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ISSN 2177-3548

Possibilidades da Análise Funcional do Comportamento Verbal para a


Prática Clínica
Possibilities of the Functional Analysis of Verbal Behavior for the Clinical
Practice
Luciano Barbosa de Queiroz1, Fabio Hernandez de Medeiros2

[1] Universidade Federal de Goiás (UFG) [2] Universidad Veracruzana (México) Título abreviado: O comportamento verbal na clínica | Endereço para
correspondência: Luciano Barbosa de Queiroz – Av. Universitária, 1.440, Setor Leste Universitário. CEP: 74605-010 - Goiânia/GO | Email: luciano.pucgoias@
gmail.com | doi: org/10.18761/PACa1ba51

Resumo: A maior parte dos dados de que o terapeuta dispõe para a avaliação e a inter-
venção é o comportamento verbal do cliente. Apesar disso, há pouca literatura que aborda
as possíveis contribuições da análise dos operantes verbais para a terapia. Ainda que seja
possível encontrar na literatura analítico-comportamental outros paradigmas teóricos sobre
fenômenos tradicionalmente estudados como “linguagem”, a proposta skinneriana de análise
funcional do comportamento verbal merece maior desenvolvimento e mostra-se potencial-
mente fecunda. O objetivo deste artigo é promover um exercício de interpretação da interação
terapêutica a partir dos conceitos da análise do comportamento verbal, visando fins didáticos.
A exposição teórico-conceitual deste trabalho indica que a prática clínica pode ser aprimora-
da se o terapeuta fizer tais análises funcionais. Conclui-se pela necessidade da realização de
pesquisas empíricas sobre o tema e da avaliação pragmática das considerações apresentadas
neste artigo.
Palavras-chave: comportamento verbal, terapia analítico-comportamental, análise do com-
portamento, análise de contingências.

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Abstract: Most of the data available to the therapist’s assessment and intervention is the cli-
ent’s verbal behavior. Nevertheless, there is little literature that addresses the possible con-
tributions of the analysis of verbal operants to therapy. Although it is possible to find in the
analytical-behavioral literature other theoretical paradigms about phenomena traditionally
studied as “language”, Skinner’s proposal for functional analysis of verbal behavior deserves
further development and proves to be potentially fruitful. The aim of this article is to promote
an exercise of interpretation of therapeutic interaction based on the concepts of verbal behav-
ior analysis, with a view to didactic purposes. The theoretical-conceptual exposition indicates
that clinical practice can be improved if the therapist makes such functional analyzes. It is
concluded that there is a need for conducting empirical research on the topic and for the
pragmatic evaluation of the considerations presented in this article.
Keywords: verbal behavior, behavioral-analytic therapy, behavior analysis, contingency analy-
sis.

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A maior parte dos dados de que o terapeuta dispõe logenético, ontogenético e cultural (Moore, 2017).
para a avaliação do caso clínico e para o delinea- Enquanto o primeiro atua diretamente no ambiente
mento de intervenções é o comportamento verbal físico, produzindo mecanicamente as consequên-
do cliente. Apesar da utilização da análise do com- cias que o controlam, no caso do comportamento
portamento verbal para intervenções com sujeitos verbal, tais consequências são produzidas indire-
com desenvolvimento atípico (p. ex. Costa & Souza, tamente a partir da mediação de outros membros
2020; Guerra et al., 2019; Souza & Calandrini, da comunidade verbal, denominados “ouvintes”.
2022), há pouca literatura acerca das implicações Apesar de esta ser uma distinção problemática
dessa análise para a clínica com sujeitos verbal- (Medeiros et al., 2021), a partir do conceito de ope-
mente competentes. Isso é uma contradição, dado rante verbal Skinner (1957) sugere uma taxonomia
que a relação terapêutica é, principalmente, uma de operantes verbais definidos a partir de relações
interação verbal (Hamilton, 1988; Marangoni & funcionais entre classes de respostas verbais e as
Ferreira, 2018; Medeiros, 2002b; 2013; Medeiros & variáveis antecedentes (com função discrimina-
Medeiros, 2011; Medeiros & Medeiros, 2018; Meyer tiva ou motivadora) e consequentes. Ao longo do
et al., 2008; Santos et al., 2012; Virues-Ortega & texto, serão apresentados os conceitos e possíveis
Froján-Parga, 2015). implicações clínicas de operantes verbais primários
Foram empreendidas tentativas de se analisar (mando, tato e intraverbal) e de ordem superior
as implicações da análise de operantes verbais no (autoclíticos), de audiência e de controle múltiplo
âmbito da teoria e da prática terapêutica em sujei- de variáveis.
tos com desenvolvimento típico (Hamilton, 1988;
Marangoni & Ferreira, 2018; Medeiros, 2002b;
Medeiros, 2013; Meyer et al., 2008; Medeiros & Mando
Medeiros 2011; Medeiros & Medeiros, 2018; Santos
et al., 2012; Virues-Ortega & Froján-Parga, 2015). Conceito
Do ponto de vista do cliente, considera-se seu com- O mando se caracteriza como um operante verbal
portamento verbal como fundamental para a ela- em que uma resposta é controlada por operações
boração de análises funcionais e o estabelecimento motivadoras relacionadas à privação, à saciação e
de metas terapêuticas. Quanto ao terapeuta, seu ao controle aversivo e é seguida caracteristicamen-
comportamento verbal seria a principal ferramen- te por um reforçador específico apropriado a essas
ta para promover a relação terapêutica e alcançar operações motivadoras. Pode ser emitido em ou-
os objetivos terapêuticos. O objetivo principal deste tros contextos que compartilham alguma proprie-
artigo foi promover um exercício de interpretação dade de estímulo com as ocasiões em que normal-
da interação terapêutica a partir dos conceitos ori- mente foi reforçado, denominando-se, nesse caso,
ginalmente elaborados por Skinner (1957), visando de mando estendido (Skinner, 1957).
a fins didáticos. Para isso, empreendeu-se uma dis-
cussão teórico-conceitual com base em referências Relevância na prática clínica
que incluíram obras clássicas e trabalhos mais re- A análise de mandos possibilita ao terapeuta in-
centes sobre o tema. ferir operações motivadoras e reforçadores especí-
ficos que controlam o comportamento do cliente,
especialmente quando o comportamento deste
O Comportamento Verbal contradiz outras fontes de informação. Dada uma
história de vida em que esses operantes verbais fo-
Em Verbal Behavior (VB), Skinner (1957) introduz ram extintos ou punidos, uma intervenção analí-
o conceito de comportamento verbal como uma tico-comportamental a ser realizada é o treino de
subcategoria de comportamento operante. O com- mandos, mais comumente conhecido como treino
portamento não verbal e o comportamento verbal, de “assertividade” (Bosquetti & Souza, 2020). Esse
portanto, são padrões de comportamento resultan- é o caso de clientes que têm dificuldades para fazer
tes dos três níveis de seleção por consequências: fi- pedidos e súplicas, emitir ordens, e relatar vonta-

