno IV

Guilherme de Tiro descobre a doença do menino rei.


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs

Balduíno IV: o rei


de Jerusalém
herói, santo e leproso

Guerreiro providencial

Se, porém, pouco se fala da existência estável de um


extenso reino católico na Palestina, menos ainda se
realça os gloriosos fatos que lá se passaram.

E quase não se menciona a figura de um homem


excepcional, intrépido guerreiro até o holocausto por
amor à Religião católica, Balduíno IV (1160 - 1185), o rei
leproso de Jerusalém, que subiu ao trono aos 14 anos de
idade.

No momento em que as maiores adversidades se


acumulavam naquele Reino, a Providência divina parece
ter querido suscitar um homem – melhor diríamos, uma
chama de fé e coragem – para mostrar que tudo ainda
poderia ser salvo se o quisessem seguir e imitar.

Balduíno IV lutou contra a lepra, doença então incurável,


que nele se manifestou desde criança e o foi
pragressivamente transformando num morto-vivo, quase
um fantasma chagado, até levá-lo ao túmulo aos 25 anos
de idade.

Lutou continuamente, com grande inteligência e firmeza,


para resolver os graves problemas resultantes das
desavenças entre os senhores feudais, as quais lhe
causavam as maiores preocupações.

E teve de lutar, sobretudo contra numerosíssimos


muçulmanos, nunca antes tão fortes e tão unidos sob a
égide do terrível sultão Saladino, que atacava
freqüentemente o Reino católico para desmantelá-lo.

A todos esses fatores altamente adversos, Balduíno IV


soube sobrepor-se com fé e abnegação tais, que até hoje
deixam boquiabertos os historiadores que dele se
ocupam.

Nos últimos anos de sua vida, fisicamente inutilizado


pela doença, fazia-se conduzir ao campo de batalha em
liteira.

E sua presença incutia tal ânimo em seu exército e tal


pavor no inimigo que, leproso e imóvel, ganhava para
Cristo batalhas contra exércitos poderosíssimos.

“Sou um verme e não um homem” (Sl. 21, 7)

Eis seu retrato, em agosto de 1183:

“Do belo menino louro que nove anos antes havia


recebido com fasto a coroa, não restava senão um
inválido, um ser decaido, repugnante.

“O belo rosto não era mais que placas de carne marrom,


fechando três quartas partes das órbitas, das quais todo
olhar fugira para sempre, cortando-o do mundo,
mergulhando-o numa noite eterna.
“Suas mãos elegantes estavam reduzidas ao estado de
cotos. Seus dedos amortecidos haviam caído uns após
outros, putrefatos.

“Seus pés haviam tido a mesma sorte e estavam como


encolhidos pelo mais cruel dos torcionários chineses.

“Coberto de placas e bolhas, o resto do corpo não estava


diferente para se ver. Este homem que perdia pouco
toda semelhança com um ser humano comunicava-se
ainda com o mundo através de uma boca deformada.

“Pois se o corpo era pouco a pouco destruído, o espírito


permanecia firme. Ao preço de esforços por vezes
espantosos, ele continuava a assumir seu papel de rei.
“Jamais ele havia faltado a um combate, jamais fugido
a uma responsabilidade. Agora, entretanto, que a febre
fazia tremer seu infeliz corpo, no sufocante calor do
mês de agosto, pela primeira vez ele se sentia sem
possibilidades de empreender a menor coisa...

“A crise foi mesmo tão forte que ele teve medo de


morrer. Não de comparecer diante de seu Criador, pois
para isso ele estava há muito tempo preparado, mas de
privar bruscamente seu Reino, seu exército, de um
chefe”.* (Dominique Paladilhe, Le Roi lépreux, Paris,
1984).

Saladino foge

Em novembro desse mesmo ano, Saladino cerca com


grandes contingentes armados uma estratégica fortaleza
católica, o Crac de Moab.

“O exército cristão preparava-se para acorrer em


auxílio dos sitiados, infelizmente, porém, minado por
divisões internas:

“Então se produziu um acontecimento impressionante,


escreve Paladilhe. Balduíno, a quem se imaginava
agonizante, horrível e totalmente enfermo, já
mergulhado nas trevas da eternidade, parecendo
cortado do mundo, levantou-se de seu leito de mártir
como um miraculado e manifestou sua intenção de
seguir o exército.
“Animado por uma energia fora do comum, ele não
renunciou. A todos ele iria mostrar o que era ser rei...
Com ele a união se refez em torno de sua liteira de
cortinas cuidadosamente baixadas”

“À aproximação do exército cristão, os muçulmanos se


retiram: “O grande Saladino fugia diante de um
fantasma... encerrado atrás das cortinas de sua liteira”.
A simples presença do rei leproso tudo salvara.

No ano seguinte, nova tentativa dos muçulmanos: “Os


defensores do Crac viram com estupor chegar a
multidão infinita de seus agressores. Saladino tinha
praticamente dobrado suas forças”.

“Vem, por fim, o exército cristão “pronto a enfrentar em


combate desigual as forças de Saladino. O que lhe dava
este ardor, esta coragem, era uma presença no meio
dele, a de seu rei Balduíno.

“Havia da parte dele uma espécie de deliberação, de


obsessão de seu dever, à qual não faltava grandeza. Até
o fim ele queria ser um exemplo para todos de força de
vontade e de sacrifício. Ante tanta nobreza, tanto
desprendimento, as divisões internas entre os cristãos
desapareciam em torno dele.

“Há aí um caso excepcional, único na História. O sultão


ficou vivamente impressionado pela chegada heróica de
Balduíno”, e acabou por retirar-se.

Seu biógrafo conclui: em face de Balduíno IV, “como não


ficar tomado de admiração, de veneração mesmo... Em
vão se procurará, através dos milenários a quem
compará-lo. Jamais se viu reunidos num príncipe tanta
coragem e espírito de sacrifício.

“É tempo que sua face perfurada pela lepra, mas


resplandecente de uma luz interior, entre por sua vez na
legenda com Godofredo de Bouillon e São Luís”.

(Autor: Gregório Vivanco Lopes, "Catolicismo",


abril de 1992

O rei de fábula cheia de luz


sobrenatural

Esse jovem monarca, quase desconhecido na História, foi


entretanto dos mais heróicos cruzados e protótipo de
soberano virtuoso, comparável a São Luís IX.

Balduíno, filho de Amaury I de Jerusalém e de Inês de


Courtenay, nasceu no ano de 1160 na Cidade Santa,
Jerusalém. Apesar de o casamento de Amaury ter sido
anulado por questão de parentesco, os filhos dele
nascidos, isto é, Amauri e Sibila, foram considerados
legítimos herdeiros da Coroa.
Um dia em que Balduíno brincava de guerra com outros
meninos de sua idade, seu preceptor notou que,
enquanto os demais gritavam quando eram atingidos, ele
parecia nada sentir.

Perguntando-lhe a razão disso, o menino respondeu que


os outros não o feriam, e por isso não manifestava dor e
não gritava. Mas, reparando o preceptor em suas mãos e
braços, percebeu que estavam adormecidos.

Você também pode gostar