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des e desejos, o que pode resultar em uma restri- de de propriedades comuns e (4) treino de tato de
ção no acesso a reforçadores, bastante comum em respostas manifestas que passam a ser emitidas em
quadros de depressão clínica. Ser “assertivo”, nessa menor magnitude. É a comunidade verbal que esta-
perspectiva, nada mais é do que emitir mandos belece a relação de controle entre o comportamento
em ocasiões em que eles têm probabilidade de se- do falante e os eventos privados, sendo o grau de
rem reforçados. “introspecção” ou de “subjetivismo” uma realiza-
ção dessa comunidade no indivíduo (Andery, 2001;
Skinner, 1945, 1953/2003, 1957, 1969, 1974/2012,
Tato 1989/1995).

Conceito Relevância na prática clínica


No tato, uma resposta verbal está sob controle pre- A análise de tatos do cliente possibilita ao terapeuta
ciso e predominante de estímulos antecedentes não acesso a parcelas do ambiente do falante às quais,
verbais e as consequências dispostas pelo ouvinte de outro modo, ele não teria. O relato de eventos
são reforçadores generalizados. Os tatos podem privados e públicos e da história de reforçamento
ser emitidos em novas situações se elas partilha- permite a análise das variáveis que selecionaram e
rem propriedades das circunstâncias de estímulo mantêm o padrão comportamental do cliente. A
em que foram comumente reforçados na história descrição de uma tristeza profunda e constante,
de vida do falante. São denominados de tatos es- por exemplo, pode indicar a ausência ou o fraco
tendidos, a exemplo dos tatos genéricos e dos tatos controle por contingências de reforçamento positi-
metafóricos (Skinner, 1957). vo no ambiente do cliente e o predomínio de con-
Nos tatos genéricos, o estímulo particular que trole aversivo sobre o seu comportamento (Skinner,
controla a emissão da resposta é o estímulo sob 1953/2003).
controle do qual as consequências reforçadoras de O treino de tatos pode ser uma importante in-
uma dada comunidade verbal são contingentes. No tervenção terapêutica nos casos em que se identifi-
caso dos tatos metafóricos, a resposta verbal é emi- cam falhas na emissão deste operante pelos clientes
tida sob controle de uma dada propriedade de um em terapia. Ainda maior é a probabilidade de defi-
estímulo partilhada por outros estímulos, mas essa ciências na emissão de tatos sob controle de even-
relação de controle é “nova”, acontece pela primeira tos privados (Kohlenberg & Tsai, 1991; Medeiros,
vez (Skinner, 1957). 2002b, 2013; Medeiros & Medeiros, 2011; Skinner,
Em muitas ocasiões, a comunidade verbal 1945, 1957). É o caso de falantes que não conse-
pode impor um limite ao processo de extensão de guem discriminar suas emoções, sentimentos e
modo que a resposta fique sob controle somente de pensamentos ou cujo comportamento não fica sob
uma determinada propriedade do estímulo, o que controle de estímulos sutis das respostas de outras
Skinner (1957) denomina de abstração. É pela abs- pessoas. Nestes casos, pode ser necessário que o te-
tração que o falante tateia uma classe mais abran- rapeuta reproduza as estratégias que deveriam ter
gente de estímulos sob controle de alguma carac- sido originalmente empregadas pelos ouvintes de
terística ou conjunto de características partilhadas um dado cliente, corrigindo, assim, os resultados
pelas instâncias que a compõem. de sua história de condicionamento.
Parte dos eventos tateados pelo falante são Na clínica, o tato metafórico é o principal den-
privados, isto é, apenas a ele acessíveis. A comuni- tre os tatos estendidos. Em um trabalho recen-
dade verbal estabelece a relação de controle entre te, Carvalho e de Rose (2021) mostraram como a
respostas verbais e estímulos privados valendo-se extensão metafórica pode ser o resultado de uma
de quatro estratégias: (1) uso de estímulos predito- história de punição de tatos. Dessa forma, a alta fre-
res públicos correlacionados com as respostas pri- quência de emissão de tatos metafóricos na clínica
vadas, (2) uso de respostas colaterais aos eventos pode sugerir um ambiente em que tatos puros são
privados, (3) extensão de respostas sob controle de punidos. Por outro lado, ao emitir tatos metafóri-
estímulos públicos para eventos privados em virtu- cos, o cliente se comporta de forma eficaz, exer-

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ce o controle apropriado sobre o terapeuta e fala vável quando o terapeuta faz perguntas vagas, se-
mais facilmente sobre eventos aversivos. Medeiros melhantes às perguntas cotidianas. Se um terapeuta
(2002a, p. 184) cita um exemplo no qual uma clien- perguntar “Como você está?”, uma resposta muito
te, em vez de dizer que se acha feia e sem atrativos provável pode ser “Bem, e você?”, o que poderia ser
para manter o atual namorado, poderia dizer “Mas caracterizado como uma espécie de “automatismo
um príncipe não vai andar de fusca para sempre, linguístico”. Nesse caso, o cliente possivelmente não
principalmente com tanta Ferrari por aí”. Os tatos respondeu sob controle de eventos não verbais pú-
metafóricos possibilitam também que o terapeu- blicos e privados, o que constituiria um tato, mas
ta controle o comportamento do cliente de forma sob controle desta pergunta do terapeuta, a qual
menos aversiva, pontue a metáfora do cliente e in- evocou essa resposta devido às práticas de reforça-
tervenha diretamente a partir dessa resposta ver- mento características na cultura. Outra possibilida-
bal (Medeiros, 2002b, 2013; Medeiros & Medeiros, de é o cliente ter emitido tal resposta como forma
2011; Meyer et al., 2008; Skinner, 1957). de se esquivar de falar de sua tristeza ou do quanto
Finalmente, pode ser objetivo terapêutico que se sente frustrado.
o comportamento do cliente abstraia propriedades O cliente também pode, segundo Hamilton
comuns das contingências a que responde. Para (1988) e Medeiros (2002b, 2010, 2020), intraverba-
isso, o terapeuta pode utilizar estratégias, como a lizar regras emitidas pelo terapeuta ou pelas demais
formulação de perguntas, pedidos de resumos e pessoas do seu convívio, mas não agir conforme o
comparações, de modo que o cliente identifique a comportamento descrito na regra. Um exemplo é
regularidade de seu comportamento-problema em quando o cliente emite comportamentos de risco
vários contextos e as variáveis das quais ele é função fora da sessão e, diante do terapeuta, verbaliza a
(Kohlenberg & Tsai, 1991; Meyer et al., 2010). respeito de todas as prováveis consequências des-
ses comportamentos, conforme as regras emitidas
pelo profissional. A falta de correspondência entre
Intraverbal o que o cliente diz em terapia e o que faz fora dela
pode ser acentuada se o terapeuta tende a prover
Conceito reforçadores arbitrários ao comportamento verbal
Skinner (1957) conceitua o intraverbal como o do cliente (“Estou feliz que você tenha chegado a
operante que se caracteriza pelo controle de um essa conclusão”), ou quando as consequências de
estímulo verbal antecedente sobre uma resposta seguir a regra são arbitrárias e de não a seguir são
verbal sem haver correspondência ponto a ponto naturais (Medeiros, 2018).
entre eles, isto é, parcelas delimitáveis do estímulo Sobre a possibilidade de o cliente intraverbar
não controlam parcelas delimitáveis da resposta. O regras, Medeiros (2010, 2018, 2020) sugere duas
controle da resposta pelo estímulo antecedente é possíveis intervenções: 1) que o terapeuta se abs-
temático e mantido por reforço generalizado, edu- tenha de prover reforçadores e punidores arbitrá-
cacional e social. rios contingentes ao comportamento do cliente;
2) que o terapeuta coloque o comportamento do
Relevância na prática clínica cliente sob controle discriminativo das consequên-
O terapeuta deve ser capaz de distinguir quando cias descritas na regra. Assim, para um cliente que
o comportamento verbal de um cliente é um tato afirma ter chegado à conclusão de que “precisa se
ou um intraverbal (Medeiros, 2002b; Santos et amar mais”, o terapeuta poderia fazer-lhe pergun-
al., 2012; Skinner, 1957). Dada a importância dos tas como: “Quais são as implicações práticas desta
tatos para a coleta de dados e o delineamento de conclusão?”; “Caso você saia daqui hoje se amando
intervenções, a emissão exagerada de intraverbais mais, qual seria a primeira coisa que você faria? E o
pode dificultar a análise de contingências, o que que aconteceria?”.
em muitos casos decorre de possíveis semelhanças
topográficas entre eles. Medeiros (2002b, 2013) e
Santos et al. (2012) indicam que isso é mais pro-

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Operantes Verbais de Ordem muito amplas ou que o falante está emitindo intra-
Superior: os Autoclíticos verbais em vez de tatos. Após decepções amorosas,
uma cliente pode descrever uma regra muito am-
Conceito pla, como “Nenhum homem presta”, a qual pode
Os autoclíticos são operantes verbais sob contro- não corresponder às contingências naturais e a im-
le dos operantes verbais primários e que, por sua pede de se expor a novos relacionamentos poten-
vez, os modificam (Santos & Souza, 2017; Skinner, cialmente reforçadores.
1957). Enquanto comportamentos verbais, são his- O que tradicionalmente se denomina de sinta-
toricamente estabelecidos e redutíveis aos mesmos xe de uma língua, como na ordenação da fala e na
princípios gerais que regem os demais comporta- concordância, são os autoclíticos de relação (Santos
mentos. Tais “operantes de ordem superior” podem & Souza, 2017; Skinner, 1957). Eles são úteis para
ser descritivos, mandos, qualificadores, quantifica- indicar ao terapeuta a necessidade de se planejar
dores, de relação, de manipulação, de composição intervenções adicionais ou encaminhar o clien-
e de edição, explicados a seguir. te para outros profissionais, como professores de
apoio, fonoaudiólogos, neurologistas e psiquiatras.
Relevância na prática clínica Autoclíticos de relação que não correspondem às
Os autoclíticos descritivos dizem sobre o compor- práticas de reforço da comunidade verbal podem
tamento verbal do falante e as variáveis das quais indicar alfabetização precária, desenvolvimento
ele é função. Permitem ao terapeuta discriminar o atípico e transtornos neurológicos ou psiquiátricos.
estado de força do comportamento verbal do clien- Os autoclíticos de manipulação discriminam ao
te e inferir o seu estado emocional e motivacional ouvinte qual a reação adequada (Santos & Souza,
(Santos & Souza, 2017; Skinner, 1957). Um exem- 2017; Skinner, 1957). Considerando tal função, o
plo seria o de quando a cliente diz “Estou muito as- terapeuta pode inferir variáveis controladoras jus-
sustada com o rumo que minha vida está tomando”. tamente a partir dessa reação que ele tem à fala do
Um autoclítico também pode mandar o ouvinte cliente. Um exemplo é o excesso de “Se” nas falas
emitir uma determinada resposta (Santos & Souza, de um cliente depressivo. Falas como “Se eu tivesse
2017; Skinner, 1957). Autoclíticos que funcionam um corpo malhado, eu estaria namorando” ou “Se
como mandos “suavizam” as regras emitidas pelo eu tivesse dinheiro, eu teria amigos” discriminam
terapeuta, evitando uma terapia muito diretiva e ao terapeuta um padrão de esquiva a interações so-
potencialmente aversiva. Um exemplo seria o tera- ciais, que contribui para o quadro depressivo.
peuta dizer “Já reparou que você sempre age assim Os autoclíticos de composição mandam o ou-
quando é contrariado?” Já os autoclíticos qualifi- vinte produzir um comportamento verbal para que
cadores modificam o comportamento do falante ele possa reagir eficazmente, como em “ambos” e
ao qualificarem comportamentos com função de “vice-versa” (Santos & Souza, 2017; Skinner, 1957).
tato. Quando emitidos pelo cliente, discriminam O terapeuta pode inferir que os comportamentos
ao terapeuta que os operantes primários que eles verbais do cliente são de fuga e esquiva ou que são
acompanham são fortes por causa de alguma va- aversivos condicionados quando ele emite autoclí-
riável que ainda não foi identificada (Meyer et al., ticos de composição em excesso, como “e assim por
2008; Skinner, 1957). Por exemplo: “Eu não gosto diante”, “essas coisas, sabe?”, “entre outros”, e “etc.”.
do modo como ele fala comigo” (negação) pode ser Autoclíticos como um olhar malicioso, de rai-
funcionalmente diferente de “Eu me sinto intimida- va, de suspeita, uma risada nervosa, irônica, o tom
do com o modo como ele fala comigo” (asserção). de voz, e o ritmo e a velocidade da fala devem ser
Os autoclíticos quantificadores modificam o analisados pelo terapeuta. Eles indicam (1) que, na
comportamento do ouvinte pela quantificação de história de vida do falante, os operantes verbais que
um tato (Santos & Souza, 2017; Skinner, 1957). A eles acompanham foram punidos; (2) que o terapeu-
análise deles contribui para que o terapeuta infira ta ainda não reverteu a indução de estímulos, ainda
o controle do comportamento do cliente por regras exercendo controle como uma audiência potencial-
mente punitiva e (3) que o terapeuta é, de fato, uma

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audiência punitiva, controlando aversivamente o repertório de auto-observação do cliente e (5) que


comportamento do falante. Portanto, o estabeleci- o comportamento verbal do cliente é muito contro-
mento do terapeuta como audiência não punitiva lado por reforçamento social, em caso de excesso
é fundamental para a diminuição da frequência ex- de edição, ou é pouco controlado por reforçamento
cessiva desses autoclíticos (Meyer et al., 2008). social, em caso de pouca ou nenhuma edição. Para
Meyer et al. (2008) argumentaram que se, por esses autores, falar muito sobre um mesmo assunto
um lado, a emissão excessiva de autoclíticos indica pode ser edição, uma vez que esse comportamento
ao terapeuta uma história em que o relato do clien- é incompatível com falar sobre assuntos passíveis
te de certos comportamentos foi punido ou que o de consequências aversivas. A principal intervenção
terapeuta ainda exerce controle como audiência pu- deve ser o terapeuta controlar o comportamento do
nitiva, a pouca emissão de autoclíticos pode discri- cliente como audiência não punitiva e bloquear, em
minar uma relação terapêutica estável e um contro- casos extremos, a esquiva.
le do profissional como audiência não punitiva. O
terapeuta também pode emitir autoclíticos a fim de
“suavizar” as suas intervenções e seu próprio com- Audiência
portamento verbal, caso uma terapia mais diretiva
seja aversiva para um determinado cliente ou ela Conceito
reforçaria os seus comportamentos-problema. Um A audiência é o controle que um ou mais indiví-
terapeuta que emite autoclíticos frequentemente duos exercem sobre o comportamento do falante
não apenas é modelo para o cliente de autoconheci- como um estímulo antecedente (Fonai & Sério,
mento e de conhecimento do outro como também 2007; Skinner, 1957). Ela (1) controla uma ampla
é modelo de relacionamento interpessoal eficaz (p. parcela do repertório do falante, como o idioma;
ex. “Eu sinto que você não está inteiro na interação (2) discrimina o contexto em que uma subdivisão
comigo”). O cliente aprende que o cuidado da fala particular e mais estrita do repertório do falante
e a expressão precisa de pensamentos e sentimentos será reforçada, como jargões e gírias; (3) discrimina
facilitam a constituição de relações reforçadoras, a o assunto ou o tema apropriado em um determi-
exemplo da relação terapêutica. nado episódio verbal e (4) exerce controle sobre o
No delineamento de intervenções, Meyer et comportamento do falante juntamente com outros
al. (2008) afirmaram que o terapeuta pode elabo- estímulos discriminativos. A audiência discrimina
rar um treino de autoclíticos para ensinar o cliente a disponibilidade de consequências reforçadoras,
a emitir esses operantes, facilitando a análise dos a ausência dessas consequências (extinção) ou o
comportamentos que eles acompanham (p. ex. contexto em que o comportamento verbal é punido
“Você acha ou tem certeza? São coisas diferentes”). (audiência negativa).
Esse treino ampliaria o contato do terapeuta com o
ambiente do falante e aprimoraria o repertório de Relevância na prática clínica
habilidades interpessoais e de auto-observação do Skinner (1953/2003, 1957), Medeiros (2002b,
cliente. Estratégias como modelagem, instrução e 2013), Medeiros e Medeiros (2011) e Santos et al.
modelação devem ser usadas. (2012) apontaram duas importantes implicações do
Os autoclíticos de edição dizem respeito à pos- conceito de audiência para a clínica: (1) o controle
sibilidade de o falante manipular ou cancelar a sua do cliente como audiência sobre o comportamento
própria resposta verbal. Skinner (1957) e Meyer et verbal do terapeuta e (2) o controle do terapeuta
al. (2008) alegaram que a ocorrência de edição e como audiência não punitiva sobre o comporta-
a emissão de autoclíticos de edição podem indicar mento verbal do cliente. No primeiro caso, o profis-
(1) uma história de punição do comportamento sional emite palavras, expressões, assuntos e temas
verbal do falante; (2) que o terapeuta ainda não re- típicos do repertório do cliente e de sua comuni-
verteu a indução de estímulos e, portanto, seu con- dade verbal. Ao fazer isso, o terapeuta mostra que
trole como audiência potencialmente punitiva; (3) entende o falante e se interessa pelo que este diz,
que o terapeuta é uma audiência punitiva; (4) fraco diminuindo a assimetria da relação entre eles.

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O uso do controle aversivo por audiências ne- múltiplas”. Outros exemplos de respostas verbais
gativas pode gerar efeitos, como (1) fuga e esquiva, sob controle múltiplo de variáveis são as respostas
(2) emissão de comportamentos incompatíveis e su- manipulativas, como os mandos manipulativos e os
pressão comportamental (i.e., a redução na proba- tatos imprecisos (Medeiros, 2002b, 2013; Medeiros &
bilidade do responder), (3) ausência de repertório Medeiros, 2011; Santos et al., 2012; Skinner, 1957).
de autoconhecimento (i.e., o cliente não é capaz de Os mandos manipulativos se dividem em man-
descrever o seu comportamento e as variáveis que dos disfarçados de tatos e mandos distorcidos. Os
o controlam) e (4) respostas emocionais, a exemplo primeiros são respostas verbais com função de
da raiva e da ansiedade. Grande parte das queixas mando, mas que se assemelham topograficamente
dos clientes se relaciona a tais efeitos. Quando o te- às respostas verbais que caracteristicamente funcio-
rapeuta se estabelece como audiência não punitiva, nam como tatos. Os mandos distorcidos, por ou-
os comportamentos punidos do cliente passam a tro lado, têm topografia e função de mandos, mas
ser emitidos em sessão (i.e., aumentam de frequên- o reforçador especificado na topografia é diferente
cia), bem como comportamentos incompatíveis, de do reforçador do qual esse comportamento é real-
fuga e esquiva e respostas emocionais, diminuem mente função.
de frequência. Entre as vantagens clínicas estão: (1) Os tatos imprecisos incluem os tatos distorci-
aumento da confiança, da intimidade e da expo- dos e os enganos e ilusões. Os tatos distorcidos estão
sição do cliente, (2) diminuição da resistência em mais sob controle dos reforçadores generalizados
emitir comportamentos punidos e da frequência de do que dos estímulos antecedentes (p. ex. dizer a
comportamentos verbais manipulativos, (3) além verdade “dourando a pílula”), enquanto os enganos
do aumento do autoconhecimento e da “integração e ilusões estão relacionados a interferências no con-
do self” (o cliente emite e discrimina os compor- trole do estímulo (p. ex. chamar um estagiário pelo
tamentos que estavam suprimidos pela punição) nome do filho) (Medeiros, 2002b, 2013; Medeiros &
(Medeiros, 2002b, 2013; Medeiros & Medeiros, Medeiros, 2011; Santos et al., 2012; Skinner, 1957).
2011; Medeiros & Medeiros, 2018; Santos et al., As consequências aversivas estão entre as múl-
2012; Skinner, 1953/2003, 1957). tiplas variáveis que controlam o comportamento
verbal. No eufemismo, uma resposta mais fraca,
porém menos passível a punição, é fortalecida em
Controle Múltiplo de Variáveis detrimento de outras respostas. Lapsos verbais e es-
quecimento súbito revelam o mesmo efeito do con-
Conceito trole aversivo (Michael et al., 2011; Skinner, 1957).
Raramente o comportamento verbal está sob o con- Ainda sobre o controle múltiplo de variáveis,
trole de apenas uma variável antecedente ou conse- o conceito de estimulação suplementar diz respei-
quente. Uma mesma variável pode controlar várias to à possibilidade de o ouvinte ativamente adicio-
respostas (controle divergente) bem como mais de nar estímulos para evocar respostas verbais que já
uma variável pode controlar uma única respos- existem com alguma força no repertório do falan-
ta (controle convergente). (Catania, 1998/1999; te, suplementando o controle exercido por outras
Medeiros, 2002b, 2013; Michael et al., 2011; variáveis. Os estímulos suplementares podem ser
Skinner, 1957). Um caso especial é o que Skinner de dois tipos: (1) prompts, quando o ouvinte sabe
(1957) denomina de “grupo temático”, quando uma quais respostas devem ser evocadas e (2) probes,
classe de respostas se encontra sob controle das quando ele não sabe. Os prompts e os probes, por
mesmas variáveis. sua vez, podem ser formais ou temáticos, a depen-
O controle múltiplo ocorre, por exemplo, quan- der do tipo de controle que os estímulos exercem
do a audiência e outros estímulos antecedentes sobre as respostas, constituindo, pois, quatro tipos
controlam um grupo de respostas, e quando duas de variáveis suplementares: (1) prompts formais, (2)
ou mais audiências controlam conjuntamente o re- prompts temáticos, (3) probes formais e (4) probes
pertório ou parte do repertório de um falante, na- temáticos (Skinner, 1957).
quilo que Skinner (1957) denominou de “audiências

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Relevância na prática clínica Para os casos em que as frequências de mandos


A análise das respostas verbais sob controle múl- disfarçados e mandos distorcidos são muito altas,
tiplo revela variáveis que, de outro modo, não se- Kohlenberg e Tsai (1991) e Medeiros (2002b) defen-
riam descobertas (Catania, 1998/1999; Medeiros, dem que o terapeuta possa confrontar gentilmente
2002b, 2003; Medeiros & Medeiros, 2011; Meyer o cliente, bloqueando a esquiva (p. ex. “Diga-me o
et al., 2008; Michael et al., 2011; Skinner, 1957). O que você realmente deseja”). O terapeuta também
terapeuta pode se deparar com várias respostas do pode instruir o cliente a emitir mandos diretos e di-
cliente sob controle da mesma variável ou com uma zer para ele os prejuízos da grande emissão de man-
única resposta sendo controlada por diferentes va- dos disfarçados e mandos distorcidos. Estratégias
riáveis. Desespero, agressão e brigas, por exemplo, de auto-observação e autoconhecimento podem
podem estar sob controle de reforçadores condicio- permitir que o cliente discrimine os mandos mani-
nados generalizados (atenção social). pulativos e as variáveis que os controlam, facilitan-
A avaliação dos mandos disfarçados e dos man- do que ele mesmo as manipule.
dos distorcidos emitidos pelo cliente em sessão Tatos distorcidos em excesso podem indicar (1)
pode indicar (1) uma história de punição de man- uma história de reforçamento de tatos distorcidos
dos diretos, (2) controle aversivo no ambiente atual em detrimento de tatos puros, (2) um ambiente
(externo à terapia) do cliente, (3) controle aversivo externo atual que reforça tatos distorcidos em alta
na relação terapêutica ou (4) o fato de que o te- frequência ou que pune tatos puros, (3) que o tera-
rapeuta ainda não reverteu a indução de estímu- peuta ainda não se constituiu uma audiência não
los, isto é, seu controle como mais uma audiência punitiva devido à indução de estímulos, (4) uso do
potencialmente punitiva (Medeiros, 2002b, 2013; controle aversivo na interação com o cliente, (5)
Medeiros & Medeiros, 2011; Meyer et al., 2008; uso de reforçadores arbitrários e (6) emissão de re-
Michael et al., 2011; Santos et al., 2012). Ao inter- gras pelo terapeuta em alta frequência ou impossí-
vir, o terapeuta primeiramente deve se estabelecer veis de serem seguidas, dadas as condições atuais
como audiência não punitiva e extinguir mandos do cliente (Medeiros, 2002b, 2010, 2013; Medeiros
disfarçados, respondendo a eles como se fossem ta- & Medeiros, 2011; Medeiros & Rocha, 2004; Santos
tos puros, e mandos distorcidos, respondendo a eles et al., 2012; Skinner, 1957). Nestes casos, recomen-
como mandos diretos (Medeiros, 2002b, 2013). A da-se que o terapeuta (1) se estabeleça como uma
um cliente que diz “Nossa, está tudo tão caro! Meu audiência não punitiva, (2) evite dispor de reforça-
dinheiro não está dando para nada!” sob controle dores arbitrários, (3) pergunte sempre sobre os re-
da consequência de uma possível redução no valor forçadores naturais dos comportamentos do clien-
da sessão, o terapeuta pode responder “Sim, está te, (4) evite perguntas amplas, clichês ou passíveis
tudo caro mesmo”. Nesse caso, a extinção do mando de evocarem tatos distorcidos intraverbalizados e
disfarçado possibilitará a variabilidade comporta- (5) diminua a quantidade de regras fornecidas e,
mental e, assim, a emissão de mandos diretos. quando for emitir alguma, verificar se ela está ao
Mandos distorcidos, como “Você é formado? alcance das condições atuais do cliente.
Há quanto tempo?”, “Onde você se formou?”, “Você Outras possibilidades de intervenção são a
tem filhos?”, podem estar sob controle não das res- extinção de tatos distorcidos e o treino de emis-
postas do terapeuta, mas da esquiva do cliente em são de autorregras (Medeiros, 2002b, 2013, 2020;
falar de si mesmo. Caso o terapeuta identifique que Medeiros & Medeiros, 2011; Santos et al., 2012).
essas perguntas funcionam como mandos distor- Além de diminuir o caráter diretivo da terapia, algo
cidos, em vez de ficar versando sobre seu percur- aversivo para muitos clientes, o treino de autorre-
so profissional, ele pode extinguir essas respostas gras permite que o falante aprenda a fazer análises
e fazer perguntas ao cliente que discriminem que das contingências que controlam seu comporta-
o comportamento de este falar de si mesmo é que mento. O treino de tatos diminui a probabilidade
será reforçado: “Mas e você? O que você traz hoje de racionalizações uma vez que amplia o repertório
à sessão?”. de autoconhecimento (Medeiros & Rocha, 2004).
Enganos e ilusões podem indicar operações moti-

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Possibilidades da Análise Funcional do Comportamento Verbal para a Prática Clínica 143-154

vadoras poderosas em vigor e a ocorrência de lap- Medeiros & Medeiros, 2011; Meyer et al., 2008).
sos, eufemismos, esquecimentos e ironias aponta Além disso, contribui para a interpretação beha-
para contingências de controle aversivo. viorista radical de fenômenos comumente aborda-
A avaliação e a intervenção terapêutica podem dos por outras perspectivas psicológicas e muito
ser aprimoradas se o terapeuta utilizar estimulação comuns na prática clínica, como lapsos verbais,
suplementar (p. ex. perguntas, sugestões de filmes “chistes”, eufemismos, ironias e respostas manipu-
e documentários, lições de casa etc.), possibilitando lativas emitidas pelo cliente em sessão. Finalmente,
analisar outras variáveis que controlam o compor- a análise dos operantes verbais permite uma visão
tamento verbal do cliente e que poderiam não ser analítico-comportamental acerca dos dados coleta-
conhecidas. As perguntas do terapeuta que facili- dos a partir de testes psicológicos e métodos clíni-
tam a emissão de autorregras e a modificação de cos consagrados, a exemplo do Teste de Associação
regras que governam o comportamento do cliente de Palavras, associação livre, Teste de Apercepção
são prompts, a exemplo da intervenção conhecida Temática (TAT) e o Teste de Rorschach.
como “questionamento reflexivo” (Medeiros, 2020). Para a intervenção, o psicólogo pode replicar
Esse recurso consiste em uma cadeia de perguntas estratégias da comunidade verbal para o ensino
abertas e tematicamente relacionadas com o obje- de mandos, tatos, respostas verbais não manipula-
tivo de levar o cliente a formular uma autorregra. tivas, autoclíticos e edição. Ao ser uma audiência
Os questionamentos também podem ser probes não punitiva, ele reverte, pelo menos parcialmen-
quando o profissional não sabe quais respostas se- te, uma história de controle aversivo que dificultou
rão dadas pelo cliente, como na anamnese. Testes e esse treino. O controle do cliente como audiência
métodos consagrados, como o Teste de Apercepção sobre o comportamento verbal do terapeuta tam-
Temática (TAT), Teste de Rorschach, a associação bém facilita a constituição de uma relação genuí-
livre e a caixa de brinquedos são recursos pode- na e de confiança. Editando o que diz, o terapeuta
rosos para o acesso a material privado (Medeiros, contribui para uma intervenção menos aversiva
2002b; Medeiros & Medeiros, 2011; Meyer et al., (Medeiros, 2002b, 2013; Meyer et al., 2008).
2008; Skinner, 1957). Portanto, a análise do comportamento verbal
pode contribuir decisivamente para a avaliação e
a intervenção terapêuticas com sujeitos verbal-
Considerações Finais mente competentes (Hamilton, 1988; Medeiros,
2002b, 2013; Medeiros & Medeiros, 2011; Meyer
A análise do comportamento verbal do cliente é et al., 2008). Trazer interpretações mais recen-
valiosa para a avaliação e a intervenção terapêu- tes sobre linguagem no interior da Análise do
tica em relação à queixa ou ao problema clínico Comportamento, como a Teoria das Molduras
(Hamilton, 1988). Na avaliação, uma contribuição Relacionais (Hayes et al., 1999), não foi objetivo
da análise do comportamento verbal seria a infe- deste artigo, porque se supõe que o estudo dos ope-
rência de variáveis que podem exercer controle so- rantes verbais como propostos por Skinner (1957)
bre o comportamento do cliente, como operações e suas implicações para a clínica ainda precisa de
motivadoras, controle aversivo, parcelas do am- mais desenvolvimento. Tampouco foi objetivo, com
biente do falante, história de reforçamento e even- as discussões trazidas aqui, esgotar as possíveis aná-
tos privados (Medeiros, 2002b, 2003; Medeiros & lises e recursos terapêuticos a partir dos conceitos
Medeiros, 2011; Meyer et al., 2008). Essa inferência originalmente propostos por Skinner e ampliados
de variáveis amplia a coleta de dados e aprimora as por autores subsequentes. Para tanto, recomenda-se
análises de contingências realizadas pelo terapeuta a revisão da literatura mencionada. Espera-se que o
sobre o caso clínico. presente artigo auxilie terapeutas na formulação de
A análise do comportamento verbal do clien- análises funcionais e na elaboração de estratégias de
te facilita a avaliação da própria relação terapêu- intervenção, bem como instigue futuras pesquisas
tica, permitindo que o profissional infira o tipo de sobre o tema.
controle que ele exerce (Medeiros, 2002b, 2013;

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